A parametrização da forma urbana como instrumento para a consolidação das centralidades

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A PARAMETRIZAÇÃO DA FORMA URBANA COMO INSTRUMENTO PARA A CONSOLIDAÇÃO DAS CENTRALIDADES CENÁRIOS DE FORTALECIMENTO DO SUBCENTRO DE MANGABEIRA

THIAGO PEREIRA MELO



THIAGO PEREIRA MELO

Trabalho apresentado para avaliação do Trabalho Final de Graduação II, do curso de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal da Paraíba, ministrado pela Professora

Drª.

Nelci

Tinem,

com

orientação

dos

Professores Geovany Jessé Alexandre da Silva e Carlos Alejandro Nome.

JOÃO PESSOA 2018



THIAGO PEREIRA MELO

A PARAMETRIZAÇÃO DA FORMA URBANA COMO INSTRUMENTO PARA A CONSOLIDAÇÃO DAS CENTRALIDADES URBANAS CENÁRIOS DE FORTALECIMENTO DO SUBCENTRO DE MANGABEIRA

Aprovado pela banca examinadora em ___/___/___ Média das notas: ___

Banca examinadora:

Prof. Geovany Jessé Alexandre da Silva, Dr. Orientador

Prof. José Augusto Ribeiro da Silveira, Dr. Examinador

Prof. Lucas Figueiredo de Medeiros, Dr. Examinador

João Pessoa, Dezembro de 2018.


Catalogação na publicação Seção de Catalogação e Classificação M528p Melo, Thiago Pereira. A parametrização da forma urbana como instrumento para a consolidação das centralidades: Cenários de fortalecimento do subcentro de Mangabeira / Thiago Pereira Melo. - João Pessoa, 2018. 102 f. : il. Orientação: Geovany Jessé Alexandre da Silva. Coorientação: Carlos Alejandro Nome. Monografia (Graduação) - UFPB/CT. 1. Operacionalização da sustentabilidade. 2. Centralidades urbanas. 3. Parametrização urbana. I. Silva, Geovany Jessé Alexandre da. II. Nome, Carlos Alejandro. III. Título. UFPB/BC




Quem nĂŁo se movimenta, nĂŁo sente as correntes que o prendem. Rosa Luxembrugo



Agradecimentos

A

o longo de mais de oito anos de graduação, não são poucas as pessoas que eu preciso agradecer.

Em primeiro lugar, agradeço imensamente aos meus pais pela compreensão e apoio incondicional que sempre me deram ao longo da vida, mas sobretudo nesta quase infinita graduação. Agradeço ainda às minhas irmãs e a minha família pelo suporte de sempre, principalmente pelas piadas e brincadeiras trocadas que serviram para descomprimir a tensão existente. Agradeço aos amigos que a UFPB me proporcionou e que hoje formamos uma verdadeira família, se ajudando nos momentos difíceis e compartilhando sempre os momentos felizes. Em especial Mirna, Yuri, Luan, Petrus, Igor e Ingra, dentre tantos outros nomes. Agradeço à todos os amigos e amigas que fiz através da FeNEA (Federação Nacional dxs Estudantes de Arquitetura e Urbanismo) e à cada discussão gerada em todos os espaços que compus, que contribuíram de forma gigantesca para a minha formação, pessoal e profissional. Agradeço ao Conselho Nacional de. Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e ao Governo do Partido dos Trabalhadores, na pessoa da Presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff, por me permitir vivenciar a experiencia de conhecer um novo país, sua cultura e povo. Este trabalho é rebatimento direto desta experiencia, a qual acredito que sem a participação deste governo jamais teria conseguido. Agradeço ainda aos amigos que pude fazer durante o Ciência sem Fronteiras, ao Manicômio 135, aos demais da Blasco Ibañez e até mesmo aos de origem humilde do Benimaclet. Em especial a Tales, Débora e Erika, pelas aventuras compartilhadas em Valencia. Por fim, agradeço aos professores que tanto me ensinaram e contribuíram ao longo do curso, em especial à Luciana dos Passos; e aos orientadores deste trabalho, Geovany e Carlos, que viram potencial e acreditaram em mim, me convidando para desenvolver este tema.



A parametrização da forma urbana como instrumento para a consolidação das centralidades urbanas Thiago Pereira Melo thiagomelo.au@hotmail.com

RESUMO Diante de uma série de novos desafios enfrentados pelas cidades do século XXI, devemos passar a pensar cidades que absorvam o crescimento urbano e que sejam autossustentáveis, estabelecendo uma série de conceitos práticos que fomentem a criação de cidades compactas, com sistemas de deslocamento sustentáveis e que facilitem a eficiência dos sistemas urbanos de infraestrutura. Dentro desta nova perspectiva sustentável, as centralidades urbanas se tornaram elementos cruciais também para a redução do consumo de energia, aumento da competitividade entre cidades pela redução dos congestionamentos ao diminuir distancias entre origem-destino, e por fazer um uso racional do território, pensando em ocupações urbanas comprometidas também com a retenção de usuários, além de sua atração. Desta forma, este trabalho tem como objetivo a elaboração de uma metodologia de parametrização da forma urbana, definindo linhas guias para a reorganização do território de forma a maximizar a aplicação de políticas públicas sustentáveis embasadas no fortalecimento das centralidades urbanas. Para tal, foram pesquisados os principais conceitos contemporâneos de maneira a traçar diretrizes de operacionalização deste fortalecimento, estabelecendo parâmetros que poderão orientar planejadores e tomadores de decisão durante o processo de planejamento urbano, chegando aos parâmetros de Densidade, Diversidade de Uso e Qualidade do Espaço Público. Ferramentas paramétricas de análise foram utilizadas de forma a proporcionar a comparação entre os resultados encontrados atualmente e resultados obtidos experimentalmente a partir da aplicação dos parâmetros formais previamente estabelecidos. Desta forma foi possível observar que, apesar do atual sucesso econômico do bairro enquanto principal centralidade da zona sul de João Pessoa, seu potencial habitacional e construtivo ainda está longe de ser alcançado. A construção de quatro cenários urbanos possibilitou constatar que a legislação urbana atual não fornece meios para se alcançar modelos ideais de ocupação, que mantenham um equilíbrio entre a massa edificada e os espaços livres e, principalmente os livres-públicos.

Palavras chave: Operacionalização da sustentabilidade; Centralidades urbanas; Parametrização urbana.



Sumário

INTRODUÇÃO.................................................................. 19 O processo de ocupação das cidades brasileiras............................. 22 A decadência dos centros brasileiros............................................................. 22 A periferização e a ameaça à sustentabilidade....................................... 26 Os planos diretores como viabilizadores de um modelo de cidade rumo ao fracasso.......................................................................................................... 30 Justificativa..................................................................................................... 32

METODOLOGIA................................................................. 37 Material e métodos de pesquisa............................................................. 39 Etapa imersiva................................................................................................................ 39 Etapa analítica................................................................................................................ 40 Etapa discursiva............................................................................................................. 40 Forma de análise dos resultados............................................................ 41


O processo de construção dos indicadores.......................... 43 A construção de parâmetros urbanos para o fortalecimento de centralidades.................................................................................................. 45 O grupo inicial de parâmetros de centralidade................................. 54 Os parâmetros de densidade.............................................................................. 54 Os parâmetros de diversidade de uso........................................................... 58 Os parâmetros de qualidade e atratividade do espaço público . 60

CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA.................................................. 63 A configuração morfológica atual e a aplicação dos parâmetros de centralidade.................................................................................................... 65 Ferramentas de análise da estrutura urbana........................................... 65 O subcentro das populações de baixa renda – O bairro de Mangabeira....................................................................................................................... 67 A implementação dos parâmetros e a análise da centralidade existente.............................................................................................................................. 70 Resultados parciais..................................................................................................... 74

CONSTRUÇÃO DOS CENÁRIOS URBANOS................................... 77 A construção dos cenários urbanos para o fortalecimento da centralidade de Mangabeira..................................................................... 79 Cenários 01 e 02 - Legislação Atual.................................................................. 79 Cenário 03 - Índices Ideais...................................................................................... 84 Cenário 04 - Regra Simples Ilustrativa.......................................................... 86

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS............................................... 89 Considerações finais.................................................................................... 93 Referências bibliográficas ........................................................................ 96




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INTRODUÇÃO



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Cenários De Fortalecimento Do Subcentro De Mangabeira

A

s cidades do século XXI tem apresentado uma série de novos desafios,

caracterizados

como

os

principais

problemas

que

ameaçam a ordem ambiental no planeta. Desta forma, passa a

ser exigida uma abordagem mais precisa da realidade como passo essencial para encontrar as respostas necessárias. Devemos pensar cidades que absorvam o aumento do crescimento urbano e que sejam autossustentáveis, isto é, que ofereçam oportunidades sem colocar em risco as futuras gerações. Segundo dados da ONU, atualmente, 54% da população mundial vive em cidades, sendo a expectativa para que ainda este século se atinja a porcentagem de 66%. Tal tendência de crescimento se observou principalmente em países em desenvolvimento, onde se concentra a maior parte das megacidades - aquelas com mais de 10 milhões de habitantes. É relevante dizer que, quanto maior a população, piores são os problemas encontrados nas cidades, como a degradação ambiental

IMAGEM 01: CIDADES ENQUANTO AMEAÇA À SUSTENTABILIDADE À direita, a mancha da ocupação

relacionada ao uso da terra, a poluição do ar gerada pelos transportes

urbana na cidade de Los Angeles.

ativos e fábricas, a poluição dos lençóis d’água subterrâneos e dos cursos

demonstra a vastidão dos subúrbios

de rio, etc.

americanos. ©Jet Propulsion Laboratory/NASA


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Rogers (2001, p.4) caracteriza as cidades como “o maior agente destruidor do ecossistema e a maior ameaça a sobrevivência da humanidade no planeta”, e por isso seriam também o lugar onde a implementação da sustentabilidade poderia ser mais poderosa e benéfica.

