Série Cris Coisas do Coração
Editora Betania Digitalização: deisemat www.portaldetonando.com.br/forumnovo/
COISAS DO CORAÇÃO 4
ROBIN JONES GUNN
Os Sonhos Têm Um Preço 1
Ô lê-lê, ô lá-lá Os Cougars vêm aí
Botando pra quebrar Cris Miller terminou o grito de guerra dando um longo salto. As outras meninas notaram quando ela se desequilibrou ligeiramente no final. - Dá um tempo, Cris! gritou uma das garotas. Isso é só um ensaio! - Eu sei, respondeu Cris, afastando o cabelo castanho do pescoço suado. Mas só faltam duas semanas para o teste final, Renée. Tenho de me esforçar muito, se quiser ficar igual a vocês. Renée, com seus cabelos pretos e olhos escuros, com as mãos na cintura, disse alto para as outras ouvirem: - Desista! Você não tem jeito pra líder de torcida, Cris Miller. É uma principiante! Nunca vai alcançar nosso nível! Cris baixou os olhos azul-esverdeados e tirou a franja da testa. - Gente do primeiro colegial pode tentar como todo mundo. Sua Intenção era que a declaração soasse firme e ameaçadora, mas para Renée tinha o efeito de um gatinho indefeso, dando uma de valente. - Você só chegou até aqui por causa do Rick Doyle. As palavras de Renée espetavam como lança. Mas em vez de doer, deixaram Cris meio confusa. - Não vem com essa cara de inocente, continuou a outra. Nós sabemos que tem alguma coisa entre você e o Rick. - Entre mim e o Rick? Somos muito amigos, se é o que você quer dizer, replicou Cris.
Detestava o jeito como todo mundo a olhava. Não tinha bem certeza do que a Renée queria dizer. - É, tá certo. Apenas amigos. Coleguinhas, disse a jovem com cinismo. É por isso que o cara mais popular da escola fica junto duma garota miúda que pensa que vai ser a estrela da torcida do ano que vem. Aposto que, se o Rick não tivesse vindo com você para o ensaio no primeiro dia, nem tentaria competir. O coração de Cris batia em disparada. Sentia um nó na garganta. Por que Renée a criticava assim? - Vamos lá, Renée, interveio outra garota. Deixe-a em paz. Não é culpa dela se o Rick não dá bola pra você. - Quem pediu sua opinião, Teresa? indagou Renée, virando-se furiosa para a outra menina, que juntava seus objetos para ir embora. - É Teri, disse ela por sobre os ombros. Só a minha avó me chama de Teresa. "Teresa Angelina Raquel Moreno", falou Teri imitando uma voz estridente com forte sotaque espanhol. E você não é minha avó, Renée. Pode me chamar de Teri, como todas as minhas amigas. O cabelo comprido de Teri balançava com seus passos. Era óbvio que não se sentia ameaçada pela Renée do jeito que Cris sentia. Renée lançou um olhar fulminante sobre Cris. Sua expressão era de desdém. - Você não está à altura, Miller, insistiu. Não tem categoria pra estar na torcida organizada, e definitivamente não está à altura do Rick Doyle.
Dando uma pirueta exagerada em estilo de cheerleader*, Renée saiu do campo acompanhada por duas de suas amigas. *Cheerlander (literalmente “animadora de torcida”): garotas que nas escolas americanas são escolhidas para animar suas torcidas nos jogos da sua escola. Tem certa semelhança com as “balizas” das escolas brasileiras. (N.E.) Puxa! Por que todo esse escândalo? pensou Cris, sentindo as mãos e os lábios tremerem. Qual o problema dessa menina? Que será que fiz pra ela me tratar assim? Logo que chegou em casa, telefonou para sua melhor amiga, Katie, e contou-lhe o incidente. - Qual o problema da Renée? perguntou à amiga. - É o Rick. Ela gosta do Rick. Você não sabia? respondeu Katie com sua voz alegre e segura. - Katie, quase todas as meninas do Colégio Kelley gostam do Rick. Ele e eu somos apenas bons amigos. Você sabe disso. - Claro que sei, mas a Renée não. Ela pensa que ele vai convidar você pra festa de formatura. - Festa de formatura! Sem essa! Por que ela pensaria isso? Além do mais, os meus pais não me deixariam ir. Papai até disse algo sobre "mau ambiente". E também ficam me lembrando o tempo todo que eu ainda não completei dezesseis anos.
- Bem, escuta essa, disse Katie entusiasmada. Ouvi dizer que a Renée convidou o Rick para o baile de formatura e ele recusou o convite. Está brincando! Por quê?! - É por isso que ela está tão brava! Ele não disse por que, mas depois que a Renée conversou com um dos amigos dele, ficou achando que ele pretende convidar você. - De jeito nenhum! Ele nunca me convidaria! Ele pode escolher entre dezenas de garotas, todas do terceiro ano. Além disso, um cara que está-se formando deve levar uma colega da mesma classe. Afinal de contas, é o último ano deles no colegial e tudo o mais. - Cris, vê se desconfia! Ele quer ir com você. O problema é que ele acha que você não aceitaria ir com ele porque só poderá namorar depois dos dezesseis anos. - Creio que não, Katie, falou ela enrolando o fio do telefone cm volta do dedo. Sou o tipo de garota que o Rick leva na gozação, continuou, e só telefona quando está entediado. Não sou o tipo popular que ele levaria à festa de formatura. Talvez esteja esperando pra ver quem tem mais probabilidade de ser escolhida a rainha da festa. É essa que ele vai convidar. Vê se acorda, menina! Não percebe o que está acontecendo? O Rick está transformando você no tipo "líder de torcida", "rainha da festa". Você é como uma massinha de modelar na mão dele. Ele vai transformá-la na namorada perfeita. - Katie, essa é a coisa mais boba que você já disse na vida!
- Boba ou não, é a pura verdade! Um silêncio frustrante pairou entre as duas. - Cris, não quero ferir seus sentimentos, disse Katie, sem a costumeira empolgação na voz. Mas se você acha que estou enganada, responda com sinceridade apenas a uma pergunta. E aqui Katie parou. - O quê? Cris sabia que embora Katie frequentemente exagerasse no seu entusiasmo, às vezes também acertava nas observações que fazia. - Pergunte a você mesma: "Será que eu teria me esforçado pra ser líder de torcida se o Rick não me tivesse convencido e me levado ao treino no primeiro dia"? - Sim, respondeu Cris imediatamente. Eu teria ido sozinha! - Não responda a mim. Responda a você mesma. Com sinceridade. Se você for sincera, acho que vai entender o que estou lhe dizendo. O Rick controla muito a sua vida, e você nem percebe. Pelo menos uns vinte minutos depois que se falaram, Cris ainda permaneceu sentada no chão do corredor com as costas contra a parede e os pés calçados de meias, tocando a parede do outro lado, vasculhando o coração, procurando uma resposta sincera à pergunta de Katie. O que mais a deixava confusa era o fato de que sempre quisera ser líder de torcida. Tinha pensado muito nisso quando anunciaram que haveria testes. Mas talvez Katie tivesse razão. No fundo, Cris nem tinha certeza de que arriscaria
candidatar-se, não fosse a insistência do Rick em ir junto com ela ao primeiro ensaio. O Ted também tinha muito a ver com o assunto. Se a Katie dissesse que o Ted exercia influência sobre ela, bom, seria outra história. Cris concordaria que o Ted sempre dava um jeito especial de desafiá-la. Sempre fora assim. Surfista alto e loiro, de olhos azul-acinzentados, ele tornara-se muito especial para Cris. Exercia forte influência sobre ela quando se tratava de coisas importantes. Apesar do Ted morar a quilômetros de distância, quando pensava no assunto ou queria definir seu relacionamento com ele, ela o considerava como seu namorado. Eles só se viam umas duas vezes por mês, mas o Ted estava no seu coração. Para sempre. Nada mudaria isso. E o que era importante para o Ted, era também para a Cris. Puxou as meias perna acima e ficou a dobrá-las e desdobrá-las, lembrandose da semana passada, a última vez que ficara assim no corredor, na noite que antecedera o primeiro ensaio para líder de torcida. Estava conversando pelo telefone com Ted. Cris tinha-lhe falado que pretendia candidatar-se a líder de torcida e ouviu-o com atenção, buscando seu incentivo e aprovação. Mas ele limitou-se a dizer apenas isto: - Acho que se você o fizer, deve fazê-lo para o Senhor. - Está querendo dizer que devo orar sobre a questão? perguntou. - Faz parte. Mas precisa estar disposta a se arriscar no seu campus e a tomar uma posição ao lado de Jesus. Se entrar para a torcida, poderá usar essa
posição para influenciar outras pessoas. Mas não poderá simplesmente se misturar à turma e esperar que alguém lhe pergunte que diferença faz termos Deus na nossa vida. Você tem de demonstrar essa diferença. Cris pensou muito nas palavras do Ted, e naquela noite escreveu no diário: Senhor, quero entrar nessa equipe de líderes de torcida para ti. Sei que o Ted está certo; se eu for líder de torcida as pessoas vão me olhar e respeitar. Isso me dará uma oportunidade melhor de dizer-lhes que sou cristã e talvez convidá-las para ir comigo à igreja. Só quero fazeo que for melhor, ser um bom exemplo para os outros. E agora, ao pensar de novo na situação, Cris eslava certa de que mesmo que o Rick não tivesse ido com ela ao primeiro ensaio, ela teria ido. Seu coração estava decidido, e como disse o Ted, ela faria aquilo para o Senhor. - Cris! gritou sua mãe da cozinha. Já desligou o telefone? O jantar está pronto. Venha pôr a mesa. - Já vou! respondeu Cris, deixando no corredor suas idéias sobre a torcida e indo arrumar a mesa. No jantar, David, seu irmão de nove anos, dominou a conversa. Cris, sua mãe e seu pai ficaram a escutar o garoto que imitava, com exagero proposital, a expressão do rosto da professora ao encontrar chicletes no apagador. Ela o achou engraçado, mas jamais lhe diria isso. Só serviria para incentivar ainda mais suas maluquices. Logo que David pediu licença e saiu da mesa, a mãe se inclinou, com um leve sorriso. Cris sabia que quando ela sorria assim, estava tentando criar um
ambiente favorável. Sabia também que a mãe estava prestes a dizer alguma coisa que provavelmente ela não estivesse com muita vontade de ouvir. - Eu e seu pai estivemos examinando o papel que você trouxe da conselheira da torcida organizada, falou ela, e decidimos que você terá de arranjar metade do dinheiro. - Metade! exclamou Cris. É mais de duzentos dólares! - Bem, começou o pai devagar, com um tom de voz firme. Será que você realmente quer entrar nisso? Está disposta a se comprometer a não faltar aos treinos e aos jogos? - Sim, replicou Cris, tentando conter as lágrimas, que teimavam em cair. - É um alvo que compensa o esforço. Mas é também um compromisso muito grande, disse o pai. E caro. Achamos que você deve assumir parte dessa responsabilidade. Cris queria protestar. Mas vocês não entendem! Tem mais coisa nisso. Não se trata apenas de atingir um alvo! Não dá pra perceberem? Preciso fazer isso pra tornarme melhor testemunha de minha fé no colégio. Como é que vou levantar tanto dinheiro assim? indagou. Você pode trabalhar como babá durante as férias. Pode arrumar serviço com alguma família que tenha crianças pequenas. Talvez possa colocar um anúncio na classe de escola dominical dos pequeninos de dois e três anos que você esteve ajudando nas últimas semanas. - 'Irabalhar de babá durante as férias?
Cris resolveu que não seria a melhor hora de anunciar aos pais que planejava passar as férias na praia de Newport com os tios Bob e Marta, como no ano passado. Nem ao menos pensara em passar as férias todas em casa, em Escondido, e menos ainda trabalhando de babá. - A decisão é sua, Cris, disse o pai. Se pensa mesmo em levar a sério esse negócio de líder de torcida, nós lhe daremos todo o apoio, e ainda acharemos um jeito de bancar metade do custo. Mas você terá de fazer sua parte também. É hora de aprender que nada é de graça. - Eu quero. Quero tentar, disse Cris. Sua mãe recostou-se na cadeira. - Antes de dar uma resposta final, por que não pensa mais um pouco sobre o assunto? E, por falar nisso, você tem muito dever de casa? - Toneladas. - Eu arrumo a cozinha, ofereceu-se a mãe. Amanhã à noite você arruma. É melhor enfrentar seus trabalhos de escola. Na privacidade de seu quarto, Cris descobriu que era impossível concentrar-se nas "toneladas" de dever de casa. Deu corda na caixinha de música de San Francisco e ficou olhando o bonde subir o morro enquanto tocava I left my heart in San Francisco (Eu deixei meu coração em San Francisco). Queria saber onde deixei o meu coração... Sinto-me empurrada em muitas direções. Tornar-se líder de torcida era um sonho importante; um alvo. Sabia que mais tarde poderia olhar para trás, e dizer: "Consegui. Esforcei-me muito e
atingi meu alvo!" Além do mais, como dissera o Ted, ela poderia dar testemunho de Cristo. Mas nunca imaginara que teria de levantar metade do dinheiro! E trabalhar de babá durante as férias todas para conseguir! Uma hora atrás, resolvera que faria o teste para líder de torcida, mas agora teria de tomar uma decisão ainda mais séria: será que o desejava tanto a ponto de estar disposta a trabalhar para conseguir? Torceu com mais força e determinação a corda da caixinha dr música. Sem esforço algum, o bondinho partiu em sua viagem gratuita até o cume do morro de vidro.
As Meninas Do Lê-Lê-Lê-Ô Não Desistem Nunca
2
Nunca fora fácil para Cris tomar decisões. Havia três dias que ela hesitava entre fazer ou desistir do teste para líder de torcida. Suas pernas doíam de tantos saltos que dera no ensaio, e Renée e algumas das outras garotas aproveitavam toda oportunidade para lembrá-la de que ela estava "abaixo" das outras. Todos os dias dizia a si mesma que não valia a pena, que ela deveria desistir e não treinar. No entanto, todos os dias ela ia, o coração ainda dividido, querendo uma boa razão para ficar, e disposta a aceitar uma boa razão para desistir. Na hora do almoço, procurou o Rick. Ele a incentivara indo com ela ao treino do primeiro dia. Talvez pudesse transmitir o impulso de confiança de que ela precisava. Encontrou-o no meio da costumeira turma de colegas do terceiro ano. Muniu-se de coragem e aproximou-se do grupo. Vendo-a, Rick chamou: - Ei, le-le-lê-ô!
Cris lançou-lhe um olhar esperando demonstrar seu constrangimento e o desejo de que ele viesse falar-lhe em particular. O rapaz entendeu o recado e se afastou dos outros. - Não me diga! disse Rick, olhando-a de cima, envolvendo-a com seus olhos cor de chocolate e dirigindo-lhe um sorriso brincalhão. Você "dançou" na prova de Matemática. - Não, murmurou ela. A prova é amanhã. É outra coisa. - Seus pais, então. Eles querem mudar-se para a Romênia, porque lá o aluguel é mais barato. Ela riu. - Não, Rick, é uma coisa que estou tentando resolver. Um bando de estudantes passava de ambos os lados, tornando difícil a conversa por causa do barulho. - Bem, a resposta é vermelho. - O quê? - Se estiver tentando descobrir qual a melhor cor pra você, é o vermelho. Você fica ótima de vermelho. Cris olhou-o sem responder. Não adiantava. E ela que pensara que ele a entenderia. - Esqueça, disse ela, encaminhando-se para fora. Naquele instante o sinal tocou. - Espera aí! gritou Rick, e correu atrás dela, segurando-a pelo cotovelo.
Cris olhou para ele sem saber o que dizer. Não estava zangada. Só confusa. O seu jeito gozador fazia com que o dilema dela parecesse sem importância. Tentou pensar num bom jeito de perguntar: Rick, você acha mesmo que devo fazer o teste pra ser líder de torcida? Parecia uma pergunta boba e sem propósito. Não conseguia pensar num jeito de fazer a indagação de modo que parecesse um problema sério. - Encontro você aqui depois da aula, está bem? disse Rick com firmeza, e soltou seu braço, aguardando uma resposta. - Não é nada... - Esteja aqui. Depois da aula. Rick foi se afastando de costas, apontando para o lugar onde ns dois estavam conversando. Virou-se então e correu para o edifício de Ciências. Cris também se virou de repente, e acabou trombando com um rapaz que se dirigia para a lata de coleta carregando saquinhos de lixo. - Ora, cuidado! Tarde demais. Uma lata de suco esbarrou no seu braço, deixando uma enorme mancha vermelha na sua camiseta cor-de rosa. - Desculpe, disse o rapaz, apressando logo o passo. Cris percebeu que teria de tentar limpar-se e que chegaria atrasada a classe. Mas a situação piorou quando ouviu a voz zombeteira da Renée atrás dela: - É a sua cor, Cris. Você fica muito bem de vermelho. Cris virou-se e encarou Renée, que lhe deu as costas, como se não tivesse dito nada, e foi embora.
Lágrimas ardentes escorreram rápidas pelo rosto de Cris. Chega! Não dá mais! Não vou ficar suportando os desaforos da Renée. Não vou me candidatar. Nem agora, nem nunca. Jamais! Não vale a pena. Era exatamente isso que iria dizer ao Rick. Suas emoções continuaram agitadas após a aula. Queixo firme, passo rápido, Cris abriu caminho entre o emaranhado de mesas, pronta para dar a notícia ao Rick. Lá estava ele esperando, calmo, confiante, alheio a toda a agitação que envolvera Cris naquela tarde. - Como vai a minha Lê-lê-lê-ô? gritou de onde estava. - Não sou uma Lê-lê-lê-ô, e queria que você parasse de me chamar assim. - Você vai ser, falou Rick, e alisou seu cabelo castanho ondulado e mudou os livros para o outro braço. Com as pernas que tem, você só pode ganhar. Cris deu-lhe um olhar de desdém e bateu-lhe de leve no braço. Rick deu risada. - O que há de tão engraçado? perguntou ela na defensiva. - Você. Você me mata de rir! Basta! Cris se voltou na direção oposta à do Rick, com a mesma determinação com que se tinha aproximado. - Espera um pouco. Pare! gritou Rick, indo atrás dela. Cris não parou. Mas Rick, sim. Deteve-se e disse com firmeza: - Pensei que tínhamos parado com essa brincadeira. Sabe como é: você foge e eu corro atrás. Cris parou, mas não se virou, para não ter de encará-lo.
- Venha cá, disse Rick, aproximando-se dela. Puxou-a para junto de uma mureta de tijolo onde colocou seus livros. Tomou os de Cris e colocou-os também ali, enquanto ela se sentava no muro. Rick sentou ao seu lado e, com voz firme, perguntou: - Agora faça o favor de me dizer o que está acontecendo? - Nada. É verdade! Ela se sentia tão imatura! Por que se perturbava tanto com uma coisa dessa? Por que se afastava dele desse jeito? - Vamos lá, Cris! Você se lembra de como as coisas ficaram estranhas entre nós após o Natal? Cris acenou que sim. - E não se lembra da longa conversa que tivemos, quando resolvemos que seríamos amigos, acontecesse o que acontecesse? “Nada mais de fingimentos", foi o que você disse. E então, o que está acontecendo? concluiu Rick, cruzando os braços sobre o largo tórax. Cris baixou os olhos, piscando para afastar as lágrimas. - Desculpe-me, Rick. É esse negócio de líder de torcida... - O que é que tem? - Renée tem razão. Não tenho jeito pra líder de torcida. Não vou fazer a prova. - Vai sim! afirmou Rick. Cris não olhou para ele.
- Mesmo que eu passe no teste, meus pais disseram que terei de levantar metade do dinheiro. Como vou conseguir isso? -Você dará um jeito. - Não vale a pena. - Vale sim. Ficaram ali sentados, imóveis e em silêncio por alguns instantes, enquanto Cris tentava conter uma lágrima. A voz de Rick ganhou um tom suave e mais persuasivo. - Se há uma coisa de que tenho certeza sobre você, Cris Miller, é que não é pessoa de desistir. Você é melhor do que qualquer daquelas garotas, e sabe disso. Não pode deixar a Renée derrotá-la. Ela quer irritá-la só pra você desistir. Não deixe, não! Tem de si esforçar ao máximo. Tem de tentar. Prometa-me que vai dar tudo de si. Cris olhou para ele, os olhos já limpos, a boca entreaberta num leve sorriso promissor. - Está bem, Rick, vou tentar. - Puxa, garota! disse Rick, abanando a cabeça e fitando-a. Se você soubesse como fica quando faz assim! - Faz o quê? - São seus olhos. Você tem uns olhos de matar, Cris. Um jeito todo especial de olhar para um cara. Você nem imagina o que faz com a gente. Cris sentiu o sangue subir-lhe ao rosto. Com um pouco mais de ousadia que de costume, ela disse baixinho:
- Bem, Rick, você tem um jeito de usar as palavras certas e fazer uma garota se sentir como massinha. - Como massinha? - Sim, de modelar. Macia e flexível. - Pois bem, Olhos-de-Matar, você faz o mesmo com um cara quando o brinda com esse olhar todo inocente e feliz. De brincadeira, Cris piscou várias vezes seguidas e, imitando a voz de uma personagem de filme, perguntou: - Quer dizer assim, Rick? - Não, falou Rick com expressão séria. É por isso que seu olhar é lindo: você nem sabe o que é. É natural em você; é sua inocência. Não tem muitas meninas nesta escola com esse seu jeito. Olharam um para o outro e Cris sentiu-se aquecida, energizada, e bem mais animada como há muito tempo não se sentia. - É melhor você ir, disse o rapaz, senão se atrasará para o treino. - Obrigada, Rick, respondeu ela, impulsivamente, dando-lhe um abraço de amigo. Rick retribuiu o gesto. Cris avistou Renée a alguns passos, olhando-os chateada, e por isso continuou segurando no Rick, mesmo depois que ele se soltou dela. Rick então colocou os braços em volta de Cris e, só para fazer graça, fingiu que iria derrubá-la do muro. Mas em seguida segurou-a e ajudou-a a manter o equilíbrio.
