9 minute read

paulo

Next Article
dEmia

dEmia

SãO PAULO de todos os tempos

geraldo nunes

Advertisement

Jornalista, escritor e blogueiro, participa das publicações da Editora Matarazzo desde 2016.

ConHeça as dianas de são paulo

Um curso desenvolvido pela professora historiadora, Maria Lúcia Perrone Passos, no início dos anos 2000, ensinou seus alunos a conhecer as estátuas e os monumentos da cidade de São Paulo.

A população sempre apressada não se dá conta das belezas dessas obras de arte, ainda vítimas do descaso e da sujeira nas vias públicas.

Mesmo assim o estudo se mostrou interessante pela série de curiosidades existentes. Um exemplo é a presença na capital paulista de várias Dianas esculpidas ou pintadas por artistas plásticos de renome.

Diana é uma deusa greco-romana que glorifica a luminosidade a lua e favorece a caça. Filha legítima de Júpiter, obteve do pai o direito de não se casar para continuar edificando santuários nos bosques destinados à reprodução dos animais. Entre os paulistanos há exemplos de várias dessas esculturas, uma delas no tradicional Parque da Luz, onde a deusa pode ser visitada no conjunto formado pelo aquário, a ilha dos amores e o lago.

Jardim da Luz

Os gregos a chamavam de Artemis, a deusa que obteve de Zeus, a companhia de 60 ninfas para protegê-la e louvá-la. A partir do domínio da Grécia pelo Império Romano, foi batizada pelo nome Diana. Sua representação mais famosa está no Museu do Louvre, em Paris. A escultura de 1790, é de Jean-Antoine Houdon, onde ela aparece de pé.

pelo artista plástico Victor Brecheret, toda em mármore, felizmente está salva. Ela está na parte interna do Teatro Municipal. Na estátua ela aparece sentada, tendo um bicho de estimação ao lado.

Teatro Municipal

Uma Diana muito bonita era a da Praça do Correio, mas como o bulevar do Anhangabaú passou por reformas, não sabemos se ainda está lá. Certa vez chegou a ser roubada e depois voltou para lá faltando parte do braço esquerdo. A Diana Caçadora, toda em bronze, foi doada à prefeitura pelo Liceu de Artes e

Museu do Louvre

Em São Paulo, a Diana esculpida

Ofícios.

Praça do Correio

Existem outras três Dianas em tela que fazem parte do acervo do Museu de Arte de São Paulo - MASP, na Avenida Paulista.

Uma delas leva o nome: O Banho de Diana, é de François Clouet, de 1572. A outra é de Eugène Delacroix, de 1798 e se chama Diana surpreendida por Acteão.

Do famoso artista plástico Ticiano Vecellio, o Masp possui a tela cujo título é, Diana e Callisto, de 1556.

▲ Diana and Callist

No Largo do Arouche há uma escultura que alguns dizem ser uma Diana, outros não. Ela se chama Depois do Banho, foi toda esculpida em bronze, mas o rosto da estátua é o de uma mulher indígena, então seria uma Diana Tropical. ▼ Diana depois do banho

O Largo do Arouche já foi um lugar cheio de estátuas, com muitos bustos um ao lado do outro. Ali funciona a Academia Paulista de Letras e os rostos de vários imortais foram homenageados, mas alguns desses bustos foram roubados. Até onde sei, a Diana do Arouche seguia por lá, mas está cada vez mais difícil visitar o centro da cidade sem voltar deprimido. Quem te viu, quem te vê, amado centro ainda repleto de arte e cultura.

