Serie Cris Segredos e Surpresas
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SEGREDOS E SURPRESAS 2
ROBIN JONES GUNN
Paula, Minha Amiga 1
Cris Miller, alta e esbelta, bateu ansiosa à porta da casa de sua melhor amiga. "Vamos, Paula, abra logo essa porta!" murmurou agarrando a sacola amassada da Disneylândia. Estava usando um short preto e uma camiseta amarelo-canário que comprara na Califórnia. Isso a fazia sentir-se ainda na praia, e não em casa, no Wisconsin. Tão logo a porta se abriu, Cris exclamou: - Surpresa! Mas foi a mãe de Paula que veio atender. - Cristina? disse um pouco hesitante. - Olá! A Paula está? - Entre, querida! Quase não a reconheci, com o cabelo cortado assim curtinho. Quando você chegou? - Ontem à noite. - Pensei que fosse ficar com seus tios até o final das férias. - Eu ia, mas meus pais me fizeram voltar mais cedo pra ajudar na mudança e tudo o mais. - Ainda não dá para acreditar que eles vão mesmo vender a fazenda. Mas não os culpamos. Essa crise financeira tem sido difícil para todos nós, disse, abanando a cabeça. - Eles lhe contaram que vamos mudar pra Califórnia? perguntou Cris, animada. - Sim, e a Paula já perguntou se pode passar as próximas férias lá com você.
- E pode? - Ela está no quarto. Por que não pergunta a ela? Cris passou pelo corredor com o coração disparado. Estivera fora quase dois meses, e tanta coisa havia mudado... Será que Paula mudou? Será que deveria bater ou simplesmente entrar? Optou pela abordagem surpresa. Entrou devagarinho no quarto, que estava com a porta aberta. Paula estava sentada na cama, de costas para a porta e com o rádio ligado bem alto, de modo que não ouviu os passos da amiga. Aproximando-se da beira da cama, Cris inclinou-se, ficando bem pertinho de Paula, e gritou: - Surpresa! Paula caiu da cama de susto, derrubando o telefone da mesinha de cabeceira. - Cris! berrou, dando um pulo e pegando um travesseiro para jogar na amiga. Você quer me matar de susto? O cabelo loiro, comprido e liso de Paula caiu sobre o seu rosto, e ela agarrou outra almofada. Ficaram fazendo guerra de travesseiros até que Paula interrompeu a brincadeira, em meio às risadas de Cris. - Espere um instante! Espere aí! disse ela, pegando o telefone que estava tocando. Alô. Alô... Tudo bem! Ela liga de novo, acrescentou rindo. As duas amigas se jogaram sobre a cama, respiraram fundo e olharam uma para a outra. Paula ainda tinha aquele rostinho de bebê, com bochechas redondas e rosadas. Entretanto algo mudara em seu olhar, fazendo com que parecesse mais velha do que da última vez que Cris a vira. - Cris! Olhe só pra você! Está tão bronzeada! E o seu cabelo... nem dá pra acreditar! Você disse que estava curto, mas está tão claro! É efeito do sol?
- Sim. Ou talvez da água salgada. Não sei. E então? Sentiu minha falta? - Se senti! Não dá pra acreditar como você está diferente! De repente a expressão de Paula ficou séria. - É verdade que seus pais venderam a fazenda e vocês vão mudar pra Califórnia? - Sim! disse Cris, radiante. Não é bom demais? Quando meus pais telefonaram dizendo que eu tinha de voltar mais cedo, pensei que tivesse acontecido alguma coisa horrível. Não esperava que eles me dissessem que iríamos nos mudar pra Califórnia! Paula puxou a barra desfiada do short jeans. - Comece ajuntar dinheiro para as próximas férias, Paula. Quando você for me visitar, vamos nos divertir demais! Vou pedir a minha tia pra nos levar pra fazer compras, e vamos fazer churrasquinho na praia, com os meus novos amigos, e você vai adorar o Ted, Paula. É o cara mais fantástico do mundo! Paula deu um sorriso amarelo, educado. Cris parou. - O que foi? Algum problema? - Nada. Continue. Você estava dizendo como está apaixonada por esse Ted. Cris deu uma risadinha. - Ele me deu flores, Paula! Quando vim embora ontem, ele me surpreendeu com um buque enorme de cravos brancos, e depois... Cris fez uma pausa e indagou: Paula, qual é o problema? Diga... - É que você vai embora de novo, respondeu a outra fungando, e não está nem um pouco triste com isso! - Que é que você quer dizer? Cris tirou a sandália e prestou mais atenção à amiga. - Todas as cartas que escreveu da Califórnia nessas férias pareciam maravilhosas. Você ficava falando dos lugares fantásticos que estava conhecendo e das coisas que sua
tia comprava pra você ... Era como se todos os seus sonhos estivessem sendo realizados, e eu aqui parada, dia após dia, com um tédio doido. - Mas Paula, nem tudo foi tão perfeito assim. Aconteceram também algumas coisas muito tristes. Não foi só restaurantes chiques e aventuras inusitadas. Tive de crescer muito. Ela parou um instante, lembrando da morte do Sam, das vezes em que se sentiu como um peixe fora d'água e das inseguranças que experimentou no relacionamento com o Ted. - Mas Cris, mesmo assim você teve umas férias de sonho. Confesse! E agora está-se mudando pra lá e nem finge estar triste! - Bem, estou triste por deixar você, mas você irá passar as próximas férias comigo. Não vê por que estou tão empolgada com essa mudança?! - É, mas mesmo assim... O telefone tocou e Paula atendeu aborrecida. - Oi! É você! disse Paula em tom mais alegre. Sim, sinto muito. O telefone caiu da mesinha. O quê? É mesmo? Hoje à noite?! Sim, claro que posso. Quem? É mesmo? Ele é um CMG. Com certeza estarei lá. Tenho de desligar agora. Estou com visita. Tudo bem. Tchau. Cris sorriu, mas sentia-se preocupada. Com quem Paula falara, que a deixara tão empolgada assim de repente? Estava tão chateada ainda há pouco... - Quem era? perguntou. - Melissa. Você não a conhece. Ela trabalha na Dairy Queen. O irmão dela é um CMG; sabe o que é isso? Os grandes olhos azuis de Paula pareciam os de uma boneca. - Não, não sei, declarou Cris, deixando transparecer a chateação.
- Ah, disse Paula, com ar brincalhão. É um código que eu e Melissa inventamos. Significa "Cara Muito Gato". Ele vai estar na festa da Melissa hoje à noite. Olha, tenho uma foto dele. Não é um CMG? perguntou, mostrando uma fotografia de um rapaz numa moto, com os braços cruzados. - Qual a idade dele? perguntou Cris, em tom maternal. - Ora, Cris, ele só tem dezoito anos, respondeu Paula, jogando o cabelo para trás. - Paula! - O quê? - Você tem só catorze anos. - Completo quinze daqui a dois meses, retrucou a outra, pegando a foto de volta. - Bem, mesmo assim, Paula... - O quê? perguntou ela, encarando Cris com os lábios apertados. - Deve haver algum outro cara por quem você possa se interessar. - Ah é? Quem, por exemplo? - Bem... não sei! Mas não acho muito legal você se envolver com um cara de dezoito anos. - Ah, não acha não? E o Ted? Fiquei pegando no seu pé quando você disse que estava saindo com um surfista de dezesseis anos, lá da Califórnia, cujo melhor amigo morreu de overdose? - Não foi overdose, Paula. Sam foi atirado contra o quebra-mar quando fazia surfe. - É isso aí. Surfando à noite, e tão doido que nem sabia o que estava fazendo! O que acha desse caso, Cris? - Paula, isso aconteceu com o Sam. O Ted não é assim. Ele é cristão. E agora eu também sou cristã, explicou Cris com raiva e entre dentes, mas sentindo-se uma boba por estar discutindo daquele jeito com sua amiga de infância.
- E o que você quer dizer com "Eu também sou cristã agora"? perguntou Paula, arremedando-a. Cheia de sentimento de culpa, Cris recuou, tentando pensar numa resposta. Grande cristã você é! Gritando com sua melhor amiga... um verdadeiro cristão não maltrata os amigos.
- Paula, disse Cris suavemente, sinto muito. Vou tentar começar de novo. O que quero dizer quando afirmo que agora sou cristã é que entreguei meu coração e minha vida a Jesus Cristo. As duas sempre conseguiam conversar sobre qualquer assunto, mas agora Cris sentia-se frustrada e insegura ao tentar explicar algo que nem mesmo ela entendia bem. - Toda minha vida eu senti Deus perto de mim; você entende? Paula acenou levemente com a cabeça. - Meus amigos da praia explicaram que isso não bastava. Eu precisava entregar minha vida ao Senhor. Abrir a porta e deixá-lo entrar. Então pedi que Deus perdoasse todas as coisas erradas que eu tinha feito e convidei Jesus a entrar em minha vida. Entreguei a ele todo o meu coração. Paula apertou os grandes olhos azuis. - E o que significa isso? Você vai virar freira ou algo parecido? - Claro que não! respondeu Cris, jogando uma almofada em Paula. Não sei explicar direito. Deus não está apenas perto de mim; agora ele está dentro de mim. - Que bom! exclamou Paula em tom suave, porém, distante. Fico contente por você, Cris. Mesmo. Parece que tudo na sua vida está dando certo. - Acho que sim. Ainda tenho tanto a aprender! Os meus amigos da praia são super chegados a Deus, e falam com ele como se ele fosse seu melhor amigo. Eu ainda não me sinto assim. Mas também faz só uns dois dias que o aceitei, acrescentou Cris com um
sorriso. O telefone tocou, e Paula atendeu no primeiro toque. - Alo! Oi Melissa! O quê? Ah, não! Essa música de novo! falou Paula entregando o telefone a Cris. Escuta só. Cris ouviu as batidas rítmicas ecoando no aparelho. Mas não conhecia a música. Paula pegou o fone de volta e cantarolou a música com voz chorosa, debochando do som. Em seguida, disse: - Melissa, já to cheia dessa música. Você não tem nenhuma fita mais nova pra tocar? O quê? Não, ela ainda está aqui. Ligo pra você quando ela for embora. Quando? Não sei. Não vai demorar. Tá bem. Tchau. Aqueles comentários magoaram Cris. Ela percebeu que Paula também fizera novas amizades nessas férias. As duas haviam mudado. As coisas não eram mais as mesmas entre elas. Paula olhou para a sacola da Disneylândia que Cris deixara cair no chão quando entrara. - E então, vai me mostrar todas as lembranças da Disney? perguntou, num tom meio azedo. - Ah, claro! disse Cris. Isto aqui é pra você. - Legal! exclamou Paula, saltando da cama e agarrando a sacola. Nem acredito que você tenha se lembrado de mim no seu grande passeio com o Ted, na Disneylândia! - Claro que lembrei de você. Lembrei as férias inteiras. Paula encarou Cris antes de abrir a sacola, e disse baixinho: - Sinceramente, pensei que você tivesse se esquecido totalmente de mim. - Como pôde pensar isso? E você, pensou em mim, Paula? Ou estava ocupada demais com a Melissa, na "Dairy Queen"? pensou
Cris. - Adorei! exclamou Paula, puxando da sacola o blusão de moletom da Minnie. Que gracinha! É exatamente isso que eu queria. Obrigada, Cris! Paula vestiu rapidamente, por cima da roupa mesmo, o enorme blusão que tapou completamente seu short. - Que tal? perguntou, desfilando na frente do espelho. Vou usar hoje à noite na festa. Melissa vai achar o máximo! Se tivesse lembrado, teria pedido pra você comprar um igual pra ela. Um igual pra ela! Em todo o percurso de volta para casa esse pensamento incomodou
Cris como uma pedra no sapato. Fazia um calor úmido naquela tarde de julho. O cheiro de curral permeava o ar, e um enxame de mosquitinhos chatos girava em torno de sua cabeça. Chutando os pedregulhos na poeira, Cris murmurou: "Você devia ter comprado um igual pra Melissa". Ótimo, Paula. Muito bom! Pode ir pra sua f esta! Deixe a Melissa ser sua melhor amiga e não eu. Não estou nem aí. Eu vou pra Califórnia!
Naquele momento ela se deu conta de uma coisa (que lhe doeu como um tapa na cara): teriam de deixar tudo para trás. Agora compreendia por que seus pais estavam tão tensos na noite anterior, quando a pegaram no aeroporto e contaram que haviam vendido a fazenda. A vida de toda a família seria radicalmente transformada. Ela não moraria mais perto da casa de Paula. As duas nunca mais frequentariam a mesma escola. Tudo estava prestes a mudar, e aquela mudança seria para sempre. Seu último pensamento abalou-a ainda mais: Mesmo se não estivéssemos nos mudando pra Califórnia, mesmo se tudo ficasse como está e eu continuasse morando aqui, ainda assim a verdade é que acabo de perder minha melhor amiga.
“Se Pelo Menos...” 2 Cris sentia-se deprimida quando pararam em frente à casa dos tios Bob e Marta, na praia de Newport, Califórnia. Ali estava ela, no lugar com que tanto sonhara, e no entanto sentia-se chateada com tudo e com todos. A família inteira parecia sentir a mesma coisa. A viagem fora horrível. Foram sete dias cruzando o país dentro de um carro. E agora, arrastando-se para dentro da luxuosa casa de praia de Bob e Marta, continuavam aborrecidos e reclamando, como se estar ali fosse uma espécie de castigo que lhes fora infligido. - Estão com fome? Com sono? A fim de um banho? Bob, um cinqüentão simpático e tranquilo, oferecia a costumeira hospitalidade, mas, em resposta, só recebia murmurações. O pai de Cris, um homem grandalhão, com sobrancelhas grossas e espesso cabelo castanho-avermelhado, carregava para dentro a última das malas. O irmão de Cris, David, de oito anos, plantou-se de pernas cruzadas na frente da televisão. Cris ficou ao lado da porta de vidro, que dava vista para o Oceano Pacífico. O sol já se escondera, mas ainda havia no céu uma faixa de nuvens douradas e claridade suficiente para divisar a silhueta de alguns surfistas pegando uma última onda. Mais à esquerda, Cris viu uma fogueirinha e um pequeno grupo em volta, provavelmente grelhando salsichas para fazer cachorros-quentes. Respirou fundo, sentindo a brisa do mar, e algo além de raiva e frustração começou a despertar no seu interior. Fragmentos de lembranças acendiam-se em sua mente, como quando se ateia fogo na lenha. Seu coração se aqueceu, o ânimo melhorou, e sentiu vontade de ir até onde estava
aquele pequeno grupo na praia. Será que eram os seus amigos? Certamente ficariam surpresos ao vê-la! Quem sabe o Ted estaria ali? Talvez ele tivesse levado o violão e ela poderia ouvi-lo cantar. - Pai! gritou Cris, entrando na cozinha com uma ponta de esperança. Mãe! Posso ir um pouquinho até a praia? Seus pais estavam cabisbaixos à mesa da cozinha, parecendo esgotados e irritados. Marta, uma senhora de aparência jovem, estava à frente da geladeira aberta, e Bob esquentava comida para eles, no microondas. Pela expressão de todos, era óbvio que nenhuma brisa mágica do mar havia despertado sua alma como acontecera a Cris. Mesmo assim, ela não podia deixar de pedir. - Só quero ir até as churrasqueiras pra ver se encontro alguns dos meus amigos. Posso? Por favor?... - Claro que não! retrucou seu pai. Já é noite. Vocês não deixavam a Cristina sair de casa à noite quando ela esteve aqui, deixavam? perguntou, olhando para Bob. - Bem, na verdade... começou a delicada e esbelta tia Marta. Havia outros jovens e... Bob interrompeu. - Você gosta de coxa ou sobrecoxa, Norton? - Ah, tanto faz. Qualquer coisa está ótimo. - Cris, continuou Bob. Você viu o novo papel de parede que pusemos na sala de televisão? Nós o trocamos na semana passada. - A Cris estava aqui quando escolhemos o papel, acrescentou Marta, pegando uma garrafa de água mineral. Vocês dois gostam de laranja e maracujá? - Pode ser. O que você tiver aí está bom, disse a mãe de Cris. Sua voz denotava profundo cansaço. O cabelo castanho, curto, era muito liso e o corpo redondo encaixava-se meio apertado na cadeira de braço.
Cris percebeu que não tinha jeito. Se pedisse novamente para ir à praia, só causaria problemas. Seu tio ajudara a evitar o que poderia ter sido uma tremenda confusão. Era melhor não forçar a barra. Abafando todas as esperanças e temores, sentou-se com os adultos, mordiscando em silêncio uma coxa de galinha. Dizia a si mesma que no dia seguinte iria andar descalça pela areia, veria todos os amigos e se sentiria viva novamente.
*****
Na manhã seguinte, Bob, vestindo uma camisa de estampa havaiana e uma bermuda cinza, cumprimentou-a na cozinha. - Bom dia, "Olhos Brilhantes"! - Bom dia! Já vestindo maio e camisão, Cris sentou-se na cadeira de carvalho à mesa. Os raios dourados do sol entravam pela janela. - Quer uma omelete e torradas de pão com passas? perguntou Bob. - Claro! - É formidável ter vocês aqui. Eu e Marta desejávamos isso há anos, disse, virando uma omelete sobre um prato com a agilidade de um especialista. - Não sei se minha família sente o mesmo, disse Cris, baixinho, servindo-se de suco de laranja. - Ah é? Qual o problema? - Bem, minha mãe está super esquisita desde que saímos do Wisconsin. E meu pai, não sei não. A viagem foi horrível, e nós ficamos irritados uns com os outros. Além disso, uns dois dias atrás meu pai disse que essa mudança era um grande erro.
Bob colocou a omelete fumegante diante de Cris, e disse: - Não se preocupe. Ele vai mudar de idéia depois da entrevista hoje no "Laticínio Hollandale". Você vai ver. - Espero que sim, disse Cris, espalhando bastante manteiga na torrada. Sinto-me meio culpada por tudo isso, acrescentou em voz baixa. - Por quê? - Porque tudo deu tão errado, e queria que eles gostassem da Califórnia tanto quanto eu gosto. - Tem de dar tempo a eles, Cris. Você está escrevendo essas coisas no seu diário? - Que diário? - Pensei que toda adolescente tivesse um diário, disse. - Pois eu não tenho. - Então vou comprar um para você hoje mesmo, prometeu Bob. Você deve tentar escrever sempre que puder. Isso ajuda a colocar as idéias no lugar, em meio a todas essas mudanças. Cris ficou alguns instantes em silêncio. Por que é tão fácil conversar com meu tio, e não consigo conversar com meus pais? Queria poder falar com eles do jeito que falo com o tio Bob. - Obrigada pela omelete. Não aguento comer mais nada. Quase não comemos durante a viagem, e acho que meu estômago encolheu. - Tudo bem. - Tio Bob, você se importa se eu levar uns refrigerantes pra praia? - Claro que não. À vontade. - Quero ser a primeira a chegar lá hoje e surpreender meus amigos, se eles estiverem por aí, disse, levando os pratos para a lavadora.
- A propósito. E o Ted? Ele escreveu, ou telefonou? - Não. Aquele bobo! Já escrevi três vezes, mas tive de mandar as cartas para a casa da mãe dele, na Flórida, porque não tinha o endereço dele daqui de Newport. Cris puxou uma toalha de praia da prateleira da lavanderia e pegou um refrigerante na geladeira. - Você acha que meus pais se importarão se eu for até a praia? Eles ainda estão dormindo, e não quero acordá-los. - Pode deixar que eu me viro com eles. Vai ser moleza! Bob deu uma piscadela, e Cris respondeu com um sorriso. - Obrigada, tio. - Escuta, por que você não volta na hora do almoço? Até lá o resto do pessoal deverá estar acordado. - Está bem, concordou Cris, já caminhando em direção à porta, ansiosa para sair antes que outra pessoa se levantasse. - Divirta-se com seus amigos! disse Bob, animando-a. Ela enfiou devagarinho os pés descalços na areia dourada e correu em direção ao mar, atraída pelas ondas que iam e vinham, quebrando-se majestosamente. O céu se confundia com a linha do horizonte, como um manto azul sem costuras envolvendo ternamente o mundo, sustentado pelas brisas do mar. Estou aqui! Voltei! sussurrou ela para o céu límpido da manhã, saltitando pela praia,
brincando de pega-pega com as ondas e desafiando-as a apagar suas pegadas. Bem, aqui vai ser meu novo lar! Claro que vou me adaptar. Vai ser muito bom se eu puder estudar na mesma escola dos amigos que conheci nas férias.
As frustrações e a agonia de ter largado tudo e mudado para a Califórnia começavam a desvanecer, lavadas pela maré matutina. Estou aqui, Ted! Voltei!
Animada, olhou para a água, à procura da prancha alaranjada do Ted. Cinco surfistas deslizavam sobre as ondas, mas Ted não se encontrava entre eles. A única coisa que podia fazer era esperar. Estendeu a toalha sobre a areia e acomodou-se. Em seguida ouviu atrás de si uma voz feminina. - Cris? - Olá! disse Cris, dando um salto. - Não acredito que é você! O que está fazendo aqui? perguntou Eillian, dando-lhe um abraço e armando a cadeira de praia ao lado da toalha da amiga. As duas sentaram-se e logo puseram-se a conversar. Cris explicou que sua família tinha vindo de mudança, para a Califórnia. - Não acredito! Quando chegaram? - Ontem à noite, lá pelas oito. - Está brincando! disse Lillian, arregalando os olhos e recostando-se na cadeira. - Por quê? Não vai acreditar, Cris! Você poderia ter vindo ao nosso churrasco ontem. Não sabíamos que você estava aqui. Tudo bem, disse Cris. - Não, amiga, não está tudo bem. Você vai morrer quando eu lhe disser uma coisa! - O quê? - O churrasco de ontem era uma despedida para o Ted. Ele foi embora hoje de madrugada pra casa da mãe, na Flórida! - Não! gritou Cris. Todos os seus sonhos de ver o Ted novamente se desmoronaram naquele momento. - Se você tivesse aparecido na nossa fogueira... Lillian abanou a cabeça, e Cris se esforçava para segurar as lágrimas, que começavam a escorrer. - Não dá pra acreditar que você estava aqui esse tempo todo! Pensar que estava a
algumas quadras da nossa fogueira... Lillian deve ter notado as lágrimas de Cris e rapidamente tentou mudar de assunto. - Sabe, o Ted sentiu mesmo a sua falta depois que você foi embora. Cris piscou, engoliu em seco e piscou de novo. Lillian fazia de tudo para dizer as palavras certas. - Sabe, ele me disse que conhecer você foi a melhor coisa que lhe aconteceu nessas férias. - Verdade? perguntou Cris num sussurro. - É sim, falou Lillian mais calmamente. Não sei por que não deu pra vocês se encontrarem ontem à noite, mas não deixe que isso acabe com sua alegria. A gente pode acabar pirando se ficar só pensando: "Se pelo menos..." - O quê? perguntou Cris, piscando e fungando um pouquinho. - Uma vez ouvi uma senhora falando que algumas pessoas acabam passando a vida toda falando: "Se pelo menos..." Vivem olhando pra trás e dizendo "se pelo menos eu tivesse feito isso, ou se pelo menos não tivesse feito aquilo..." Podemos açabar estragando a vida se ficarmos sempre desejando que tudo seja diferente. Aquela senhora disse que quando acontecem coisas que não entendemos, precisamos crer que Deus ainda está no controle da situação e que nada acontece por acaso. Cris abanou a cabeça, olhando para o mar. - Você dá a impressão de que é tão fácil confiar em Deus, Lillian. Não sei se vou conseguir confiar com essa facilidade. - Vai ficando mais fácil à medida que a gente vai praticando o que aprende. Naquele instante ouviram uma voz atrás delas: - Ôoo Lillian! Eram Trícia e Helen. As duas garotas não haviam mudado nada desde a última vez
que Cris as vira: Trícia era miúda e de cabelo escuro, e Helen, magricela e de cabelo loiro encaracolado, leve e esvoaçante. - É a Cris mesmo! disse Trícia a Helen. O que você está fazendo aqui, menina? As duas a abraçaram e começaram a falar que ela devia ter vindo à despedida do Ted na noite anterior. - Poupem o fôlego, disse Lillian. Já conversamos sobre tudo isso. - Você já viu o Douglas? perguntou Helen, correndo em seguida para a beira da água para chamá-lo. - Estava imaginando se era ele, disse Cris, olhando o surfista alto, de ombros largos, que saía da água. O cabelo de Douglas, curto e clareado pelo sol, estava arrepiado. Para surpresa de Cris, assim que ele a avistou, correu para cumprimentá-la, deixando cair a prancha e dando-lhe um forte abraço molhado. - Cris! Puxa vida! Que surpresa! Como vai? Que barato ver você! De repente, seu entusiasmo diminuiu. - Puxa! Se você estivesse aqui ontem na despe... Foi interrompido por um coro de vozes. - Ela já sabe! - Oh! Desculpe a vergonha que eu passei! - E então, conte quais são as novidades, disse Helen, mudando de assunto. Ficaram um tempão conversando e rindo. O sol quente, de fim de verão, castigava seus ombros. As ondas, como metrônomo desregulado, quebravam na praia no ritmo da conversa. Era indescritivelmente maravilhoso estar ali. Cris se perguntava se ficaria na mesma classe que Trícia, já que ambas iam iniciar o segundo ano do colegial. Qutro amigo, Bruce, aproximou-se de Helen e sacudiu a cabeça, espirrando água em
suas costas. - Ah, seu "mala"! - "Mala?" Cris notou que a tímida Helen ruborizara. - É isso mesmo: "mala", retrucou. - Essa palavra é nova! Você foi pesquisar na biblioteca? perguntou Bruce. - É, respondeu Helen devagar, tentando raciocinar depressa. Fui à biblioteca e procurei "mala" na enciclopédia. Dizia "muito chato, pré-histórico", e tinha uma foto sua, Bruce, ilustrando o verbete. Todos caíram na gargalhada, exceto o Bruce, que disse: - Tá bem, Helen, você pediu! E assim dizendo, puxou-a pêlos punhos e gritou para Douglas agarrar seus calcanhares. Ela gritava e esperneava, mas, num instante, eles a carregaram para a beira da água e, contando até três, deram-lhe aquele "caldo". - Eles gostam um do outro? perguntou Cris a Trícia. - Quem sabe? Vivem pegando no pé um do outro, mas acho que se tentassem namorar seria um desastre. Acho que o Bruce jamais a namoraria. Pra que estragar uma amizade tão boa? - Meio estranho esse jeito de encarar as coisas, disse Cris. - Sei lá, às vezes acho que esse negócio de namorar é que é um pouco estranho. É tão melhor ter amizade com um monte de gente, todo mundo saindo junto, respondeu Trícia. Lillian inclinou-se para a frente e disse: - É porque a Trícia ainda não se apaixonou. Espere só até ela conhecer um cara que a encante. Daí não vai mais curtir tanto esses passeios em grupo!