Os dois riram e, olhando pelo canto do olho, Cris notou que Renée tinha desaparecido. No ensaio, Cris entrou com tudo, procurando compensar, com entusiasmo, a sua falta de experiência. Toda vez que olhava para o lado de Renée, esta lançava olhares ardentes de cólera na sua direção. Se a treinadora não estivesse presente, Renée seria capaz de atacá-la e arrancar-lhe os olhos, pensou Cris. Não tinha importância. Iria esforçar-se ao máximo. Não era de desistir. Tinha tomado a decisão, e agora não podia mais voltar atrás.
Românticas Esperançosas
3
Cris mal conseguiu ler o dever de casa de História. A cabeça transbordava de idéias sobre a função cobiçada. Ia imaginando toda a sequência de passos e malabarismos que pretendia executar na prova de sexta-feira. Imaginava-se vestindo o saiote e a blusa azul e dourada que a escola prometera a todas as meninas que se submetessem à prova. A treinadora dissera que todas se vestiriam igualmente para que a aparência não influenciasse os juizes. Colocou o livro de lado e liberou um espaço no meio do quarto. Mirandose no espelho da porta do closet, ensaiou todos os passos, certificando-se de que o sorriso brotado em seus lábios era o maior e o mais radiante que tinha a oferecer. Já dissera a si mesma inúmeras vezes que era só fazer o melhor que pudesse, que ela conseguiria. O que lhe faltava em coordenação podia ser compensado pelo entusiasmo. Afinal de contas, ela tinha "olhos de matar", não tinha?
Com uma das mãos na cintura e a outra no ar, punho cerrado, imobilizou-se diante do espelho, avaliando atentamente os olhos, o sorriso, e a postura. Gostou do que viu. Com mais um salto vigoroso, imaginou estar pulando em frente dos juizes. - Cris? era sua mãe batendo na porta do quarto e abrindo-a devagar. Você ainda está saltando? São mais de nove horas e seu pai já caiu no sono. - Desculpe! disse Cris, baixinho. - Terminou o dever? - Mais ou menos. - Cris, você já teve bastante tempo para terminá-lo. Não gosto do jeito como esse treinamento tem afastado você dos estudos. Se suas notas baixarem, não vamos permitir que seja líder de torcida. Entendeu? - Sim. - Está bem. Apronte-se para dormir. Acordo você amanhã bem cedinho, quando seu pai estiver saindo para o laticínio. Aí você termina o dever. Ser acordada às 5:30 da manhã, para estudar História, seria um bom castigo para criminosos, pensou Cris, quando a mãe a chamou na manhã seguinte. Mal conseguiu manter os olhos abertos à mesa da cozinha. O livro permaneceu ao lado da sua tigela de cereal como se fosse uma múmia seca. - História é tão maçante! reclamou com a mãe, que se serviu de café e veio sentar-se ao lado dela. - Não era para as pessoas que a viveram, disse a mãe.
- E por que temos de estudar isso hoje? Que importância tem7 O rosto da mãe parecia completamente desperto, e Cris pensou que devia ser pelos muitos anos que vivera na fazenda, onde sempre se levantava com o dia ainda escuro. - O problema da História é que devemos aprender com as decisões certas e erradas que os povos do passado tomaram. Então nós, como nação, poderemos arriscar decisões mais acertadas, baseando-nos no que sabemos. - Hã? - Acho que você ainda não acordou, Cristina. Acordou? Com um bocejo capaz de engolir o mundo, Cris murmurou: - Quero voltar pra cama. - Por que não toma banho e se apronta? Você ficará mais desperta. Já terminou os exercícios de Álgebra? - Quase tudo. - Falo sério, Cris, quando digo que você não pode perder nota por causa desse negócio de torcida. - Eu sei, eu sei! Vou tomar banho. Minha blusa vermelha está limpa? - Sua blusa vermelha? Hoje vai fazer calor como ontem, respondeu a mãe. Vai ser quente demais para usar blusa de frio. Cris levantou e se afastou da mesa. - Eu tenho alguma outra roupa vermelha? - Por quê? - Ah! esqueça. Vou procurar alguma coisa pra vestir.
Levou vinte minutos, mas decidiu, finalmente, a colocar um vestido que havia muito não usava: um branco, de algodão, com gola de renda larga - roupa de verão. Depois de ter ficado tanto tempo no fundo do armário, ele precisava ser passado. Se sua mãe estivesse certa e aquele fosse mais um dia quente de maio, estaria refrescada e bem vestida, como as garotas ricas da escola, pensou Cris. Raramente trajavam jeans e possuíam grande variedade de acessórios para o cabelo, combinando tudo que tinham no guarda-roupa. Cris puxou o cabelo para trás, prendendo-o com uma fivela coberta de pérolas. Estava pronta para o que desse e viesse naquele dia. - Cris! chamou a mãe da porta do banheiro, onde ela aplicava rímel nos cílios interiores sem deixar manchas. Você tem de sair dentro de cinco minutos. - Cinco minutos?! exclamou ela enfiando o rímel no estojo. Ainda não terminei meu dever! - O que você andou fazendo nessas últimas duas horas? - Tomei banho, arrumei o cabelo e tive de passar o vestido... Abriu a porta do banheiro, exibindo o visual. - Nossa! exclamou a mãe. Você parece que vai à igreja ou a uma festa! Naquele instante o telefone tocou e David atendeu. Cris ouviu-o dizer: - Claro, cara! Quando você vai me levar pra andar de skate de novo? Ha? É. Ela ainda tá aqui. Cris correu para o telefone. Só podia ser o Ted. Tomou o fone das mãos do irmão e deixou que a voz saísse leve e bonita como ela se sentia. - Bom dia!
- Olá! Como vão as coisas por aí? Era Ted, e sua voz tranquila fazia com que Cris se sentisse como das outras vezes, cheia de expectativas pela hora em que o veria novamente. - Você tem de trabalhar neste fim de semana? perguntou ela. - Amanhã. Pensei em dar uma chegada aí hoje à noite, para ver você, se não houver problema com sua família. - Claro que não! Você sabe que é sempre bem-vindo. A que horas pretende chegar? Venha jantar conosco! - Às cinco e meia está bem? - Claro. - Legal. Vejo você mais tarde. - Tchau, Ted. Tenha um dia maravilhoso! Mas ele já havia desligado. Sempre desligava antes. Ainda segurando o telefone, Cris deixou a imaginação preencher as lacunas, já que a conversa do Ted sempre era curta e ele ia direto ao assunto. Seus pais gostavam muito do Ted. Seu irmão o adorava. Certa vez ele viera num sábado, e passara várias horas andando de skate com o David; depois ajudara seu pai a pintar um cômodo. A pós o jantar, ele fora lavar a louça, e Cris pegara um pano de prato para enxugar, percebendo que essa talvez fosse a única hora que ela poderia passar a sós com ele. - Mãe, disse Cris. Hoje o Ted vem jantar conosco, está bem? - Ele vem? A que horas? - Cinco e meia. O.K.?
- Legal! gritou David. Ele vai trazer o skate? - Não perguntei, mas quando ele chegar, não implore pra ele ficar o tempo todo com você, tá bem? O menino soltou uma risada marota ao passar pela irmã, e pegou o lanche em cima da mesa. - Mãe, reclamou Cris, pode pedir ao David para não ficar chateando o Ted como ele sempre faz? - Eu não chateio! - Chateia sim! - Chega! interveio a mãe. Vocês dois vão se atrasar para a escola. - Mãe? perguntou Cris, sem ligar para o fato de que estava-se atrasando. Eu estava pensando, falou e parou um instante. Eu estava pensando se... bem, você acha que o papai me deixaria ir à festa de formatura com o Ted, se ele me convidar? Já que este é o último ano dele na escola... - Cris! Me perguntar uma coisa dessas quando deveria estar saindo por aquela porta? - Mas você acha que o papai faria uma exceção, se for com o Ted? - Nem vou tentar responder por ele. Agora vão, os dois! Durante a primeira aula, que era de História, Cris ficou só pensando na possibilidade de ir à festa de formatura com o Ted. Comprar um vestido novo. Arrumar o cabelo... Sentia-se uma verdadeira Cinderela.
Quanto mais pensava nisso, mais lhe parecia um sonho realizável. Um sonho que tinha de acontecer. Afinal de contas, o Ted iria formar-se e ela era a pessoa mais provável de ser sua namorada. Estendeu o braço direito sobre o livro de História aberto e ficou mexendo o braço devagarinho. Sua pulseira de chapinha de ouro reluzia cheia de promessas. Cris passou os dedos de leve sobre as palavras gravadas: "Para sempre". Ela já tinha feito isso muitas vezes, desde que o Ted lhe dera a pulseira na passagem de ano, e conhecia de cor o toque. Puxa! Como as coisas vão bem pra você, disse Cris para si mesma. Ela tinha o Rick como bom colega na escola e na igreja. E tinha o Ted. Sempre o teria. Sabia bem disso. Temos de ir à festa de formatura! É uma dessas lembranças que se guardam "para sempre" e que um casal como nós precisa ter. O sinal tocou e a lição enfadonha acabou. Os alunos levaram para casa a incumbência de ler dois capítulos de História, no final de semana. Cris agarrou os livros e correu para avistar-se com Katie junto ao armário dela; lugar onde geralmente se encontravam. - Vestido bonito! disse Katie, os olhos verdes examinando cada detalhe da roupa. Qual a festa? - Katie, pareço uma garota prestes a ser convidada para a festa de formatura? - Entendi. Você acha que, se parecer talhada para o papel, sua fada madrinha vai distingui-la no vasto oceano das românticas esperançosas, todas
ansiando por um convite para a festa de formatura, disse Katie, torcendo dramaticamente o punho no ar e sacudindo seus cabelos cor de cobre. Ela escolherá você dentre todas e fará com que seu desejo se torne realidade, simplesmente porque você parece merecer isso. Cris riu baixinho e olhou em volta, esperando que ninguém tivesse percebido a exibição da amiga. - A gente pode sonhar, não pode? - E o que dizer daquele pequeno detalhe: seus pais? - É nisso que tenho esperança. Perguntei à minha mãe hoje de manhã, e o que ela respondeu não foi exatamente um "não". Quer dizer, primeiro ele teria de me convidar, claro, mas eu falei que, como este é o último ano dele no colegial... A estridente campainha interrompeu Cris. Ela encerrou, então, dizendo: - Não faz mal a gente estabelecer metas elevadas, faz? - Não; e isso seria ótimo! Você acha que seus pais deixariam mesmo? Se eles deixarem, então eu vou convidar o Leo pra ir comigo! comentou Katie, rindo com o entusiasmo de sempre. Cris arregalou os olhos para a amiga. - Será que ele iria com você? Mas o que estou dizendo! Claro que sim! Katie, convide-o! - Primeiro vamos ver se você vai poder ir. O corredor começou a esvaziar-se.
- Nossa! gritou Katie, vamos nos atrasar! Ligo pra você depois da aula. Espero que faça boa prova de Matemática. Ah, não! Esqueci-me totalmente dessa prova! Durante a aula seguinte, Cris ficou tentando estudar para a prova. Mas não adiantava. A cabeça estava cheia de sonhos sobre a festa de formatura. A prova foi dificílima, e ela sabia que tinha errado pelo menos metade das questões. Tentou ignorar o aperto no estômago que sentiu ao lembrar de sua mãe dizendo: “Você não pode perder nota por causa desse negócio de torcida!"
Sob A Treliça Florida
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- Na próxima sexta, dizia a Prof.a Janet, a treinadora das líderes de torcida, vocês deverão estar aqui imediatamente após as aulas, para se vestirem para o teste. Estarão no ginásio a partir das 15:30. Alguma pergunta? - Sim, disse Renée, chegando perto da Cris e murmurando baixinho: o que temos de fazer pra evitar que a Cris venha à prova? - Que foi que você disse? perguntou a treinadora. - Ah! Eu estava só comentando como vão os ensaios, disse Renée. Cris cerrou os dentes e engoliu seco. Essa chateação diária estava corroendo-a por dentro. O que foi que eu fiz com você, Renée? Por que é tão malvada comigo? Isso não é justo e não vou deixar que me trate mais assim! Cris resolveu que derrotaria Renée nas provas. Mostraria a ela e às outras que tinha capacidade e garra para vencê-las! Fizeram os movimentos com precisão mecânica e Cris deu tudo de si. Na sexta-feira seguinte ela seria uma líder de torcida de primeira categoria. Provaria à Renée que merecia participar da equipe. Começou a adotar a mesma atitude positiva com relação à festa de formatura. Encontraria um jeito de convencer o pai a deixá-la ir. Se ela se esforçasse bastante, estava certa de que conseguiria. Sabia que iria conseguir.
Essa expectativa e determinação fizeram com que Cris se sentisse ainda mais empolgada pela visita do Ted. Estava vibrando de expectativa. Direcionou parte dessa energia nervosa aos preparativos, dando toda atenção ao banho, ao cabelo e à maquiagem. A mãe estava certa sobre o tempo. Era um dia quente de primavera. Cris examinou com cuidado seu guarda-roupa. Faltavam apenas cinco minutos para o Ted chegar. Não que ele fosse chegar na hora. Era tão tranquilo em tudo. Geralmente só andava de short ou bermuda. Mesmo no inverno. Provavelmente se vestiria assim hoje. Cris resolveu colocar o short branco, com sua blusa vermelha de malha, meias vermelhas e tênis brancos. No final estava com aparência de uma líder de torcida, o que lhe agradou. Dando uma última olhada no espelho, pegou a pulseira de chapinha de ouro e prendeu-a no braço. - Você está cheirosa! disse sua mãe, enquanto Cris arrumava cinco lugares à mesa. Que perfume é esse? - Jungle Gardênia. Lembra que ganhei de Natal? Está quase acabando, pensou ela. Estou guardando as últimas gotas pra quando oTed vier. Uma vez ele me disse que meu perfume era exótico e delicioso. - Será que o Ted gosta de lasanha? perguntou a mãe. Não fiz quando ele esteve aqui. - Tenho certeza de que ele vai gostar. Você sabe que para ele o pior de morar com o pai é que só come congelados para microondas. Além do mais, o Ted gosta de tudo que você faz.
Cris achou graça no fato de que até sua mãe quisesse fazer tudo para agradar o Ted. Ele tinha um jeito de fazer com que todoo inundo quisesse agradá-lo sempre com algo de bom. Como filho único de um casal divorciado, cujo pai viajava o tempo todo, Ted dava a impressão de ser mais responsável e independente do que a maioria dos rapazes de dezessete anos. Sem nenhuma atitude proposital, também parecia fazer com que os adultos quisessem ajudá-lo, só porque era um "moço tão simpático", como diria Marta, tia de Cris. - Ah! alguém ligou enquanto você estava no banho. David anotou o recado, disse a mãe enquanto colocava no forno um tabuleiro de pão de alho. - Quem era? - Não sei. Pergunte ao David. Ele está lá na frente. Cris foi até à varanda e chamou o irmão, que tinha desaparecido. Sentiu o perfume de jasmim da treliça ao lado da varanda e lembrou de como achara horrorosa a casa quando seus pais tinham vindo ali para alugá-la, em setembro do ano passado. A única coisa que havia na varanda era um vaso de barro quebrado. Mas a mãe fizera maravilhas com as plantas, e o pai construíra uma treliça em arco na escada da frente. Parecendo entortar-se, o jasmim crescia alguns centímetros mais a cada dia. Cris imaginou como seria romântico, numa noite estrelada, se o Ted subisse com ela os degraus até a porta e a beijasse sob aquele toldo perfumado. - David! chamou ela de novo. E se foi o Ted que ligou pra dizer que estava atrasado?
- O quê? replicou ele aparecendo ao lado da casa com uma gatinha da rua nos braços. - Quem foi que ligou? Mamãe disse que você recebeu o recado. - Foi aquele cara. - Que cara? perguntou Cris impaciente. - Eu queria que o pai me deixasse ficar com ela, falou o garoto passando uma folha de grama acima da cara do bichinho, e a gatinha batia na folha com a patinha. - David, quem foi que ligou? O Ted? - Não, aquele outro cara. - Rick? - Acho que é esse nome. - David! Que foi que ele disse? - Se papai deixasse eu ficar com ela, eu daria o nome de "Botinha". Tá vendo, tem uma botinha branca nos pés. Num movimento rápido, Cris encarou seu irmão, agarrou-o pelo ombro e, controlando a voz, perguntou com severidade: - Que foi que o Rick disse, David? - Sei não. Falei pra ele que você não podia atender porque estava de castigo. - Eu, de castigo! exclamou ela apertando o ombro do irmão. Por que você disse isso?!
- Ai! fez David recuando-se bruscamente, livrando-se das garras da irmã e apertando a gatinha contra o peito, numa atitude defensiva. - Que é que eu devia dizer? Que estava tomando banho? Você ficaria com vergonha! Cris fitou o irmão não querendo crer no que ouvia. Tentando se compor, declarou: - Por que você não tenta dizer a verdade da próxima vez? A sinceridade é a melhor política. Eles não ensinam mais essas coisas na escola dominical? David franziu o nariz com seu jeito característico, e os óculos escorregaram no nariz. Os comentários de sua irmã pareciam além da sua compreensão. Satisfeita com seu autodomínio, Cris disse calmamente: - Está bem. Da próxima vez, vê se fala a verdade, tá? No momento não importava se David entendia ou não. A gata resolveu livrar-se dele e arranhou seu braço na tentativa de escapar. - Volta, Botinha! gritou David, correndo atrás do bichinho. Cris permaneceu na varanda mais alguns minutos, deliciando-se com a brisa do entardecer e procurando ver se a “Kombi Nada" do Ted estava chegando. Colheu depois um botão de jasmim e pôs-se a revolvê-lo entre os dedos, aspirando-lhe o forte e doce aroma. Será que devo dar um retorno ao Rick, ligando pra ele?Provavelmente, queria saber se fui ao treino depois da conversa que ti vemos. Não quero estar ao telefone com Rick quando o Ted chegar. Esta noite pertence ao Ted. Por que está demorando?
Ted, sempre imprevisível, chegou com mais de meia hora de atraso. A família, desistindo de esperá-lo, sentou-se para comer o pão de alho já torrado demais, acompanhado de uma lasanha passada do ponto. Todos reconheceram o barulho da kombi parando em frente da casa. Eu não disse que se começássemos a comer ele chegaria? disse David orgulhoso de si, saltando da cadeira e correndo para a porta, onde, ansioso, recebeu o Ted. Você trouxe o skcate? - Desta vez não, cara. Aconteceu de novo. Acontecia sempre. Toda vez que Cris ouvia a voz serena e forte do Ted, alguma coisa mexia dentro dela. Como naquele dia quente de verão em que ela mergulhara numa piscina ensolarada, sentindo um choque tão frio que a fez perder o fôlego. - Tem alguma coisa com um cheiro delicioso aqui! Italiano? Ted entrou na sala com seu metro e noventa e cinco de altura, cabelo loiroarenoso desmanchado pelo vento, os olhos azul-prateados vasculhando a mesa de jantar. Vestia short, como Cris pensara, e uma camiseta branca com a marca de uma bola de vôlei amarelo-neon estampada no bolso. Trazia uma caixa amarela com frutas. - Morangos. Sabe aquela banca de frutas da Rodovia 76? Já estavam fechando quando passei por lá, mas assim mesmo consegui convencê-los a me venderem a última caixa. Cris sempre se surpreendia com Ted. Ele conseguia convencer qualquer um de qualquer coisa.
- Experimente, disse ele, pegando um morango do tamanho de uma ameixa. A cidade de Vista é o único lugar que conheço onde os morangos chegam a esse tamanho. E são doces! Experimente um, cara! Sem pestanejar, David enfiou um morango inteiro na boca, murmurando de satisfação. - Quanta atenção a sua, Ted, disse a mãe de Cris, levantando-se e pegando a caixa. Por favor, sente-se. Lamento que tivéssemos de começar antes de você chegar. Ted sentou-se ao lado de Cris. Ela perguntou-lhe por que havia passado por Vista. - Tentei evitar o trânsito. Escolhi a hora errada do dia pra vir na direção sul pela via expressa 5. E o senhor, como vai? falou Ted estendendo a mão para cumprimentar o pai de Cris. - Muito bem. É melhor atacar logo esse jantar! Foi o que ele fez. Cris nunca viu alguém comer tanto de uma só vez. E Ted repetiu mais de uma vez seus elogios à mãe de Cris. - A senhora é uma ótima cozinheira. Essa lasanha está incrível! Obviamente ela apreciou os elogios, e Cris teve mais certeza ainda de que seus pais gostavam do Ted. Sentiu-se confiante de que tudo iria dar certo e que ela e o Ted iriam à festa de formatura. Não havia como seu pai proibir. A mãe lavou os morangos e serviu-os com chantilly do laticínio onde o pai de Cris trabalhava. Como dissera o Ted, as frutas eram doces e fresquinhas. Evaporaram em poucos minutos.
Cris começou a tirar a mesa, e o rapaz levantou-se para auxiliá-la. - Eu estava pensando, disse Ted de repente, se deixariam que eu saísse com a Cris um pouquinho. Cris deteve-se no meio do passo, com o fôlego suspenso. Será que ele vai me convidar para a festa de formatura desse jeito? Na frente de todo mundo, com as mãos cheias de louça suja? A mãe olhou depressa para o marido e depois para o Ted. - E está pensando em ir aonde? perguntou. - Queria ir a uma sorveteria. Está uma noite ótima pra uma caminhada. Tem alguma mais ou menos perto? Cris suspirou aliviada e colocou os pratos na pia. Que romântico! Ele vai me levar pra uma caminhada e daí me convida para a formatura. Debaixo do jasmineiro! Vou fazer com que me convide debaixo do jasmineiro... Sua imaginação saltava, as esperanças iam só aumentando. - Também vou! anunciou David. - Não vai, não! retrucou Cris. Quer dizer, provavelmente, você deveria ficar em casa, não é, mãe? Todos a olharam. A garota teve a impressão de que todos sabiam da sua fantasia mais íntima, como se estivesse escrita em seu rosto, em letras fluorescentes. A mãe fitou o marido. Este fez uma pausa. - Por favor, pai! insistia David.
