FIAR 3

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AGRADECIMENTOS para Akin, Alicia Ferreira, André Araújo, Artur Dias, Bianca Portugal, Carlos Eduardo ( Mirante do Rio), Coletivo Rádio Amnésia, Conceição Miranda, Cristiano Piton, Dalvaci Santiago, Daniel Toledo, Daniela Fernandes, Débora Mota, Descentro, Edbráss, Edson Gomes, Ericson Pires ( In memorian ), Evandro de Freitas, Everton Marco, Família Vaccarezza - Pousada Rio Doce, Fela Kuti, Felipe Brait, Flávio Santos, Gabi Carriço, Gilberto Filho, Gilson Magno, Hélio Oiticica, Herbert da Silva, Iara Deodoro do Afrosul – Odomodê, Ivanildo - Restaurante Macktub, Izabel Costa da FUNARTE, Janaina Chavier, Janaina Rocha, Jarbas Jácome, João de Moraes Filho, José Balbino, Karina Rabinovitz, Lobo, Lourival Trindade Filho da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Cachoeira , Ludmila Britto, Luis Parras, Luisa Mahin, Luiz Pablo Moura, Mãe Beth de Oxum, Mãe Madalena (In memorian), Maicyra Leão , Manuela Eichner, Marcelo Terça- Nada!, Marcio Junqueira, Maria Rejane Semêdo Oliveira - diretora escola municipal da Cachoeira, Mark Dayves, Mestre Paraqueda, Mestre Paulo Romeu, Mestre Valmir, Michelle Matiuzzi, Milena Durante, Morgana Gomes, MucamboNuspano, Neise Mare de Souza Alves, Ohana Almeida, Opavivará, Ophelia Patrício Arrabal, Palloma do Centro Cultural Dannemann, Pan&Tone, Patrícia Francisco, Paula Damasceno, PC Barbosa, Peacetu, Pedro Arcanjo, Pedro Dell”Orto, Pedro Victor Brandão, Poro, Quinho Batera, Renata Lourenço, Ricardo Brazileiro, Ricardo Ruiz, Ronaldo Eli, Rosa Apablaza – Desislaciones, Secult – BA (fundo de Cultura ), Sergio Mello , Silvana Rezende, Surto Coletivo, Talita Rossi, Thiago Logasa, Tiago dos Santos Manga, Tiago Ribeiro, Val rasta da Carroça, Washington Gabriel, às crianças presentes: Antônio, Bia, Felipe, Nina e Raul.


ÍNDICE fotos Alícia Ferreira textos

página

Tininha Llanos

6-7

Milena Durante

10-14

Maicyra Leão

17-21

Herbert da Silva e Morgana Gomes

22-31

Michelle Matiuzzi

Ernandes Santos Karina Rabinovitz e Silvana Rezende Lirian Mota

página

44-45.1 15, 16, 23, 55, 96 9.1 8

Luciano Carcará

9. 2

33-40

Marcelo Terça-Nada

65

Patrícia Francisco

49-54

Mark Dayves

Ophelia Patrício Arrabal

56-60

Ludmila Britto

62-64

3, 41, 42, 4445.2, 66, 67, 71, 72, 73, 74-75, 76, 77, 78-79

Rosa Apablaza

81-95

Opavivará

32, 70, 71, 72-73

Patricia Francisco Rosa Apablaza Tininha Llanos

46, 47, 48 80 capa, 65, 68, 69


Mamãe , vou pra Cachoeira! por Tininha Llanos

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“Trata-se de uma aventura. O objetivo dessa aventura é ela mesma. Percorrer. Experienciar. Basicamente a disposição para o encontro: o encontro com o outro, o encontro no outro, o encontro como território que se modifica a cada acesso. No encontro realizo o outro. E realizo a mim mesmo como (o) outro.” (Ericsson Pires, Cidade Ocupada, pág. 11) Há 15 anos eu desembarquei pela primeira vez no recôncavo baiano na cidade de Cachoeira. É certo que a paisagem logo me arrebatou, sem deixar de considerar outras sensações estéticas e olfativas. Naquela época havia menos barulho, apenas os zumbidos de poucos carros e o uníssono das conversas dos transeuntes. Menos no dia de feira, onde a sonoridade da cidade se multiplicava por dez, assim me disseram. Não era o caso do dia em questão e por curiosidade fui ficando até conhecê-la. A cidade naquele dia exalava um cheiro de mofo, para não deixar esconder a sua idade, e de licor, bebida que encontrei em todas as casas que passei e experimentei

um sabor diferente. Também tinha cheiro de maniçoba, uma comida a base de folhas de mandioca e carnes diversas que precisa de ciência para preparar e compõe o legado histórico ancestral africano que deu origem à composição étnica e cultural do recôncavo. Em uma esquina ouvia som reggae e via jovens conversando eufóricos sobre música e religião e em muitas ruas, escultores exibiam à venda dezenas de peças afrobarrocas1 em madeira. Havia na atmosfera uma mistura de passado e presente. As belas casas tombadas como patrimônio histórico- ainda que em grande número abandonadas pelos órgãos competentes - faziam conjunto com as ruas calçadas de pedras, os azulejos portugueses em porcelana e os grandes oitizeiros que ainda resistiam à beira do rio Paraguaçu. Por outro lado contrastavam com o excesso de fios elétricos dispostos entre os postes de luz das ruas estreitas e vielas e placas de estabelecimentos comerciais. Tudo ali me intrigou principalmente a relação entre a Arte e o contexto histórico. Toda aquela ar-

quitetura exuberante e paisagem esteticamente plácida fora e ainda era pano de fundo de conflitos étnico sociais. Uma região que um dia foi muito rica devido ao cultivo e beneficiamento de fumo, agora abriga uma rica cultura afrobrasileira. Retornei à Cachoeira inúmeras vezes depois não só como visitante, mas para conhecer a Bienal do Recôncavo, que ocorre na cidade do outro lado do rio em São Félix, como artista para expor na mesma Bienal, como arte educadora na realização de oficinas de fotografia, animação e vídeo, como estudante no curso de cinema da UFRB, como moradora da cidade e por fim, como curadora do FIAR. Sempre busquei em Cachoeira novas experiências, que geralmente aconteciam afetivamente no encontro com as pessoas de lá e sua cultura, nas relações que construí com elas a cada passagem e os amigos que foram se somando e permanecendo. A cada visita percebia que a cidade estava mudando, as pessoas estavam mudando, como muitas outras cidades, Cachoeira estava mais cosmopolita. Aquela cidade de quinze anos havia se modificado, se tornado um território cultural cada vez mais fértil, porém, a meu ver, com pouca visibilidade.

Na tentativa de estimular a circulação de artistas para o reconhecimento desse território nasceu o FIAR. O FIAR 3 foi um momento de reflexão, embrião de uma rede afetiva e ponto de partida para futuras experimentações coletivas estimuladas pelo contato poético entre si e com o Recôncavo . Cada artista trouxe uma bagagem para compartilhar e cada um à sua maneira experimentou um pouco daquilo que um dia eu encontrei. A experiência 9 que obtive nessa região e que compartilho aqui, agora pode ser contada novamente. Deixa essa tarefa aos artistas convidados, que neste livro contam suas experiências na composição dessa aventura, onde percorreram , realizaram e encontraram uns aos outros.

Arembepe, 2012.