Helen chegou arfando, ensopada mas alegre. - Não acredito que ele tenha tido coragem! Lillian, Trícia e Cris trocaram olhares que diziam: Será? - Vamo’lá tchurma! instigou Helen. Vamos pra água. Os rapazes já estão todos lá. Rindo, as quatro correram juntas até a água. Quando Cris sentira pela primeira vez as ondas da praia de Newport, no início do verão, ficara intimidada e assustada. No dia em que conhecera o Ted, havia sido derrubada por uma onda e literalmente jogada aos pés do rapaz. Hoje, enfrentava o mar sem medo. Alta e esguia, corria em direção às ondas, furando-as com a graça e a agilidade de um golfinho. Boiando sobre a espuma no outro lado da crista, tinha a impressão de que seu rosto e cabelo brilhavam em meio aos reflexos de luz na água. - Adoro isso! exclamou. Trícia e Helen riram, boiando a seu lado. - Você demorou demais a aparecer por aqui, disse Trícia. - Vamos agora! Essa onda tá boa de pegar. Olha aí! gritou Helen. Elas batiam rapidamente os pés à frente da forte onda, que foi crescendo até erguêlas e lançá-las à praia, como flechas. Helen e Lillian conseguiram boiar o tempo todo. Contudo Cris e Trícia trombaram uma com a outra e rolaram até a praia como um par de tênis dentro de uma secadora. Quando recuperaram o fôlego, riram às gargalhadas pelo que a água fizera com o cabelo delas. Retorcendo e emaranhando-o, deixara as quatro com "penteados" ridículos, cheios de areia. - Olha só seu cabelo, Cris! disse Helen, soltando um gritinho estridente. Se pintar de roxo você fica a punk perfeita!
Cris riu com elas, passando a mão na "crista de galo" que lhe formara no alto da cabeça. Mas logo virou-se e foi brincar mais um pouco nas ondas, enquanto os rapazes corriam atrás delas com suas pranchas de body board. Algum tempo mais tarde, sem fôlego e com os maios cheios de areia, saíram da água. Relutante, Cris perguntou as horas. - Provavelmente já são umas duas da tarde, respondeu Trícia. - Ai! Tenho de ir pra casa! Se puder, volto depois, falou Cris, juntando seus pertences e despedindo-se dos amigos. Como gostaria que Ted estivesse ali! Será que ele leria suas cartas quando chegasse à Flórida? Será que as responderia? Contudo o que lhe interessava mesmo era saber se o que Lillian dissera era verdade. Será que ele realmente achava que conhecê-la fora a melhor coisa que lhe acontecera nessas férias?
Querido Diário 3 Marta e a mãe de Cris estavam deitadas nas espreguiçadeiras no pátio, à sombra de um enorme guarda-sol amarelo e branco. Ambas olharam para cima quando Cris chegou da praia. - Bom dia! cumprimentou-as animada. - Já é "Boa tarde", não é?! disse Marta, com um sorriso de contentamento. Magra e sempre na moda, Marta parecia bem mais jovem com aquele short branco e a blusa rosa-choque. Cris nunca percebera antes o quanto as duas irmãs, sua mãe e sua tia, viviam em mundos diferentes. Vendo uma ao lado da outra, naquele ambiente chique, sua mãe parecia a mulher mais gorducha, sem graça e deselegante do mundo. Seu cabelo curto e sem volume, já com alguns fios brancos, era muito liso, enquanto o de Marta era escuro e cheio, moldurando-lhe o rosto com perfeição. Sua mãe não usava um pingo de maquiagem, o que fazia seu rosto parecer mais enrugado e sem graça. A pele lisa de Marta parecia ainda mais bonita com o batom de cor viva e a sombra forte nos olhos. Agora que estamos na Califórnia, pensou Cris, talvez a tia Marta consiga transformar minha mãe, de mulher da roça, numa socialite. Cris esticou a toalha sobre uma cadeira e sentou-se de frente
para a mãe e a tia. Cristina! gritou a mãe, olhando bem para o seu rosto. Olhe só pra você! Torrou no sol! Cris levou a mão ao rosto. - Não está tão mal assim. - Querida, você tem de usar protetor solar no rosto sempre, lembra-se? disse Marta,
com doçura. Aquele que comprei pra você acabou? - Ah, que ótimo! brincou Cris. Agora tenho duas mães pra ficarem o tempo todo me dizendo o que fazer. - Todas as garotas do mundo deviam ter essa sorte, retrucou Marta, com um sorriso confiante. Você se divertiu com os jovens na praia? - Sim, disse Cris, recostando-se na cadeira. Alguns dos meus velhos amigos estavam lá, mas nem todos. Não sabia se a tia havia falado sobre o Ted para sua mãe, e não tinha certeza se seria bom tocar no assunto. Talvez seus pais ficassem bravos se soubessem que ela fora à Disneylândia sozinha com o Ted, e que ele fora dirigindo. - Você precisava ver uma pessoa que Cris conheceu na praia! disse Marta à irmã. Um encanto! O tipo de jovem que faz a gente acreditar que existe esperança para o futuro. Você é um amor, tia Marta. Não sabia que tinha gostado tanto assim do Ted, pensou Cris.
- O nome dela era Alissa. Ah!
Marta tocou o braço da irmã. - Moça lindíssima. Tenho certeza de que influenciou Cristina com seus modos refinados. Toda a irritação de Cris com a tia voltou como uma onda gigantesca, destruindo seu ânimo. Você não sabe de nada, tia Marta! Alissa é a pessoa mais problemática que já conheci! Ted e seus amigos foram os que mais me influenciaram, e não a Alissa!
- Você a viu hoje aí? perguntou a mãe. - Quem? - Alissa, essa garota boazinha de que Marta gostou. - Não, ela voltou para a casa da avó, em Boston.
- Sabe? exclamou Marta, erguendo-se da espreguiçadeira. Acho que o Bob disse que chegou uma carta de Boston para você. Deixe ver se está na sala de televisão. Marta saiu rapidamente, e Cris dirigiu à mãe um breve sorriso. Talvez eu não queira que a tia Marta transforme você. Talvez prefira que você continue sendo a mesma mãe simples de sempre.
- Norton e Bob foram a San Marcos ver o negócio da companhia de laticínios, disse a mãe. Espero que dê tudo certo. - Onde é San Marcos? - Se não me engano, o Bob disse que fica a cerca de uma hora e meia daqui. - Uma hora e meia? - Sim, ao sul, perto de San Diego. - Quer dizer que fica a mais de uma hora daqui? Pensei que era pertinho! - Cris! exclamou a mãe, parecendo surpresa. Você sabia que não iríamos morar aqui! - Sabia que não iríamos ficar na casa do tio Bob e da tia Marta, mas pensei que fôssemos morar aqui na praia de Newport. A sua mãe abanou a cabeça. - Às vezes você parece que vive num mundo de sonhos. Só escuta aquilo que quer ouvir. Se esse emprego der certo, o Bob tem um amigo corretor de imóveis que nos alugará uma casa em Escondido. - E onde é esse "Escondido"? Cris quase não acreditava no que a mãe estava lhe dizendo. - Perto de San Marcos, claro. A casa é numa parte mais antiga da cidade, e o aluguel é mais acessível. - E em que escola vou estudar? A jovem havia imaginado que começaria as aulas na semana seguinte e seria colega de, pelo menos, uma das amigas da praia. Agora a idéia de uma escola nova, onde não
conhecia viv'alma, assustava-a. - Quando estivermos acomodados, resolveremos isso. Não! pensava Cris, sentindo vontade de gritar. Não e não! Por que não podemos morar aqui? Por que não me disseram que a companhia de laticínios era em outro lugar? Como uma máquina com-
plicada, que de repente pára de funcionar, os pensamentos de Cris congelaram por um momento. Depois voltaram a girar. Talvez o emprego do papai não dê certo, e tenhamos de voltar para o Wisconsin. Pera aí! Mas por que estou pensando isso? Quero morar aqui, não no Wisconsin! Cris
esforçava-se para desligar-se daquelas preocupações. - Eu estava certa! anunciou Marta, balançando uma carta no ar. Aqui está, Cristina. Olha, eu e sua mãe estávamos planejando sair para fazer umas comprinhas. Tenho de ir à Corona Del Mar e, na volta, podemos dar uma passada em algumas lojas. Por que você não se apronta rapidinho? Preciso passar na lavanderia antes das quatro. - Sei não... Cris escolhia as palavras com cuidado, pois sabia o quanto a tia ficava chateada quando as pessoas não aceitavam seus planos. - Se não se importar, mãe, acho que vou preferir ficar em casa. - Por quê? perguntou Marta. - Bem, a viagem foi longa e ainda preciso me refazer. Nem parecia que era ela que estava falando aquilo. Procurava ansiosamente uma explicação que satisfizesse suas "duas mães". Precisava ficar um pouco sozinha para pensar. - Isso me parece bastante sensato, minha filha, disse a mãe, levantando-se. Só vou passar um pente no cabelo, Marta, e estarei pronta num instante. - Por que não troca de roupa? Dá tempo. A mãe de Cris olhou para a saia de algodão azul-marinho, um pouco amassada, e a
blusa xadrez em vermelho e branco. - Estou bem assim, não estou? Cris quase não acreditava no que ouvia. Marta a tratara exatamente da mesma maneira durante as férias. Contudo Cris nunca pensou que ela seria capaz de ter com a própria irmã aquela atitude mesquinha: "Você não está suficientemente bem vestida para andar comigo". - Faça o que achar melhor, respondeu Marta. Vou pegar minhas coisas e tirar o carro. - Divirtam-se! disse Cris. Ela sabia como seria a tarde, com a tia controlando tudo. Certamente Marta iria tentar ensinar à irmã uma porção de coisas. Contudo sua mãe provavelmente não iria gostar muito daquilo. Esticando-se na espreguiçadeira, Cris abriu o envelope e retirou a carta de Alissa. Era só de uma página, e dizia:
Querida Cris, Recebi sua carta hoje e fiquei feliz por ter notícias. Ainda estou namorando o Bret. Ele é um cara maravilhoso. Na verdade, bom demais para mim. Minha avó gosta muito dele e o convida para vir aqui com frequência. Acho que se terminasse o namoro, minha avó sentiria mais falta dele do que eu!! To brincando, viu?! Uma parte de sua carta me deixou intrigada. Você disse que tinha "entregado seu coração a Jesus", e achava que, se eu fizesse o mesmo, minha vida iria mudar. O que não entendo é como se entrega o coração a alguém que já morreu. Creio que Jesus era um homem bom, um bom exemplo, como Maomé ou Buda. Mas por que cargas d'água a gente faria promessas a um homem que não existe mais? E como isso poderia transformar sua vida? Não estou desprezando seus sentimentos, Cris. Se você acredita nisso, tudo bem. Mas para mim não faz sentido. Não entendi por que você quer que eu tome a mesma decisão. Talvez não tenha entendido o que você quis dizer.
Por favor, me escreva quando tiver um tempinho. Tchau, Alissa.
Cris mudou de posição na espreguiçadeira, mordiscando a unha do polegar, pensando em como responder a Alissa. Deu um branco total. Sentia-se amortecida. Tinha muita coisa acontecendo no momento, e não conseguia raciocinar com clareza. Me dê um tempo, Alissa, sussurrou ela. Preciso pensar mais sobre isso. Se pelo menos não tivéssemos de morar em Escondido... Se pelo menos eu pudesse ficar com meus amigos cristãos... Se... De
repente Cris percebeu o erro que estava cometendo. Puxa! Foi isso que a Lillian quis dizer quando falou sobre a gente ficar pensando: ".Se pelo menos...''! Acho que ela estava certa. É melhor parar com isso, antes que fique maluca!
Cris sé recompôs e resolveu ir tomar um banho. A cada degrau da escada que subia, repetia as palavras de Lillian: "Deus está no controle. Deus está no controle". Quando chegou em cima, parou e sorriu. Deus, deixar o Senhor assumir o controle da minha vida vai ser um aprendizado e tanto pra mim, não é?! Espero que seja divertido!
Naquela noite, antes de dormir, Cris escreveu essas coisas em seu diário. Bob cumprira a promessa e lhe comprara um diário naquele mesmo dia. Entregara-lhe um caderno com capa de couro, quando a família voltou de um passeio pela praia. - Procure escrever um pouquinho todo dia, está bem? Dissera ele. Escreva seus sentimentos, seus pensamentos, as coisas que estão acontecendo com você, seus sonhos, suas tristezas... Não deixe de escrever. Nas próximas semanas, este livrinho poderá tornarse um verdadeiro amigo para você. É, pensou Cris. Talvez venha a ser meu único amigo.
A Festa Da Camisola 4
Escondido... o nome combina com o lugar, pensou Cris, quando a família parou diante da
casa que viria a ser o seu "lar doce lar". Esse lugar é tão escondido que duvido que alguém me encontre aqui.
A casa era pequena, pintada de bege, com telhas vermelhas, aninhada entre uns seis eucaliptos gigantes. O gramado da frente, escuro e ressequido, tinha tufos de mato alto e retorcido pelos ventos quentes de setembro. A tela da porta da frente tinha um rasgo bem grande, e havia uns cacos de vaso de planta espalhados na varanda da frente. A mãe de Cris olhou aquela cena e pareceu querer chorar. - Harold disse que nos encontraria aqui às onze. Parece que chegamos um pouquinho cedo, disse Bob, olhando o relógio. - Você acha que esse gerente da imobiliária estaria disposto a abater um pouco no valor do aluguel, se fizéssemos os reparos necessários na casa? perguntou Norton. - Acredito que sim. Pode deixar que eu falo com ele, respondeu Bob. Um BMW vermelho-vivo buzinou e parou na entrada da garagem, atrás do Mercedes prateado de Bob. A porta do carro se abriu e um homem alto, de terno cinza, desceu. -Meu amigo, Bob! disse o homem, cumprimentando o tio de Cris. Em seguida deu um rápido e vigoroso aperto de mão em cada um. Cris notou uma moça de cabelo loiro comprido e ondulado, sentada no lugar do
passageiro no BMW. Estava de costas para o grupo e havia deixado o teto solar do carro aberto, de forma que todos ouviam a música que vinha do rádio. -Venham aqui conhecer minha filhinha, disse bem alto o corretor. Iodos o seguiram e ele bateu no vidro do carro. A moça magra e de boa aparência abriu o vidro e abaixou o volume. -Brit, falou o pai. Esta é a família Miller. Aquele ali é o Davizinho, e esta aí é a Cristininha. - Cris, corrigiu ela num sussurro. Ninguém, mas ninguém mesmo a chamava de "Cristininha"! Jamais! Quem seria esse palhaço? e que filha mais estranha aquela! -Olá, disse a menina secamente, quase sem expressão no rosto. Cristina respondeu no mesmo tom. - Oi! - Vocês duas tratem de tornar-se grandes amigas, viu?! disse o homem. Vamos entrar. Estou com as chaves e o contrato de aluguel para vocês assinarem. Esta era uma casa de hóspedes daquela mansão ali em frente. Área muito histórica, essa aqui. Todos entraram na casa, deixando Cris ali, sozinha naquele sol quente, sentindo-se meio perdida e humilhada. A moça no carro aumentou o volume do rádio e inclinou o banco para trás para que o rosto ficasse na sombra. Tinha um rosto fino, de maçãs salientes, e olhos cinza-escuro. Continuava olhando para Cris inexpressivamente. - Ééé... começou Cris, tentando puxar conversa. Acho que não entendi direito seu nome. - É Brittany, disse a moça. E o seu, como é mesmo? - Cris.
Ficaram em silêncio por uns instantes. O vento quente agitava a camiseta de Cris, secando um pouco do suor que escorria em suas costas. - Aqui sempre faz calor assim? perguntou Cris. - Não. Só quando chega o vento quente de Santa Ana. Normalmente a primeira semana de aula é a mais quente do ano. É uma loucura. Não sei por que não fecham a escola e deixam todo mundo ficar em casa até o final do mês, quando o tempo melhora. - Em que escola você estuda? - Kelley High. Você também vai estudar lá. Que ano você vai fazer? - Segundo do segundo grau. - Eu também, disse Brittany, parecendo um pouco mais interessada em Cris. Será que teremos aulas juntas? - Ainda não me matriculei. - Vê se consegue fazer Biologia com a professora Ana. Fui A.P. nas aulas dela no ano passado. Ela é bem moderninha. Entendeu? Na verdade Cris não havia entendido o que ela queria dizer. Nem sabia o significado de A. P Também não queria perguntar. Só queria que Brittany gostasse dela, a aceitasse e fosse sua amiga. Aquela noite, Cris escreveu sobre Brittany em seu diário: Acho que encontrei minha primeira amiga aqui. O nome dela é Brittany. Ela lembra um pouco a Alissa. Deixa a gente curiosa e intimidada ao mesmo tempo. Gostaria de ser igual a ela, mas quando estou perto dela sinto-me como se não estivesse à sua altura. Acho que é porque ela parece amadurecida e experiente... e não desajeitada como eu. Mesmo assim, não sei. Eu gostava da Paula como minha melhor amiga porque éramos muito parecidas. Pelo menos, éramos... Acho que agora quero ser mais sofisticada, como essa Brittany.
*****
Cris acordou cedo. O quarto estava super quente. Escancarou a janela e o vento do deserto balançava a cortina branca fininha. O cheiro forte de eucalipto encheu o quarto, lembrando a loção após barba, Aqua Velva, que seu pai costumava usar, em ocasiões especiais. Vestiu um short branco amarrotado e uma blusa vermelha, sem mangas, e começou a arrumar o quarto. Às oito e meia já havia acabado de tirar tudo das caixas e guardado do jeito que queria. Até que o quarto não era tão ruim. Era bem menor que o da antiga casa na fazenda, mas tinha um armário embutido bem maior. Seria fácil organizar suas roupas ali. Sobre a penteadeira, ela arrumara todos os seus tesouros. A "Sininho" de vidro da Disneylândia, a caixa de música de cerâmica com o bonde que subia e descia o morro, um porta-retrato com a foto dela e de Paula na formatura de oitava série e, numa lata decorativa, os cravos brancos que Ted lhe dera. Agora eles já estavam secos e sem perfume. Cris ajeitou a colcha de retalhos amarelos na cama, e colocou o ursinho Puff em cima do travesseiro. - Pronto, aí está, Puff, disse ela alegre. Seu novo lar! Que tal? Sei, continuou Cris sentando na cama e pegando o ursinho. Eu também estou bastante tensa. Mas vamos superar isso! Você vai ver só. Deus está no controle de tudo. Só precisamos de alguns amigos. Dois dias depois, Cris foi à aula pela primeira vez, no colégio Kelley High. Para alívio seu, ela e Brittany estavam na mesma turma de Álgebra. Também faziam Biologia juntas, com a professora Ana. Na hora do almoço, Brittany apresentou Cris a duas outras garotas. - Esta é a Cris Miller. É nova aqui. Veio de mudança lá do lowa ou algo assim.
- Wisconsin, sussurrou Cris. - Wisconsin, repetiu Brittany. E estas são Jane e Katie "Oncinha". - Ah! muito obrigada! disse Katie, com voz de deboche. Parece que agora vou ter esse rótulo pelo resto da vida: Katie, a "Oncinha" do Kelley High. Katie tinha aparência atlética e cabelo acobreado, cortado bem curtinho, lembrando um leque oriental, quando ela se mexia. Qs olhos verdes e brilhantes pareciam os de um felino. - Ela é a mascote do nosso colégio, explicou Brittany. - Vamos lá, Katie! Dê um de seus saltos aí! disse Jane, falando sem parar, como se voando pelas palavras. - Agora não, Jane. Prefiro deixar para o torneio na sexta -feira, disse Katie. As três brincavam e conversavam. Cris comia seu sanduíche de amendocrem e geléia, olhando-as em silêncio. Gostou imediatamente de Katie e de Jane. Jane tinha cabelo bem preto, encaracolado, e o usava solto, o que lhe dava um ar exótico. Seu jeito alegre combinava com sua aparência descontraída. Cris resolveu que faria de tudo para que essas garotas gostassem dela, especialmente a Jane. Para sua alegria, ela e Jane estavam na mesma turma de Espanhol. Cris sentou-se logo atrás dela. Todo mundo parecia conhecê-la, e Cris se animou com a idéia de ter uma amiga tão popular. A semana foi passando e, afinal, tudo estava dando certo. As meninas incluíram Cris todos os dias no seu grupinho na hora do almoço. Brittany até elogiou o vestido de marca famosa que a tia Marta comprara para ela nas férias passadas. - Você fica tão magrinha com ele, disse. Adoro esse estilo! Na sexta-feira, ao almoço, Cris se convenceu de que não precisava mais se preocupar em fazer amizades. Jane anunciou que ia dar uma "festa da camisola", e
convidou-a para ir também. Cris sentiu grande satisfação interior ao pensar como tinha sido fácil enturmar-se com aquelas garotas tão populares. - Todo mundo leva bastante p.h! disse Jane, entusiasmada. - Bastante o quê? indagou ela. - Ph... Papel higiênico! respondeu Brittany. - Ah... Cris olhou para as outras meninas, tentando entender sobre o que exatamente estavam falando. Jane prendia a atenção de todas com suas risadinhas. - Vamos "empapelar" a casa dele melhor do que da última vez! declarou. Todas as garotas começaram então a comentar sobre um tal de Rick Doyle. Tudo bem. Hoje à noite vou acabar descobrindo o que é.
A mãe de Cris hesitou em permitir que ela fosse dormir na casa de Jane, mas quando soube que Brittany também iria, filou mais sossegada. Contudo insistiu em falar com a mãe de Jane no telefone, para ter certeza de que haveria um adulto supervisionando tudo. Então, na hora da festa, foi com Cris até a porta da casa de Jane, queria certificar-se de que tudo estaria bem, antes de permitir que a filha ficasse. Era uma situação embaraçosa! E pior foi quando ela falou bem alto: -Se você tiver qualquer problema, telefone. Mesmo que seja no meio da noite, está bem? Cris acenou que sim e suspirou aliviada, ao ouvir a mãe de Jane responder: Fique tranquila, não vai haver nenhum problema não. Não suporto mais ser tratada como uma criancinha! pensou Cris, ao entrar. Espero que as meninas não tenham escutado isso. Quando eu for mãe, nunca, jamais vou tratar meus filhos desse jeito!
Seus pensamentos foram interrompidos pela risada contagiante de Jane. - Quantos você trouxe? perguntou ela a Cris.
- Quantos o quê? - Rolos de p. h. Cris ficou confusa, mas Brittany interrompeu-a. - Olh'aí, gente! Estou pronta pra ir à casa do Rick! disse da, tirando do saco de dormir dois pacotes grandes de papel higiênico. - Ótimo! E você, Cris, quantos trouxe? Sem graça, Cris tirou um único rolo de papel higiênico da sacola, e falou: - Não quero parecer boba, mas o que nós vamos fazer com esse papel higiênico todo? - Vamos "empapelar"! replicou Jane, com uma risada. Você nunca "empapelou"? - Não. - A gente só faz isso com pessoas que a gente gosta, explicou Brittany. De preferência, com caras bem bonitos. - Como o Rick Doyle, acrescentou Jane. Brittany deve ter percebido a expressão confusa no rosto de Cris, porque continuou explicando. - É o seguinte: de madrugada, vamos todas à casa do Rick e, bem quietinhas, enrolamos papel higiênico nas árvores, no carro dele e na janela do quarto dele. - Mas, por quê? - Por que... sei lá! A gente se diverte com isso e tenta não ser pega, disse Jane, dando uma risada e imitando o "por quê" da Cr is. - Parece divertido, disse Cris, tentando animar-se para acompanhar o pique das outras. - Vamos lá, meninas, disse Katie. Estão todas aqui. Vamos começar as brincadeiras! Todas se sentaram no chão, e Jane deu um pedacinho de papel a cada uma. Pediu
então que escrevessem ali sobre o maior vexame que já haviam passado e sem pôr o nome, colocassem o papel dobrado dentro da tigela. Cris tentava pensar em algo para escrever, enquanto Jane continuava dando risadinhas. Finalmente resolveu falar sobre o dia em que estava aprendendo a pegar jacaré com Alissa, e uma imensa onda pegou-a de surpresa, jogando-a na praia, coberta de algas, na frente de Ted e de uma turma de surfistas. Quando todas haviam colocado os papéis na tigela, Katie começou a tirá-los, um por um, e a ler, sem dó, para todo o grupo. Todas tentavam adivinhar com quem cada incidente ocorrera. Jane ria mais alto que todas, principalmente quando chegou a sua vez. Ela ainda estava na sétima série quando, um dia, depois da aula de Educação Física, vestiu-se depressa e esqueceu de pôr a saia. Não deu falta dela porque estava de anágua. Saiu apressada do vestiário, passou por um grupo de garotos que estavam tendo aula de Educação Física e entrou na sala de aula. Quando se sentou, o cara da carteira ao lado perguntou: "Ei, você não está esquecendo de nada, não?" Daí ela teve de correr ao vestiário para pegar a saia. Cris ficou vermelhinha quando Katie começou a ler o dela. - Tem de ser da Cris, comentou Brittany. Olhem só como ela está envergonhada só de ouvir a Katie ler! -Deve ter sido horrível, "aterrizar" na praia bem na frente todos aqueles caras! disse Katie. -E foi mesmo! concordou Cris. Mas no fim valeu a pena porque foi assim que conheci o Ted. -Óoooo! disseram as garotas em coro. Conta isso aí direito! Como é esse Ted?!
-Primeiro vamos terminar a brincadeira, insistiu uma das meninas. Então Katie pegou outro papelzinho. Todo mundo adivinhou de quem era antes que ela acabasse de ler. Era o dela mesma. Seu maior vexame havia sido no dia do teste para ser mascote no ano anterior. Seu short rasgara na parte de trás quando estava se apresentando diante dos juizes. Ela não percebeu e continuou fazendo as acrobacias de ginasta, terminando a apresentação com a calcinha cor de rosa bem à mostra. - Preciso de um novo "momento de maior vexame", reclamou Katie. Vocês já sabem tudo a meu respeito! De todas as histórias, Cris achou a da Brittany a mais embaraçosa. Estava havendo uma festa na beira da piscina na casa dela, no ano anterior, e ela resolveu dar um mergulho. Quando pulou na água, a parte superior do biquini se soltou. Então ela ficou escondida num cantinho, na parte mais funda da piscina, enquanto Jane tentava pegar a peça. Contudo as alças se prenderam no filtro, e o pai dela acabou tendo de ir lá soltá-las. - Essa foi a pior! exclamou Jane. - E tinha rapazes na festa? perguntou alguém. - Sim! Só uns oito. E dos mais lindos que você puder imaginar. - O Kurt estava lá? perguntou Katie. - Por favor, nunca mais mencione esse nome na minha frente! exclamou Brittany, em tom dramático. - O Kurt é um crápula, acrescentou Jane. - Espere aí, disse Katie. Achei que vocês estavam namorando! - De jeito nenhum! Terminamos antes do início das aulas. -Tudo bem. Acho que estou meio por fora dos últimos escândalos amorosos por aqui. Preciso renovar minha assinatura do "Jornal de fofocas do Kelley High". Todas riram, e o jogo parecia haver acabado oficialmente. Passaram então algum
tempo comendo e batendo papo. Cris ficou quieta, chupando uma bala de chocolate. Será que essas meninas realmente a aceitaram? Será que a viam como parte do grupo? Achava que sim, embora os assuntos delas fossem bem mais pesados do que as coisas que ela e Paula costumavam conversar. Essas garotas vestiam-se como se tivessem vinte anos, em vez de quinze, e usavam tanta maquiagem! Os pais de Cris tinham deixado que ela usasse um pouco da maquiagem que a tia Marta lhe comprara. Mas a regra deles era "Se der para notar que você está maquiada, então está exagerando". Até o momento, ainda não tivera problemas. - Venham aqui, meninas, chamou Katie da cozinha. Jane está ligando para o Rick. - Seu relógio está andando? perguntou, tentando disfarçar a voz ao telefone. Então é melhor você ir atrás dele e pegá-lo. Desligou e caiu na risada. - Ele está em casa! Perguntou se eu estava drogada! - Jane, você é louca! Não acredito que tenha feito isso! - Ah, qual é Katie! Aposto que você queria estar no meu lugar! Quem é esse Rick, e por que todas elas estão tão loucas por ele?
