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AVALIAÇÃO FUCIONAL Marcelo Riberto & Linamara Rizzo Battistella
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AVALIAÇÃO FUNCIONAL MedicinA de reABilitAção
A
s origens da Medicina Física remontam à tradição centenária da utilização de
agentes físicos como o calor, o frio e a água com fins terapêuticos, e especificamente à introdução, em 1890, da diatermia terapêutica - uma forma de aquecimento profundo com a utilização de ondas curtas. Os princípios da Reabilitação Médica foram formulados inicialmente durante o tratamento de soldados em 1919, após a Primeira Guerra Mundial. A fusão destes conhecimentos na Medicina Física e de Reabilitação ocorreu na década de 1920, ganhou força na década de 30 e foi estimulada pela Segunda Guerra Mundial. Por volta de 1947 a MFR foi decretada oficialmente como especialidade pela Comissão Americana de Especialidades Médicas. No Brasil, a Associação Brasileira de Medicina Física e de Reabilitação - ABMFR - existe oficialmente desde 1954. A Fisiatria – do grego “physio”, ou natureza; uma menção aos agentes (físicos) da natureza usados com finalidades terapêuticas (calor, frio, água, eletricidade) – é o nome abreviado da especialidade e o Fisiatra, um médico especialista em Reabilitação.
conceitos iniciAis de FuncionAlidAde e incApAcidAde Qualquer intervenção na área de saúde deve partir de uma avaliação rigorosa e o mais completa possível do problema a ser manuseado, seja do ponto de vista individual ou coletivo, para que objetivos sejam traçados e estratégias mais adequadas sejam escolhidas. Na Medicina Física e de Reabilitação (MFR), assim como nas demais especialidades médicas, o aforismo acima enunciado continua válido e ainda apresenta particularidades adi-
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cionais, pois alguns conceitos relacionados a aspectos abstratos exigem claro delineamento para que se entenda o âmbito de intervenção da especialidade.
A MFR é orientada por uma abordagem biopsicossocial voltada à deficiência e incapacidade.
Ela se fundamenta num modelo atual que foi desenvolvido em cooperação com organizações que o utilizam e adotam a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da OMS, aprovada pela Assembléia da Organização Mundial de Saúde (OMS) em maio de 2001.
O modelo para entendimento da funcionalidade humana da CIF está representado na figura
1 e permite a visualização da inter-relação dos conceitos apresentados adiante.
O entendimento da funcionalidade humana parte da normalidade fisiológica (funções do
corpo) e anatômica (estruturas do corpo), entendida como a integridade das funções fisiológicas e das partes anatômicas do corpo, seja do ponto de vista estatístico ou qualitativo, mesmo que a idéia de “normalidade” seja fruto de contestação ideológica.
De posse de um corpo sadio, o individuo devidamente estimulado poderá realizar tarefas do
seu cotidiano, às quais chamaremos de atividades. Quando houver composição de atividades e a presença de outras pessoas nas situações de vida, o termo proposto será participação. Com isso, estão definidos três níveis de observação da funcionalidade humana: o corpo, a individualidade e a sociedade.
Exemplificando, uma pessoa destra pode ter uma amputação de um dedo da mão esquerda,
não poder mais tocar violino e ser aposentado do seu emprego na orquestra sinfônica. Neste exemplo simples os problemas são descritos nos diferentes níveis citados no parágrafo acima: a estrutura do corpo - dedo; a atividade – tocar violino e a participação – trabalhar na orquestra.