[1] conceito muito usado pelos intelectuais de Cachoeira e que define a herança Artística do barroco brasileiro mixado com a herança cultural africana



Criação e Convivência por Milena Durante

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Se várias vezes nos perguntamos e nos acomete a dúvida se estamos mesmo fazendo alguma coisa nem mesmo alguma coisa que valha nos perguntamos, perguntamos se alguma, eu preciso sempre sentar e me lembrar de que sim. Não é fácil nem imediato – se lembrar de que sim dessa última vez implicou primeiro pensar e concordar: não fazemos nada, não estamos fazendo nada, o que fazemos não serve pra nada e começo, então, a questionar e a duvidar da validade do que fazemos para nós mesmos e nosso entorno, aquilo e aqueles que nos rodeiam. Mas que besteira, penso, vamos primeiro viajar juntos e ninguém conversa de arte e tomamos cerveja e apresentamos nossas mesmas apresentações que quase poderíamos apresentar uns pelos outros de tantas vezes ouvidas e poderíamos, ouvindo nossas próprias vozes nos sentirmos especiais, bom moços realizadores de grandes transformações na edição que apresentamos mas quando de fato estamos juntos nos reunimos e tomamos muita cerveja, brincamos com as crianças, dançamos, ouvimos música, fazemos música, viajamos de barco, soltamos o flutuador, colocamos os sofás de praia nas conversas, ouvimos os mestres e, então, por sorte, começa na minha cabeça mas mais que isso num ponto de energia muito próximo ao coração se formar novamente aquela sensação de que, sim, é muito e importante apesar de uma voz – se fosse uma voz, são várias, são muitas, são vozes incontáveis que nos dizem constantemente da seriedade, nos sussurram da coluna reta, gritam a alimentação saudável, comentam sobre a separação entre o pessoal e o profissional, lembram da seriedade, de novo a arte, da política na seriedade da arte, da seriedade da arte política, da falta de política que se é consumir bebida alcoólica de grandes corporações, de onde foram compradas nossas roupas, nossos chinelos, de que materiais são feitos, do que não foi reciclado, do que ficou faltando, sempre do que ficou faltando – constantemente nos dizer através de tantos caminhos e meios, de nossas famílias, de

nossos pais, do formato de nossas casas e televisões, das piadas de que rimos sem saber porque, de como andamos na rua, do espaço que nos sobra e de que tudo isso que se faz e não nos traz a seriedade de uma discussão sentada onde todos se viram para aquele ouvinte especial no meio da sala não pode em nada ser coisa séria e em nada ser política e, quando então, se faz passeio de barco e se fala de amor, aí, meu irmão, fudeu e é coisa de hippie e de fato não dá pra levar a sério. E novamente é preciso fazer o esforço quase o mesmo esforço que se faz todos os dias, redescobrindo e recriando o sentido do que faz algum sentido no dia-a-dia da vida e lembrando o que todos sabem, lembrando que todos sabem e não apenas alguns, gritando a dança, sussurrando a música, falando o nada, lembrando o nada, fazendo nada, conversando sobre a arte que faltou, tomando cerveja, amolecendo a coluna de obrigação e compromisso, soltando um pouco a mão das crianças e mais, estando ali com elas, que ali têm também seu lugar, sua importância ou pelo menos sua possibilidade. Precisando de novo voltar e fazer o esforço de lembrar porque é que é importante poder ir sem ser convidada vestindo collant de oncinha e peruca rosa e explicando no meio da água e já com água pelo pescoço apesar da casa, apesar da chuva e de memórias agora esmigalhadas e viradas em outras mas principalmente por tudo isso mesmo, que se está assim, no meio da água por causa do bichos que estão lá flutuando, de pequenos bodes cor de laranja, girafas vermelhas, olhos esbugalhados e alguém veio me dizer que eram feias, para minha total indignação, batíamos palminhas, palminhas de girafa, no meio de uma água de terra marrom, uma luz de dia de sábado, um dourado de terra na água, sem glamour, marrom, terra, cor de batata, antes da cor, sem rosas lilases de por do sol da Bahia que de nada nos serviria, luz de cor de coisa marrom refletida em água de musgo e bichos flutuando, redes presas, pequenos mega acontecimentos, uma criança surge pra não se molhar, se molha até o pescoço, a blusa não podia, o irmão chega, ele não entra no barco, ela vai até lá, o barquinho parado, o barco grande já no meio do mar, a vaquinha, sacos enormes de cerveja, quase desistindo, quase mudando a vida toda porque não havia espaço pra traumas, mudando, uma cena, todos em cima do flutuador

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que caiu, teorias de física desfiadas de última hora, berços improvisados entre coletes salva-vidas, nem todo mundo pôde ir, sempre tem o que faltou, sempre tem a pergunta e pra quê serve, sempre tem a dúvida e então precisamos lembrar não sem tristeza que hoje, assim como ontem e provavelmente amanhã – não no sentido figurado da coisa – quase tudo que tem objetivo e quase tudo tem, quase tudo que tem objetivo tem como objetivo final você sabe exatamente o quê, eu não vou aqui desperdiçar o texto todo e estatelar o óbvio pra enfeiar tudo que passei quarenta e seis minutos criando com a força de poesia e duas pequenas xícaras de café coado, eu não vou dizer o nome dessa espécie de deus, então pra mim é sempre melhor que não façamos nada e que esse nosso nada que é tanto diga justamente daquilo que nos diz respeito enquanto não temos o tempo de obrigação a dar a um outro, as satisfações de obrigações a dar a quem quer que seja, as obrigações de convivência a dar a um outro que se preste e sirva a ele mesmo enquanto todos outros entregam suas horas, a criação que se faz que sirva apenas ao outro e a seu pequenos deus atual, pequeno e levemente triste que em seu fundo, seu próprio fundo de se querer e querer tanto e querer cada vez mais o que já se tem o que se tem várias vezes deseja justamente seu não existir e o poder não fazer nada. E se nada fosse música, nada e preguiça, não preciso inovar, não preciso inventar o que foi dito e sabido milhões de vezes, nada e preguiça são elogio e vida, cerveja se compra com dinheiro sim, assim como as roupas, assim como tantas ideias que se carregam em livros e são carregados debaixo dos braços, assim como as roupas e o que não foi feito certo, ao olho de quem seja, não deve importar e importa, né? Esse é o pior, sabemos, não devia importar e importa, não devíamos ligar e ligamos, devíamos saber o que sabemos e esquecemos, o amor é importante e não dizemos, não fosse por ele naquela última mesa e lemos no pixo e sabemos, cantamos na música e ouvimos, e passa a revista, passa pra um, passa pra outro e ninguém leu e vai e volta e também nunca mais ouvi o que disse naquele dia em frente a uma plateia em junho de 2002 e minha mãe bem na frente de roupas vermelhas e sapato vermelho de bico fino, essas coisas que fazemos porque importa, porque queremos poder importar, por que não

desconfiamos? Nós também estaremos lá amanhã. Vamos abandonar tudo, o barco, os salva-vidas, as latas amassadas, aquela ponta, um bode que ficou sem o chifre, um sapo tamanho médio que ficou dentro do barco para quem pudesse encontrá-lo e estaremos lá porque sabemos que o ladrão também estará lá e vamos sair pra trabalhar porque sabemos que o chefe também estará lá e vamos sair pra comprar pão porque sabemos que o padeiro também estará lá e vamos sair para a prisão porque sabemos que o guarda também vai nos prender. No outro dia combinei aqui em Salvador fica bem mais fácil, combinei assim: vamos ninguém em dia de chuva, vamos ninguém na aula e ninguém foi, no dia da matrícula e ninguém foi e eu mesma estava lá, portando documentos em dia, duas fotos três por quatro em fundo branco, data do dia de hoje sendo hoje o dia da foto, pequeno guarda-chuva para intempéries, e ninguém havia que me fizesse a matrícula – aguardei, pensei, andei para lá e para cá e pensei, não se pode mais confiar em ninguém hoje em dia, nem em nós mesmos. Principalmente em nós mesmos, não confiem, não queremos fazer nada. Eu mesma então saí andando no barco com a única bermuda que tinha, sem biquíni, o bebê num colo, a sacola dei pra outra pessoa porque não conseguia, não consigo e fui escorregando na lama, me esquivando de águas vivas mínimas, alguns foram pegos, alguns tinham colares comestíveis, brincavam com tampinhas e pensavam nas crianças, que queriam nos fechar para fora da porta de ferro – duas tentavam com menos de dois anos cada uma quem sabe até as duas empurravam a porta da pequena varanda que dava para o mar, por cima mesmo do mar de onde foi possível ver todo mundo chegando, tentavam nos fechar para fora e se tivessem conseguido? Pensei. Toda a história teria sido diferente e eu ia precisar começar de novo: hoje quando acordei era uma borboleta e estava toda mijada. Ter dormido quatro dias de lado sem poder me virar me impossibilitou de voar durante alguns anos assim como uma vaga sensação de que quando me disse que gracinha essa roupa de soldadinho estava mesmo era me tirando e querendo dizer da ideologia toda que há por trás de qualquer coisa. Ora, mas pegue mais uma cerveja que dessa forma não vai ser possível e avisa lá do outro lado da ponte que se a conversa