- Por mim, tudo bem, disse Ted, de pé entre a cozinha e a mesa, como uma rede de vôlei que interceptava os olhares de Cris para a mãe, de Cris para o pai, de David para o pai. - Acho, disse o pai devagar, que você precisa ficar por aqui, David. Cris, você e Ted podem ir à sorveteria Swenson's, no Vineyard, mas estejam em casa até as oito e meia. - Obrigada, pai, falou a jovem tentando não deixar transparecer sua euforia. Geralmente, quando o Ted ia à casa dela, os dois sempre arrumavam alguma coisa para fazer lá mesmo. Ted mais parecia uma pessoa da família. E isso era bom. Muito bom. Se o pai não fazia objeção ao passeio até a sorveteria, o mais provável é que também não o fizesse à festa de formatura. Ted aproximou-se da pia e começou a enxaguar a louça. - Deixe que eu faço, interveio a mãe de Cris. Vocês dois podem ir Só têm uma hora. - Foi um jantar excelente, disse Ted, sorrindo largamente para ela. Muito obrigado. - Às ordens, Ted. Sabe que você é sempre bem-vindo aqui. E obrigada pelos morangos. - Ei cara, disse Ted para David, que se jogara no sofá, braços cruzados no peito, óculos caídos, fazendo beiço como um especialista nisso. Da próxima vez eu e você vamos fazer alguma coisa, tá bem? - Quando? indagou o garoto, o "bico" ainda maior. - Da próxima vez que eu vier.
- Pode vir no próximo fim de semana? indagou David levantando os olhos esperançoso. No sábado. O dia inteiro, tá bem? - Não; no sábado que vem não posso vir não. - Por que não? - É dia da minha formatura. David voltou a ficar amuado, mas o coração de Cris deu um salto. Tá vendo!? Ele disse! A formatura é no próximo sábado. Ele vai me convidar hoje. Tenho certeza! Mas daí seus pensamentos tomaram outra direção. Próximo sábado?! Mas então falta pouco tempo! As provas para líder de torcida são na sexta! Quando é que vou ter tempo de comprar um vestido e tudo mais? Por que ele não me convidou antes? - Pronta? indagou Ted, interrompendo o vaivém dos seus pensamentos. - Sim, claro! Pela primeira vez, naquela noite, o olhar do Ted fixou-se diretamente no de Cris. E assim permaneceu por mais tempo que o necessário. Cris perguntou a si mesma: Será que estou fazendo aquilo? Olhando pra ele com "olhos de matar", como diz o Rick? Será que ele sente por mim o que sinto por ele? - Estaremos de volta às oito e meia, disse Ted por sobre o ombro, ao segurar a porta para que Cris passasse. A gente se vê noutra hora, cara! A porta de tela bateu atrás deles e escutaram o David choramingando: - Assim não vale! Não é justo! Ted e Cris riram e desceram a escada da frente, passando sob o arco do jasmineiro.
Uma Noite Encantada
5 Algumas noites de primavera são encantadas mesmo. Principalmente quando os passarinhos cantam um pouco mais, e as cores do céu se empalidecem, assumindo tons etéreos. O vento arremessa as flores das árvores como se fossem confete, e aí a gente se convence de que é uma noite para se festejar. Aquela noite era uma dessas. Não era um encantamento no sentido mágico do termo, mas na percepção de Cris de que tudo ao seu redor exalava evidências sobre um Deus vivo. Um Deus que criou as flores amarelas, o cheiro da relva e os arco-íris transparentes
nos aspersores do jardim. Um Deus que conhece os sonhos escondidos no coração de uma jovem, e se interessa por eles. Além do encanto, havia um silêncio confortável entre Cris e Ted, enquanto transpunham aquele primeiro quarteirão. Com o Ted, geralmente era assim. Ele planejava o que dizer, e o fazia com demora. Cris queria saber no que ele pensava naquele momento. Será que deveria dar-lhe a mão? Deixou que o braço pendesse rente ao dele, esperando que ele percebesse e pegasse em sua mão. - Eu lhe contei que estou fazendo discipulado? Perguntou Ted iniciando o diálogo. Com um sujeito lá da igreja, acrescentou. - Que significa "discipulado"? perguntou Cris, aproximando-se dele um pouco mais. - Bem, nós nos reunimos uma vez por semana para estudar a Bíblia e ajudar um ao outro a memorizar versículos, explicou. Quer saber quais são os meus? Ele parecia bastante animado, como uma criança que tinha uma poesia para recitar em aula. - Claro, disse Cris. - É Primeira Coríntios 13.0 "capítulo do amor", como dizem. Então, sem que Cris o esperasse, ele tomou-lhe a mão. Ela fichou os olhos, querendo gravar na memória o momento, para que depois pudesse descrevê-lo no diário. Não podia imaginar nada mais romântico no mundo do
que estar de mãos dadas com o Ted, numa encantada noite de primavera, ouvindo-o recitar o que Deus diz sobre o amor. E ele recitou: "Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistério e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará." Aí Ted parou e Cris pensou: isso não está parecendo muito romântico. Em seguida, ele continuou: "O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não seu fana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta." Parou novamente, e disse: - Só sei até aí, mas tem mais. Agora era a vez de Cris pensar bem antes de abrir a boca. Os versículos não eram nada como ela imaginava que seriam. A única parte que ela realmente entendeu era o que estava no final: "tudo espera" e "tudo suporta". Essas eram qualidades que ela vinha conhecendo bem ultimamente, em relação à liderança de torcida. - Demorou muito pra decorar tudo? perguntou afinal.
- Estamos trabalhando nisso há várias semanas. Tenho um pouco de dificuldade pra decorar. - Eu também; não sou boa de memória. - Eu escrevo os versos em cartões e os carrego no bolso por toda parte. Ajuda um pouco, explicou Ted. Li os cartões enquanto vinha pra cá. Provavelmente é por isso que ainda está bem fresquinho na minha cabeça. - Você decorou muito bem, elogiou Cris. Ted apertou-lhe a mão. - Ei! Você sabe aonde é que vamos? - Viramos na próxima rua, e andamos mais umas três quadras. - Que noite linda! exclamou Ted, enchendo os pulmões de ar. Tem cheiro quase... tropical, exótico. Pode ser o meu perfume, comentou ela e aproximou do rosto dele a mão que ele segurava para que a cheirasse. - É! Que é isso? Cris disse o nome do perfume e ele comentou que lembrava o Havaí, perguntando se ela já fora lá. Ela teve vontade de replicar: Claro! E quando é que eu fui ao Havaí?, mas só respondeu: - Não, mas adoraria ir um dia. - Eu e meu pai moramos lá uns dois anos. - Verdade?! Não sabia disso!
- É; estudei na escola Rei Kamehabeba III, em Lahaina. - Onde? indagou Cris, rindo dos nomes compridos e complicados de pronunciar. - É na ilha de Maui. Eu adorava ir a pé, atraído pela fragrância das árvores plumeria. Lembram o seu perfume. Pretendo voltar lá nas próximas férias. Cris deteve-se de repente, os braços subitamente enrijecidos no espaço entre eles. - Você vai? Nessas férias? Ted riu, vendo-lhe a reação.
- Sim. Ou então nas próximas. Ainda não estou absolutamente certo.
Continuaram a caminhada e Cris disparou uma série de perguntas. - O que você vai fazer lá? E a faculdade? Onde você vai estudar? Não vai trabalhar nestas férias? E só em pensamento acrescentou: E eu, onde fico nessa história? - Puxa! Você até parece a minha mãe com essas perguntas todas! gracejou Ted. - Desculpe. É só que fiquei surpresa, disse Cris, sorrindo. Achei que você passaria as férias na praia, sabe, como no ano passado. Ted virou-se - Pode ser. Ainda não sei.
Cris apertou um pouco mais a mão dele, e no resto do caminho, até a sorveteria, resguardou-se de revelar seus sentimentos. A verdade mais profunda vinha-lhe à mente com frequencia: Ele não é seu, pra que se prenda a ele. Mas ela fez questão de não ligar para isso. Uma noite encantada é para se curtir, e não analisar a vida. - Já sabe o que vai querer? perguntou Ted alguns minutos mais tarde, em frente ao balcão de sorvetes. Sua resposta imediata seria: Sei; você. Quero que seja meu namorado e me leve à festa de formatura... E passe as férias comigo na praia. É isso que quero! Mas sua voz disse apenas: - Hum! quero um sorvete de laranja com pedaços de chocolate suíço numa taça, não na casquinha. A moça que os atendia estudava na mesma escola de Cris, mas esta não sabia seu nome. Ted sorriu e a cumprimentou, como sempre fazia com as pessoas: - Olá, como vão as coisas? A moça respondeu dirigindo-lhe um olhar de admiração. Cris mal podia acreditar! E, como se Cris não estivesse ao lado dele, ela perguntou o nome do Ted e o por que nunca o vira ali. Sugeriu-lhe que voltasse na hora de fechar - ela lhe daria sorvete de graça. Ted ficou bem natural, parecendo nem ligar para a ousadia da garota. Cris se encheu de ciúmes. Como ela se atreve afazer uma coisa dessa? Não está vendo que o Ted está comigo? Quem ela pensa que é?
- Obrigado, disse Ted, quando ela lhe deu o troco. A moca agarrou a mão dele, dizendo: - Lembre-se, venha na hora de fechar e não precisa pagar nada. Cris queria ir embora. Sair dali e voltar a caminhar, de mãos com ele. Queria o rapaz só para ela, mesmo que fosse apenas por uma hora. Mas o Ted queria ficar. Conduziu Cris para uma mesa encostada à parede dos fundos. Tomaram o sorvete em silêncio por alguns minutos. Cris tomava pequenas colheradas, deixando que se dissolvessem na boca. Ted tomava um milkshake. Quando ela se acalmou o suficiente para concentrar-se nele, lembrou-se da primeira vez que saíram juntos, quando foram a uma sorveteria na praia de Newport. - Lembra-se da primeira vez que tomamos sorvete juntos? indagou ela sussurrando. - Quando foi? perguntou Ted. - Lembra? Nas férias, depois da festa do Sam, explicou Cris, sentindo suas emoções se acalmando. O rosto de Ted se anuviou. Ela percebeu que o rapaz estava se recordando da noite em que o Sam morrera por ter tomado drogas e saído para surfar num lugar perigoso. - É, disse ele devagar. Cris mudou rapidamente de assunto.
- Como é que está indo esse final do último ano no colégio? Está animado com a formatura e tudo o mais? "Tudo o mais" significava festa, mas Cris não queria dizer às claras no que estava pensando. - Faltam só alguns dias. Minha mãe vem para a formatura, e isso vai ser legal. - Legal mesmo! disse Cris, com animação. Com o canto do olho, viu a porta se abrir e Katie entrar. A amiga também avistou-a e correu para o reservado onde se encontrava o casal, sentando-se imediatamente ao lado dela, sem notar o Ted. - Ele disse que sim, Cris! dá pra acreditar? Leo disse que vai comigo! exclamou Katie exuberante. Você precisava ter visto o entusiasmo de minha mãe! Foi como se eu tivesse conquistado uma medalha de ouro ou coisa parecida! Cris olhou para o Ted, depois para a Katie, e disse rapidamente: - Mas isso é ótimo! Katie, quero apresentar-lhe o Ted; Ted, esta é a Katie. - Ah! fez Katie, notando o Ted pela primeira vez, e disse "olá" novamente. Ted respondeu de queixo para cima, seu gesto típico, e perguntou como iam as coisas. - A Katie estuda na minha escola, explicou Cris. E é da minha igreja também. - Você é o Ted?! perguntou Katie, de olhos arregalados. E está aqui hoje!
- Katie! disse Cris rindo, sem jeito pela falta de tato da amiga. Não lhe falei que o Ted vinha jantar em minha casa hoje? - Não, não falou, retrucou Katie rapidamente, e virando-se para o Ted, disse: Prazer em conhecê-lo. Sinto que já o conheço um pouco porque a Cris fala muito sobre você e o acho legal, quer dizer, de acordo com o que a Cris já me contou. Parou para tomar fôlego, virou-se para Cris e disse entre os dentes: - Pensei que você estivesse de castigo! Com expressão de surpresa, Cris perguntou: "Por quê?" Katie se aproximou mais um pouco da amiga e sussurrou: - Foi o que o Rick disse. Todo mundo foi ao cinema, e ele disse. - Com licença, interrompeu Ted, levantando. Vou buscar um copo d'água. Vocês querem também? - Não, disse Katie animada. - Obrigada, não, respondeu Cris calmamente, mas por dentro tudo parecia explodir. As duas deram um longo sorriso esperando que o Ted se afastasse. Então, como uma arma disparando sem cessar, começram a falar o mais depressa que podiam. - O chato do meu irmãozinho disse isso ao Rick no telefone! M.as é mentira! - Ele acha que você vai convidá-lo para a festa. - O Rick? Mas por quê?
Eu lhe disse que você o convidaria! - Katie! - Foi o que você me disse hoje cedo. - Não disse, não! - Disse sim, em frente dos armários. Você disse que perguntou pra sua mãe, já que este é o último ano dele... Cris apertou os olhos, deixando pender a cabeça para a frente. - Katie! Ela soltou um grito abafado. Eu estava falando do Ted! A formatura do Ted na escola dele. Não da formatura do Rick! - Ah não! Disse Katie com um gemido angustiado, e recostando-se na cadeira. Eu disse ao Rick que você ia _onvida-lo e foi por isso que convidei o Leo... para que nós quatro fôssemos juntos. De repente Katie se animou e exclamou: - Espera aí! Vai dar tudo certo. Você pode ir às duas festas. Pode até ir com o mesmo vestido. Ninguém vai saber! - São na mesma noite, respondeu Cris devagar. -Ah! - E no meu caso, prefiro ir com o Ted. - Dou-lhe toda razão, Cris! Você me disse que ele era bacana, mas é mais do que isso! Ele é, bem... - Eu sei, disse Cris, a calma voltando à voz. Ele não é um tipo comum, como os outros rapazes que a gente conhece, não é? - Isso mesmo.
De repente, a expressão de Katie ficou extremamente séria. - Essa não! Cris seguiu o olhar da amiga e seu coração parou. Pela porta de vidro via-se um grupo da escola, prestes a entrar na sorveteria. E, à frente do grupo, Rick Doyle.
Dentro, Fora
6
A pequena sorveteria pareceu tremer com as risadas dos rapazes que entravam pela porta. Cris e Katie ficaram em silêncio. Rick se virara e estava de frente para os colegas, fazendo-os rir sem parar de suas piadas. Nem viu o Ted bem à sua frente, equilibrando um copo de água na mão. Cris cerrou os dentes e ficou a observar a cena como se já tivesse assistido ao seu ensaio. O braço do Rick esbarrou no copo do Ted, mas no impacto, Rick virou-se, usando seus reflexos bem treinados para segurar aquilo em que acabara de esbarrar. Ted, equilibrado como se estivesse em pé na sua prancha, nem se mexeu quando o copo d'água caiu. Curvou-se para trás e protegeu o queixo para evitar que o braço do Rick, que este girava num reflexo, esbarrasse nele. Katie deu um grito abafado e Cris agarrou-se a ela. - Nossa! Você viu isso?! Cris não conseguia falar. Aquilo não podia estar acontecendo! - Puxa, desculpe! disse Rick, mas não parecia muito arrependido; parecia mais envergonhado. Os outros rapazes passaram por Rick e Ted, e um deles, rindo, disse: - A maré tá alta, hein, cara?!
Bem-humorado, Ted fez-lhe sinal de que estava tudo bem; tudo numa boa. Rick soltou uma risada meio sem graça. Passando pelo Ted, olhou de relance o salão, provavelmente preocupado em ver quem tinha notado o incidente. No mesmo instante, avistou Katie e Cris. Um olhar estranho, quase de raiva, tomou conta do seu rosto, e ele foi direto para a mesa onde se encontravam as duas. - Pensei que você estivesse de castigo, disse como se tivesse o direito de estar zangado com Cris, por ela se encontrar na sorveteria. - Não, eu... foi mentira do meu irmão. Não estou de castigo, não. - Tentei falar com você hoje, falou Rick abanando a cabeça, como que tentando acreditar no que ela dissera. - Fiquei sabendo, replicou Cris. Seu olhar foi do Rick para o Ted, que estava no balcão pegando outro copo d'água. A balconista tinha passado para o outro lado levando uma toalha de papel para o Ted. Ela falava o tempo todo, ansiosa para ajudá-lo a enxugar a camisa. Não dava para Cris ouvir o que dizia, mas via o rosto sereno do Ted, muito disposto a permitir que aquela moça, aquela oferecida, ficasse tentando agradálo. Que atrevimento! E como ele deixa?! - Katie, você pode me deixar conversar com a Cris um instante? perguntou Rick. A garota olhou para Cris querendo saber o que ela achava, mas esta tinha uma expressão meio desligada.
- Claro, replicou Katie, e saiu devagarinho do lugar. Cris teve vontade de agarrá-la e dizer: "Não sai não! Volte aqui!" Rick esbarrou as pernas compridas na mesa quando se sentou ao lado de Cris. - Então, disse ele com seu meio-sorriso de sempre, Katie me disse que seus pais concordaram em abrir mão da proibição de que você saia com alguém antes de completar dezesseis anos. - Bem, ha! Ah!... resmungou Cris sem conseguir raciocinar A situação mais constrangedora possível estava prestes a ,acontecer. Ted voltava à mesa. Katie me explicou, disse Rick com animação, um braço por cima da poltrona, o outro na mesa, que já que é a noite da festa de formatura e meu último ano... O Leo disse que o pai dele paga uma limusine pra nós quatro. A vontade de Cris era desaparecer. Desejava sumir do mapa! Agora Ted estava na frente deles. Tentando livrar-se do Rick e de sua conversa, Cris disse depressa: - Ted, apresento-lhe o Rick. Rick, este é o Ted. Rick virou-se para o Ted. - É, já nos conhecemos. Esbarramos um no outro agora há pouco. - E aí? Como vai? disse Ted, confiante, e sentou-se, certo de que não estava interrompendo nada de importante. Rick encarou o Ted como quem esperava que ele desaparecesse, mas depois, pouco a pouco, foi-se dando conta de que Ted e Cris estavam juntos e
que era ele que estava sobrando. Então levantou-se com os movimentos de um atleta fazendo ginástica. - Vejo você domingo na igreja, disse Cris, esperando com isso sugerir alguma coisa aos dois rapazes. Para o Rick, ela dizia: "Quero conversar mais com você". Para o Ted, explicava: "Esse rapaz é apenas um amigo da igreja, nada mais. Os dois trocaram algumas palavras "legais" e Rick voltou ao seu grupo, puxando uma cadeira para a mesa deles. Cris ti n ha a impressão de que o coração ainda não voltara a bater direito. - Ligo pra você amanhã, disse Katie, aparecendo de repente à mesa, e lançando-lhe um olhar que dizia bem mais que isso. Virando-se para o Ted, continuou: _prazer em conhecê-lo, Ted. Espero vê-lo um dia desses. O rapaz sorriu e disse algo sobre a Katie ir algum dia a Newport com a Cris, que não ouviu as palavras exatas. Ela olhou para trás e percebeu que Rick a encarava. Ele não desviava os olhos dela. Nem ela tirava os seus dele. Rick a olhava de um jeito estranho. Estava furioso, ressentido ou com ciúmes? Talvez estivesse tentando expressar através da fisionomia o quanto gostava dela. Cris não conseguia "ler" a expressão dele. Nunca o tinha visto daquele jeito. O que será que meu rosto está dizendo pra ele agora? Será que ainda acha que tenho "olhos de matar"? Katie deu um tapinha de leve no braço da amiga, completando:
- E não se esqueça dos nossos anjinhos do maternal domingo que vem! E virando em seguida para o Ted, continuou: - A Cris me convenceu de que eu deveria oferecer-me como voluntária para ajudar no atendimento às crianças do maternal, na escola dominical. - Espera aí, contestou Cris, voltando toda a atenção para sua mesa. Se bem me lembro, foi você que me convenceu a faze-lo! - Eu, você, sei lá! Não importa! disse Katie. - Estarei lá. Não se preocupe. Conversaram mais alguns minutos, e afinal Cris disse: - É melhor ir pra casa. Passaram entre as mesas e se dirigiram à porta. De propósito, Cris puxou a blusa e ajeitou o short. Qualquer coisa que a fizesse parecer preocupada para não ter de encarar o Rick, que certamente estaria de olho nela na hora da saída. Ted abriu a porta para Cris e ouviram uma voz exageradamente estridente dizendo, de trás do balcão: - Tchau, Ted! Não se esqueça! - Não se esqueça de quê? perguntou Cris, já do lado de fora. - Ah! você sabe. O sorvete de graça. Ted parecia nem ligar para o jeito horrível daquela garota. Cris resolveu abrir o jogo: - Vocês, rapazes, não detestam quando uma moça se joga em cima de vocês do jeito que ela fez? - É, creio que sim. - Tenho certeza, Ted! Ela estava flertando com você descaradamente!
- Algumas garotas são assim. - Mas Ted, ela é tão vulgar! Viu como a maquiagem dela está carregada? Que cara de bolo enfeitado! Ted parou bem na frente de um restaurante mexicano. Levantou o queixo de Cris e lançou-lhe um olhar penetrante. E numa voz que a abalou e ao mesmo tempo derreteu seu coração, ele disse: - Cris, vou lhe dizer uma coisa que espero que você nunca esqueça. Seu toque no queixo de Cris era suave, mas firme e decisivo. Ela sabia que ele iria dizer algo que marcaria sua vida. - Foi Deus que fez o rosto dela. Cris piscou, tentando entender o significado do que ele dizia. - Deus a criou, Cris. Foi Deus que fez o rosto daquela garota. Fico muito chateado quando alguém debocha de algo criado por Deus. Ele soltou-a, mas Cris permaneceu imóvel tentando conciliar as palavras dele com as suas próprias emoções em ebulição. E como que acrescentando um P.S., ele completou: - Não entende? As pessoas olham o exterior, mas Deus olha n interior, o coração. Ela estava abalada. Fora sacudida no mais profundo do seu ser. Como o Ted podia fazer uma coisa dessa com ela? Ele se zangara por ela ter tido uma atitude não-cristã em relação àquela moça, por ter desejado fazer picadinho dela?