Estado de Saúde (distúrbio ou doença)
Funções e Estruturas Corporais
Atividade
Participação
Fatores Ambientais
Fatores Pessoais
Fatores Contextuais
Figura 1 Modelo da funcionalidade humana da CIF
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Os aspectos negativos das funções e estruturas do corpo, são definidos como deficiências, os problemas para realizar atividades são limitações a atividades e no âmbito das participações usa-se a expressão restrição a participação. No exemplo mencionado acima, deficiência é a ausência do dedo, a limitação é não poder tocar o instrumento e restrição é a impossibilidade de trabalhar. Classicamente, o conceito de incapacidade referia-se apenas às dificuldades que a pessoa poderia apresentar para realizar as atividades. todavia, devido a dificuldade para definir precisamente quando se falava de deficiência ou incapacidade, ou quando a incapacidade se referia ao âmbito pessoal ou social, preferiu-se ampliar o termo incapacidade para todos os aspectos negativos da funcionalidade, resultantes da interação do indivíduo com fatores de contexto. Os fatores de contexto são um construto de aspectos da realidade dos indivíduos que não estão diretamente relacionados ao corpo ou à saúde, mas que interferem de forma decisiva na resultante final de atividade ou participação. Podem ser didaticamente divididos em duas categorias: fatores pessoais e fatores ambientais. Os fatores ambientais estão todos componentes do meio exterior ao indivíduo que interferem na sua funcionalidade, tais como tecnologia, ambiente natural e modificações realizadas pelo homem, redes de apoio, atitudes das pessoas, serviços públicos, sistemas organizacionais e políticas. Por outro lado, os fatores pessoais são as características de uma pessoa que a tornam única e distinta das demais. São fatores intrínsecos, como aspectos biométricos, sexo, idade. também incluem aspectos da história de vida pessoal, como formação educacional, experiências prévias, atitudes e crenças pessoais. No exemplo acima, suponhamos que o paciente que teve a amputação do dedo tenha um plano de seguro para as suas mãos e, em virtude de não poder mais tocar o violino, receba uma indenização para o resto da sua vida. Como conseqüência da amputação também apareceu uma queixa de dor na mão. Por um tempo, ele ficou deprimido, mas a renda mensal lhe permitiu um bom nível de vida. O programa de reabilitação, por meio de medicamentos controlou o humor e o suporte emocional permitiu enfrentar o afastamento do violino. Ele decidiu aproveitar sua afinidade com a música e seu perfil de liderança para iniciar a carreira de regente, com o que voltou a freqüentar os palcos de outrora. Desde a amputação, ele vinha recebendo benefício previdenciário
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de “auxílio doença” e aguardava sua aposentadoria. Todavia, mediante a constatação pelo perito de que ele havia voltado ao trabalho na orquestra, o benefício foi interrompido e a aposentadoria foi negada. Ele não se importou com a interrupção do benefício, tendo em vista que a renda oriunda do seguro e do trabalho como maestro o superava muito. Uma nova perspectiva do indivíduo passa a ser percebida quando os fatores de contexto são considerados. Aspectos pessoais, como a frustração com a amputação e incapacidade causada por ela, representa uma barreira interna ao desenvolvimento da funcionalidade. Todavia, a ressignificação da situação com a ajuda do suporte psicoafetivo do Programa de Reabilitação e controle da dor, o aproveitamento das habilidades prévias e da dinâmica pessoal de relacionamento, são facilitadores. Ainda, é necessário destacar que o suporte financeiro propiciado pelo seguro, o benefício previdenciário, o apoio pelo serviço de saúde e atitude sem preconceito da orquestra ao aceitá-lo na regência são fatores ambientais com claro efeito facilitador.
Os fatores de contexto podem, portanto, atuar como facilitadores ao incrementar as po-
tencialidades do indivíduo para realização de atividades ou participação. Em contraposição, as barreiras são os aspectos do ambiente e da pessoa que impedem total ou parcialmente essas realizações e que não estão diretamente relacionados à condição de saúde.