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for sobre arte contemporânea, eu não vou. Não vou, nem tou. Mas se por exemplo, chover, mas se por exemplo chover, não vou. E se chover, pode perguntar? E se chover, é arte? Mas de novo relendo tudo vejo que faltou uma coisa importante que é a principal que é podermos fazer aquilo que queremos. Aquilo que queremos fazer, aquilo que escolhemos querer não pode não ser nada, é sempre alguma coisa e pra mim é muito. O que eu acho que não dá e onde eu acho que está o erro que me faz esquecer de que o que fazemos, cada um dos que estiveram lá e fizeram o pedaço daquilo que escolheram querer fazer estão fazendo um pequeno pedaço de uma coisa que não pára de se fazer entre a gente, que não para de se fazer e que algumas partes são visíveis, ficam visíveis, escoam pra um livro, ecoam num microfone e outras igualmente importantes ficam mais escondidas e são todas parte daquilo que vamos fazendo num grande processo em que os pequenos pedaços e as partes não podem ser analisadas fora daquilo resto e fora daquilo outro em que está tudo junto – nós, as artes, as galerias, os bancos, os barcos, as pessoas, meu deus, as pessoas! Os filhos. Eu sinceramente não posso mais achar e acho na companhia de muita gente que não poderemos mais separar um pedaço disso tudo que se constrói, riscar com caneta um tracejado, recortar do resto do tecido e ficar todo o resto esquecido. E o que fazemos é isso, recortamos um pequeno pedaço do pano todo, suas tramas da borda ficam soltas no nada e assim às vezes os penduramos na parede, ó, tá torto? E assim ali, aquilo é só um pedaço de pano, não é o tecido todo muito menos todas as tramas que importam e interessam e se cruzam as de uns com as outras e formam umas redes, umas redes que às vezes e muitas vezes atrapalham o próprio bom andamento das coisas, dos compromissos, dos horários, umas redes que nos tiram daquele foco, redes que se enroscam nos motores das coisas e às vezes não nos deixam seguir adiante e ficamos ali mais um pouco, sem saber exatamente o porquê de estar parado ali do lado do mangue, parados ali, sem um motivo aparente que alguém tenha comunicado assim pra todos, olha, atenção, estamos parados aqui porque a rede se enroscou no motor e agora nada mais funciona e que isso, assim como a pamonha, atrasa a vida das pessoas. Olha aí, que coisa boa.


Breve anunciação de uma rota marginária: a presença calón no [1] recôncavo e o pré-texto de Cambana Por Maicyra Leão

Cheguei a Cachoeira de carro e Cachoeira chegou ali t Vila promissora do séc. XV II, crescida a base do sangue dos vastos canaviais e dos destinos previsíveis do cultivo do fumo, escravo, a cidade se instalou demarcando um patrimônio colonial (conseqüentemente, afrodescendente), material e imaterial, que hoje ampara o apelo turístico de suas belas paragens e passagens à beira do Rio Paraguaçu. Sempre estive provisória em Cachoeira. Jamais habitei de forma cartorialmente legítima, tendo apenas cometido algumas estadias de quando em quando. Numa dessas, me deparei com um comerciante (que evita mencionar sua veia calón[2]) que me indicou um pequeno circuito, paralelo ao registro oficial daquele pacato point[3], que se nutre de seus cults drinks e toques: a existência de acampamentos ciganos no recôncavo. Muritiba, Cruz das Almas, São

Felipe, Castro Alves, Sapeaçu, Santo Antônio, Nazaré, para mencionar alguns dos municípios que nos últimos anos vem acolhendo a reunião de famílias calóns. Foi então, nessa exata primeira 19 conversa, quando pedi que me apresentasse a um desses acampamentos, que ouvi: “Não estou em seu coração e você não está no meu. O que me garante que tem boas intenções?”. Não havia garantias. A partir dessa negativa, sem negociação, acompanhada e acompanhante de meu parceiro de investigação, Márcio Lima, fomos diretamente ao rancho[4] onde estavam, tentar uma aproximação. Depois de esteios e escorregos, trocamos frases de reconhecimento e aos poucos as guardas foram sendo arriadas, até que no terceiro dia nos convidaram a tomar um café, no empoleirado final da tarde. “Viemos do Egito”. De forma endógena, era assim que me indicavam a


ancestralidade, dita num sotaque de difícil regionalização, misturado a palavras de uma língua própria, o Xibe, como chamam. Pouca precisão histórica e localizações dispersas amparavam a defendida tradição cigana, registrada de forma genérica em livros estudiosos, que contrastam com aquela grande maioria analfabeta. Por outro lado, apesar do discurso pouco elaborado e muitas vezes contraditório, era a dinâmica de 20 convivência que mais me inflamava o espírito: empréstimos, trocas, amarrações e arranjos efêmeros, babados, doirados, poucas divisórias e um alto índice de vizinhamento poroso circundava as condições hostis de saneamento e segurança. Foram entrecortados 15 meses que percorremos agrupamentos onde se revelavam primos, vós, tios e sobrinhos, desnudando-se a esperteza para com certos riscos e a ingenuidade para sutis descobertas, que geravam risos. Trocamos algumas fotografias e aos poucos um circuito mutante foi se tracejando, literalmente às margens daquele recôncavo dos sambas e capoeiras. Uma outra irmandade me era reconhecida ali. Menos organizada e cultuada do que a Boa Morte[5], mas com um valor de resistência ad-

mirável, diante de sua minoria. Um contratempo à homogeneização do palanque identitário, inevitável à construção de memória. “Brasileiros”. É assim que nos chamam, em nossa língua, aos não ciganos. Se mantém em bando, em defesa e como sociedade, convivendo com a brasileira de forma nominalmente divorciada, apesar da mútua dependência, afinal, consomem a cultura padrão, servindo também aos endividados e aos fetiches exotizantes. No entanto, data de 1574[6] o exílio do primeiro cigano para território brasileiro e, de 1718, o decreto de D. João V informando que o “aprouve banir para essa cidade [Salvador] vários ciganos” [7]. Chegavam como degredados ou escondidos nas embarcações vindas do além-mar, tendo sido a Bahia uma das[8] principais pontes de entrada no Brasil Colônia. Concomitantemente, a Vila de Cachoeira era o maior porto de transbordo, da região, entre o litoral e o sertão, contribuindo para a interiorização das mercadorias, materiais e imateriais, que alimentaram a constituição da nação brasileira entre seus sincretismos e dizimações. Os trilhos da velha E.F Central da Bahia[9], instalados ali, aos poucos e

com a ajuda das nostálgicas vias rodoviárias, começaram a se unir aos trilhos carregados do reluzente ouro vindo das Minas Gerais. “500 para voltar 1000 em 5[10]”. Apesar de, quando possível, carregarem o ouro nos dentes, manipulam o papel-moeda, sendo essa uma frase-síntese da negociação de empréstimos cometida por alguns dos calóns. Sonoramente, no entanto, poderia ocupar o lugar de paródia rica do slogan presidencial “50 anos em 5”, de Juscelino Kubitschek. Mineiro e, coincidentemente, descendente de ciganos[11]. A fama se expandia e outros portos e estradas se enchiam dos banidos. No entanto, diferentemente da situação européia em que os nativos se diziam invadidos, a situação brasileira crescia por dentro, ilustrada por ameaças, inclusive sob a forma de leis, que anunciavam as diversas comunidades ciganas espalhadas em solo verde e amarelo, desde sua constituição. Marginariamente e além da lenda, os calóns rondavam a oficialidade da boa ordem cívica denunciando uma presença incômoda, rasteira, mas almejada enquanto oráculo pela alta classe umbandista. Pintados de ladrões, assassinos, sedutores dançarinos e místicos, assumiram

folcloricamente esses extremos de suas diferenças, que também os serviram como estratégia de sobrevivência. Por outro lado, o folclore que nos atiça o imaginário, não encontra pedaço no seio da mestiçagem de nossos anti-heróis, malandros, reconhecidos por serem filhos de 3 povos: brancos, negros e vermelhos. Ao índio, a preguiça; ao branco, a civilidade; ao negro, a ginga. Assim se proclama a identidade tupiniquim, mesmo tendo sido o “Poeta 21 dos escravos” [12], nascido no recôncavo, também cigano. “Ciganos brasileiros”. Assim se apresentam esses velhos baianos, músicos que tocam, cantam e dançam...arrocha. Que assistem à novela das oito, repleta de mulheres que têm cabelos curtos e vestem calças e mini-saias, mas se dedicam aos quase um metro e vinte de cabelos e três metros de tecido para a confecção dos vestidos. Que moram em barracas, acampados, sem portas e sob/sobre o sereno, e que apesar de almejarem o conforto da casa, como alguns de seus parentes e iguais já adotaram, insistem na provisoriedade do habitar. Que navegam e negociam carros e comunicam missivas pelo celular. “Baianos”. Por outro lado, ape-


