HQUEBRADAS
HQUEBRADAS
APRESENTA:
APRESENTA:
AS SARAUZEIRAS ONÍRICAS
As Sarauzeiras Oníricas no Sarau Estação 67
NO
SARAU ESTAÇÃO 67 – POR
THAIS LINHARES
UMA AVENTURA CONTADA EM POEMAGRAFIA POR
THAIS LINHARES
HQuebradas
apresenta:
As Sarauzeiras Oníricas no Sarau Estação 67 uma aventura contada em poemagrafia por
tHais LinHares
Espaço dEstinado à ficha catalográfica
2 - As Sarauzeiras Oníricas
TODO CORAÇÃO É UMA CÉLULA REVOLUCIONÁRIA (tHe educators)
Em novEmbro dE 2012 quando maria inez, Lindacy e yoLanda subiram o morro dos prazeres para um Encontro com poEtas dE todo o planEta, ainda não sabiam quE davam ali os primEiros passos dE suas avEnturas sarauzEiras.
neste
áLbum Eu pratico a prEtEnsão
dE contar o EvEnto quE as lEvou ao mais longíquo tErritório dEntro da cidadE do
rio
Janeiro, além do ponto final da linha do trEm Em santa cruz: o sarau estação 67 dE sEpEtiba – um tErritório violEntado por milícias, de
EmprEitEiras E igrEjas nEopEntEcostais radicais disputando o domínio através da aridEz dE idEias dE submissão, tais
como a fé mErcantilizada, a dEstruição
da naturEza Em nomE do lucro ou ExplicitamEntE através do horror das armas.
o
enfrentamento da oprEssão
acontEcE na palavra quE prEcEdE a ação libErtadora.
como mártirEs rEnascidas
das mortEs cotidianas dEstinadas às mulhErEs das pErifErias,
as
sarauzeiras oníricas indicam o caminho da esperança, indo ondE houvEr ouvidos para a poesia E corações para a revoLução.
Sarau Estação 67 - 3
Nova Sepetiba, 19 de Dezembro de 2015
como sEmprE,
Eu fui a primEira a chEgar.
Maria Inez
ai! Elas
vão mE matar!
Lindacy
Ela vai nos comEr vivas!
Yolanda
Sarau Estação 67 - 7
santa cruz, zona oEstE do rio dE janEiro.
manhã dE vErão carioca.
como sEmprE, a maria é a primEira a chEgar.
8 - As Sarauzeiras Oníricas
inEz
Estação cEntral do brasil, cEntro da cidadE.
inEz vai
nos comEr vivas! E por falar nisso...
...prEciso comEr,
não aguEnto mais EspErar. tô morrEndo dE fomE!
Sarau Estação 67 - 9
E na faveLa
da
rocinHa, zona sul...
@Yolanda: Cadê voCê? @Maria inez: Cadê vocês?
tô chEgando..!
lindacy, muito atrasada.
10 - As Sarauzeiras Oníricas
da estação centraL
do
brasiL
partEm cinco ramais dE trEm para
a rEgião mEtropolitana:
dEodoro,
japEri, bElford roxo,saracuruna E direção santa cruz, ondE maria inez aguardava yoLanda E Lindacy chEgarEm, para dali sEguirEm viagEm.
yolanda comEndo máQuifisHe no máQuidonaude da cEntral do brasil. um
lindacy dEscEndo a rocinHa.
Sarau Estação 67 - 11
até 2015 para sE dEslocar da favEla da rocinha até o cEntro da cidadE, Era prEciso
passar vários túnEis E EnfrEntar horas dE EngarrafamEnto.
agora tEm o mEtrô quE liga a favEla até a cEntral Em
mEnos dE uma hora dE viagEm sob as calçadas dos bairros dE ElitE da zona sul carioca.
o mEtrô foi construído Em 1979, durantE a ditadura militar.
mas apEnas Em 1991 foi abErta a Estação do engenHo da rainHa, lá ondE yolanda Entrou ainda bEm cEdo, indo até o primEiro ponto dE Encontro nas rolEtas da cEntral. ondE lindinha sE juntou a Ela...
@Maria inez: Cadês voCês? @Yolanda: Tamo Chegaaanu..!
12 - As Sarauzeiras Oníricas
dEmoramos muito! já Está lotado!!! olha a Empada, quEntinhaaaa!
olha a água!!!
fica dE olho pra vEr sE aparEcE lugar pra sEntar.
não sinto mEus pés!
biscoito é um rEáu, é um rEáu!!
Essa bolsa tá muito pEsada.
poEtas andam acompanhadas pElos livros quE amam E pElos livros quE EscrEvEm. afalbEtizam a cidadE nas artEs da poEsia
lEvando as palavras aninhadas nas bolsas.
mas E quando a poEta não
sabe nem Ler e nem escrever?
acontEcEu assim com lindacy há muito tEmpo atrás, antEs mEsmo da poEta sE sabEr poEta...
Sarau Estação 67 - 13
mEmórias dE lindacy narradas no Estilo dE josé francisco borgEs, grandE mEstrE das xilogravuras E dos cordéis nordEstinos cuja artE singular libErtou pEnsamEntos cálidos da cachola da artista dEsEjosa dE assim iniciar práticas xilopoEtEiras.
lindacy
bairro dE ipanEma, ano dE 1973.
madamE, podE lEr a carta quE mEus filhos mandaram?
“Mainha, temo saldade...”, hahaha, EssE povo do nortE EscrEvE Engraçado!!!
madamE não ria por maldadE, mas lindacy, sEntia-sE humiclaro, lindinha. lEio a cartinha pra ti.
16 - As Sarauzeiras Oníricas
lhada dE dEpEndEr dE outros pra lEr as cartas quE rEcEbia da família no
nordEstE.
recife: cidadE capital do Estado dE pErnanbuco, no nordEstE do brasil.
saiu da Escola ainda mEnina E foi trabalhar sEndo apEnas uma garotinha dE novE anos dE idadE. dEpois, já com dEzoito anos, dEixou os filhos pEquEninos com ivonEtE, sua mãE dE ado(ra)ção, no rEcifE E fEz como muitos rEtirantEs nordEstinos dEsta época: foi buscar sEu futuro indo trabalhar dE EmprEgada doméstica Em casa dE madamE no rio dE janEiro.
* Hoje é dia do faz de conta * Era uma vez... * assim começa, brota da mente de um escrito * gotas de conhecimentos, * escrevemos no papel * formamos palavras transmitindo alegrias nos momentos de angústia * esse é o destino do escritor * escrever criar e imaginar. *
vou misturar as lEtras até Eu consEguir EntEndEr o quE Está Escrito. vou aprEndEr a lEr E EscrEvEr sozinha!
lEr tudo como quEm tEm fomE do sabor dE sabEr!
s-a-b-á-ó-til, sabão! vou trEinar sEmprE!
prEciso podEr lEr
minhas cartinhas sozinha. um dia podErEi EscrEvEr até a história dE minha vida!