Quando uma pessoa com uma condição de saúde não faz uma atividade no seu dia-a-dia,
mas frente a uma situação de teste ou durante uma sessão terapêutica ela consegue fazê-lo, o que se observa é a capacidade. Em contraposição, aquilo que ela de fato faz na sua rotina diária é o seu desempenho. A distância entre a capacidade e o desempenho deve ser sempre observada, pois destaca a interferência dos fatores de contexto sobre as atividades e participações. Se, por um lado o tratamento médico e as terapias de Reabilitação atuam aumentando a capacidade (curam o corpo, ou aumentam a força, a coordenação, a eficiência dos órgãos etc), a identificação dos facilitadores e barreiras permite intervenções que otimizam o desempenho, tornando-o o maior possível.
No exemplo com o qual viemos trabalhando, uma barreira importante foi a desestruturação
da auto-imagem e das expectativas do músico que se viu incapacitado. A capacidade para reger estava presente, mas o desempenho era muito inferior, pois o fator pessoal (forma de enfrentamento do problema) impedia o seu potencial. O suporte psicoafetivo agindo como fator ambiental facilitador, permitiu o estabelecimento de um novo plano de vida de restauração da capacidade de trabalho (igualando a capacidade e desempenho).
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O modelo, teoricamente, não privilegia a etiologia e adota uma terminologia aceita mundialmente para mensurar a funcionalidade no nível do indivíduo e também considera os aspectos socioambientais. Este modelo teórico é útil para a definição e avaliação de qualquer programa e intervenção de Reabilitação. Ele identifica a patologia subjacente, os problemas no nível do funcionamento dos órgãos e da estrutura corporal permitindo reconhecer o potencial para restauração / otimização da funcionalidade do indivíduo. Além disso, este modelo leva em consideração a habilidade de participação em sociedade, a qual depende não somente da funcionalidade do sujeito, mas também de fatores contextuais que afetam a vida e o ambiente do paciente e seus familiares.
AvAliAção dA incApAcidAde Partiremos do modelo de entendimento da funcionalidade humana exposto acima para relacionar aspectos que devem ser sistemática e rotineiramente observados na pessoa com deficiência. estruturas do corpo Partindo do parâmetro anatômico de normalidade, descreve-se a alteração morfológica atual. São aspectos normalmente observados na Pessoa com Deficiência motora: a amplitude de movimento articular, deformidades da coluna e do esqueleto apendicular, trofismo muscular, aspecto da pele e anexos, amputações ou ausência de membros ou segmentos de membros. Recursos propedêuticos complementares à inspeção visual são radiografias e outros recursos de imagem, medidas objetivas como comprimento, circumetria (facilmente documentados com uma fita métrica) e registro da movimentação articular com um goniômetro. Figura 2 Goniometria do tornozelo
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Funções do Corpo
As primeiras funções a serem
observadas são os aspectos cognitivos, como o nível de consciência, linguagem, qualidade de voz, organização do pensamento, crítica quanto ao próprio estado de saúde e funcionalidade. Essa avaliação pode ser complementada por testes neuropsicológicos de sofisticação variada que podem ser realizados em ambiente de consultório ou em situações mais controladas. Estes aspectos das funções cognitivas serão aprofundados na aula de Lesões Encefálicas Adquiridas no Adulto. Como a incapacidade motora é o tema central deste texto, daremos ênfase a descrição da avaliação das funções fisiológicas mais relacionadas ao movimento:
• Força: avaliada por meio do teste manual de força, que é de fácil realização em consultório
e na beira do leito e serve para avaliação grosseira de segmentos corpóreos com deficiências mais graves. Outros recursos para quantificação da força são os testes com pesos fixos definindo a carga máxima para a realização de 10 repetições ou podem ser usados dinamômetros isométricos ou isotônicos;
• Reflexos e tônus muscular, bem como sensibilidade superficial e profunda, coordenação motora
e visuo-espacial, percepção visual e auditiva são adequadamente avaliados no exame físico.
• Padrão de marcha – deve ser avaliado por meio da observação do paciente no consultório
se as dimensões do mesmo assim o permitirem. Avaliações mais precisas podem ser feitas com sistemas eletrônicos que quantificam parâmetros como:
- Qualidade da marcha: terapêutica, domiciliar, comunitária;
- Necessidade de dispositivos auxiliares de marcha;
- Velocidade da marcha;
- Tamanho do passo;
- Cadência;
- Cinemática: a relação entre os segmentos do corpo durante a marcha;
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- Cinética: as cargas e forças aplicadas a cada segmento do corpo durante a marcha;
- Eletroneuromiografi a de superfície: o recrutamento muscular em cada fase do ciclo de marcha.
Figura 4 Análise cinemática e eletromiográfica da marcha
• avaliação podobarométrica: é um recurso computadorizado, no qual a pressão nas difer-
entes regiões da planta do pé é obtido por meio de transdutores que podem ser adaptados aos sapatos e possibilitam a avaliação durante a marcha. É particularmente útil nos quadros dolorosos, deformidades dos pés e pés insensíveis. Outros aspectos relacionados à avaliação global do paciente e que interferem diretamente sobre a capacidade funcional são aqueles relacionados ao sistema cardiovascular (pressão arterial, freqüência cardíaca, débito cardíaco, condicionamento cardiovascular, condições arteriais periféricas), respiratório (freqüência respiratória, parâmetros espirométricos), hematológico (anemia), metabólicas (equilíbrio hídrico, salino, metabolismo de carboidratos, lipídeos e proteínas). Como parte rotineira da propedêutica, mas com especial importância na avaliação da Pessoa com Deficiência, estão a avaliação gastrointestinal (particularmente Figura 5 Podobarometria
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com relação a padrão de evacuações, aspectos de fezes e necessidade de laxantes ou outros facilitadores) e genitourinário (tanto no desempenho e satisfação com a vida sexual, fertilidade, bem como controle, aspecto e recursos usados para diurese). Estas avaliações serão exploradas com mais detalhes na aula sobre Lesão Medular.
Atividades e participações Um conjunto básico de atividades são entendidas como aquelas que são efetuadas quase pela totalidade das pessoas em condições normais num dado contexto social – a elas atribui-se a expressão atividades de vida diária (AVD). Nelas estão contidos os seguintes subgrupos:
• Auto-cuidados: alimentação, higiene pessoal e banho, vestuário, controle esfincteriano e
uso do vaso sanitário;
• Transferências: consistem da mudança de posição do corpo e da passagem de uma super
fície para outra, como passar de sentado para em pé ou de uma cama para a cadeira;
• Locomoção no plano, rampas e escadas;
• Comunicação, incluindo a compreensão e expressão, por meios verbais ou não-verbais;
• Resolução de problemas básicos e complexos, com a identificação dos mesmos, proposição de
soluções e auto-correções.
Todavia, outras atividades e participações que exigem a utilização de recursos ou treinamentos específicos também são habitualmente realizadas e interferem na funcionalidade como um todo. Também são chamadas atividades de vida prática (AVP) ou atividades instrumentais de vida diária (AIVD):
• Aprendizado e utilização do conhecimento, como ler, escrever, calcular etc;
• Cuidados domésticos;
• Vida financeira;
• Uso de meios de transporte;
• Interação interpessoal, na família, com amigos, desconhecidos e vida romântica;
• Trabalho remunerado ou não;
• Vida comunitária, entendida a partir de atividades de socialização, esporte, lazer, partici
pação em associações e vida religiosa.