sar de ícones do nomadismo e frequentemente mudarem-se para outros municípios da região, nunca foram além de um raio aproximado de 300 km, esses calóns do recôncavo. Pelo menos, não neste século. Estão ligados por uma herança sem verbos inscritos e circulam por uma rota previamente reconhecida, para que a recepção e a partida sejam suavizadas. Portanto, estiveram sempre, de um modo ou de outro, por ali, mesmo que invisíveis aos ol22 hos vestidos. “Cambana”. Por fim, esse é o título da breve anunciação artística que será inaugurada no FIAR, criada sob o pré-texto desse convívio cigano no recôncavo. Sem a menor pretensão de expressar a dimensão cultural calón, Cambana significa barraca. A quase mesma barraca que se monta e se desmonta semanalmente nas feiras populares das cidades do interior e dos bairros afastados da capital. A barraca que os caracteriza e nos aproxima, pois não há portas. A barraca escondida na invisibilidade da margem, mas que também nos faz saltar uma veia que transpassa o sangue brasileiro e nos faz rebater, de algum modo, também ciganos.

[1] Nome da ação cênica que estreará no FIAR 3, integrante de minha pesquisa de doutorado desenvolvida no Programa de Pósgraduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia. Vale mencionar, que esse texto foi escrito antes mesmo de concluído o processo de criação e, portanto, reflete de forma mais evidente a pesquisa realizada previamente junto a comunidades ciganas da região. [2] Termo utilizado por estudiosos para designar a etnia cigana que chegou ao Brasil a partir da península Ibérica e que, juntamente com os Roms, formam os principais grupos ciganos do Brasil. Na linguagem dos grupos calóns, com os quais convivi, essa palavra significa cigano. [3] As palavras em inglês não estão demarcadas para denotar a apropriação, na oralidade, pela língua portuguesa. [4] Termo utilizado por alguns deles para se referir ao acampamento. [5] Irmandade religiosa, afrocatólica, mantida por mulheres negras, fundada no Brasil Colônia, barroco, de grande importância

para região do recôncavo e que resguarda uma ambivalência em termos de cultos sagrados, processionais, e profanos, com sambas e comidas. [6] Dado extraído do registro de prisão do cigano João de Torres e sua esposa Angelina, no Reino de Portugal, exclusivamente porque eram ciganos. Ver em: COELHO, Francisco Adolfo. Os ciganos de Portugal: com um estudo sobre o calão. Lisboa: Dom Quixote, 1995 (1ª. Edição: 1892), págs 199200. [7] Mesmo antes desse período, documentos expedidos pelo Reino de Portugal indicavam, ainda no século XVII, o envio de ciganos com a missão de povoar a Capitania do Maranhão e lutar contra os índios daquela região. Ver em: TEIXEIRA, Rodrigo Corrêa. Ciganos no Brasil: uma breve história. Belo Horizonte: Crisálida, 2009. [8] O Rio de Janeiro também se destacava e vários ciganos se instalaram na capital vendendo escravos de segunda mão, trabalhando como “meirinhos” (semelhante ao atual “oficial de justiça”), dentre outras funções e serviços. [9] Estação Ferroviária; inaugu-

rada em 1876. [10] R$ 500,00 para voltar R$ 1.000,00 em 5 meses. [11] Seu bisavô, Jan Nepomuscky Kubitschek, era cigano da antiga Tchecoslováquia e imigrou para o Brasil em 1830. Ver revisão em: http://etniacigana. blogspot.com/2007/08/juscelino-kubitschek.html, acesso em 14/02/2012. [12] Castro Alves, poeta romântico conhecido por sua apologia a abolição da escravatura. De acordo com o biógrafo Pedro Calmon, na obra “Vida de Castro Alves”, as anotações do Clérigo no registro de batismo do escritor indicam que a batizante (sua mãe) e familiares eram ciganos. Informação que foi confirmada posteriormente por sua irmã.

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Eu fio, tu fias, nós fiamos... Encontros e[1] experiências [2] por Herbert da Silva

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e Morgana Gomes

Este texto vem munido de im (ex) pressões e percepções que tivemos das atividades realizadas pelo FIAR – Encontro de Redes de Artes Visuais no Recôncavo[3], evento cultural de atividades colaborativas, em prol do fazer e do pensar juntos, projetando ações e sensações para além do tempo cronológico gregoriano em que foi situado: dias 29 de fevereiro a 03 de março, nas cidades de Cachoeira e São Félix, Bahia. Trata-se de uma breve análise política, cultural , econômica, urbanística, estética, fenomenológica e social que não se esvai pelas palavras, mas por uma composição híbrida, diversa e complexa do pensar, e , ao mesmo tempo, simples e humilde transcrição corpórea de afetos e desejos que experimentamos ocupando os espaços públicos, misturando identidades, faces, máscaras, prazeres mundanos, divinos, com certa dose de subversão da ordem estabelecida.

Palavras-chave: Performance, encontro, experiência, intervenção.

Quem produz nada e tudo ver “Não há perdão em nosso amor. Tudo o que fodemos à luz de velas e sobre o lençol amarelo desbotado virou cumplicidade iluminada.” (DACRUZ, 2010)

Fortalecidos e abençoados pela força dos Orixás, com seus ritos de chegada e pedidos de permissão, fomos para Ainda o Mar, fazer poesia. Navegando com o poeta local João de Moraes Filho, sua companheira poetiza e produtora cultural Luisa Mahin, seu filhinho querido de poucos anos, João de Moraes Neto, abrimos caminho na noite do

dia 29, à margem direita do Rio Paraguaçu. Na percussão fazíamos alguns toques relembrando corredeiras das águas, a mata, as sensações naturais, o divino. Tocamos para a rainha do Aires, das tempestades, da chuva; mãe da fertilidade e da abundância, nossa querida e companheira entidade afro-religiosa, a quem devemos acompanhamento e proteção, uma vez por ela suspensos (escolhidos), Yansã. Enquanto isso, João de Moraes abria a roda com sabedoria poética: “Recebi essa história numa manhã inesquecível, quando nas pedras banhadas de areia de Praia de Jar-


dim de Alah, em Salvador, encontrei uma garrafinha, de onde retirei essa memória. Na verdade, tratava-se de UNO – Tríade para Encantamentos: proposta alquímica de lançarse ao horizonte. De permitir que a maestria necessária para cada vôo, cada mergulho, cada passo, fosse celebrada como Verbo. Poesia. Sentido que rompe fronteiras… E as páginas de livros, verdadeiros universos entre duas capas. São esses universos que são compartilhados aqui…”

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(FILHO, 2012)

Aquele prelúdio mostrava a intensidade das relações que nos absorveriam nos próximos dias, não bastasse a entrada na roda de poesia, com um recital de criações conjuntas, processos criativos de escrita e imaginação fluida, um trompete se fazia presente numa sonoridade potente. Músico da cidade, tocador das filarmônicas e grupos culturais locais, o jovem Flávio trompetista expunha o seu novíssimo instrumento ao qual dedicava horas de treino e de trabalho, generosa e gratuitamente compartilhado aos nossos ouvidos. Compomos o cenário noturno às margens do rio doce, flutuamos em sonhos presentes e orquestramos organicamente nossas falas, nossos gestos, com a imanência da poesia.

Este ar saudosista, não é à toa, mas uma forte sensação de continuidade imagética, da qual não nos separamos quando escrevemos, leia-se Lyotard, Ponty, Dartigues e todos os fenomenólogos de plantão, em pleno diálogo com a filosofia contemporânea. Esta certa jocosidade é característica própria do FIAR3, a brincadeira, a descontração, a alegria dos dias e das noites embeveciam nossos cômodos. Recordamos de uma noite inusitada, com o nobre papel de produtores do evento, recebemos uma reclamação na recepção da Pousada Rio Doce da seguinte forma: - Dêem um jeito ali no quarto três... Tem hospede reclamando do barulho! Peçam para eles tocarem mais baixo, na moral. Prontamente fomos ao quarto, pelas 3 horas da manhã, e lá estavam Mestre Paraqueda (não podia deixar de ser, o hóspede do quarto) e Paulo Romeu (também hóspede), junto com Matheus Aleluia Filho (jovem trompetista local, reconhecido internacionalmente de maravilhosa sensibilidade musical), e o percussionista, também local, Marquinhos batera, que fez parte de várias formações das bandas de Edson Gomes, Sine Calmon, os re-

gateiros mais conhecidos do Nordeste. Sulistas pretos e baianos pretos do Recôncavo, reunidos, fazendo música, e trocando as mais diversas informações... E nós, o que faríamos nesta hora? Bem, uma dose de cerveja, pois já estava fora do nosso expediente (na produção 24h de atividade), um trocadilho de informações musicais, um cantar juntos, e um pedido desnecessário para diminuir o volume do trompete (antes disso, Matheus já havia guardado seu instrumento). Pela manhã do dia 29, próximo o Mercado Municipal de Cachoeira, havia um reboliço no Trailer de Dona Irá (ponto de vendas de lanche e cachaça boa). A TV Bahia estava lá filmando o programa Mosaico e na tela pintavam faces de jovens e adultos locais, um Grafitti Realista nas mãos da turma do Mucambo Nuspano de WG e Gilsão, ambos rastas piauienses que levavam a moda da grife negra para populares cachoeiranos. Tão logo ligava o Secretário de Cultura, importunado pelo Coordenador de Transportes que reclamava que estávamos ocupando o longo espaço vazio, destinado aos caminhões de carga e descarga da feira. Sequer havia um caminhão em posição de estacionamento. Coisas da buroc-

racia citadina pequena, resolvida com multa de trânsito no carro da curadora Tininha Llanos, mesmo depois de uma reunião que tivemos pessoalmente com o Secretário. “Corpo ou cenário confrontam-se com a incongruência que surge sobretudo no momento em que não é esperada. Não se trata do desmoronamento do cenário nem especificadamente da queda de corpos, mas, sim, da inadequação dos sentidos que nos agita nas ruas quando nosso olhar 27 não espera mais nada” (Henry Pierre Jeudy e Paola Berenstein Jacques, 2006, p. 7)

Mas ali ficava guardada, não carros, pouco importa a multa, a relevância do cargo do coronel reformado que ainda recebia verbas públicas para nada coordenar trânsitos, pois é caótico e engraçado o fluxo no centro daquela cidade. Ficava auto-estima, confiança, satisfação e apreço. O sorriso do garoto pousando para as câmeras, ganhando uma camisa com sua hiperrealidade! Dona Irá desenhada. José e Maria se reconheciam em si mesmos. Pela tarde, bate-papo com variados temas moviam idéias sobre trabalho coletivo, fortalecer rede, cooperativismo e colaboração, no


Centro Cultural Dannemann, em São Félix. Paralelamente, jovens de uma escola pública estadual conheciam a fotografia em lata, e sensibilização para o cinema, sob monitoria de Bianca Portugal (Pinhole) e Paula Damasceno (Animação em Película). À noite? Crianças cheias de pastéis de siri, os maiores de cerveja. Avultavam artistas convidados e locais, estudantes da UFRB – Universidade Federal do Recôncavo, e moradores locais, para assistir os 28 sons da Palestra Show de Mestres da Cultura Popular, a qual batiza José Balbino como Interações Estéticas com Mestre Paulo Romeu – Odomode (RS), Mestre Paraqueda – Afrosul (RS), Cristiano Figueiró – IHAC/UFBA (BA) e Mestre Walmir – Irmandade da Boa Morte (BA). Na percussão lançamos novamente a moringa, acompanhado de Marquinhos Batera e Alder Augusto (jovem artista negro estudante da UFRB), no violão harmonizava o Prof. Jarbas Jacome (UFRB). Convidamos ainda o nobre Edson Gomes, que tocou duas horas de show, com direito a dançarmos todos em cima do palco e um vibrar juntos a sua energia reggae. Naquela noite a música e a dança eram o nosso ópio coletivo. Nossos corpos

pendiam para ângulos arredondados, melodiosos círculos pálidos de negros, lentes contemporâneas capturavam tradições. Não acaba. Como é que ficam esses corpos depois de tanta intensidade e amor? Não acaba este prazer do encontro, de estar juntos. Vai enraizando Damário em nossas correntes poéticas e rompemos com tudo o que é banal na sessão do Fela Day. Centro Cultural Dannemann nos acolhia pela última noite, nas Pick Ups de José Balbino, guitarra de Jarbas Jácome (RN/PE) e trompete experimental de Edbrass Brasil (BA). Nosso grande apoiador da festa, Pedro Arcanjo, Coordenador do Centro Cultural, foi obrigado a sair de casa na madrugada para se fazer fechar aquelas portas. Ainda assim, pelas três da manhã, montamos o palco à beira rio e tocamos até o alvorecer. Fela Kuti, afrobeat, transe coletivo nigeriano ocupava nossas confissões madrugais. E o samba na feira? Sorridentes, dona Iêda e Conceição, mãe e filha que administram um botequim na esquina do Mercado Municipal, receberam o SambaGia, intervenção musical sob o caramujo, lona amarela que pode ser considerada um dos seus mais acolhedores objetos relacionais,

inspirados em Lygia Clark e Hélio Oiticica. Chegava de Salvador, para o samba, um ônibus disponibilizado pela Secretaria de Transportes da Cidade de Cachoeira, somando aos mais diversos modos cambiantes da feira, carrinhos, bêbados, em pleno movimento de sábado. O microfone subia para o andar logo acima, onde populares se penduravam pedindo música e cantavam suas melodias. Um surto coletivo de euforia brincante no proporcionou o GIA – Grupo de Interferência Ambiental[4] (BA), embalado ora pelo surdo, pandeiros e tamborins que circulavam de mão em mão, ora pela potente bateria do seu carrinho amarelo, desta vez acompanhado do carrinho do Opavivará[5] (RJ), que por sua vez possuía um sistema etílico-econômico bastante singular, onde um consumidor-público-ativo poderia se servir de pequenas doses de licor ou cachaça da região, depositando uma moeda de qualquer valor no cofrinho em forma de côco. Era tanta gente e caixas de cerveja no bar da esquina que logo anunciou o fim do estoque. Em linhas de fugas freqüentes para a beira do rio, entre contações de histórias e declarações poéticas, os mestres rastafáris nos alertavam sobre a importância de uma religião qualquer

na vida de um indivíduo, enquanto tragávamos a era proibida, diziam dos filhos com suas múltiplas companheiras, e levamos para casa uma intrigante dúvida, se acaso em sua cultura as mulheres possuíam o mesmo privilégio. Enquanto corpos e instrumentos musicais compunham-se em um mesmo ritmo, três pequenos guarda-chuvas suspensos abriam-se e fechavam-se ao ar da Praça Jardim Grande, em Cachoeira. Tratava-se do 3co, intervenção urbana e in29 terativa do pernambucano Ricardo Brazileiro, que coleta os dados ambientais em tempo-real e constrói um ecossistema híbrido que reage com as intensidades do cotidiano. Os guarda-chuvas esverdeados, equipados com sensores analógicos e digitais, reagiam às informações de temperatura, ruídos e poluição, estavam vivos. “No Paraguaçu não tem piranha..”[6] Assinamos um termo de responsabilidade individual por eventuais acidentes em alto Paraguaçu. O documento anunciava o risco ao menos razoável da performance coletiva, onde o GIA e o coletivo Opavivará fariam as intervenções do flutuador e dos bichinhos