Pouco depois da meia-noite, Jane chamou a galera para sair. Todas entraram no trailer dos pais de Jane, e Cris acompanhou-as. - Quase não estou acreditando que sua mãe tenha topado levar a gente! sussurrou Cris para a amiga. - Ela adora essas coisas. Quando era jovem, costumava "aprontar" muito mais. Ela acha isso o máximo. Passaram devagarinho por uma mansão em estilo espanhol, de telhado vermelho. Na frente havia um grande jardim, com arbustos dos lados e duas árvores bem altas na entrada. - É esta, sussurrou Jane. Estacione um pouco mais pra baixo, mãe.
Cris seguiu as outras garotas, que desciam do carro em silêncio. Pisando bem de leve, correram até o jardim da casa do Rick, com os rolos de papel escondidos sob as blusas. Ela ficou observando enquanto as outras desenrolavam o papel higiênico e o espalhavam pelos galhos dos arbustos. Atiraram o papel sobre uma árvore grande e alguém pegou a ponta dele do outro lado. Devagar, com muito cuidado, Cris foi desenrolando seu p. h. colocando-o sobre os arbustos laterais. Em meio à escuridão, viu Jane indo pé ante pé até a frente da casa e, audaciosamente, prender nela o papel, formando um ziguezague. Outra garota fez um laço muito mal feito sobre a caixa do correio. E entre cochichos e sussurros, o grupo completou a tarefa. Então Katie e Jane foram até a janela do quarto do Rick e tentaram trançar papel higiénico nela. Não estava dando certo e, cochichando, elas discutiam o que cada uma estava fazendo de errado. De repente uma luz se acendeu. Katie gritou. Jane também. Então saíram correndo. O susto das duas provocou uma reação em cadeia no grupo que se encontrava no jardim. Todas se puseram a correr. Em pânico, Cris escondeu atrás de uns arbustos. Uni instante depois, as luzes da varanda se acenderam, e um homem alto, de pijama, escancarou a porta, atravessou aquela teia de aranha de papel higiênico e avançou noite a dentro, com um bastão de beisebol na mão. Naquele momento, para horror de Cris, ela viu o trailer partindo em disparada, com todas as meninas gritando lá dentro. Elas a haviam abandonado! Ninguém lhe dissera para correr em vez de se esconder. O que iria fazer agora? - Rick! gritou o homem, da porta da frente. Venha aqui ver o que seu fã-clube deixou para você. Um rapaz alto, de ombros largos e cabelo encaracolado e espesso, apareceu na porta, vestindo calção e camiseta Nike.
- De novo! reclamou ele. - Elas estão ficando muito descaradas, Rick. Sua mãe me acordou pensando ter ouvido um ladrão ao lado da janela do nosso quarto. - Pai, posso deixar pra tirar isso amanhã de manhã? - Não. Vai tirar agora, disse o homem. Em seguida os dois entraram e desapareceram.
“Era Pra Correr?” 5
O que é que eu faço? Que é que eu faço? sussurrava Cris, escondida atrás do arbusto.
Será que deveria correr? Mas para onde iria? Nem sabia onde estava! Deveria procurar um telefone? Mas não sabia o número de Jane, e preferia morrer do que ligar para a mãe e pedir que viesse buscá-la! Levantou-se um pouco para ver se o barulho que ouvia era o trailer voltando para buscá-la. Não era. Era a porta automática da garagem se abrindo. Ele estava saindo! Cris escondeu-se novamente. Que é que eu faço? Que é que eu faço? Rick começou a arrancar as longas tiras de papel da árvore, colocando-as num saco de lixo. Depois de dar a volta na árvore toda retirando os papéis, dirigiu-se para os arbustos. Ele está vindo pra cá! Que é que eu faço?
Cris batia o queixo e tremia incontrolavelmente, não de frio, mas de pavor. Agora Rick estava bem à sua frente, puxando depressa o papel dos arbustos. Não aguentava mais o suspense. Quase sem pensar, ela deixou que a adrenalina a dominasse e pulou na frente dele de uma vez. - Olá, disse ela, com uma vozinha aguda. - Aaah! Gritou Rick, deixando cair o saco de lixo e tombando para trás. Então, recompondo-se depressa, tentou ver o rosto de Cris e indagou: - Ei! Quem é você? O que está fazendo aí?
Cris sentia-se paralisada pela estranheza da situação. - Tchau! gritou ela de repente, saindo em disparada. Correu o mais depressa possível, sem a mínima idéia de onde estava ou para onde ia. O pior de tudo foi que Rick saiu correndo atrás dela. - Espere! Pare! Volte! gritava ele. Contudo Cris continuou correndo pela rua escura. Um carro virou a esquina e veio em sua direção. Ela chegou para perto da calçada, sem parar de correr. - Pare, por favor! gritava Rick. Entretanto sua voz foi abafada pela buzina persistente do carro que se aproximava. Os faróis começaram a piscar, e Cris percebeu que era o trailer! O carro diminuiu a velocidade, e Katie abriu rapidamente a porta da frente. - Entre aqui! Com um movimento meio desajeitado, Cris se jogou dentro do carro. A mãe de Jane acelerou. As meninas, no banco de trás, encostavam o rosto nos vidros do carro, gritando e assoviando para o Rick. Jane dava risadas estridentes no banco da frente. - O que aconteceu, Cris? Por que ele estava correndo atrás de você? - Você está bem? perguntou a mãe de Jane. Sem fôlego, Cris abaixou o vidro para tomar um pouco de ar. O suor pingava de sua testa, escorrendo pelo pescoço. Nunca se sentira tão descontrolada antes. Só conseguia rir. Uma risada nervosa, aliviada, que vinha lá do fundo. - Sim, disse ofegante. Estou bem. As garotas que estavam na parte de trás do trailer aproximaram-se do banco da frente, fazendo mil perguntas. - O que aconteceu?
- Por que o Rick estava correndo atrás de você? - O que você fez? - Não dá pra acreditar! disse Jane, quase gritando. O que aconteceu, Cris? Nós só percebemos que você não tinha vindo quando já estávamos quase chegando em casa. A gente vinha conversando e rindo, até que a Brittany perguntou: "Cadê a Cris?" Aí nós entramos em pânico e resolvemos voltar, mas, antes mesmo de chegarmos ao quarteirão do Rick... Katie terminou a frase: - ... lá estava você, correndo no meio da rua à uma hora da manhã, com o Rick Doyle em disparada atrás de você! Cris respirou fundo mais uma vez e começou a explicar: - Eu não sabia que era pra correr. Quando a luz se acendeu, eu me escondi nos arbustos. Aí vocês foram embora e fiquei sem poder sair de lá, porque o Rick e o pai dele estavam bem ali. - Não brinca! E o que aconteceu depois? - Eu ia tentar sair de fininho, mas o Rick começou a tirar os papéis das árvores. Quando ele chegou ao arbusto onde eu estava escondida, fiquei apavorada. - E daí, o que você fez? - Eu, eu... Nem acredito que tenha feito isso! Foi tão bobo! disse Cris, hesitando um pouco. - O quê? gritaram todas. - Eu me levantei de repente, e disse: "Olá". Então todas as garotas dispararam a rir. - Ele levou o maior susto, continuou Cris. Daí fiquei com tanto medo que comecei a correr. Ele veio correndo atrás de mim, e foi então que vocês apareceram. - Ele sabia quem você era?
- Não. Estava escuro demais. Além disso, ele nunca me viu. Enquanto vinha correndo atrás de mim, gritava: "Pare! Quem é você?" - Essa história não lhe parece a da Cinderela? brincou Katie. E mais uma vez elas caíram na risada. - Posso imaginá-lo, segunda-feira na escola, gracejou Katie, experimentando o tubo de papelão do papel higiênico no pé de cada donzela do reino! Cris sentia o rosto queimar enquanto elas debochavam de sua situação. Não estava acostumada a ser o centro das atenções, mas estava gostando muito. Elas a estavam tratando como fosse uma espécie de heroína. Sua fuga na madrugada foi o ápice da festa da camisola. Katie disse que era uma história para ser passada de geração em geração. Por volta das três da manhã, a conversa já havia diminuído. Katie e Jane estavam "roubando" as peças íntimas da sacola de uma das meninas, e rindo com a idéia de colocar o sutiã no congelador. Sem acender a luz, no escuro, Cris foi ao banheiro e abriu a porta. Havia pouca luminosidade, mas ela pôde ver Brittany ajoelhada ao lado do vaso sanitário, vomitando. - Brittany! cochichou. Você está bem? - Sim. Tudo bem. A garota levantou-se e apertou o botão da descarga, mas o cheiro horrível do vomito permanecia no ar. Quer que eu veja se a Jane tem algum antiácido ou anti-espasmódico? perguntou Cris, tentando prender a respiração. Sempre que via alguém vomitando ou sentia aquele cheiro, seu estômago embrulhava. - Não! Não! sussurrou Brittany, meio tensa. Estou ótima. - Vou usar o outro banheiro, disse Cris, indo então para a cozinha, onde encontrou Jane e Katie ao lado do freezer.
- Acho que a Brittany precisa de um 7Up ou tônica. Estava vomitando no banheiro. - Tá vendo? Não te falei? cochichou Katie para Jane. Ela tem anorexia. - Quem tem anorexia não come nada, Katie. E ela come o tempo todo! Você não viu o tanto de Brownies que ela comeu hoje? - Então ela tem aquele outro negócio, disse Katie. "Boemia", ou coisa parecida. É quando a pessoa come à vontade e depois provoca o vomito. - É bulimia, Katie, e a gente não pode provar isso. - É, mas eu acho muito estranho... Ela emagreceu uns dez quilos nessas férias. - Quando ela e o Kurt começaram a namorar, retrucou Jane, ele disse que gostava de garotas bem magrinhas. Então ela deu um jeito de emagrecer um pouco. O que há de tão estranho nisso? Agora que eles terminaram, ela provavelmente vai recuperar o peso. Cris sentia-se totalmente por fora da conversa. As frases de Katie e Jane quase se sobrepunham, porque ambas respondiam uma à outra muito rapidamente. - Bem, achei que deveria dizer a vocês, caso ela precise de alguma coisa mais tarde, explicou Cris. - Tudo bem, obrigada, respondeu Jane. Cris foi rapidamente ao outro banheiro, e em seguida voltou para o saco de dormir. Brittany tinha colocado o seu perto do de Cris e já havia-se deitado, mas ainda estava acordada. Cris deitou-se e perguntou à nova amiga: - Você está bem? - Claro. Estou ótima. Você e o Ted ainda estão namorando? - Na verdade nós nunca namoramos. Só passamos um bom tempo juntos nas últimas férias e pudemos nos conhecer muito bem. - Vocês eram... sabe, bem íntimos?
- Sim, respondeu Cris com um suspiro. - Até onde vocês se envolveram? - O que você quer dizer com isso? - Até onde vocês foram na intimidade? - Bem, ele me deu um beijo de despedida no dia em que fui embora, e me deu um buquê de cravos, disse Cris, com orgulho. - Só isso?! exclamou Brittany. Um beijo? Pensei que você tivesse dito que eram bastante íntimos! Brittany afofou o travesseiro e virou-se de bruços. - E éramos mesmo. Pelo menos eu me sentia assim, às vezes. Cris pensou no seu relacionamento tipo montanha russa. - Acho que me envolvi tanto com o Ted porque foi ele quem mais me influenciou para que eu me tornasse cristã. - Você é cristã? perguntou Katie, arrastando o saco de dormir para mais perto das duas e entrando na conversa. - Sim. Você também é? - Sou, respondeu Katie. E a Jane também. - Jane, chamou Katie baixinho. Ainda está acordada? - Estou, respondeu Jane, sentando-se. O que houve? A Cris acaba de me dizer que é cristã! Não é ótimo? - Oh, que bom! replicou Jane, deitando-se novamente. - Tempos atrás fui a um acampamento com Jane e a turma jovem da igreja dela, explicou Katie toda entusiasmada, virando-se para Cris. Foi no lago Hume. Um lugar maravilhoso! Você precisa ir conosco lá nas próximas férias. Simplesmente adorei! Numa das noites, o preletor falou sobre como Deus nos ama e quer que façamos parte da sua família. Então fui conversar com a conselheira. Disse a ela minha vida estava uma
confusão, e que jamais conseguiria ser boa o bastante para tornar-me cristã. Aí ela me pisse que essa transformação não tem nada a ver com o que a gente faz. É um presente que Deus está-nos oferecendo, que podemos aceitar ou não. Cris ficou contente com o entusiasmo de Katie. Naquela noite, convidei o Senhor pra entrar no meu coração e tornar-me uma nova pessoa. Ele entrou! Parece que comecei a vida de novo. É maravilhoso ser cristã! - É, é bem legal, concordou Cris. Mas não sei se a minha vida mudou tanto assim. - A minha mudou. Ela era uma confusão só... E ainda é, ou melhor, minha família é toda "embananada". Mas não sinto mais aquela angústia interior. Sinto-me parte da família de Deus. Ele é como um pai de verdade pra mim. Quando convidei Cristo pra entrar em minha vida e consertar tudo, senti uma alegria imensa. Não sei se poderia continuar vivendo se Deus não estivesse comigo. - Puxa! Queria ter essa intimidade com Deus, disse Cris baixinho. Eu sei que ele está na minha vida, que tem interesse por mim e tudo mais, mas ainda não o sinto assim tão próximo. Tá me entendendo? - Não sei... disse Katie, pensativa, mas logo depois acrescentou: Sabe, uns dois domingos atrás o pastor disse que se quisermos crescer como cristãos, temos de deixar o Senhor atuar em todas as áreas da nossa vida, sem restrições. Caso contrário, seria como convidar alguém pra entrar em nossa casa e deixá-lo de pé num cantinho, o tempo todo. Se não o convidarmos pra sentar ou almoçar com a gente, se não o tratarmos como um amigo, nunca o conheceremos de fato. Uuumm, pensou Cris. Será que estou deixando Jesus de pé num cantinho da minha vida? Ou tenho dado a ele liberdade pra entrar em todas as áreas? Tudo está indo tão bem no momento! Acho que vou chamálo se precisar.
- Quer ir conosco à igreja? perguntou Katie. Jane me dá carona todo domingo. Acho
que os pais dela não se importariam de levar você também. - Isso seria ótimo. Cris notou que Brittany estava quieta demais, e se perguntou se ela não estaria se sentindo "por fora" da conversa. Lembrou-se de como se sentia quando os amigos da praia começavam a falar sobre "o Senhor", e ela não entendia nada. - Brittany, você quer ir à igreja conosco? A garota não respondeu. Já estava dormindo. - Nas férias passadas a Jane convidou-a para ir conosco ao lago Hume, mas ela não quis porque o Kurt não ia. Talvez este ano ela vá, já que eles não estão mais namorando. Aos poucos a conversa foi diminuindo, e Cris bocejou, esticando-se dentro do saco de dormir. Minutos depois estava dormindo. Na manhã seguinte, por volta das nove e meia, a mãe de Jane serviu laranjada e donuts* para as meninas, mas ninguém estava com muita fome. Elas esbarravam umas nas outras enrolando os sacos de dormir e fazendo fila para o banheiro. * Rosquinha frita, de massa semelhante à do sonho. (N. E.) Cris só queria ir para casa dormir. Contudo, assim que chegou, deram-lhe um ancinho para ajudar a limpar o quintal. Toda a família trabalhou o dia inteiro, mas não conseguiram terminar. Tiveram de continuar a limpeza no domingo. Segunda-feira na escola as meninas ainda comentavam sobre a festa, e cumprimentavam Cris como se ela tivesse sido a estrela da noite. Brittany até convidou-a para ir à sua casa após as aulas. Cris sentia-se animada ao perceber que as garotas a aceitavam e recebiam no seu grupo. Na hora do almoço, telefonou para a mãe, perguntando se poderia ir à casa de Brittany. Para sua surpresa, ela respondeu: - Creio que sim. Mas veja se a mãe dela pode trazer você em casa depois.
Brittany morava numa imensa casa ultramoderna, com piscina e vista para um lago. - Este lugar é lindo, disse Cris, recostando-se na cadeira almofadada do terraço. Que lago é aquele? - É o lago Hodges. É meio sem graça. Não dá pra esquiar nem mais nada. Só pescar. Brittany puxou o cabelo para trás, enrolando-o com as mãos prendendo-o no alto da cabeça. Bebeu mais um gole de seu refrigerante diet, e disse: - Está tão quente hoje! - Sua mãe está no trabalho? perguntou Cris. - Sei lá! respondeu Brittany, asperamente. - O que você quer dizer com isso? - Minha mãe saiu de casa faz uns seis meses. A última notícia que eu e meu pai tivemos dela era de que estava morando fm Paris. - Em Paris? Mas por quê? - Ela simplesmente pirou. Queria encontrar sua identidade própria ou coisa parecida. Sei lá. Ela e meu pai não se davam bem havia anos... Mas eu vivo pensando que um dia ela ainda vai aparecer. Brittany endireitou-se na cadeira e continuou. - Quer ouvir uma coisa muito louca? Meu sonho é voltar da escola um dia e encontrar minha mãe preparando uma sobremesa novamente, papai na sala lendo o jornal e meu irmão, em casa com sua faculdade concluída. Aí nós jantaríamos juntos, como uma família feliz. Será que isso só acontece em filmes românticos? Cris abanou a cabeça. Estava com muita pena da amiga. Tinha pensado que sua família era problemática. Durante o fim de semana, ela e o irmão haviam discutido muito. Seu pai gritara com eles o tempo todo em que estiveram arrumando o quintal (se bem que eles mereceram mesmo umas broncas), e sua mãe estivera meio aérea, como às vezes
costumava ficar. Contudo, sua família era uma maravilha, comparada à de Brittany. Acabou tendo de telefonar para a mãe, pedindo-lhe que viesse buscá-la, o que não a deixou muito satisfeita. Quando sua mãe soube que Brittany costumava ficar sozinha depois que saía da escola, insistiu para que passasse a vir com Cris para sua casa. Parecia que tudo estava correndo muito bem. Naquela semana, Brittany foi para a casa de Cris todos os dias depois das aulas, ajudando-a muito em Álgebra. Cris detestava Matemática, mas quando Brittany explicava, conseguia entender tudo. As duas estavam fazendo o dever de casa à mesa da cozinha, e a mãe de Cris saiu com o filho para pegar o marido no serviço. Num dado momento, Brittany levantou-se para pegar um copo d'água e derrubou um daqueles imãs de enfeite da geladeira. Pegou do chão e comentou: - Minha mãe tinha um desses na geladeira. Aliás, tinha vários. Um era uma plaquetinha que dizia: "Na boca, uma gostosura; nos quadris, eterna gordura!" Cris riu. - Um dia, continuou Brittany, meu pai deu a ela um imã no formato de uma ovelhinha, com os dizeres: "Você não é gorda; é só fofinha". - Que gracinha! disse Cris. - Eu também achei, mas minha mãe ficou furiosa e quebrou o enfeite em mil pedaços. - E ela era assim "fofinha"? perguntou Cris, meio hesitante. - Não. Nem um pouco. Sempre foi magérrima. Vivia fazendo regime e estava sempre magra, comentou Brittany, e parou um instante. Mas ela contava com uma ajudazinha extra, continuou. - Como assim? Embora elas estivessem sozinhas em casa, a moça falou em voz baixa, quase
sussurrando: - Ela tomava uns comprimidos pra emagrecer que o médico receitou. - Ah, disse Cris, não muito impressionada. - Ela deixou um vidro quando foi embora. Cris não estava entendendo por que Brittany a olhava tão fixamente, nem por que agia como se os comprimidos para emagrecer fossem um grande segredo. Olhou para a amiga como que dizendo: "E daí?" - Você consegue guardar um segredo? indagou Brittany. - Sim. - Não conta pra ninguém, mas levei o vidro à farmácia, e me deram mais comprimidos, sem perguntar quem eu era sem pedir pra assinar nada. - E então? - Estou tomando esses remédios há uns dois meses, e já emagreci mais de dez quilos. - Acho que você não deve emagrecer mais. - E não vou, disse Brittany, meio na defensiva. Só estou comentando isso para o caso de você querer emagrecer um pouquinho. Eu posso lhe dar uns comprimidos. Não fazem mal nenhum. Cris ficou parada, absorvendo tudo o que a outra dizia. Sempre ficara curiosa sobre aquelas propagandas na televisão e em algumas revistas, que diziam que a gente pode emagrecer dormindo. Queria perder umas gordurinhas na barriga e nas coxas, mas nunca pensara seriamente em tomar remédios para isso. Contudo essa idéia agora fazia seu coração disparar. - Sssei lá, gaguejou. - Se você não gosta de se sentir hiperativa, pode tomar outra coisa. O problema dos comprimidos é que dão a sensação de que estamos cheios de energia. Uma hora de sono
por noite já é suficiente, mas quando o efeito passa a gente apaga mesmo. Ultimamente tenho tomado laxante. É ótimo. Me sinto saudável porque ele limpa o organismo, especialmente depois que comi muita coisa que não presta. - Você toma laxante? - Por quê? retrucou Brittany, virando-se e olhando-a com ar inocente. - Parece horrível! - O que tomo é fraquinho, mastigável. Existe até com sabor chocolate. Olha só. Brittany abriu a bolsa e tirou uma pequena caixa de comprimido laxante, de sabor chocolate, e um vidro de comprimidos moderadores de apetite. - Quer ficar com alguns desses laxantes? Se tiver vontade de emagrecer um pouquinho, você toma. E se quiser experimentar os moderadores de apetite, eu lhe dou o que tiver no vidro. Entregou-lhe o vidro de remédio controlado e a caixa de laxantes. - Só tem alguns comprimidos aqui, mas tenho outro vidro cheio, se você quiser mais. - Sei não. Acho que não devo. Brittany olhou-a com uma expressão maternal. - Não faz mal não, Cris! Isso não é como tomar droga. E o melhor disso tudo é que, desde que perdi alguns quilos, os rapazes têm-me dado mais atenção do que nunca. A propósito, isso me fez lembrar uma coisa: você viu a Jane hoje depois do almoço? - Não, por quê? - Ela me disse na aula de Inglês que o Rick Doyle descobriu que a festa da camisola na sexta-feira passada foi na casa dela. Ele chegou pra ela no corredor e perguntou por você! - Está brincando! exclamou empolgada e nervosa, simplesmente de ouvir o nome. O
que foi que ele disse? - Que estava querendo descobrir quem era a garota que fugiu dele. - E a Jane, o que respondeu? - Ela ficou provocando o coitado. Não falou o seu nome. Disse que ele teria de descobrir por si mesmo, e depois perguntou: "Qual é o problema, Rick? Você está tão acostumado a ver as meninas correndo atrás de você que não sabe o que fazer quando uma corre de você?" - Oh, não! reclamou Cris, abaixando a cabeça para o livro de Álgebra. Estou-me sentindo uma boba! Não quero nunca, nunca na minha vida encontrar com ele cara a cara. - Ah, o que é isso, Cris?! Você está com uma porta aberta pra conquistar o rapaz mais cobiçado do colégio! E olha, se posso ser sincera, se você perder uns três ou quatro quilos, o cara não conseguirá tirar os olhos de você! - Brittany! disse Cris, com um choramingo longo e exagerado. Ele não está interessado em mim, viu? A outra fez que não ouviu e voltou para o livro de Álgebra, cantarolando baixinho. A cabeça de Cris ia a mil por hora. Será que esse Rick estava mesmo interessado nela? E se eu perdesse uns quilinhos? Ou começasse a usar mais maquiagem, como a Brittany e as outras?
Simplesmente “Diga Não” 6 Cris comia devagar. Mastigava vinte vezes cada garfada. Lera numa revista, na casa da Brittany, que contar as mastigadas ajudava a emagrecer. David tagarelava sobre o dia na escola, contando que alguns meninos de sua turma tinham sido pegos colando. O pai de Cris aparentava estar mais cansado que o normal, mas pelo menos não estava de mau humor. A mãe parecia preocupada com alguma coisa. Assim que David pediu licença e saiu da mesa, plantando-se na frente da televisão, ela ofereceu ao marido uma xícara de café. Ah! pensou Cris. Sabia que você queria conversar alguma coisa com o papai.
Sua mãe sempre vinha com uma xícara de café para amolecer o marido quando queria fazer-lhe algum pedido. Cris continuava mastigando sua comida lentamente. Sua mãe não parecia incomodar-se com sua presença. Talvez até desse uma força ao que ela queria dizer. - Norton, estive pensando. - Umm-huum, respondeu ele, tomando um golinho de café. - Acho que seria muito bom se eu arrumasse um emprego de meio período. Só enquanto os meninos estiverem na escola, claro. Talvez pudesse fazer algum trabalho de secretária ou trabalhar numa lanchonete. - Mulher minha não vai usar toquinha de garçonete, não! - Tudo bem. Pode ser alguma outra ocupação, mas preciso arumar um serviço. Ontem telefonei para o dono desta casa para perguntar se poderíamos fazer um jardim,
agora que limpamos o quintal todo, e ele disse não. - Por quê? - Sei lá. Acho que ele estava com muito problema. O telefone do escritório tocou umas quinze vezes, e foi ele que acabou atendendo. - Aí está a solução, disse o pai de Cris. A mãe olhou para Cris, que por sua vez virou-se para o pai. Dezenove, vinte, contou, engoliu e olhou novamente para a mãe, que perguntou: - O quê? Que solução? O pai tomou mais um gole de café. - É óbvio que o homem está precisando de ajuda no escritório; não há ninguém para atender o telefone... Vá procurá-lo amanhã. Ofereça-se para trabalhar para ele atendendo o telefone. Como é mesmo o nome dele? Harold? - O cartão dele está aqui, disse ela, remexendo numa cestinha ao lado do telefone. Aqui: Harold Taylor, Propriedades Taylor. Será que ele está mesmo precisando de ajuda no escritório? O que você acha, Norton? - Eu já lhe disse. É a solução para o que você precisa. Cris achou graça do jeito abrupto do pai. Espero que o Sr. Taylor a. contrate. Seria ótimo! Quando estava na cama, já quase dormindo, Cris lembrou-se dos laxantes e comprimidos que Brittany lhe dera. Ela havia-lhe dito para tomar um ou dois antes de dormir. Estavam na bolsa, que deixara na sala. E com certeza seus pais estavam sentados no sofá, assistindo à televisão. Não iriam dormir antes das dez. Cris virava-se de um lado para o outro. A voz de Brittany ecoava: "Se você perder uns três ou quatro quilos, o cara não conseguirá tirar os olhos de você". Talvez se eu tomar só um... Que mal pode fazer?
Então lembrou-se das férias passadas, quando recusara a maconha que lhe
ofereceram. Isso agora era diferente, mas, mesmo assim, nunca se arrependera de ter falado "não" aquela vez. Teria se arrependido se tivesse dado uma só tragada. Não. Não precisava de comprimidos de dieta, nem de laxantes. Amanhã os jogaria fora. Pegou o ursinho Puff e sussurrou ao seu ouvido: - E se o Rick Doyle estiver mesmo interessado em mim, três quilos a mais ou a menos não vão fazer diferença! Na manhã seguinte, antes da primeira aula, Brittany encontrou Cris perto do escaninho. - E então, como está passando? perguntou, com o olhar cheio de curiosidade. - Bem, respondeu Cris sorridente. - Quantos você tomou? perguntou a amiga. - Ah! exclamou Cris, entendendo afinal a pergunta dela. Os comprimidos! Eu não tomei. Não quero. Pode ficar com eles. Pôs a mão na bolsa e pegou o vidro de remédio para devolver. Brittany ficou na frente dela e agarrou seu punho. - Aqui não! disse entre dentes, olhando a turma de estudantes no corredor. Você me entrega mais tarde, tá bem? Cris só pôde conversar com Brittany depois da aula, mas ela estava tão animada, contando-lhe as últimas fofocas sobre os casais da escola, que não pediu os comprimidos. - Ficou sabendo que a Jane agora está gostando do Greg? Um terceiranista! Dá pra acreditar? E adivinhe quem estava esperando por mim depois da aula? O Kurt! Ele disse que esteve pensando em mim! Me abraçou e falou: "Já vi que você perdeu aquelas gordurinhas". Então respondi: "Ah é? E você notou?" Daí ele me convidou pra sair na próxima sexta-feira, e eu disse: "Só uma tonta iria querer sair com você, Kurt, e eu não sou nenhuma boba".
