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o brás E o bElEnzinho GEraldo nunEs
from Escritores Brasileiros Contemporâneos - n. 19 - dez/2020 - edição especial Memórias Paulistanas
SãO PAULO de todos os tempos
Geraldo nunes
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Jornalista, escritor e blogueiro, participa das publicações da Editora Matarazzo desde 2016.
uM city-tour de bonde
entre o brás e o belenzinho
São dois bairros que eu conheci ainda menino pela vidraça do bonde camarão que fazia a linha 34 – Vila Maria, partindo da Praça Clóvis. O Brás e o Belenzinho, fazem parte da minha infância. Fui criança de colo até os 10 anos de idade, por causa da paralisia infantil. O Centro de Reabilitação do Sesi, ficava na Rua Catumbi, Belenzinho, mas ninguém pronunciava este nome. Todos diziam Belém. Para lá me levavam todas as semanas e graças a isso, mais os aparelhos ortopédicos, comecei a dar meus primeiros passinhos.
O bonde descia a Avenida Rangel Pestana e atravessava a parte mais movimentada do Brás, entre o Largo da Concórdia e a Estação do Norte. Era gente circulando por todos os lados, em meio aos ônibus, carros e caminhões fazendo entregas. A mais atraente das lojas era a Pirani, cujo slogan dizia: “A gigante de São Paulo”, e era mesmo. Havia até anúncios na televisão e cada letra do nome da loja tinha no letreiro uma cor diferente. Na vizinhança funcionava a concorrente Eletroradiobraz, outra potência.
O Brás daquele tempo era mais atraente que o Centro e, de dentro do bonde, se via de tudo. Nas portas dos cinemas havia cartazes dos filmes em exibição e a cada semana tudo se modificava. Até o aroma da região era diferente dos outros bairros. O Brás cheirava a couro e o Belém a café, pela enorme quantidade de torrefações.
No city-tour semanal, grudado na janelinha do bonde, se avistava a garagem da CMTC na Avenida Celso Garcia. Como estacionar bondes se eles só andam sobre os trilhos? Como fazer manobras ali dentro? Isso me intriga até hoje.
O local dessa estação ainda existe e boa parte das construções
À esquerda, vemos, o bonde camarão na Av. São João na década de 1960. À direita, uma fotografia de 1967. Fotos: internet
também são as mesmas. A única mudança na paisagem foi a chegada do Templo de Salomão, do bispo Macedo, o restante ainda é parecido com o que existia há 50 anos num misto de nostalgia e decadência. A cidade quase não progrediu ali.
Na esquina da Celso Garcia com a Rua Catumbi, o bonde virava à esquerda e descia na direção do Tietê e da Vila Maria. Naquele ponto os trilhos passavam a ter mão única. Um sinal indicava ao motorneiro se havia algum bonde subindo. Em caso positivo era preciso aguardar e o trânsito parava e o povo começava a reclamar. A cidade apressada fez o bonde sair de circulação. Fiquei triste no dia em que soube da retirada dos bondes. Começamos ir ao Sesi de ônibus, mas já não era a mesma coisa, as conduções começaram a ficar lotadas e nem sempre dava para viajar na janelinha.
Anos depois fiquei sabendo que o Belém nunca existiu, o nome verdadeiro sempre foi Belenzinho, mas a palavra muito comprida não cabia no letreiro do bonde e assim a culpa pela confusão no nome do bairro também ficou para ele, esse velho injustiçado!