infláveis, no rio. O diálogo entre os dois coletivos foi ainda mais incitado com a presença de outras duas referências em poéticas micropolíticas e urbanas no Brasil: O Poro[7] (MG), que trazia para o festival suas experiências estético-políticas, registradas em um livro de alta sensibilidade visual e poética: Intervalo, Respiro, pequenos deslocamentos: Ações poéticas do Poro; e a Frente 3 de fevereiro[8] (SP), que se destaca pela apropriação tática dos espaços públicos e midiáticos em suas ações 30 hiper-diretas. O passeio de barco durou algumas horas, estivemos a maior parte do tempo em movimento na água, com uma parada voluntária para um banho breve e também algumas compulsórias, pois o barco ficava preso em redes colocadas sob larga dimensão do rio, por proprietários de trechos das costas. Era com muita habilidade que o barqueiro Zezinho, carioca, saltava na água e sumia debaixo do barco, donde só retornava com o problema solucionado. Em uma destas paradas, o tempo parecia se estender, embora sua extensão estivesse condicionada mais pelo calor e fome, que pela noção de tempo cronológico, propriamente. O deslocamento do espaço terrestre habitual e cotidi-

ano implicava também no deslocamento do cronos, adentrávamos o instante fugidio do acontecimento puro, onde Aion divide o presente em passado e futuro: “Este presente do Aion, que representa o instante, não é absolutamente o presente vasto e profundo de Cronos: é o presente sem espessura, o presente do ator, do dançarino, ou do mímico, puro ‘momento, perverso’” (DELEUZE, 2006, 167-174). A saída da superfície sólida da terra para uma fluída, por muito tempo, provocava uma sensação de fluidez compartilhada em nossos corpos, um tipo de embriaguez coletiva. Em muitos momentos saltávamos para a lateral do barco, sentindo a instabilidade que ele provocava em nossos corpos, nos apoiávamos em suas partes e tocávamos o pé na água, numa dança que se (in)definia pela confluência dos movimentos do barco, da água, e dos nossos corpos. Em algum momento, dois palhaços encontrados pelas costas, dizendo coisas que cada um escutava atrás de si, e somente o outro poderia ver. O frio da água no calor do corpo e do espaço. Qualquer deslocamento na parte interna do barco em movimento im-

plicava num certo tipo de dança em que estávamos todos embalados. Éramos jovens, crianças, adultos, mestres, artistas, ativistas, professores, corpos intensivos em busca de encontros e de experiências com o outro e com o mundo, donde saltavam ideias, músicas, performances e articulações. Agenciadora de encontros e residências entre artistas, coletivos e lugares, a chilena Apablaza fiava Desislaciones [9]. A condição da viagem, a desterritorialização por excelência, é aquele espaço-tempo provisório em que se espera a chegada de um fim previamente determinado. No caso de um passeio de barco ou de uma performance, o processo é seu fim imediato, é durante que as coisas acontecem. Na autonomia daquele espaço-tempo, vivíamos um estado de heterotopia (Foucault, 1967) absoluta. A heterotopologia de Foucault diz respeito a um estudo sobre espaços-tempos que se constituem como espécies de contra-sítios, utopias situadas, lugares reais fora de todos os outros lugares, no sentido de encontrá-los, contestá-los ou invertê-los. Tal conceito pode ser relacionado com as Zonas Autônomas Temporárias - TAZ, referência anônima da literatura anarquista, que influenciou o flutuador do GIA,

e de tantas outras poéticas micropolíticas. A chegada soa quase como uma referência de pausa ou de mudança de perspectiva. Era durante o deslocamento do tempo no espaço do barco, que as pessoas expressavam a sua presença, os artistas trocavam informações sobre suas vidas ou obras, modos de organização social eram pensados, encontros, trocas de saberes e experiências. Gerações que se encontravam em afinidades de conceitos e propostas 31 para o mundo. O flutuador do GIA ia afixado na lateral do barco, onde bichinhos infláveis preenchiam os interstícios em cores, enquanto nos acompanhavam no percurso. Uma placa de papelão produzida na viagem anunciava abraço grátis. Víamos pequenas ilhas sendo deixadas para trás, águas vivas, iates e infra-estruturas impunham-se à paisagem em determinados trechos, passamos por uma grande igreja abandonada, tudo era foco de flashes dos navegantes. Os ruídos todos se acumulavam no ar, vozes em volumes alterados, canções, o ronco do motor; ouvíamos tudo junto como eco dissonante, enquanto éramos tomados por desejos e prazeres clandestinos, oferecidos a Oxum e Yemanjá, cujas


cores brilhavam no flutuador azul e amarelo. Até que chegamos para o almoço em Coqueiros. Logo depois enfrentaríamos as águas vivas e corais no flutuador e nos infláveis. Ambos lançados no rio, o flutuador feito de madeira e tonéis, nos desafiava a nele subir e permanecer, o primeiro experimento com novo material, que outrora flutuava garrafas pet, nos deixaria hematomas e cortes, lembranças e saudades. Ao mesmo tempo, às vezes mais próximo, e às vezes mais distante, o 32 Opa em bichinhos infláveis pelo rio, apresentava uma superfície de mais conforto e igual instabilidade. Ambos compunham-se em intenções e em cores. Com uma peruca colorida, chapeuzinho vermelho, ou careca às vistas, vestida de oncinha e muita atitude, Michelle Mattiuzzi, em sua alta performance de gênero e cor, foi eleita a Musa do Flutuador no Paraguaçu. Mais tarde, a musa afirmaria o diálogo que o GIA conseguira travar com as suas questões: “ser mulher e negra em nossa sociedade...” A presença de mulheres criadoras também foi marcante no Fiar3: A performance Cambana, por Maicyra Leão e outras artistas, desenvolvida a partir de uma pesquisa com grupos ciganos da região do

Recôncavo, demonstrava as possibilidades de diálogo criativo entre culturas e espaços diferentes, entre tradições e novas tecnologias. Uma cigana-manequim oferecia serviços de tarô aos passantes da feira, numa tenda onde a carta era lida por uma voz no celular. À noite, a instalação audiovisual de Patrícia Francisco, finalizada pelas mãos da mesma e colaboração de Tininha Llanos, entre tintas e martelos, se transformaria numa pequena sala de Cinema para Dois. Encerrava-se o Fiar3, corpos em atrações e repulsas mestiçavam-se num jogo de encontros, desencontros e reencontros de intensidades descontínuas, ladeiras em fuga estremeciam aos batuques longínquos da festa de Exu, fantasmas saltavam por entre brechas de quatro paredes, passado, presente e futuro em noites escuras, pesadelos em sonhos, composições, rupturas.

[1] Herbert da Silva foi o Produtor Geral do FIAR3, percussionista, mestrando em Educação e Contemporaneidade pelo PPGEduc/UNEB, atualmente pesquisa práticas pedagógicas de uma rede de grupos culturais no Subúrbio Ferroviário de Salvador.. [2] Morgana Gomes é atriz, performer, poetisa e comunicóloga. Mestranda em Artes Cênicas pelo PPGAC/UFBA, atualmente pesquisa poéticas micropolíticas na cidade . Esteve presente em duas das três edições do Fiar, informalmente . [3] [4] [5] [6] [7] [8] [9]

http://fiarbahia .wordpress.com/ http://giabahia.blogspot.com http://www.opavivara.com.br Música de um grupo regional , Raízes do recôncavo. http://poro.redezero.org http://www.frente3defevereiro.com.br http://www.desislaciones.net

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BIBLIOGRAFIA

DACRUZ, Damário. Confissão. Salvador: UEFS Editora, 2010.

DARTIGUES, André . O que é a Fenomenologia? Rio de Janeiro: Eldorado, 2000.

DELEUZE, Gilles. Do Aion . In: Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiva, 2006.

FOUCALUT, Michel . De outros espaços. Conferência proferida no Cercle d’Études Achitecturales, em 14 de Março de 1967. in: http://www.rizoma.net/interna.php?id=169 &secao=anarquitextura, acessado em 21 de janeiro de 2011. FILHO, João de Moraes. (29 a 03 de março de Fev e Mar de 2012). FIAR3 - Encontro de Redes das Artes Visuais no Recôncavo. Acesso em 15 de março de 2012, disponível em FIARBAHIA: http://fiarbahia.wordpress.com/2012/02/ Henry Pierre Jeudy e Paola Berenstein Jacques.Corpos e cenários urbanos: territórios urbanos e políticas culturais. Salvador: EDUFBA, 2006. LYOTARD, Jean-Francois. A Fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 1954. MERLEAU-PONT Y, Maurice . Fenomenologia da Percepção. São Paulo : Martins Fontes, 1999.