* poesia brota da mente e vira palavras de sabedoria * moldada na mente de cada escritor, * ela modifica e se cria * a maneira de cada poesia é inspiração * sai da mente como ensinamentos e entra na alma como soluções * para refletir os problemas que atravessamos no dia-a-dia * poesia é calmante da alma * nos acalma * acalenta * nos fortifica * para enfrentar as tempestades da vida é preciso ser poeta! (Poema “Pedra Bruta” de Lindacy Fidelis de Menezes)
com as lEtras aprEndidas, lindacy podE lEr a carta
de amor dEixada por um admirador misterioso na portaria do prédio.
um cEarEnsE muito bom moço mandou Essa cartinha para você, lindacy!
Rio de JaneiRo, 25/07/1976.
sErá príncipe ou sapo? vou dEscobrir!
Saudação paRa você meu futuRo amoR eStive aqui hoJe, maS infelizmente eu não dei SoRte poiS você tinha Saído e eu fiquei de bobeiRa aqui maS não tem nada outRo dia a gente Se encontRa deSculpaS eu não SabeR Seu nome
fRanciSquinho peço pRaça da paz, Sábado de 18h30 paRa 19 hoRaS que eStou lá e tchau. aqui aSSina
que você vá paRa a
E também no mEnor dE idadE não Entra!!! quEm,Eu?
ElE a lEvou para vEr um filmE. lindacy nunca tinha Entrado num cinEma até Então!
é! você mEsmo, guria!
E no forró da fEira dE são cristóvão!
E no zoológico do rio. 18 - As Sarauzeiras Oníricas
Lindacy
e
cHico
minha nEguinha!
mas Então comEçaram os sangramentos! E nEnhum médico dava conta dE dEscobrir o motivo, até quE... muito gravE, lindacy! você tEm um mioma
dra eLizabetH,
a
“anJo”.
cancErígEno Em sEu útEro.
o mioma Estava tão avançado quE lindinha
tEvE dE sEr intErnada para opErar com urgência!
sE Eu
morrEr aqui sozinha... mEus filhos vão ficar como?
vão sEr uns criados pElos outros, do mEsmo jEito quE Eu: sEm amor dE mainha! Sarau Estação 67 - 19
emergência
do
HospitaL migueL couto, zona sul.
Era prEciso quE a opEração fossE fEita logo! Eram nEcEssários
muitos doadores de sangue!
mas lindacy não tinha parEntEs no rio!
EstranhamEntE havia uma movimEntação incomum na sala da EmErgência.
mas quE tanto homEm é EssE, mEu dEus! já não cabE mais ninguém!
20 - As Sarauzeiras Oníricas
mas quEm é quE mE
acEna do fim da fila?
chico!? é sanguE suficiEntE ou quEr mais?
chico trabalhava Em obra, E ElE
trouxE sEus colEgas pEdrEiros todos pra doar sanguE! mais dE uma dúzia dE doadorEs!
oi, nEguinha!!! E aí a lindacy podE sEr opErada logo E, ao contrário do quE Ela tEmia, não morrEu sozinha Em um hospital. mas vivEu cErcada dE amigos.
madamE, paulo (patrão), lindacy, francisco E a amiga sully. Sarau Estação 67 - 21
E apEnas três mEsEs dEpois... sE prEparE, nEguinha, vamos nos casar amanhã! chico a lEvou para
ôxE!
morar Em um apartamEnto na favEla da rocinha.
aQueLe Homem era doido, eLes maL tinHam aJeitado um canto! mas a suLy acHou Que maLuca seria a Lindacy se eLa recusasse! EssE homEm tE ama! ficou do sEu lado o
tEmpo todo no hospital! arrumou apartamEnto com tudo dEntro pra vocês morarEm!!!
mas com
quE roupa vou casar?
Eu não
tEnho nEm sapatos!
mas
“com
aquEla linda da fEira!”
22 - As Sarauzeiras Oníricas
“a vizinha EmprEsta!”
não posso ter mais fiLHos e Já tenHo três Que não são do cHico!
foi a vEz dE francisco falar com a lindacy: “dEus é muito bom comigo,
não quis mE dar trabalho com criança E já mandou três prontas. sEus filhos sErão mEus filhos também”.
E assim, no dia 17 dE outubro dE 1980, lindacy E francisco sE casaram pEla primEira vEz. “primEira?”pois é, ElEs tivEram um sEgundo casório, mas aí é história pra contar dEpois.
5º cartório dE rEgistro civil da rua djalma urich 154, copacabana.
Sarau Estação 67 - 23
Maria Inez
“a voz das favElas!”
“a poEta
atrapalhada”!
Lindacy
“a poEta tímida”. mas EspErE para vEr a minha poEsia
Yolanda
“prEtinho básico”!
do
Sarau Estação 67 - 25
mas dE volta ao ano dE 2015... maria inEz torrava Em santa cruz sob um sol a pino!
cadê Essas duas !?!
sE o rio fossE
uma fEra dEitada, sEpEtiba Estaria sobrE o rabo.
26 - As Sarauzeiras Oníricas
Enquanto quE lindacy E yolanda congElavam no trEm!
tá muito fortE EssE ar-condicionado!!
tâmo
chEgaaanu...
Sarau Estação 67 - 27
lindacy sEguE com yolanda no trEm, comEndo a distância. três chocolatE por um rEáu! três chocolatE por um rEáu! três chocôôôô..!
saíram da cEntral, passaram pElas EstaçõEs maracanã, manguEira...
olha cErvEja, guaraplus, água!
...são francisco xaviEr, riachuElo, sampaio, EngEnho novo... na loja isso custa quanto?
aqui na minha mão é dois por um rEal E cinco por dois rEais! a-pE-nas dois rEais!
...méiEr, EngEnho dE dEntro, piEdadE, quintino, cascadura... 28 - As Sarauzeiras Oníricas
Eu nunca vi um
lugar tão longE na minha vida!
pErgunta pra vizinha aí do lado sE já tá chEgando!
...madurEira, oswaldo cruz, bEnto ribEiro, marEchal hErmEs...
ai, ai, inEz...
ih... continuEm
a
bEm sEntadas quE ainda vai dEmorar!!!
é pElo mEnos mais uma hora dE viagEm...
alguém avisa aí quE aqui não tEm pinguim!
é gEntE
mEsmo!
ai mEu povo,
quE frio é EssE !? o ar-condicionado tá fortE dEmais! vamos virar duas poEtas-picolés aqui!
“...vai sEr uma longa viagEm..!” Sarau Estação 67 - 29
Enfim,
após horas dE Exaustiva viagEm, as poEtas andarilhas
fim da linha! – lugar do histórico hangar construído nos anos 30 para rEcEbEr os passagEiros dos dirigívEis zEppElin* quE sobrEvoavam por sobrE o atlântico vindos da cidadE alEmã dE frankfurt. dali os viajantEs podiam Embarcar Em trEns para outras rEgiõEs. chEgaram Em
santa cruz –
o
EssE
hangar já cansado dE EspErar pElo rEtorno dE vElhos fantasmas, pErmanEcE ali como um monumEnto à pErEnidadE do mEtal quE um dia sE dEsEjou mais lEvE quE o ar.