- Você não acha que foi meio dura com ele? perguntou Cris. - Depois de tudo que ele fez comigo?! Está brincando! Eu nunca mais sairia com ele. Não o suporto! Pra mim, já que acabou, acabou mesmo! - E você não consegue mais ser amiga dele? Pra quê, Cris? Ele me usou. É assim que a maioria dos garotos são. Eles usam a gente, depois largam. Não dá pra focar uma amizade depois disso. - Nem todo rapaz é assim, retrucou Cris. - Ah é? E esse seu Ted? Ele escreveu pra você, como prometeu? - Bem, não. Ainda não. Cris sentiu um aperto na garganta. Toda vez que pensava em Ted vinha-lhe essa sensação. Talvez a Brittany estivesse certa, talvez ele nunca mais escrevesse para ela. - Os homens vivem fazendo promessas que nunca cumprem, Cris. Você tem de tirar esse Ted da cabeça e começar a se concentrar no Rick. Ouvi dizer que ele ainda está tentando descobrir quem você é. - É mesmo? Ele mencionou que quase trombei com ele hoje de manhã no corredor? - Não?! Como foi isso? Cris começou então a contar sobre o incidente. Ela praticamente trombara com o Rick no corredor, e ele pareceu reconhecê-Ia, mas não disse nada. Então ela continuou andando, sem olhar para trás. - Mas isso é bom demais! disse Brittany radiante. Você já fisgou o cara! Imagine, quando vocês forem apresentados, você estará tão magra que ele não conseguirá resistir. - Esqueça, Brittany. O Rick jamais se interessaria por mim. Ah, acabo de me lembrar: minha mãe está pensando em arranjar um emprego de meio período. Você sabe se seu pai está precisando de alguém no escritório imobiliário? - Não sei, mas vou conversar com ele. É provável que sim.
Aquela noite, após o jantar, o pai de Brittany telefonou e pediu que a mãe de Cris fosse fazer uma entrevista para recepcionista no dia seguinte. Ela ficou tão esquisita ao desligar o telefone! Parecia contente, mas, ao mesmo tempo, irritada porque a Cris havia precipitado as coisas através da Brittany. Uns vinte minutos mais tarde, o telefone tocou de novo. Eram Bob e Marta. A mãe de Cris conversou empolgada sobre a entrevista, cheia de confiança e animação. - Cris, chamou ela. Seu tio quer falar com você ao telefone. - Olá, "Olhos Brilhantes". Como estão as coisas aí? - Ótimas. E vocês, como estão? - Bem. Estamos muito bem. Escute aqui, estou com uma carta que chegou para você. - É mesmo? De quem? - Não sei. Não tem remetente. - Vai ver que é da Alissa, disse Cris, sentindo-se culpada porque ainda não respondera à amiga. Alissa havia-lhe perguntado por que Jesus era diferente de Buda ou Maomé, e ela não sabia o que responder. Estivera ocupada demais com as novas amizades e não pensara muito no assunto. - Pode ser, disse Bob devagar. Vou chamar o "pombo correio" e mando entregar-lhe amanhã. Não desligue. Sua tia quer conversar com você. - Cristina, querida, acabo de ter uma idéia. Eu e Bob vamos a Palm Springs no próximo fim-de-semana. Que tal você e David irem conosco? - Sério? Cris tentou pensar depressa. Gostaria de ir a Palm Springs, mas não com o David! Então abaixou a voz e virou para a parede para que os outros não escutassem o que estava dizendo. - Tia, sua idéia é muito legal, mas talvez não seja tão divertido se tiver de cuidar de
nós dois. - É claro! Que tolice a minha! Você provavelmente gostaria de vir com suas amigas. Como pode se divertir com um irmãozinho a tiracolo?! Vamos fazer o seguinte: você leva algumas de suas amigas nesse passeio e, numa outra oportunidade, nós levaremos o David e alguns dos amigos dele. Agora, deixe-me falar com sua mãe para acertar os detalhes. Você terá de perder a aula da sexta-feira, porque o torneio de golfe do Bob começa de manhã. Nós pegaremos você e suas amigas na quinta-feira, logo após as aulas. Pra você está bem assim, querida? - Está ótimo, tia Marta. Espero que meus pais me deixem ir. - Claro que vão deixar! Agora, chame sua mãe. - Está bem. Ela está aqui. Cris dirigiu-se à pia e começou a enxugar a louça do jantar. Ouviu a mãe dizendo: - É mesmo, Marta?! Mas você não precisa fazer isso... - Ela ficou em silêncio um instante, e chamou o marido ao fone. O pai de Cris ouviu o que Marta tinha a dizer e em seguida falou: - Bem, na verdade, vocês não precisam fazer isso! Mas afinal ele disse: "Então está bem", e Cris entendeu que ia a Palm Springs. Teve vontade de pular. Eles vão deixar! Meus pais vão deixar eu ir. Reprimindo um pouco a euforia, Cris jogou o pano de prato no balcão e virou-se para os pais. Os dois tinham a mesma expressão de meses atrás, quando haviam dito que ela poderia passar as férias com os tios. Naquela noite eles a fizeram prometer que durante as férias na Califórnia ela não faria nada de que pudesse vir a se arrepender, ou ter vergonha de contar para eles. Hoje a abordagem foi um pouco diferente. - Você pode ir, disse o pai, se tiver feito todos os deveres.
- Sem problema, respondeu Cris, com alegria. Sentia que eles realmente confiavam nela, e isso era ótimo. - Cris, disse a mãe. Foi muito legal da parte dos seus tios convidare você. Espero que reconheça isso. - Eu reconheço, respondeu Cris. Muito obrigada por me deixar ir. - Marta disse que você poderia convidar algumas amigas. Por que não convida a Brittany? sugeriu. - Está bem. Pensei em chamar a Jane e a Katie também. A imaginação de Cris rodopiava imaginando-se numa festa de camisola durante todo o final de semana, com as novas amigas. - Não fique triste se Jane e Katie não puderem ir. - E por que não iriam? A mãe pegou o pano de prato, dobrou-o e colocou de volta no lugar. - Bem, pelo que você diz, elas são bastante populares. - Sim, e são mesmo! - O que estou querendo dizer é que você não precisa se esforçar tanto para ser aceita por essas meninas. Há casos em que as melhores amigas podem ser garotas caladas e menos populares. Entendeu? - Acho que sim. - Pense um pouco nisso, concluiu a mãe, deixando Cris terminar de arrumar a cozinha. Suas palavras ressoavam na mente de Cris: Será que a mamãe está querendo dizer que eu não sou popular ou que não deveria tentar ser popular? Essas meninas gostam mesmo de mim.. Querem que eu faça parte do grupo. É claro que vão querer ir comigo a Palm Springs.
Tudo Termina Em Pizza 7 No horário de almoço do dia seguinte, Cris ficou esperando Katie e Jane no lugar em que geralmente comiam. Mas nenhuma das duas apareceu. Viu a Brittany atravessando o gramado, cercada por quatro caras e ocupada demais para notar que ela estava ali sozinha. Não dá pra acreditar! Será que minha mãe estava certa? Será que a Jane e a Katie me descartaram?
Cris sentou-se sozinha e tirou uma pêra da sacola. A fruta estava tão machucada que ela não conseguia encontrar nem um pedaço que não estivesse mole. À sua volta, as pessoas se ajuntavam em grupos. Todos conversavam e riam, envolvidos em seu mundo particular. Cris sentia-se como um alienígena. Não, pior: sentia-se invisível, como se alguém pudesse atravessá-la sem sequer desorganizar suas moléculas. Por que a Jane e a Katie me deixaram assim? O que há de errado comigo? Pensei que gostassem de mim. Detesto merendar sozinha.
O que piorava ainda mais a situação era que imaginava Paula, naquele momento, almoçando no seu antigo colégio. A amiga estaria sentada à beira da mesa, nunca na cadeira, tomando sua lata diária de suco de damasco e dizendo "É isso aí!" Só que agora era a Melissa, não a Cris, que compartilhava seus segredos e ria das suas piadas. Cris deixou-se levar pela onda do "Se pelo menos...", e passou o resto do horário de almoço sentindo pena de si mesma. Foi bom ouvir o som forte da campainha. Ela juntou suas coisas para ir para a aula de Espanhol. Esperava que Jane viesse correndo sentar-se à sua frente, mas ela nem apareceu. Descobriu mais tarde, através de Brittany, que tanto Katie quanto Jane haviam
obtido permissão para faltar porque iriam preparar cartazes para o jogo de futebol que haveria aquela noite. Podiam ter pedido que eu ajudasse. Eu sei pintar.
Quando chegou em casa, ficou no quarto. - As coisas não estão correndo muito bem, Puff, disse ao seu ursinho de pelúcia. Decidiu repassar mentalmente todas as razões pelas quais alguém poderia não gostar dela. Resolveu fazer uma experiência. Ficou em pé, bem retinha, olhando para o espelho oval da penteadeira, e tentou fazer uma expressão como que a dizer: "Sou boa demais pra vocês". Contudo não gostou muito. O brilho dos olhos estava natural demais. Então tentou uma outra: "Olhem pra mim; eu sou divertida". Essa também não deu certo. Quando dava um sorriso largo, só via os dentes grandes. Não parecia livre e despreocupada como a Jane quando sorria. Ao tentar mais uma expressão - "Estou tão sozinha! Alguém quer ser minha amiga?" -, David entrou correndo no quarto sem bater. - O que você quer? gritou ela para o irmão. Saia já do meu quarto! - Tá bem, tá bem, concordou dando dois passos para trás. Estava oficialmente "fora" do quarto dela. - Quer fazer o favor de fechar a porta? Ela preferia exercitar sua autopiedade em particular. - Tudo bem, se você não quer falar com a pessoa que está ao telefone, eu desligo pra você. - David! Cris deu um salto e empurrou o irmão para que saísse do caminho, chegando ao telefone antes dele.
- Alô! disse sem fôlego. - A rainha Cristina não deseja falar! gritou David, em direção ao telefone. Cris cobriu o receptor com a mão e repreendeu o irmão. - Saia já daqui! - Alô! disse com doçura, aproximando o telefone da boca. - Olá, Cris, disse Jane, como sempre, animada. Você vai ao jogo hoje à noite? Não vi você hoje, e não pude perguntar. A Katie precisou de minha ajuda com alguns dos seus deveres de mascote, e eu faltei à aula de Espanhol. Perdi muita coisa? - Não. Temos de preparar o próximo diálogo pra segunda-feira. Cris sentiu uma onda de alegria. Suas amigas não tinham esquecido dela. - Ai, que chatice! Ainda não decorei nem o diálogo da semana passada, reclamou Jane. Espanhol não é bem minha matéria preferida! E então, você vai ao jogo hoje? - Acho que não. Tenho de olhar meu irmão. - Vê se consegue ir. Nós podemos lhe dar uma carona. - Vou ter de pedir aos meus pais. Posso ligar de volta se der certo? - Claro. Espera um pouco... Katie acabou de dizer que talvez você queira ir conosco à igreja. Quer ir nesse domingo? - Sim, se não for problema. - Claro que não. Nós passamos aí mais ou menos às oito e quarenta e cinco. - Está ótimo! disse Cris, sentindo-se como se o céu todo tivesse ficado desanuviado, e o sol voltado a brilhar. Jane a incluíra nos planos para o jogo de futebol! Agora era a hora ideal para convidá-la para ir a Palm Springs. - Jane, disse Cris, com voz alegre. Você gostaria de ir a Palm Springs no próximo fim de semana?
- Está brincando! É claro que sim! Quem vai? disse Jane, sem hesitar. - Minha tia e meu tio. Eles disseram que eu poderia levar umas duas ou três amigas. - Quando vai ser isso? - Na próxima quinta-feira. Você teria de faltar à aula de sexta. - Ah, que peninha! Perder aula?! riu Jane. Tenho certeza de que minha mãe vai deixar. Tenho estado super boazinha e obediente, porque esperava que o Greg me chamasse pra sair e queria que ela estivesse de bom humor quando isso acontecesse. Vou aproveitar e usar meus "pontinhos positivos" agora. Talvez o Greg nunca acorde e reconheça como eu sou encantadora!... Cris ouviu alguém, provavelmente a Katie, rindo no fundo. - Eu ia convidar a Katie também. Você acha que ela poderia ir? - Ela está aqui. Vou perguntar. Cris ouviu a conversa abafada ao fundo. Quando Jane pegou de volta o telefone, disse: - A Katie não vai poder ir por causa do jogo de futebol na próxima sexta. - Eu tinha me esquecido. Que pena! - Mas a Brittany está aqui, acrescentou Jane. Ela disse que adoraria ir conosco. Tudo bem? - Claro! - A propósito, disse Jane, a Katie disse que temos de ir para o ginásio de esportes dentro de meia hora, então ande depressa e me ligue se quiser uma carona. - Está bem. Obrigada. Tchau. Era surpreendente como Cris sentiu-se animada depois daquele telefonema. Sua mãe não permitiu que ela fosse ao jogo, mas ainda tinha tanta coisa boa para esperar: igreja no domingo, Palm Springs no outro fim de semana... Por que duvidara da lealdade das
amigas? Elas a convidaram para o jogo, não foi? *****
No domingo seguinte, Cris acordou de bom humor. Vestiu o vestido azul-cobalto e ajustou o cinto prateado, lembrando-se de quando a tia Marta o comprara nas férias passadas. A última vez que o usara fora na noite em que Ted a levara ao concerto da Debbie Stevens. Ela havia-se sentido bonita e sofisticada com aquela roupa cara. Depois de aplicar a maquiagem com cuidado, Cris abaixou a cabeça e escovou o cabelo cor de noz moscada até deixá-lo todo cheinho. Depois, cobrindo os olhos, borrifou fixador na franja. Uma última olhada. Uma última pincelada de rímel. Pensando ter ouvido um carro lá fora, Cris pegou a bolsa e a Bíblia que Ted e Trícia lhe haviam dado e correu para a porta. - Não esqueça de levar a chave, gritou sua mãe, de dentro do quarto. Talvez nós saiamos para fazer umas compras enquanto você estiver fora. - Tudo bem. Vejo vocês mais tarde. Tchau. David desviou o olhar da televisão quando Cris passou por ele, e perguntou: - Aonde você vai? - À igreja. Tchau. A caminho da igreja, Jane e Katie ficaram elogiando Cris, dizendo o quanto ela estava linda. Cris sentia-se meio sem jeito, mas, ao mesmo tempo, satisfeita. Apesar de estar um pouco sem graça, isso era bem melhor do que ser ignorada! Quando chegaram ao imenso estacionamento, Cris perguntou surpresa: - Esta é sua igreja? - Sim. Por quê? - É enorme!
- Não é tão grande assim, disse Katie. Como era a sua igreja lá em Ohio? - Wisconsin. Nossa igreja era... bem, como uma igreja. Branca, com uma torre, e as crianças tinham aula no subsolo. Nossa classe de escola dominical de mocidade tinha uns sete alunos, mas às vezes nem isso. - Então prepare-se para uma surpresa! Acho que nosso grupo de jovens tem uns duzentos e cinquenta. Seguiram rapidamente até um prédio que Jane identificou como "Ala Jovem". Cris ficou realmente admirada quando entraram numa imensa sala, com cadeiras organizadas como em um cinema. Quatro rapazes estavam à frente tocando guitarra, enquanto um outro tocava teclado. Alguns jovens estavam sentados, outros em pé, e todos conversavam mais alto que o volume da música. - Você está bem? perguntou Jane, percebendo a expressão de surpresa de Cris. - Nunca estive numa escola dominical assim! exclamou em meio ao barulho do som. - Venha! Vamos procurar um lugar pra sentar. Encontraram três lugares juntos. Cris sentou-se na ponta e ficou olhando em volta enquanto Jane e Katie falavam sem parar. Uma moça bonita, de pele linda e dentes brancos, perfeitos, tocou o ombro de Cris. - Olá! Seja bem-vinda! Você poderia preencher esta ficha pra nós? Gostaríamos de incluí-la na nossa lista de correspondência e informá-la sobre as nossas atividades. Ela tinha um cheirinho agradável, suave... Cris preencheu o cartão com nome e endereço. A última linha dizia "passatempo predileto". - O que é que eu escrevo aqui? perguntou para Jane. Não tenho nenhum hobby. - Sei como é isso, disse Jane. Parece bobagem. Você gosta de natação, esqui ou coisa parecida?
- Pra ser sincera, não. - Já sei! exclamou Katie, com um olhar maroto. Escreva "empapelar" com papel higiênico. - Está brincando! - Não, escreva sim! Vai ser engraçado! insistiu Jane. Está bem, pensou Cris. A moça disse que é só pra eles mandarem correspondência. E resolveu colocar isso mesmo.
- Obrigada, disse a moça, que havia esperado pacientemente que Cris preenchesse a ficha. Estamos contentes com a sua presença. Volte sempre! - Ela é simpática. - Quem, Wendy? Cris confirmou com um aceno de cabeça, olhando em direção a Wendy. Seu cabelo loiro, que caía nas costas numa trança francesa, parecia entremeado de fios de ouro. - Wendy é o nosso modelo, disse Katie. Ela é tão perfeita! Todas nós gostaríamos de ser como ela quando tivermos sua idade. - Ela é a namorada do Rick, disse Jane. Cris gelou. O nome Rick Doyle deixou-a desconcertada. - Eles não estão namorando, disse Katie asperamente. - Ouvi dizer que já saíram juntos duas vezes, e ela estava no jogo sexta-feira. Vai ver que saiu com ele depois do jogo também. - Então eles saíram uma, duas vezes juntos, hein? Portanto, na sua opinião, Jane, estão praticamente noivos. - Eu não disse isso. - Mas foi o que insinuou. - Katie, detesto quando você usa esse vocabulário de M. S., disse Jane.
- O que é M. S.? perguntou Cris. - "Menor Superdotada", disse Jane meio brava, como se tivesse xingando Katie. Cris ousou interromper a briga de mentirinha: - O que é insinuar? Katie olhou para Jane e depois para Cris, e seu cabelo brilhante fez aquele movimento de leque. - Significa que talvez não seja isso que Jane tenha dito, mas l é o que ela quis dizer. É o mesmo que dar a entender. - Dar a entender? perguntou Cris, franzindo o nariz. Katie e Jane olharam uma para a outra e caíram na risada. Cris não sabia se estavam rindo dela, uma da outra ou o quê. Toda aquela sensação de insegurança começou a voltar. Ela pensou em sair dali, ir ao banheiro e ficar lá escondida por um tempo. Contudo, naquele exato momento, um rapaz com cerca de trinta anos, cabelo castanho e óculos, subiu ao palco e disse: - Bom dia a todos! Os jovens começaram a sentar-se e aquietar. O pastor de jovens deu alguns avisos rápidos e disse: - Agora passo a palavra ao presidente da mocidade para cumprimentar nossos visitantes. De repente, Rick Doyle pegou o microfone. Alto e sorridente, com calça escura e camisa branca, ele segurava alguns cartões na mão. Correu os olhos pelo salão por um instante e aí, como se tivesse encontrado o que procurava, fixou o olhar em Cris e continuou olhando para ela enquanto falava: - Bom dia! Temos quatro visitantes hoje, e quero que todos os façam sentir-se em casa. Cristina Miller? Pode fazer o favor de ficar em pé?
Cris gelou. O coração batia em disparada. Não conseguia se mexer. - Levanta, insistiu Katie, puxando seu braço. - Vamos, fique de pé, falou Jane. - Ela é um pouco tímida, disse Katie, alto o suficiente para todo o auditório ouvir. Juntando toda a sua coragem, Cris lutou contra o pânico que a paralisava e, tremula, ficou em pé. - Cristina é aluna do segundo ano no Kelley High, disse Rick, lendo o cartão. E diz aqui que seu hobby é "empapelar" com papel higiênico. O auditório todo rompeu em risos. - Pelo menos ela confessa, disse Rick alto ao microfone, olhando bem para ela com um enorme sorriso. Estamos muito contentes em tê-la conosco, Cristina. Ela sentou-se e ficou olhando para a frente, dentes cerrados, rosto queimando de vergonha. Jane e Katie riam ao seu lado, enquanto Rick apresentava os outros três visitantes. Cris queria sumir, evaporar. Certamente aquele agora era o seu maior vexame. Em poucos minutos o grupo dividiu-se em classes para a lição dominical. Cris continuou cabisbaixa, olhando para o chão, e relutantemente foi seguindo Jane e Katie para a classe que escolheram: "Primeira aos Coríntios". De repente alguém parou à sua frente, impedindo sua passagem. Ela olhou-o sem graça, prendendo o fôlego. Era Rick! - Então, disse ele, com um sorriso amplo. Seu nome é Cristina. Era alto, simpático, bonito... era demais! Cris só conseguiu acenar com a cabeça e dar um sorrisinho amarelo. - Sou o Rick, disse ele, estendendo a mão. Cris forçou-se a estender-lhe a mão suada, que ele apertou firmemente. Tentou
dizer: "Oi", mas a palavra não saía. Rick soltou sua mão. - Tenho contado para todo mundo sobre a noite em que surgiu de trás dos arbustos de minha casa. Foi incrível... Não foi você que vi no corredor da escola, semana passada? Cris deu uma risadinha forçada e acenou de leve, com a cabeça. - Bem, é melhor ir para a classe, sugeriu Rick. Acho que suas amigas entraram aqui. Ele abriu a porta de uma sala com uns trinta e cinco lugares em semi-círculo duplo. Jane e Katie estavam na fileira de trás, conversando animadamente. Pararam imediatamente e olharam surpresas quando Rick segurou a porta para Cris entrar, e apontou dois lugares vazios na fileira à frente das duas. Cris notou que Jane e Katie não tinham guardado lugar para ela. Então, juntando toda a sua coragem e compostura, caminhou até a fileira da frente, onde Rick fazia sinal para ela sentar-se ao seu lado. Era quase impossível prestar atenção ao professor. É verdade que ela conseguiu encontrar na Bíblia os versículos que ele mencionou, mas as letras embaralhavam, pois Rick, que não tinha Bíblia, acompanhava a leitura com ela. Que situação idiota! pensava Cris. De que adianta os meus sonhos se realizarem, se não consigo simplesmente relaxar e aproveitá-los!
A mesma coisa lhe acontecera nas férias passadas, quando fora passear de bicicleta na ilha Balboa, com o Ted. Ela havia jurado nunca mais ficar desligada daquele jeito quando estivesse com um rapaz. Forçou-se então a escutar e a compreender o que o professor explicava sobre o versículo. Concentrou-se no texto até conseguir ler: "Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes." (l Co 15.33.) Alguém levantou a mão, e disse: - Ainda acho que a gente tem de ter amigos que não sejam cristãos, porque senão, como vamos testemunhar para eles?
- Verdade, verdade, disse o professor, um senhor mais velho, com óculos grossos e cabelo escuro. Mas a pergunta principal é: esses amigos não estão levando você para o buraco? Em outras palavras: você está exercendo influência sobre eles, ou são eles que estão influenciando você? - A maioria dos meus amigos não é crente, disse um dos rapazes. Não tem quase nenhum cristão na minha escola. E, pra dizer a verdade, algumas das meninas não crentes com quem já saí, têm mais moral do que algumas das garotas cristãs que conheci. - Está certo, você tem razão nisso, declarou o professor, ficando de pé e parecendo realmente interessado na discussão. Agora pensem um pouco sobre isto: será que é certo um verdadeiro cristão envolver-se num relacionamento com uma pessoa não cristã? - De que outro jeito vão conhecer a igreja, Deus e tudo mais? perguntou uma garota. - Não estou falando de fazer um programa, como convidá-los para vir à igreja, ou sair em grupo, com os amigos cristãos. Estou falando de namorar. O que vocês acham? Todos hesitavam em responder, mas Cris os ouvia comentando entre si. Ela achava que não tinha problema, desde que o cristão permanecesse firme. Contudo não disse nada. - Deixem-me mostrar-lhes uma coisa, continuou o professor. Eis o que penso sobre o "namoro missionário", isto é, quando você acha que é missionário e tem de namorar todas as belas incrédulas de Escondido. Todos riram. - Ríck, venha aqui. Fique ao lado da minha cadeira, está bem? Isso, aqui mesmo. Agora, vejamos... Katie! Venha aqui, Katie, e suba em minha cadeira. E isso aí. Está bem. Agora, Rick, você é "Pedro Incrédulo". O grupo caiu na risada. Cris riu também. Rick parecia tão resoluto e autoconfiante ali, ao lado da cadeira, de braços cruzados! - E Katie, você é "Katie Cristã".