Breviário sobre uma ação performática : Só entro no [1]jogo ! Por Michelle Mattiuzzi

Escrever sobre as experiências, impressões e pensamentos é um exercício de vida, uma ação que me contextualiza no tempo/ espaço. Aprecio quando essa escrita deriva de situações informais como conversas de mesa de bar e dos encontros furtivos, onde os devaneios transformam-se em produção de subjetividade. Valorizo também as palavras que me saem como uma escrita automática, despojadas de nexos de sentido, pois elas borram e tracejam fragmentos do que penso como ação, performance e vida. A escrita é uma maneira de confabular com os meus (dís)pares sobre performance art e entender seus deslocamentos e diálogos nas conjecturas lançadas. Para isso abordarei impressões e etapas do processo de criação sobre a minha maneira de pensar a performance.

Começo a contar sobre a minha existência na Bahia. Salvador, Vinte e Oito de Fevereiro de Dois mil e Doze. Oito horas da manhã é verão. Meu corpo transpira na cama, essa transpiração é como uma gosma que cola no lençol. Vou, não vou!? Vou, não vou!? Vou, não vou!? Vou, não vou!? Vou, não vou!? Vou, não vou!? Começa a minha angústia, acordo assustada me levanto. Meu corpo nesse momento palpita como um sino que acaba de badalar; ando de um lado para o outro. Andar naquele momento fazia meus pensamentos se

deslocarem, como o meu corpo, de um lado para outro. Era importante andar para refletir, refletir em movimento. A casa tinha sensação térmica de um forno à 210°C, um calor imenso. Nesse momento, vivo na comunidade Vila Eliseu, no centro de Salvador; sou uma forasteira nesse lugar, fazem menos de seis meses que vivo aqui, qualquer movimento/ação/intenção que muda o cotidiano provoca alteração no espaço e aumenta a capacidade de diálogo/ comunicação com as pessoas que vivem nele. Vou, não vou!? Vou, não vou!? Vou,

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não vou!? Vou, não vou!? Vou, não vou!? Vou, não vou!? Vou... Quais seriam as ações que efetuaria naquela cidade? Como produzir um diálogo? Vou, não vou!? Vou, não vou!? Vou, não vou!? Vou, não vou!? Vou, não vou!? Vou, não vou!? Vou... As ações começam a serem esboçadas, a performance é lançada no papel da vida. É assim que construo todos os dias, uma camada de vida que diz muito sobre a minha subjetividade e também sobre as minhas 36 escolhas na performance art. Além de compor com intenções ideias e experiências, é assim, amontoando vida e performance que ando por espaços que constroem e destroem meus afetos, lapidam minhas memórias e bagunçam minhas escolhas. Meus pés ocupam as frestas, eles sentem cada passo; somente a experiência do meu corpo pode dar conta de tudo isso que vivo durante as ações performáticas e principalmente diante a vida/arte ou arte/ vida. Meu corpo modifica-se a cada instante de tempo. Meu corpo pulsa. Meu corpo age, meu corpo performa. Como efetuar deslocamentos de ações? Como relacionar corpo, estética e política através de micro-ações? Como criar poéticas com micropolíticas? Como não falhar,

sabendo que isso pode acontecer a qualquer momento. Essas questões são propulsoras para o planejamento das minhas ações em arte e vida. Elas pulsam a todo minuto, a todo momento as respostas saem como outras questões.E muitas vezes elas tornam-se ações. Será que existe apenas uma resposta para a mesma intenção? Tinha certeza que praticaria performance e que seria um momento de lançar minhas questões sobre arte , vida e política. Essa é a maneira que estabeleço um diálogo, sendo assim pressuponho, que posso dinamizar nossas relações e maneiras de pensar com o corpo seu contexto e fortalecer uma das potências da performance: ação em tempo real. Não sabia muito sobre o meu destino, sabia que haveria a terceira edição de um encontro (FIAR – 3º Festival de Intervenções e Artes do Recôncavo) ; conhecia pouco a cidade de São Félix, mas já havia apreciado sua vida noturna em outra ocasião. Com tenacidade lancei-me a ação de andar com peruca e óculos escuros. Esse é um dos meus programas. Ação performática como possibilidade de experimentar estados, provocar contaminações, reinterar o caos e gerar instabilidades de di-

versos graus. Eu acreditava que poderia provocar uma intervenção no espaço, mas não sabia que a minha provocação seria recebida com tanta intensidade. Ao sair de casa a vizinhança intriga-se com olhares curiosos e soltando algumas piadinhas, os moradores da comunidade manifestam-se com a minha presença: “Que porra é essa?”; “Que que isso?”; “Por que você está fantasiada, se acabou o carnaval?”; “Pra quê você vai sair vestida desse jeito?”; “Qual a função dessa peruca?”; “Isso né mulher ...” – esses foram os ruídos que apareceram durante a primeira aparição na rua,ou melhor, na comunidade em que morava. Ali começo construir a ação. Após essas primeiras interferências públicas, meu corpo começa perceber quais os possíveis diálogos, e se prepara para traçar uma atitude para defrontar com o desconhecido. Sinto meu corpo palpitar, o tônus se modifica a minha presença no espaço também, parece que foi ativada uma bomba relógio; as sensações corpóreas eram as intensidades que serviam de potência para atitudes e conversas estabelecidas com as pessoas em trânsito e que de alguma forma estabelecia um contato (olhar, falar, seguir, xingar). A me-

mória que cada interlocutor acessava diante dessa figura (eu) deslocada em seu tempo/espaço eram também argumentos para o meu posicionamento, como as pessoas reagiam diante as provocações são os agentes da proposição, esses que ativam a existência e um diálogo eminente no fazer da performance que proponho; um diálogo em tempo real. Na rodoviária, no guichê para comprar passagem para São Félix, as atendentes se espantam com o 37 meu visual, elas comentam entre si alguma coisa. Não posso ouvir o que elas dizem, mas os olhares denunciam que não compactuam com a minha imagem, apesar de serem cúmplices da minha ação. Na espera do ônibus para São Felix as pessoas na rodoviária comentam umas com as outras sobre o meu modo de estar. Com peruca branca estilo colonial e óculos escuros, provoquei curiosidade em todos que ali transitavam. A ação performática, como um acontecimento naquele tempo/ espaço, modificava a rotina daquele ambiente de chegadas e partidas. Ser e estar deslocada dos padrões estabelecidos pela normatividade social, causava um incomodo geral. “[...] Pare, reencontre o seu eu, se-


ria preciso dizer: vamos mais longe, não encontramos ainda nosso Corpo Sem Órgãos, não desfizemos ainda suficientemente nosso eu. Substituir a anamnese pelo esquecimento, a interpretação pela experimentação. Encontre seu corpo sem órgãos, saiba fazê-lo, é uma questão de vida ou de morte, de juventude e de velhice, de tristeza e de alegria.” (DELEUZE e GUATTARI 1992, p.11)

38 Meu corpo vibra. Performar um programa de ações é uma possibilidade de lançar questões, ou melhor, me lanço no espaço, aproveito todas as fissuras coloco meu corpo em risco diante todos os preconceitos e questiono todos os adjetivos lançados sobre ele. Provoco o diálogo em tempo real. Nessas ações ressalto meu corpo nu , e incito um posicionamento político e estético diante as normas vigentes. Lanço meu corpo, exibo minhas partes mais íntimas, questiono todos os adjetivos lançados sobre ele de forma artística e convido quem estiver por perto para ser cúmplice da minha ação. “Quê que é isso?” – Uma grande fofoca se instala na rodoviária. Meu percurso até São Félix foi movido por interferências de várias nature-

zas, o diálogo foi estabelecido com os outros passageiros durante a viajem. A cada parada, durante o trajeto, qualquer pessoa que se deparava com a minha figura demonstrava estranheza. Ação em tempo real sendo alimentada por todos, a performance estabeleceu um diálogo, criou relações e possibilidades de pensar o corpo e seu contexto. Foi a viagem mais divertida que fiz em toda a minha vida. Ao descer do ônibus em São Felix, sigo caminho ao Centro Cultural Dannemann, até chegar no espaço, percebo e sinto os olhares curiosos das pessoas da cidade. Os olhares eram como metralhadora de guerra, sentia por todos os poros de forma a atravessar minha percepção. Nesse momento, meu corpo se modifica, se apresenta de outra forma.Meu corpo cria uma estratégia de guerra para defrontar com o desconhecido. Minhas mãos suam, meu corpo treme. Ele se impõe no espaço, de forma a confrontar com os padrões. Sigo andando! “Quê que é isso?” Só entro no jogo. Chego ao Centro Cultural Dannemann, é hora de bate-papo. O tema é “As redes colaborativas de arte”, os debatedores são participantes de co-