Eu
tava fritando aqui nEssE forno!
E
a gEntE
virando picoLé no trEm!
* foram 9 viagEns brasil- Europa: quatro rEalizadas pElo lz 129 hindEnburg E cinco pElo lz 127 graf zEppElin.
30 - As Sarauzeiras Oníricas
mas Elas ainda Estavam Longe dE sEu dEstino. prEcisaram ainda sEguir numa van ou kombi como Essa aqui, E prossEguir por mais alguns quilômEtros Em asfalto quEntE E tErra EnfErrujada até
sEpEtiba,
ondE sE
aprEsEntariam como as convidadas de Honra do
localizado
sarau estação 67.
zona oeste do rio de Janeiro, o bairro dE sEpEtiba nascEu Em 1567 como ponto dE apoio para a colonização portuguEsa. ali ficava o porto para Exportação dE pau-brasil para Europa E as praias ondE a família rEal passava sEus vErõEs. séculos mais tardE as bElas na
arEias sEriam dEmocraticamEntE frEnquEntadas por milharEs dE famílias plEbEias.
mas com a implantação nos anos 60 da zona industriaL santa cruz td, agravou-sE dE vEz a dEstruição das bElEzas naturais
de dE
uma baía quE ficara famosa por possuir uma milagrosa lama mEdicinal E a maior fartura dE pEscado da rEgião originalmEntE habitadas pElos índios
tamoios. sEpEtiba
tEvE um crEscimEnto populacional grandE Em função dE
invasõEs, possEs E grilagEns dE tErra, quE rEsultaram na formação dE suas comunidadEs pobrEs E, EntrE Elas, a mais pobrE,
nova sepetiba, quE amarga idh* do município. maldito shopping, mas sobram
com o dEscaso do podEr público, com um dos mEnorEs
lá
não tEm tEatro, nEm cinEma, nEm um
tEmplos Evangélicos, transportE com vans E kombis piratas quE junto com construçõEs irrEgularEs, vEnda dE protEção E sErviços
“altErnativos”, – as podEr público.
fazEm o lucro dE organizaçõEs clandEstinas dE policiais E militarEs miLícias cariocas
–
infiltradas até nos gabinEtEs do
* o idh, índice de desenvoLvimento Humano, dE sEpEtiba no ano 2000, Era dE 0,761, o 109.º colocado EntrE 126 rEgiõEs do município do rio dE janEiro.
Sarau Estação 67 - 31
bianca marins:
bióloga ambiEntalista, doutora Em botânica, profEssora.
Ela
a profEssora E poEta ElizabEth manja, obsErvando quE grupos dE jovEns, EntrE ElEs sEu filho, sE rEuniam para batEr papo na praça do skatE. ElEs nunca consEguiram praticar o EsportE nEssa pista, quE inclusivE dEu nomE à praça. pois Era muito íngrimE impossibilitando o uso. os jovEns rEclamavam dE não tEr um lugar quE pudEssEm sE ExprEssar culturalmEntE. bEth pErguntou sE gostariam dE tEr Encontros com rodas dE rima, poEsia, música...assim Ela organizou uma primEira ação cultural: os jovEns lEvaram violão, tEvE distribuição dE livros, dEclamação dE poEsias E assim surgiu o sarau Estação 67
foi Em busca dE apoio E logo outros sE juntaram para criar o mtd: o ponto de cuLtura movimento territórios diversos,um oásis na aridEz das ruas cruas. aqui você podE vEr sEus fundadorEs. sua missão é “promovEr a difusão, fruição E dEmocratização cultural, dE forma sustEntávEl, criando EvEntos, Encontros E Espaços para dEbatEs, oficinas, trocas dE sabErEs E manifEstaçõEs multiculturais, corroborando com a promoção do conhEcimEnto, transformação, inclusão, incEntivo à lEitura EntrEtEnimEnto, qualidadE dE vida E Economia criativa.“
32 - As Sarauzeiras Oníricas
sérgio dias: artista plástico,
produtor cultural
E fotógrafo.
o sarau 67 acontEcE dE dois Em dois mEsEs, com aprEsEntaçõEs ar-
gil nunEs:
produtora cultural E fotógrafa.
tísticas E mEsas dE dEbatEs sobrE tEmas rElEvantEs à comunidadE. artistas locais E visitantEs, cinEastas E EscritorEs vêm dE toda a cidadE para aprEsEntar sEus trabalhos, dialogar E conhEcEr também a artE E cultura dE quEm vivE na rEgião. Em paralElo, ElEs promovEm a circulação E acEsso à cultura com ExcursõEs, cinEclubE, ofcinas culturais, cursos dE capacitação, parcErias com outros colEtivos, rEcupEração dE Espaços culturais.
eLizabetH
manJa idEalizadora do sarau, buscou rEsgatar, basEando-sE nEssas pEsquisas já ExistEntEs, a história da rEgião. da data dE fundação do bairro (1567) foi tirado o númEro “67”, junto ao tErmo “Estação” quE rEmEtE à última Estação do bondE dE tração animal quE ligava sEpEtiba, santa cruz E itaguaí. ali Era local dos saraus, E touradas. Evoé, sEpEtiba!
quando o oprimido busca sEu lugar por dirEito, ElE passa a sEr visto como amEaça para o oprEssor.
ElizabEth manja: profEssora com EspEcialização Em lEtras, gEstora cultural E consElhEira municipal dE cultura.
Sarau Estação 67 - 33
até
Então Eram as açõEs das violEntas facçõEs das milícias* quE patrocinavam ali bailEs dE funk proibidão E os pastorEs fundamEntalistas Evangélicos quE com cultos Em alto volumE abafavam qualquEr outro som, ou pEnsamEnto, na árEa, quE pautavam o ritmo da dança na rEgião.
“tiro, tiro, tiro pra caralho!” “cEsarão, aí comédia o tError dE santa cruz!” “Essa é a firma... aqui é nóis quE manda, o bagulho é sério. cEsarão, é o tError da cEsário dE mElo!” (trEchos dE funk tocado nos bailEs milicianos)
havia a dEmanda dE criar altErnativa quE constru-
íssE pontEs através das artEs E iniciativas dE Educação E insErção dos moradorEs, além dE atrair atEnção para a produção dos talEntos locais.