O processo de ocupação das cidades brasileiras A decadência dos centros brasileiros A construção das cidades latino-americanas enfrenta uma série de desafios fomentados, sobretudo, por desequilíbrios gerados pelo modelo atual de ocupação e expansão. Estes efeitos são principalmente vistos nas grandes cidades, mas um fenômeno consegue chamar atenção em maior ou menor grau em diversas cidades de diferentes escalas marcado pela falta de funcionalidade e conexão dos centros urbanos com relação ao resto da cidade, em detrimento da ocupação excessiva de suas bordas. Foram estas áreas que sofreram os maiores impactos deste modelo de ocupação do território, aos quais Guzmán (2003) vai afirmar que estes centros urbanos passaram de “centros da vida e da diversidade” para “centros de conflitos, de exclusão e de pobreza”, caracterizados pelo abandono das suas instalações, a ocupação inadequada dos espaços públicos, a diminuição da qualidade de vida da população residente, exclusão social e até pela sua desarticulação cultural. Em parte, a consolidação desse modelo se deu pelo fomento de pensadores modernistas ao desprezo às cidades antigas, chegando a ser as linhas-mestras de uma abordagem construtiva das próprias metrópoles, sendo reproduzido tanto dentro das universidades ou do setor administrativo das cidades e nações. Jacobs (2003) os chama de “descentralizadores”, e diz que estes não tinham qualquer intenção sobre a compreensão das cidades ou sua manutenção, buscando propagar apenas os ensinamentos de seu movimento modernista. Esses processos de envelhecimento urbano foram caracterizados pela desvalorização funcional, construtiva e local dos centros das metrópoles e grandes cidades por décadas, enquanto em cidades menores que ficaram à margem dos processos de integração econômica e social, as


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áreas centrais “ainda se debatem em meio à decadência, destruição ou reposição das estruturas urbanas antigas, afetando sua permanência e sobrevivência” (ZANCHETI, 2000 apud. GUZMÁN, 2003). Villaça (2001) evidencia que é a disputa dos indivíduos pelo controle do tempo e energia – energia enquanto um caráter amplo – empregados nos deslocamentos humanos que vai estabelecer as centralidades urbanas, como ocorreu até a primeira metade do século XX, podendo, em contraponto, a classe dominante optar por se afastar de centralidades estabelecidas se assim comprovar algumas vantagens, como apontado por Andrade (2007): ▶▶ Aquisição de grandes parcelas em áreas periféricas ▶▶ Melhorias de conforto, como presença de ambientes mais salubres, aerados e ensolarados ▶▶ A instalação de novas infraestruturas rodoviárias a partir de políticas públicas coniventes, e pelas facilidades inerentes à aquisição dos automóveis. A expansão do espaço urbano para suas periferias é marcada pelo aumento das taxas de motorização das classes de alta renda e dos investimentos em infraestrutura rodoviária na década de 1970, apontado por Villaça (2001) pela possibilidade de acesso rápido a diversos setores da cidade, proporcionando formas de ocupação mais voláteis capazes de extrapolar os antigos limites impostos pelos padrões tradicionais de locomoção (ANDRADE, 2007). Villaça ainda marca a década de 1980 como o momento chave da ação especulativa do mercado imobiliário, criando áreas de interesse para moradias em zonas distantes dos centros que culminaram na expansão desses centros ou em um processo de fragmentação do tecido urbano, caracterizando um crescimento desordenado na periferia. Esse quadro problemático fez parte de muitas cidades americanas na segunda metade do século XX, onde incidiu um processo de degradação gerada principalmente pela fuga da classe média em direção aos subúrbios, mudança dos locais de trabalho, lazer e diversão dessas camadas de alta renda e, paralelamente ao abandono, constatou-se

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também a perda de seu valor imobiliário (ANDRADE, 2007) e consequente, a ocupação do espaço central por imigrantes, em especial, minorias étnicas (JACOBS, 2003). A estes centros tradicionais, apoiados pelo ideário da época de que estas áreas eram inapropriadas para habitação, restou a sua ocupação cada vez mais consolidada por parte do setor de comércio e serviços, sobretudo por atividades de armazenamento e comércio atacadista, tidos como única equação econômica viável de se ocupar as suas edificações mais verticais (ZANCHETI, 1998 apud. ANDRADE, 2007) e por funções administrativas governamentais. Jacobs (2003) assigna à essa reprodução excessiva de determinados usos o declínio dos centros das cidades americanas. À segregação das classes de maior poder aquisitivo longe dos centros, soma-se neste mesmo processo o aparecimento de novas centralidades econômicas e de serviços que atendam as necessidades daquelas. Os chamados “Centros Novos” se constituíram em espaços capazes de concorrer com o centro principal, gerando a polarização e segregação socioespacial das cidades em dois grupos, ou em duas classes. Estes novos espaços foram concebidos de tal forma que rompeu com a grande diversidade de usos e atividades tradicionais aos centros urbanos antigos.


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Imagem 02: Processo de degradação das áreas centrais e a ocupação por camadas de baixa renda Comércio informal ocupa o Ponto de Cem Réis, no Centro de João Pessoa, e ao fundo o antigo edifício do IPASE abandonado. ©Thiago Melo

Imagem 03: Aos centros tradicionais resta sua ocupação pelo setor de comércio atacadista O aumento da infraestrutura rodoviária facilita a saída dos centros pelas classes de renda mais alta e a consquente ocupação dos subúrbios. ©Thiago Melo

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A periferização e a ameaça à sustentabilidade A perpetuação desse padrão de expansão urbana, rebatimento da segregação imposta pelas classes altas, nas demais áreas da cidade se faz visível diante da constante individualização da sociedade que gerou consequências terríveis às cidades, mostrando como os padrões de comportamento social e econômico podem ser refletidos na forma como elas são construídas. Exemplo disso são cidades como Phoenix e Las Vegas, no oeste americano, onde ocorreu uma migração dos centros urbanos tradicionais para bairros residenciais distantes e que se espalham sobre grande parte do território, os subúrbios, com espaços monofuncionais e demandas de consumo particulares, comprovadas pela formação de guetos, bairros dormitórios da classe média, forte policiamento, privilégio dos deslocamentos motorizados, shoppings centers ao invés de mercados de rua, portões de acesso entre bairros, etc. confirmando essa tendência de divisão (ROGERS, 2001). Diferentemente das cidades americanas, o Brasil enfrentou nas últimas décadas do século XX uma ocupação das periferias da cidade por agentes urbanos excluídos dos processos legais, levados pela especulação imobiliária e pelo uso da terra como mercadoria. Causa dessa exclusão está na “procura de diversos grupos em monopolizar privilégios e as possibilidades de acesso à produção de bens e serviços e aos mecanismos de distribuição desses bens na sociedade” (COSTA, 2005 apud. LEIFELD, 2011), ainda que enfrentado com resistência por movimentos sociais de luta pela moradia e direito à cidade. Isso se reverbera em políticas públicas que parecem não ouvir os interesses e demandas da sociedade como um todo, relegando bairros e atores sociais já historicamente excluídos, no caso do planejamento de cidades, por exemplo. Tal modelo de ocupação das cidades brasileiras demonstrou um vínculo ainda muito forte com o funcionalismo modernista, caracterizado pela “submissão à planos urbanos de larga escala, que promoviam um zoneamento monofuncional e setorizava os espaços de acordo com as funções morar, trabalhar, recrear e circular” (PASQUOTTO; OLIVEIRA, 2010). Desta forma, o vetor de ocupação consolidado nas bordas da cidade pelos agentes econômicos desvirtua a utilidade natural e o papel de organização do espaço essencial destas áreas (BOLAFFI, 1982 apud.


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ANDRADE, 2007). O impacto dessa ocupação se confirma na elevação dos custos sociais e privados da urbanização, bem como no consumo de mais infraestruturas, como o consumo energético ou a ineficiência dos transportes, sobretudo com o aumento do efeito estufa, decorrente da maior concentração de dióxido de carbono, cuja emissão principal se encontra nos términos urbanos. Passos et al. (2012) afirma que: À medida que a cidade cresce desmesuradamente, novos e vultosos investimentos tornam-se necessários e a estrutura urbana torna-se pouco sistêmica, setorizada e espraiada, intensificando a segregação e gerando obstáculos à inclusão social.

Este processo de urbanização dispersa e monofuncional difundido globalmente pelo mercado imobiliário tem se caracterizado por uma ocupação decorrente da quebra de vínculos territoriais tradicionais, que favoreceu à importação de modelos de ocupação de baixa densidade, com uma ocupação extensiva do espaço, apropriando-se de amplas superfícies do território e gerando um maior consumo de combustíveis fósseis, especialmente os ligados aos meios de locomoção (GRAFFRON; HUISMANS; SKALA, 2008). Se trata de un modelo “único” en el que la vivienda unifamiliar tiende a homogenizar los paisajes, reducir las densidades metropolitanas y acrecentar una cada vez mayor fragmentación espacial, que en algunos ámbitos se traduce incluso en la propia privatización del espacio. (PALOMARES; PUEBLA, 2007)

Atualmente o modelo de cidade difusa continua sendo perpetuado através de programas governamentais de habitação. O mais recente programa se chama Minha Casa Minha Vida, criado com a finalidade explícita de encarar a crise econômica de 2008, se organiza a partir de uma visão empresarial da política habitacional, considerando apenas a produção de lucro a partir de novas unidades habitacionais, desconsiderando

IMAGEM 04: PROPAGAÇÃO DA CIDADE DIFUSA

o contexto das cidades enquanto conjunto (MARICATO, 2015). Com

Acima, empreendimento do MCMV

isso, empreiteiras se apoiaram no fácil acesso ao crédito e passaram a buscar terrenos mais baratos, localizados nos perímetros das cidades, em áreas que não contam com serviços essenciais ou equipamentos coletivos, quase sempre horizontalizados e que não contribuem para o

na cidade de São Luís, no Maranhão. Conjuntos de baixa densidade são criados do zero em áreas distantes do centro, contribuindo para o spraw urbano. © Mauricio Alexandre


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adensamento da cidade ou para a integração de seus moradores com o resto desta.

IMAGEM 05: O SURGIMENTO DE MANGABEIRA COMO PARTE DE UMA POLÍTICA DE EXPANSÃO DA CIDADE DE JOÃO PESSOA RUMO À PERIFERIA À direita, o mapa da expansão da mancha urbana em direção ao sul da cidade demonstra como a política atual reforça o surgimento de novos empreendimentos urbanísticos em zonas distantes do Centro da cidade.


EXPANSテグ URBANA DE JOテグ PESSOA 1963 1963-1970 1970-1979 1979-1985 1985-1994 1994-2004 2004-2013

MAPA DA EXPANSテグ URBANA DE JOテグ PESSOA - PB (1963-2013) ELABORADO POR CASTRO (2014), EDITADO PELO AUTOR


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Os planos diretores como viabilizadores de um modelo de cidade rumo ao fracasso Diante destes problemas gerados pelos fenômenos da degradação de importantes áreas da cidade e da urbanização acelerada, que acabaram afetando negativamente a vida da população, surgiu a necessidade de se controlar o uso do solo urbano. Nesse contexto, surge o zoneamento urbano, apontado por Carvalho e Braga (2001) como “o mais difundido instrumento urbanístico e, também, o mais criticado tanto por sua eventual ineficácia, quanto por seus efeitos perversos”. Nos campos dos estudos urbanos brasileiros, denota-se pouca ênfase nos efeitos dos parâmetros de regulação do parcelamento ou de uso e ocupação do solo na perspectiva da forma urbana, enfatizando apenas sua influência na valorização fundiária, nos diferenciais de preço dos imóveis e na segregação socioespacial (NAKANO; GUATELLA, 2015). A partir destes estudos foi possível observar que a produção do espaço nas cidades, enquanto condição, meio e produto, é reflexo direto da reprodução social (CARLOS, 2013), portanto, se submetida à lógica de acumulação, seus objetivos irão se impor à vida e aos modos do uso do espaço, desta forma, se impondo ao uso social. Sobre um destes instrumentos de regulação, Villaça aponta: O zoneamento é um mecanismo urbanístico muito antigo e difundido no Brasil. Como tal não escapou de ser capturado pela ideologia dominante, ou seja, de fazer parte de uma versão que a classe dominante dá a um processo social (VILLAÇA, 2005).

Foi possível então observar uma tendência a planos geralmente elaborados como esquemas de zonas definindo a forma urbana, sem aprofundamento de temas como biodiversidade urbana ou matriz biofísica, potencializando agrupamentos monofuncionais e de baixa densidade ocupando vastas áreas do perímetro da cidade e com questionáveis instrumentos de participação urbana. Em resumo, podemos afirmar que o modelo de ocupação da zonas urbanas brasileiras resultante das últimas décadas do século XX até os dias atuais implica em problemas ambientais e cidades insustentáveis,


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com a expulsão da população mais pobre para as periferias ou para assentamentos informais, gerando problemas ambientais, de mobilidade e acesso à cidade, sendo então necessário romper com o sistema econômico vigente, controlador das decisões públicas e que apenas promulga o desenvolvimento ilimitado do capital. Sobre isso, Acselrad e Leroy (1999) afirmam que no Brasil e em demais países em desenvolvimento, existem nocivas tendências imediatistas e de dependência dos fluxos de capital privado, sobretudo o internacionalizado, que passam a controlar tais escolhas sociais.

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Justificativa Em contraponto, algumas regiões do planeta tentam pôr em prática há algumas décadas conceitos discutidos em encontros internacionais, que defendem modelos de cidades mais sustentáveis, compactas, “que favoreçam o pedestre, bem como sistemas de mobilidade sustentáveis e facilitem a eficiência das infraestruturas urbanas de serviço” (VERGARA; RIVAS, 2004), como é o caso do documento Hacia una estrategia temática sobre el medio ambiente urbano da Comissão das Comunidades Europeias, que em 2004 defendia o modelo de cidade compacta: En todos los documentos comunitarios sobre el medio ambiente urbano predomina el modelo de los asentamientos con usos múltiples y de alta densidad en los que se aprovechan los terrenos industriales abandonados y los solares vacíos, y la expansión urbana tienen lugar de manera planificada en vez de improvisada. (Comisión de las Comunidades Europeas - Hacia una estrategia temática sobre el medio ambiente urbano. 2004)

Dentro desta nova perspectiva sustentável, as centralidades urbanas se tornaram elementos cruciais não apenas para a promoção de um estilo de vida cosmopolita, mas também para a redução do consumo de energia, aumento da competitividade entre cidades pela redução dos congestionamentos ao diminuir distancias entre origem-destino, e por fazer um uso racional do território. Diversos autores apontam ainda a efetividade das centralidades na promoção do processo de inovação através do tradicional contato presencial (ESCAMILLA; COS; CÁRDENAS, 2015), possível apenas quando tais áreas são pensadas também a partir da retenção de usuários, além da atração. Os arquitetos estão cientes das questões há algum tempo, é claro, mas a proporção de pessoas comprometidas com práticas sustentáveis e ecológicas permaneceu pequena. E até recentemente, muito do trabalho produzido como arquitetura sustentável não tem avançado em questões como a redução do consumo de recursos, por exemplo, se fazendo necessário buscar outras alternativas que permitirão considerar tais problemas na escala adequada, diferentemente da maneira que aconteceu no passado (MOSTAFAVI, 2010).


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O estudo sobre as cidades e o desenvolvimento de metodologias de avaliação - e de forma concomitante, projetuais - mais sustentáveis se tornam imprescindíveis para um desenvolvimento mais equilibrado, aliando conhecimento e tecnologia para atuar frente ao planejamento urbano e territorial. Para alcançar tal modelo, diversos autores defendem a necessidade de avançar nas legislações urbanas atuais, que, apesar de diversos avanços progressivos em direção a uma abordagem com preocupação ambiental no ambiente urbano, ainda compartilha de planos amplamente pragmáticos, com foco em redução de energia ou a adição de espaços verdes (MOSTAFAVI, 2010). Rueda (2007) defende que é necessário ir além do que ele chama de urbanismo ortodoxo, com planos diretores e documentos normativos que trabalham apenas em duas dimensões e ao nível do solo, mudando o foco e os parâmetros de referência atuais, sem esquecê-los, para poder abordar os novos desafios das cidades de maneira sistêmica. A operacionalização destas práticas, a partir de parâmetros, indicadores e índices deve: auxiliar na verificação sobre a sustentabilidade ou não do sistema, ou, pelo menos, ajudar na identificação das principais ameaças à sustentabilidade de um sistema. Para isso há a necessidade de desenvolver indicadores que forneçam estas informações acerca de aonde se encontra a sociedade em relação à sustentabilidade. (VAN BELLEN, 2005)

Os indicadores, de maneira geral, podem informar sobre o processo gradativo quando se busca atingir uma dada meta, além de serem entendidos também como um mecanismo que ressalta uma tendência ou fenômeno que não é perceptível num primeiro momento. Para a sustentabilidade urbana, o uso de indicadores conduz a estabelecer limites ou reorientar objetivos e formas de ação, de maneira a corrigir aspectos dos atuais modelos de ocupação e torná-los mais coerentes com os processos naturais e mais eficientes energeticamente (VERGARA; RIVAS, 2004). Desta forma, surge a necessidade de fornecer aos planejadores urbanos, gestores e arquitetos linhas guias que orientem o processo projetual

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orientado ao desenvolvimento urbano mais sustentável. A elaboração deste estudo se apresenta como o primeiro passo nesta direção, onde a parametrização de diferentes elementos urbanos conformará centralidades mais fortes a partir da leitura da estrutura urbana, suas dinâmicas, e sua futura aplicação na revisão das políticas urbanas de uso e ocupação do território de forma a torna-las mais coerentes com os pensamentos atuais.


OBJETIVOS GERAL E ESPECÍFICOS DO TRABALHO O objetivo geral deste trabalho é desenvolver uma sistemática de parametrização de formas urbanas de modo a maximizar a aplicação de políticas públicas sustentáveis embasadas no fortalecimento das centralidades urbanas, em específico o subcentro de Mangabeira. Como pontos específicos desta pesquisa destacam-se os itens abaixo: ▶▶ Investigar os parâmetros morfológicos que contribuem para a consolidação das centralidades urbanas de cidades médias e grandes. ▶▶ Analisar os dispositivos morfológicos geradores das centralidades a partir da parametrização da forma e ocupação urbanas e sua aplicação na programação projetual de sistemas urbanos. ▶▶ Apontar cenários urbanos alternativos de consolidação de centralidades em João Pessoa.



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METODOLOGIA Materiais e mĂŠtodos de pesquisa



Cenários De Fortalecimento Do Subcentro De Mangabeira

Material e métodos de pesquisa

D

e forma a conformar um sistema de medição das limitações e das condições morfológicas necessárias para a consolidação e surgimento de novas centralidades urbanas, os procedimentos metodológicos

serão divididos em três etapas:

Etapa imersiva A partir de uma leitura horizontal do referencial bibliográfico, essa etapa se constitui da investigação para a construção do referencial teórico de forma a localizar o atual cenário da ocupação urbana em um panorama internacional e nacional, chegando ao conceito de Centralidades Urbanas e sua relação com a construção de cidades mais coesas territorialmente. Este referencial deverá explorar o contexto brasileiro dos processos de ocupação das cidades, incluindo o abandono das áreas centrais e a consequente extensão dos limites das cidades a partir de suas periferias; a contextualização dos instrumentos urbanos que contribuem atualmente para a consolidação de cidades rumo ao

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fracasso; as diferentes conceituações do termo centralidade urbana apresentadas e os modelos de mensuração até então empregados pelas principais metodologias destinadas a essa temática; e, por fim, a definição dos principais conceitos propulsores das centralidades urbanas e os parâmetros a eles relacionados. Com o objetivo de responder ao problema geral formulado de pesquisa, fez-se necessário em um segundo momento um aprofundamento nas metodologias de mensuração da centralidade urbana analisadas através de uma leitura vertical, onde serão estudados trabalhos como os de Escamilla, Cos e Cárdenas (2015) e Cicerchia (1999) que se destacam pela utilização de indicadores sociais enquanto fatores de definição dessas centralidades. Outros documentos podem ajudar a reforçar a importância de características morfológicas para a consolidação destas áreas centrais, incluindo guias destinadas aos planejadores urbanos como o Urban Design Compendium, do governo britânico (2000) ou o DOTS nos planos diretores, desenvolvido pela WRI Brasil (2018).