Puseram-se novamente a caminhar lado a lado, em silêncio. Uma vez fora do shopping, já na rua calma, ladeada de árvores, Cris tomou coragem e passou o braço pelo dele. - Desculpe-me! sussurrou. Ted tomou-lhe a mão, apertando-a. Ela se sentiu tranquila e segura. As expectativas que tivera para essa noite encantada voltaram. Ela ainda não tinha terminado. Ainda poderiam ficar sob o jasmineiro. Ele ainda poderia convidá-la para sua festa de formatura. - Nunca se torne orgulhosa a ponto de não conseguir dizer essas palavras, Cris. - O quê? Desculpe-me? - Sim. Só pessoas de coração quebrantado conseguem e se arrependeram. E os corações quebrantados são os únicos que Deus pode pegar e moldar. - Ted, disse Cris, com voz delicada e aproximando-se um pouco mais dele, sinceramente não sei o que seria de mim se não o tivesse conhecido. Não conheço ninguém a quem possa compará-lo. Talvez você nunca venha a entender o quanto é importante pra mim. E aí aconteceu uma coisa que ela não planejara. Seus olhos ficaram transbordando de lágrimas as quais não conseguia segurar, e, inesperadamente, ela soltou um gemido e desatou chorar. Ted parou e passou o braço em volta dela. Cris encostou rosto no peito do rapaz, derramando mais algumas lágrimas. Mas em seguida começou a rir. Afastando-se, olhou para o Ted, que estava visivelmente espantado.
- Ted, a sua camisa já está molhada. Não tem lugar para, minhas lágrimas. Ambos riram. Ela enxugou os olhos e continuaram andando. Que descontrole bobo que tive agora! pensou Cris. Então veio-lhe um pensamento que devolveu-lhe o senso de segurança. O Ted fica sempre tranquilo, seja com as minhas lágrimas, seja com a minha risada. Ela queria dizer-lhe isso, para de alguma maneira expressar seus sentimentos mais profundos por ele. Mas se o fizesse, será que não começaria a chorar de novo? Continuaram a caminhar em silêncio. Os tons pastéis do céu davam lugar ao escuro da noite.
Jasmins E Algumas Flores Venenosas
7
Preciso estar no trabalho às 6:30 da manhã, disse Ted ao subir a rua da casa de Cris. Por isso vou ter de ir embora. Espero que não se importe se eu não entrar. Claro que não. Obrigada pelo sorvete, e desculpe as lágrimas e tudo o mais. - Não precisa pedir desculpas por chorar, Cris. Você sabe disso, falou ele lançando-lhe um de seus sorrisos típicos. Ele permaneceu calado durante o resto do trajeto. Será que elec está sem jeito de me convidar pra ir à festa de formatura? Não é o normal dele, mas sempre pode haver uma primeira vez. Estavam na frente da casa, caminhando pela calçada. Cris parou exatamente sob a treliça do jasmineiro e pegou um botão branco, que começou a girar junto ao rosto. - Humm... Você também deve gostar de jasmim, disse Cris. - O quê? respondeu Ted bruscamente, parecendo abalado. Ela nunca o vira tão assustado. Riu de sua reação. - O jasmin, disse ela balançando a flor na frente dele. Tem um perfume tropical, doce, como aquelas árvores de que você gostava no Havaí.
- Ah, é! As plumerias. É, essa flor também tem um cheiro gostoso. Gosto do jeito como está enroscando nessa coisa, falou ele, admirando a treliça. Vai ser legal quando ela estiver toda coberta de... parou um pouco e pronunciou a palavra como que encantado, de... jasmim. - É. Vai ficar lindo, não vai? disse Cris com ar sonhador. Ted soltou a mão dela e sentou-se no degrau de cima. Em seguida, pigarreou e disse: - Sabe quando eu falei ao David que no próximo sábado te a festa de formatura? - Sim. É agora! Ele vai me convidar! Que perfeição incríve!!... - Eu queria lhe falar sobre isso, mas o engraçado é que não tinha certeza de como deveria dizer. Ele se inclinou para trás, apoiando-se nos cotovelos e olhou para Cris. Ela sentia-se tremula, mas tentou conservar a calma, sentando-se ao lado dele. - Simplesmente diga, Ted. - Está bem. Cris esperou. - É que vou levar uma moça da minha escola. Ela apertou os dentes para não gritar. Continuou sorrindo do mesmo jeito, como antes do Ted pronunciar as palavras que fizeram seu mundo desabar. - Eu sabia que você entenderia, mas, sei lá, às vezes acho que as garotas ficam ressentidas por qualquer coisa.
Ele fez uma pausa e esperou que ela respondesse. Cris sentia gosto de sangue na boca. Engoliu depressa o seco da garganta precisou exercitar muito auto-controle para perguntar: - É alguém que eu conheço? - Não. Eu a conheci há algumas semanas. Algumas semanas? E você a preferiu a mim? Não dá pra acreditar! - Acho que você iria gostar dela. É crente há mais tempo de que eu e é incrivelmente firme em seu relacionamento com Deus j Por dentro Cris sentia-se partindo em milhares de pedaços, como um prato de porcelana fina que alguém despedaçou com um martelo. Mas continuou a sorrir. - É incrível como ela é apegada a Deus depois de tudo que passou. Sofreu um acidente de automóvel no ano passado. Ficou três meses no hospital. Está numa cadeira de rodas. Provavelmente ficará assim pelo resto da vida. Dentro do coração de Cris instalou-se um conflito; sentia dó e inveja ao mesmo tempo. Mas a inveja era mais forte. E daí? Devo ficar com pena dela? É o que você sente, Ted? Ou ela é mais importante por estar numa cadeira de rodas? Por que, mas porque mesmo você quer levá-la, em vez de a mim? Já prestes a perder a estabilidade emocional, Cris arriscou mais uma pergunta, procurando disfarçar sua decepção. - Como é o nome dela?
Esse era o pior momento, o mais arrasador. Ted sorriu, mostrando a covinha na face. Com um olhar distante, respondeu: - Iasmim. O nome dela é lasmim. Cris deu um salto, como se um monstro invisível lhe tivesse dado uma pancada no estômago. Ted também se pôs de pé. - Sabia que você entenderia. Ei! me diga como vão os ensaios para o teste de líder de torcida. Vou orar por você, falou o rapaz e em seguida deu-lhe um abraço e um rápido beijo no rosto. Não ore por mim! Não f aça nada por mim! Deixe-me só, Ted. Saia da minha vida e não volte nunca mais! Ele se despediu e desceu a rua na barulhenta kombi. Movendo-se como um autômato, Cris virou-se, entrou em casa e passou pelos pais, apenas murmurando que estava super-exausta. Finalmente, entrou no quarto e fechou a porta, recolhendo-se ao seu "túmulo" particular. Caiu sobre a cama, abraçou o ursinho Puf e rompeu em prantos sobre o corpinho amarelo de pelúcia. Quando levantou a cabeça para respirar, lembrou-se de que fora Ted quem comprara o bichinho na Disneylândia, nas férias. Com um gesto furioso, lançou o pobre Puff para o outro lado do quarto, onde ele caiu sobre um monte de roupa suja. Cris sentou-se ainda tremula e fungando, agarrou o travesseiro e o abraçou, limpando as lágrimas na fronha estampada com flores cor-de-rosa. - Ele não gosta de mim. Nunca gostou. É uma grandíssima mentira e acreditei nele, disse ao travesseiro ensopado de lágrimas. Ele não liga a mínima
para o que é importante pra mim. Não está nem aí! Por mais que eu queira que ele ligue não adianta nada. Ele não quer! Aí, em meio ao caldeirão fervente de suas emoções, veio tona uma verdade horrível. Cris não sabia mais se estava se referindo a Deus ou ao Ted. Quem não ligava para ela? Ambos? Até o momento, ela sempre vira os dois muito ligados. Parecia difícil pensar em um sem pensar no outro. Está bem, disse consigo mesma tentando raciocinar com mais calma. Vamos clarear isso. Você consegue. Vamos! Vai dar tudo certo. Sempre acaba dando certo... Uma furiosa explosão de angústia apossou-se dela, e mais uma vez apertou o rosto contra o travesseiro e chorou. Quando passou a "crise", Cris decidiu não pensar mais no assunto. O sono embalaria e ela deixaria que se apagassem todos os seus sentimentos. Então levantou-se e foi devagarinho até a penteadeira. Pegou a velha lata decorativa, tirou a tampa de plástico disposta jogar fora o conteúdo: uma dúzia de cravos secos. O buquê que Ted lhe trouxera antes de dar-lhe o primeiro beijo. Não conseguiu. Em vez de jogá-los fora, tirou a pulseira de chapinha gravada "Para Sempre", e colocou-a no meio das pétalas secas. Recolocou a tampa de plástico e foi como se cobrisse o túmulo dos seus sonhos. Colocou-a cerimoniosamente no fundo do seu armário. Assim, pôs o ursinho Puf em cima da lata, qual uma sentinela, e declarou solenemente: - Nunca mais darei meu coração com tal facilidade.
Na manhã seguinte, sentiu-se a mesma. Nada mudara durante sua noite mal-dormida, cheia de sonhos sem sentido. Mas uma parte dela estava mais forte: a determinação. Durante a noite ela tinha-se imaginado numa roupa de líder torcida, com Ted, Rick e Renée na platéia vendo-a dar mirabolantes saltos no ar e aterrissar com precisão. A melhor das líderes é o que ela seria. Ela mostraria a todos eles! Ted, Rick, Renée, seus pais e Katie. Provaria que era uma garota importante e digna de ser amada. Ficou deitada na cama mais de uma hora, deixando que os pensamentos queimassem as emoções. Não iria sentir pena da outra moça, dessa lasmim. Recusou-se terminantemente a deixar que renascesse a esperança de voltar com o Ted. Ele era apenas um amigo. Nada mais. Veio-lhe a idéia de que talvez ainda não fosse tarde demais para ir à festa de formatura com o Rick. Teria de agir rápido para que tudo desse certo. E resolveu que entraria mesmo para a equipe de líderes de torcida. E pronto! Quanto às esperanças que tinha em Deus e a promessa que lhe fizera nas férias passadas, de entregar toda a sua vida a ele, bem, não queria pensar nisso. Deixaria para pensar em como Deus se encaixaria em sua vida depois do próximo final de semana, depois de vencer os testes e após a festa de formatura. Mais tarde, naquele dia, Katie telefonou. Como Cris estava sozinha em casa, conversaram quase duas horas e meia. Fizeram complicados planos para a festa. Combinaram tudo, desde como acertariam as coisas com o Rick até que roupas e acessórios usariam e quando fariam as unhas uma da outra. Tendo
resolvido o plano de ataque, Katie mexeu na área que Cris evitara desde o começo da conversa. - Você vai escrever uma carta para o Ted acabando com tudo, ou pensa em outra coisa? - Não. O que eu diria? "Você é um crápula porque prefere levar uma aleijada à festa a me levar?" ou "Sinto muito não ser uma crente muito consagrada. Suponho que vocês gigantes espirituais devam permanecer juntos." - Sabe o que não entendi? comentou Katie. É como vão-se divertir e brincar. - Sei lá. Talvez ele vá sentar-se no colo dela, e ela rode pelo pelo salão. Não dói. Ela provavelmente nem sente as pernas. - Cris! exclamou Katie fingindo-se chocada, mas rindo alto. Que maldade a sua! E se você fosse ela? Não adoraria se um cara como o Ted entrasse em sua vida e a levasse a uma festa de formatura? - É, concordou Cris. Acho que sim, mas você devia ver a cara dele, Katie, quando disse o nome dela... Cris parou no meio da frase com uma lembrança repentina. Oh, não! Não acredito! - O quê? - Acabo de me lembrar de uma coisa que eu disse, explicou Cris, sentindo a depressão aprofundar-se mais. - O que foi? - Na volta pra casa, ficamos parados debaixo da treliça; aí eu peguei uma flor, e disse: "Aposto que você também gosta de jasmim" Eu me referia à flor,
que aproximei do rosto dele pra ele cheirar. Mas você devia ter visto a cara do Ted! Puxa, como é que fui dizer isso! - Mas você não sabia que o nome dela era lasmim. - Ele está apaixonado pela lasmim. Tenho certeza! - Pare com isso! Sabe do que você me lembra? continuou Katie antes que Cris tivesse oportunidade de responder. Você parece a Renée na aula de inglês, semana passada, quando reclamava do Rick ter recusado o convite dela para o baile. Só que ela se queixava de que você fosse a "outra"! - Verdade? indagou Cris com uma estranha sensação de empolgamento. - Não deixe isso lhe subir à cabeça. Das garotas que conheça você é a que tem o melhor relacionamento com o Rick. Não vá atrapalhar as coisas. Meu conselho é: dê um tempo ao Ted. Amanhã na igreja nós combinaremos os planos para a festa de formatura com o Leo e o Rick. Você vai ver. Vai dar tudo certo. Essa semana vai ser inesquecível! Cris encontrou-se com Katie na manhã seguinte, na sala maternal da escola dominical. Katie estava pronta para pôr em -prática os planos. Então algo que tinha gosto de milagre aconteceu-lhe Contudo, já que Cris não estava "de bem" com Deus, recusou-se a reconhecer como milagre. D. Nancy Johnson, mãe de uma das aluninhas, Ashley, três anos, aproximou-se de Cris, e comentou: - Minha filha falou em você a semana toda. Ashley bancava a tímida no ombro da mãe, mas quando Cris deu um sorriso e estendeu-lhe os braços, ela pulou alegremente para o colo de Cris.
- Óia! To com dodói, disse a bonequinha, mostrando o dedinho envolvido num Band-Aid. - Ela enfiou o dedo no apontador de lápis do irmão, explicou a mãe. - Ah! fez Cris e deu-lhe um beijo. Sarou? perguntou ela. Ashley acenou que sim, o rabo-de-cavalo saltando para cima e para baixo. - Estive pensando, Cris, se você poderia cuidar dela para mim de vez em quando? - Claro. - Ótimo. Depois a gente conversa, mas já vou lhe adiantando que nas férias vou precisar de uma babá para tempo integral. Se estiver interessada, fale comigo. Ashley adora você. D. Nancy afastou-se e Ashley desceu do colo de Cris para brincar de casinha com dois meninos. Tem de ser coincidência, pensou Cris. Ou talvez a minha mãe a conheça e lhe tenha dito que estou precisando de emprego para pagaras despesas relacionadas com a liderança de torcida. Com as muitas atividades de Cris, o tempo passou voando. Ela e Katie mal puderam conversar, de tão ocupadas que estavam, contando histórias e brincando com as crianças. Um menininho passou a manhã toda isolado. Usava óculos que eram afixados por correias que passavam acima das orelhas, aliás, muito grandes para seu rosto. O conjunto todo – orelhas, óculos e correias - davam-lhe uma
aparência estranha. Finalmente, perto do final da aula, aproximou-se das outras crianças, quando as "tias" distribuíam papel e lápis de cera. - Você fez um desenho engraçado, disse outro menino quando o garotinho exibia seu trabalho. - Fiz não! - Fez sim! É engraçado. O menino caiu no choro e, coitado!, não conseguia limpar os olhos por causa dos óculos presos pela alça. As duas auxiliares, Cris e Katie, foram acudi-lo, já que a professora estava ocupada com outra criança, que esperneava naquele momento. - Qual o problema aqui? perguntou Katie com firmeza. - Ele debochou do meu desenho, reclamou o menino, ofendido. Com cara mais lavada, aparentando inocência, o outro explicou: - Eu só disse que era engraçado, porque é mesmo. - Mas você zombou do que ele fez com tanto capricho, disse Katie, erguendo o menino enquanto Cris ia buscar um lenço. Pede desculpas a ele. - Não. - Você tem de pedir-lhe desculpas. O menino parou, desafiando as professoras e resolvido a não se desculpar. Katie forçou a situação usando uma voz mais severa e um olhar de brava. - Peça desculpas, agora! - Desculpa, falou o garoto, mais parecendo um pintinho piando.
Mas Katie se deu por satisfeita - justiça fora feita, pensava - e deixou a mesa de colorir, porque alguns pais já estavam chegando para buscar os filhos. Cris, prestes a se afastar, ouviu o menino que tivera de pedir desculpas, dizer em voz baixa: - Você tem orelha esquisita e uma cara engraçada! Imediatamente lembrou-se da conversa de sexta-feira à noite com Ted. Cris virou-se depressa e olhou séria para o garotinho. Com voz firme, mas calma, disse: - Nunca mais deboche do que Deus fez! Entendeu? Deus fez assim aquele menininho. Não deboche mais dele! O garoto ficou sentadinho, absolutamente quieto, cabisbaixo. Cris percebeu que suas palavras o tinham assustado. Ela repetira as mesmas palavras do Ted. Só que o jeito como Ted lhe falara levara-a a quebrantar-se, sem assustá-la. Teve vontade de largar tudo. Sentia-se horrível por ter citado a frase do Ted, sobretudo porque desejava continuar zangada com ele. Não queria que Ted tivesse razão em nada e detestou o modo com que lhe imitara a espiritualidade. Começou a separar os brinquedos e a colocá-los nas caixas buscando alguma coisa com que se ocupar. Isso deu tempo para que se acalmasse e organizasse suas idéias e sentimentos. Não viu quando o garotinho de orelhas grandes aproximou-se dela por trás e puxou sua saia. Cris virou-se para ele, e fitou-o. Sua carinha tinha um ar angelical. O rosto do menino brilhava. Seu sorriso, largo e tão sincero, como que "apagava" a feiúra de óculos e das orelhas
grandes. Ele olhou para ela como se a repreensão dirigida ao menino malvado tivesse mudado sua vida. - Tchau, professora! disse com voz de ratinho, e saiu correndo para a porta onde seu pai o aguardava. As pessoas olham o exterior. Deus vê o coração. Por mais que ela detestasse aqueles pensamentos que lhe traziam à mente mais algumas palavras de Ted, ela permitiu que eles pairassem por um instante, lembrando como o rostinho daquele garoto se iluminara.
Os Planos Para a Festa de Formatura
8 Katie conseguiu atrair a atenção de Cris e fez sinal para que fossem embora. As duas saíram da sala das crianças para o banheiro, a fim de darem um jeito no cabelo antes de começar o primeiro passo do seu plano para a festa. Primeiro teriam de encontrar o Leo. Acabou sendo fácil; difícil seria o rapaz passar despercebido. Usava roupas malucas. Sempre. E seu cabelo mudava a cada semana, não só de estilo, mas muitas vezes de cor. Uma coisa podia-se dizer sobre o Leo: na escola, todo mundo o conhecia e a maioria sabia que ele era cristão. Pelo menos estava sempre com a turma da mocidade. Quando as meninas estavam saindo do banheiro, deram de cara com ele. - Vocês estão aí! disse ele, exagerando no tom de surpresa. Posso acompanhá-las ao culto? Katie respondeu também com os mesmos exageros que Cris achava tão engraçado nos dois. - Você viu o Rick? perguntou Katie, e saiu deixando Cris um pouco para trás. Temos de verificar se ele concorda, sabe, em formarmos um grupo de quatro, no sábado. - Ele deve estar em algum lugar por aqui. Vamos procurá-lo! Leo falava como se fosse personagem de desenho animado. Então deu um pulinho e saiu imitando Charlie Chaplin.
Os corredores da igreja estavam cheios de pessoas saindo e entrando das salas de aula e dirigindo-se para o templo. Os três ficaram juntos e encontraram o Rick mais na frente, conversando com um grupo de garotas. Ele logo as avistou, mas continuou conversando, dando a dica de que o grupo que agora o cercava tinha maior importância do que os três que se aproximavam. Katie tomou as rédeas como só ela sabia. Olá, Doyle! Dê uma chegadinha até aqui. Temos assuntos a tratar. De repente, Cris perdeu toda a coragem. Não era seu estilo ir atrás de um rapaz daquele jeito. Desejou nunca ter concordado com o plano de Katie para a festa. Tarde demais, Rick aproximou-se deles, tranquilo, calmo, confiante. Cris pensou em como o Rick ficaria ótimo numa propaganda de desodorante. Tinha jeito de quem não se abala por nada. Mas notou que, enquanto conversavam, ele evitou olhar para ela. Será que ele está zangado sobre sexta-feira passada e o Ted? Ou o problema são meus "olhos de matar"? Em menos de três minutos, Katie havia fechado os planos de formatura. Só precisavam decidir a hora em que a limusine viria buscá-los. Devia ter batido o recorde mundial em termos de diálogo persuasivo. Katie até disse ao Rick onde ele encontraria flores que combinassem com um vestido vermelho, já que o ouvira dizer que ele gostava de ver a Cris de vermelho. Por que a Katie disse isso? Que vergonha! E onde é que vou arranjar um vestido vermelho?
Finalmente Rick olhou para a Cris, e disse em tom de brincadeira: - Não vou fazer ondas com o Cão da Lua, vou? Cris vasculhou a memória até lembrar que "Cão da Lua" era o nome de um surfista de um velho filme de praia. Forçou o riso, como os outros, e fez que "não" com a cabeça. O olhar do Rick foi diretamente para o pulso dela, onde desde o Ano Novo ela usava uma pulseira de chapinha, agora claramente ausente. Não percebera que o Rick a tinha notado antes. Só as amigas sabiam que fora o Tal quem lhe havia dado a jóia. - Não, disse Rick. Parece que não. Estava decidido. Iriam os quatro à formatura. Para oficializar o fato, entraram juntos na igreja e sentaram-se num lugar onde todo mundo podia vêlos. Cris não ouviu nenhuma palavra do culto. No momento não havia nada que ela quisesse ouvir acerca de Deus ou falar com ele. Ate a hora de acabar, Cris já tinha-se convencido de que toda aquela manobra para forçar os acontecimentos estava certa. Que lhe importava se não tinha o Ted nem aqueles sonhos todos? Ela faria com que esse plano de festa desse certo. Iria com o Rick, ficaria linda e se divertiria muito e todo mundo estaria contente. Todos, exceto uma pessoa que ela se esquecera de incluir nos planos de festa: seu pai. - Não, Cristina. Absolutamente não, disse ele à mesa da cozinha, após o almoço de domingo. Você não vai a festa nenhuma. Está completamente fora de cogitação. Cris continuou como se não tivesse ouvido.