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Cada um dos tópicos mencionado acima pode ser estudado e quantificado isolado ou em conjunto com os demais por meio de entrevista, com escalas qualitativas ou quantitativas. uma dimensão que permeia todas as síndromes incapacitantes é a independência. Em maior ou menor grau de acordo com o quadro de cada paciente, a possibilidade de definir o curso a ser dado para a própria vida pode estar comprometido, reduzindo a autonomia na tomada de decisões. A dependência implica necessariamente na disponibilização de esforço externo ao indivíduo para satisfação das suas necessidades. um dos fatores que destaca a importância da dependência são suas repercussões sobre o indivíduo, a família e a sociedade. Assim, a pessoa que se torna dependente pode passar a ter uma pior avaliação do seu valor, comprometendo sua auto-estima e cronicamente resultando em depressão. Por outro lado, é necessário entender que a educação ocidental e urbana reforça a crença de independência e é de se esperar que ela se torne um valor pessoal, assim como a religião ou outros princípios pessoais. Desta forma, o comprometimento da independência por conta da instalação de uma deficiência resulta na desestruturação da auto-imagem, agravando ainda mais o quadro emocional e as perdas. Para a família, a instalação de uma pessoa dependente exige a disponibilização de recursos – seja na forma de contratação de mão-de-obra ou eleição de um Cuidador entre os membros da família – comprometendo a renda ou relacionamentos. A prestação de cuidados a uma pessoa dependente pode ser extremamente desgastante à medida que o Cuidador também perde a sua autonomia e passar a precisar ficar disponível para a pessoa de quem ele cuida. O tempo dedicado ao outro é uma das maiores fontes de estresse entre Cuidadores. No âmbito social, a independência está diretamente relacionada à participação, ou seja, quanto mais independente, maior a participação em atividades sociais, trabalho, lazer etc. todavia, essa associação não é absoluta, havendo os felizes exemplos de pessoas que apesar da enormidade das suas deficiências e da extrema incapacidade, ainda assim alcançam participações de destaque em cargos de gestão privada ou pública e na vida acadêmica. A Medida de Independência Funcional (MIF) é um instrumento de avaliação da quantidade de cuidados que uma pessoa requer para as AVD. uma série de 18 atividades são avaliadas a partir da quantidade de cuidados, ou nível de dependência, numa escala qualitativa de 7 níveis. Assim, a pontuação 18 é a mais baixa e indica maior nível de dependência, enquanto o valor 128 refere-se a independência completa para as atividades consideradas. A MIF é um instrumento padrão para
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avaliação dos custos associados ao cuidado diário de uma pessoa, especialmente em países nos quais as pessoas com deficiência podem receber de seus seguros (sociais ou privados) o direito a ir para instituições especializadas ou obter suporte contínuo de cuidadores pagos. Ela também permite determinar as intervenções de reabilitação a serem implementadas, pois identifica os aspectos mais comprometidos do indivíduo. Também possibilita o acompanhamento da evolução funcional de forma quantitativa. (consultar “Formulário de avaliação da MIF”)
Participação Reabilitação para Inclusão Social
A Organização Mundial da Saúde, desde o século passado, afirma que saúde não é apenas
ausência de doença e conceitua saúde como completo “bem-estar” biopsicossocial. Esta afirmativa sinaliza o entendimento da qualidade de vida como fator de importância na percepção do sujeito sobre sua saúde. A interação com o meio social em que está inserido, o acesso aos bens e serviços disponibilizados aos demais cidadãos, o reconhecimento do seu próprio papel e de sua importância dentro do núcleo familiar e da comunidade são alguns dos requisitos indispensáveis à qualidade de vida.
Qualidade de vida, na definição da OMS, é a percepção do indivíduo de sua posição na
vida, no contexto de sua cultura e no sistema de valores e em relação às suas expectativas, padrões e preocupações. A qualidade de vida ou os sentimentos que expressam esta condição – felicidade e bem-estar – são uma preocupação antiga e muito relevante para as Pessoas com Deficiência. O acesso à Reabilitação é um direito humano básico, garantido pela Declaração das Nações Unidas (1993) e pela 58ª Resolução da Assembléia da Organização Mundial de Saúde (2005). Além disso, o Estado Brasileiro assegura pela legislação o acesso das Pessoas com Deficiência aos serviços de saúde.