Conversas na “suCursal” Thais Matarazzo

Rua Itajaçu, bairro do Pacaembu, São Paulo. Toco a campainha do porteiro eletrônico. Escuto a voz de Tatiana Belinky. “ – Pode entrar. Já sabe, na segunda porta à direita”. O portão antigo de baixa estatura se abre. Coração ansioso, mais uma tarde de bate-papo com a grande escritora. Adentro a sua residência toda acarpetada, dobro à direita e logo avisto Tatiana em sua “sucursal”, como nomeou o seu cantinho preferido na parte térrea de sua casa. Está sentada em uma confortável poltrona verde e com as pernas apoiadas em uma baqueta. Tem ao colo a sua “escrivaninha portátil” – uma almofada verde amarrada com uma madeira servindo como base –, durante décadas datilografou e tamborilou milhares e milhares de páginas em sua máquina de escrever, mas o tempo “gasta tudo”, conforme dizia, “estou na idade do ‘condor’, com dor nas articulações, nos joelhos, nos braços, nas mãos etc.”, e para continuar sua produção literária, voltou aos velhos tempos do papel e da caneta. Tudo era manuscrito em cadernos ou papeis avulsos, sua letra continuava firme, forte, certeira e bem humorada.

Na “sucursal”, passava a maior parte do dia – para quem vinha de fora, aquele local parecia mágico. A iluminação natural entrava pela enorme janela estilo anos 1950, quando vinha à noite, para enxergar melhor, usava uma lanterna e duas luminárias com grandes e flexíveis braços. Lá, trançava rimas, produzia crônicas, textos diversos, livros, conversava ao telefone, ouvia rádio, lia jornais, revistas, livros, recebia visitas – sua agenda era repleta (impressionante a sua disposição!) – realmente foi uma pessoa generosa! Tinha uma mesa de rodinhas, com pernas de ferro e tampa de madeira escura, que ficava à sua frente, com todos os acessórios que precisava: canecas com lápis e canetas coloridas, uma garrafa de água, régua, lixas de unha, lupas, relógio, portaguardanapos, uma garrafa de café (sempre quentinho!), livros, revistas, jornais, cadernos, papeis e uma bruxa bem vestida, de nariz enrugado, cabelos grisalhos e segurando uma vassoura – como a Baba Yaga da sua infância (só faltava o pilão voador) – e que dava uma risada estridente e assustadora, aliás, havia bruxas espalhadas por toda a casa, Tatiana as recebia de presente.

Ela possuía predileção (e certo “ciúme”) de uma boneca de pano, de vestido branco com bolinhas vermelhas, e de trancinhas arrebitadas... A Emília! Presente de um admirador. A Emília não saía de sua companhia, sempre que alguém pedia para tirar fotos, ela pegava a boneca.

Depois, ela revelou o porquê do bemquerer por aquela Emília: quando Tatiana e Júlio Gouveia, seu marido, produziram a série O Sítio do Pica-pau Amarelo para a TV Tupi, nos anos 1950, Júlio lembrou-se de uma foto da esposa pequenininha, segurando um bichinho de pelúcia e usando trancinhas arrebitadas. Então, sugeriu que para composição da personagem Emília, ela deveria ter tranças arrebitadas. “Nas ilustrações dos livros do Lobato, a Emília não tinha tranças. O Júlio cismou que ficaria mais fotogênica e engraçada, e ficou mesmo. A atriz Lúcia Lambertini fazia a Emília, e fez magistralmente! Era a própria Emília!” Ladeando a sua poltrona, havia duas estantes simples de madeira. A da esquerda, mais alta, com muitos livros, pastas, caixas, bruxas, vasinho com flores, a Emília, cartinhas que recebia dos leitores. À direita, estava um móvel mais baixo, com telefone, agenda e um rádio, e muitas revistas, jornais e papeis.

O destaque especial da estante era um porta-retrato, que ficava na altura dos seus olhos, com uma fotografia de imensa afeição para Tatiana: ela bem pequenininha, com o seu amado e adorado pai, Aron Belinky, um homem fino e sensível, poeta, contador de histórias, performático ao declamar poemas. “Uma pessoa muito especial. Eu falo com ele todos os dias, sonho com ele. Era tão delicado que quando eu tinha 3 anos não entrava no meu quarto sem bater na porta e pedir licença. Meu papai é maravilhoso!”, contava.