- Mas, pai, não é o mesmo que sair com um rapaz, porque vamos nós quatro juntos. E veja só, eles estão contando comigo. O pai do Leo já alugou uma limusine para nós. - Uma limusine?! exclamou sua mãe. Não entendo você, Cristina! Você por algum minuto pensou que seu pai e eu aprovaríamos sua ida a um baile? E de limusine? - Bem, pensei que abririam uma exceção, por se tratar de meus amigos da igreja, e, na verdade, não é um baile. O pai e a mãe se entreolharam, um esperando que o outro tomasse a iniciativa. Cris achava que conseguiria convencê-los. Com persistência mas em tom respeitoso, perguntou: - Querem me explicar por que não posso ir? - Para começo de conversa, você não pode namorar enquanto não fizer dezesseis anos, disse a mãe. - E ainda mais, interrompeu o pai com um olhar aborrecido, nós não aprovamos esse tipo de festa. - Mas por quê? perguntou Cris. - A música... A mãe interrompeu o marido: - Não permitimos que escute esse tipo de música nem em casa! Por que permitiríamos que fosse a uma festa e a escutasse a noite toda? Seu pai continuou com a lista:
- E o ambiente, o jeito que as meninas se vestem, e a... aqui ele pigarreou e continuou: as danças sugestivas. A resposta é não, Cris. Você não vai. Cris virou-se para a mãe, esperando que ela lhe desse apoio. Mas o rosto amável dela tinha uma expressão firme e decidida. - Talvez outros pais da igreja permitam que os seus filhos vão, disse, mas eu e seu pai não. Você terá de dizer a esse rapaz que não poderá ir. - Mas não posso fazer isso! falou Cris choramingando mais do que pretendia. - Diga a ele, simplesmente: "Obrigada por ter me convidado, mas não posso ir", instruiu a mãe. - Mas não foi exatamente ele que me convidou. Eu... bom, fui eu que o convidei. A mãe encarou-a. - Você fez isso? - Fiz. Eu o convidei. Mais ou menos. Na verdade, foi a Katie quem falou por mini, porque ela queria convidar o Leo. E foi assim, e agora nós quatro temos de ir juntos. O pai levantou-se, apoiando as mãos na mesa. - Você resolve isso, Margaret. Se eu continuar, vou me arrepender mais tarde. Ele se afastou da mesa, deixando-as a sós. A mãe de Cris, de tão vermelha, parecia estar com o rosto queimado. - Como é o nome do rapaz?
- Rick. Rick Doyle. A senhora o conhece. - Você tem o número do telefone dele? - Tenho. A mãe apertou os lábios. - Quero que você ligue agora mesmo para ele e diga-lhe que sente muito, mas foi um grande erro, e que você não vai à festa. - Não posso, mãe! - Pode sim! replicou ela, as palavras bem pausadas e com serena intensidade. Cris engoliu para afastar um nó de tristeza e orgulho que estava na garganta. Como poderia dizer ao Rick que sentia muito, mas que os planos estavam cancelados? O pior momento de sua vida certamente foi aquele em que Rick atendeu o telefone. Com a mãe ao lado, Cris forçou-se a falar: - Rick, oi! É a Cris. - Olá, "de matar". O que houve? - Rick... Ela não conseguia. Não podia confessar que os planos haviam sido frustrados. - O que foi? Sua mãe aproximou-se mais e perguntou: - Quer que eu fale com ele? Cris fez que não e afastou-se um pouco. A mãe recuou um passo e esperou. - Hã! Rick, surgiu um problema e, bem... não posso ir à festa.
Silêncio. - Sinto muito. Clique. Cris ouviu o som do telefone que acabava de ser desligado. Virou-se para a mãe, segurando o fone como se fosse um rato morto. - Ele desligou! disse e caiu em prantos. A mãe colocou o fone no gancho e tentou consolar a filha. Cris reprimiu as lágrimas e sufocou os sentimentos, ansiosa para ficar sozinha no quarto. A mãe soltou-a, murmurando: - Sei que é duro, querida. Sei que é duro. Então por que me forçou a isso? O que há de tão mal em ir a uma festa como essa? Por que me tratam como se eu fosse um bebe? Vocês não se interessam por aquilo que é realmente importante pra mim! Vocês simplesmente não se importam! Cris jogou-se na cama, pronta para um longo acesso de choro. Mas o pai bateu à porta e entrou. Ela não tinha certeza se deveria esconder seu pesar e interromper o pranto, ou descontrolar-se e fazer um escândalo. Acabou dando uma estranha amostra das duas opções, olhando-o com um rosto inexpressivo como que a dizer: Você não pode me magoar. Não vou deixar que me magoe! Só que as lágrimas se recusaram a interromper-se, e rolavam feito uma cascata. O pai sentou-se na beira da cama, afundando com seu peso todo o lado por ele ocupado. Um pouco sem jeito, começou a catar as palavras para dizer. Cris permaneceu imóvel, implorando por dentro: Não grite comigo. Por favor, não me diga que foi um erro estúpido que cometi, envolvendo-me nessa coisa toda de planos de
festa de formatura. Não me faça sermão. Só me abrace. Não pode apenas me abraçar e deixar que eu derrame meu coração? Ele passou os dedos grossos pelo espesso cabelo castanho-avermelhado. - Sabe, as coisas hoje em dia são diferentes de quando eu e sua mãe éramos jovens. Ela sabia muito bem disso. - E algumas coisas aqui na Califórnia são diferentes de onde morávamos, no Wisconsin. Também sabia disso. - Você tem de entender que os rapazes são diferentes das garotas. Definitivamente, ela sabia disso também! - Eu sei o que os rapazes pensam quando estão dançando, principalmente hoje em dia, com essas letras sugestivas das canções... - Pai, disse Cris, tentando interrompê-lo. Mas ele tinha mais coisas a dizer. Levantou a mão em sinal de silêncio. - Eu sei como é, Cris, e não quero nenhum rapaz pensando em minha filha desse jeito. Principalmente, não quero ver minha filha afeiçoada a esse tipo de... de... a essa espécie de ambiente. Cris fungou. As lágrimas continuavam caindo. - Eu e sua mãe queremos que você seja o que é, e não tente ser aquilo que não é. Você tem quinze anos, não dezesseis. E você é filha de um simples funcionário de laticínio, não de uma estrela de cinema para sair por aí de limusine.
O jeito como ele falara pareceu-lhe tão absurdo, que ela acabou misturando risos e tosse, espontaneamente. O rosto do pai enterneceu-se todo, e o semblante ficou menos carregado; relaxara-se. - Você vai ter de confiar em sua mãe e em mim, Cristina. Talvez não goste das decisões que tomamos, mas estamos fazendo o melhor que sabemos. - Eu sei, disse Cris, sentindo o coração amolecer. Sinto muito. Sabe, fiquei tão envolvida com meus sonhos, querendo me arrumar toda e, bem, sentir-me especial de verdade. A declaração surpreendeu-a. Só percebeu depois que falou, fazia meses, talvez anos, que não se abria com o pai de forma tão sincera, do fundo do coração. - Não é errado ter sonhos, disse ele, ainda tentando manter a expressão severa no rosto, mas sem conseguir. Todos nós temos sonhos. A questão é: é o sonho que nos controla, ou somos nós que o controlamos? Cris concordou, limpando as últimas lágrimas. Era agradável conversar com o pai como se ambos fossem adultos. E ele nem tinha gritado com ela. Sentia-se pronta para o momento de ternura paterna no final da conversa. Talvez ele lhe desse um beijo na testa, como fazia quando era pequenina, antes de dormir. Mas naquele instante David bateu na porta do quarto. - Cris, telefone! - Quem é? - Uma moça.
Cris fez uma careta para o pai como quem diz: "Esses irmãozinhos!" Ele sorriu. - Como é o nome dela? - Sei não. Eu falei pra ela que você estava chorando no quarto porque estavam ralhando com você por não ter um namorado. - David! gritou Cris sentando na cama e, olhando rapidamente para o pai, como quem pergunta: "Posso ver quem é?" O pai concordou, e ela, num instante, cruzou a porta, agarrando David pelos ombros. - Por que disse isso? David estremeceu, como que gritando por socorro, com palavras que combinavam com a expressão do rosto. - Você me disse pra falar sempre a verdade no telefone. Cris passou em disparada pelo "palhacinho", e pegou o fone. - Alô? - Cris? - Sim, é Cris. - Oi, Cris! Você está bem? É Alissa! - Alissa? Cris conhecera Alissa na praia, nas férias passadas. Elas se corresponderam algumas vezes, mas nunca se falaram pelo telefone, porque Alissa morava em Boston. - E então, Cris? Como vão as coisas por aí?
- Tudo ótimo. E com você? - Nós estamos ótimas. - Nós? perguntou Cris. Quer dizer, você teve o... quer dizer, nasceu o nenê? - Semana passada. É uma menininha. - Verdade. Que maravilha, Alissa! - Eu dei a ela o nome de Samantha Cristina em homenagem a você e... bem ao Sam também. Ela é linda, mas totalmente careca. Cris e Alissa riram ao mesmo tempo. - Então você está bem? - Exceto pelo fato de eu ter engordado doze quilos, sim. Provavelmente, essa é a melhor época de minha vida, graças a você. - E o que foi que eu fiz? - Cris, se você não tivesse escrito pra mim, me encorajado, falado de Deus e tudo o mais, bem, quando descobri que estava grávida, eu provavelmente teria me matado ou feito um aborto ou sei lá o quê. Nunca teria ido ao centro de gravidez de risco. Só fui lá porque você me disse pra procurar uma igreja e buscar contato com pessoas crentes. Eu sabia que simplesmente não podia entrar numa igreja, grávida e tudo o mais, e esperar que as pessoas me aceitassem. As palavras do Ted vinham-lhe à lembrança e para livrar-se delas, Cris as utilizou na resposta. - Sabe, Alissa, as pessoas olham o que é exterior, mas Deus vê o coração. - Agora eu sei disso. Minha conselheira, Frances, vive me dizendo a mesma coisa. Ela tem um grupo de apoio na casa dela para grávidas e jovens
mães. Eu vou toda semana. Elas falam muito sobre Deus e estou começando a entender algumas das coisas que você escreveu sobre confiar em Deus e entregar-lhe o coração. Aquelas palavras a tocaram profundamente. No momento, Cris sentia-se como se ela e Deus estivessem em guerra pela posse do seu coração, e sabia que ela estava ganhando. Aparentemente, Alissa e Deus travavam a mesma luta; só que com ela Deus parecia estar levando a melhor. - Bem, e você entregou? - Entreguei o quê? perguntou Alissa. - O coração a Deus? - Não exatamente. A Frances já me explicou tudo, como preciso me arrepender das coisas que fiz e que desagradam a Deus, pedir-lhe perdão e entregar-lhe a minha vida. Mas ainda não fiz tudo. Sempre me foi difícil dizer que estou arrependida, e mais dificuldade encontro em confiar a alguém o controle de minha vida, sei lá, como a Frances me explicou. Cris estava decepcionada. Desde que conhecera Alissa, desejava que ela entregasse a vida ao Senhor e se tornasse cristã. Parecia tão próxima de uma decisão! - E o Ted, como vai? Vocês estão juntos? perguntou Alissa, mudando de assunto. - Não exatamente. - O que está acontecendo? Seu irmão disse que estava levando um sermão por não ter um namorado ou coisa parecida.
- Ele confundiu tudo, respondeu Cris meio hesitante, mas resolveu contar tudo a essa amiga de longe que fora tão sincera com ela. As coisas com o Ted não estão lá muito bem. Ele vai levar uma moça de nome lasmim à festa de formatura no próximo sábado, e como ela está numa cadeira de rodas, acho que ele pensa que eu deveria ter muita pena dela, como ele tem. - Ela, de cadeira de rodas? - É. Sofreu um acidente de carro. Provavelmente, ela tem longos cabelos loiros como o seu, e eu não me surpreenderia se fosse eleita rainha do baile. - Verdade? - Bem, não sei, mas ele está louco por ela; portanto, deve haver algo mais rolando entre eles, mais do que me contou. Coloquei-no na minha lista dos "amigos somente". Além do mais, talvez ele nem passe as férias por aqui. - E para onde vai ele? - Havaí. "Coitadinho dele", não? indagou em tom irônico. - Gostei muito do Havaí quando moramos lá. Eu e meu pai caminhávamos na praia toda noite. Cris sabia que o pai de Alissa morrera um ano atrás. Pensou se deveria perguntar sobre a mãe dela, que era alcoólatra. - Ainda está morando com sua avó? - Não. Ela me botou pra fora uns dois meses atrás, porque eu a envergonhei na frente de todas as suas amigas corretas de Boston. Ela ainda não viu a Samantha. Nem minha mãe. - Como está sua mãe?
- Do mesmo jeito. Ela já fez o mesmo programa de tratamento duas vezes. - E onde você está morando? - Com a filha da Frances. É casada com um cara muito legal e eles têm duas menininhas; portanto a Samantha terá duas coleguinhas pra brincar. - Que bom! Fico contente vendo que as coisas estão melhorando pra você. - Eu penso muito em você, Cris, e em como você disse que Deus sabe e se importa com tudo em minha vida. É difícil, pra mim, crer, mas penso muito sobre isso. Você dá um alo ao Ted por mim? Isto é, quando vocês voltarem a se falar. Eu lhe contei que ele me escreveu uma carta incrível há uns dois meses? Cinco páginas! Acho que já li umas cem vezes. Vou guardar pra mostrar à Samantha quando ela tiver idade e souber ler. Ted escreveu-lhe uma carta de cinco páginas? Ele nunca escreveu pra mim! - Acho bom parar por aqui, concluiu Alissa. E não se preocupe, Cris. As coisas entre você e o Ted vão dar certo. Sempre acabam se acertando. Mas quando falar com ele, diga-lhe que eu acho que ele devia ter levado você à festa de formatura.
Amor Ciumento
9
- Como foi seu fim-de-semana, Cris? perguntou-lhe uma menina, na aula de Matemática, na segunda-feira. - Interessante, respondeu ela um pouco desconfiada. Antes disso, uma outra garota que ela nem conhecia se aproximara dela, perguntando: - Você é a garota que deu o bolo no Rick Doyle? - O que você disse? - Ouvi dizer que você fez o Rick sentir o "gostinho" do que ele está sempre fazendo com os outros. Parabéns! Ela não ligou para os comentários da colega. Depois, junto aos escaninhos, encontrou a Katie, que foi logo acusando: - Espero que você esteja bem ciente de que arruinou a minha festa de formatura, omitindo-se na última hora! - Ah, você já soube! murmurou Cris. - Eu e metade do colégio. Ninguém jamais deu o bolo no Rick. Eu deveria estar mais zangada, mas acho que já era hora dele experimentar seu próprio veneno, e foi exatamente isso que você fez com ele. - Não foi essa a minha intenção...
- Eu e o Leo não vamos nos divertir nada sem você, sabe. - Que é isso? Vocês dois vão se divertir à bessa. Além do mais, o Rick deve ir à festa assim mesmo; ou não? - E eu vou saber? Ele está dando uma de desentendido. Ninguém sabe o que ele vai fazer. A manhã toda Cris evitou encontrar-se com o Rick nos corredores. Queria muito falar com ele, mas ainda não sabia ao certo o que dizer. Agora, na aula de Matemática, ouvindo a colega perguntar como fora o fim de semana, Cris ficou a indagar-se sobre quem mais sabia do acontecido. Aparentemente, sua vida era um livro aberto. - Ah, é? E o que houve de tão interessante? insistia a menina. - É que passei alguns momentos bem difíceis. - Bem, então espero que a semana seja bem melhor! Pelo jeito como a menina falou, Cris não sabia se estava sendo irônica ou não. A aula começou, e ela pensou: Esta semana tem de ser melhor! Todo mundo está de olho em mim! Preciso me es/orçar ao máximo nas provas, e na sexta tenho de passar no teste pra entrar na equipe. Isso não vai substituir a festa de formatura, nem o Ted e o Rick, mas pelo menos vai mostrar pra todo mundo que eu consegui. E consegui sem a ajuda de Rick Doyle! O professor de Matemática devolveu as provas da sexta-feira passada. Cris foi a primeira a receber a sua. Um enorme O vermelho no alto da página. Fracasso. Falha. Bomba! Até então, Cris nunca recebera um O. Já ganhara até
4,3, mas um O, jamais. Isso não era jeito de se iniciar uma semana. Ela havia errado todas as questões. - Um terço da classe foi reprovado nesse exame, anunciou o professor. Os que foram mal terão de fazer outro em substituição a este, amanhã após o horário de aula. Ótimo! Como é que vou estar em dois lugares ao mesmo tempo? Tenho de ir ao ensaio, mas se não fizer a nova prova, estarei numa enroscada daquelas! E quando é que vou ter tempo pra estudar? E os problemas não diminuíram no ensaio. Renée e suas amigas ficaram fofocando, e as três encararam Cris assim que entrou em campo. Tão logo ela chegou mais perto, Renée disse: - Bem, pelo menos meus pais vão me deixar ir ao baile; não como certas pessoas que conhecemos, que são muito novinhas e não podem sair com rapazes. As meninas caíram na risada. Cris fingiu não se importar e fez os exercícios de alongamento sozinha. - Olhe só, ela vai acabar confessando também que é criança demais pra ser líder de torcida; espere só. Hei? trocou as fraldas antes de começar o ensaio? Não queremos nenhum acidente aqui, não é mesmo? Cris fez como se não tivesse ouvido a provocação; só uma frase martelavalhe a cabeça: Não ligue pra. ela. Não ligue pra ela. Você consegue! Você consegue!
Quando todas as candidatas se reuniram ali, tornou-se claro que o número de esperançosas tinha diminuído. Sobraram apenas oito. Na sexta, os juizes selecionariam sete líderes de torcida. Portanto, todas, menos uma, seriam escolhidas. Agora tinham muita motivação, cada qual tentando provar que merecia estar entre as sete selecionadas. Ao fazer os exercícios mais algumas vezes, Cris se concentrou bastante, procurando deixar os braços retos, os movimentos bem marcados, a voz mais alta. Já a caminho da grande vitória, Nós não desistimos: Fazemos história! - Está bem, disse-lhes a Prof.a Janet, após o ensaio. As que estão aqui hoje sabem que a decisão será entre vocês oito; mesmo que mais uma ou duas das que não puderam vir hoje ainda se apresentem. Os próximos três ensaios serão vitais. Cheguem na hora certa; o atraso pode afetar seu desempenho na sextafeira. Alguma pergunta? Cris esperou que as outras meninas fossem embora antes de perguntar sobre a próxima terça-feira. - Tenho de fazer uma prova para substituir a de Matemática e é exatamente nesse horário que o professor vai aplicá-la.
- Depende de você, disse a professora. Os últimos treinos são muito importantes. Você está indo bem, Cris, mas precisa ensaiar. Terá de ver o que é mais interessante para você. - Eu posso ajudá-la, ofereceu, Teri, a garota que enfrentara Renée na semana anterior. Se você se atrasar para o ensaio, fico depois e mostro o que perdeu durante a primeira parte. - Tem certeza? Teri concordou fazendo um sinal com a cabeça, e seus olhos castanhos demonstraram sinceridade. - Pode ser assim, professora? perguntou Cris, ainda surpresa com a generosa oferta de Teri. - Depende de vocês, meninas. Eu estarei aqui até às 16:30. Depois disso, terão de fazer sozinhas. - Obrigada, Teri, disse Cris. - Por nada. Vejo você amanhã. Naquela noite Cris passou pelo menos oito horas e meia estudando Matemática. Resolveu não contar aos pais sobre o zero que tirara. Para que deixá-los nervosos quando tinha a oportunidade de melhorar a nota? Ficou trabalhando no dever de casa até às 22:00h, tentando concentrar-se nos estudos. O desejo de terminar logo a tarefa de casa era apenas uma das razões pelas quais ela se empenhava tanto. A outra intensificou-se logo que ela se deitou.
Eram os seus pensamentos; e as emoções que estivera reprimindo, guardadas a sete chaves no coração. Agora giravam incessantemente, parecendo chocar-se no escuro. Eram pensamentos e sentimentos sobre Ted, lasmim, Rick, Katie, Renée e toda a pressão a que ela vinha se submetendo para conseguir classificar-se na equipe. Todas as questões da vida giraram em seu subconsciente noite adentro. Não orou. Não orava desde a última sexta-feira. Sabia que se sentiria melhor se o fizesse, mas sua teimosia não a deixava ceder. Preferiu continuar sendo motivada pela ansiedade e pelo ciúme. No almoço, na terça-feira, Katie notou que Cris não estava usando a pulseira de chapinha gravada "Para Sempre". A garota explicou que a guardaria como lembrança, mas que a jóia não significava mais nada para ela. - O que você quer dizer com isso? perguntou Katie. Que descartou o Ted de sua vida? Acho difícil acreditar. Outro dia você disse que ele estaria pra sempre no seu coração. - Eu disse? - Disse sim. Quer saber o que acho? - Não, replicou Cris, comendo seu sanduíche e sabendo muito bem que Katie não ligaria para sua resposta. - Acho que no fundo você o ama, mas está com medo de sofrer porque seu relacionamento vive em altos e baixos.