* “a Liga
Justiça é a maior E mais conhEcida facção dE milicianos do rio dE janEiro. o sEu nomE é uma liga da justiça, da dc comics. sEu símbolo é o Escudo do pErsonagEm dos quadrinhos batman. pErtEncEriam a Essa milícia, sEgundo invEstigaçõEs oficiais, os poLíticos jErominho guimarãEs (pmdb) E natalino guimarãEs (pfl), além do miliciano batman.” (wikipEdia) da
rEfErência ao grupo dE supEr-hEróis dos quadrinhos chamado
34 - As Sarauzeiras Oníricas
E
após dEsEncontros nos caminhos, trEm lotado congElantE E o calor EscandantE da cidadE, as sarauzEiras oníricas chEgaram pontualmEntE E abriram o sarau da noitE.
Sarau Estação 67 - 35
Então faço por amor!
Só falo poesia se a poesia me falar... Se tocar-me o sentido Se tirar-me do abrigo Se mostrar-me do avesso E se expor os meus segredos!
Se me fazer sentir arrepios Não de frio e nem de medo Mas de querer! Querer, falar, sentir, sonhar, amar.
L
byL tHrey Hes & pe fiLios! t san s obÔ s!!! r os ano Hum
36 - As Sarauzeiras Oníricas
Que me revista de sentimentos Que não sejam doídos Mas comidos, bebidos, desejados e sentidos!
Como o doce que me sacia Como o vinho que me embebeda Como os sonhos que realizo Como o amor que faz voar
Só falo poesia se a poesia me falar! Algo que me acalme Que me dê consolo e colo Ou mesmo que me faça flutuar
Ah! Mas mesmo que a poesia não me fale! Vou falar poesia.
Sarau Estação 67 - 37
Porque dentro de mim A poesia mora Sorri, chora, grita, implora...
E me faz amar E com tudo isso..
Faz-me imensamente feliz!
Amo tanto a poesia que faço por amor. E viva a poesia! um homEm quE Estava prEsEntE na platEia sEntiu quE a poEsia dE yolanda lhE tocou o coração. após
a aprEsEntação ElE sE aproximou admirado, E pErguntou sE yolanda podEria lhE dar a folha com o poEma..
38 - As Sarauzeiras Oníricas
Então faço por amor! ondE
a quadrinista conta a história da nascEntE poética dE yoLanda soares, tEndo Escolhido para tanto o Estilo dE chica umino, autora consagrada dE mangá, o quadrinho japonês. logo ficará claro como as águas do mar, quE EstE Estilo traduz com dElicadEza os dramas dE uma infância quE sEguiu ao sabor da maré por águas fErozEs, profundas E frias.
Era
uma vEz...
Sarau Estação 67 - 39
Luberina cevidanes filha mais vElha,
de
assis
Era a
a mEnina fortE
quE cuidava da fazEnda.
não
foi a Escola E assinava
papéis com a sua digital.
casou-sE
24 anos com sEu primo dE 3º grau aos
E ElE a trouxE para o
rio
dE
janEiro.
a lua dE mEl foi num quarto dE pEnsão na rua da prostituição. Ela chorou por três mEsEs sEm podEr chEgar na janEla. até quE Exigiu quE saíssEm dE lá. foram morar dE favEla Em favEla. dos trEzE filhos, yolanda E oito irmãos foram os quE sobrEvivEram.
o pai construía os barracos pra morarEm, mas as chuvas sEmprE os dErrubavam. as crianças Eram colocadas sobrE os móvEis para quE as águas não as lEvassEm com o pouco quE tinham. 40 - As Sarauzeiras Oníricas
papai
não Era construtor. sEus barracos não aguEntavam a violência das águas quE dEsabam sobrE a cidadE nas viradas das EstaçõEs. aquElas EnchEntEs roubavam do povo pobrE suas conquistas Econômicas. yoyo E sEus irmãos pErdiam até sEus documEntos.
as águas iam dEsEnhando dE forma dolorosa a cidadE. Empurrando a família pro alto do morro E dEpois a carrEgando ladEira abaixo, ErguEndo-a Em palafitas E dEpois a sitiando com doEnças transmitidas por insEtos ou o Esgoto sEm tratamEnto.
EntrEtanto, sEria nEstas mEsmas águas sujas quE as crianças da família ainda iriam tEr alimEnto Em tEmpos dE fomE ExtrEma, quando comiam farinha com as rãs pEscadas no manguE pElo irmão dE yolanda. assim são as águas, uma hora tiram pra dEpois dEvolvEr, mEsmo quE Em lágrimas, o quE foi lEvado Embora.
Sarau Estação 67 - 41
Em 1962 o Então govErnador carlos lacErda mandou atErrar uma grandE árEa na maré, E chamou dE nova HoLanda, homEnagEando o país quE também foi construído afastando as águas. ali foram Erguidos conjuntos dE alojamEntos E casinhas, todas idênticas, com a idEia dE dEpois avançar com casas dE alvEnaria. a família dE yolanda foi para uma dEstas habitaçõEs. foram dias dE alEgria, pois pEla primEira vEz Ela tinham casa com quarto E sala sEparados E o mEdo dE pErdEr tudo virou “águas passadas”.
vEio o golpE militar dE 64, as casas foram dEtEriorando. nos anos 80 as obras voltaram, inaugurando as árEas chamadas vila do joão E vila pinhEiro. hojE a maré é um grandE complExo dE sub-bairros ondE moram cErca dE 150 mil pEssoas.
42 - As Sarauzeiras Oníricas
num dia qualquEr do ano dE 1947, dona orosina vieira passEava com o marido no morro dotimbau, quE no idioma tupi quEr dizEr: “EntrE as águas”. vEndo aquElE lugar tão bonito, dEcidiu sEparar um pEdacinho dE tErrEno E fEz ali a primEira casinha da comunidadE dando origEm à futura faveLa da maré.
uma
imagEm quE ficou muito marcantE da favEla da maré, foram as palafitas construídas na árEa chamada baixa do sapateiro. muito prEcárias E Erguidas bEm altas para sE mantErEm sEcas mEsmo na maré aLta. Eram dErrubadas pEla guarda municipal usando cabos dE aço. logo os moradorEs comEçaram a organizar as primeiras associações Em busca dE sEus direitos de moradia digna. com os aterros quE ElEs mEsmos faziam, as casas pudEram sE mudar pra terra seca.
Sarau Estação 67 - 43
a alEgria maior foi quando yoyo crEscEu um pouco mais E ElE dEscobriu quE tudo quE lhE
Ensinava Ela aprEndia com facilidadE.
sEu pai Era um romântico E lhE
Ensinou trovinHas quE Ela dEcorava E dEclamava para os amigos dElE.
, e vivo , ix e p de um água fria , o p o vo Com fora de eixe vi p r e m v i u v fria ... pode como ora de água Como viver f poder como ei p o a tua derei viv viver, tua co, sem a tua er! Sem mpanh , sem a ia!
o
pai tinha um grandE orguLHo do taLento prEcocE da mEnina.
minha filha vai sEr uma artista! boêmio E mulhErEngo, ElE não gostava dE tEr patrão. acordava 3h da madrugada para buscar os peixes no mErcado são sEbastião E vEndEr. dEpois voltava para tomar o café da manhã com a Esposa E filhos.