A igualdade de acesso à Reabilitação e a participação social sem qualquer forma de discrimi-
nação são os fundamentos de uma sociedade justa. As Pessoas com Deficiência devem ser participantes ativos na criação e no desenvolvimento dos serviços de reabilitação. As boas práticas na reabilitação garantem que a Pessoa com Deficiência esteja no centro da abordagem multidisciplinar e
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seja capaz de fazer escolhas quanto aos objetivos e processos do programa de reabilitação. A prevalência da incapacidade é aceita na maior parte dos países desenvolvidos como em torno de 10%. No Brasil, o Censo Demográfico 2000 do IBGE mostrou que 14,5% da população tem algum tipo de deficiência. As populações estão envelhecendo e isso implica num acréscimo de pessoas com incapacidade. A Reabilitação é eficaz na redução da carga da incapacidade e no aumento das oportunidades de inclusão social para as Pessoas com Deficiência. Prevenir as complicações secundárias decorrentes da imobilidade, da lesão cerebral e da dor produz muitos benefícios tanto qualitativamente para o completo estado de saúde do indivíduo como quantitativamente em termos de implicações financeiras para a sociedade. O objetivo maior da Reabilitação é garantir autonomia e independência funcional às Pessoas com Deficiência, consideradas as restrições impostas por deficiências resultantes de doenças ou lesões. Na prática, este objetivo é atingido mais satisfatoriamente através de uma combinação de medidas para superar ou trabalhar com as deficiências do paciente e medidas para remover ou reduzir as barreiras à participação do indivíduo em seu ambiente familiar e social. Os dois resultados fundamentais da Reabilitação que devem ser demonstrados são o bem-estar da pessoa e sua participação ativa na sociedade incluindo a profissionalização. uma variedade de modelos conceituais foi proposta para compreender e explicar a incapacidade e a funcionalidade. Esses modelos podem ser expressos em uma dialética de “modelo clínico” versus “modelo social”. O modelo clínico considera a incapacidade como um problema da pessoa, causado diretamente pela doença, trauma ou outro estado de saúde, que requer assistência médica fornecida através de tratamento individual por profissionais. Os cuidados em relação á incapacidade têm como objetivo a cura ou a adaptação do indivíduo e mudança de comportamento. A assistência médica é considerada como a questão principal e, em nível político, a principal resposta é a modificação ou ampliação do acesso à saúde. O modelo social de incapacidade, por sua vez, considera a questão principalmente como um problema criado socialmente e, basicamente, como um desafio à inclusão plena do indivíduo à sociedade. O impedimento não é um atributo de um indivíduo, mas sim um conjunto complexo de condições, muitas das quais criadas pelo ambiente social. Assim, o enfrentamento do problema requer ação social e é responsabilidade coletiva da sociedade fazer as modificações ambientais necessárias para a participação plena das pessoas com incapacidades em todas as áreas da vida social. Por-
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tanto, é uma questão de atitude ou ideológica que requer mudanças sociais que, em nível político, transformam-se em questões de direitos humanos. De acordo com este modelo, a incapacidade é uma “questão política”. É preciso considerar o risco de se polarizar ou ideologizar uma questão que certamente significa agravo à saúde e, portanto, depende de medidas eficientes e cientificamente comprovadas para o controle e recuperação sem esquecer do impacto traduzido pelo ambiente hostil e pelas condições sociais inadequadas.
Fatores de contexto Fatores ambientais
Os fatores ambientais são classificados em 5 grupos fundamentais:
• Produtos e tecnologia – incluindo os artefatos desenvolvidos pelo homem a partir do
conhecimento tecnológico, conhecidos como ajudas técnicas. Está incorporado aqui quase todo o armamental terapêutico usado pelo Médico generalista ou especialista, como medicamentos e dietas, mas também todas as adaptações efetuadas no meio ambiente para aumentar a desempenho pessoal, como próteses, órteses, auxiliares de marcha, recursos de acessibilidade física, dispositivos de ampliação visual ou auditiva, ergonomia, meios de comunicação, entre outros.