- Não. O Ted foi só uma fantasia. Sempre quis que ele se interessasse por mim como eu me interesso por ele, mas ele sempre ficou na dele. Não servimos um para o outro. Sou ciumenta demais. Cris nem percebera que sentia essas coisas. Surpreendeu-se ao ouvir o que saíra de sua própria boca. - Será que fui eu mesma que disse isso agora? - O quê? que tem ciúmes? -É. - Foi o que você disse. Mas sabe o que penso? Acho que o ciúme é uma coisa normal quando se ama alguém; é uma boa maneira de se demonstrar o quanto a gente se interessa por esse alguém. Quanto mais ciúmes, mais a gente gosta. Cris não acreditava nisso. Afinal de contas, Katie não tinha muita experiência em questões de amor. Como poderia saber o que é normal e o que não é? Além do mais, quando Ted citou aqueles versículos sobre o amor, disse que o amor não ardia em ciúmes. Dessa parte ela se lembrava. - Sei não, Katie. Só sei que essa lasmim certamente é mais importante para o Ted do que eu. Devo estar lá embaixo na escala de valores dele, já que minha rival é uma garota numa cadeira de rodas. - Ah, que é isso, Cris, calma! Acho que você não está vendo as coisas da maneira correta. Quer dizer, mesmo que o Ted a tivesse convidado, acha que seus pais a deixariam ir?
- Sei lá. Talvez. Eles o tratam como se fosse um sobrinho querido, há muito desaparecido. - Eles têm toda razão. Eu também o trataria assim. Ele parece um cara perfeito. - É. Bom, talvez seja demasiadamente perfeito. Espiritual demais. Está sempre tentando ver as coisas do ponto de vista de Deus, e isso é difícil pra mim. Não consigo acompanhá-lo. Simplesmente não penso do seu jeito e nem vejo as coisas pela perspectiva dele. Katie amassou o saquinho de lanche, agora vazio, fazendo uma bolinha. Mirou a lata de lixo e atirou. Fez "não" com a cabeça, o cabelo ruivo, liso, esvoaçante como cortinado de organdi. - Se quer saber minha opinião, acho que vale a pena você tentar acompanhá-lo. Quer dizer; você não prefere a companhia de um sujeito que já se encontra alguns passos à sua frente emocional ou espiritualmente, ou seja lá como for? Parece que os poucos rapazes que já pintaram em minha vida só andam à minha frente fisicamente. Entende o que quero dizer? Cris sorriu e concordou. Sabia exatamente do que Katie estava falando. - Sabia, disse Katie, sussurrando e inclinando-se para a frente, que alguns casais reservaram quartos no hotel Coronado pra depois da festa? - Está brincando! - Não! É verdade. Também ouvi dizer que no ano passado, depois do baile de formatura, seis jogadores da equipe de futebol, com suas respectivas namoradas, foram presos por estarem fazendo algazarra num quarto de hotel.
Estavam bêbados e faziam muito barulho. Chegaram até a quebrar alguns móveis. A segurança do hotel botou-os pra fora. - Que coisa revoltante! Por que não pode ser um baile bonito, tranquilo e sem maldade, como nos filmes? - É mesmo, disse Katie, enquanto o sinal tocava, anunciando o fim do horário de almoço. Espero muito que outro casal vá conosco, porque, sinceramente, não sei bem o que é diversão para o Leo. Cris correu para a aula de Espanhol, mas o comentário final de Katie ficou em sua mente. Será que o Leo pensaria diferente de Katie quanto à noite de formatura? Ele parecia meio chegado a uma encenação, como o aluguel da limusine já demonstrava. E Cris já tinha percebido que, só porque um rapaz se diz cristão, isso não significa que ele esteja vivendo de acordo com o sistema de valores de um crente verdadeiro. Era estranho, mas pela primeira vez Cris sentiu alívio de não ir à festa com o Rick. Só a pressão dos testes para líder de torcida já bastava para uma semana, sem mencionar a prova de Matemática. A segunda prova acabou sendo mais difícil do que a primeira. Cris entregou a sua e saiu da sala com uma dor de cabeça de rachar. A última coisa que queria na vida era enfrentar Renée e ficar atrás das outras candidatas. Não fosse Teri ter-se oferecido para ajudá-la, provavelmente teria desistido de todo o seu sonho.
- O que você está fazendo aqui? perguntou Renée, cerrando os dentes quando Cris veio ocupar seu lugar, depois de as garotas já terem feito uma série de evoluções. A área do maternal é do outro lado da rua. Teri virou-se para Renée, e disse: - Já estamos cheias dos seus comentários, Renée. A idéia que se faz da gente é que somos uma equipe, não é mesmo? Pois bem: se você deseja tanto assim malhar alguém, por que não critica a mim, que sou mexicana? - Eu nunca faria isso, Teri! falou Renée, parecendo ofendida. Suas amigas logo a cercaram, e Renée continuou a defender-se. - Não tenho preconceito contra hispano-americanos ou qualquer outra pessoa! - Ah, é? Então por que fica azucrinando a Cris só porque ela está no primeiro ano e nós, no segundo? É o mesmo que debochar de mim porque a minha pele é de cor diferente da sua. Eu não posso modificar isso, e a Cris não pode mudar o fato de que é uma primeiranista. A única que pode mudar aqui é você, Renée. Pode mudar de atitude. A Prof.a Janet interferiu e mandou que as meninas se sentassem. Elas atenderam, mas sentaram-se bem distantes umas das outras. Então a professora, encarando Renée, que ficou com os braços cruzados, em sinal de pouco caso, completou parecendo preocupada: - Tem uma coisa que eu já devia ter-lhes dito. Não sei o que tem acontecido nessas últimas semanas de ensaio, mas posso lhes dizer o que vai acontecer nos próximos dias, e depois que a equipe estiver formada. Sim, seremos uma equipe.
Um time onde todas trabalharão juntas, cuidando umas das outras, ajudando-se mutuamente. Cada uma de vocês terá o mesmo valor para mim e para as outras. Entenderam? As meninas fizeram que sim, e ela continuou: - Não admito, e não haverá nenhuma dessas atitudes negativas; desses comentários maldosos. Não sei de tudo que vocês andaram falando, e nem quero saber, mas acho que é hora de pedir desculpas. Se alguma de vocês precisa pedir desculpas a qualquer outra, faça-o agora. Eu espero que vocês façam isso antes do próximo ensaio. Ninguém se mexeu. Cris vasculhou a mente procurando lembrar-se de alguma coisa pela qual tivesse de pedir desculpas, mas sentia-se a própria vítima. Ela é que deveria receber pedidos de desculpas. - Desculpem, disse Teri ao grupo. Eu não devia ter explodido daquele jeito. Desculpe se a ofendi, Renée. Renée não acolheu o pedido de desculpas, nem as pediu a ninguém. - Está bem, disse a Prof.a Janet, quebrando a tensão. Não posso forçá-las a isso, mas farei deste grupo uma equipe. Vamos em frente, e lembrem-se: temos de trabalhar juntas, em mútua cooperação! Ensaiaram a próxima sequência de evolução durante dez minutos, após os quais foram dispensadas. Ninguém tinha muito a dizer. Cris permaneceu no campo com Teri, e passaram à sequência de movimentos que Cris havia perdido no início do ensaio. - Obrigada pelo que você disse, Teri. Foi realmente legal, disse Cris.
Teri afastou do ombro a longa trança, e abanou a cabeça. - Não fui muito legal no que disse, não. - É, mas conseguiu transmitir a idéia. - Talvez. Mas se não consegui dizer com amor, não adiantou nada. Cris assustou-se com as palavras da amiga. Já ouvira aquela expressão. Seria do Ted? - Isso é da Bíblia? - Sim, em Primeira aos Coríntios. - O capítulo do amor, acrescentou Cris, animada. O meu na..., quer dizer, conheço um rapaz que falou sobre isso na semana passada. Ele está decorando. O capítulo todo. - Então ele é crente? perguntou Teri. - Se é! E eu também. E você? - Sou! exclamou Teri com entusiasmo. As duas se abraçaram como se tivessem acabado de descobrir que eram parentes. Depois, falando rapidamente, Teri contou à Cris um pouco de sua vida. Contou que frequentava uma igreja onde só se falava espanhol e onde o pai dela era um dos pastores. Sob o efeito dessa ardente comunhão agora estabelecida entre elas, não lhes sobrou muito tempo para o ensaio, mas decidiram ficar depois das aulas, na quarta e na quinta, para se ajudarem.
Uma Vitória Vazia
10 A quarta e quinta-feira passaram voando, e Cris melhorou muito com a ajuda de Teri. Mas percebeu que a amiga era melhor que ela. Era graciosa e tinha um sorriso que se via das arquibancadas. A intenção de Cris de vencer as concorrentes emprestara-lhe uma tremenda energia por mais de uma semana. Porém o fato de ter-se tornado amiga de Teri complicou mais as coisas, porque não desejava ficar na equipe se Teri fosse reprovada. No dia da prova, ela orou. Bom, não foi bem uma oração; foi apenas uma petiçãozinha. “Por favor, Senhor, deixe que nós duas entremos para a equipe. Juntas poderemos ser melhores testemunhas tuas.” Cris acrescentou essa última parte pensando que talvez Deus teria mais disposição em atender, se houvesse alguma vantagem pra Ele. Na escola a sexta-feira passou em branco. Durante a aula de Espanhol, e com os pés debaixo da carteira, Cris ficou movendo as pernas nos passos da sequência dos exercícios. Não conseguiu almoçar. Procurou a Teri por toda a escola até encontra-la. Juntas treinaram a sequência num cantinho do ginásio de esportes. Finalmente deu a hora: três da tarde. Cris foi a primeira a chegar e a vestir o uniforme, que tomara emprestado de uma das participantes do ano passado.
Ficou em frente do espelho do vestiário, admirando o modo como as listras azuis e douradas acentuavam cada movimento que fazia. As outras sete candidatas foram chegando logo em seguida. Eram 15:15 e dava para Cris sentir que havia como que uma corrente elétrica de empolgação no salão, enquanto as meninas verificavam os últimos detalhes do uniforme e das fitas no cabelo. - Cris, aqui, chamou Teri. Tente prender a fita debaixo do prendedor do rabo-de-cavalo. Espere, deixe que eu arrumo. - Meu cabelo nunca pára dos lados, reclamou Cris, enquanto Teri amarrava a fita azul-real. - Use mais laquê, sugeriu Teri, cujo cabelo estava perfeito, enrolado nas pontas e preso com uma fita dourada. - Espere aí, continuou ela. Feche os olhos. Eu ponho. Teri borrifou o laquê, arrumou o cabelo de Cris e anunciou: - Pronto. Está perfeito, e acredite, vai ficar no lugar. Cris abriu os olhos e viu que realmente ficara muito bom depois do toque "mágico" de Teri. Aí ela viu a Renée, cujo cabelo escuro estava emoldurado por duas fitas, uma azul e uma dourada. - Por que está ajudando ela? perguntou Renée a Teri. Teri não olhou para ela. Calmamente, continuou guardando a escova e o laquê de volta na bolsa e respondeu: - Você não vai querer saber.
- O que quer dizer com isso, "não vai querer saber"? Estou perguntando, não estou? Por que você fica ajudando ela? Cris ficou maravilhada com a força e a autoconfiança de Teri, e com o seu jeito - não se abalava com Renée. - Eu vou lhe dizer o porquê, mas você não vai gostar de ouvir. - Por quê? desafiou-a Renée, com a mão na cintura. - Porque é a mesma razão que eu lhe apresentei no ano passado, depois das provas para líder de torcida, quando você me perguntou se eu estava zangada por você ter conseguido entrar e eu não. - Ah! exclamou Renée irritada. Quer dizer aquelas coisas de ser menina de igreja. Cris ficou a observar, pelo reflexo delas no espelho, as duas moças se encarando. O rosto de Teri era terno e bondoso, ao passo que o de Renée era duro e carrancudo. - Não é que eu seja menina de igreja, Renée. É que amo a Deus. E a Palavra dele diz que se o amo, devo amar o meu próximo como a mim mesma. Renée ficou sem resposta. Tinha no rosto uma leve expressão de dor. Abandonando de sopetão o diálogo, gritou para as outras: -Vamos lá, gente! Temos de nos apresentar às 15:30. É agora mesmo! Dando uma última olhada no espelho, as garotas se enfileiraram e entraram no ginásio com a maior calma possível. A Prof.a Janet entregou a cada uma um círculo de papel com um número para prenderem no uniforme e
apontou para as oito cadeiras à sua frente, cada uma com o número correspondente. Cris foi para a sua cadeira, a de número quatro, e correu os olhos pelas arquibancadas. Num relance viu sua mãe. Deu um sorriso forçado, nervoso. Ainda sorrindo, desejando parecer confiante e cheia de energia, Cris olhou para a fileira de juizes. Nenhum deles retribuiu-lhe o sorriso. - Número um, disse um dos juizes, e a primeira candidata se levantou. Tinha de ser Renée, pensou Cris. Dado o sinal, Renée foi para o centro do ginásio e aí deu o melhor de si. Era excelente. Exteriormente, tinha tudo o que uma líder de torcida de primeira categoria necessitava. Chamaram a n.° 2 e o estômago de Cris começou a revirar-se. E se eu me esquecer de tudo? E se eu cair de cara no chão? E se... Seus pensamentos foram interrompidos por um tapinha no ombro. Alguém que ela não conhecia entregou-lhe um papel e se afastou depressa. Abriu o bilhete e leu: "Vá em frente, 'de matar'. Estou com você até o fim!" Rick? Ela olhou à sua volta mas não o viu. Tinha conseguido evitar encontrar-se com ele a semana toda e não sabia bem se desejava encará-lo, caso o encontrasse agora. O que quer dizer isso? Que ele não está mais zangado sobre a festa de formatura? Chamaram o número três e Cris continuou pensando. Na verdade, ele foi bastante legal me apoiando nessa questão de ser líder de torcida. Nós concordamos
que seríamos amigos, acontecesse o que acontecesse. Na certa ele compreendeu. Sinto um alívio tão grande! Ainda bem, porque de repente o número quatro foi chamado. Com entusiasmo e um jeito todo especial que a destacava das demais candidatas, Cris correu para o meio do ginásio. 0-lê-lê, ô-lá-lá, cuidado conosco Só jogamos pra ganhar! Os Cougars têm garra. Mais que os demais, Vão ser os vencedores, Não perderão jamais! Respirando fundo e tremendo de empolgação, Cris correu de volta para seu lugar. Cada nervo seu tremia. Consegui! Consegui! Fez um esforço gigantesco para se recompor, sentando-se calmamente em seu lugar. Sabia que havia feito uma excelente apresentação. Era boa naquilo, muito boa. Olhou para a arquibancada à procura do Rick. Sua mãe viu-a correndo os olhos pelo local e acenou-lhe dando um imenso sorriso. Retribuindo o sorriso, Cris continuou procurando o Rick. Onde estaria? Recostando um pouco para trás, tentou ver se estava atrás dela. Encontrou o olhar de Teri. Que sorriso contagiante, animador! Teri formou a palavra "perfeito" com os lábios e Cris sentiu-se aquecida pelo calor do elogio da amiga.
Teri sabe demonstrar amor às pessoas. Queria ser como ela! Cris desistiu de procurar o Rick. Concentrou-se em observar as garotas de número cinco e seis. Interiormente torcia pela Teri. Vamos lá, Teri. Sei que você vai conseguir! As duas garotas seguintes se saíram muito bem, e depois veio uma das amigas da Renée. Cris não achou grande coisa a sua apresentação, talvez porque, pessoalmente, também não morresse de amores pela garota. Quando estava na metade da apresentação, ela errou e pediu aos juizes permissão para repetir tudo. Cris desejou sentir pena da amiga da Renée, mas na verdade ficou contente por ver que ela perdera pontos na classificação. Isso dava a Teri a vantagem de que ela precisava. A pobre Teri tinha o número oito, a pior posição - a de última candidata. Teri saltou para o meio da quadra. Vá em frente, Teri! Cris sabia que a Teri seria a melhor de todas. Não apenas porque conhecia muito bem os passos, mas porque ela enfrentara Renée e não receava falar de seu relacionamento com Deus. Certamente Deus deixaria Teri ser líder de torcida, e mais ainda porque no ano passado ela não tinha conseguido a vaga. Teri começou tocando os pés, o que fazia melhor que qualquer outra pessoa. Mas algo aconteceu e ela se desequilibrou. Caiu no chão e todos na platéia soltaram uma exclamação. Conseguiu levantar-se e terminar a
apresentação que acabou sendo fraca e sem brilho; nada parecido com seu estilo normal. Os espectadores aplaudiram fortemente a Teri, que mancava ao voltar ao seu lugar. Cris viu as lágrimas escorrendo pelo rosto da amiga. Com dignidade, Teri sentou-se em sua cadeira e ficou aguardando com as demais, embora estando claro para todos que ela sentia fortes dores. Cris tinha vontade de correr para lá e fazer alguma coisa. A conselheira conversou baixinho com Teri e deu-lhe um saco de gelo, que a garota colocou no tornozelo, esperando a outra etapa do teste. Os juizes terminaram de somar as notas e chamaram as candidatas de volta. A parte final era a mais fácil. As meninas faziam um pequeno número juntas, a fim de mostrar como elas atuariam em equipe. Saltando dos seus lugares, batendo palmas, dando vivas e urras, e com as saias coloridas balançando. acabaram formando uma equipe. Teri não fora; não as acompanhara. Cris olhou para ela, sentada sozinha, segurando a compressa de gelo no tornozelo. A decisão fora tomada. Todos sabiam disso. Como Teri não participara dessa apresentação, não seria classificada. As sete meninas no meio do ginásio constituiriam a equipe de líderes de torcida para o ano seguinte. Voltaram aos seus lugares, olhando triunfalmente umas para as outras, sabendo que o corte havia sido feito, e não foram elas as cortadas. Nunca tinha havido tão poucas candidatas para o grupo. Geralmente apresentavam-se umas doze meninas.
O Colégio Kelley tinha como tradição só anunciar as classificadas para a equipe uma semana depois dos testes. Esse ano não haveria surpresas. Todos os alunos e pais que tinham vindo assistir à prova sabiam que ali estavam as sete escolhidas. Com as provas oficialmente encerradas, pés barulhentos desciam as arquibancadas. Cris desceu correndo para o vestiário à procura de Teri. Encontrou-a na sala da treinadora, o pé sobre uma cadeira, coberto com um grande saco de gelo. As lágrimas haviam borrado sua maquiagem, e Teri estava com um aspecto de fazer dó. - Você está bem? perguntou Cris, baixinho. Suas emoções iam lá em cima, quando pensava na sua vitória, e a seguir lá em baixo, ao perceber a situação de Teri. Era uma terrível mistura de sentimentos para se aguentar de uma só pancada. - Não, mas vai passar. A voz de Teri tremia. Então, com uma força e dignidade desconhecida por Cris num momento desses, Teri continuou: - Parabéns! Estou contente por você ter entrado. Cris sentia que ela estava sendo sincera. - Estou muito sentida, falou Cris. - Não fique assim! Você deve ficar bem satisfeita com o que conseguiu. Fez sua apresentação muito bem. Foi a melhor que você já fez!
- Mas eu não teria conseguido se não fosse você. Espero que saiba disso. Fico tão sentida pelo que lhe aconteceu, Teri! Naquele momento, a mãe de Cris, aproximando-se, perguntou: - Você está bem, querida? Teri fez que sim com a cabeça. Virando-se para Cris, a mãe disse: - Cris, tenho de confessar que nem reconheci a minha filha naquele ginásio! Você foi maravilhosa! - Obrigada, mãe, replicou Cris com um sorriso meio sem graça. Era o que ela queria o tempo todo - o reconhecimento, o louvor, a admiração de seus amigos e familiares. Mas agora, ouvir isso na frente da Teri transformava sua vitória num prazer vazio, oco. Como podia gozar da realização do seu sonho, quando quem mais a ajudara acabava de ver o seu despedaçado? - Quer voltar para casa comigo agora, ou ficar mais algum tempo no ginásio, com as colegas? perguntou sua mãe. - Prefiro ir embora. Tchau, Teri, falou Cris abraçando-a com carinho. Eu a vejo segunda-feira. Cuide bem do seu pé, O.K.? Cris e a mãe saíram da sala de treino e quase se chocaram de frente com Renée, louca de alegria. Nem mesmo ver Cris diminuiu seu entusiasmo. - Oi! disse ela com um gritinho estridente. Acho que você, oficialmente, já é parte da equipe, heim? Parabéns! Tenho certeza de que será ótima para o grupo.
É porque minha mãe está aqui que ela está falando com essa doçura? Ou porque a D. Janet falou a semana toda sobre a importância de sermos uma equipe unida? Ou porque a pressão acabou e ela sabe que conseguiu entrar e assim não há dúvidas de que ela será chefe de torcida? - Obrigada, murmurou Cris cordialmente, mas não com a mesma doçura. E parabéns a você também, Renée. O rosto de Renée estava alegre e animado, e ela retrucou: - Será que havia alguma dúvida de que eu entraria no time? - Vamos parar e tomar um sorvete para comemorar, sugeriu a mãe a caminho de casa. Seu pai vai ficar muito feliz com você! Queria que ele a tivesse visto! Cris, eu não imaginava que você tivesse tanto talento. Você fez tudo muito, mas muito bem! Cris devia estar animada e disposta a comemorar, mas na verdade sentia-se pequena e desanimada. Você se surpreenderia, mãe, se soubesse o quanto ignora a meu respeito. Você não me conhece mesmo! Ninguém conhece. A não ser, talvez, Deus. Mas que Deus é esse que deixa a Teri torcer o pé sabendo o quanto eu preciso dela na equipe comigo? Perguntas complicadas ficaram martelando na cabeça de Cris todo o final de semana. Por fora, ela agia conforme todo mundo esperava: alegre, empolgada e orgulhosa de ter conseguido vencer. Tia Marta e tio Bob telefonaram na sexta à noite e prometeram que viriam assistir a todos os jogos que pudessem. Marta insistiu em pagar por todo o jogo de uniformes de Cris, não importava o preço.