Katie, os olhos verdes brilhando mais que nunca, fez uma pequena reverência, equilibrando-se sobre a cadeira. Cris sentiu uma pontinha de inveja. Mas sabia que teria morrido de vergonha se o professor a tivesse chamado para ficar em pé, ao lado de Rick, na frente da classe. - Katie, você é uma cristã totalmente comprometida com Deus. Entregou sua vida a Cristo, quer viver para ele e obedecer-lhe em tudo. - Rick, quer dizer, Pedro Incrédulo, você não entende nada das coisas do Senhor. Não que não tivesse ouvido o evangelho. Mas ainda não entregou a vida a Cristo. Só sabe viver de acordo m os princípios do mundo, seguindo os próprios desejos. Rick fez pose de vilão de peça teatral antiga. Abriu um sorriso largo, mostrando bem os dentes, levantou as sobrancelhas e torcia um bigode imaginário. - Katie, você acredita que o namoro missionário é o único jeito de alcançar esse cara, e então começa a namorá-lo. - Óooooo, Katie! gritou Jane, enquanto os outros riam. - E assim, Katie, você e Pedro dão as mãos. Katie obedeceu, o rosto imediatamente ruborizado, quase contrastando com o cabelo ruivo-alaranjado. - Katie, você é uma cristã tão firme, que vai influenciar o Pedro Incrédulo. Então, puxe-o para cima da cadeira onde está. Isso, puxe com força! Katie puxava com toda força, mas Rick quase nem se mexia. - Não é fácil, hein? Agora, Pedro Incrédulo, tente influenciar nossa Katie Cristã. Puxe-a para baixo. Rick deu um rápido arranco e Katie literalmente caiu da cadeira nos braços dele. Com um movimento rápido, ele a segurou evitando que ambos caíssem ao chão. A classe disparou a rir, e Katie afastou-se de Rick. De rosto ainda vermelho, ela perguntou ao professor:
- Posso me sentar agora ou você ainda quer que eu deite na frente de um trem ou coisa parecida? - Obrigado, Katie. Você tem excelente esportiva. Pode sentar-se. Rick e Katie voltaram aos seus lugares, e o professor continuou demonstrando sua lição. - O que vocês acham? Era mais fácil a Katie Cristã elevar o namorado para o seu nível, ou o Pedro Incrédulo puxá-la para o seu? A turma ficou em silêncio. Ninguém precisava responder. Todos entenderam. - O versículo trinta e três do capítulo quinze da Primeira Carta aos Coríntios, deixa isso bem claro: "... as más conversações corrompem os bons costumes". Se vocês não gravarem mais nada desse capítulo, procurem ter em mente pelo menos esse versículo. As más amizades podem estragar sua vida. Seja prudente ao escolher seus amigos. É você quem tem de estabelecer o seu padrão de comportamento. Seja firme. Não vá na onda dos outros. O professor andou de um lado para outro por alguns segundos, pensando no que iria dizer em seguida. - E todos vocês que pensam que Deus os chamou para um namoro missionário, bem, não se enganem. Na próxima semana trarei minha irmã aqui. Ela lhes contará sobre os resultados do seu namoro missionário. Acabou-se casando com o cara, e ele ainda não é salvo. Estão casados há doze anos, têm três filhos, e minha irmã é a pessoa mais solitária que conheço. Ele olhou para o relógio um instante e voltou a encarar a turma. A expressão de tristeza em seu rosto demonstrava a dor que sentia pela situação da irmã. - Por hoje é só. Na semana que vem terminaremos o capítulo quinze da Primeira
Carta aos Coríntios. Leiam do versículo trinta e cinco até o final e preparem-se para discutir sobre a ressurreição. Rick levantou-se e começou a conversar com alguns rapazes que caçoavam dele, chamando-o de Pedro Incrédulo. Ele não estava exatamente ignorando Cris, mas também não a envolveu no papo. Ela deu um tempo ali onde estava, esperando Jane e Katie se aproximarem para poder juntar-se ao grupo que saía com elas. Todas as outras meninas estavam caçoando de Katie, falando sobre a demonstração na cadeira. As sete garotas sentaram-se juntas no templo. Instantes antes do começo do culto Rick passou pela fileira em que Cris estava. As meninas ficaram a observá-lo e viram-no passar por quatro pessoas para sentar-se ao lado de Wendy, duas fileiras à frente delas. Wendy, a moça perfeita. Parecia que ela havia guardado lugar para ele. - Tá vendo? cochichou Jane para Katie, debruçando-se sobre Cris, que estava sentada entre as duas. Eu não lhe disse que eles estão namorando? - E daí? respondeu Katie, com voz cantarolada. Ele segurou a minha mão em público! As duas riram baixinho do comentário de Katie, mas Cris ficou quietinha entre elas, porque algo a incomodava. Por que Jane teria dito a Brittany que Rick gostava dela e estava interessado nela, já que tinha tanta certeza de que Wendy e Rick estavam namorando? Cris tentou lembrar-se de tudo que Brittany havia dito sobre o suposto interesse de Rick por ela. Todas as vezes em que conversaram sobre isso, Brittany dissera que sua fonte de informações tinha sido a Jane. Então, por que Jane não comentara nada disso? Ao que parecia, a única opinião de Jane sobre esse assunto era que a Wendy havia conseguido fisgar o Rick. Cris procurava participar do culto, levantando-se nas horas Certas e acompanhando
as músicas no hinário. Contudo aquelas perguntas sem resposta sobre Rick e as coisas que Brittany havia dito não paravam de girar em sua mente. Quando o sermão começou, Cris escreveu no boletim um bilhete para Jane: "Jane, você disse a Brittany que o Rick queria me conhecer?" Jane leu e encarou-a com um olhar que expressava: "Espera aí, você deve estar brincando!" Então escreveu: "Não. Por quê?" "Brit me disse que você tinha falado com ele umas duas vezes, e que ele descobrira sobre a festa da camisola na sua casa, e queria saber quem eu era. Isso é verdade?" Jane leu o bilhete discretamente, e virou-se para Cris com Um olhar que dizia: "Sinto muito, mas não". Acenou levemente com a cabeça, numa negativa, balançando o cabelo curto encaracolado. Cris mordeu o lábio e piscou depressa para evitar que alguma lágrima se formasse. Por que Brittany mentiu pra mim? Por que ela inventou tudo aquilo? Será que era só pra me fazer tomar aqueles laxantes?
Jane rabiscou depressa na frente do boletim da igreja: "Não se preocupe com isso. Parece que você conseguiu conhecer o Rick por seus próprios méritos. Não precisa que Brit arranje as coisas pra você". Cris sorriu para Jane agradecendo, mas seu coração ainda estava pesado. Tentou prestar atenção ao que o pastor dizia, mas seus olhos voltavam sempre ao cabelo castanho encaracolado de Rick e à trança de fios de ouro de Wendy. Eles até ficavam bonitos juntos, vistos assim de costas. Daí a pouco, a congregação se levantou para cantar o hino final e a reunião terminou. Katie, Jane e Cris permaneceram conversando com outras garotas. Rick estava batendo papo com alguns rapazes a poucos metros de distância. - Vamos lá, disse Rick aos outros. Vamos convidá-las. Então eles se aproximaram do grupo onde Cris estava.
- Vocês querem sair conosco para comer uma pizza? perguntou Rick. - Claro, disse Katie. Quem mais vai? Rick deu uma lista de nomes, citando o da Wendy em primeiro lugar. - Eu não posso, disse Jane. Nós vamos visitar minha avó. - E você, Cris? - Acho que não. Eu vim de carona com a Jane. - Posso deixar você em casa depois, ofereceu Rick. Cris ficou em dúvida. Depois lembrou que sua mãe a avisara para levar a chave porque eles talvez fossem fazer compras. Provavelmente nem estão em casa, pensou. - Claro, seria legal. - Seria mais do que legal, sussurrou Jane, por trás das costas de Cris. E, em voz alta, disse: - Divirtam-se!
Devagar Querida 8
Cris e Katie seguiram os rapazes até o estacionamento, onde o grupo se organizava para ir à pizzaria. Espremidas no banco de trás do Mustang vermelho-cereja do Rick, Cris e Katie ficavam batendo os joelhos. Um cara que Cris não conhecia sentou-se na frente com o Rick. - Legal o seu carro, disse Katie ao saírem. Wendy os seguia com seu Volks conversível. - Que ano é? - 68. Foi da minha mãe. Meus pais guardaram para mim. Você já dirige, Katie? - Não. - E você, Cris? - Não. - Então vocês ainda não têm dezesseis anos*. - Temos quinze, disse Katie. - Ainda não saíram das fraldas, comentou o cara ao lado do Rick. Katie deu-lhe um tapa no braço. * Idade mínima para se tirar carteira de motorista nos Estados Unidos. (N. da T) - Ei! Qual é, cara?! Quinze anos é uma idade ótima, viu?! Katie e o rapaz trocaram comentários rápidos e sarcásticos até chegarem à Pizza Hut. Cris recostou-se no banco e ficou assistindo, num misto de animação e nervosismo.
Duas vezes percebeu que Rick olhava para ela pelo retrovisor. O que será que ele está pensando?
Rick estacionou o Mustang ao lado do carro de Wendy e puxou o banco para a frente, enquanto Cris tentava descer com elegância. Estava com medo de dar alguma mancada, como tropeçar ou rasgar o vestido. Mas nada aconteceu. Talvez os seus dias de desajeitada tivessem acabado. Talvez estivesse tornando-se tão madura quanto se sentia ao vestir aquela roupa. Rick foi caminhando ao lado dela e abriu a porta do restaurante para que ela passasse. - Primeiro as damas, disse ele, com uma reverência bem humorada. Bonito vestido. - Obrigada, disse Cris, criando coragem e olhando-o de f re n te. Será que ele se sentaria ao lado dela? Era tão alto que ela se sentia baixinha. Nenhum outro rapaz a fazia sentir-se tão pequena assim. Quando ela passou pela porta, ele se inclinou e disse bem perto do ouvido dela: - Desta vez você não vai fugir, vai? Cris enrubesceu e lhe sorriu. Ele era realmente muito bonito - Não. Desta vez não. - Ótimo! exclamou Rick, com um sorriso que abalou seu coração. Ele passou por ela, conduzindo-a ao balcão onde um grupo de oito jovens tentava decidir que tipo de pizza encomendar. - Eu só tenho quatro dólares, disse Cris baixinho para Katie. Para quem eu devo dar? - Você tem mais do que eu. Dá aqui, que eu entrego. Katie aproximou-se de Rick com um imenso sorriso. - Oh, Pedro Incrédulo, toma aí sete dólares. São meus e da Cris. E queremos CocaCola, tá?! Katie virou-se para Cris:
- Você gosta de Coca, não gosta? Cris concordou com um aceno de cabeça. Naquele momento veio-lhe à mente uma lembrança marcante de certa festa de participara em Newport Beach, nas férias. Ela havia ficado sozinha e estava tentando se enturmar. Tinha pedido uma Coca e, para seu horror, um dos surfistas pensou que ela estivesse querendo cocaína, e mandou-a para cima, para o quarto onde alguns jovens estavam-se drogando. Ela havia saído correndo lá, sentindo-se uma criança. Então encontrou o Ted, e eles ficaram sentados no quebra-mar, olhando o pôr-do-sol e conversando. Ainda bem que eu fugi porta afora daquela vez. Mas desta vez vou ficar! Depois de pedir as pizzas, o grupo foi para o salão dos fundos. Cris sentou-se à mesma mesa que Katie e, para sua alegria, Rick passou depressa por outro rapaz e sentouse bem ao seu lado. Wendy e seus amigos sentaram-se em outra mesa. Dois rapazes pareciam competir pela atenção da moça. É, parece que ela não é namorada do Rick! pensou Cris, com alegria. E ele sentou-se do meu lado! Sentindo-se leve e com vontade de flertar um pouquinho, Cris ria de tudo que Rick
dizia. Contudo era Katie que animava a conversa, e os rapazes adoravam seu jeito moleque e alegre, que fazia todos se sentirem bem em sua companhia. Cris quase não falou. Todo mundo conversava tão rápido, ela mal conseguia dizer uma ou outra palavra. Além do que, sempre que pensava em alguma coisa interessante, o grupo já tinha mudado de assunto. Katie era rápida. Tinha tiradas incríveis. Cris gostaria que Katie pudesse ir com elas para Palm Springs, no próximo final de semana. Quando chegou a pizza quente, coberta de calabresa, Cris comeu só uma fatia. Katie comeu várias, e os rapazes devoraram o restante. Rick deve ter comido uns dez pedaços!
- Acho que eu e Cris devemos receber algum dinheiro de volta, disse Katie, olhando a travessa vazia à sua frente. Nós não comemos os nossos sete dólares. Só contribuímos para sustentar seu "vício" de pizza, rapazes. - Gostaria de ser o primeiro a lhe agradecer, falou um deles. Estava começando a sentir uma síndrome de dependência de calabresa. Você me salvou, Katie Cristã! - Ah, que ótimo! Logo agora que eu estava ficando acostumada com o apelido “Katie Oncinha”! - Aqui, disse Rick, jogando uma moeda de vinte e cinco centavos no centro da mesa. Aí está sua restituição. Outro rapaz jogou outra moeda de vinte e cinco centavos na mesa e indagou: - Ei, vocês lembram do lago Hume? Tá na hora de defender o seu título, Katie. Vamos lá, rapazes, o jogo da moeda! - Sabe jogar? Perguntou Rick a Cris. - Não. - A gente vai passando duas moedas por baixo da mesa. Katie fica na ponta observando e, quando ela disser “pare”, colocamos as mãos fechadas sobre a mesa. - Assim, disseram os outros rapazes, colocando as mãos sobre a mesa, com o polegar para cima, e batendo nela como um tambor. - Daí a Katie diz “pare” de novo, e temos de abrir as mãos e colocar as palmas na mesa. Mas o segredo é o seguinte: se você estiver com alguma das moedas, não pode deixar ninguém perceber. Daí a Katie tem de adivinhar com quem estão as moedas. - Entendeu? Perguntou Katie. - Acho que sim, disse Cris, aproximando-se mais da mesa. Vamos ensaiar. Katie ficou à frente. - Pronto? Já!
Cris colocou as mãos sobre os joelhos debaixo da mesa, esperando que lhe passassem a moeda. Todos os rapazes mexiam os braços, mas ela não conseguia ver quem estava passando. De repente, o cara à sua direita passou-lhe uma moeda. Cris passou depressa para a mão esquerda e levou a mão para Rick, para passar para ele. Assim que tocou na mão dele para dar-lhe a moeda, ele passou a outra para a mão dela! - Pare! Gritou Katie. Nesse momento, todos colocaram as mãos fechadas sobre a mesa. Cris apertou bem a mão e ficou a bater na mesa com os outros. - Pare! Todos os rapazes bateram as mãos abertas na mesa. Cris remexeu um pouco, tentando fazer com que seus dedos e as moedas se ajeitassem. Não deu certo. Uma moeda apareceu entre os dedos do meio e outra escorregou da mesa e foi parar no chão. Cris caiu na risada, e Katie disse: - Deixe-me adivinhar. Será que está com a Cris? - Isso foi só uma experiência, disse Rick depressa. Não conta pontos. - Tudo bem, disse Katie, pegando a moeda do chão e colocando-a sobre a mesa. Agora esta conta de verdade. Todo mundo pronto? Katie observava cada jogador, com seus olhos vivos de jade, enquanto as moedas iam passando de mão em mão. - Pare! Eles bateram na mesa. - Pare! Todos abriram as mãos sobre a mesa. Katie mencionou duas, mas nenhum delas estava com as moedas. Rick estava com uma e riu quando Cris disse?
- Isso não vale! A sua mão é o dobro da minha! - Aqui, disse Rick, enfiando a mão no bolso e tirando uma moedinha menor. Esta aqui é mais ou menos do seu tamanho? Perguntou, entregando-a a Cris. Todos riram. - Vamos lá, disse Katie. Só moedas de vinte e cinco centavos! Vamos em frente! Brincaram muitas rodadas, e Cris passou a maior parte do tempo só olhando, pois todas as vezes que ficava na roda era pega com a moeda. Ela não se importava. Estava se divertindo muito. - Tenho de ir embora, disse um dos rapazes. Cris não queria ir. Estava muito agradável. Sua vontade era ficar ao lado de Rick a tarde toda, rindo e se divertindo. Mas todos se levantaram e foram paro o carro. Novamente Cris sentou-se atrás, ao lado de Katie, e Rick perguntou: - Vocês virão ao culto hoje à noite? - Não sei, respondeu Cris. Ela não tinha certeza se seus pais permitiriam, e ainda não havia terminado o dever de casa. - É provável que sim, respondeu Katie, mas acho que você não estava perguntando pra mim, estava? Rick não respondeu. Tinha ligado o rádio, e o rapaz ao lado dele começou a batucar no painel do carro. Quando Rick parou na frente da casa de Cris, ela ficou surpresa por ver o carro dos pais. Achava que eles ainda estivessem fazendo compras. O carro parecia um calhambeque velho perto do Mustang polido de Rick. - Obrigada pela carona, Rick, disse ao descer. - Sempre às ordens, respondeu ele.
- Vejo vocês mais tarde. Cris acenou para o pessoal e abriu a porta da casa com o coração cantarolando. - Onde você esteve? perguntou sua mãe, saltando do sofá. - Na igreja. Eu lhe disse que ia à igreja. - Igreja? Das oito e meia da manhã até as duas e meia da tarde? Esteve esse tempo todo na igreja? - Não. Quer dizer, sim, quer dizer... Seu pai veio se aproximando, e Cris respirou fundo. - Eu fiquei na igreja até o meio-dia, e daí saí pra almoçar. - Você não nos perguntou se podia. - Só fiquei sabendo depois da reunião. - Cris, você devia ter telefonado, disse seu pai com firmeza. Nós estávamos super preocupados. Não tínhamos idéia de onde você pudesse estar. Nem nos lembrávamos de qual igreja você tinha falado que ia. - Mas pensei que vocês fossem sair. Achei que não estivessem em casa. - Nós saímos, mas chegamos antes do meio-dia. Não sabíamos onde você podia estar. David entrou correndo pela porta da frente. - Quem era aquele cara no carro vermelho, Cris? Você viu aquele carro, pai? Legal! Tentei apostar corrida com ele até a esquina na minha bicicleta, mas ele era muito rápido. Seu pai levantou a sobrancelha e encarou-a. - Você saiu para almoçar com um rapaz? - Sim, isto é, mais ou menos. Foi uma turma grande de rapazes e moças da igreja. Rick me trouxe em casa. Duas outras pessoas estavam no carro conosco. Katie estava comigo.
Cris falava depressa, com medo de estar em maus lençóis. - E o que aconteceu com a Jane? perguntou sua mãe, cruzando os braços. - Ela teve de ir pra casa depois da igreja, mas eu e Katie fomos almoçar com a turma, porque o Rick ofereceu pra nos trazer em casa depois. - E por que você não voltou com a Jane? - Eu, eu não sei. Acho que porque queria sair com o pessoal. Seus pais se entreolharam e em seguida se voltaram para Cris. - Escute aqui, mocinha, disse seu pai severamente. Tenho certeza de que não era sua intenção nos preocupar assim, mas devia ter sido mais prudente. Devia ter vindo com a Jane ou, no mínimo, telefonado para perguntar sobre o almoço. Nós não permitimos que você saia com rapazes, e isso inclui aceitar carona de pessoas que não conhecemos. Especialmente adolescentes. Na verdade, não quero que você saia de carro com um bando de adolescentes, mas de jeito nenhum! Entendeu?! - Sim. Desculpe. Pensei que não fosse problema, disse Cris, olhando para o pai. A expressão dele abrandou-se. - É, os jovens nunca pensam, e é esse o problema. - Você tem de ser mais responsável, querida, disse sua mãe, recostando-se novamente no sofá. Não pode ficar fora horas a fio sem que saibamos onde está. Entende? - Sim, entendi, disse Cris. Não gostava daquela sensação ruim de enjôo, que sempre tinha quando seus pais "lhe davam conselhos" daquele jeito. Sempre acabava sentindo-se mal e tola por não ter avaliado bem as coisas antes. - Mais uma coisa, acrescentou o pai. Onde você arrumou esse vestido? - A tia Marta comprou pra mim quando fomos a San Francisco.
Seu pai abanou a cabeça. - Vocês, jovens, sempre querem apressar as coisas. Tentam parecer mais velhos do que são. Abreviam os anos da juventude. Você não entende que uma vez que a juventude passar, ela não volta mais? Ele aproximou-se de Cris, olhos marejados de lágrimas. - Vá devagar, querida, disse com voz rouca. Por favor, vá mais devagar! Durante toda a semana as palavras de seu pai perturbaram seu sossego. Em casa, andando pelos corredores da escola, jogando vôlei na aula de Educação Física, enfim, onde quer que estivesse, parecia ouvir seu pai dizer: "Vá mais devagar, querida". Depois de passar três dias remoendo essas palavras, Cris escreveu em seu diário: Na verdade, não estou querendo crescer depressa demais. Tem muita coisa acontecendo comigo, e só estou tentando equilibrar tudo. Acho que se eu estivesse desobedecendo, meu pai teria razão. Mas tenho tentado fazer tudo certinho. Bem, pelo menos na maioria das vezes. Acho que meu pai está certo ao dizer que eu nem sempre penso bem antes de tomar decisões. Mas de nem imagina quantas decisões certas tenho feito e em quantas situações eu disse "não". Estou tentando descobrir o que Deus quer que eu faça. Acho que ele quer que eu me esforce por agir corretamente e diga "não" a tudo que for duvidoso ou pareça não ser bom pra mim. Não, não e não. Isso aí é o meu treinamento diário para aprender a dizer não.
Divertir, Divertir, Divertir! 9 A semana voou como um foguete. A mãe de Cris conseguiu um emprego no escritório imobiliário do Sr. Taylor. David caiu da bicicleta e levou quatro pontos no queixo. O pai de Cris plantou uns arbustos e consertou a tela da porta. Embora todos os dias Cris procurasse Rick pelos corredores, nunca mais o viu. Mas na quinta à tarde, ela quase nem se lembrou dele. Ia para Palm Springs com as amigas, e as três estavam radiantes. - Estão prontas, garotas? perguntou Bob, ao colocar uma mala no porta-malas de seu Mercedes conversível. Procurou as chaves nos bolsos e disse: - Ah, Cris, eu trouxe umas cartas para você. Aquela que lhe falei no telefone, semana passada, disse ele, entregando-lhe um envelope com a letra de Paula. E aqui tem outra que chegou ontem. Por um momento, Cris pensou, com esperança: Será que é do Ted? Será que ele finalmente me escreveu!
Olhou o envelope para ver o remetente. Era da Trícia. A garota da praia, de quem Cris tentara tanto não gostar. Ela era muito simpática, mas na época, Cris ficara tentando descobrir se ela gostava do Ted. Por que a Trícia estaria escrevendo? As três garotas se acomodaram no confortável banco de trás do carro. O perfume de Marta enchia o ar à sua volta. Estavam a caminho! Enquanto Jane e Brittany discutiam tipos diferentes de permanentes com Marta, Cris leu, em silêncio, a carta de Paula. Ela escreveu com emoção, dizendo que sentia muita
saudade de Cris e aguardava com ansiedade as próximas férias em junho, quando viria para a Califórnia visitá-la. Disse que nunca encontraria outra amiga igual a Cris. Sua festa de aniversário seria no sábado seguinte. Seria a primeira vez, desde o jardim de infância, que Cris não estaria comemorando com ela mais um ano de vida. Cris olhou pela janela. Via a paisagem seca passando depressa e tentava conter as lágrimas. Queria que você estivesse aqui, Paula. Queria que estivesse indo comigo a Palm Springs. Também sinto saudades.
Cris entendeu que seu relacionamento havia mudado. Ainda eram amigas, e continuavam muito próximas, mesmo estando longe. Ainda faziam parte da vida uma da outra. Mas com certeza tinham passado para um outro nível de amizade. O que doía é que Paula não entendia a promessa que Cris fizera nas últimas férias. Ela não achava que para ter um relacionamento com Jesus era necessário assumir um compromisso com ele. Eu também demorei um pouco pra entender, Paula. Vou continuar orando por você, como Ted e Trícia oraram por mim.
Ela guardou a carta de Paula na bolsa e leu rapidamente a de Trícia. Era pequena e doce, como ela.
Querida Cris, Hoje li este versículo e lembrei-me de você. Então resolvi escrever-lhe e mandá-lo junto: "O Senhor é quem vai adiante de ti; ele será contigo, não te deixará, nem te desamparará; não temas, nem t e atemorizes" (Dt31.8). Espero que tudo esteja indo bem pra você e que esteja fazendo muitas amizades em sua nova escola. Avise-nos quando estiver por aqui na praia de novo. Todos sentimos sua falta. Com carinho, Trícia.
De todas as garotas que Cris conhecera na praia, nas férias passadas, Trícia era a mais amigável. Tinha-se esforçado ao extremo para ser amável com Cris. Queria ser parecida com a Trícia, pensou Cris. Ela pensa nos amigos e nas suas necessidades, mais do que em si mesma.
- Vocês se importam de escutar uma de minhas músicas favoritas, da "idade da pedra"? perguntou Bob. Antes que respondessem, ele colocou uma fita no toca-fitas do carro e aumentou o volume. - Puxa vida, Robert! repreendeu Marta. Precisa ligar tão alto? Jane e Brittany já estavam cantarolando junto com a música. Bob abaixou um pouco o volume e colocou os óculos de sol em cima da cabeça, e, fitando firmemente a mulher, disse: - Vamos lá, meu bem. Isso não lhe traz boas recordações? Ela sorriu e estendeu a mão para ele, acariciando seu braço. - Você não mudou nada, Bobby. Marta começou a cantarolar com eles: "E vamos nos divertir, divertir, divertir!..." Jane conhecia a letra de todas as músicas. - Meus irmãos têm esta fita. Adoro ela! exclamou. Bob estava a todo vapor, batucando animado no volante e balançando a cabeça. - Você acha que seu cabelo vai-se atrapalhar se eu baixar o teto? perguntou para Marta. - Isso aí! Vamos abaixar! disse Jane com entusiasmo. - Não, querido. Não trouxe lenço de cabeça. Prefiro que deixe como está. O ar condicionado é tão refrescante... - O que é que vamos fazer à noite? perguntou Cris, no momento em que a fita
voltava automaticamente. - Vamos direto para o hotel, nos trocamos e depois saímos para jantar, anunciou Marta. Tia Marta, você seria uma excelente diretora de programação num cruzeiro de luxo, pensou a sobrinha. - Vocês gostam de italiano ou chinês? perguntou Bob, desligando o som. - O quê? perguntou Jane. Homens ou restaurantes? - Qualquer dos dois, replicou Bob rindo. - Ambos! respondeu Jane com uma risada. - Já percebi que sua amiga é das minhas, Cris, disse Bob, saindo da rodovia e entrando numa estrada longa, que parecia ir direto para uma cordilheira de montanhas. Agora o carro viajava na sombra. Tudo parecia diferente, numa tonalidade lilás. - Quanto tempo ainda demora? perguntou Cris. - Mais alguns quilômetros. Quase dá para ver o teleférico daqui. - Que é isso? - O teleférico de Palm Springs vai do chão até o cume do monte San Jacinto, ali. Ele tem quase três mil metros de altura e, no inverno, fica coberto de neve. Bob inclinou-se para a frente, olhando para o monte. - Estão vendo ali? - Eu estou, disse Brittany. - Tem um caso interessante sobre essa montanha, disse Bob, com um ar maroto. Há alguns anos, eu e meus colegas de golfe fomos lá para fazermos uma caminhada. Era novembro e, quando pegamos o teleférico, o tempo estava nublado e, chegando em cima, estava congelando. Almoçamos no restaurante de lá e, quando íamos sair para a caminhada, começou a nevar. O engraçado é que, no dia anterior, eu havia ficado
queimado de sol, jogando golfe! - O que vocês acham de dar um passeio de teleférico, garotas? Você poderia levá-las no domingo, não é Bob? sugeriu Marta. - É uma opção. Poderíamos também fazer um passeio de balão. - É mesmo? perguntou Cris, com um gritinho de alegria. - Que maravilha! Sempre sonhei em andar de balão! disse Brittany. - Seria quente!.comentou Jane, Entendeu? Quente? Balão de ar quente? - Entendemos, Jane, disse Cris. É por isso que não estamos rindo. Que divertido! pensou Cris. Sempre quis andar de baião! Cantarolava baixinho. Vamos nos divertir, divertir, divertir...