- Próteses: são recursos tecnológicos de substituição de um órgão ou membro. Exemplos de
membros protéticos: pé, perna, membro inferior, mão, dedos, mama, pênis, olho.
- Órteses: são recursos tecnológicos de substituição de uma função ou aumento de desem-
penho. Exemplos de órteses: suropodálica, cruropodália, coletes, posicionamento de punho e dedos.
- Adaptações: são modificações do instrumental de trabalho para a realização de AVD ou AVP.
- Meios auxiliares de marcha: são os recursos tecnológicos de suporte ao corpo durante a mar-
cha. Exemplos: muletas, bengalas, andadores.
- Cadeiras de rodas: lembrando que há um sem-número de adaptações disponíveis, podem ser
de propulsão manual ou mecânica-motorizada.
Estas ajudas técnicas devem ser avaliadas com relação ao real impacto que têm sobre o
desempenho. Isso significa verificar se elas são realmente utilizadas. Características como custo
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e disponibilização por recursos públicos interferem no acesso a tais recursos. todavia, não basta apenas tê-los, é necessário verificar se estão adequadamente adaptados ao corpo, se o peso não é excessivo, a qualidade e durabilidade do material, pontos de pressão e dor causada pelo uso, outras formas de desconforto ou irritação da pele.
• Ambiente natural: contempla os aspectos geográficos relativos a relevo, hidrografia, população, animais e poluição;
• Apoios e relacionamentos: são as pessoas e grupos sociais com quem os indivíduos se relacionam;
• Atitudes: compreendem os comportamentos, ações e crenças das pessoas ou grupos de pessoas com quem os indivíduos se relacionam;
• serviços, sistemas e políticas: são as instituições públicas ou privadas e a forma como elas interferem sobre a funcionalidade das pessoas.
BArreirAs AtitudinAis e inclusão sociAl uma atitude é uma disposição ou sentimento em relação a uma pessoa ou coisa. No cotidiano, a atitude de um profissional em relação a um paciente ou a uma situação é importante porque atitudes de superioridade e conceitos incorretos podem ser barreiras em potencial ao diagnóstico e tratamento bem-sucedidos. A atitude de um profissional é especialmente importante ao tratar com populações especiais tais como Pessoas com Deficiência. A Deficiência de uma pessoa pode ser vista pelo profissional como uma característica negativa. Além disso, este profissional pode ter o sentimento de que uma Pessoa com Deficiência é diferente de uma pessoa normal. Em ambos os casos, estas atitudes ou reações podem afetar a qualidade do atendimento profissional à Pessoa com Deficiência. Por exemplo, um gestor da área de saúde preconceituoso pode efetuar a distribuição dos recursos de forma a deixar de fora as Pessoas com Deficiência. As atitudes negativas da mídia podem influenciar de forma contrária a sociedade, compondo o resultado adverso que se caracteriza como preconceito e discriminação. O ambiente cultural e social influencia as atitudes das pessoas. É importante mensurar estes efeitos, avaliar o impacto destas atitudes na alocação de recursos e nas políticas públicas. É fundamental a implementação de ações administrativas para reverter estas crenças e oportunizar o entendimento sobre a diversidade na construção de uma sociedade justa.
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Alocação de Recursos para a Assistência à Pessoa com Deficiência Uma das discussões mais relevantes na definição das estratégias de assistência no âmbito da Medicina Física e Reabilitação é a questão da alocação de recursos. Freqüentemente se justifica a dificuldade do planejamento pela falta de informações adequadas; no entanto, a experiência tem mostrado que os dados do Censo 2000 do IBGE são adequados e suficientes para o planejamento e estimativa de alocação de recursos.
É preciso romper este círculo cruel que não disponibiliza recursos porque não tem dados, e
por falta de recursos não se implementa uma assistência de qualidade e, a falta de assistência se reflete na falta de série histórica. Assim, mesmo considerando-se a possibilidade de equívocos, devemos utilizar a base de dados do IBGE e propor políticas de operacionalização da assistência. Além dos dados do IBGE, destacamos a importância dos registros no sistema SIH-SUS decorrentes das internações hospitalares.