Etapa analítica Uma vez selecionado um core inicial de parâmetros morfológicos relacionados aos conceitos definidores de centralidades urbanas, a etapa seguinte encaminharia uma primeira aproximação daqueles à realidade das cidades brasileiras, sendo possível a comparação entre a atual configuração morfológica, levantada através do mapeamento dos parâmetros - em levantamentos de campo e aplicação em ferramentas de georrefenciamento, e a posterior simulação com as formas urbanas encontradas a partir da aplicação dos limites ótimos dos parâmetros anteriormente mencionados - em softwares paramétricos.

Etapa discursiva A partir da coleta dos dados e da aplicação dos parâmetros a partir da criação de cenários urbanos paramétricos, será possível avaliar de forma mais aprofundada os rebatimentos desta metodologia na construção de formas urbanas mais sustentáveis e na revisão de políticas públicas que incentivem a construção de territórios mais coerentes.


Cenários De Fortalecimento Do Subcentro De Mangabeira

Forma de análise dos resultados Em relação à análise dos resultados obtidos enquanto parâmetros formais de consolidação de centralidades urbanas, é preciso levar em conta que sua formação será embasada em diferentes metodologias derivadas de pesquisas já consolidadas a partir da construção de quadros resumos que retratem os principais autores e conceitos aplicados nestas metodologias de modo a conformar uma lista inicial de indicadores de centralidades. Para isso, é indispensável que tal construção seja objeto de uma análise conjunta, incluindo na interpretação espectros estabelecidos por diferentes autores, obtendo limites mínimos e máximos para cada parâmetro. A modelagem computacional deverá proporcionar a comparação entre os resultados encontrados atualmente e resultados obtidos experimentalmente a partir da aplicação dos parâmetros formais previamente estabelecidos. Estas ferramentas permitem a visualização, análise e geração de cenários urbanos virtuais em diferentes escalas a partir de variáveis que vão ser acessadas de formas mais intuitivas quando trabalhadas espacialmente.

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3 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DOS INDICADORES



Cenários De Fortalecimento Do Subcentro De Mangabeira

A construção de parâmetros urbanos para o fortalecimento de centralidades

D

iante de um panorama atual de construção de cidades insustentáveis, se torna imprescindível o estabelecimento de políticas que favoreçam a reformulação da ocupação do território das cidades,

capazes de integrar a ampla gama de questões ambientais que estão comprometidas no desenvolvimento do espaço e seu funcionamento. A partir desta problemática, Rogers (2001, p.38) busca definir a cidade sustentável sendo a qual as comunidades prosperem e a mobilidade dos cidadãos aumente sem permitir a destruição da vida comunitária, com intensificação de sistemas eficientes. Tais cidades “crescem em volta de centros de atividades sociais e comerciais, com proximidade otimizada, localizadas juntos a pontos nodais de transporte público”, em volta dos quais as vizinhanças se desenvolvem e se integram, formando uma rede destas comunidades, abastecida por uma diversidade de atividades públicas e privadas sobrepostas.

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Nota-se a relevância das áreas centrais no desenvolvimento de cidades racionais e de uma organização distribuída em diferentes pontos focais (organização policêntrica) que sejam capazes, não apenas de atrair viagens, mas também de retê-las. Centralities should not be conceived today just as employment clusters, but as spaces where the most intense activities of urbanites take place. (Florida, 2003; Glaeser, 2011, apud. Escamilla; Cos; Cárdenas, 2015).

Dentro desta perspectiva, as centralidades urbanas correspondem a um agente integrador, agregando valores e influenciando na organização do espaço urbano. Desta forma têm se apresentado algumas políticas públicas de contenção do desenvolvimento suburbano, também muito ligadas a uma tentativa de fortalecer a economia urbana. Dentre elas, estão as Zonas de Desenvolvimento Econômico e Social – ZODES, elaboradas em 2013 pelo governo local da Cidade do México. Estas políticas buscavam o desenvolvimento de diversas centralidades urbanas temáticas enquanto nós de progresso econômico, com a expectativa de redução da mobilidade motorizada a partir do aumento das densidades, incentivo a diversidade de uso do solo e indução da especialização econômica dos sub-centros. As ZODES mexicanas tiveram como base o conceito de cidades compactas e policêntricas, que priorizam o crescimento para o interior dos limites urbanos, favorecendo o acesso e a manutenção de serviços e equipamentos, aumentando assim a vitalidade urbana e as relações sociais, ao mesmo tempo que apoia o desenvolvimento de economias de escalas locais, mais enraizadas e estáveis (VERGARA; RIVAS, 2004, pp.232)

IMAGENS 06 E 07: ZODES MEXICANAS E A CRIAÇÃO DE CENTRALIDADES ESPECIALIZADAS Acima, localização das ZODES previstas para as Zonas de Desenvolvimento Econômico e Social na Cidade do México, em 2013. À direita, a Ciudad de la Salud, em destaque.



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Em paralelo ao surgimento de políticas públicas que reforcem a centralidade dos agrupamentos urbanos, se destacam também alguns estudos caracterizados pela utilização de indicadores enquanto fatores de definição dessas centralidades. Baseada na ideia de formular linhas guias para melhor organização dos sistemas urbanos, resultante da reorganização das suas centralidades, Cicerchia (1999) montou uma série de instrumentos baseados em indicadores sociais para a medição de uma centralidade-ótima, representada por indicadores do city-effect e de sobrecarga urbana. A autora definiu a centralidade-ótima em cidades grandes como o resultado de um processo de descentralização gerado pela busca de alternativas ao sobrecarregamento do centro principal; enquanto que em cidades pequenas e médias, a centralidade-ótima estaria ligada ao alcance de uma massa crítica de usuários suficiente para competir com a força de atração das cidades maiores. Desta forma, foi possível agregar indicadores sociais que contribuíssem com a construção deste city-effect, sem que se perdesse a qualidade de vida nas cidades, podendo assim ajudar no processo de tomada de decisão de planejadores e gestores. Este estudo se caracteriza pela ênfase dada aos indicadores sociais no papel de reorganização do território a partir do estímulo às centralidades, no entanto sem demonstrar rebatimentos sobre a forma urbana. Já o trabalho desenvolvido por Escamilla; Cos; Cárdenas (2015) analisou a estrutura urbana da Região Metropolitana da Cidade do México, de forma a testar se sua configuração espacial seguia um padrão de organização policêntrica - ao invés de monocêntrica - e assim confrontar as políticas públicas implantadas pelo governo daquela cidade. Os autores buscaram identificar quais agrupamentos urbanos possuíam mais capacidade de atração e retenção de usuários, isso é, identificando centralidades que possuíssem massa crítica de pessoas, atividades, fluxos, facilidades e infraestruturas, que permitissem trocas sociais, econômicas, política, cultural, com uma relativa diversidade de uso, tecido urbano compacto e multifuncional e que reduzissem o número de viagens motorizadas. Para tal, se utilizou de um índice de centralidade – diversidade de uso, construído a partir de dados socioeconômicos (classificação das atividades econômicas, número de empregados, etc.) e sua relação direta com a estrutura urbana (arcos, nós e edifícios), e de um Índice de


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Cenários De Fortalecimento Do Subcentro De Mangabeira

Entropia, que em essência representa o grau de diversidade de uso. A primeira base de dados foi utilizada de forma a detectar os clusters na rede urbana da cidade, enquanto o índice de entropia contribuiu nas análises de uso/deslocamento. Desta forma, foi possível denotar diversos clusters de emprego ainda em estágio inicial e desconectados com as áreas de interesse dos programas de habitação, significando então a necessidade de revisão das políticas públicas para reforçar tais áreas – como a melhor distribuição da oferta de empregos ou o aumento da diversidade dos usos ali instalados. Apesar de desenvolver uma metodologia de identificação de centralidades urbanas – um estágio anterior ao intuito do atual trabalho, o de reforço dessas centralidades – o trabalho desenvolvido pelos autores mexicanos ajuda a definir um conceito atualizado de centralidade, ao mesmo passo em que avança na utilização de parâmetros sociais, desta vez vinculando-os com a configuração espacial da estrutura urbana. Outros documentos podem ajudar a reforçar a importância de características morfológicas para a consolidação destas áreas centrais, incluindo guias destinadas aos planejadores urbanos como o Urban Design Compendium, promovida pelo governo britânico (2000) ou o DOTS nos planos diretores, desenvolvido pela WRI Brasil (2018). A importância destes documentos resulta de sua abordagem prática e acessível à gestores, técnicos e empreendedores sobre a realização e avaliação da qualidade do desenho urbano para o desenvolvimento e regeneração de áreas urbanas. A guia da WRI Brasil estabelece três princípios de ordenamento do território para atingir a sustentabilidade, sendo eles o crescimento urbano compacto, a infraestrutura conectada e, por último, a gestão coordenada. O segundo princípio receberá uma atenção especial por este trabalho, se relacionando de forma direta com o tema das centralidades urbanas, podendo ser atingido, segundo a guia, através da eficiência no uso das

IMAGEM 08: DOTS NOS PLANOS DIRETORES

infraestruturas urbanas, a continuidade do tecido urbano, a redução dos

Acima, o documento da WRI Brasil, que

deslocamentos motorizados, promovendo a mescla de usos e, dentre

apresenta uma série de princípios e

outros, a criação de centralidades distribuídas em toda a área urbana. Como diretrizes apontadas pelo documento, se estabelecem duas linhas de ação:

açoes que podem ajudar as cidades a produzir uma nova geração de Planos Diretores


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A Parametrização da Forma Urbana como Instrumento para a Consolidação das Centralidades

1. a legislação deve fomentar a mescla de funções urbanas e o adensamento populacional e construtivo; 2. universalizar a oferta de serviços urbanos e priorizar a matriz da mobilidade sustentável considerando a forma compacta. Tais instrumentos proporcionam a vitalidade urbana de uma região, otimizando o uso do solo, criando oportunidades econômicas e reduzindo as distancias a ser percorridas. A resposta sobre a promoção de centralidades dada pelo Urban Design Compendium por sua vez é fomentar centros amigáveis aos transportes ativos e público em pontos focais da cidade, permitindo sua vitalidade e atratividade comercial, servidos por espaços públicos bem desenhados. O incremento de uso habitacional dentro do mix de usos possíveis nas centralidades urbanas evita a perda de vitalidade e viabilidade dessas áreas, como aconteceu no período pós segunda guerra. Deve ainda estabelecer o diálogo entre a estrutura urbana e a criação de uma identidade e caráter do centro urbano, expresso, sobretudo na escala e forma urbana e do edifício e na importância cívica da área. A partir da construção desse panorama por diversas referencias foi possível nos aprofundar nos conceitos que guiarão a construção de centralidades mais fortes, objetivo deste trabalho, organizando-os em três grupos conceituais, posteriormente refletidos no diagrama 01:

DIAGRAMA 01: Acima, localização das ZODES previstas para as Zonas de Desenvolvimento Econômico e Social na Cidade do México, em 2013. À direita, a Ciudad de la Salud, em destaque.