- Chegamos, disse Bob, ao passarem por uma rua cheia de lojas, restaurantes e edifícios de escritórios. Aqui é a Palm Canyon Drive. Cris não se impressionou. Depois de tudo que ouvira sobre Palm Springs, esperava um lugar luxuosíssimo, uma cidade maravilhosa. As lojas e os prédios eram bonitos, mas nada de espetacular. Bob entrou no estacionamento do hotel, parando debaixo de um enorme pórtico apoiado sobre colunas brancas. Um empregado do hotel abriu a porta do carro, e o vento quente do deserto envolveu-os. O atendente estendeu a mão para cada uma das moças, ajudando-as a descer. Cris gostava muita de se sentir paparicada assim. Outro funcionário uniformizado colocou todas as malas num carrinho acarpetado, e seguiu-os até o balcão de reservas. - Olhe a fonte! disse Jane, suspirando ao entrar no saguão espaçoso. Cris achou muito bonita a decoração em adobe, típica da região. Tinha um aspecto de deserto. O assoalho tinha um tom terroso, meio rosado, e pendurados nas paredes de cerâmica branca viam-se muitos tapetes indígenas. Nos corredores havia enormes vasos
de barro com grandes cactos. - Olhem! disse Jane, apertando um dos espinhos de um cacto. Era artificial. O espinho de ponta aguda que parecia tão perigoso, dobrou-se ao toque de Jane, como se fosse um macarrão bem cozido. - Espero que gostem do quarto, disse o atendente, abrindo a porta da suíte das garotas. Elas correram os olhos pelo cômodo espaçoso. Tinha uma porta de vidro que dava para o pátio e a piscina. As colchas e cortinas tinham motivos indígenas em cores mais suaves. As paredes eram enfeitadas com diversos quadros de cactos floridos e flores do deserto. Cris ainda preferia o estilo antiquado, vitoriano, do hotel St. Francis, em San Francisco. - Isso aí é quentíssimo! exclamou Jane. - Então talvez a senhorita queira que eu ajuste o termostato ali disse o atendente com ar sério, apontando para a parede perto do banheiro. As três garotas olharam umas para as outras e caíram na risada. Bob deu uma gorjeta ao atendente, e disse: - Elas são meu fã-clube. Eu as levo em todo lugar. Me fazem sentir jovem. - Agora acomodem-se, garotas, determinou Marta. Nossa suíte é a do lado. Que tal sairmos para jantar daqui a meia hora? - Tudo bem. - Pra mim está ótimo. As três desarrumaram rapidamente a mala, tagarelando e rindo enquanto Jane examinava o quarto. Mexeu em cada interruptor de luz, na torneira, e também numa cestinha cheia de amostras de sabonetes, xampu, creme rinse e touca de banho. - Que tal? disse Jane, saindo do banheiro com uma touca na cabeça. Devo usá-la no
jantar, caso chova? - Elegantíssima! disse Cris. Combina muito bem com seu tênis. Todas riram, e Brittany perguntou o que elas usariam para o jantar. Não trouxe nenhum vestido, reclamou Cris. Nem me lembrei disso quando arrumei a mala, ontem à noite. - Eu trouxe alguns, disse Brittany. Você pode usar um dos meus. Cris escolheu um de malha azul-turquesa e entrou no banheiro para experimentá-lo. Não passava nos quadris. Abrindo a porta do banheiro, ela perguntou: - Que tamanho é essa coisa? - Trinta e seis. Por quê? perguntou Brittany. Que tamanho você usa? - Pode ter certeza de que não e trinta e seis, disse Cris, devolvendo o vestido para a amiga. - Aqui, disse Jane. Eu trouxe um vestido e uma saia jeans. Quer usar um dos dois? - Joga a saia aqui. Eu tenho uma blusa vermelha que posso usar com ela. Cris vestiu a saia sem dificuldade. Trinta e seis. Ninguém veste número trinta e seis. Talvez trinta e oito, mas trinta e seis, nunca.
As meninas arrumaram o cabelo e se maquiaram depressa. - Você deveria usar mais delineador, disse Brittany a Cris. Experimente este, disse, entregando-lhe o seu. É "orquídea selvagem". Vai ficar bem em você. - Roxo?! exclamou Cris. Sei não... - Pode deixar que eu passo, ofereceu Jane. Então Jane e Brittany começaram a maquiar Cris. Quando as duas se afastaram, e Cris viu sua imagem no espelho, sua primeira reação foi "Credo!" Mas não queria ferir os sentimentos das amigas, que se admiravam de sua produção. Os olhos pareciam apertados com o rímel e delineador pesados. Sentia-se
ridícula, como uma garotinha que descobre o batom da mãe e suja o rosto todo com ele. Alguém bateu à porta, e não deu tempo de mudar mais nada. Bob, vestido de casaco esporte caqui e calça azul-marinho, assoviou. - Puxa vida! Vocês estão lindas. Mas é melhor sairmos daqui. Parece que uma bomba de perfume acaba de explodir no quarto! Elas riram e saíram para encontrar-se com Marta no corredor. Cris tinha de admitir que sua tia era uma mulher de classe. Sempre estava bem vestida. Hoje usava um vestido rosa que rebrilhava. O colar e os brincos de brilhantes lembravam estrelas. Parecia pronta para um baile. - Cris, disse Marta, olhando sua maquiagem, a saia curta e as sandálias. Você não trouxe o vestido azul, querida? Sabe, aquele que eu comprei pra você nas férias, na Macy's. - Não lembrei. Depois do comentário feito pelo pai no domingo passado, ela o enfiara no fundo do guarda-roupa, resolvida a usá-lo quando completasse dezoito anos. - Essa é a única saia que você trouxe? insistiu Marta. - Na verdade ela é de Jane. Arrumei a mala com tanta pressa que me esqueci de colocar alguma roupa mais fina. - Bem, eu Já tinha pensado em fazer umas compras amanhã Agora já sabemos qual a primeira coisa que vamos procurar. Cris encolheu-se no banco de trás, enquanto as outras duas moças, de vestidos frescos, com cores alegres, conversavam animadas. Como ela detestava quando tia Marta a fazia sentir-se mal assim! Como se fosse uma velha boneca de pano, usada. No verão passado já tinha sido ruim; agora, na frente das amigas, era pior ainda. Quando não havia ninguém olhando, Cris lambeu o batom rosa claro dos lábios e
passou o dedo sob os olhos, tirando o máximo que pôde do "orquídea selvagem". Na penumbra do restaurante italiano, passaram os olhos pelo cardápio, perguntando a Bob o que era cada prato. Sob recomendação do tio, Cris pediu fettuccine. Parecia tão exótico! Mas quando o garçom colocou o prato à sua frente, ela pensou: Isso aqui é só uma macarronada branca! O gosto também era exatamente disso.
Um homem de fraque, tocando violino, aproximou-se da mesa deles. Bob pediu-lhe que tocasse uma canção italiana, cujo título Cris nunca tinha ouvido. O músico sorriu e atendeu. Colocando o violino sob o queixo, começou a tocar. Devagarinho no começo, depois com vigor, puxava o arco para trás e para frente, colocando todo o coração na música. Cris percebeu que estava prendendo a respiração nas últimas notas altas, como se estivesse espremendo-as de seus próprios pulmões, junto com o músico. Ele terminou tão dramaticamente quanto havia começado. Colocou o violino debaixo do braço e inclinou-se para a frente em agradecimento. - Bravo! exclamou Marta. - Molto bello! cumprimentou Bob, dando ao artista, ao que parecia, uma nota de dez dólares. O homem sorriu, acenou e, tomando a mão de Marta, beijou-a galantemente. Foi até Jane e fez o mesmo. Ela deu uma risadinha e olhou para Cris, que seria a próxima. Cris ficou meio sem jeito, mas ao mesmo tempo achou muito empolgante. Virou-se então para ver como Brittany reagiria ao gesto gracioso, mas a amiga havia sumido. - Provavelmente foi ao banheiro, disse Jane. Cris ficou revirando o fettuccine no prato durante uns dez minutos, e acabou comendo outro pãozinho de alho, sentindo-se então satisfeita. - Será que sua amiga está bem? perguntou Marta. - Vou lá dar uma olhada, disse Cris.
- Eu vou junto, disse Jane Quando saíam da mesa, Jane disse baixinho: - Provavelmente está vomitando. Ela está fazendo um regime esquisito. Acho que já está magra demais. - E verdade, concordou Cris. Ela me contou que está tomando o comprimido de emagrecimento da mãe. De repente Cris lembrou-se do vidro de remédio controlado que Brittany tinha-lhe dado. Ainda estavam em sua bolsa, lá na mesa. Tenho de jogar aquilo fora. Encontraram Brittany perto da pia, penteando o cabelo. - Acho que vou experimentar outra marca de fixador, disse. A que estou usando agora resseca demais o meu cabelo. Cris notou um tufo de cabelo na pia. Brittany borrifou perfume nos punhos, e perguntou: - Todo mundo já terminou? - Quase. Viemos saber de você. Está tudo bem? - Claro, respondeu Brittany, com uma risadinha nervosa. Estou esperando a sobremesa! - Brittany, disse Jane, em tom de repreensão maternal. Você vomitou? Brittany abaixou a voz e ergueu as sobrancelhas com ar inocente. - Claro que não! Por que está perguntando isso? - Brittany, diga a verdade. Você já parou com aquele regime ou ainda está tomando laxantes e comprimidos? - Não, não estou mais fazendo regime. Verdade! Só disse que queria sobremesa hoje. Cris não sabia se ela estava mentindo ou não. Jane parecia acreditar.
- É melhor voltarmos à mesa. Eles provavelmente já estão querendo ir embora. Marta sugeriu que saíssem para olhar as vitrines, em vez de ir direto para o hotel. Uma brisa morna do deserto os envolvia enquanto passavam por belíssimas vitrines iluminadas. Jane fazia toda espécie de piada sobre as coisas expostas; peças práticas, como minissaias de couro e uma máquina de aço inoxidável de fazer macarrão. Todos ainda estavam rindo quando voltaram ao hotel Cris tirou da bolsa a chave do quarto e agradeceu ao tio pelo jantar agradável e a noite divertida. _ É um prazer, senhoritas, disse ele. Tenho uma partida de golfe às oito da manhã, e provavelmente tomarei um café com donut no salão de refeições. Talvez vocês queiram dormir até mais tarde e tomar o desjejum ao lado da piscina. Eles têm um bufe de brunch*, não têm, Marta? * Refeição farta servida entre o horário do café da manhã e o almoço, que substitui as duas refeições. (N. Da T.) - Acho que é só aos sábados e domingos. - Bem, se vocês ficarem com fome a qualquer hora telefonem para o serviço de quarto. A gente se encontra amanhã. Boa noite - Bons sonhos! acrescentou Marta. As garotas vestiram as camisolas e ligaram a televisão. Não tinha nada de bom. Só noticiário. - Já sei, disse Jane. Vamos nadar! - Parece que não vai dar, respondeu Brittany. Acho que a piscina fecha as dez. - Talvez se nós nadarmos bem quietinhas... disse Jane com uma risada. - É isso aí! continuou Cris. Três garotas mergulhando na piscina, vai ser um silêncio total. - Então vamos falar de garotos, sugeriu Jane, recostando-se na cabeceira da cama. - Brittany, vi você conversando com Kurt no almoço outro dia. Como é, vai voltar
com ele? - Está brincando?! Eu estava falando pra ele sumir. Ele me dá nojo. - E você? perguntou Brittany a Jane. O Greg te deu atenção estes dias? - Não muita. Conversou comigo umas duas vezes. Mas ele só flerta comigo quando não tem garotas mais velhas por perto. Gosto dele, mas ele me assusta um pouco, entende? - Não, disse Cris. - É como se ele estivesse sempre um passo à minha frente. Olho pra ele e não consigo decifrar o que está pensando. É misterioso e inatingível. Gosto disso, mas fico meio cismada. - E você, Cris, como estão as coisas com o Rick? Perguntou Jane. Cris não respondeu. Olhou para Brittany para ver sua reação. Parecia imperturbável como sempre. Cris resolveu então confrontar a mentira da amiga. - Brittany, por que você me disse que o Rick estava interessado em me conhecer, e que a Jane é que sabia dos detalhes? - É, entrou Jane. Eu queria saber onde eu teria conseguido todas essas informações detalhadas que supostamente passei pra você. Rick nunca me perguntou sobre a festa da camisola nem sobre a Cris. Brittany permaneceu imóvel, sentada na cama com as pernas cruzadas. A expressão de seu rosto não mudou, mas os olhos pareciam girar na "Roda da Fortuna", tentando encontrar uma resposta adequada. Ela foi pega. Não podia dizer nada. Saltou da cama. - Acho que deixei meu anelador de cabelo ligado! Correu para o banheiro e fechou a porta. - Às vezes acho que ela é um caso sério, disse Jane.
- Sei lá, defendeu Cris. Ela tem seus problemas. Os pais dela se separaram, e o pai nunca está em casa. Tenho pena dela. Acho que devemos tentar ajudá-la. - É, você está certa. Eu devia tentar ser mais compreensiva, disse Jane. Mas por que inventou toda essa história sobre o Rick? - Não sei, respondeu Cris, abanando a cabeça. Mas Jane, você disse que o Rick era namorado da Wendy. É verdade? - Não sei. Pensei que fosse. Parece que ele é o tipo de cara que não quer se comprometer com uma só. Ele tem um bom papo, sabe? Consegue qualquer garota que quiser. Acho que ninguém entende o que se passa na cabeça dele. E o cara que você conheceu nas férias? - Ted? - O que foi feito dele? - Não tenho a mínima idéia. Já lhe mandei umas cinco cartas, mas o engraçadinho não respondeu nenhuma. Mesmo assim não creio que esteja tudo acabado. Tenho esperança de encontrá-lo novamente. - Ao que parecia, ele era o cara dos sonhos de toda garota. Cris olhou o quadro de flores selvagens na parede e disse: - E é. É único no gênero. Nunca me esquecerei dele. Cris sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Piscou, e as flores do quadro pareciam um borrão de cores que escorriam juntas. - Não há nada demais em gostar de dois caras ao mesmo tempo, Cris. Ou mesmo de uma porção deles, falou Jane. Cris limpou as lágrimas. - É, mas seria bom se pelo menos um deles gostasse da gente! - Falou e disse, Cris, falou e disse! Agora, se o Greg me chamasse pra sair e o Rick também a convidasse, nós poderíamos sair os quatro juntos.
- É isso aí! - Como, por exemplo, no jogo do próximo fim de semana, continuou Jane, fantasiando. Não seria divertido? A porta do banheiro abriu-se, e Brittany saiu, tranquila e recomposta. - Eu estou com fome, e vocês? disse Brittany, abrindo o cardápio do serviço de quarto e lendo a lista para as amigas. Jane e Cris trocaram olhares que diziam: "Vamos ser bastante compreensivas e amigas". - Sundae com calda de chocolate quente: $ 7,50! reclamou Brittany. E olhe aqui: refrigerantes: $ 3,50. Que roubalheira! - Acho que não conseguiria encomendar nada em sã consciência, sabendo que seu tio teria de pagar, confessou Jane. - Ele não se importa, disse Cris. Dinheiro pra ele não é problema, como é pra minha família. - Ei, vocês querem fazer uma loucura? perguntou Jane. - O quê, por exemplo? - Sei lá. Correr pra cima e pra baixo pelo corredor, ou algo assim. - Acho que vi uma máquina de refrigerantes e uma de chocolates no final do corredor, falou Brittany. Vamos comprar um chocolate e um refrigerante. Vai ser mais barato do que encomendar do serviço de quarto. - Não sei se deveríamos, hesitou Cris. - Vamos lá! Vai ser divertido, disse Jane. - E a gente vai assim, de camisola? indagou Brittany. - Eu não! Vou colocar minha calça jeans. As outras fizeram o mesmo que Cris, vestindo-se rapidamente, de qualquer jeito.
- Vou pegar a chave e umas moedas, disse Cris. - Espera aí! exclamou Jane, correndo ao banheiro. Saiu de lá com a touca na cabeça e uma toalha de banho enrolada por fora da roupa. Agora estou pronta! Brittany e Cris caíram na risada. Jane abriu a porta e pôs a mão sobre as sobrancelhas, como um espião indígena, olhando para um lado e para o outro do corredor. - Tudo bem, aventureiras, disse em voz grave. O caminho está livre. Segurando as risadas, as meninas saíram juntinhas, caminhando com cuidado pelo corredor. Chegaram à máquina de refrigerantes sem que ninguém as visse, e juntaram rapidamente suas moedas. Tinham o suficiente para um chocolate para cada uma e um refrigerante, que resolveram dividir quando voltassem para o quarto. A máquina fez um barulhão ao deixar a lata cair. Jane apertou o dedo indicador nos lábios e fez "Shhhh" para a máquina. As outras duas se aproximaram dela, dando risadinhas. Então as três olharam pelo corredor. Pé ante pé, exagerando as passadas, Jane conduziu-as de volta ao quarto. De repente, ouviram vozes atrás delas e, ao virarem, viram um jovem casal descer do elevador e andar em direção a elas. - Depressa, meninas! comandou Jane. Andando bem juntinhas, as garotas foram depressa para o quarto. Cris pegou a chave do bolso. Estavam quase à porta de Bob e Marta, quando Jane exclamou: - Nossa! Cris correu e inclinou-se para enfiar a chave na porta, enquanto as outras duas a empurravam para poderem entrar também. Rapidamente, bateram a porta e começaram a rir. Cris apontou para Jane, e perguntou: - E a sua toalha? O que aconteceu? - Perdi na frente da porta do quarto de seus tios! Por isso me apavorei!
- Temos de pegá-la, disse Cris. Não podemos deixá-la no corredor! Ficaram discutindo durante quase um minuto sobre quem iria pegar a toalha. Brittany levantou as mãos para o ar e disse: - Tá bom, suas medrosas! Eu pego. Então abriram a porta devagar. Olharam para a esquerda para a direita e, em seguida, para o chão. Alguém já havia colocado a toalha, bem dobradinha, em frente à porta da suíte delas. Será que foi o casal que estava atrás delas? Ou foi o tio Bob? - Só posso dizer uma coisa sobre esse hotel, disse Jane, pegando a toalha e fechando depressa a porta. As arrumadeiras aqui são incríveis!
Tomar Decisões 10 Na manhã seguinte, Brittany foi a primeira a levantar-se, cheia de energia. - Acordem, suas preguiçosas! Quem .topa uma corrida? Jane jogou o travesseiro nela. - Vá embora! Não é possível que já amanheceu! - São quase oito e meia, cantarolou Brittany. O dia está passando enquanto vocês duas dormem. - Me acorde quando for meio-dia, disse Cris, puxando as cobertas sobre a cabeça. - Eu acordo vocês quando voltar, suas dorminhocas! Cris resmungou e voltou a dormir. Acordou assustada quando o telefone tocou. Era sua tia Marta, dizendo para irem encontrar-se com ela para o café da manhã, na lanchonete Sundance, em meia hora. Brittany voltou da corrida, suada e sem fôlego, e as três se aprontaram rapidamente. - Ah, só corri em volta do hotel. Estava perfeitamente segura, disse Brittany, aplicando rímel com mão tremula. - Vamos lá, minha gente! gritou Jane da porta. Sua tia provavelmente já está esperando. - O quê? Sem touca de banho hoje? brincou Cris ao passar por Jane. As três garotas foram depressa para o elevador. Marta já estava esperando à entrada da lanchonete. Ao lado dela estava o casal que elas haviam visto na noite anterior. As três seguraram o riso e ficaram cabisbaixas. Logo que sentaram, Marta expôs os planos do dia. Passariam um tempo na piscina
descansando e depois sairiam para fazer compras. O jantar seria às seis e meia, no restaurante mexicano favorito do Bob. - Isso é que é vida! exclamou Jane para Cris, pouco depois, à beira da piscina. Deitadas ao sol nas espreguiçadeiras, uma garçonete servia-lhes chá gelado. - Nunca estive num lugar desses antes, disse Jane. Adorei! - Vocês não vão entrar? gritou Brittany, segurando-se na beira da piscina e jogando um pouco d'água nelas. - Eu vou! exclamou Cris. Vamos, Jane? As duas entraram devagar, no lado mais raso, e nadaram com Brittany. Marta, à sombra de um guarda-sol, apenas olhava. - Onde ela arranja tanta energia? perguntou Jane, depois de dar algumas braçadas e observar Brittany que continuava nadando. - Lembra? Não falei que ela está tomando aqueles comprimidos pra emagrecer? disse Cris. Ah não, murmurou em seguida consigo mesma. Por que só lembro de jogar fora aquele vidro de remédio controlado quando minha bolsa não está comigo?
Brittany saiu da piscina pelo lado fundo. - Vocês se importam se eu entrar primeiro e tomar um banho? - Pode ir. Nós vamos daqui a pouco. Cris jogou-lhe a chave do quarto. Marta ficou observando o corpo esquelético de Brittany, enquanto ela ia saindo, de biquini. Depois que ela foi embora, Marta falou sem rodeios: - Acho que sua amiga está magra demais. Nunca vi uma adolescente com os ossos do quadril tão salientes quanto ela. Não me parece saudável. E o traseiro!? Ela quase não tem nada para segurar o maio!
- Nós já percebemos, disse Jane num sussurro, enxugando-se com a toalha. Estamos achando que ela precisa de ajuda. Tem uns problemas estranhos com comida. - Já li sobre esse problema que algumas garotas têm, disse Marta, com seu jeito direto. Ela precisa de orientação profissional para superar isso. Essas desordens alimentares são muito comuns e perigosas. Graças a Deus a Cris não tem esse tipo de problema! Você sempre teve um bom apetite, não é, minha querida? Cris não sabia se o comentário era uma crítica ou um elogio. - Bem, disse Jane, eu ficaria muito chateada se algo de mal acontecesse com ela, como, por exemplo, se ela ficasse doente. O que a gente deve fazer? - Deixe comigo. Eu resolvo isso, declarou Marta, apressando as meninas para irem se aprontar para a tarde de compras. Cris ficou preocupada com o que a tia iria fazer. É verdade que tinha boas intenções, mas já havia criado dificuldade para Cris diversas vezes. Como será que ela pretendia ajudar a Brittany? Uns vinte minutos mais tarde, Marta dirigia pelas ruas de Palm Springs, como se estivesse em sua própria cidade. Levou as garotas a várias pequenas butiques, onde foram muito bem atendidas. Marta sugeriu a Cris que comprasse um vestido preto de malha, com cintura baixa e várias camadas de babados na barra. Brittany disse que havia visto o mesmo modelo na revista Seventeen, e Jane disse que ele dava a Cris a aparência de uma moça de dezessete anos. Ótimo! A última coisa de que preciso é um vestido que me envelheça! O que é que meu pai vai dizer!
Entretanto Marta insistiu e, no final, acabaram saindo da butique com o vestido, meias de náilon que combinavam e grandes brincos pretos com dourado. Cris e Jane sentaram-se atrás no carro, e Jane cochichou:
- Você pode usar esse vestido quando sairmos com Rick e Greg! Cris deu uma risadinha forçada. Quando é que vou começar a bater o pé e insistir no que realmente penso e sinto? Quando é que vou parar de deixar que todo mundo tome decisões por mim? Nem gostei do modelo!
Em seguida foram ao shopping Desert Fashion Plaza. Assim que entraram na loja Saks, Cris percebeu que Marta iria gastar muito dinheiro ali. Sua tia parecia uma ave, que de repente chega ao seu lugar de origem. Pela maneira como desfilava entre as roupas, Cris podia imaginá-la tirando os cartões de crédito e abanando-os como um rabo de pavão. Desta vez vou decidir por mim mesma! pensou Cris.
As três moças entraram no vestiário luxuoso, acompanhadas da atendente, que vinha com os braços carregados de vestidos para elas provarem. Cris foi a primeira a colocar a cabeçapara fora do provador. - Venha aqui querida. É a blusa "Liz Claiborne"? Não da para ver o conjunto todo, insistia Marta. Ah, sim! exclamou ela quando Cris saiu. Gosto muito desse rosa-choque em você. É bem marcante. Cris olhou sua imagem no espelho. Alguns meses atrás, teria engolido cada palavra da tia, junto com a elegância e a empolgação que acompanhavam um passeio daqueles. Mas dessa vez forçou-se a tirar suas próprias conclusões sobre a roupa. Não gostou. Não, não e não.
- Não sei, disse com cautela. Não sou um tipo de pessoa ousada. Acho que prefiro a cor pêssego. A tia parou um instante, batendo o indicador de leve na boca. - É, acho que tem razão. Fica muito bem de pêssego. Especialmente numa tonalidade mais forte, salmão. - Gosto desta cor aqui, disse Cris, mostrando uma camisa pêssego-claro, em tom
pastel. O que acha? Marta piscou como se estivesse sentindo-se ofendida, mas depois abrandou a expressão e, com uma risadinha, disse: - Não importa o que acho. Você decidiu por si mesma. E isso é muito bom, Cristina. Você comparou com suas amostras de cores? Cris entrou novamente no vestiário, abriu a bolsa e vasculhou-a procurando o jogo das amostras de cores que recebera de uma especialista, nas férias, com um guia das cores que melhor combinavam com seu tipo. A especialista havia dito para Cris que ela nunca deveria usar uma cor que não estivesse naquele jogo de amostras. Se conseguisse achar na bagunça de sua bolsa! Achou. E que alívio! Pêssego-pastel combinava perfeitamente. - Absolutamente adorável! Cris ouviu a tia falando com suas amigas fora do vestiário. No momento em que saia da cabine, ouviu-a dizer ainda: - Escutem aqui, quero comprar um conjunto novo para cada uma. Escolham o que quiserem. É um presente meu. - Mesmo?! disse Jane, com um gritinho surpreso de satisfação. Isso é muita bondade sua! Mal posso acreditar! - Não precisa, replicou Brittany. Meu pai me deu o cartão de crédito dele, caso eu quisesse comprar alguma coisa. - Mas deixe-me comprar para você, querida. Quero fazer isso. Você gostou desse conjunto que está vestindo? - Bastante. Estava pensando em levá-lo, respondeu Brittany. - Então está resolvido. Eu compro para você, declarou Marta. Fica bem em você, embora o short esteja meio folgado atrás, não acha? Oh, não! pensou Cris. Agora vem o método sutil de minha tia lidar com o problema de peso da
Brittany!