As informações do SUS traduzem a urgência do tema e a necessidade de implementação
das boas práticas de reabilitação. Em 2005, o total de internações do SUS considerando todos os Estados brasileiros correspondeu a 11.739.975, excluindo-se as internações decorrentes de partos e outras causas maternas (Data SUS/2005).
O número de internações por acidentes vasculares cerebrais de todos os tipos somou 204.203,
refletindo um percentual de 2,23% (fonte: SIA-SUS, 2005). Um número não conhecido de pacientes com quadros mais leves é atendido nos pronto-socorros e nas unidades clínicas, o que nos permite inferir que os registros hospitalares são dos casos moderados e graves e, portanto, com risco efetivo de seqüelas. Se 10% desses pacientes - conforme os dados do DATASUS-Mort - vão a óbito, é de se supor que tenhamos 20.000 novos casos por ano com necessidade de assistência reabilitacional, cuidados médicos, órteses e medicamentos. Na linha das doenças crônico-degenerativas, os acidentes vasculares cerebrais são os de maior prevalência.
Desde 1980, observa-se uma mudança no perfil de internações e mortalidade por causas
externas.
Em 1980, os acidentes de trânsito assumiam uma grande importância. Na década de 90, a
obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, a melhoria do sistema de atendimento pré e intra-
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hospitalar e a introdução em 1998 do novo Código de trânsito Brasileiro foram decisivos para o declínio observado nessas ocorrências. Entre os acidentes de trânsito, permanecem as altas taxas de atropelamento e acidentes com moto. No capítulo das causas externas, chama atenção a tendência crescente das agressões e dos ferimentos por arma de fogo. Malta e colaboradores registram o processo de implantação da política de redução da morbimortalidade por acidentes e violência; no entanto, os números obtidos nos registros de internações do SuS ainda se apresentam como um desafio às políticas de saúde e segurança e um alerta para a Política Nacional de Reabilitação, que tem nesse jovem – preferencialmente do sexo masculino, vitimizado pela violência – o alvo de sua atenção. Nos mais de onze milhões de internações no Brasil, o SuS registra: > 98.977 (1,08%) de pacientes com traumatismo crânioencefálico > 6.393 (0,07%) de amputações dos membros superiores > 3.666 (0,04%) de amputações dos membros inferiores > 3.476 (0,04%) de traumas raquimedulares Estes números não incluem as doenças que podem evoluir para lesões medulares, ou os distúrbios metabólicos e plurimetabólicos que podem evoluir para amputações de membros. A avaliação circunstancial dos números registrados no DAtA-SuS nos remete a uma situação desafiadora, que é providenciar a necessária infra-estrutura para mais de 300.000 novos pacientes a cada ano, sem considerar a freqüência dos agravos de infância que em decorrência da anoxia neonatal, das infecções do sistema nervoso central e das malformações congênitas exigem um atendimento de Reabilitação especializado e articulado com o sistema formal de educação.
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Referências
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Edusp, 2003. 325 p.
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habilitation Medicine, European Union of Medical Specialists (Physical and Rehabilitation Medicine Section). White Book on Physical and Rehabilitation Medicine. Madrid; Universidad Complutense de Madrid, 1989.
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4. SOUZA, Maria de Fátima Marinho de, MALTA, Deborah Carvalho, CONCEICAO, Gleice
Margarete de Souza, et al. Análise descritiva e de tendência de acidentes de transporte terrestre para políticas sociais no Brasil. Epidemiol. Serv. Saúde, v.16, n.1, p.33-44, mar. 2007.
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6. Divisão de Medicina de Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. Movimento sem barreiras. São Paulo: DMR HC FMUSP, 2005. 104 p.
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