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ametanoia de BUrgUess
A mETANoiA dE burGuESS NEwToN NAzArETh
1962: Anthony Burgess, inglês, professor, pianista-compositor por paixão e autor literário iniciante, vê publicado o seu romance revolucionário: “Laranja Mecânica”. 1971: Stanley Kubrick, cineasta norte americano, consagrado por filmes como “Dr. Fantástico” e “2001, Uma Odisseia no Espaço”, resolve transpor para a tela a obra visionária de Burgess. 2021: O mundo comemora o cinquentenário do filme e celebra o livro. E eu não posso deixar de participar da festa. Com um curioso tributo no meu histórico de compositor: em 2018, a título de exercício, musiquei a tradução em português de Fábio Fernandes (o mesmo tradutor de “2001”).
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Fiquei fascinado com o ritmo musical da narrativa, a forma simétrica dos vinte e um capítulos dispostos igualmente nas três partes da obra. E o final que Kubrick desconhecia. Como assim?
É que a editora norte americana convenceu o autor que seria melhor mutilar a sua própria obra e omitir a genial metanoia do último capítulo: a regeneração do protagonista pela sua própria vontade. O cineasta não tomou o cuidado de ler a edição original e o seu filme terminou antes do fim do livro.
Mais do que isso. Muito além do lugar comum de que o livro é sempre melhor que o filme, neste caso são obras com objetivos opostos.
O filme é um elogio ao sadismo das gangues juvenis.
O livro é um libelo antiviolência.
As contradições começam com a faixa etária dos personagens: no filme todos os adolescentes foram elevados a maioridade para evitar problemas com a censura. E o principal: no livro fica evidente que Alex é a vítima, inclusive em relação aos seus próprios pais. Estes são trabalhadores em uma sociedade planificada e ficam muito satisfeitos em explorar o filho criminoso, que reparte com
eles o dinheiro dos furtos. Este é o motivo de tanta complacência e não porque o casal de meia idade seja um par de bobocas conforme aparece na tela. Estavam tão acostumados aos recursos extras que logo decidem alugar o quarto de Alex quando este é preso e nem cogitam em recebê-lo de volta quando ele é solto, supostamente reabilitado e sem dinheiro.
A narrativa do livro é bem-humorada. Britanicamente, for sure.
O filme é sério demais.
Por este motivo a trilha sonora também é disparatada. A música é um pastiche eletrônico de Walter Carlos para as obras mais conhecidas de Beethoven. O escritor nunca disse que o gênio alemão ocupava a primazia na preferência musical do protagonista: Alex é aficionado pelos mestres da música erudita em geral. Como o próprio Burguess, que chegou a fazer uma trilha sonora de piano solo para uma versão teatral da obra.
A ópera-rock que escrevi, para ser apresentada por cantores solistas, banda de rock e pequena orquestra, procura ser fiel ao espírito do livro. Quem sabe, um dia, virá à luz.
E olhando, daqui de 2021 para trás, o mais interessante é constatar que os adolescentes não saem às ruas: ficam em casa, “postando” na rede social da moda. A metanoia que Burguess não previu.