- É o menor tamanho que eles têm, respondeu Brittany. Gosto dele soltinho assim. Me faz parecer mais magra. - Querida, você já está magra demais! Quanto está pesando? Brittany recuou. - Não sei. Não tenho-me pesado ultimamente. - Na minha opinião, meu bem, você deveria engordar uns quilinhos. Comece a comer um pouco de pão com manteiga, que é bom para a saúde. De repente, Marta virouse para Jane. - Com seu cabelo preto, querida, você não deve usar uma tonalidade tão escura perto do rosto. Aqui, experimente esta blusa verde-limão, Jane. É uma cor maravilhosa, não acha? O resto da tarde e à noite, Marta continuou no controle de tudo. Ela insistiu que Cris usasse seu novo vestido preto e, embora as outras garotas e Bob fizessem todo tipo de elogio, Cris não se sentia autêntica. Sua impressão era que Marta estava tentando transformá-la em outra pessoa, e não sabia como essa "outra pessoa" deveria falar, sentar ou sorrir. Bob conhecia pessoalmente os donos do restaurante mexicano onde foram jantar, e perguntou ao garçom se era "Joaquín" quem estava no comando de tudo aquela noite. Instantes depois um homem alto e bonito, de cabelo preto, veio à mesa, e Bob levantou-se para cumprimentá-lo calorosamente. - Como vai, Roberto? perguntou. E Marta, cada vez que a vejo está mais linda! Marta estendeu a mão, que Joaquín beijou, olhando em seguida para as três garotas. - E quem temos aqui? Você tem escondido o ouro, Roberto! - Joaquín, quero que conheça minha única sobrinha, Cristina, e suas amigas Jane e
Brittany. Joaquín apertou a mão de Brittany. - Lindo cabelo, disse. Como o sol dourado sobre a areia do deserto. Cumprimentando Jane, disse: - Você tem um sorriso que ilumina a noite mais escura. - Cristina, Cristina, disse, enrolando o "r" com teatralidade. Você tem olhos que matam. Nunca vi olhos como os seus. Basta olhar uma vez para esses "olhos que matam" para ser cativado para sempre. Cris abaixou a cabeça e ficou com o rosto vermelhinho. - Quanta inocência, disse Joaquín a Bob. Isso é lindo numa mulher. Mudando de tom e falando com todos à mesa, disse: - Hoje, meus amigos, vocês têm que experimentar as enchiladas de siri. São o máximo. - O que vocês acham? perguntou Bob. - Eu só quero meia porção de tostada de galinha comguaca-mole, disse Marta. Brittany, não faça cerimônia, sim?! Peça o que quiser, acrescentou. As três garotas e Bob pediram asenchiladas de siri. Cris achou-as deliciosas. Para um prato mexicano, até que tinham um sabor suave, e vinham cobertas de queijo. Depois do jantar, Cris sentia-se tão farta, que achava que nem ia conseguir ficar de pé. O garçom veio tirar os pratos, e disse: - Seu jantar hoje é cortesia da casa, senhor. Aceitam mais alguma coisa? - Meninas? perguntou Bob. - Eu não conseguiria comer mais nada! disse Jane. As outras concordaram. - Estamos satisfeitos. Dê ao Joaquín meus agradecimentos, disse Bob, entregando ao garçom uma nota de cinquenta dólares. - Obrigado, senhor, disse o garçom, com uma expressão de surpresa estampada no
olhar. - Robert, repreendeu Marta em voz baixa. Você não acha que exagerou na gorjeta? - Era a menor nota que eu tinha. Além do mais, o jantar foi de graça, disse ele, virando-se para Cris e suas amigas, que estavam com os olhos arregalados. - E agora, meninas, que tal um cinema? - Desde que não tenhamos de comer pipoca! disse Jane. Estou estourando! - E você, Brittany, perguntou Marta, sem rodeios. Comeu o suficiente? - Sim, obrigada. Para Cris, o som da voz de Brittany parecia de um robô a responder as perguntas óbvias de Marta. Ficou-se questionando se sua voz soava assim, fria e sem educação, quando respondia a tia em ocasiões em que ela a perturbava. - Então, vamos, Robert! Chegando ao cinema, descobriram que os ingressos estavam todos vendidos, e a sessão seguinte era às dez e meia. Depois de muito conversar, resolveram voltar para o hotel e dormir. Todos se encontrariam no saguão para um brunch, pela manhã, se até lá tivessem vontade de comer. As garotas ficaram descansando no quarto, assistindo à televisão, sentindo-se empanturradas e preguiçosas. Brittany foi ao banheiro, e Jane correu para abaixar o volume da TV. - Escuta, sussurrou para Cris. O barulho era fraco, mas parecia que Brittany estava vomitando. - Ela está fazendo aquilo de novo! cochichou. - Pra dizer a verdade, estou com vontade de fazer o mesmo, depois do tanto que comi! disse Cris. - É, mas hoje à tarde ela já tinha vomitado, quando voltamos da piscina. Achou que
eu não tinha escutado, mas eu escutei. - Ela me disse que não estava mais fazendo isso, disse Cris. - Acho que temos de ajudá-la. Isso não é normal, Cris. E depois de tudo que sua tia falou lá na piscina, estou preocupada mesmo. - O que podemos fazer? argumentou Cris. Cada vez que tento conversar com Brittany, ela mente. Não sei o que fazer. - Vamos tentar falar com ela sobre o assunto, sugeriu Jane. Naquele momento, a porta do banheiro se abriu, e Brittany voltou ao quarto. Percebeu que as meninas tinham tirado os olhos da televisão e estavam olhando para ela. - O que foi? perguntou. Tem alguma coisa errada? Cris não sabia o que dizer. Olhou para Jane. Ela era corajosa. Saberia o que dizer. - Brit, o negócio é o seguinte. Sabemos que você tem tentado emagrecer e tudo, e já emagreceu bastante. E muito rapidamente. Brittany ficou parada, o rosto totalmente sem expressão. - E... bem, continuou Jane, estamos preocupadas porque sabemos que tem vomitado muito e isso não é bom pra você. O rosto de Brittany se abrandou. - É que passei o dia todo com uma dor de estômago terrível, disse. Não quis dizer nada pra não estragar o passeio, as compras e tudo mais. E depois, no jantar, aquelas cnchiladas estavam deliciosas, mas me fizeram mal! - Nós podemos fazer alguma coisa pra te ajudar? perguntou Jane, com o rosto refletindo uma sincera preocupação. Quer que a Cris veja com o tio dela se ele tem algum remédio para o estômago? Brittany estava sentada na beirada da cama e soltou um pequeno gemido. - Na verdade, replicou, estava pensando em ir até à farmácia pra comprar um AlkaSeltzer. Quando saí pra correr hoje de manhã, passei por uma mais ou menos a uma
quadra daqui. - Vou falar com meu tio pra levar você, disse Cris, pegando o telefone. Qual o número do quarto deles? - Não! Por favor, não, insistiu Brittany. Não quero incomodá-los. É provável que já estejam dormindo. E depois de todas as coisas que sua tia me disse hoje, a última coisa que quero na vida é irritá-la. Eu mesma vou à farmácia. - Não pode ir sozinha! protestou Jane. - Já fui hoje de manhã. - Era diferente. Era de dia. Malandros e criminosos não trabalham quando o sol está brilhando, afirmou Jane. Nós vamos com você. - Acho que não deveríamos, declarou Cris. - É só uma quadra daqui, explicou Brittany. Talvez mais perto. - Saímos ontem do quarto e ninguém ficou sabendo, retrucou Jane. Acho que a Brittany está certa. Não devemos incomodar seus tios por uma coisa mínima como um Alka-Seltzer. - Sei não, meninas, insistiu Cris. Não acho isso muito legal. Não está certo. - Olha aqui, Cris, interveio Jane, passando um pente no cabelo negro, cheio de ondas. O final de semana está só na metade. A última coisa que queremos fazer é irritar sua tia, acordando-a e perturbando seu sono de beleza. Além do mais, se fosse você que estivesse passando mal, a Brittany iria à farmácia com você. Não iria, Brit? - Sem dúvida. Só vamos demorar uns cinco minutos. Eles nunca vão saber. Você não precisa vir conosco, Cris. Cris odiava momentos como aquele! Nunca era capaz de tomar decisões de última hora. Detestava ser a única a discordar, mas sabia que as três não deveriam sair do hotel sozinhas à noite.
- Escuta, disse Jane baixinho para Cris, enquanto Brittany procurava os sapatos no armário. É assim que nós podemos ajudar a Brittany. Foi você quem disse que devemos ser amigas dela e ajudá-la. - Eu sei, mas... - A farmácia é logo ali. Talvez até seja anexa ao hotel. Agora devemos pensar é na Brittany, não em nós mesmas! Jane calçou as sandálias e ficou ao lado da porta, junto a Brittany. - Como é? Você vem ou não? - Está bem, disse Cris de uma vez, saltando da cama. Vou só calçar o sapato. E minha bolsa, onde está? Não quero ficar trancada lá fora. Tem certeza de que é só uma quadra? - Talvez uma quadra e meia. Não é longe. Confie em mim! disse Brittany, abrindo a porta. Ela e Jane imitaram as gracinhas da noite anterior, olhando para um lado e para o outro do corredor antes de sair. - Vamos lá! sussurraram as duas para Cris. O caminho está livre! Relutantemente, ela saiu para o corredor, e a porta trancou-se automaticamente atrás dela.
Corrida No Meio Da Noite 11 - Quanto ainda falta, Brittany? Já andamos dois quarteirões?! Indagou Cris em pânico, com voz assustada. - É logo ali, descendo a rua, disse Brittany, calma. Você me surpreende, Cris. Depois que “empapelamos” a casa do Rick, pensei que você fosse profissional em aventuras noturnas em ruas escuras! Cris cerrou os dentes e deu uma olhadinha para Jane. Será que estava sendo infantil demais? O jeito geralmente despreocupado de Jane havia desaparecido. Agora a expressão de seu rosto demonstrava raiva. - Pois eu acho que é longe demais, replicou Jane. Vamos voltar e pedir ao tio de Cris que nos leve de carro. - Se vocês querem voltar, tudo bem, falou Brittany. Mas eu vou à farmácia. Olhem. É logo ali. Brittany apressou o passo e as outras a seguiram meio abobadas. Dentro da loja bem iluminada, Cris sentiu-se um pouquinho mais segura. Ao ver outras pessoas, gente normal nas filas dos caixas, a saída pareceu mais racional. Mesmo assim, o coração estava acelerado. Se seus pais soubessem dessa aventura, ela estaria em maus lençóis. Por que não desisti? Queria ter ficado no hotel. Por que estou fazendo isso?
-Aqui, chamou Jane de uma das fileiras. Que tipo de antiácido você quer? Vamos depressa, temos de voltar!
- Não sei. Olha o que eles têm aí. Eu volto já. Brittany correu como uma flecha para os fundos da farmácia. - Aonde ela vai? perguntou Cris. - Não sei, mas é melhor irmos lá ver, respondeu Jane. Encontraram Brittany no balcão de medicamentos, pegando um saquinho que o balconista lhe entregava. - O que ela está fazendo? perguntou Jane. - Oh, não! disse Cris, horrorizada. Espero que não seja o que estou pensando. - O quê? Cris aproximou-se de Brittany quando ela se afastava do balcão e confrontou-a corajosamente: - Isso aí são os comprimidos de regime de sua mãe? - O que você quer dizer com isso? respondeu Brittany, com um olhar perdido. - Brittany, repreendeu Jane. Você nem mora com sua mãe! O que está tentando fazer? O balconista permanecera parado ali, observando as garotas. Brittany armou uma cena para que o homem visse. - Não seja boba, Jane. Não se lembra de que a mãe pediu que a gente pegasse o remédio dela quando parássemos na farmácia, a caminho de casa? Brittany arregalou os olhos, tentando convencer Jane a dar prosseguimento à história. A outra não respondeu. Parecia que ia explodir a qualquer minuto. Virando-se, saiu batendo os pés pelo corredor, acompanhada por Cris. - Vamos sair daqui agora e voltar para o hotel. Não acredito que ela tenha feito isso conosco! - Agora entendi, Jane, disse Cris baixinho. Brittany deve ter deixado o vidro vazio
aqui de manhã quando foi correr. Aquela cena toda da dor de.barriga era pra nos convencer a vir com ela pegar os comprimidos de emagrecimento. - Vamos. Vamos voltar para o hotel - agora! exclamou Jane, falando alto. - Não acredito que ela tenha mentido tão descaradamente pra nós. Por que eu não disse simplesmente "NÃO"!? reclamou Cris. - Não precisamos contar pra ninguém, disse Jane, quando chegavam à frente da loja. Vamos voltar depressa para o quarto e esperar a Brittany. Se a pegarem, diremos que ela não está com a gente. - Jane, nós não podemos mentir! - Por que não? Ela mentiu pra nós! Naquele momento, Brittany apareceu, encontrando-as na frente da loja. - Aí estão vocês, disse com a maior calma. Vamos embora? Cris e Jane trocaram olhares confusos. - Você não vai comprar nada? perguntou Cris. - Não, respondeu Brittany calmamente, abrindo a porta de vidro. Jane e Cris a seguiram, ansiosas por voltar para o hotel e acabar com toda aquela confusão. De repente, uma voz atrás delas soou alta e ameaçadora: - Alto lá, senhoritas! Um homem alto, de ombros largos, e vestindo um uniforme de segurança, ordenou: - Venham comigo, senhoritas. Caladas e amedrontadas, elas seguiram o segurança até um pequeno escritório, no fundo da loja. Brittany, no começo, ficou para trás. Depois, de repente, puxou a bolsa de Cris e segurou a. alça. Cris sentia a alça apertando seu ombro, enquanto Brittany sussurrava. - Não precisamos passar por isso, sabe? Temos nossos direitos. Lembra-se do que a
professora Ana sempre diz? - Esqueça, Brittany. Essa foi a última vez que você me convenceu a fazer qualquer coisa. Pode ter certeza disso! O guarda empurrou a porta do pequeno escritório. Estava incrivelmente quente e abafado lá dentro. - Sentem-se! ordenou ele, apontando um sofá estreito no canto. Elas se apertaram para sentar, enquanto ele abria a porta dos fundos para deixar entrar um pouco do ar da noite. - Porcaria de ar condicionado! murmurou. Preciso perguntar algumas coisas a vocês, mocinhas. De costas para elas, ele ajustava o termostato do ar condicionado. - Vamos! cochichou Brittany, puxando Jane pelo braço e fugindo pela porta aberta. Cris deu um salto, depois sentou, e pulou de novo. - Sente-se! gritou o guarda. Ela obedeceu imediatamente. - Fique onde está! ordenou, correndo pela escuridão, atrás das duas. Cris tremeu e lutou contra a vontade de fugir. É igual a noite em que "empapelamos" a casa do Rick! Elas correram e me deixaram sozinha! Que é que eu f aço? O que vai acontecer!
Tremula, respirou fundo. Não acredito que isto esteja acontecendo comigo! O que é que eu faço?
No silêncio, um pensamento veio de repente. Algo que havia lido: "Não temas". Era parte do versículo da carta de Trícia! Cris pegou o envelope no bolso lateral da bolsa e retirou o cartão. Leu pausadamente: "O Senhor é quem vai adiante de ti; ele será contigo, não te deixará, nem te desamparará; não temas, nem te atemorizes." (Dt 31.8.)
Cris sentiu uma grande calma tomar conta de seu coração, como um banho de chuveiro morninho. Leu o versículo várias vezes. A sensação confortante continuou a aquecê-la. Era como se Jesus estivesse bem ali, ao seu lado, abraçando-a e falando-lhe
baixinho. Cris não ouviu uma voz, nada disso. Mas foi o momento em que se sentiu mais próxima do Senhor, desde que o aceitara nas férias passadas. De repente o guarda apareceu na porta, suado, respirando forte. - Suas amigas devem ser experientes em fugas, disse tirando um lenço, limpando a testa e parando junto à escrivaninha. Não complique mais as coisas. Antes de mais nada, começou, qual a sua idade? - Quinze anos. Ele tirou uma caderneta e começou a escrever. - Vocês violaram o toque de recolher*. Não se pode brincar com isso aqui em Palm Springs. Como é seu nome? *Em algumas cidades dos Estados Unidos, os menores não podem sair à rua desacompanhados, à noite, após um horário determinado pelas autoridades. (N. E.) - Cris Miller, ou melhor, Cristina Miller, senhor. - Nome e endereço dos pais? Ela deu o endereço e começou a explicar, de maneira confusa, que se encontrava em Palm Springs com os tios. - Onde está hospedada? Em que hotel? - Bem, acho que é West alguma coisa... Não me recordo. Ah! Talvez esteja na chave do quarto. Com as mão suadas, Cris puxou a bolsa para o colo e tateou, procurando a chave. De repente gelou. Em vez de sentir o metal liso e frio da chave do quarto, tocou num saco de papel, produzindo um barulho característico. Era um saquinho branco de farmácia. - Posso ver isso? perguntou o guarda, pegando o pacotinho que Brittany havia enfiado dentro da bolsa de Cris, sem que ela percebesse.
- Não é meu, defendeu-se Cris. Eu não peguei isto. - Onde está o recibo? perguntou ele, pegando três vidros de laxantes. Cris deu um suspiro. - Não sei. Não são meus! - E estes, são seus? perguntou, mostrando o vidro de moderador de apetite - um remédio controlado. - Não! Não! Verdade! Não são meus! - Vamos deixar a polícia decidir isso. Continuou remexendo na bolsa, jogando o conteúdo sobre a mesa. Mexeu em sua carteira, passou o dedo pelas amostras de cores de tecido, sacudiu-as e, por último, tirou o vidro de comprimidos. Havia só dois comprimidos que chocalhavam dentro dele. Oh, não! pensou Cris, com vontade de gritar. Não! Por que não joguei fora esses comprimidos no dia em que Brittany me deu?! Não acredito que ainda estejam aí!
O guarda leu a receita e, em seguida, abriu o vidro e examinou os comprimidos na palma da mão. Os olhos de Cris se encheram de lágrimas vendo-o abrir o novo vidro dos mesmos comprimidos, e comparar os dois. - Suponho que estes também não sejam seus. - Não, senhor. Me deram isso. Mas não os tomei! Verdade! É por isso que ainda estão na minha bolsa. Estão aí há semanas, respondeu ela meio gaguejante. - Entendi, disse ele, escrevendo rapidamente em um caderno. Em seguida, pegou o telefone e conversou com uma pessoa de nome Pat. - É isso aí, Pat, falou. Tenho uma violação de toque de recolher, com possível porte ilegal. Turista. Certo. Termino o relatório até você chegar aqui. Desligou o telefone e continuou escrevendo. - Agora posso ir? perguntou Cris, humildemente.
- Ir?! Claro que não! Você foi pega, senhorita, e sua vida toda está para mudar. Fique sentadinha aí. A polícia já está vindo pra cá. Polícia?! Por quê? Eu f alei a verdade. Os comprimidos não são meus.
Cris não conseguia ficar quieta. O corpo todo tremia com as batidas do coração. Sentia o suor escorrendo, ensopando sua camisa e acumulando-se na cintura. Pensamentos confusos e terríveis se atropelavam em sua mente. Por que isso estava acontecendo com ela? Onde Brittany e Jane foram? Por que elas a tinham abandonado? A porta da saleta se abriu, e apareceu um policial gordo e baixo, com um grande bigode. - Siiiim! Quente aqui, hein?! O ar condicionado pifou de novo? - É, Pat. Como vai você? - Tudo bem. Essa é a suspeita? - Positivo. O nome dela é Miller, Cathy. - Cris, corrigiu a garota, com a voz fraquinha como o rangido de uma porta velha. Eles não estavam prestando atenção a ela. O segurança entregou ao policial os formulários que estivera preenchendo. - Tem mais duas, da mesma idade. Mas elas fugiram. Essa aqui teve juízo suficiente para enfrentar a situação. - Entendi. Cathy, qual o nome de suas amigas? - Cris, replicou, ainda com voz apertada. - Uma delas é Cris? E a outra? O policial pegou a caneta e começou a escrever na ficha de ocorrência. - Não, Cris Miller, ou melhor, Cristina Miller é o meu nome. É que o senhor me chamou de Cathy. - Tá bem, Cristina. E o nome das duas que estavam com você?
- Jane Layne e Brittany Taylor. Elas moram em Escondido. - E quem é Meriah Jasmine Taylor? - Não sei. - Tem certeza? O policial levantou o vidro de remédio e leu novamente o nome no rótulo. - Ah, deve ser a mãe da Brittany. Eu não a conheço. Eles são divorciados. Os pais dela, quer dizer, os pais de Brittany... Ela mora com o pai. Harold Taylor. - Está bem, está bem, interrompeu o oficial. Vamos então até o posto para acabar com isso. Essas acusações são vim tanto sérias. Sabe disso? Cris abanou a cabeça, negando, e olhou para ele. - Senhorita Miller, você tem o direito de permanecer calada. Caso abra mão desse direito, saiba que o que disser poderá ser e será usado contra você num tribunal de justiça... O oficial continuou recitando seus direitos, como se ela fosse uma criminosa. Parecia uma cena mal gravada de um filme antigo de televisão. - Venha comigo, disse ele. Segurou seu braço e levou-a até a viatura. Algumas pessoas que estavam no estacionamento olhavam para ela na escuridão da noite. Ela se abaixou e entrou atrás. Havia uma grade de ferro entre a parte traseira e a frente, fazendo-a sentir-se enjaulada e sem esperança. Rodaram cerca de dois quilômetros até o policial de Palm Springs. Apenas as mensagens da radiopatrulha quebravam o silêncio da noite. Cris sentia todo o corpo tremer. Seu queixo batia tanto que os dentes faziam barulho. Ela tentava continuar repetindo o versículo de novo: "O Senhor é quem vai adiante de ti; ele será contigo, não te deixará, nem te desamparará; não temas, nem te atemorizes." (Dt 31.8.) Cada vez que o
repetia, sentia-se um pouco mais forte, com a cabeça mais fria.
Entraram no saguão do posto policial e, quando o guarda parou diante do balcão da frente, ela ficou observando um quadro na parede. Já havia visto um quadro como aquele antes, de um garotinho e um policial enorme, sentados um ao lado do outro numa lanchonete. Ao que parecia, o menino tinha tentado fugir de casa, mas o homem o encontrara e estava pagando um lanche para ele. Cris nunca imaginara que viveria o papel do fugitivo. Só que o que a levara ali não parecia ter a mínima intenção de tratá-la bem! - Siga-me, disse ele, conduzindo-a por um corredor até uma sala pequena, com três cadeiras. Sente-se. Agora fale-me desses laxantes e comprimidos que estava carregando, Onde os arrumou? - Minha amiga, Brittany, enfiou na minha bolsa. Eram dela. - Mas a receita era de Meriah Taylor, não de Brittany Taylor. - Acho que... isto é, eram da mãe dela, mas a Brittany deixou os vidros vazios hoje pela manhã na farmácia e voltou à noite pra pegá-los cheios. Foi por isso que saímos depois do toque de recolher. Mas eu e Jane achamos que ela estivesse mesmo passando mal. Não sabíamos que ela estava apenas nos usando. - Vamos começar de novo. Cris foi mais devagar e relatou toda a situação, começando com a viagem para Palm Springs com os tios. Explicou que Brittany tinha-lhe dado os comprimidos havia semanas, e que ela estava carregando-os na bolsa, mas não havia tomado um sequer. - Você sabia que está de posse de drogas ilegais o tempo todo? Cris abanou a cabeça. - Não, senhor. A Brittany só disse que eram comprimidos pra emagrecer. - Comprimidos controlados. Receitados para outra pessoa, não para você. Não é brincadeira. É violação de um código de saúde e segurança, relacionado com drogas. Isso vai ficar em sua ficha.
- Mas, mas eu... - Quero que saiba que acredito que você esteja falando a verdade sobre estar apenas carregando as drogas para sua amiga, e que não tenha tomado nenhuma. Mas você está de posse dos remédios roubados e de drogas obtidas através de falsificação. Teremos de detêla aqui até contatarmos seus tios a fim de verificar a história. Cris estava completamente parada, mas sua mente agitava-se de modo frenético. Lembrou-se das ilustrações na escola dominical, quando o Pedro Incrédulo derrubou facilmente a Katie Cristã, puxando-a para seu nível. Como isso acontece depressa! E se eu tivesse tomado o remédio como Brittany queria? Se tivesse dito "não", hoje à noite, e ficado no hotel, nada disso teria acontecido!
Então lembrou-se de Lillian dizendo que a gente enlouquece se ficar pensando "Se pelo menos..." Tenho de crer que Deus está no controle das coisas, mesmo agora! Um guarda levou Cris para tirar as impressões digitais. Passaram todos os seus dedos numa tinta preta, e ela ficou ali, olhando para os dedos sujos, sentindo-se imunda. Como era mesmo aquele versículo da escola dominical? "Não vos enganeis; as más conversações corrompem os bons costumes." (l Co 15.33.) Sentiu-se "corrompida", e tentou limpar a
tinta preta com uma toalha de papel áspero. Uma policial, chaves tilintando no cinto, conduziu Cris por um corredor de celas. Pararam numa pequena sala com uma máquina fotográfica. A mulher mandou Cris ficar em pé sobre uma marca no chão, e um braço mecânico moveu-se à sua frente. Todo o seu corpo se estremeceu quando percebeu que nele havia um número. Um número de presidiário, em preto e branco. Olhou para a frente, e a câmera fotográfica disparou um flash fortíssimo. Virou-se de frente para a parede, e uma segunda fotografia foi tirada. Nunca, em toda sua vida, sentira-se assim: totalmente humilhada, completam ente incompreendida, suja, feia e má. Este momento doloroso estava sendo gravado, documentado e registrado com foto. Foi horrível.
- Os responsáveis pela suspeita chegaram, disse o oficial, enfiando a cabeça na saleta. Eu a levarei. Cris foi conduzida novamente ao saguão, onde Bob, Marta e Jane estavam sentados num banco. Ela aproximou-se receosa, cabisbaixa. Então viu Brittany em pé ao lado, de cabeça erguida, com um aspecto tranquilo, calmo e confiante. - Cristina Juliet Miller! disse Marta, saltando do assento. Espero que você saiba bem o problema que nos causou! Correndo no meio... - Eu cuido disso, Marta, disse Bob, estendendo a mão e apertando de leve o ombro de Cris. Você está bem? Ela confirmou com um aceno, olhos cheios de lágrimas. - Desculpe, tio Bob. Nós não devíamos ter saído do quarto. Estou tão arrependida! - Muito bem, disse o policial chamado Pat, aproximando-se com um maço de papéis na mão. Tenho certeza de que vocês estão ansiosos por esclarecer tudo. Vou falar com as meninas, uma de cada vez. Jane, quero conversar primeiro com você. O jeito geralmente brincalhão de Jane, de quem acabou de chegar do Taiti, havia desaparecido. Quando seguiu o policial pelo corredor, parecia tão abalada quanto Cris. Brittany parecia totalmente indiferente. Permaneceu de pé e olhava pela porta da frente, para a escuridão da noite, como se estivesse prestando atenção a algo que acontecia lá fora. Estava totalmente desligada. Cris sentiu pena dela. Queria tanto ser sua amiga e ajudá-la! Mas talvez, a essa altura, Brittany precisasse de algo mais que uma amiga. - Você disse a verdade ao policial? perguntou Marta, agarrando e enfiando as unhas no braço de Cris. - Ai! Marta soltou. - Diga-me, querida, o que foi que aconteceu?
- Eu disse tudo que sabia. Falei a verdade. Brittany virou-se para Cris com o olhar mais cheio de ódio que ela já vira. - É claro que ela falou a verdade! defendeu Bob. Eu nunca esperaria de Cris outra coisa que não fosse a verdade. O olhar do tio, suas palavras e seu abraço inundaram Cris de um consolo do qual precisava desesperadamente. Sentiu-se aliviada e mais relaxada. Como se todas as tampas de suas emoções tivessem finalmente sido removidas, Cris inclinou-se, segurou a cabeça entre as mãos e chorou à vontade. - O que é que aconteceu com ela, Robert? O que você fez com a pobre menina? perguntou Marta. - Deixe a menina chorar, Marta. Deixe-a chorar. Marta levantou-se e andou calmamente até Brittany. Colocou a mão de unhas perfeitamente cuidadas nas costas da garota e acariciou seu cabelo longo. - Brittany, querida, começou Marta com doçura. Há alguma coisa sobre a qual você queria conversar antes do interrogatório? Cris levantou a cabeça e enxugou os olhos, procurando ouvir com atenção a resposta de Brittany. - Não. - Querida, sei que você entende que isso é muito importante, e que estamos aqui para ajudá-la no que for possível. Brittany afastou-se, mas Marta não desistiu. Estava acostumada a forçar a barra para que sua vontade fosse feita. Falando com firmeza, com a cabeça erguida, olhando diretamente para Brittany, disse: - Você sabe que esse problema é muito sério? Você precisa de ajuda profissional, menina.
Brittany afastou-se devagar, como uma cobra prestes a dar o bote. Aí inclinou a cabeça para a frente, e soltou uma risada alta e insolente. Atônita, Marta procurou apoio em Bob. Ninguém sabia o que fazer ou o que poderiam esperar dela no próximo instante. Brittany continuou rindo até as lágrimas descerem pelo rosto. Marta ficou em silêncio total. O policial voltou com Jane e falou para Brittany acompanhá-lo. Limpando as lágrimas e ainda rindo sozinha, a jovem acompanhou o policial Pat. - Que é que ela tem? perguntou Jane. - Não sei, respondeu Cris, enxugando os olhos com um lenço de papel oferecido por Marta. O que aconteceu com você? - Ele me perguntou um monte de coisas, e falei o que sabia. Ele disse que acreditava em mim, e foi tudo. - O que aconteceu depois que vocês saíram da farmácia? Jane sentou-se ao lado de Cris no banco e olhou para cima, para o quadro do menino com o guarda. - Sempre gostei desse quadro. Meu pai tem um livro grande de reproduções de quadros desse artista. Bob virou a cabeça para olhar. - Normam Rockwell, disse. Gosto demais desse ilustrador. - Jane! insistiu Cris. Esqueça o quadro e conte o que aconteceu! - Primeiro a Brittany agarrou meu braço e me tirou daquele escritório. Acho que poderia ter-me soltado dela, mas não sabia o que fazer. Depois nos escondemos atrás de uma caçamba de lixo nos fundos da loja e esperamos lá até o segurança entrar novamente. - Por que fez isso? - Não sei. Por que fizemos tudo isso? Aconteceu tão depressa... Eu queria voltar para o hotel, mas aí lembrei que não estávamos com a chave. Então a Brittany falou "Ah, é? Estamos sim!" e mostrou a chave do quarto, dizendo que você tinha dado para ela. - Eu não dei! Ela tirou da minha bolsa e deixou no lugar o saquinho da farmácia.