Mas, por dentro, Cris nunca se sentira tão só. Sábado à noite, dia da festa de formatura, Cris convenceu a mãe a locar um filme e as duas sentaram-se no sofá para assistir O Homem do Rio das Neves. A mãe chorou em algumas partes; Cris chorou o tempo todo. A música de piano que "Jessica", a menina do filme, tocava quando pensava no namorado, ficou perturbando Cris o resto do final de semana. No domingo pela manhã, sentiu-se ainda mais aborrecida quando entrou na sala do maternal. Katie não viera. Cris sentiu toda a tristeza de não ter participado da festa. Agora, o fato de haver entrado para o grupo de líderes de torcida nem parecia importante. Estava descontente e só. Isso a surpreendia. Cris achava que tão logo se tornasse líder de torcida, se sentiria bem, satisfeita e cheia de energia todo o tempo. Mas não era assim. Sentia-se deprimida ao passar a massinha para as crianças. - Aqui a sua, disse ela, entregando uma bolinha de massa para Ashley. - Faz uma coisa pla mim, Clis, disse Ashley, com seus olhos de botão azul, fitando Cris esperançosos. - Está bem. O que você quer que eu faça? - Num sei. - Aqui, olha! falou Cris e rolou a massinha entre as mãos, fazendo um fio longo. É uma cobra! - Ai, que medo! Não quelo coba, não! - Olha, "fessora", disse um menino, eu também fiz uma cobra.
E ele a colocou no rosto de Ashley, que gritou de susto. - Está bem, está bem, disse Cris, e amassou na palma da mão a massa verde, deixando-a espremer-se por entre os dedos. Vamos fazer qualquer coisa que você quiser, Ashley. Aqui, amassa um pouco também. Uma torrente de idéias rolava pela cabeça de Cris enquanto ela mexia com a massinha. Certa vez dissera ao Rick que ele a fazia sentir-se uma massinha. Será que ele, como dissera a Katie, estava tentando transformá-la em objeto dos seus caprichos, como se ela fosse um brinquedo de modelar? Outro pensamento, do Ted, lhe veio à mente: Deus só pode pegar e moldar um coração quebrantado. - Hora da história, anunciou a professora. Algumas crianças foram correndo para o tapete do cantinho de histórias, enquanto outras mais vagarosas tentavam terminar os seus projetos. Cris ajudou-os a terminá-los e pôs-se a preparar o lanche escutando de longe a historinha bíblica. A professora contava sobre Davi e Jônatas, quando uma menina interrompeu: -A minha amiga tem irmãos gêmeos. O nome deles é Davi e Jônatas. - Mas estes aqui são outro Jônatas e outro Davi, explicou a professora sorrindo. Esses meninos viveram nos tempos bíblicos, muito tempo atrás. Eram muito amigos e os dois amavam a Deus. O pai de Jônatas era o rei. - Meu amigo tem um cachorro que se chama "Rei", disse um menininho. - Agora vamos escutar a história, continuou a professora, com paciência.
Eu nunca conseguiria dar aula para uma turma de baixinhos como esses, interrompendo o tempo todo como fazem! Não tenho paciência! - Ora, Jônatas merecia ser o novo rei, porque era filho do rei. Mas sabe? Deus queria que Davi fosse rei, e Jônatas sabia disso. Será que ele brigou com Davi e disse: "Eu mereço ser rei. Saia do meu caminho!"? Todas as criancinhas abanaram a cabeça e disseram: "Nãããooo." - Isso mesmo. Jônatas amava Davi e o ajudou a tornar- se o próximo rei, porque sabia que Deus queria que o rei fosse Davi, e não ele. Sabem o que a Bíblia diz sobre o amor?
Cris ficou totalmente imóvel, esperando ouvir o que a professora tinha a dizer, não apenas para as crianças, mas para ela mesma. A professora citou de cor o "Capítulo do Amor". "O amor é paciente, é benigno, não arde em ciúmes..." Cris se desligou de tudo. Não! Outra vez aqueles versículos, não! Ela não queria se lembrar do Ted novamente. Agora não. Cantarolou então a música do filme que assistira com a mãe no fim de semana, para não ouvir o resto da história.
Posso Esperar
11
Cris entrou para o culto sozinha. Nenhum dos seus amigos viera; provavelmente estavam cansados demais da festa. A solidão que sentia, fazia já alguns dias, parecia prestes a estourar. Encontrou os pais e sentou-se com eles, o que lhe deu a sensação de segurança e conforto. Tentou participar do culto, cantando e acompanhando o sermão com sua Bíblia. Até mesmo sublinhou uns dois versículos. Estranho, mas de repente veio-lhe à mente uma frase da lição das crianças: "Deus queria que Davi fosse rei, e Jônatas sabia." Não entendia por que, mas o pensamento ficou martelando. À tarde, quando todos em casa tiravam uma soneca, Cris releu uma carta enviada por uma amiga de velhos tempos. As duas haviam sido boas amigas desde o maternal, mas Paula ainda morava na cidade natal das duas, lá no Wisconsin.
A correspondência de Paula era curta, escrita com letras grandes, onde os pingos na letra "i" eram coraçõezinhos, em vez de pontos. Ela escrevia sobre rapazes. Vários rapazes. Gente que Cris não conhecia. Parecia tudo muito distante; como se fosse outra vida. Mas Paula escrevia pelo menos uma vez por mês, e em cada carta falava de como estava economizando para visitar a Cris nas próximas férias. No começo, o que Cris mais queria era receber a visita dela, para que conhecesse sua nova vida na Califórnia. Mas com o passar dos meses, Paula fora se tornando uma desconhecida. Cris sabia que tinha de responder à carta da amiga e contar-lhe sobre a vitória no concurso para líder de torcida, e tudo o mais. Mas depois de ficar rascunhando numa folha de caderno durante uns dez minutos, desistiu e resolveu telefonar para Katie. - E aí, Katie? Quais as novidades? Divertiu-se? Katie demorou alguns instantes antes de dizer: - É. Acho que estava tudo bom. - Tudo bom? É só isso que você tem a dizer? Foi tudo bom? - É. Você não perdeu grande coisa. - Katie, o que foi que aconteceu? - Nada. É isso aí. Não aconteceu nada. Eu tinha um imenso sonho sobre como seria a festa, mas não foi nem um pouco como eu pensava. - Quer dizer que você não se divertiu com o Leo? Ele sempre é a alma da festa!
- Exatamente por isso foi tão chato. O "alma da festa" saiu por aí e nem ligou pra mim. E foi o tempo todo assim. Só conversamos um pouquinho, e isso porque eu forcei a barra. O resto do tempo fiquei parada, observando os outros se divertirem. Cris ficou sem saber o que dizer. Procurou algum ponto positivo na situação. - E ele lhe trouxe flores? - Sim, respondeu Katie rindo, mas não é uma lembrança feliz. Ele me deu um buquê para colocar na roupa. Não combinava com meu vestido de jeito nenhum. Eu tinha-lhe dito que meu vestido era azul. Ele disse que esqueceu. As flores eram verdes. Verdes, Cris! Sabe como eles pintam os cravos brancos? Bem, as flores eram pintadas de verde e pareciam uma sobra de liquidação da festa de São Patrício.*
* Nos Estados Unidos, o dia de Saint Patrick é comemorado por descendentes de irlandeses usando roupas verdes, e colocando um emblema de trevo na lapela. - Que horror! exclamou Cris rindo e, ao mesmo tempo, sentindo pena da amiga. - E isso não foi o pior, disse Katie, animando-se. Sabe, o meu vestido não tinha onde prender aquele pé de alface. A duas riram. - Fiquei segurando aquilo a noite toda, na caixa, como se fosse o bandejão da escola. E a comida, nossa! Não dava pra saber o que era aquilo! Puseram um
molho de creme de cogumelos na carne, mas ninguém conseguia comer. Eu mordisquei um pouco de salada, mas foi só. Não tinha comido nada antes, e estava morrendo de fome! - Você poderia ter comido seu buquê, se estivesse mesmo faminta, gracejou Cris. - Acredite, pensei nessa possibilidade! - E o que mais aconteceu? Vocês ficaram junto com o Rick e a convidada dele? - Não, o Rick não foi. Eu não o vi lá. Ninguém disse nada. Não sei o que está acontecendo com ele. - Estranho. Por que será que ele não foi? - Quem sabe? Ah! Quer escutar a pior parte? A minha mãe, que tinha ficado toda entusiasmada de eu ir ao baile, depois resolveu que eu tinha de estar em casa antes da meia-noite! Você acredita? Tivemos uma tremenda briga minutos antes do Leo chegar. Aí ele entrou e minha mãe ficou tirando umas fotografias idiotas. Não saí sorrindo em nenhuma delas. - Katie! - Eu estava com tanta raiva! E meu humor não melhorou nada quando o Leo chegou usando - preste atenção! - um fraque branco, chapéu prelo, de copa alta, e - prepare-se! - sapatos com detalhes alaranjados! -Não! -Sim! - Que sujeito mais careta!
- O Leo, não! Acabou sendo a alma da festa, como já lhe contei. Dançou com metade das meninas. Tirou fotografia com pelo menos uma dúzia delas. Todas queriam uma foto certinha e formal com o seu par, e outra foto maluca e divertida com o Leo. - Incrível! Não dá pra acreditar que isso tenha acontecido com você, Katie! Cris queria ficar penalizada com a amiga pelas dificuldades que ela enfrentara, mas não podia deixar de sentir-se aliviada de não ter passado por experiência tão constrangedora. - Ainda não lhe contei o pior. Quando falei ao Leo que tinha de estar em casa à meia-noite, fiquei totalmente humilhada. Então, quando deu onze e meia, tive de chamá-lo e ele estava dançando com a Renée. - Logo com a Renée! Ela vai infernizar sua vida por isso! - Então, veja só. O Leo foi comigo até à limusine e mandou o motorista me levar pra casa e depois voltar pra apanhá-lo. - Não! bradou Cris, abafando um grito para não acordar sua família. Que horrível! - Eu é que sei. - E o que você fez? - Comi metade da comida que encontrei na geladeira e assisti a uma reprise do Magnum, na televisão. - Quer dizer, quando chegou em casa? - Não; na limusine. Tinha uma geladeira e uma televisão na limusine! - Que barato!
- Ainda bem que você achou. Foi uma noite que não desejo repetir jamais. E como foi eu quem o convidou pra festa, tive de pagar os ingressos! Que roubada, hein?! Não quero mostrar a cara na escola amanhã. - Katie, não vai ser tão ruim assim. A Renée já me vem chateando há umas duas semanas e tenho sobrevivido. Você vai sobreviver também. Sempre consegue ficar por cima! - Sei não. Queria que você tivesse ido. Nós teríamos nos divertido, mesmo que os dois rapazes acabassem sendo uns chatos. Cris ficou a imaginar se o Rick também seria um par tão deselegante, que iria passar o tempo todo flertando com as outras meninas. Contou a Katie sobre o bilhete que recebera no ginásio, na hora do teste para líder de torcida. - Se quer a minha opinião, acho que o Rick se convenceu de que um dia ele vai casar-se com você. - Sem essa, Katie! Por que você pensa uma coisa dessa?! - Os pais dele são bastante exigentes. Acho que ele gosta de você porque é jovem, meiga, inocente e tudo o mais, e além disso ele, provavelmente, acha que você é o tipo de garota de que os pais dele gostariam. Como sempre, os comentários de Katie fizeram com que Cris pensasse no assunto. Depois de desligar o telefone, ela saiu para a escada da frente, na varanda, e ficou ali sentada. Cantarolava a música do filme, pensando em Katie, Leo, Rick e Ted. De repente, a frase que ouvira na escola dominical expulsou todos os outros pensamentos, e ficou martelando em sua cabeça: "Deus queria que Davi fosse rei e Jônatas sabia disso."
- O que será que isso significa? Por que fico pensando nisso? perguntou em voz alta, e percebeu que estava falando com Deus. Era hora de parar de ignorálo e acertar tudo com ele. Começou confessando suas faltas e pedindo perdão. - Perdoa-me, Senhor. Venho fazendo as coisas sozinha. Dá pra ver que tem sido assim, porque mesmo quando consigo o que quero, como, por exemplo, ser da equipe de líder de torcida, continuo me sentindo totalmente só. Sei que é porque não tenho dedicado tempo ao Senhor. Eu me arrependo de tudo isso. Sentiu um tremendo alívio. Não como quem tivesse todos os fardos removidos, nada disso. Ainda havia um monte de problemas.Mas agora não se sentia como se estivesse totalmente só para resolve-los. Começou pelo Ted. - O que devo acertar no meu relacionamento com Ted? Não havia resposta, só a brisa calma da tarde balançando o jasmineiro, espalhando no ar o perfume da flor. O amor é paciente, lembrou Cris. Acolheu a frase no coração e a reteve ali por um momento, e em seguida disse a si mesma: -Você tem de ser mais paciente. O relacionamento ainda não acabou. Espere para ver o que vai acontecer. Não era bem uma conclusão definitiva, mas dava para aceitar a idéia. Cris tinha de ser justa com o Ted e deixar de lado o ciúme que a corroía. Afinal de contas, raciocinou, sou muito amiga do Rick, mas não do mesmo jeito que o sou do Ted. Por que ele não pode ser muito amigo de lasmim e ainda assim ser mais ligado a mim?
A seguir pensou no Rick. O que será que devo fazer com relação a ele? Não havia resposta na brisa. Nenhuma idéia lhe passou pela cabeça. Algo mais ainda a perturbava. Não era o Ted nem o Rick. Uma outra coisa, mas ela não conseguia imaginar o que seria. Será que estou fazendo algo de errado, Senhor? Quero fazer o certo. Quero agradar ao Senhor. A única coisa de que ela conseguia se lembrar era da equipe de líderes de torcida. Mas o que havia de errado nisso? Conseguira entrar na seleção. Certamente a Renée não iria perturbá-la mais, e tinha feito uma boa amizade com Teri. Teri. Queria que ela tivesse entrado para a equipe. Ela é melhor do que eu; sei disso. É mais espiritual também. E esse ano vai ser o último dela no colegial Queria que houvesse um jeito de a Teri entrar para a equipe. Cris tirou uma flor da treliça e arrancou-lhe as pétalas. Ainda não tinha certeza do que a perturbava. Tentaria descobrir o que era escrevendo no seu diário. Recostada em sua cama, Cris abriu numa página em branco para escrever. Leu a última coisa que escrevera havia quase duas semanas sobre seu desejo de ser líder de torcida para Deus, mas, acima de tudo, de seguir esse seu sonho de maneira a dar um bom exemplo de cristã.
- Na verdade não fiz isso para o Senhor, não foi? sussurrou Cris, em meio ao silêncio do quarto. Fiz pra minha própria satisfação e com isso não me tornei mais parecida com o Senhor. Fiquei mais parecida com a Renée e as outras. Então, tendo renovado sua consagração, escreveu: Vou viver para o Senhor agora. Vou demonstrar a todas as meninas da equipe que sou cristã. Serei um exemplo teu pra elas e pra toda a escola. Um voto sincero assim deveria ter deixado o coração de Cris em paz, mas isso não aconteceu. Ela ainda sentia uma sensação estranha, que persistiu durante toda a noite. Antes de dormir, ajoelhou-se ao lado da cama e disse: - Ainda sinto que há algo errado entre nós, Senhor, mas não sei o que é, disse e aqui ela parou. O Senhor pode me fazer o favor de mostrar o que devo fazer pra consertar tudo, seja lá o que for? Muito obrigada, meu Pai. Boa noite. Quando se levantou às sete, Cris sentia como se não tivesse dormido nada. Correu pelo quarto arrumando as coisas e esbarrou violentamente na cômoda, provocando uma enorme mancha roxa no quadril. No vestiário da escola, onde se encontrou com Katie, esta disse que sua manhã tinha ido mais ou menos do mesmo jeito. Resolveram passar o dia juntas, ambas chateadas. Mas acabou sendo difícil para a Cris continuar chateada. Estava recebendo elogios de pessoas que nem conhecia, e na hora do almoço o Rick a procurou. Dava para notar, pelo seu jeito de andar, que ele a estava procurando. - Olá, de matar! gritou ele, ainda a uns metros de distância.
Algumas pessoas olharam em sua direção para ver com quem Rick estava conversando. Quase dava para ouvir os comentários cochichados: "Olhe lá! Aquela é a nova líder de torcida!" Cris olhou para a laranja que estava chupando. É... aquilo não era para ela. Não gostava de chamar atenção. Não queria que ficassem olhando a, quase invadindo sua privacidade. - Olá, de matar bradou Rick novamente, agora bem atrás dela, e pondo a mão em seu ombro. Ele inclinou-se para ficar mais próximo dos seus olhos. Ela virou-se para encara-lo, ciente de que havia gente observando. - Venha! disse ele, fazendo sinal com a cabeça. Reservei um lugar para dois lá adiante. Juntando seus objetos, Cris seguiu-o. Sentia-se como uma cadelinha numa coleira. Sabia que todos estavam falando sobre eles. Rick a conduziu para o muro "deles", onde haviam sentado naquele dia em que ele lhe passara uma verdadeira lição de entusiasmo para que ela entrasse para a torcida. Rick apoiouse no muro. Cris permaneceu de pé, abraçada aos cadernos como se fossem um escudo. Não tinha razão para ter medo dele; contudo, sentia-se insegura e intimidada. - Então, como é que vai a minha lê-lê-lê-ô? Não lhe disse que você conseguiria? Esteve perfeita. Absolutamente perfeita. Procurei você depois, mas tinha desaparecido. Recebeu o meu bilhete? concluiu ele sorrindo, derretendo-a por dentro, com seus olhos castanhos.
- Recebi; obrigada pelo incentivo. Provavelmente, eu não teria conseguido se você não me tivesse dado essa força toda. - Eu falei que você passaria! Eu teria ficado muito decepcionado se você tivesse desistido. Você merece. Sabe, sinto que eu e você estamos no mesmo nível agora. Cris ficou sem entender o que ele quis dizer com essa afirmação. - Quer dizer que antes eu ainda não estava à sua altura? perguntou. Rick deu um meio sorriso. - Digamos apenas que agora você é mais o tipo de garota que eu gosto. Do jeito como ele falou, não deu para saber se ele estava brincando ou falando sério. Seja como for, sentiu-se desconcertada. A ideia de estar "à altura" do Rick deixou-a enojada. Que sistema de valores vazio, oco, você tem! Tudo se resume ao exterior, só pra exibição! E quem eu sou por dentro, de verdade? Isso não tem importância? - E então, disse Rick, mudando de assunto, Katie disse que você desistiu da festa por causa de seus pais. - Bem, na verdade, eles não tinham dito que eu poderia ir. Mas eu queria tanto que eles deixassem, que fui fazendo meus planos. Mas eles não deixaram, e por isso tive de cancelar com você. Cris lembrou-se da mágoa que sentira quando o Rick desligou o telefone no momento em que ela tentava explicar. Queria que ele lhe pedisse desculpas, e deu a dica:
- Sinto muito que tudo tenha acontecido do jeito que aconteceu. Como eu lhe disse no telefone naquele dia, estou muito sem graça. - Deixa pra lá, interrompeu Rick, sem pedir desculpas pela sua parte. Ainda posso ter o primeiro lugar, a preferência no dia do seu aniversário. Até já anotei na minha agenda. Vinte e sete de julho vai ser uma noite inesquecível pra você. Meses atrás, quando o Rick perguntara se poderia sair com ela no dia em que completasse dezesseis anos, seu rosto se avermelhara e ela se sentira honrada. Agora sua vontade era empurrá-lo do muro por sua arrogância. Preferência nada! Quem você pensa que sou, que me enfia em qualquer molde que quer? Talvez eu não queira sair com você! E você não podia pedir desculpas por ter batido o telefone na minha cara? É orgulhoso demais pra dizer que se arrepende; é esse o seu problema, Rick Doyle! Ah! se ela tivesse coragem de dizer isso para ele! Mas, não; permaneceu em silêncio. Rick balançava as pernas para frente e para trás, batendo os calcanhares no muro. - Ouviu falar sobre a festa? perguntou ele. Pelo que soube, não perdemos grande coisa. - Por que você não foi? perguntou Cris, com um tom quase de acusação. Rick parecia surpreso. - De que adiantava ir sem você? Cris deu-lhe uma olhada firme como quem dizia "Por que você não diz simplesmente a verdade?!" Ele murmurou algumas palavras sem nexo antes de desviar o olhar, e confessar:
- Está bem, eu conto pra você, Cris. Na verdade, já deveria ter-lhe falado, continuou ele baixando a voz. Meus pais não queriam que eu fosse. - Rick, não precisa se envergonhar disso. Se ainda se recorda, foi essa a razão pela qual eu também não pude ir. - Tem mais, continuou Rick. Meus pais disseram que eu só poderia ir com uma moça crente, de preferência da nossa igreja. E eu mesmo é que deveria cobrir todas as despesas. - Então por que não foi com uma das meninas da igreja? Ele fitou-a como se a pergunta fosse totalmente boba. - Porque nenhuma delas é o meu tipo. Sabe, tipo lê-lê-lê-ô. Além do mais, sabe quanto custa? Até que se alugue um fraque, compre flores e tudo o mais, vai-se metade das minhas economias. Por tanto dinheiro, eu não iria com uma garota que ficasse a noite toda dando risadinhas com as amigas. Fazia sentido. A personalidade do Rick ia ficando mais transparente para Cris à medida que ele falava. Katie tinha razão. Ele queria mesmo transformá-la no "seu tipo de garota". Alguém que exteriormente tivesse todos os atributos. Uma menina que lhe desse total atenção e o seguisse por todo lado, tímida e quietinha, deixando que ele fosse a estrela. - Sabe, Rick, falou sentindo o coração bater forte, não tenho certeza de que sou o tipo de garota que você gosta. - Claro que é! Ou pelo menos vai ser! Eu posso esperar. - Então vou dizer-lhe com outras palavras. Não sei ao certo se você é o tipo de rapaz de que eu gosto. Veja bem; eu quero alguém que seja paciente e
bondoso, e não ciumento. Um cara que saiba que o que somos por dentro é mais importante do que o que somos por fora. E acho que você não é assim. Mas poderia ser, acrescentou ela. Eu posso esperar. Em seguida virou-se e saiu, andando rápido e pisando forte, com o coração em disparada. Coroas de Louros
12
- Na quarta-feira à tarde - amanhã, não na semana que vem, disse o professor de História lendo um aviso, haverá assembléia geral no auditório às quatorze horas. O time de futebol do ano que vem será apresentado, e serão anunciadas as líderes de torcida para o próximo ano. - É; como se já não soubéssemos... disse uma menina na primeira fileira. - Agora abram o livro no capítulo dezessete, e como sei que todos o leram ontem à noite, conforme lhes pedi, quero que passem o resto da aula respondendo às perguntas do final do capítulo. Surgiram as reclamações de sempre e o barulho de gente folheando o livro. Cris apressou-se em fazer a tarefa. Já tinha muito dever de casa e não queria levar mais. Mas só conseguiu responder metade das perguntas. No fim, o professor disse que quem não concluísse poderia entregar o resto no dia
seguinte, e ainda teriam de ler o capítulo dezoito. Cris resmungou baixinho e remexeu em seus objetos. - Parece que agora, que chegou o fim do ano, os professores estão despejando tudo sobre a gente, comentou um rapaz ao lado de Cris, quando saíam da sala. Acho que eles querem dar essa matéria toda pra cobrar da gente no exame final. - Não quero nem pensar nisso, replicou Cris, descendo o corredor com o rapaz. Não sabia o nome dele, e ele passara o ano inteiro sem falar com ela. Era estranho que no final do ano tivesse ficado tão amigável. Naquele instante, Cris avistou Teri em frente do seu escaninho. - Com licença, falou. Quero ver como a Teri está passando. - Pois não, disse o rapaz depressa. Sinto pelo que aconteceu com o pé dela. Mas ainda bem que você conseguiu. Parabéns! Então é isso! De repente ele está prestando atenção em mim porque vou ser líder de torcida. Como as pessoas são superficiais! - Sem muletas? perguntou Cris para a Teri, aproximando-se. - Sem muletas. Manquei o final de semana todinho, mas estou melhor agora. - Ainda bem, disse Cris. - É, mas o bom mesmo virá amanhã, comentou Teri, sem um pingo de inveja. Sei o quanto você quer ser líder de torcida, Cris, e fico contente por ter conseguido.