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A Parametrização da Forma Urbana como Instrumento para a Consolidação das Centralidades

O primeiro grupo está ligado à intensidade de ocupação do solo, em função das possibilidades geradas pelas características de implantação, sejam positivas como a geração de massa crítica de usuários, sejam negativas como as consequências ligadas à ameaça da habitabilidade do espaço público ou a congestão dos sistemas de abastecimento urbano. Desta forma, os conceitos de integração da área com a totalidade do tecido urbano e a densidade populacional e construtiva despontam como indicativos da qualidade desta ocupação. O segundo grupo conceitual diz respeito à complexidade urbana, apontada por Jacobs (2014) como “a multiplicidade de motivos que as pessoas têm para frequentar” uma determinada área. Na estrutura urbana esta qualidade se traduz em contato e intercâmbio entre diferentes grupos de usuários, supondo um aumento da organização, contribuindo para a estabilidade e continuidade do próprio sistema urbano. Sobre isso, Vergara e Rivas (2004, pp.199) apontam que: A chave atual na evolução da centralidade está no grande potencial de interação da sociedade pós-industrial, potencial para articular de forma complexa as relações urbanas básicas, intercambio e consumo.

Assim, conceitos como a diversidade de uso e a continuidade espacial e funcional dos espaços urbanos se caracterizam como princípios embasadores da construção de centralidades que respondam às problemáticas do século XXI. De maneira a obter valores de autocontenção e autossuficiência característicos de áreas centrais, rebatimentos diretos de uma organização formal densa e diversa, o terceiro, e último, grupo conceitual é refletido pelo aumento da funcionalidade da estrutura urbana, onde os deslocamentos são reduzidos, assim como a quantidade de emissão de contaminantes atmosféricos e do consumo de energia. Diante dessa mudança de panorama na mobilidade urbana, que passa a valorizar o transporte peatonal e ativo, conceitos como a qualidade e atratividade do espaço público reforçam as características desejadas para o fortalecimento das áreas centrais. O estabelecimento de redes de infraestrutura com altos níveis de acessibilidade, comunicação e modalidade, geradoras das funções de centralidade, permitirão a


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correção do modelo urbano difuso até uma região policêntrica. Uma vez delimitado o escopo teórico que embasa a construção de centralidades mais fortes, torna-se possível a escolha de parâmetros que operacionalizem tal construção.

Imagem 09: Estruturas urbanas mais diversas e funcionais, em ambientes com qualidade construtiva e maior biodiversidade Acima, imagem que ilustra as diretrizes propostas pelo Plano Diretor de São Paulo de 2014. Edificações com usos diversificados no nível do térreo e grande número de vitrines e portas ao longo do percurso propiciam maior funcionalidade do espaço urbano.


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A Parametrização da Forma Urbana como Instrumento para a Consolidação das Centralidades

O grupo inicial de parâmetros de centralidade Dentro da perspectiva deste trabalho, uma infinidade de variáveis, índices e indicadores poderiam abranger conceitos como qualidade espacial urbana, densidade ou diversidade de uso. No entanto, devemos manter em mente os objetivos deste trabalho enquanto sua necessidade de analisar o uso destes enquanto rebatimento direto sobre a configuração formal das centralidades e a sua possível comparação futura com estudos realizados em âmbito internacional. Para tal, foram selecionados parâmetros vinculados aos aspectos físicos da configuração urbana usados em diversos países e aplicados ao estudo de caso aplicado neste trabalho. A lista inicial de parâmetros se baseia no processo de desconstrução ilustrado no capítulo anterior, correspondendo aos conceitos estabelecidos. Tal aplicação ainda apresenta um caráter fortemente experimental, mas poderia representar uma base inicial útil para aprofundar a discussão acerca das políticas públicas de ocupação do território em áreas consolidadas e os rebatimentos da não-ocupação de áreas sensíveis nas bordas das cidades.

Os parâmetros de densidade A determinação da densidade de ocupação do solo constitui um dos modos de avaliação das condições de habitabilidade que esse mesmo solo proporciona, sendo possível ser expressa de diversas maneiras. Algumas destas maneiras, amplamente utilizadas, dizem respeito a relação do número de pessoas por uma determinada superfície de área, ou ainda à relação entre o número de unidades habitacionais e uma determinada área. Apesar disso, Haupt e Pont (2009, pp.86) elencam três razões que demonstram que esses parâmetros possuem uma relação fraca com questões formais, sendo elas: a taxa de ocupação das habitações varia; o tamanho das habitações varia; e o total de unidades não vinculadas ao uso habitacional não é levado em consideração. As we have discussed, population and dwelling density have some serious shortcomings when it comes to establishing a relation with urban form. When working with dwelling density, the floor space allocated to employment is not taken into account. It is further


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impossible to determine whether people reside in large or small dwellings. In addition, issues of health and hygiene, which led to the introduction of the concept of density in urbanism, are not only influenced by the number of people residing in an area. Also relevant are dwelling size, building height and the distance between buildings.

Desta forma, a densidade pode ser também relacionada à integridade e uniformidade da estrutura urbana e a correspondente utilização ideal do potencial da cidade. A utilização de metodologias mais gerais e precisas, como a mensuração baseada na área construída ou área bruta ocupada, embora não indiquem densidades como tais, representam os componentes “maciços” da densidade física, ou seja, a forma física e o volume da construção (ALEXANDER, 1993; LOON, DE GRAAF, 2011). Diante deste distanciamento entre as formas convencionais de medir a densidade e a forma urbana, ou mais especificamente as tipologias edificatórias, Haupt e Pont (2009) criaram uma metodologia que combina diferentes variáveis espaciais, de forma a possibilitar uma aproximação específica o suficiente para determinação de tipologias urbanas. A partir de três indicadores fundamentais – FSI, GSI e N -, foi possível organizá-los em um diagrama tridimensional (Spacematrix) que representa o que os autores chamam de DNA espacial de uma área, “permitindo analisar e deixar explícito certas propriedades espaciais desta área” (HAUPT; PONT, 2009, pp.100). O FSI (Floor Space Index – Eixo Y da Spacematrix) representa a intensidade construtiva de uma determinada área, independentemente de sua composição programática, e é determinado pela razão entre a área construída e a área total de um determinado âmbito. O GSI (Ground Space Index – Eixo X da Spacematrix), também conhecido como cobertura (coverage), demonstra a relação entre o espaço construído e não-construído de um determinado âmbito. E, por fim, o N (Network Density – Eixo Z da Spacematrix), representa a concentração de rede (cicloviária, por exemplo) em uma determinada área. Para o trabalho em andamento, será utilizada a projeção XY da Spacematrix, denominada Spacemate e que demonstra graficamente a relação direta entre o FSI e o GSI. Neste gráfico é possível ver o rebatimento da intensidade construtiva e da ocupação do solo sobre outras variáveis, como o OSR (Spaciousness, ou “espaçoso”), que corresponde à relação entre o espaço não construído (medido no nível do solo) e a intensidade construída; ou

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o número médio de andares (ou Layers, camadas), representado pela variável L. Com a construção da matriz, foi possível para os autores localizarem onde estariam os principais teóricos da densidade e suas doutrinas dentro do gráfico (HAUPT; PONT, 2009, pp.200), possível observar na SPACEMATE abaixo. Por entender que apesar da alta densidade proposta por autores como Le Corbusier e outros autores modernistas, seus rebatimentos sobre a urbanidade dos espaços urbanos acabam por fomentar ocupações voltadas ao desenvolvimento de um funcionalismo tecnocrático, criticado por diversos autores desde o fim do século XX (GEHL, 2010; JACOBS, 2003). Desta forma, foi acolhida como padrão ideal dos cenários criados os parâmetros balizados em função de desempenho, padrões e características mais coletivas de regulações, vinculados a teoria de Jacobs (2003), que fomentam uma maior intensidade de ocupação, mas com equilíbrio sob os espaços livres e a sua habitabilidade.


INTENSIDADE FSI=F/A F=área construída total (m2) A=área total (m2)

COBERTURA GSI=B/A F=área ocupada térreo (m2) A=área total (m2)

NÚMERO DE ANDARES L=FSI/GSI

ESPAÇO LIVRE OSR=(1–GSI)/FSI


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Os parâmetros de diversidade de uso Como apontado anteriormente na construção teórica dos conceitos que fomentam centralidades mais coesas, o equilíbrio da distribuição de funções dentro da cidade se caracteriza como um dos principais fatores na construção de comunidades mais seguras, sustentáveis, com vitalidade e participação social. Enquanto que a densidade é um fator primordial para a geração de massa crítica[1] de pessoas e atividades (RUEDA, 2011, pp. 27), a diversidade neste mix de usuários e usos promove o aumento da organização urbana de um determinado território, resultando no aumento da eficiência dos sistemas urbanos, com comunidades que prezam e se utilizam, por exemplo, da caminhabilidade e de meios ativos de locomoção, gerando inclusive rebatimentos diretos na saúde da população (CROUCHER; WALLACE; DUFFY, 2012). Além da densidade apontada acima, Jacobs (2003, pp.107) aponta mais três condições indispensáveis para gerar uma diversidade exuberante nas ruas e bairros: 1. O distrito, e sem dúvida o maior número possível de segmentos que o compõem, deve atender a mais de uma função principal; de preferência, a mais de duas. Estas devem garantir a presença de pessoas que saiam de casa em horários diferentes e estejam nos lugares por motivos diferentes, mas sejam capazes de utilizar boa parte da infraestrutura. 2. A maioria das quadras deve ser curta; ou seja, as ruas e as oportunidades de virar esquinas devem ser frequentes. 3. O distrito deve ter uma combinação de edifícios com idades e estados de conservação variados, e incluir boa porcentagem de prédios antigos, de modo a gerar rendimento econômico variado. Essa mistura deve ser bem compacta.

1

O termo massa crítica foi incorporado da física para descrever uma quantidade mínima necessária de determinado conteúdo para tornar possível que algo aconteça ou continue. Na sociologia, é utilizado para descrever uma quantidade mínima de individíuos necessária em um sistema social para que este possa se torna auto-sustentável e que o permita crescer.


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Como apontado por Van den Hoek (2008, pp. 7), esta diversidade de usos, quando em conjunto com uma estrutura urbana caminhável à escala do edifício ou da vizinhança, tem como um dos principais resultados a geração de um domínio público sobre a cidade, reforçando a sensação de civismo e pertencimento. Estes fatores gerados pela multiplicidade de destinos das diferentes pessoas criam então a urbanidade em uma determinada área. Com base nisso, o autor criou uma metodologia de forma a mensurar e estabelecer parâmetros de diversidade, com foco central na proporção destas diferentes funções dentro da estrutura construída da cidade. De forma a compor um índice que representasse de forma simples tal organização, foi então necessário reduzir o espectro de atividades entre atividades residenciais e não-residenciais expressas em termos de área construída, possibilitando uma aproximação interdisciplinar e abrindo um portal de novas abordagens operacionais, criando sobretudo uma contribuição à séries de índices mencionados anteriormente – FSI, GSI ou OSR. Esta metodologia de utilização de uma variável física – área ocupada – demonstra maior precisão no processo de mensuração de qualquer situação de planejamento e é menos dependente de variações temporárias, comuns em metodologias que utilizam número de trabalhadores x moradores, por exemplo. Desta forma, enquanto os indicadores de densidade não conseguem demonstrar de fato um valor agregado de urbanidade, quando somados ao Índice de Diversidade de Uso (Mixed-Use Index, ou MXI) criado por Van den Hoek, tais indicadores passam a compor um conjunto mais completo na promoção de centralidades fortes e vivas. Em sua pesquisa, o autor pode perceber que em cidades consideradas modelos de urbanidade como Berlin, Amsterdam ou Barcelona, a proporção de 50% entre usos residenciais e não-residenciais no nível do solo fomentava a criação de centralidades vivas e vibrantes, com uma variedade heterogênea de instituições, escritórios, lojas, equipamentos de lazer, restaurantes, etc (VAN DEN HOEK, 2008, pp. 7). Este parâmetro será então utilizado como base no trabalho em construção.

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Os parâmetros de qualidade e atratividade do espaço público Durante a construção teórica deste trabalho, conceitos vinculados ao aumento da funcionalidade do ambiente urbano foram citados como fatores necessários para o aumento da retenção e permanência da população nas centralidades urbanas. Enquanto instrumentos de planejamento urbano, a qualidade construtiva dos espaços de convívio ou a sensação de qualidade gerada pela massa vegetal urbana podem passar de fatores cognitivos por parte dos usuários à fatores mais mensuráveis se passarmos a quantifica-los em variáveis relativas ao conforto térmico ou acústico, o nível de qualidade do ar, a permeabilidade dos espaços públicos ou ao espaço de permanência e convívio existente em determinada estrutura urbana. Sobre esta última variável, Gehl (2010, pp.327) considera que eles “devem ser agradáveis para que as pessoas possam permanecer por grandes intervalos de tempo e apreciar as fachadas e paisagens que a cidade oferece” e são considerados como um dos principais critérios para a construção de espaços públicos de qualidade. Diante disto, tal variável se evidencia neste trabalho como forma de confrontar os indicadores de densidade construtiva apresentados anteriormente, como o FSI ou o GSI. Enquanto a compacidade absoluta apresentada por estes indicadores demonstra uma relação entre a intensidade de uso (FSI) e os espaços livres (OSR), excessos referentes a saturação urbana dos espaços livres públicos e a sua correspondente utilização enquanto espaço de convívio e civismo não são estabelecidos. Diante disto, Rueda (2011, pp.31) estabelece tal relação com a criação de um parâmetro de Compacidade Corrigida, que preza pela habitabilidade urbana do espaço público, relacionando a massa edificada aos espaços de permanência de um determinado tecido urbano. A Compacidade Corrigida é estabelecida através da relação entre o volume construído (m3) e os espaços de permanência IMAGEM 10: CRITÉRIOS PARA A CRIAÇÃO DE ESPAÇOS PÚBLICOS DE QUALIDADE

(m2) - espaços de convívio, lazer e verde urbano, tendo como unidade de medida o metro (m).

Acima, um dos cartazes utilizados

Este parâmetro “quando alcance valores ideais, passa a facilitar que a

para ilustrar os critérios criados pelo

ocupação seja constante e sua condição de espaço de relacionamento

urbanista dinamarques Jan Gehl.

reforce a segurança do espaço urbano”. Uma compacidade corrigida entre 10 e 50 metros proporciona um espaço de permanência satisfatório


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(entre 10 e 20 m2 de espaço de permanência por habitante) em tecidos urbanos onde se atinge uma densidade populacional que oscile entre 200 e 400 habitantes/ha. Para tal, serão considerados espaços públicos de permanência aqueles que, por suas características morfológicas e funcionais, permitam em diferentes graus a interação entre pessoas, ou a interação destas com o entorno de caráter público ou acessível: 1. Espaços verdes ou de lazer – Espaços florestais, parques ou jardins, praças, espaços livres interiores ou exteriores às quadras, praias; 2. Espaços ligados ao deslocamento peatonal – Ruas pedestrianizadas, bulevares, ramblas, passeios, calçadas amplas (≥ a 5m). Sobre os objetivos do parâmetro de compacidade corrigida, Rueda (2011, pp.465) fala: Establecer una proporción adecuada entre los espacios relacionados con la actividad y la organización del sistema urbano (el espacio construido) y aquellos espacios descompresores de la tensión urbana orientados a satisfacer las necesidades de recreo, estancia al aire libre y de relación (espacio de estancia).

Os parâmetros acima expostos podem contribuir, então, para a composição programática no estabelecimento de políticas públicas, como será visto no próximo capítulo.

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4 CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA



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A configuração morfológica atual e a aplicação dos parâmetros de centralidade Ferramentas de análise da estrutura urbana

B

aseado no trabalho de Koltsova, Kunze e Schmitt (2012), que demonstraram a importância de ferramentas computacionais na tradução de aspectos qualitativos da estrutura urbana em modelos

urbanos parametrizados, podemos nos utilizar da combinação de medições de componentes projetuais urbanos qualitativos com ferramentas de suporte à tomada de decisões no planejamento urbano. Os autores se utilizaram de uma metodologia que facilitasse a criação de espaços de qualidade orientados à escala dos pedestres com a utilização de parâmetros acessados por tais softwares. Estas ferramentas permitem a visualização, análise e geração de cenários urbanos virtuais em diferentes escalas a partir de variáveis que vão ser acessadas de formas mais intuitivas quando trabalhadas espacialmente.

IMAGEM 11: AVENIDA JOSEFA TAVEIRA À esrquerda, em destaque o principal eixo de comércio de Mangabeira visto deste a entrada do bairro.


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A Parametrização da Forma Urbana como Instrumento para a Consolidação das Centralidades

A aproximação entre a construção destes parâmetros e a sua aplicação e análise de modelos tridimensionais compõem o resultado final deste trabalho e foram desenvolvidas a partir da construção ou adaptação de ferramentas[2] para o plugin Grasshopper, utilizado em conjunto com o programa de modelagem e visualização Rhinoceros. Como forma de aprofundar o estudo realizado sobre centralidades urbanas, utilizaremos a cidade de João Pessoa como plano de fundo para a análise de uma área que compõe um dos principais subcentros existentes na cidade, o bairro de Mangabeira.

2

Foi utilizada como base inicial o algoritmo para Grasshopper de geração de morfologia urbana, criado pelo pesquisadora Natália Queiroz.

Imagem 12: Geração de cenários a partir de definições e algoritmos no Grasshopper A possibilidade gerada pela parametrização facilita a reprodução do método e economia de tempo


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O subcentro das populações de baixa renda – O bairro de Mangabeira Como apresentado na construção do referencial teórico, as últimas três décadas do século XX marcaram o crescimento das cidades brasileiras de forma ostensiva nas regiões periféricas, forçando a criação de novas centralidades (centros secundários) capazes de concorrer com o centro principal. Em paralelo à disputa de interesses das classes de alta renda durante o seu deslocamento para as novas áreas da cidade-, e à criação de um novo subcentro localizado na área litorânea do espaço intra-urbano de João Pessoa, foi observado o surgimento de uma nova centralidade voltada para às camadas mais pobres da população da cidade. Nascido em 1982, durante então o momento chave da ação especulativa do mercado imobiliário, como apontado por Villaça (2001), o bairro de Mangabeira foi criado a partir do estabelecimento de políticas públicas estaduais que estabeleciam áreas de interesse para moradias em zonas distantes dos centros, em um processo de fragmentação do tecido urbano e de expansão da cidade em direção ao sul da cidade. O bairro tinha como objetivo absorver o crescimento populacional da época com a criação de grandes conjuntos de residências de tipologia popular para fins de habitação social. No total, 3.328 casas foram construídas, tornando-se o o maior conjunto habitacional já implantado na cidade, em oposição à baixa infraestrutura de transporte da área e da grande distância em relação ao centro tradicional, detentor até então dos empregos da cidade. A grande densidade implantada pelo projeto e o seu isolamento geográfico fizeram surgir no bairro uma grande demanda por oferta de bens e serviços, que foi absorvida pelo setor informal de modo a suprir as necessidades diárias daquela população segregada. Sobre isso, Silva (2013, pp.35) afirma: Nesse contexto, se assinala que as referidas atividades do comércio e dos serviços de cada localidade são voltadas para segmentos sociais singulares. Isto é, se destina a um público correspondente ao nível de renda média desse mesmo lugar.

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A Parametrização da Forma Urbana como Instrumento para a Consolidação das Centralidades

Desde então, uma série de transformações físicas e espaciais acompanharam o crescimento populacional e a expansão espacial decorridas no bairro, tornando-o em um polo atrator de populações de bairros próximos ou até de outras cidades. Essa característica tem rebatimento sobre a sua força enquanto centralidade secundária no desenvolvimento do setor Sudeste da cidade, apontado por Andrade (2007) como o segundo setor de maior dinâmica imobiliária. O bairro conta atualmente com 75.998 habitantes, configurando-se como o bairro mais populoso da cidade, e uma densidade populacional de 74,6 hab/ha, segundo o Censo Demográfico de 2010, do IBGE. Devido ao alto fluxo de comercialização de bens e produtos, e a prestação de serviços, atualmente o bairro de mangabeira, está consolidado no cenário da cidade de João Pessoa como um subcentro da região sudeste da cidade. Essa característica demonstra o caráter de polarização intraurbana existente, resultando em três polos atratores aqui visto como positivo por considerar que, dentre outras justificativas já expostas, o aparecimento de núcleos secundários de atividades comerciais na cidade gera economias de transporte e tempo, induzindo a um maior consumo, o que é do interesse do capital produtivo e comercial. (Corrêa 1995, p.48).

IMAGEM 13: O SURGIMENTO DE MANGABEIRA COMO PARTE DE UMA POLÍTICA DE EXPANSÃO DA CIDADE DE JOÃO PESSOA RUMO À PERIFERIA À direita, o mapa da expansão da mancha urbana em direção ao sul da cidade demonstra como a política atual reforça o surgimento de novos empreendimentos urbanísticos em zonas distantes do Centro da cidade.


EXPANSテグ URBANA DE JOテグ PESSOA 1963 1963-1970 1970-1979 1979-1985 1985-1994 1994-2004 2004-2013

MAPA DA EXPANSテグ URBANA DE JOテグ PESSOA - PB (1963-2013) ELABORADO POR CASTRO (2014), EDITADO PELO AUTOR


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A Parametrização da Forma Urbana como Instrumento para a Consolidação das Centralidades

A implementação dos parâmetros e a análise da centralidade existente Para a avaliação da estrutura do bairro de Mangabeira e a conformação espacial da sua centralidade, foi escolhida como área de análise uma região da entrada do bairro, caracterizada pela forte dinâmica econômica – a região conhecida por Feirinha -, e por estar integrada à principal rota de deslocamento dentro do bairro - a Avenida Josefa Taveira. A delimitação da área específica se deu a partir do estabelecimento de um raio de caminhabilidade de 400m a partir do centro da avenida, conformando uma área aproximada de 50ha. A escolha desta metodologia se deu com base na construção teórica sobre elementos que reforçam a centralidade – integração espacial e mobilidade ativa - buscando a construção de comunidades mais eficientes em seus deslocamentos. A área de estudo é composta por uma área de densidade populacional média de 198 hab/ha e uma população próxima à 10 mil habitantes, de acordo com o Censo Demográfico de 2010 (IBGE). A partir de visitas e levantamentos realizados na área de estudo, foi possível observar a constituição dos usos e número de pavimentos de cada edificação, resultando em uma região majoritariamente ocupada por unidades residenciais, com exceção da avenida Josefa Taveira, que se destaca pela forte presença de equipamentos de comércio e serviços. Foi possível observar a caracterização de novas ocupações nas tipologias tradicionais da época de implantação do conjunto, com crescimento e ocupação dos interiores das quadras por novas edificações, ou por pequenos comércios localizados nas faces voltadas para as vias. Ainda de forma tímida, vemos nesta área o surgimento de outras tipologias edificatórias impulsionadas pelo setor imobiliário, principalmente edifícios residenciais de até 4 pavimentos (R5), tipologia bastante difundida na zona da sul da cidade pelo mercado. A informatização dos dados levantados foi feita através do software QGis, onde foi possível montar um banco de dados de cada unidade edificatória da área de estudos, composto pela área ocupada, o uso no nível do solo e a quantidade de pavimentos no total. Essas informações serviram


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Cenários De Fortalecimento Do Subcentro De Mangabeira

de base para compor as variáveis utilizadas nos índices apresentados anteriormente e expostos de forma aplicada na figura X. A intensidade construtiva (FSI) ainda se mostra muito baixa, ressaltando o caráter predominantemente térreo da área, comprovada pelo baixo número médio de pavimentos (L). Em contraposição, devido aos acréscimos realizados ao longo dos anos, a cobertura (GSI) destas edificações chega a atingir níveis ideais, sem no entanto, agregar qualidade destes espaços livres (OSR), uma vez que as áreas remanescentes no interior das quadras são de uso privado e as áreas públicas não constam de espaços de permanências existentes, como praças ou calçadas amplas, restando apenas as áreas de circulação de veículos. Como dito anteriormente, a predominância do uso residencial só é interrompida na principal avenida do bairro e, em menor quantidade, em vias perpendiculares à esta, com comércios que ocupam as frentes dos lotes. Diante disto, temos a composição do MXI (Mixed-use Index) em 77%, localizada no gráfico 01 junto à algumas configurações espaciais apontadas por Van den Hoek (2013).

Gráfico 1 relação entre o fsi e o mxi de diversas configurações urbanas

GRÁFICO 01: RELAÇÃO ENTRE FSI E MXI Em verde, vemos a localização da área de estudos ainda com suas características de bairro residencial do final do século XIX.


Imagem 14: Densidade populacional dos setores censitários que compõem a área de estudo A região estudada possui alte densidade populacional, com média de 198hab/ha, enquanto o bairro possui uma média de 72hab/ha.

Imagem 15: Baixa intensidade construtiva resulta em poucos pavimentos, na área de estudo Como pode ser visto na Spacemate, a situação atual ainda está longe de atingir os parametros de densidade defendidos por Jacobs.


FSI

L

0.73

1.27

GSI

OSR

0.57

0.58

MXI 77%


74

A Parametrização da Forma Urbana como Instrumento para a Consolidação das Centralidades

Resultados parciais A leitura dos dados obtidos nos mostra que, apesar do atual sucesso econômico do bairro enquanto principal centralidade da zona sul de João Pessoa, seu potencial habitacional e construtivo ainda está longe de ser alcançado. No entanto, alguns resultados desta pesquisa comprovam a ineficiência da atual forma de ocupação do território pessoense, quando observamos, por exemplo, que a área de estudo apresenta atualmente o mesmo – ou maior – número de habitantes que 36 bairros da capital paraibana (imagem 16). Uma revisão no planejamento da cidade poderia ter evitado de forma concisa a ocupação do extremo sul da cidade, como aconteceu no bairro de Gramame, que viu sua população aumentar de 6,2 IMAGEM 16: POPULAÇÃO DE 10 MIL PESSOAS

mil habitantes em 2000 para 24,9 mil habitantes em 2010[3]. Os impactos

Os bairros da cidade de João Pessoa

deste tipo de ocupação na periferia já foram apontados anteriormente

marcados em amarelo possuem população igual ou inferior à área de estudo, marcada em vermelho

na construção teórica deste trabalho, mas vale ressaltar o longo tempo de deslocamento enfrentado pelos residentes e também a sobrecarga dos sistemas naturais destas regiões. Uma segunda constatação diz respeito a legibilidade – integração e conectividade espacial – e o potencial de caminhabilidade da área de estudos, onde foi observado alta descontinuidade – física ou visual – nas vias a medida em que se distanciam da avenida Josefa Taveira, com a configuração de quadras mais longas e percursos interrompidos. Como apontado por Jacobs (2003, pp.107), quanto mais frequente a oportunidade de virar esquinas, maior sucesso será obtido na construção de espaços confortáveis para pedestres e maior a exuberância da diversidade existente na área. Observa-se ainda a baixa qualidade do espaço público, onde é inexistente o tratamento vegetal, assim como os espaços de convívio daquela população.

3

Fonte: Jornal da Paraíba - IBGE: Mangabeira é o bairro mais populoso e Gramame cresceu mais. Acessado em 23 out. 2018. http://www.jornaldaparaiba.com. br/vida_urbana/ibge-mangabeira-e-o-bairro-mais-populoso-e-gramamecresceu-mais.html


Integração global

Legenda - Integração Global area circulo novo v _Segment_Map

Conectividade

Legenda - Integração Global area circulo novo v JP ATUAL_Axial_Map

2.6 - 2.6 2.6 - 2.7 2.7 - 2.7 2.7 - 2.7 2.7 - 2.8 2.8 - 2.8 2.8 - 2.8 2.8 - 2.9

Integração visual

1.0000 - 2.0000 2.0000 - 3.0000 3.0000 - 4.0000 4.0000 - 5.0000 5.0000 - 7.0000 7.0000 - 58.0000

Conectividade visual

Leyenda

Leyenda

Atual_vga

Atual_vga



5 CONSTRUÇÃO DOS CENÁRIOS URBANOS



Cenários De Fortalecimento Do Subcentro De Mangabeira

A construção dos cenários urbanos para o fortalecimento da centralidade de Mangabeira Diante da problemática montada, e reconhecido o forte potencial de revisão desta situação a partir de ações urbanísticas projetuais e programáticas como forma de discussão das atuais políticas públicas de planejamento da cidade de João Pessoa, este trabalho propõe a construção de cenários tridimensionais gerados por algoritmos computacionais como forma de ampliar o debate entre planejadores e tomadores de decisão sob o aspecto do fortalecimento da centralidade existente em Mangabeira.

Cenários 01 e 02 - Legislação Atual O primeiro ponto a se observar é que, nos documentos que legislam sobre a ocupação urbana da cidade – Plano Diretor e Código de Urbanismo da Cidade de João Pessoa (2009) – o zoneamento estabelecido para a área em questão - Zona Residencial 2 - apresenta possibilidade de construção

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A Parametrização da Forma Urbana como Instrumento para a Consolidação das Centralidades

de tipologias edificatórias que possibilitariam uma melhor configuração da densidade construtiva da área – evidenciados nos usos R5 e R6, com suas características expressas no Quadro 1. ▶▶ Multifamiliar R5 - Mais de duas habitações por lote agrupadas verticalmente em edifcaıes que tenham altura limitada em 3 (três) pavimentos sendo em todos os casos admintido a solução duplex para o último pavimento. ▶▶ Multifamiliar R6 - Mais de duas habitações por lote agrupadas verticalmente em edificações que tenham altura acima de 3 (três) pavimentos, considerando-se obrigatório o uso de pilotis. As duas tipologias convergem para edifícios residenciais multifamiliares, sendo inclusive permitido conjuntamente os usos Comércio Local - CL / Serviço local - SL - desde que sejam implantados no pilotis -, evidenciando assim direcionamentos para um possível aumento da diversidade de uso da área.

Quadro 1 condicionantes urbanísticas da Zona Residencial 2 Usos

Lote

Edificação

Permitidos

Área minima

Frente mínima

Ocupação máxima

Altura máxima

R5

400

15.00

40

PL+4PV+COB

R6

600

20.00

30

-

Fonte: Código de Urbanismo de João Pessoa, 2009.

Parte-se então da premissa que, em uma situação hipotética onde a legislação determina potenciais mínimos a serem alcançados – de forma a obter a eficiência da rede de infraestrutura instalada -, estas tipologias passam a compor os principais cenários de projetação viabilizados pelo aquecimento do mercado imobiliário e pelo crescimento da população, ambos evidentemente existentes na região.


CENÁRIO 01 - USO R5

ÍNDICES FSI

L

1.20

3.57

GSI

OSR

0.33

0.55

COMPACIDADE CORRIGIDA 8.51


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A Parametrização da Forma Urbana como Instrumento para a Consolidação das Centralidades

No entanto, ainda que proporcionem uma maior densidade para a área, as tipologias analisadas não propõem mudanças na configuração espacial da mesma, já que sua implantação, sobretudo a R6, tem gerado uma série de efeitos de desurbanidade na cidade, devido à segregação de equipamentos de lazer, internos aos empreendimentos; que não fomentam a permeabilidade dos lotes – visão ainda muito enraizada da propriedade privada acima dos benefícios da sociabilização dos espaços livres. Ressalta-se ainda que além de não promoverem mudanças na integração ou conectividade da área, os parâmetros impostos pela prefeitura através dos documentos oficiais anteriormente citados não permitem a localização destes cenários dentro do espectro definido por este trabalho como ideal – os parâmetros propostos por Jacobs e evidenciados na Spacemate (pp. 86), faltando à tipologia R5 uma maior intensidade construtiva e às duas tipologias, R5 e R6, uma maior cobertura da área do lote, permitindo então uma maior ocupação. Fica evidente que a promoção de novas formas de ocupação do território passa não apenas pelo caráter técnico da promoção de cidades mais sustentáveis e justas e pela superação do ideário modernista ainda muito forte na nossa legislação, mas também pelo envolvimento da população, e interesse desta, na construção de tais cidades.


CENÁRIO 02 - USO R6

ÍNDICES FSI

L

2.22

8.81

GSI

OSR

0.25

0.33

COMPACIDADE CORRIGIDA 33.31


84

A Parametrização da Forma Urbana como Instrumento para a Consolidação das Centralidades

Cenário 03 - Índices Ideais Diante do exposto, propõe-se então um cenário alternativo que seja gerado a partir de uma nova tipologia, seja edificatória, seja de ocupação da quadra, de modo que se fomente o adensamento da área, mas que em contrapartida possibilite uma maior integração e permeabilidade física e visual para a mesma; que estimule o aumento da funcionalidade da via, com a instalação de usos não residenciais no térreo e em contato direto com a rua; e que permita e fomente a instalação de novos espaços de permanência com a sua implantação. Com base nos parâmetros ideais da Spacemate, foi possível criar um cenário que atendesse aos quesitos estabelecidos a partir da utilização da tipologia de bloco linear de habitações agrupadas paralela à rua, com uma altura média que não destoa do atual padrão dos novos empreendimentos da zona sul, mas que permite uma ocupação muito mais equilibrada em relação aos espaços livres, liberando o interior das quadras para sua ocupação por equipamentos públicos, praças, etc. 0

200

400 m

De forma a potencializar o cenário, algumas quadras passaram por modificações tendo o seu comprimento reduzido, criando assim novas conexões entres ruas com maior possibilidade de integração e conectividade. Este foi o único cenário a se utilizar desta nova configuração urbana.

0

200

400 m

IMAGEM 17: AUMENTO DA INTEGRAÇÃO E CONECTIVIDADE VISUAL De cima para baixo, análises VGA de conectividade e integração visual para a nova configuração proposta, ilustrada à direita.


CENÁRIO 03 - ÍNDICES IDEAIS

ÍNDICES FSI

L

2.40

5.32

GSI

OSR

0.45

0.22

COMPACIDADE CORRIGIDA 34.70


86

A Parametrização da Forma Urbana como Instrumento para a Consolidação das Centralidades

Cenário 04 - Regra Simples Ilustrativa A título de ilustração, foi proposto ainda um último cenário que pudesse ilustrar de forma simples uma regra que pudesse ser facilmente compreendida pelo poder público ou pela população em geral. Tal regra corresponderia ao aumento da massa construída da área de estudos em apenas 25 - dobrar o número de pavimentos em metade das edificações existentes. Com o simples estabelecimento desta regra, a área poderia atingir uma densidade suficiente para fomentar a formação da massa crítica necessária para atingir a eficiência dos sistemas urbanos sem alterar de forma drástica a atual configuração espacial da área. A possibilidade de geração de múltiplos cenários fornecida pela utilização de ferramentas computacionais como o desenvolvimento de algoritmos no Grasshopper foi primordial para a viabilização de proposições como estas.


CENÁRIO 04 - REGRA SIMPLES

ÍNDICES FSI

L

3.28

5.73

GSI

OSR

0.57

0.13

COMPACIDADE CORRIGIDA 36.67



6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


90

A Parametrização da Forma Urbana como Instrumento para a Consolidação das Centralidades


Cenários De Fortalecimento Do Subcentro De Mangabeira

E

nquanto ferramenta propositiva de cenários e bases para discussões mais aprofundadas sobre os modos de ocupação da cidade de João Pessoa, a utilização desta metodologia demonstrou sua eficácia na

delimitação de configurações urbanas que fomentem o fortalecimento das centralidades urbanas, desde a construção teórica do tema e dos parâmetros, com a discussão dos principais conceitos e metodologias resultando em uma visão panorâmica teórica que veio a embasar a utilização de ferramentas de suporte ao planejamento. No entanto, algumas considerações precisam ser expostas: a primeira delas diz respeito à elevação em até quatro vezes da densidade construtiva e populacional da área. Apesar dos parâmetros destoarem bastante da configuração atual, é importante compreender a coerência encontrada nos resultados e evidenciar a relevância da mudança de paradigma para a construção de cidades mais eficientes em seus deslocamentos, compactas em sua forma, diversa em sua organização e que preservem áreas sensíveis das bordas da cidade, exatamente o contrário do planejamento atual. A segunda consideração a ser feita surge como rebatimento desta

91


92

A Parametrização da Forma Urbana como Instrumento para a Consolidação das Centralidades

preocupação anterior e diz respeito à atualização das redes de infraestrutura atuais em contraposição à possível justificativa de sobrecarga, seja no abastecimento de água ou energia, seja nas formas de mobilidade pública, onde o maior adensamento dessas áreas em questão possibilita o surgimento de novas oportunidades, como o próprio deslocamento ativo já mencionado neste trabalho, como também as diferentes tipologias de modais de transporte de massa, como o BRT, o VLT, ou metrô. A utilização de parâmetros urbanísticos da própria legislação urbanística atual fomenta a discussão sobre a subutilização das redes supracitadas, e demonstra que o modelo atual de planejamento não fornece meios para a superação da mobilidade pautada no transporte motorizado individual ao não estabelecer parâmetros mínimos de densidade, mesmo em áreas de potencial construtivo máximo.


Cenários De Fortalecimento Do Subcentro De Mangabeira

Considerações finais Este trabalho apresentou um método para a parametrização das configurações urbanas com vistas ao fortalecimento de Centralidades, com foco no bairro de Mangabeira. Porém a sua abrangência sobre as demais centralidades da cidade se mostra também eficaz e necessária, visto a necessidade da contenção do crescimento da mancha urbana na cidade de João Pessoa. Diante do novo panorama da sustentabilidade, as centralidades urbanas se tornaram elementos cruciais não apenas para a promoção de um estilo de vida cosmopolita, mas também para a redução do consumo de energia, aumento da competitividade entre cidades pela redução dos congestionamentos ao diminuir distancias entre origemdestino, e por fazer um uso racional do território. Um estudo posterior pode avaliar as possibilidades de configuração de cenários futuros para o centro tradicional, para o subcentro litorâneo e até mesmo para o caso da Avenida Epitácio Pessoa, que demonstra um forte crescimento econômico e da rede de transporte ao longo de sua configuração linear. A utilização de parâmetros urbanísticos como método para a consolidação de centralidades torna o trabalho facilmente comparativo com outros estudos por se utilizar de variáveis físicas da configuração urbana. A posterior construção dos cenários desenvolvidos de forma parametrizada demonstrou uma importante bandeira a ser levantada nos próximos anos frente às gestões municipais, por exemplo, dada a grande composição de possibilidades a ser apresentadas nos processos de construção do território urbano e sua consequente facilidade de análise. Enquanto possíveis considerações sobre a continuidade deste trabalho, evidencia-se ainda a importância de, em etapa posterior, agregar à metodologia parâmetros que considerem a percepção dos usuários sobre a qualidade da configuração espacial do espaço público, inclusive os aspectos cognitivos da biodiversidade e da qualidade do projeto de desenho urbano existente. Estes aspectos são essenciais para a configuração de cidades mais sustentáveis e justas pois fomentam a participação da população na construção de instrumentos mais consistentes e soluções mais adequadas.

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A Parametrização da Forma Urbana como Instrumento para a Consolidação das Centralidades

Enxerga-se ainda como possibilidade de aprofundamento, a criação de um Índice Ponderado de Centralidade Ótima, baseado nos parâmetros estabelecidos neste trabalho e estabelecido através de uma fórmula que equacione os três indicadores que o compõem – densidade, diversidade de uso e qualidade do espaço público.


Cenรกrios De Fortalecimento Do Subcentro De Mangabeira

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