44 - As Sarauzeiras Oníricas
muito apaixonada,
a mãE lhE coava o café Enquanto sEparavam o dinhEiro da vEnda da pEsca para o irmão ir comprar o pão do dia.
mas um dia o pai ficou muito quiEto. mamãE tEntava lhE dar o café na boca, ElE tombou a cabEça para o lado E não mExEu mais.
quErido?
...
Sarau Estação 67 - 45
“papai?”
os vizinhos atEndEram aos gritos dEsEspErados dE mamãE. a pEquEna yolanda chorava assustada vEndo o pai sEndo lEvado pro hospital, acompanhado pElos irmãos mais vElhos.
46 - As Sarauzeiras Oníricas
quando o mEu pai vai voltar, mãE?
ElE foi morar com papai do céu. não chora, mamãE! ElE vai tEr saudadEs dE nós E vai voltar logo!
a EspErança dE vEr pai
Entrar pEla porta foi passando... dizEndo quE Ela ia sEr artista. ficava tristE, aí não quEria mais lEmbrar. a poEsia ficou no passado, nada disso importava mais.
Sarau Estação 67 - 47
Ela
via os filhos chorando por um prato dE comida E a tristEza a inundou toda. ia à mEia noitE para fora da casa E pra chamar pElo falEcido, acrEditando quE ElE a ouvia E quE lhE daria rEspostas. EsquEcEu-sE quE uma outra vida Estava para brotar dE sEu vEntrE. tEvE uma fEbrE muito alta E novamEntE podE contar com a ajuda dos vizinhos quando foi intErnada no hospital.
o
bEbê já Estava morto há sEis dias E a pElE saía do corpo. os vizinhos cuidaram das crianças como sE fossEm sEus. lhEs dEram o quE comEr E muito carinho durantE o mês quE a mãE passou EntrE a vida E a mortE.
dEpois
dE quasE sE afogar no dEsEspEro, Ela voltou à tona. juntou a criançada para catarEm papEl. E a moça da roça quE não sabia coisas dE dona dE casa, lavou, passou, cozinhou...
48 - As Sarauzeiras Oníricas
ficavam
até tardE prEparando com fita durEx bolinhos grampos dE
cabElo, ou prEparando saquinhos com limõEs, para quE os irmãos mais vElhos vEndEssEm na fEira.
fizEram ElEs mEsmos caixas pra trabalharEm dE EngraxatE E forninho dE lata pra vEndEr amEndoim na rua. diziam pra Ela arrumar um companhEiro pra ajudar a criar os filhos, mas Ela dizia: “o amor quE Eu tinha pra dar para um homEm, morrEu com o pai dos mEus filhos, não quEro nEnhum outro para lhEs maltratar.”
brás dE pina. 1958 do batizado dE yolanda. a fEsta foi prEsEntE da madrinha. tEvE roupa bonita, bonEca, bolo, almoço E as bênçãos dE dEus. dia
Sarau Estação 67 - 49
não
Maria Inez
digam para mim: ponha-sE no sEu lugar!
foi na poEsia quE EncontrEi a fonte Yolanda
dona dE casa, Esposa, dona dE nada...
Lindacy
Sarau Estação 67 - 51
dE rEpEntE, bEm no mEio do sarau, uma gritaria danada sE ElEvou do outro lado da praça, calando a poEsia do povo sEpEtibano.
mas
Que desgraça
de baruLHo é esse!?!
52 - As Sarauzeiras Oníricas
Um
pastor, sabe-se lá por qUe cargas d’ágUa, marcoU um culto Evangélico no mEsmo dia do sarau na praça. o carro dE som amplificava Em cEntanas dE dEcibéis a sua prEgação. sEus fiéis foram chEgando E, confusos, não sabiam ondE Era o culto ou ondE Era sarau. E acabaram sE misturando na platEia dos artistas.
Sarau Estação 67 - 53
“nadabe e abiú, fiLHos de arão, pegaram
cada um o seu incensário, nos Quais acenderam fogo,...” *
lá vai a muLHer, chEia dE graça... mãE, pai, filha, amantE, dona dE casa, Esposa, dona dE nada
safada, dEngosa, simplEs, barraquEira. somos tantas, quE a vida não dá conta. haja graça para tantas mulhErEs.**
“...acrescentaram
incenso e trouxeram fogo profano perante o senHor, sem Que tivessem sido autorizados.”
* Isso é da Bíblia, é um trecho de Levíticos 10. ** Trecho da poesia “Cheia de Graça” de Lindacy Menezes.
54 - As Sarauzeiras Oníricas
foi na poEsia quE EncontrEi a fontE quE bEbi a água quE vi no horizontE... um pEdaço quE faltava Em mim*
“então
saiu fogo da presença do senHor e os consumiu. morreram perante o senHor.”
sou nEgra chEia dE graça não digam para mim: ponha-sE no sEu lugar! o mEu lugar é aondE Eu quisEr Estar!**
* Trecho de “Ao Poeta Maior” de Yolanda Soares. ** Trecho de “Negra SIM!” de Mery Onírica.
Sarau Estação 67 - 55
a betH manJa foi lá E mandou um papo rEto lEmbrando quE aquEla Era a noitE da cuLtura, E quE o sarau já havia sido agEndado E comunicado na associação dE moradorEs local, pois assim é a missão do mtd, o movimEnto tErritórios divErsos: “promovEr a difusão, fruição E dEmocratização cultural, dE forma sustEntávEl, criando EvEntos, Encontros E Espaços para dEbatEs, oficinas, trocas dE sabErEs E manifEstaçõEs multiculturais, corroborando com a promoção do conhEcimEnto, transformação, inclusão, incEntivo à lEitura, EntrEtEnimEnto, qualidadE dE vida E Economia criativa.”
56 - As Sarauzeiras Oníricas
boa
noitE a todos! o microfonE Está abErto para quEm quisEr vir até aqui na frEntE dEclamar uma poEsia!
eu
Quero!
vou lEr um poEma das sarauzEiras oníricas, sE chama “sE Eu fossE você” dE yolanda soarEs:
sE Eu fossE você diria quE não! quE não voltaria quE não podEria quE não mudaria:... e
a cor do cabElo a roupa da fEsta a opinião o sEnso da vida o sEu pEso E mEdida E nEm a vontadE dE fazEr concEssão ah, sE Eu fossE você! mudava dE casa curtia a vida EsquEcia as fEridas as mágoas dE outrora
uma Jovem crente pegou a paLavra pra apresentar poesia.
Sarau Estação 67 - 57
pEgava a Estrada num louco caminho sEm dirEção pEnsava Em mais nada
só dE sacanagEm chutava o baldE E sE alguém rEclamassE...
mandava
pra aQueLe Lugar!
só pra variar mostrava a todos quE a vida é sua quE ninguém tEm o dirEito dE lhE dizEr o quE tem quE fazEr mas como não sou você...
vai
ver se estou na esQuina!!!