Sobre sua mãe, Rosa Belinky, dizia:“Minha mãe era uma rosa cheia de perfumes e espinhos, um metro e meio de dinamite. Totalmente diferente do meu pai. Mamãe era telúrica, dessas pessoas de pés no chão e mãos no bisturi de dentista, ela se formou cirurgiã dentista em 1914. Era dentista e comunista. Corajosa e forçuda. Cantava horrores, dona de uma voz quente, de mezzo-soprano, não era só cantora, era intérprete, cantava desde canções revolucionárias até dor de cotovelo”. A escritora também fazia muitas referências amorosas ao seu marido e parceiro de vida e arte, Júlio Gouveia, e seus dois filhos, Ricardo e André (este falecido aos 26 anos). Conversávamos sobre muitos assuntos, literatura, poesia, jornalismo, televisão, teatro, artes em geral, animais, pessoas, coisas do cotidiano, quer dizer, eu mais escutava do que falava. Entretanto, eu adorava mesmo quando Tatiana narrava suas próprias memórias, tinham o sabor e o aroma dos seus livros de crônicas, mas “ao vivo e em cores” era muito melhor! Escutar uma mulher sábia, equilibrada, com senso de humor e “boa de prosa”, transmissora de conhecimentos através da tradição oral, é fantástico!

Poderia destacar aqui várias passagens interessantes que escutei dos diversos bate-papos que tivemos, mas vou destacar duas histórias.

Lembro-me, certa vez, de Tatiana contar sobre os tempos pioneiros da TV Tupi, dos programas que escrevia, traduzia ou adaptava, como o Sítio do Pica-pau Amarelo, ela disse às gargalhadas:“Naquela época, não havia programas para crianças na TV, o que existia eram programas de auditório com público infantil. Sabe quem era a “Xuxa” daquele tempo? A Virgínia Lane, estrela do teatro de rebolado, animava e apresentava um programa na Tupi. Ela fazia o trabalho dela muito bem, sabia como lidar com o público do auditório, a criançada gritava e pulava. Usava um maiô, com orelhas de coelhinho e rabinho, e mostrava suas bonitas pernas. Nada muito sexy. Nunca ninguém reclamou, depois, quando apareceu a Xuxa, houve polêmicas porque ela usava roupa curta e coisa e tal, e a Virgínia Lane já

fazia isso muito antes. Mas o nosso trabalho na televisão foi completamente diferente, o nosso era teatro infantil”.

Numa outra visita, em 2009, eu cheguei à sua casa e Tatiana estava terminando de escrever uma narrativa intitulada História Molhada, inspirada em A Pequena Sereia, de Andersen. Pediu para esperar uns minutinhos. Fiquei ali sentada num banquinho observando-a e totalmente encantada. Que sensacional! Rapidamente, ela terminou. Comentou que se recordou que o seu pai narrava essa história quando ela tinha 4 aninhos, de uma maneira toda especial, por isso, resolveu criar uma historinha com as personagens Lenita e seu papai. Quando o livro foi publicado, ela guardou um exemplar e me presenteou. “É daquela história que estava concluindo o dia que você veio me visitar, lembra?” Fiquei emocionada, nem preciso dizer que guardo esse livro como um amuleto. Sempre antes de ir embora, Tatiana mandava servir um cafezinho e me dava deliciosos bombons!“Para você comer no caminho”. Pegava a agenda e começava a folhear e perguntava: “Quando você pretende voltar?”, às vezes ficava sem graça de responder, ela então agendava para o outro mês, no final da tarde e sempre durante a semana. E na data marcada, lá ia eu toda Feliz (com “F” maiúsculo, mas eu precisava era dar “nó em pingo d’água” para sair do trabalho mais cedo. Minha sorte é que trabalhava nas Perdizes, bairro vizinho ao Pacaembu, pegava um táxi e em menos de 10 minutos estava na casa da escritora). Tatiana partiu em 2014, aos 93 anos. Foi então que me dei conta da boa influência que ela teve em minha vida. Seus conselhos, transmissão de sabedores, acolhida e ternura que ficarão para sempre gravados no meu coração. Só posso ter gratidão. Por isso, sempre falarei da Tatiana, dos seus livros e da minha pequena vivência ao seu lado nessas visitas à Rua Itajaçu. Tatiana Belinky é uma referência na minha carreira literária, uma estrela que iluminou minha vida e ampliou meus horizontes.

This article is from: