“REFLEXÃO SOBRE AS PRACIALIDADES E A MEGALÓPOLE” ESTUDO SOBRE A ATUAÇÃO DE ARQUITETOS E URBANISTAS EM PROJETOS DE REQUALIFICAÇÃO URBANA.
“REFLECTION ABOUT PUBLIC SPHERE (PRACIALIDADES) AND THE MEGALOPOLIS” STUDY ABOUT THE PROFESSIONAL PERFORMANCE OF ARCHITECTS AND URBANISTS ON URBAN REQUALIFICATION PROJECTS.
Tiago Brito da Silva *1 Mestrando em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP Arquiteto Urbanista pela Universidade Estadual de Campinas
RESUMO O crescimento da cidade de São Paulo, passando de Vila à Região Metropolitana até se tornar a principal cidade da megalópole do Sudeste, exigiu fortes transformações em sua composição, alterando suas dinâmicas, reconstruindo sua paisagem e afetando diretamente sua população. Estamos cada vez mais globalizados e, como resultado, a vida pública tem seu espaço modificado. Este artigo busca, através da análise do parque industrial da Mooca, discorrer sobre espaços livres residuais no atual processo de evolução da urbanização. É feita a leitura de projetos em escala urbana, averiguando alguns dos possíveis campos de atuação para arquitetos urbanistas, aferindo as possibilidades de projetos para estas situações, com foco na busca por indícios de pracialidades. Palavras chave: Megalópole, Terrain Vagues, Mooca, Pracialidades, Projetos Urbanos.
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* e-mail: tiagobritoarq@gmail.com
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ABSTRACT The growth of the city of São Paulo, from Vila to Metropolitan Region until become the Southeast megalopolis’s main city demanded great changes on its structure, changing its dynamics, rebuilding its landscape and affecting directly its population. We are more globalized than ever and as a result the space of public life has modified. This article aims, through the analysis of Mooca’s industrial park, to discuss about residual free spaces formed during the current urbanization evolution process. This discution starts with the analise of urban scale architecture projects, verifying some possible fields of work for urban planners architects, searching for projectual possibilities in these situations, focusing on the search of public sphere (pracialidades) evidences. Keywords: Megalopolis, Terrain Vagues, Mooca, Public Sphere, Urban Projects.
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LEITURA INICIAL: Um olhar para o território
Foto 1 - Da cidade ao cidadão
Foto: Tiago Brito (2015)
Esta imagem foi escolhida para abrir este artigo por expor de forma breve um cenário muito particular à cidade de São Paulo. Nota-se que a paisagem atual é uma composição entre os vestígios do passado industrial, ilustrado pela chaminé das antigas fábricas, e o 3
presente pós-industrial, evidenciado pela diversidade de edifícios no horizonte. O contraste entre antigo e novo se vê no skyline, dominado por edifícios que rodeiam o vale do rio, onde agora se concentram galpões subutilizados, formando uma paisagem em concreto, bastante árida. Este mesmo vale permite uma breve mostra do pôr do Sol na Cantareira, único vestígio de um elemento que não parece obra do homem. Ao voltar o olhar para o primeiro plano da fotografia, surgem alguns conflitos. Uma série de viadutos, que deveriam interligar e articular a cidade, sufocam o rio e acabam por segregar a região. A cena culmina na presença de um pedestre no viaduto, momento áspero, dado o destino incerto do transeunte que parece, claramente, não pertencer ao local. É neste local que se inicia uma breve discussão acerca da compatibilidade entre a Megalópole e as pracialidades2, com foco na importância da prática profissional de arquitetos urbanistas nos momentos de questionamento, proposição e construção do meio urbano.
VÁRZEA DO TAMANDUATEÍ: De eixo fundador à “Terrain Vagues”3 Ao analisar a área do parque industrial da Mooca é possível fazer uma breve retrospectiva acerca da fundação da cidade. A área é cortada pelo rio Tamanduateí, cujas várzeas foram as rotas que levaram os bandeirantes até as colinas, onde se deu o início a ocupação da cidade de São Paulo. Em meados do século XIX, com a chegado do café, é implantada a São Paulo Railway (Estrada de Ferro- Santos Jundiaí), que atravessava a região da Mooca, dando vazão à produção cafeeira do interior em direção ao porto. Em paralelo à implantação da ferrovia, foram executadas as obras de retificação do rio Tamanduateí, realizadas por Bresser em 1849 (Kahtouni, 2004). Estas duas grandes obras, a ferrovia e a retificação do rio, geraram áreas favoráveis à ocupação industrial, oferecendo amplos terrenos com baixo valor e servidos pela rede de trilhos e com isso numerosas fábricas passam a se instalar na região. Por consequência,
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Este artigo tem por referência de base a tese “A megalópole e a praça” (Queiroga, 2001), os termos aqui utilizados são, em grande parte, originários deste trabalho. 3 “Terrain vague” é uma expressão francesa criada pelo catalão Ignasi de Solà-Morales (2002), acadêmico em urbanismo, para se referir aos lugares abandonados, obsoletos ou degradados.
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são atraídos muitos operários para a área e seus arredores que, antes considerados periféricos, passam a ser densamente ocupados na década de 1960. Contudo, segundo Vasques (2005), a desaceleração econômica na década de 1960 imprimiu a diminuição do ritmo de crescimento da indústria paulista. Este fenômeno marcou a Metrópole Paulistana, dando início a migração da indústria para o interior do Estado, deixando como legado a formação de vastos “Terrain Vagues” nestas áreas industriais. Este deslocamento do eixo de industrialização, com o apoio da indústria automobilística, forçou a construção de novas rodovias, estabelecendo assim uma nova lógica de localização industrial, contribuindo para o sucateamento das “velhas” malhas ferroviárias (Queiroga, 2001). Deste modo, a região da Mooca, que é diretamente associada à história econômica de São Paulo, dada sua contribuição na industrialização da metrópole, passa a abrigar inúmeros galpões desativados e uma rede de trilhos que tem sua importância como eixo de movimentação da produção colocado em segundo plano, em detrimento da nova função principal, que se torna o deslocamento de passageiros.
EVOLUÇÃO URBANA: O declínio da Metrópole Industrial A região do pátio industrial da Mooca apresenta um cenário que remete ao abandono e esquecimento. Ao analisar o processo de evolução da metropolização, a partir da década de 1970 com o declínio gradual da indústria, a cidade passa a ter suas principais atividades econômicas ligadas à prestação de serviços e ao comércio. Segundo Queiroga (2001): [...] Ao iniciar este século, estamos diante da terceira revolução industrial. Novas tecnologias e novas espacialidades se constroem. A dispersão da produção industrial e o fortalecimento de um terciário superior para além do território metropolitano, constitui, em diversos países, formações megalopolitanas. A perspectiva da razão de dominação, exercida pelas empresas globais, estrutura as principais relações sócio-espaciais de produção do território megalopolitano, subjugando as ações do Estado, dizimando solidariedades locais.
Essa marca histórica da transição entre a cidade industrial e o período técnico-científicoinformacional4 deixa marcas claras no território e o pátio industrial da Mooca é um deles. 4
O Meio técnico-científico-informacional é, segundo Santos (2012), uma consequência espacial do período marcado pela globalização da produção e do consumo.
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Pode-se concluir que estas áreas abandonadas são fruto da materialização de uma nova fase do processo de evolução da Metrópole, onde a dispersão da produção industrial e o fortalecimento do setor terciário são sinais da formação da Megalópole do Sudeste. Contudo, esse abandono não deixa para trás apenas um território obsoleto: ele abre novas possibilidades de renovação e até mesmo de formação de áreas que podem servir de reserva futura de áreas livres na cidade, a serem utilizadas em momentos devidos (Donadon, 2009). Outro reflexo dessa nova configuração da metrópole é a alteração da relação centro / periferia. Segundo Queiroga (2001): A questão do núcleo e da periferia já não é tão rígida quanto no período da metrópole industrial, mas também não se trata de uma diluição indiferenciada. Em qualquer nível (global, nacional e regional) os locais não se diluem de forma a gerar um espaço homogêneo;
EVOLUÇÃO DA OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO Até o momento, analisou-se o reflexo da nova ordem no território; mas, quando este é estudado, se torna inevitável o reconhecimento da sua população. Segundo Milton Santos (2001): “O território é o chão e mais a população, isto é uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre as quais ele influi. Quando se fala em território deve-se, pois, de logo, entender que está falando em território usado, utilizado por uma população”.
Um dos princípios afetados nesta nova configuração é o cidadão. Mas como é possível identificar quem é o cidadão megalopolitano? Afinal, por ter como base os fluxos constantes, a megalópole abre espaço para uma nova população, que não se fixa ao território, está em constante movimento na busca por novas oportunidades, mora em uma cidade, trabalha em outra, estuda em outro estado, viaja para outros países... Ela também gera cidadãos híbridos. Segundo Queiroga (2001), “a megalópole ao abrigar imigrantes consegue gerar híbridos, cidadãos megalopolitanos diversos e com possibilidades de trocar, que mesmo remetendo a regionalismo, não mais respondem ao seu local de origem, mas clama uma identidade que se materializa no local da sua instalação”. São justamente estes novos cidadãos que configuram novas formas de ocupação do território, segundo Meyer (2001): 6
Estão presentes dois padrões de ocupação nas áreas metropolitanas: o precário e incompleto, remanescente do período industrial, e o adaptado e qualificado, da nova fase pós-industrial. Tais padrões geram um processo contraditório na forma de ocupação e expansão das áreas metropolitanas. Criam-se territórios onde a precariedade e a modernização surgem de forma imbricada, produzindo novos espaços, de características híbridas, em que a desigualdade social pode ser espacialmente observada.
Foto 2 - Contrastes urbanos na Mooca
Foto: Tiago Brito (2015)
O FIM DA PRAÇA? Neste processo de transformação do espaço urbano e da população que o habita, os fluxos5 são cada vez mais intensos e, por consequência, os fixos passam a atuar em escala global. Assim, surge a questão deste artigo: onde se encaixaria o espaço da praça? Para Queiroga (2001): Diante da celeridade do mundo contemporâneo, da crescente valoração da esfera da vida privada, das virtualidades e das práticas informacionais em tempo real à escala global, faz sentido dirigir nossa atenção à praça, esta velha invenção humana destinada à vida pública?
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Os conceitos de fixos e fluxos são pertencentes à obra de Milton Santos, sendo discutido no estudo do movimento das contradições do espaço geográfico.
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A praça tem papel fundamental na construção do entendimento do meio urbano: ela proporciona o contato público impessoal entre os cidadãos que por ela passam; pode abrigar atividades diversas, como comércio, ócio, lazer, e em todas elas colaborar para a potencialização da razão comunicativa e, além disso, a praça é um importante local para representação do poder em suas diversas escalas. Partindo-se desse princípio, dá-se continuidade ao processo de investigação e análise dos diversos cenários presentes na região do pátio industrial da Mooca. O local é extremamente agressivo em relação ao homem. Como podemos observar na foto a seguir, o concreto é predominante, as edificações são hostis aos transeuntes, completamente fechadas e nada convidativas, e os espaços para troca são raros.
Foto 3 - Hostilidade do Meio Urbano na Mooca
Foto: Tiago Brito (2015)
Porém, ao dar continuidade na imersão no bairro, nota-se que os pontos de encontro e trocas ainda existem, mesmo que informalmente, como por exemplo as kombis ou pequenos barracos que se transmutam em bares e pontos de encontro no momento de saída dos trabalhadores das indústrias, dando indícios que ainda há espaço para as pracialidades na região. 8
Foto 4 - "Kombi" Bar
Foto 5 - "Parklet" Improvisado
Foto: Tiago Brito (2015)
Além desses pontos, observou-se a presença de um campo de futebol, que mesmo confinado pelo sistema viário, ainda se presta ao encontro e é um breve respiro verde no emaranhado de concreto que se vê na região. A constância de uso é recorrente no local, mesmo em dias de semana, como pode ser observado na foto abaixo, registrada em uma tarde de quinta-feira.
Foto 6 - Campo de futebol na Av. do Estado
Foto: Tiago Brito (2015)
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Ao final desta breve análise das condições de uso e ocupação da área deste trecho da Mooca, surgiram alguns questionamentos: como seria o processo de construção do meio urbano dentro desta nova realidade? A paisagem estaria entregue aos empreendedores globais, ou ainda teria espaço para colaboração das manifestações cotidianas? E qual seria o papel do arquiteto neste momento? Além disso, quem é a população que deve ocupar este local? Por quem deve ser apropriado? Seria a população dos cortiços e favelas os novos donos desse território? Ou este é um território da megalópole?
LEITURA DE PROJETOS Os questionamentos levantados anteriormente podem se alongar indeterminadamente, dada a amplitude que o assunto pode alcançar. Para focar e ilustrar esta discussão optouse pela análise de projetos urbanos em áreas com características que remetem aos conceitos e problemáticas apresentados. Segundo Queiroga: A valorização do lugar precisa ser orientada para além da valorização das formas do lugar, compreendendo também o sistema de ações do lugar, preexistentes e potenciais. Os conflitos e as contradições na produção da cidade não são inerentes apenas a esta ou aquela linha projetual urbanística, mas envolvem questões estruturais, como o modo de produção, ou supraestruturais, como a política.
Com base neste conceito, foram escolhidos dois projetos com escala e programas compatíveis com a reflexão proposta: A primeira escolha foi o projeto de revitalização da área do parque industrial da Mooca, objeto de estudo deste artigo, desenvolvido pelo escritório brasileiro UNA Arquitetos, onde a relação entre a cidade contemporânea e seu legado histórico são colocados em paralelo para estruturar uma proposta de renovação da ocupação do local. O segundo projeto escolhido foi o “Eurolille Masterplan” do escritório OMA, que é um projeto para revitalização da área do terminal intermodal de Lille, na França. A sua escolha se baseou na complexidade de relações que se estabelecem na subocupação de uma área com grande potencial de transição das formas de ocupação urbana, impulsionadas pela nova organização da sociedade informacional, como ocorre na região da Mooca. 10
UNA – Requalificação urbana da Mooca Ipiranga O projeto é delimitado pelas estações de trem Mooca e Ipiranga e busca responder ao processo de requalificação urbana da região, que passa pela desmobilização do parque industrial, reflexo das transformações sócioeconômicas discutidas anteriormente. O programa engloba espaços públicos de estar e lazer, raia para esportes e drenagem local e regional, conexões entre estações de trem e metrô, transposições da ferrovia e do rio, e habitação de interesse social.
Figura 1- Implantação
Figura 2 - Perspectiva
Fonte: Site do UNA Arquitetos 6
O partido do projeto foi reaproximar a população das redes de infraestrutura ali instaladas, se aproveitando dos vastos terrenos vagos para reestruturar o território. O parcelamento das grandes glebas e o arruamento são condicionados pela malha existente, como tentativa de reintegrar esta área à cidade. Analisando os perímetros definidos pelo projeto, percebe-se que a relação destes terrenos como articuladores da nova relação centro periferia não é explorada. Esta falta de relação fica clara quando o projeto não propões soluções para as barreiras, como os viadutos expostos na primeira imagem deste artigo, que são tratadas apenas com áreas verdes.
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Disponível em: <http://www.unaarquitetos.com.br/> Acesso em jul. 2015
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Apesar do projeto se localizar em uma área servida por diversos meios de transporte público, o traçado das quadras propostas é delimitado principalmente pelo sistema viário, restando ao sistema ferroviário sua condição de barreira, já instituída atualmente. O projeto foca na abertura de grandes áreas livres, preenchidas ora com áreas verdes ora por uma enorme raia, que vem exaltar a memória do local, articulando galpões históricos que devem ser preservados. Destina-se este local das águas para a prática de atividades nostálgicas, como a canoagem, que remetem às atividades passadas dos rios paulistanos, buscando respostas naquelas dinâmicas que uma vez ocuparam as antigas margens sinuosas dos rios de São Paulo. O que se percebe, no entanto, pelas perspectivas do projeto, é que a relação entre as pessoas e as áreas livres são trabalhadas em uma escala menos voltada à visão do indivíduo. As áreas livres são generosas, abrindo espaço para as mais diversas ocupações, porém estão segregadas pelo sistema viário existente e proposto, como mostra a imagem a seguir.
Figura 3 - Perspectiva
Fonte: Site do UNA Arquitetos 7
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Disponível em: <http://www.unaarquitetos.com.br/> Acesso em jul. 2015
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Ao propor grandes áreas livres o projeto do UNA deixa um território em branco, passível de ocupação pelas mais diversas pracialidades, manifestadas em quiosques, comércio ambulante, campos de futebol improvisados, abrindo espaço para um fator que pode afetar suas principais características de projeto: a ordem e limpeza. O UNA busca a racionalidade e remete ao passado com a intenção de recuperar a vida urbana que em tempos remotos compunha a relação da população com o meio. Esta volta ao passado, apesar do apelo aos elementos da natureza, é composta por uma intervenção totalmente artificial, o que traz um único tema provocativo à esta proposta com ares tão amenos. As pracialidades presentes no projeto do UNA estão mais relacionadas ao passado do que às novas condições da nova sociedade informacional, o que lhes garante um caráter de atuação local, apesar da área ter relevância como articuladora da megalópole.
OMA – Masterplan Eurolille A intervenção proposta pelo OMA para a cidade de Lille, França, data do final da década de 1980. Através de uma parceria publica privada, a cidade foi escolhida para sediar uma das principais estações do trem de alta velocidade europeu. Em conjunto com a estação, são vinculadas uma série de atividades que compreendem diversos usos, como escritórios, habitação, lojas e equipamentos públicos, culturais e esportivos, formando um novo centro comercial no local.
Foto 7- Maquete física
Foto 8 – Vista geral do projeto implantado
Fonte: Site do escritório OMA8
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Disponível em: <http://www.oma.eu > Acesso em jul. 2015
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O partido do projeto se baseia na importância da ligação entre Londres, Bruxelas e Paris. São incorporadas a ele a carga simbólica que esta ligação carrega e a importância teórica que a cidade adquire. As novas redes e fluxos, frutos do processo de requalificação urbana, são o núcleo da proposta. As intenções de pracialidades podem ser observadas nas diversas atividades que aparecem no centro do desenho a seguir: pista de hockey, skate e ciclismo, cercados por rodovias, trens e aviões.
Foto 9 - Croqui do projeto
Fonte: Site do escritório OMA9
O projeto buscou, ainda, um partido nas modificações aceleradas do meio urbano, com a incorporação sempre crescente de novos capitais fixos ao território (estradas, ferrovias, portos, aeroportos, instalações fabris, etc). Além disso, se baseou nos conceitos de instantaneidade dos momentos e dos lugares e na universalidade e unicidade das técnicas.
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Disponível em: <http://www.oma.eu > Acesso em jul. 2015
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Os autores do projeto recorrem ao abstrato do programa ao entender que ele não está mais ligado à um local, ele é flutuante e gravitacional em torno dos locais que oferecem mais conexões. É feita uma leitura do meio com ares futuristas, se apoiando nas transformações econômicas, tecnológicas e seu reflexo no meio. A intervenção se desprende das memórias do local, buscando no conflito uma resposta para uma nova condição urbana. Aqui pode ser feita uma referência ao meio técnico-científico-informacional, que está sempre em busca das melhores oportunidades. A contradição, no projeto, também é explorada de outras formas. Segundo os autores, por ser instalado próximo à um centro histórico fortificado, cercado por uma periferia crescente, o novo centro comercial abre espaço para um híbrido entre modernidade e história, permitindo a instalação de atividades periféricas em uma área próxima ao coração da cidade. Isso mostra que, ao se abrir às condições do local, destaca-se a qualidade global do projeto. “Todos esses elementos definem uma nova condição urbana que é ao mesmo tempo local e global, tão importante para um “japonês” quanto para um cidadão de Lille.” (OMA, 2015) Apesar de se posicionar diante das questões entre global e local, observa-se pelas representações do projeto que os habitantes locais e suas manifestações não são incorporadas e contempladas de maneira explícita. Desta forma, surgem outras questões, relativas ao tema principal deste artigo, que é o espaço do homem na megalópole: é possível que estas pracialidades floresçam neste meio? Quem são estas pessoas que dinamizam este espaço? Até que ponto o projeto consegue direcionar o espaço?
Conclusão Os dois projetos divergem na maneira como encaram o espaço, refletindo posturas bem distintas por parte dos autores na composição dos objetos arquitetônicos. Apesar disso, ambos buscam formas de preenchimento do espaço, inserindo valores e visualizando novas dinâmicas. Seria este o papel fundamental do arquiteto urbanista? Um dos grandes desafios apresentados para arquitetos urbanistas no meio técnicocientífico-comunicacional é saber recriar o lugar que abrigará as novas pracialidades,
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tendo a sensibilidade de, ao ler o território urbano, identificar e criar não só os elementos de apelo estético, mas garimpar os potenciais que o local oferece. A busca pela pracialidade nos leva a perceber que, dada a diversidade dos sistemas de uso presentes nas praças, sua definição física é incerta. Ela está intimamente relacionada a esfera pública e as situações de pracialidade podem ocorrer em qualquer lugar. O que importa é sua livre acessibilidade. Segundo Queiroga (2001): A praça é um signo do lugar, revelador de contradições e conflitos sociais. Na praça, expõe-se a sociedade em seu movimento. A praça, mesmo na realidade megalopolitana, ainda é um importante sub-espaço, a despeito das afirmações neo-liberais que insistem, propositadamente, em apontar para o fim da esfera pública.
As pracialidades são inerentes às dinâmicas da ocupação do território. Os projetos de arquitetura não conseguem delimitar sua ocorrência ou sucesso, mas está ao alcance dos projetos a sensibilidade de investigar no cotidiano do lugar os indícios e agrega-los ao projeto. Além disso, as referências teóricas são de suma importância para compreensão do meio na escala global, que influencia diretamente o espaço do homem. Entender o espaço do homem é destrinchar as mais diversas possibilidades de desdobramento de um projeto e potencializar os fluxos que podem colaborar para a melhor articulação dos fixos. A busca pela identidade é importante e o resgate dos cenários passados e das antigas dinâmicas pode ser muito produtivo na concepção de um projeto e no resgate de um terreno esquecido, um terrain vagues, como demonstra o UNA. Por outro lado, estes territórios são áreas abertas a novas interpretações de novos momentos da urbanidade, como expõe o OMA. O importante é entender que o meio urbano depende intimamente do homem e seu espaço deve ser respeitado e estimulado. A megalópole é um reflexo claro do meio técnico científico informacional, que influencia diretamente suas dinâmicas e reconfigura seu território. Entender este meio pode colaborar na proposta de bases adequadas para as novas pracialidades. Os conflitos, fluxos e dinâmicas causam reflexos, mas não devem sobrepor a prioridade do homem, ou seja, o meio urbano deve atender em primeiro lugar o homem, e é para ele que deve ser pensado.
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Bibliografia DONADON, Edilene Teresinha. "Terrain Vagues": Um estudo das áreas urbanas obsoletas, baldias ou derrelitas em Campinas. 2009. 184 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura e Construção, Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Unicamp, Campinas, 2009. KAHTOUNI, Saide. Cidade das águas. São Carlos: Rima, 2004. 176 p. MONEO, Rafael. Inquietação teórica e estratégia projetual na obra de oito arquitetos contemporâneos. São Paulo: Cosac Naify, 2008. 368 p. QUEIROGA, Eugenio Fernandes. A megalópole e a praça: O espaço entre a razão de dominação e a ação comunicativa. 2001. 351 f. Tese (Doutorado) - Curso de Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. MEYER, R. et al. (Coord). Pesquisa: política urbana metropolitana. São Paulo: LUME Laboratório de Urbanismo da Metrópole/FAU-USP/ Fupam, 2001 SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. 5. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012. _____________. Por uma outra globalização. 6ª São Paulo: Record, 2001. SOLÀ-MORALES, Iganasi de. Territorios. Barcelona: Gustavo Gili, 2002. VASQUES, Amanda Ramalho. Refuncionalização de Brownfields: Estudo de caso na Zona Leste de São Paulo. 2005. 160 f. Dissertação (Mestrado) - Departamento de Igce, Unesp, Rio Claro, 2005.
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