58 - As Sarauzeiras Oníricas
vEm, JuLiana! farEmos o cuLto noutro lugar.
nãããão!
mE dEixE, pastor! quEro ficar com as sarauzeiras oníricas!
Sarau Estação 67 - 59
Eu
quEro ouvir poEsia! quEro falar poEsia!
a
poEsia vEncEu!
60 - As Sarauzeiras Oníricas
“ESTRANHOS”
a história dE maria inEz contada com olhos bEm abErtos para os pErigos quE sE EscondEm Em coraçõEs trEvosos. a poEmagrafista EscolhE o Estilo dE antigos cartuns animados dos anos 30.
dEsEnhos
quE apEsar dE Estilizados Em traços até Engraçados, não Eram fEitos para as crianças, assim como cErtas histórias dE vida jamais dEvEriam sEr sofridas por nossas mEninas.
“a poEsia
é um sugador dE tristEzas” (mEry onírica)
Sarau Estação 67 - 61
moço,
não, mEnina. não sEi nEm quEm é você.
você conhEcE a minha mãE?
quEria contar ao guarda sobrE tudo dE ruim quE Estava lhE acontEcEndo na casa da dona EsthEr.
quEria contar dos maus tratos, dos abusos, mas Então lEmbrou-sE dos consElhos dE sua mãE: ”não falE com estranHos”.
minha patroa falou quE minha mãE Está viajando.
62 - As Sarauzeiras Oníricas
a mãE da mEnina a dEixara com dona EsthEr quE promEtEra quE lhE daria três rEfEiçõEs por dia E a matricularia na Escola para quE pudEssE aprEndEr a lEr E EscrEvEr o bE-a-bá. EspErava assim garantir Educação boa E quE não faltassE comida pra filha quE amava tanto.
o guarda pEdiu Então o nomE E indicaçõEs do lugar dE moradia da mãE dE maria, mas aconsElhou a mEnina a voltar pra casa dE sEus algozEs, palavra quE Ela passou a EntEndEr muito bEm.
voltar!?
Mãe Inez da Mar rua mora n ia num Uranos a centr
a mEnina voltou apavorada com a surra quE dona EsthEr lhE daria. fElizmEntE ninguém pErcEbEra sua fuga Em mEio a fEsta quE acontEcia no dia na casa. Sarau Estação 67 - 63
ao invés dE sEntar à mEsa diantEs dE prato chEio da comida, Era colocada pra lavá-los E cuidar da cozinha.
E Era impiEdosa-
mEntE Espancada sEmprE quE sE rEcusassE a ir para o quarto do filho da patroa.
64 - As Sarauzeiras Oníricas
ao invés dE virar
as folhas dos livros E cadErnos, Ela Era obrigada a varrEr folhas do pátio.
um homEm cruEl quE violEntava sEu corpinho dE criança sEm poupá-la dE sEu sadismo.
uma
infância vivida como pEsadElo, até Ela ouvir alguém lhE chamar...
sEu coraçãozinho sE acEndEu! só havia uma pEssoa no mundo quE chamava maria inEz assim!
finalmEntE! sua mãE voltava para salvá-la! o
guarda procurara até a Encontrar para trazEr para sua filha.
“prEfiro morar na rua do quE lEvar surra E sEr maltratada!”
sua mãE brigou
muito com a madamE!
e nunca mais morar com
inEz tomou uma dEcisão.
“estranHos”!
Sarau Estação 67 - 65
Era hora dE voltar pra casa. Maria Inez
Lindacy
as vans já tinham parado dE rodar.
o
mEtrô pára a mEia-noitE!
Yolanda
Sarau Estação 67 - 67
tErminado o sarau 67, o pEssoal dE fora do bairro prEcisava agora dar um jEito dE voLtar pra casa. um rapaz quE tava na fEsta sE ofErEcEu pra acompanhar maria inEz quando yolanda E lindacy foram pEgar uma van quE lEvassE até o mEtrô. mas Ela dEsconfiou logo daquElE moço quE não parava dE dizEr quE ia colocar Ela E ElE dE carona Em uma carro dE algum amigo dElE quE aparEcEssE. maria não quEria Embarcar com EstranHos dE jEito nEnhum! “não...? mas E sE for um colEga?” Eu não tEnho colEga nEnhum! não vou Entrar é no carro dE ninguém!!!
tadinho, dE rEpEntE tá quErEndo mE ajudar, mas não sEi não...
E nada dE chEgar uma van quE fossE na dirEção dE rEalEngo! o rapaz Era o profEssor E artE ativista sEpEtibano igor rosa*. hojE ElE é um bom amigo das poEtas, mas naquEla noitE, ElE Era apEnas mais um estranHo. * igor rosa, historiador formado pEla uErj, profEssor na ong sErcidadão. EstEvE faEtEc, ocupa minc E tEatro pEla dEmocracia na fundição progrEsso.
nas ocupaçõEs da
68 - As Sarauzeiras Oníricas
por
volta das 22h..23h... já não tinha mais vans circulando no distantE bairro. yoyo E lindinha prEcisavam chEgar a algum acEsso do mEtrô antEs quE ElE fEchassE, o quE acontEcEria à mEia-noitE. mas naquEla hora já sEm nEnhum carro circulando, Elas sE viram sEm tEr como rEtornar! foi quando um motorista quE já fEchava sEu vEículo viu aquEla turma dE pErdidos na noitE E rEsolvEu fazEr uma única rodada pra faturar mais uns trocados. foi a salvação pras duas dEsoladas sarauzEiras.
olha.
olha! ElE tá chamando! quE bom, graças a dEus, mEu povo!
um rapaz bEm alto ajudava o motorista organizando os lugarEs.
vEnham,
última viagEm!
Sarau Estação 67 - 69
o rapaz foi chamando, ajEitando, chamando, a van foi lotando. dEpois quE acabaram os assEntos todos ElE comEçou a ajEitar as pEssoas dE pé mEsmo. os passagEiros já avisando quE não tinha como Enfiar mais ninguém ali (ao mEnos dE forma digna!) VEM!
VEM!
até
VEM!
quE chEgou a hora Em quE já não tinha lugar nEm sEntado, nEm Em pé E nEm no bolso do mané! o moço ficou dE fora, olhando, sEm sabEr como Embarcar já quE não guardara sEu lugar.
não tinha Espaço nEm pra pEnsamEnto modEsto!
VEM!
???
E aí, rapaz? EsquEcEu como sE faz?
foi a cEna mais bizarra! o moço dEu a volta, abriu a porta da cabinE E sE sentou no coLo do motorista, Encaixado todo torto com a cabEça pra trás Enfiada EntrE os dois bancos!!!
mEus dEEEEus!
minha nossa sEnhora!
todo mundo
rEclamando E ElE fingindo quE não ouvia nada!
absurdo!!!!
a
gEntE indignada na van supEr lotada E aquElE guri dE um mEtro E oitEnta tEvE dE viajar Enganchado como um macarrão por quilomEtros até quE saíssEm as primEiras pEssoas.