- Está brincando! - Não, não estou brincando! É por isso que fiquei nessa enrascada toda. Eles pensaram que eu é que estava usando as drogas controladas. Além do mais, tinha três caixas de laxantes no saco, que ela certamente não pretendia pagar. - Então ela ia roubá-las? - Parece que sim. Pelo menos foi disso que o guarda me acusou quando chamou a polícia. Jane encostou a cabeça na parede. - Que confusão! Brittany assegurou que eles soltariam você porque é menor. Nunca pensei que chamariam a polícia. - E então, o que vocês fizeram? Correram de volta para o hotel e pensaram que eu voltaria dançando? Muito obrigada! - Não, espere! Deixe-me terminar. Nós fomos quase correndo para o hotel. Brittany não queria, mas fui imediatamente ao quarto de seus tios, chamei-os e contei tudo pra eles. - Então eu e Jane fomos de carro direto para a farmácia, mas eles disseram que você tinha sido trazida para cá, completou Bob. Voltamos ao hotel, pegamos Brittany e Marta e viemos para cá. Jane me contou tudo, Cris. Não seja tão dura consigo mesma. Está claro que a culpa é toda de Brittany. Vocês só cometeram o erro de não dizer "não" quando realmente deveriam. - O que será que vai acontecer com ela? perguntou Cris. - Talvez você devesse pensar no que vai acontecer com você, Cristina. Isso não é uma brincadeira, repreendeu Marta. O policial entrou no saguão, sem Brittany e faloulhes. - Muito bem, a história foi confirmada. As acusações contra sua sobrinha são mínimas. Isso constará na ficha dela - posse de drogas e suspeita de furto - mas poderá ser retirado quando ela completar dezoito anos. Uma coisa dessas não deve estragar a vida de
uma adolescente para sempre. Agora se mostrava mais manso, mais humano. Não se parecia mais tanto com um "buldogue", como antes. - E a Brittany? perguntou Cris. - E eu? perguntou Jane. - Bem, Jane, você fez a coisa certa ao contatar os adultos. A única acusação contra você é de violação do toque de recolher. Diante das circunstâncias, deixamos passar. - O senhor vai ter de telefonar para meus pais ainda hoje? - Já o fiz. Eles disseram que poderíamos liberá-la sob a guarda dos tios de sua amiga aqui. Estamos segurando a Brittany até que consigamos contatar o pai dela. Parece que ele não se encontra em casa. A idéia de a polícia telefonar para seus pais deixou Cris apavorada. Corajosamente, ela perguntou: - Os senhores ligaram para os meus pais? - Sim, e eles não ficaram muito contentes com a situação. Bem, acrescentou o policial, olhando o relógio, é quase meia noite. Vou falar com o sargento para ver se podemos soltar a Brittany ainda hoje. Ela terá de se apresentar perante um juiz para o julgamento, dentro de um mês. - Ela vai ter de voltar para cá? perguntou Bob. - Não. Será no tribunal da Comarca de índio. Provavelmente ela comparecerá no juizado de menores. Minha opinião é que eles exigirão que ela se matricule num programa de tratamento para o seu problema de alimentação. Talvez a coloquem em condicional e exijam que faça algum serviço comunitário. - Será que o programa vai ajudar a resolver o problema dela? perguntou Cris. Estou muito preocupada com ela.
O policial parou um instante e respondeu, demonstrando na voz uma sensibilidade que até então não havia deixado transparecer. - Deixe-me dizer algo sobre anorexia e bulimia. A filha de meu irmão tinha dezesseis anos quando a internaram em um hospital. Ela estava pesando trinta e sete quilos e meio no dia da internação. Ficou lá durante meses. Parecia estar gostando. Estava numa ala cheia de pessoas com o mesmo problema que ela. Além disso, havia um psiquiatra com quem podia conversar sempre que quisesse. Meu irmão gastou milhares de dólares no tratamento, mas ela morreu assim mesmo. Encontraram-na caída no chão do banheiro, com uma caixa de laxantes que alguém conseguiu passar para ela. Era uma moça linda. Poderia ter tido um grande futuro... concluiu ele, com voz embargada. Cris e Jane olharam uma para a outra, em silêncio, chocadas. - Eu sabia que era coisa séria, disse Marta. Tentei falar com essa menina, mas ela simplesmente não escutava. Que isso seja uma lição para vocês duas! falou, olhando para Jane e Cris. - Garotas como ela precisam de ajuda, disse o oficial. É como se estivessem sempre ouvindo uma voz dentro delas, que lhes diz que são gordas e precisam emagrecer. Elas acham que, se forem bem magras, poderão fazer, ter e ser o que quiserem. Virando-se para Jane e Cris, ele continuou: - Estou certo de que as duas tinham boas intenções; tentavam ajudar sua amiga. Mas o fato é que ela precisa de um tipo de ajuda que vocês duas não podem dar. Se não se importam que eu lhes dê um conselho, sugiro que pensem duas vezes antes de deixar outra pessoa conduzi-las a situações perigosas. Poderia comprometer todo o seu futuro.
Uma Simples Palavra 12 O som da Mercedes tocava uma música que Bob acompanhava, cantarolando-a. Marta folheava uma revista em silêncio. As três moças permaneciam caladas no banco de trás. Ninguém abria o bico. Cris observava o cenário monótono do deserto. À luz da manhã, a paisagem ganhava diversas tonalidades de âmbar. O calor já subia do asfalto como cobras coloridas, encantadas pelo sol. Naquele momento deveriam estar passeando de balão de ar quente ou de teleférico, ou então estar aproveitando a piscina do hotel; não voltando para casa. Tinham arrumado as malas depressa, e saído cedo do hotel. Na noite anterior, o sargento concordara em soltar Brittany sob a guarda de Bob, desde que ele a levasse de volta para o pai, no dia seguinte. Na mente de Cris passavam-se cenas de pesadelo. Imaginava o que os pais lhe diriam quando chegasse em casa. Será que eles entenderiam? Fechou os olhos e orou. Tentou lembrar do versículo que Trícia mandara e repetiu-o diversas vezes. Por volta de onze horas, Bob estacionava em frente à casa de Cris. Corajosamente ela abriu a porta e viu os pais, a mãe de Jane e o pai de Brittany, sentados à mesa da cozinha. - Onde está Brittany? perguntou o Sr. Taylor, saltando da cadeira. - No carro, respondeu Cris, procurando ver no rosto dos pais alguma indicação de como a tratariam.
Sentia-se fraca e vazia, com vontade de correr para abraçá-los e receber conforto e segurança. Ao mesmo tempo, queria que eles entendessem que ela não era mais um bebe e que aprendera muito com a experiência. Queria que soubessem também que agora, mais do que nunca, poderiam confiar nela. Resolveu nunca mais seguir a cabeça de outras pessoas. O Sr. Taylor correu para o carro, cumprimentando primeiro o Bob. Os velhos amigos apertaram as mãos e conversaram rapidamente. Brittany desceu do carro, e Jane saiu logo depois. Cris ficou observando, e viu o Sr. Taylor apressar a filha para entrar no seu BMW. Parecia nervoso. Zangado. Envergonhado. - Vejo vocês outra hora! gritou ele, partindo em seguida. Bob tirou as malas do carro. Reinava um silêncio desconfortável. - Parece que estragamos o final de semana, disse Jane a Bob, com um olhar arrependido. A mãe de Jane cortou a tensão com uma boa risada. - Céus! Quando garota eu fiz coisas muito piores do que sair do hotel no meio da noite. Graças a Deus nenhuma de vocês se machucou. Jane e Cris entreolharam-se. - Nós também damos graças a Deus por isso, disse Jane, respondendo pelas duas. Agradecendo a Bob, Marta e Cris, Jane seguiu a mãe até o carro. Seu jeito alegre começava a reaparecer na sua maneira de andar. Assim que o carro de Jane e sua mãe subiu a rua, a mãe de Cris convidou Bob e Marta para entrar, oferecendo café a todos, enquanto se apertavam em volta da mesa da cozinha. Não aguento esse suspense! pensou Cris. Por que não dizem alguma coisa?
O lábio inferior formigava, e ela percebeu que o estivera mordendo nas últimas duas
horas. Finalmente seu pai tocou no assunto. - Cris, o que você tem a dizer? Ela queria chorar, mas lutou contra as lágrimas. - Estou muito arrependida. Sei que nunca deveríamos ter saído do quarto do hotel. Foi uma grande besteira, e eu devia ter convencido minhas amigas a não fazer isso. Todos os quatro fitavam-na. Sua vontade era entrar numa máquina do tempo e voltar atrás vinte e quatro horas. Teria agido de maneira bem diferente. - Pessoalmente, acho que Brittany é a culpada nesse caso, interrompeu Marta. Ela está enrolada num mundo de problemas e puxou as outras duas para baixo com ela. Estou aliviada porque ela vai ter a ajuda de que necessita. - Foi um mau negócio, sob todos os aspectos, disse Bob. Fiquei orgulhoso da Cris. A polícia deu um susto grande nela, mas ela provou que seu coração estava no lugar certo. - É, mas o cérebro não estava não, anunciou David do corredor. - David! Vá brincar lá fora. Agora mesmo! ordenou seu pai. O garoto saiu correndo, e Cris não quis olhar para ele. Nos quinze minutos que se seguiram, os adultos discutiram a série de eventos ocorridos. Cris sentia-se uma mera espectadora. Uma vez esclarecidos os fatos, a mãe de Cris virou-se para ela e perguntou: - Diga-nos o que você aprendeu com tudo isso. - Aprendi que tenho de dizer "não". E que preciso escolher minhas amizades com cuidado. Cris achava estranho ter a atenção de todos voltada para ela. - Conheço algumas pessoas com mais de quarenta anos que ainda não aprenderam isso, disse Bob, com um sorriso confortante. Eu diria que o final de semana não foi uma
perda total. - Aprendi também, acrescentou Cris, que não importa o que me acontecer, o Senhor sempre irá adiante de mim e estará comigo em todo tempo. Ela sentia um pouco mais de coragem, e de certeza de que sua promessa das férias passadas, para Jesus, fora verdadeira e duradoura. Ninguém disse nada, Será que não concordavam com ela? Será que seus pais, seu tio e sua tia entendiam o que ela estava dizendo? Tudo lhe parecia tão claro. - Contudo, começou seu pai, ajeitando-se na cadeira, existem consequências. Nas próximas duas semanas, você não poderá sair para lugar nenhum, a não ser para ir à escola. Nenhuma atividade social, entendeu? Cris acenou que sim, engolindo em seco. Tinha achado que o castigo seria ainda pior. Embora seus pais não tivessem falado claramente, ela sabia que eles estavam do seu lado em tudo isso. Naquela noite, ao escrever sobre esse fim-de-semana, em seu diário, disse o seguinte: A única coisa que vai ser difícil nesse castigo é não poder ir a igreja e ver o Rick. Nunca vejo ele na escola. Àquela tarde que fomos à Pizza Hut foi o melhor dia pra mim, desde que mudamos pra cá. Rick provavelmente já se esqueceu de tudo. Talvez até já tenha outra namorada quando eu sair do castigo. Por que os rapazes agem assim? Eles parecem interessados na gente e, depois, se esquecem completamente que a gente existe. Como o Ted. Nunca me esquecerei dele. Jamais. Mas aposto que se ele me visse agora nem se lembraria do meu nome. Se os rapazes não fossem assim tão esquisitos. Se pelo menos eles...
Cris parou de escrever. Havia caído de novo no erro de pensar: "Se pelo menos..." Sabia que se entrasse nisso, acabaria deprimida. Guardando o diário, escreveu um bilhete para Trícia. Você não imagina o quanto aquele versículo que você me enviou me ajudou. Veio numa hora em que eu
precisava muito mesmo. Muito obrigada por ter pensado em mim e tirado um tempo pra me escrever.
Fechou e selou o envelope; então pegou um cartão de aniversário, atrasado, para Paula, que dizia: "Algo nos separou...". Dentro dizia "... alguns milhares de quilômetros! Espero que seu aniversário tenha sido feliz no seu fim de mundo". Cris havia comprado o cartão na loja de presentes do hotel, naquela manhã. Parecia perfeito para Paula. Escreveu um pouco sobre o que estava acontecendo, mas sem entrar em muitos detalhes. Não tinha certeza se ela entenderia, então preferiu encurtar o assunto. A última linha foi: Estou ansiosa pra que cheguem as férias pra você vir aqui. Vamos nos divertir pra valer. Sinto muito a sua f alta. Beijos, Cris.
A última carta que escreveu foi para Alissa. Por alguma razão, sentia mais liberdade de contar para Alissa toda a enrascada de Palm Springs. Também falou-lhe sobre o versículo bíblico que Trícia tinha escrito no cartão, e como aquele trechinho da Palavra de Deus a havia ajudado e lhe trazido conforto quando mais precisava. Então escreveu: Você me perguntou por que eu estava dando tanta importância ao fato de haver entregado minha vida a Jesus, se ele morreu, como Buda ou Maomé. Bem, aí é que está! Jesus não está morto. É verdade que ele morreu na cruz, mas depois ressuscitou e continua vivo até hoje. É uma coisa que não dá pra explicar, mas ele vive dentro de mim. É tão real quanto as outras pessoas com quem convivo. Não o conheço tão bem quanto quero, mas estamos nos conhecendo melhor a cada dia. Eu sempre orei (conversei com Deus). Mas agora estou começando a lera Bíblia, que é o mesmo que ouvir a voz dele. Você devia começar a ler a Bíblia e procurar uma boa igreja pra frequentar aí em Boston. Vou começar a orar pra que encontre outros cristãos que sejam fortes como o Ted, e que possam explicar tudo isso pra você. Beijos, Cris.
Colocando todas as cartas no chão, ao lado da cama, Cris entrou debaixo dos lençóis cheirosos e limpos. Equilibrou o ursinho Puff sobre os joelhos, sentindo-se aliviada, leve e revigorada, como se tivesse colocado tudo em ordem. Estava pronta para começar vida
nova na escola, no dia seguinte. - Olhe aqui, Puff, repita comigo: não, não, não e não! Quando estiver em dúvida, fuja. Não, não, não e não... Na manhã seguinte Jane, o cabelo escuro, encaracolado, mais parecendo uma guirlanda de orquídeas negras, encontrou Cris no corredor. - Sabe de uma coisa? indagou com um gritinho animado. Você acredita que o Greg me convidou para o jogo de home-coming* da próxima sexta-feira? Dá pra acreditar? *Tradicional nos colégios nos Estados Unidos, os jogos de "homecoming" são os mais importantes do ano. É quando ex-alunos e alunos competem, e os melhores jogadores são selecionados para ganhar bolsas de estudo em faculdades. (N. da T.) - Que ótimo! Mas não foi meio de última hora não? Jane não respondeu. Ficou com o olhar distante, parecendo estar com o pensamento muito longe... Cris sentiu que ela ficaria desligada um bom tempo. Depois da aula, Cris abriu o escaninho e tirou seus livros. Subitamente sentiu alguém lhe dar um tapinha nas costas. Virou-se de repente, e seus livros voaram como se fossem pesos arremessados por um atleta. Olhou para os livros-esparramados no chão, aos pés de alguém de tênis branco. Levantando a cabeça devagar, viu uma calça jeans Levis, um casaco azul e dourado, chegando enfim aos olhos castanhos que só podiam ser do Rick. - Oi, disse ela rindo. Acertei você? Foi sem querer. Isto é, eu não vi... - Já pensou em competir no atletismo? brincou Rick. Você faz um arremesso de peso! Cris enrubesceu. - É, parece que você tem uma semana cheia pela frente, disse Rick com um sorriso, ajudando-a a pegar os livros. - Não exatamente, replicou Cris.
- Você só quer parecer estudiosa, certo? Cris sentia que estava corando ainda mais. Suas bochechas na certa deviam estar vermelhinhas. - Você vai dar uma parada nos estudos para assistir ao homecoming, na sexta-feira? perguntou Rick, encostando o braço no armário. A garota abaixou a cabeça. - Não. Não vou não, respondeu ela, na esperança de que ele não perguntasse por quê. Era vergonha demais admitir que estava de castigo. - Não vai nem ao jogo para ver a gente vencer o "Vista High"? Cris olhou-o, hesitante, e abanou a cabeça. - Vamos fazer o seguinte: Que tal eu pegar você depois do jogo e irmos à festa do homecoming? sugeriu Rick, com voz grave e forte. Cris arregalou os olhos azul-esverdeados, quase sem acreditar no que estava ouvindo. Ele estava convidando-a para sair! O que deveria responder? - Rick, começou Cris, procurando as palavras certas. Eu realmente gostaria de sair com você. Mas, sabe ... bom, meus pais só me darão permissão pra sair sozinha com um rapaz depois que eu completar dezesseis anos, disse ela, respirando fundo. Imediatamente ela sentiu-se tomada de pânico. Será que ele vai me achar infantil? Será que estraguei tudo contando isso? Fitou o livro que estava segurando e, devagarinho, foi levantando
o olhar novamente. Rick não se mexeu. - Talvez essa seja uma das coisas que tanto admiro em você, disse ele, com um sorriso largo. Cris arregalou ainda mais os olhos, encarando-o atentamente. - É a sua sinceridade. Acho que as garotas mais lindas são as mais inocentes. Cris quase não acreditou no que ouvia. O coração disparou. Esse é o tipo de coisa
que toda moça sonha ouvir de um rapaz! Será que ele estava sendo sincero? - Então, disse Rick, mudando os livros para o outro braço. Quando é o seu aniversário? Cris riu. - Só em julho. Vinte e sete de julho. - Então só faltam oito, nove meses? Vale a pena esperar esse tempo por uma garota como você. Cris não sabia o que fazer. Queria abraçá-lo e dizer que essa fora a coisa mais maravilhosa que alguém já lhe falara. Queria dizer também que o achava o cara mais fantástico da face da terra. Contudo nenhuma palavra lhe vinha à boca. Tentava pensar em algo inteligente e legal para falar, mas só conseguia sorrir, engolir em seco, e sorrir novamente. - Você vai à igreja domingo? perguntou Rick. - Sim. Minha família inteira vai. Hoje cedo meu pai disse que achava que já era hora de procurarmos uma boa igreja, e lhe contei que gostei muito da sua. - Ótimo. Bem, preciso ir. Vejo você no domingo, se não antes. - Tudo bem. A gente se vê depois. Rick deu um sorriso e virou-se para ir embora. De repente, voltou e disse: - A propósito, posso telefonar para você uma hora dessas? - Claro! - Você não é jovem demais para receber telefonemas, é? brincou. Cris sentiu seu rosto ficar vermelho novamente. Nenhum rapaz a havia feito corar tanto. - Não! respondeu rindo. - Muito bom! disse ele, inclinando a cabeça e dando alguns passos para trás. Peguei seu número no cartão da igreja. Ligo para você qualquer hora.
Cris voltou para casa como se estivesse flutuando numa nuvem. Durante uma hora e meia ficou relembrando a conversa, tudo o que Rick dissera, como ela reagira... Jane tinha dito que ele falava bonito, e falava mesmo! Cris achou maravilhoso. Ted nunca iria dizer aquelas coisas para ela. Rick a havia convidado para sair. Parecia um sonho! Mas por que ela sempre tinha de ficar vermelha? Na próxima vez que conversasse com ele, estaria mais confiante. Mais firme. David veio do quintal onde estava brincando e, entrando em casa, olhou para Cris, deitada no sofá, com o olhar distante. - Que é que você está olhando? Nada. O que você está fazendo? Ah, só sonhando um pouco. O garoto afastou-se abanando a cabeça. O telefone tocou, e Cris saltou do sofá, mas David já havia atendido. - Alo, disse ele. Sim, ela está aqui. Cris agarrou o telefone da mão do irmão e, cobrindo o receptor, perguntou-lhe quem era. - Sei lá. Um cara. O coração de Cris disparou quando encostou o fone no ouvido. Com confiança, ela disse: - Olá, Rick? - Rick? perguntou a voz masculina do outro lado. Cris esforçava-se para tentar identificar a voz vagamente conhecida. - Alo? disse rapidamente. - A Cris está? - É Cris falando. - Olá, Cris, como vão as coisas?
Foi então que reconheceu a voz: era de Ted! - Ted? perguntou, quase sem acreditar. - É. Como vão as coisas? - Ted! Não acredito! Como está? - Comigo está tudo bem. - Como conseguiu meu número? - Telefonei para o seu tio. - Onde está? - Na Flórida. Na casa de minha mãe. - Bem, o que... quer dizer, como... quer dizer, bem, é só que estou surpresa em ouvilo, porque você nunca escreveu nem nada. Arrependeu-se no momento em que disse isso. - É, bem, é que não sou muito de escrever. Não como você. Suas cartas são incríveis. É como se eu estivesse aí, falando cara a cara com você. - E então? O que anda acontecendo? Faz tempo que não tenho notícias suas. Cris contou rapidamente sobre o problema com Brittany, em Palm Springs. Ele escutou com atenção e depois disse: - É, as amizades são assim mesmo. Ou elas levantam a gente ou derrubam de vez. - Sei exatamente o que você quer dizer, respondeu ela. Tomei algumas decisões importantes e assumi uma posição de dizer "não" às pessoas e às coisas que são más influências sobre mim. Pensou que Ted ficaria orgulhoso de sua decisão. - Parece legal, disse o rapaz, fazendo uma pequena pausa c continuando: Você já começou a dizer "sim"? - "Sim"? Mas a quê? - Para o Senhor.
Às vezes Cris achava difícil entender o jeito de pensar do Ted. - Não sei se entendi bem o que você quer dizer, respondeu ela com cautela. Detestava parecer ignorante, mas adorava ouvir os pensamentos profundos dele. - Quando me converti, explicou ele, comecei a dizer "não" a tudo: às drogas, às festas, aos velhos amigos, enfim a tudo. Logo, logo acabei ficando totalmente isolado. Sentia-me o cara mais esquisito da face da terra. - E daí? - Foi aí que entendi que precisava começar a dizer "sim" pra algumas coisas. Na verdade, dizer "não" é um bom começo, mas ficar vazio não satisfaz, Então comecei a dizer "sim" a Jesus. - Como assim? - Sabe, passei a procurar viver de acordo com os princípios de Deus. Primeiro, comecei a orar, depois a ler mais a Bíblia, Foi então que aprendi bastante sobre Deus. A maneira como ele age geralmente é o oposto do meu modo de agir. Depois fiz amizade com algumas pessoas que eram crentes de verdade e, antes que me desse conta, em lugar do vazio que havia ficado quando disse "não", minha vida encheu-se de coisas para as quais Jesus estava-me ensinando a dizer "sim". - Entendi, disse Cris, tentando coordenar todas aquelas idéias. Ted provavelmente percebeu que ela estava um pouco confusa, porque acrescentou mais uma de suas famosas ilustrações. É como aquela viagem para o Havaí, de que lhe falei, lembra? Claro, nunca vou-me esquecer dessa história! - Então, imagine que você esteja dentro de um grande navio, com tudo de que precisa a bordo. Eu não disse tudo que quer, mas tudo de que precisa. Você embarcou com um monte de malas e sacolas cheias de coisas inúteis que costumava usar quando
estava em terra. Entendeu? - Sim, continue. - Então você tenta entrar em sua cabine, mas não consegue passar pela porta com todas aquelas malas e sacolas. Mas você não quer soltar nada. Fica só olhando, enquanto as outras pessoas nadam, comem e jogam vôlei, mas pra você está tudo péssimo. A viagem está uma porcaria porque você está carregando uma bagagem inútil e super pesada. Não consegue fazer mais nada. E aí que resolve desfazer-se de toda aquela tralha. Joga tudo no mar. Foi o que eu fiz quando disse "não" à maconha, às festas e ao meu jeito de viver. Está entendendo? - Sim. - Mas veja bem. Isso não basta. Só dizer "não" é o mesmo que esvaziar as mãos e ficar parado, enquanto tantas coisas maravilhosas estão acontecendo à sua volta. Se você for convidada pra jantar à mesa do capitão, ou jogar vôlei, ou o que seja, deve aceitar. É assim também com relação a ler a Bíblia e envolver-se em uma boa igreja, junto com outros crentes fiéis. Então, você entendeu? Ò dizer "não" é apenas um lado da vida cristã. Se quisermos aproveitar a viagem, temos de começar a dizer "sim". Cris deu um suspiro. - Ted, não sei como você consegue tantas ilustrações legais, mas gostei muito! Você foi a pessoa que mais me ajudou a entender o significado real do cristianismo. - É por causa do tipo de cérebro que tenho. Eu raciocino melhor utilizando ilustrações. Cris riu e disse: - Gosto muito das suas histórias. - É. Acho que Jesus também gostava de fazer comparações. A maior parte do tempo ele ensinava os amigos contando histórias. Você já leu o livro de João? - Não.
A verdade, nua e crua, é que ela quase não lera a Bíblia que ele lhe dera. Mas agora tencionava começar a ler um pouco a cada dia. - É um dos meus prediletos. Nesse livro há muitas dessas narrativas interessantes. Houve uma breve pausa meio embaraçosa. Por alguma razão, os dois ficaram momentaneamente sem assunto. Cris tentava pensar em algo para dizer. Não queria que ele desligasse. Ainda não! - Ah, sim! disse Ted. Eu telefonei foi pra contar que a minha mãe vai-se casar de novo. Cris não sabia o que responder. - Ah, parabéns, ou, sei lá o que a gente diz numa situação dessas... - O casamento será em dezembro, e depois eles vão mudar-se pra Nova Iorque. - Você também vai pra Nova Iorque? - Eu não. Só minha mãe e o namorado. Vou voltar a morar com meu pai. Na praia de Newport. - Está brincando! disse Cris, quase gritando. Quando?! - Nas festas do fim de ano. - Que ótimo, Ted! - É, é legal. O que estou mais ansioso pra fazer é ir pra praia em alguma manhã de inverno e preparar um café da manhã na areia. Eu e Sam fizemos isso uns dois anos atrás. Queimamos os ovos, mas o bacon saiu gostoso. Não há nada como a praia no inverno. Quase gosto mais do que no verão. Fica totalmente deserta, exceto por alguns surfistas mais durões e um milhão de gaivotas. - Ted, isso é fantástico! Estou louca pra te encontrar de novo! - É. Vai ser bom ver você. Olha, tenho que desligar agora. Me faça um favor,
procure aprender a fazer ovos mexidos, está bem? - Tudo bem. Por quê? - Assim a gente vai ter uma comidinha legal quando formos tomar o café da manhã na praia. Cris deu uma risada. - Está bem, vou treinar sempre que tiver oportunidade. - Tchau, Cris, e olha: comece a dizer "sim" pra Jesus. Ele é o melhor amigo que se pode ter. - Vou fazer isso. Tchau, Ted. Ela esperou ouvir o "dique" do outro lado da linha. Então desligou e foi direto para o quarto. Seu irmãozinho sapeca estava na porta da cozinha. - Quem era? perguntou ele. Cris agarrou-o e plantou-lhe um beijo estalado na bochecha. - Eca! reclamou ele. Cris deu uma risadinha e fechou suavemente a porta do quarto. Rodopiou duas vezes, afofou o travesseiro, abraçou o ursinho Puff, e recostou-se na cabeceira da cama. Com o coração transbordando de alegria, Cris ergueu o rosto e fitou o teto, sorridente. Então, imaginando que Jesus, seu melhor amigo, havia enchido o quarto com sua presença, fechou os olhos e sussurrou uma única palavra: "Sim".
FIM