- Ainda não foi anunciado, Teri. - Não, mas todo mundo sabe quem passou. Não vai ter surpresa este ano. Quer dizer, está na cara, não está? - E você não está nem um pouco chateada? Você se esforçou tanto e é tão boa nisso, e vai ser seu último ano. Você não ficou nem um pouco zangada ou irritada? Teri sorriu. - Um pouco. Sabe, eu achava que ser líder de torcida era o que Deus queria que eu fizesse no ano que vem; mas certamente ele tem outros planos. O sinal tocou alto, bem acima de onde elas estavam. Teri deu um tapinha no braço de Cris antes de seguir para a sala de aula, e disse: - Amanhã vou estar na primeira fileira, torcendo por você de todo o coração, Cris. Naquele instante, Cris compreendeu o que tinha de fazer. ***** Após as aulas, Cris encontrou Katie à sua espera, perto do armário. - Onde você estava na hora do almoço? - Tive de conversar com alguém. - Com quem? com o Rick? insistiu Katie. - Não, com a Prof.a Janet. Umas coisas sobre a equipe de líderes. - Você está empolgada com a assembléia de amanhã? O atleta do ano chama os nomes das meninas, e elas sobem ao palco e ficam em fileira na frente dos jogadores de futebol. É um show e tanto.
Como Cris não fez nenhum comentário, Katie continuou: - Ah! Eu lhe contei quem vai ser mascote no ano que vem? Era pra ser segredo até a hora da assembléia, mas é claro que me contaram porque queriam saber se meu uniforme de mascote de onça, do ano passado, serviria pra ele. - Ele? - Sim, Clifford Weed! Dá pra acreditar?! - Acho que não o conheço. - Ele é enorme. Vai ser uma "onça" excelente, mas eles vão ter de fazer uma nova fantasia. Vamos lá pra casa hoje à tarde? - Estou com tanto trabalho de casa! Tenho de me concentrar nos estudos. Quero terminar tudo durante a semana porque a minha mãe disse que o Ted telefonou ontem depois que fui dormir. Ele vem no fim de semana. - Você tem uma sorte! - Sei não. - O quê?! Você não está ansiosa pra vê-lo? - Sim e não. Quero vê-lo e passar algum tempo em sua companhia, mas ainda não estou preparada pra ouvi-lo falar sobre a festa de formatura, lasmim, e todas essas coisas. - Bem, depois do fiasco que foi minha ida à festa com o Leo, eu lhe digo sinceramente que, seja lá o que for preciso pra conquistar um cara como o Ted, bem, FSP. - O quê?
- Você sabe, FSP: "faça sem pestanejar"! Você tem de fazer tudo que puder e não desistir nunca! Existem muitos Leos neste mundo, mas poucos Teds; muito poucos. - Sabe o que me deixa grilada, Katie? - O quê? - Às vezes você acerta na mosca! - Só às vezes? As duas riram, e Cris disse: - Sim, só às vezes. Hei! Tenho de ir embora. Guarde um lugar pra mim na assembléia amanhã, se chegar mais cedo. Sente-se na fileira da frente, se tiver lugar. - Fileira da frente? Por quê? Quer estar bem perto, pra não precisar de correr muito até o palco, quando chamarem o seu nome? - É mais ou menos isso. Naquela noite Cris ouviu a mãe conversando ao telefone com Marta. - Estou-lhe dizendo, ela tem talento natural! Nem reconheci minha própria filha quando da estava fazendo o teste para líder de torcida. Estou muito feliz com ela. Cris ouvia calada, enquanto a mãe continuava gabando a sorte da família. Tudo estava indo muito bem; todos estavam felizes e abençoados. Seu comentário final foi uma surpresa para Cris:
- Tenho de admitir, Marta, que você e Bob estavam certos quando nos convenceram a mudar para a Califórnia. O Norton está muito satisfeito nos Laticínios Hollandale, a leitura do David melhorou muito e a Cris, bem, só posso dizer que temos imenso orgulho de como ela vem-se saindo. A mãe desligou e foi preparar o jantar. Cris seguiu-a até a cozinha. - Mãe, começou sem pensar bem como iria colocar as palavras. Você me amaria do mesmo jeito se eu não fosse líder de torcida? Quer dizer, se eu não tivesse boas notas ou não conseguisse entrar na equipe, você e papai teriam orgulho de mim assim mesmo? - Como pode fazer uma pergunta dessa?! Você sabe que nós a amamos e temos orgulho de você, não importam as circunstâncias. - Sei, mas agi muito errado com aquela história da festa. - Acabou dando certo, Cris, e você aprendeu com a situação. E é isso que importa. - Mas, e a liderança da torcida? Eu ouvi você falando com a tia Marta e... e se eu não for líder? A mãe recostou-se no balcão e colocou sobre ele a lata de ervilhas que pegara para abrir. Uma expressão de ternura tomou conta do seu rosto. - Cris, tudo que eu e seu pai queremos para você é que seja como Deus quer que seja. Se com isso você tem de tornar-se líder de torcida, ou jogadora de futebol, ou presidente do clube de Matemática... Cris fez uma careta. - Clube de Matemática?
- Está bem, talvez não o clube de Matemática. A questão é que isso não tem importância. O que realmente conta é obedecer ao que Deus exige de você. Cris sentiu convicção nas palavras de sua mãe. Ela nunca se expressara desse jeito antes. Principalmente no que dizia respeito à obediência a Deus. - Por que pergunta, Cristina? Cris pensou em explicar tudo à mãe, mas não encontrou as palavras certas. - Sei lá. Estava só matutando... A mãe abriu a lata e pediu a Cris que temperasse a salada. - Tem dois pés de alface na geladeira. Use o menor primeiro. Trabalharam juntas sem falar nada de importante. Cris sentiu que lhe eram agradáveis esses espaços abertos no seu relacionamento com a mãe, quando as palavras desta lhe tocavam o coração. Não desfrutavam de muitos momentos assim e isso fazia com que os poucos que tinham fossem bem significativos. Cris sentia-se mais adulta, como se as duas estivessem tornando-se mais amigas, mais íntimas uma da outra. Na manhã seguinte tiveram outra oportunidade de estreitar ainda mais sua amizade, quando a mãe se ofereceu para arrumar seu cabelo. A princípio, Cris rejeitou. Mas viu um olhar de decepção no rosto da mãe, e rapidamente emendou: - Claro, vai ser ótimo. Intimamente admitiu que, se não gostasse, poderia desmanchar o penteado quando chegasse à escola. Mas acabou ficando perfeito. E Cris comentou:
- Está exatamente do jeito que vi numa revista, mas não sabia como se fazia isso. A mãe riu e respondeu: - É uma antiga trança de menina da roça que se usava na Alemanha. Eu usava o meu cabelo desse jeito o tempo todo. Cris admirou o penteado no espelho. A mãe tinha começado uma trança francesa, bem acima das orelhas, e ajeitou o cabelo deixando-o como um halo suave em volta da cabeça. Prendeu a ponta atrás da orelha, no começo do círculo. Cris enrolou as franjas e borrifou laquê nelas, contentíssima com o jeito que ficou, confiante em que estava linda. - Vou à assembléia hoje, disse a mãe. Vou sentar mais atrás. Assim você não tem de me procurar, nem nada. - Está bem, mãe. Mas se não puder ir, não tem problema. - Já ajeitei tudo para eu poder ir. Hoje é um grande dia para você, Cris. Disse isso e sorriu para a imagem da filha refletida no espelho. Sinto-me como se tivesse acabado de colocar uma coroa de louros na sua cabeça. - Uma o quê? perguntou Cris, fitando-a e colocando pequenos brincos de pérola nas orelhas. - Ah! sei que é bobagem, mas eu estava-me referindo à Grécia antiga, onde os atletas que ganhavam uma prova recebiam uma coroa de folhas de louro como recompensa. - Entendi. Ainda não chegamos nessa parte na aula de História. - Vou ver se o David está pronto, disse sua mãe, parecendo contente com a vida. Vocês têm de sair dentro de cinco minutos.
-Ah, mãe... A mãe voltou-se para ela, o rosto suave e cheio de ternura, totalmente acessível. - Mãe, lembra do que você falou ontem sobre como devo obedecer a Deus? -Sim. - Bem, só quero dizer que se eu fizer uma coisa que não tenha muito sentido pra ninguém, bom, talvez seja algo certo, mesmo que pareça esquisito. A mãe olhou-a com expressão de quem não entendeu nada. Cris tentou repetir o que dissera, mas de outro jeito. - O que estou querendo dizer é que desejo obedecer a Deus e fazer a vontade dele, mas, em certas situações a obediência só fará sentido pra mim, e não para os outros. Dá pra entender? - Acho que sim. Seu coração está aberto para o Senhor, e é isso que importa. Agora vá, senão chegará atrasada! Cris verificou mais uma vez sua aparência no espelho. Em seguida abaixou-se e remexeu em algumas roupas no fundo do armário. Procurou a lata decorativa e, quando tocou nela, o Puf caiu do seu posto de guarda. - Olá, Puf! Sinto muito ter deixado você de lado por tanto tempo. Colocou o Puf na cama e destampou a lata. - Cris! Está na hora de ir! - Já vou! Tomando cuidado para não amassar os botões de cravo, enfiou a mão entre as pétalas secas e pegou a pulseira de chapinha gravada "Para Sempre".
Pegou depressa os livros, passou correndo pela porta e desceu aos pulos a escada debaixo da treliça do jasmineiro, pronta para tudo o que esse alegre dia de primavera havia reservado para ela.
Surpresa!
13
O auditório começou a ficar cheio de estudantes para a assembléia que se realizaria às quatorze horas. Cris procurou Katie entre os que estavam sentados na primeira fileira, mas ela não estava lá. Entrou na segunda fileira, e ficou a aguardar em silêncio.
No fundo do coração, murmurou uma oração: Pai celeste, quero ser como o Senhor quer que eu seja. Quero agradá-lo. O Senhor é... A oração foi interrompida por uma voz conhecida. - Olá! Como vão as coisas? - Ted? Ted! gritou Cris dando um salto e, por impulso, o abraçou. O que é que você está fazendo aqui? - Ouvi dizer que hoje seria um grande dia pra você, falou com um sorriso largo e olhos límpidos, parecendo empolgado. De repente, percebendo que todos estavam olhando para os dois, Cris fez sinal para o Ted sentar-se ao seu lado. Ele passou o braço por trás da poltrona dela, fitando-a, sorrindo e demonstrando que sentia muito orgulho dela. - Gostei do seu cabelo, disse. Parece um anjo com um halo. - Obrigada. Mas como você soube da assembléia hoje? perguntou Cris com um misto de empolgamento, mal-estar e confusão. - Eu estava na casa da sua tia quando ela conversou com sua mãe. Resolvi fazer-lhe uma surpresa. Consegui? Ele parecia quase bobo de tanta animação. - E como! Ainda não consigo acreditar que você está aqui. Mas Ted, tem uma coisa que eu quero lhe dizer... sobre o anúncio das líderes de torcida. Desta vez foi a voz de Katie que a interrompeu. - Cris! Ted? exclamou a garota com expressão de surpresa. Ted! Cris? - Sei, falou Cris, sorrindo. Uma surpresa, hein? Quer sentar-se conosco?
Katie chegou até onde eles estavam e sentou-se no lugar vago do outro lado de Cris, enquanto Ted tirava um envelope do bolso. - Quer ver as fotos da festa de formatura? As emoções de Cris foram lá embaixo. Como poderia dizer não, principalmente com a Katie encostada do outro lado, dizendo: - Claro! Deixa eu ver! - A mãe da lasmim tirou esta no apartamento antes do jantar de formatura. Ted tirou a foto do envelope como se fosse um rico tesouro e entregou-a para a Katie. Cris fechou os olhos por um instante, depois abriu-os e olhou a foto que Katie estava examinando. Todo o ciúme desapareceu. Seu primeiro pensamento quase saiu pelos lábios, mas ela o reteve em silêncio: Essa é a. lasmin? No retrato via-se o Ted, alto e elegante, de fraque, com uma gravata borboleta verde e uma faixa da mesma tonalidade. Estava mais bonito que um cavaleiro andante de brilhante armadura. lasmim trajava um vestido longo de cetim azul, com mangas bufantes. A saia encobria a parte de baixo da cadeira de rodas e no seu colo havia um único botão de rosa branca, de haste comprida, com uma fita azul. lasmim não tinha cabelo loiro esvoaçante, nem era uma "rainha da festa", como Cris imaginara. Tinha cabelo escuro, bem curtinho. Suas mãos permaneciam inertes no colo, os dedos retorcidos e paralisados. E embora estivesse maquiada, seu rosto era comum, sem graça, simples. Mas o sorriso! Seu coração brilhava no rosto através dele.
- Não é linda? perguntou Ted. Katie afastou a cabeça, de modo que o Ted não percebesse, e lançou um olhar duvidoso para Cris. Esta sabia exatamente o que Ted queria dizer, e respondeu com sinceridade: - Sim, ela é linda. lasmim merecia ter uma noite de festa especial e merecia passá-la com o Ted. Armando-se de coragem, Cris perguntou: - E então? Vocês se divertiram muito? - Nós não fomos ao baile. Fomos só ao jantar, disse Ted. Não sou muito de me arrumar, não tenho paciência para essas coisas. Mas ouvi uma das amigas da lasmim dizer que iam jantar na praia de Laguna antes da festa. Pensei que o melhor presente que eu poderia lhe dar seria convidá-la. Ninguém mais teria essa idéia. Mas esse é o tipo de presente que gosto de dar. Cris apalpou o metal frio da sua pulseira de chapinha gravada "Para Sempre". Entendeu que o Ted planejava com cuidado os presentes que oferecia. Naquele momento, sua pulseira se tornou ainda mais significativa para ela. - Então vocês não foram ao baile? Cris se deu conta de que nem ela, nem Rick e nem Ted tinham ido. No fim, ela estivera numa verdadeira montanha russa emocional por nada. Ted fitou-a como se não entendesse sua pergunta. - E por que eu teria ido ao baile? Quer dizer, você me daria uma boa razão pra isso?
Quando Cris tentara convencer os pais parecia ter muitas razões. Mas agora, fitando os olhos claros azul-prateados do Ted, e ouvindo aquela pergunta sincera, uma atitude típica dele, ela não conseguiu lembrar de nenhuma. - Posso lhe dar várias razões para não ir, interveio Katie. Ted sorriu e recolocou a foto de lasmim no envelope. - Estou doido pra apresentá-la a lasmim, disse ele a Cris. Falei a ela que qualquer dia desses eu e você arrumaríamos um café da manhã na praia pra ela. Só que dessa vez as gaivotas não comeriam nada porque a tarefa dela seria de afugentá-las. - Você contou pra ela do nosso café da manhã no Natal passado? perguntou Cris. - Sim. Ela está ansiosa pra conhecer você. Sabe, ela perguntou se não estava chateada por eu levá-la para o jantar de formatura, em vez de levar você, e expliquei que você não é como as outras garotas. Cris quase começou a dizer ao Ted que, na verdade, ela cometera mais erros do que acertos nessa questão, mas a cortina se abriu no auditório barulhento e abarrotado de gente. Uma moça sentou-se na poltrona diretamente em frente à de Cris, depois virou-se, e disse: - Olá! Espero que você não tenha pensado que eu iria perder isso aí! Era a Teri. - Oi! respondeu Cris cumprimentando-a e apresentando-lhe o Ted.
O treinador de futebol começou a apresentar o time do ano seguinte, e logo o palco se encheu de jovens gritando e batendo nas costas uns dos outros, incentivados pela escola. - E agora, gritou o treinador ao microfone, o melhor atleta do Colégio Kelley apresentará as líderes de torcida do próximo ano! Rick Doyle correu ao palco com seu elegante casaco esportivo, seu meiosorriso nos lábios, demonstrando o quanto adorava esses aplausos que vinham do auditório. Será que o Rick vai me ver sentada aqui com o Ted? Será que ele vai notar? E eu me importo? Cris começou a ficar nervosa. Até então estava ótima. Sabia que plantara as sementes certas no jardim do coração, mas agora, quando todos aguardavam a colheita, sentiu o estômago apertar. O que pensariam dela? Rick foi ao microfone, parecendo estar à vontade na frente da multidão, e acenou pedindo que parassem de aplaudir. - Está bem. Tenho uma lista aqui, disse Rick levantando um envelope. À medida que eu for anunciando os nomes das líderes de torcida, subam e fiquem aqui na frente desses rapazes, que vocês estarão animando para conquistarem a vitória no próximo período letivo. Rick abriu o envelope, correu os olhos pela lista e, em seguida, disse: - Renée Duval! Fingindo surpresa, Renée ergueu-se de um salto e subiu ao palco, dando um abraço no Rick, que o retribuiu sem grande entusiasmo.
Continuou olhando a lista. Cris observou que ele virou o papel para ver o verso. Está procurando o meu nome! Rick citou os outros nomes, em tom alto e claro. Parou antes de ler o último. Katie inclinou-se, apertou a mão de Cris, e cochichou: - Prepare-se! - E nossa última líder de torcida é: Teri Moreno! Foi como se o mundo inteiro estivesse olhando para Cris, comentando a surpresa. - Teri! exclamou Katie zangada. Teri olhou as pessoas à sua volta, pasmada. - M... m... mas, Cris! gaguejou. - Vá para a frente, Teri. Ele chamou o seu nome. - Mas por quê? indagou Teri, levantando-se depressa, mas fitando a amiga à espera da resposta. Cris respondeu sem vacilar: - Porque Deus queria que você fosse líder da torcida e eu sabia! Atônita e ao mesmo tempo vibrando de alegria, Teri correu - saltou - para o palco, enquanto as outras meninas, sussurrando entre si, batiam palmas. Ela deu um salto espetacular e recebeu os parabéns das outras concorrentes - todas muito surpresas. Depois, encarando o auditório, Teri deixou que se lhe aflorasse aos lábios seu maravilhoso sorriso enviando uma corrente de total alegria à Cris.
Cris ficou um longo tempo aplaudindo até as mãos doerem, sem ligar para Katie que lhe perguntava insistentemente. - Foi você que fez isso, não foi? Você desistiu do lugar que era seu pra ela poder ficar na equipe, não foi? Cris fez que sim, e piscou os olhos para limpar as lágrimas de alegria. A voz do Rick soou alta no microfone: - Algumas pessoas colaboram com nosso colégio de uma forma que ninguém percebe. Elas sabem quem são - e aqui ele se deteve e olhou na direção de Cris - essas pessoas raramente recebem o reconhecimento que merecem. A multidão começava a se aquietar. - Quero dizer a essas pessoas altruístas que o que penso delas é isto. Em seguida, amassou a lista e enfiou-a no bolso. O auditório estava em profundo silêncio. E diante de todos, devagar, com dramaticidade, com gestos pausados, ele começou a bater palmas, os olhos grudados na Cris. Katie levantou-se, olhando diretamente para Cris, aplaudindo também. Num instante, todo o corpo estudantil pôs-se de pé batendo palmas. Instintivamente, Cris também se ergueu, surpresa de que as palmas fossem para ela. Ted colocou o braço no seu ombro e, em meio ao barulho, falou alto para que ela escutasse: - Estão aplaudindo você, Cris. Eles sabem reconhecer uma verdadeira cristã, disse. Mas depois aproximou-se mais e acrescentou: - Ou melhor, reconhecem o verdadeiro amor!
Cris sentiu o calor da respiração do rapaz em seu pescoço. Sussurrou-lhe então ao ouvido: - Tem certeza? Ted soltou uma risada e a abraçou com força. - Se tenho certeza? Simplesmente dê uma olhada no palco. Cris viu Renée e as outras garotas sorrindo e, dando-lhe uma salva de palmas, demonstravam admiração por ela. Rick também aplaudia, parecendo um rapaz que estava mesmo disposto a esperar. Lágrimas escorriam pelo rosto de Teri e seu sorriso iluminava o auditório. Estava radiante de felicidade. Absolutamente radiante. Como um anjo.