Sarau Estação 67 - 71
quanto à maria inEz, dEmorou, mas Enfim passou uma van quE lhE sErvia. quando chEgou Em reaLengo, E já virava a madrugada, dEu dE cara com dois caras numa moto* assaltando casal. suas pErnas trEmEram, dEu vontadE dE sE mijar.
no brasil, nEgra quando morrE não vira alErta pra mElhorias dE sEgurança, nEm mEsmo rEvolta popular. vira Estatística Em rElatótio dE direitos Humanos.
sErá quE mE viram? não tEnho dinhEiro! E sE lEvarEm minha vida? * duas coisas
apavora carioca: faLsa bLitz E dois caras numa moto.
72 - As Sarauzeiras Oníricas
sobrE como acontEcEu o encontro poético das sarauzeiras oníricas E dE como a poEsia podE sEr assustadoramEntE salvadora, narrada no Estilo original da autora dEstE livrEto E com a imagEm do cristo redentor dE costas para o povo na página dE abErtura.
Efeito
FLUP novEmbro dE 2012
ondE fui
mE mEtEr agora!?! Eu não sou um deLes...
Sarau Estação 67 - 73
Eu tEnho dE ir!
lindacy anotou o sitE da flup anunciado na tv. mas, puta Que pariu!, computador Era papo dE aliEnígEna!
pEdiu a filha conceição, quE a inscrEvEssE.
ATA
JuLio Ludemir, criador da flup junto com écio saLLes, dEu uma abraço na maria inEz, uma pEssoa quE nunca tinha
visto na vida,
sEja bEm-vinda! 74 - As Sarauzeiras Oníricas
E ali ElE já a
conquistou.
*upp – projEto dE 2008
yolanda viu a postagEm da famosa poEta eLisa Lucinda no facebook,chamando para a fLupp. Ela sE inscrEvEu, mas aí soubE quE o primEiro Encontro sEria no morro dos prazeres. como assim? Ela quE tinha mEdo dE ir ao lado dE casa, como iria subir um morro? yoyô ia até porta, voltava chorava, yoyô ia pra porta, chorava E yoyô voltava. tomou coragem. saiu E dEscEu até o portão do prédio… E voltou prô apartamEnto! o mEdo E a vontadE dE ir, Eu tEnho dE ir, ali brigando dEntro dEla.
da sEcrEtaria Estadual dE sEgurança do rio dE janEiro, com polícias comunitárias nas favElas como forma dE dEsarticular o podEr local das facçõEs do tráfico dE drogas ilEgais.
no outono dE 2012, a rElação das favElas com o mundo do livro foi rEvollucionada pEla 1ª fLupp, a fEsta litErária intErnacional das unidadEs dE polícia pacificadoras (as upps, localizadas Em favElas). hojE sE chama flup – a fEsta litErária intErnacional das pErifErias, como usarEi daqui pra frEntE.
(Em santa tErEsa, cEntro da cidadE)
“a flup é aprEsEntada pElo ministério da cultura, prEfEitura do rio dE janEiro, sEcrEtaria municipal dE cultura, lEi municipal dE incEntivo à cultura - lEi do iss E tEm patrocínio da globo E apoio da ford foundation E opEn sociEty foundations.” (écio saLLes, anunciando a abErtura da flup!)
orquEstra dE vozEs mEninos do rio – composta por cErca dE mil alunos da rEdE pública dE Ensino do rio dE janEiro, abriu a fEsta. tEvE mv bill E mc swat –rappEr dE bEngazi, quE aprEsEntou suas cançõEs quE Embalaram a rEvolução líbia durantE a primavEra árabE.
o Escritor homEnagEado foi o lima barrEto. um combatEntE quE foi boicotado pEla acadEmia, tEvE sua voz ampliada para o mundo como artE dE rEsistência das quEbradas.
subiram o morro grandEs autorEs como Elisa lucinda, ariano suassuna, fErrEira gullar, joão ubaldo ribEiro, rosa amanda strausz, bráulio tavarEs E luiz ruffato. EntrE os EstrangEiros foram o alEmão thomas brussig, o palEstino najwan darwish E o quadrinista francês étiEnnE lécroart. E também EscritorEs pEriféricos como allan da rosa E o jamaicano kEi millEr. hEloisa buarquE dE hollanda, ana maria machado E luiz Eduardo soarEs fizEram prEsEnça como consElhEiros dE criação da flup.
Sarau Estação 67 - 75
a cada um dos encontros
da
fLup, rEcEbiam um tema difErEntE pra EscrEvEr.
E daí Era muita dor dE cabEça, muito nErvosismo... maria inEz não sabia mExEr no computador. mas EscrEvia E a filha Enviava. até quE achou quE não tinha capacidadE pra continuar. a maioria ali Era jornalista, profEssor, E Ela só tinha o segundo grau*, E muito mal...
não vou mais ficar porquE não dá pra mim. Eu não tEnho condiçõEs. mEus tExtos são muito fracos.
sEus tExtos
não valEm mErda nEnhuma! você tá aqui pErdEndo sEu tEmpo!
ah, vai Embora mEsmo!
* segundo grau: atual ensino médio, Etapa dE aprEndizado Escolar.
76 - As Sarauzeiras Oníricas
pô!!! vocês tao fazEndo igual ao mEu pai!!! ElE dizia quE o máximo quE a nEgra chEga é sEr babá dE filho dE madamE! Eu não vou sEr babá dE filho dE madamE! julio chamou rodrigo santos* pra gravar. Ela chorando E ElE gravando... até quE Ela sE dEu conta...
maria comEçou a contar histó-
rias guardadas há muito tEmpo, quE nunca tinha dividido antEs com Estranhos.
pô! você sE aproveitou do mEu sofrimEnto, do mEu dEsabafo pra me gravar !?!
rodrigo, você tá mE gravando!?!
tô, o julio quE mandou.
taí teu Livro, mulhEr, porra, taí!!!!
aí écio
a abraçou, sorriu E dissE: “porra maria inEz! sE você não tivEssE potenciaL E Eu não acreditasse Em você, você não Estaria aQui!” o meLHor abraço Que maria inez recebeu em toda sua vida.
Sarau Estação 67 - 77
noitE na tavErna, dE são gonçalo – rj.
valEm mErda nEnhuma!
professor, poEta, Escritor fundador do sarau
Ela quEr abandonar a gEntE!
*rodrigo santos,
podE ir! sEus tExtos não
aí, écio,
Foi no coração das FlUps qUe o grUpo d’as saraUzeiras oníricas sE criou. na sua formação original contavam com raQueL oLiveira, Escritora romancista E contista, profEssora do sEgmEnto infantil E Ex-chEfE do tráfico dE drogas na favEla da rocinha nos anos 80.
a idEia dE formar um ElEnco
dE poetas performáticas foi dE márcio Januário, artista E produtor do morro do vidigaL. aqui vEmos uma rEunião do grupo com lanchinho Em sEu apartamEnto na favEla.
78 - As Sarauzeiras Oníricas
E
Então Estas três sEnhoras nascidas Em
ram no primEiro ciclo da colEtivo.
flup pEnsa
Em
1957 2012,
quE sE conhEcEsE uniram como
foram publicadas Em divErsas colEtânEas no brasil E no ExtErior, brotaram nos saraus das favElas E pErifErias cariocas (E até paulistanas!). E Em 2019 rEalizaram o sonho dE tEr publicadas suas poEsias na forma dE um livro. tudo comEçou com a idEia dE yolanda dE fazEr um fanzinE comigo ajudando na partE gráfica. comEçamos a fazEr uma modEsta vaquinha EntrE os fãs do grupo pra bancar a imprEssão. foi quando écio E julio dEscobriram nossos planos! écio dissE algo como “parEm as máquinas!” pois aquElE livro tinha dE sair pEla flup! afinal, éramos crias da casa! écio corrEu atrás dos rEcursos E da Editora. organizaram tudo! junto com julio fiz a rEvisão E rEfiz o projEto gráfico para um formato “chiquE bonito pra caramba!” com mais cEm páginas dE poEsias. olha aqui as poEtas com écio na Livraira Leonardo da vinci (cEntro da cidadE) indo assinar sEu contrato como autoras. assim nascEu “o encontro poético das sarauzeiras oníricas” dE maria inês* da silva moraEs, lindacy fidElis mEnEzEs E yolanda soarEs, as sarauzEiras oníricas, com projEto gráfico E ilustraçõEs dE thais quintElla dE linharEs. (*inEz, a mEry onírica)
Sarau Estação 67 - 79
olá mEninas sarauzEiras, quEridas do mEu coração, lindacy, maria inEz, yolanda… poxa, é com uma tristEza EnormE quE Eu comunico quE Eu não vou podEr Estar junto com vocês hojE. pElo mEnos não prEsEncialmEntE. mas espirituaLmente, dE todos os jEitosamEntE, Eu tô aqui pErto dE vocês muito fEliz com Essa conquista, muito honrado dE tEr participado um pouco dEsta história toda, E dEsEjando o maior sucEsso, a maior fElicidadE E a maior alEgria do mundo, quEro dar um abraço apErtado Em vocês, agora, sim à distância, mas logo mais a gEntE vai sE vEr, pra podEr trocar abraços E comEmorar muito.
comEmorar muito, porquE vocês merecem dEmais. um abraço E um bEijo Em
vocês E quE tudo hojE sEja absurdamEntE mágico como tEm sido todo EssE rolê, tá? dêEm um abraço no francisco, no wagnEr aí, a turma da malê* E… tEnho cErtEza dE quE a nossa eQuipe, o júlio, todo mundo quE taí, vai fazEr tudo acontEcEr da mElhor forma possívEl.
beiJão,
tudo dE bom pra vocês aí mEninas, tchau, tchau!
80 - As Sarauzeiras Oníricas
* Editora malê, quE publicou o livro das sarauzEiras, publica autorEs nEgros como Estratégia anti-racista dE ocupação dE Espaços dE narrativa.
26 dE junho dE 2019, livraria da travEssa - botafogo, zs do rio dE janEiro, lançamEnto do livro “o Encontro poético das sarausEiras oníricas”. francisco E wagnEr, EditorEs da malê.
julio, parça dE écio na criação da flup.
tal qual prEvisto por écio, lotamos o Espaço numa noitE rEplEta dE poEsia E amigos. rapidamEntE a tiragEm sE Esgotou (mas tEntE achar o sEu!)
mEry onírica, lindinha, yoyo E Eu.
“E isso é uma coisa imprEssionantE dEssas mEninas. dEsdE o primEiro dia Elas nunca faltaram a um Encontro. E nunca chEgaram atrasadas sEquEr, sEja ondE for. é imprEssionantE! podEm batEr palmas para as sarauzeiras oníricas!” (écio sallEs)
écio foi intErnado Em consEquência dE um tumor cErEbral quE pErmanEcEra oculto até comEçarEm as convulsõEs. falEcEu quasE um mês dEpois, Em 22 dE julho dE 2019. dEixando a Esposa danieLe bernardino E duas filhas mEnorEs.
amo amar poesia amanhEci poEta EntardEci poEsia anoitEci filosofia madruguEi litEratura contEmplEi o luar tomEi muda banho dE mar dormi um sonho acordEi dEsEjo vago amor no silêncio do som dE um amor suavE E EnvolvEntE não sonho saudadE pois o amor é rEal mE alimEnto, mE sustEnto dE tEu amor Em todos os momEntos rEgo as palavras mE rEndo a sEus pés nada mE dEtém poEsia, dE você sou rEfém! (mEry onírica)
“numa rEvoada dE balõEs, écio sallEs virou EtErnidadE.
obrigada a todos pElas manifEstaçõEs dE amor! sigamos!” (daniEllE bErnardino)
rocinHa.
EngEnho da rainha.
vila do vintém.
Sarau Estação 67 - 85
após horas dE viagEm nas vans, as sarauzEiras voltaram para suas quEbradas.
“pão dE açúcar, quE docE, o cristo dE braços abErtos EspErando todos quE chEgam, E as favElas com sEus bEcos E viElas quE acolhEm os gringos E nordEstinos quE vêm visitar E tErminam sE apaixonando E ficando nas viElas E bEcos da
rocinha, quE é uma grandE comunidadE, um pEdacinho do rio dE janEiro, cidadE maravilhosa . tE amo rio dE janEiro.” (trEcho do tExto dE inscrição
dE
lindacy na flup dE 2012)
cHeguei, meu povo!
“vivi até os 12 anos na maré, dEpois EngEnho da rainha, morEi 15 anos Em brasilia E voltEi pro EngEnho da rainha quE é mEu lugar sEguro.” (yolanda)
* brasíLia, localizada o cEntro-oEstE do país, é a capital do brasiL.
86 - As Sarauzeiras Oníricas
“já morEi na rua, hojE moro na favEla. vila do vintém, o amor quE tEnho por ti não é igual ao dE ninguém!“ (maria inEz, Em sua página do facEbook)
graças a deus! botei os pés na faveLa!
rua mata sete, s/n.
Em nova sEpEtiba, o mtd promovEu Em 2019 o 1º concurso dE fotografias valtEr firmo E hojE ElizabEth manja é consElhEira cultural do município! Sarau Estação 67 - 87
a poEmagrafista no sarau Estação 67 Em sEtEmbro dE 2017.
a flup mE tira do mEu lugar sEguro E mE lEva pra ondE Eu prEciso ir. (yolanda soarEs)