letivos, respectivamente na ordem de apresentação: Milena Durante – EIA/SP; Patrícia Francisco – RS e Rosa Apablaza – Desislaciones/ Chile. Acompanho as conversas, me distraio. Vejo um olhar, meu rosto está suado e uso óculos escuros. Ouço uma risada. Vejo e finjo que não é comigo, continuo com o mesmo semblante e sentindo meu corpo transpirar, pulsar, tremia de medo. Lançar num ambiente, em que a discussão é intervenção urbana me causou um pequeno desconforto. Sentia os olhares de todos os presentes. Meu corpo se transforma numa bomba de ansiedade, fico roendo unhas. Após a apresentação de cada um dos participantes no bate-papo, houve a abertura para o público ali presente. Aproveitei o ensejo, e fiz algumas perguntas. E ficava um mistério no ar, quem é essa figura de peruca branca e óculos escuros? Porque ela está assim? O que é isso? Pra que serve isso? Isso é arte? – Foram essas perguntas enunciada pelo “senso-comum”, espantadas com a minha presença, e outros tipos de interferência que surgiram na pequena cidade de São Félix - Recôncavo Baiano. No segundo dia de FIAR, me lancei no espaço de forma excêntrica.

Atravessei a cidade de forma sensual, andava rebolando. Usando peruca rosa, óculos escuros e um corpete de oncinha. Seguia sempre andando e rebolando em direção à São Félix, passava pela rua sem olhar as pessoas, mas percebia seus movimentos em relação a minha presença sensual. As pessoas falavam, gritavam. Um grupo de homens que estava sentado em frente a rodoviária me aplaude. É o ápice da interação. Sair na rua usando corpete de oncinha e peruca rosa, tornou-se um aconte39 cimento. Meu corpo é um acontecimento. Meu corpo invadiu aquele espaço, e interviu de forma a atacar o cotidiano das pessoas das cidades de Cachoeira e São Félix. Aqui utilizo a palavra ataque, porque a experiência que estava provocando naquele ambiente possuía uma força bélica. Meu corpo nesse momento era uma imposição para aqueles que o defrontava. Todos os dias meu programa de ações alterava-se, pois lançava-me a uma experiência desconhecida, de acordo com a interferência das pessoas meu corpo tomava outra posição no espaço, alterava o tônus. Além disso, esbocei a ação pensando em alternar as perucas com cores e cortes diferentes; corpete de


oncinha, óculos e sapato sempre o mesmo. No terceiro dia do encontro, foi a maior sensação intervir nesse espaço que a cada dia ficava mais conhecido para o meu corpo. Estava sendo observada por todos, fazia microações durante esse trajeto. Arrumava a peruca, abria bolsa, acende cigarro, retirava parte do corpete da bunda, enfim “tocava o terror” com pequenas ações. Quando queria interagir com as pessoas, perguntava as horas, ou pedia informações para me localizar na 40 cidade. Nesse dia, aconteceu algo inusitado. Era fim de turno de uma escola, apareceram 50 crianças de aproximadamente 8 à 12 anos de idade que me acompanharam até a rua principal de Cachoeira rindo muito da minha aparência e falando coisas de seu imaginário – “Olha a sereia do mar”, “Credo o cabelo dela é roxo”, “ Que roupa feia”, “Tia, você vai onde assim?”- Foi um dia curioso, não esperava o fim de turno da escola. No terceiro dia, já acostumada com a cidade, tive que lidar com essa interação inesperada. Meu corpo se reorganiza novamente com essa nova informação, minhas mãos e pés suam. Sempre submeto meu corpo a situações, confronto meu corpo à reação da audiência; um componente chave dessa expe-

riência na forma de atenção mental ou até mesmo efetiva: tocar na obra (em mim). No momento da caminhada, tive a sensação que poderia ser tocada por uma das crianças. Era muita euforia, era muita interferência sonora, eram olhares. “O performer não improvisa uma idéia: ele cria um programa e programa-se para realizá-lo (mesmo que seu programa seja pagar alguém para realizar ações concebidas por ele ou convidar espectadores para ativarem suas proposições). Ao agir seu programa, desprograma organismo e meio.” (Eleonora Fabião 2008,p.237)

As interferências das pessoas sobre o meu corpo e as experiências que, no momento da ação, me atravessavam, são as respostas da comunicação que estabeleci durante o percurso na cidade de São Félix. O meu corpo é a minha fala e o espaço que ocupo compõem os modos de comunicação. No mesmo dia após atravessar a ponte entre as cidades, me deparo com um grupo de homens sentados em frente à uma borracharia, eles me olham, desejam o meu corpo suado era assim que via os seus olhares, de desejo sobre o meu corpo.

Num primeiro momento senti um incômodo, mas segui meu caminho andando, rebolando, provocando mais a situação de ser desejada. Chego ao Centro Cultural Dannemann, ia acontecer o último bate-papo do encontro. Sento numa cadeira de praia coletiva, acho engraçado e logo imagino que é um objeto de intervenção urbana. Chegam mais pessoas, começamos uma aproximação. Conversas sobre o calor, sobre a cidade e as atividades que estavam acontecendo começaram a rolar, pareciam não ter nexo, tudo o que estava acontecendo ali. Mas era a maneira que as coisas estabeleciam naquele lugar. Nesse instante, um rapaz começa a amarrar uns toneis com cordas, minha curiosidade não permite o silêncio logo pergunto: “O que você está fazendo?” – Ele sorri e se apresenta: “Muito prazer eu sou Piton”- Eu faço um trocadilho e dou risada: “Sem prazer, Michelle.” Em seguida, vejo o grupo de homens na borracharia. Eles estão acenando. Me levanto e vou até lá, eles estavam realmente acenando pra mim. Chego na borracharia, todos se apresentam pra mim. Não lembro o nome de ninguém, mas lembro da nossa conversa. Eles estavam

comemorando aniversário, tomando cerveja e celebrando a vida. Foi quando um deles me perguntou: “Porque você está na rua gostosa, desse jeito?”. Novamente sinto meu corpo palpitar, estava defronte a uma situação delicada não sabia como resolver, e responder imediatamente o que aquele homem havia me perguntado. Isso que descrevo, foram apenas segundos. Pois logo, lancei a resposta. “ Pra saber se os homens sabem se comportar diante uma figura gostosa.”- Todos riem nesse momento, aqueles se- 41 gundos de tensão é quebrado. Eles me oferecem um copo de cerveja e uma cadeira. “Aproxime-se fica um pouco conversando com a gente, não vamos fazer nada. Só vamos te desejar com os olhos.” Aceitei o convite. Ficamos conversando sobre: a minha roupa, de onde sou, porque sou, e sobre a performance. Foi quando me posicionei diante aqueles homens que me desejavam com o olhar. Como performer, utilizo elementos da minha biografia como situação fundamental. Gosto de lançar meu corpo para o outro, gosto de saciar o desejo do corpo com o corpo do outro. Essa e outras proposições com o meu corpo, evidenciam minhas características, exibem meu tipo, ou melhor, o estereótipo


social que cabe a mim dentro das classificações sociais. Esse foi o meu discurso, sem essa formalidade. Realmente um encontro notável, estive sentada em frente à borracharia com corpete de oncinha, peruca e óculos escuros com um grupo de homens me desejando, eu ali falando sobre a minha experiência de vida e falando sobre a performance. Antes de sair dessa conversa, tirei fotos com todos eles. Foi uma experiência no mínimo curiosa, queria saber o que passava na cabeça dos 42 transeuntes diante aquela situação. Diante a minha provocação. Após essa experiência, que durou aproximadamente quarenta minutos, voltei ao Centro Cultural Dannemann. Voltei a conversar com os participantes do encontro, continuamos o nosso bate-papo de aproximação. Foi fundamental essa conversa, pois tinha acabado de experienciar uma situação diferente, ou melhor, não convencional. Estar em ação e as pessoas que são cúmplices, participarem dela sem pudor, mas com muita curiosidade. Foi uma novidade. Estava falando sobre performance com os homens da borracharia de forma sedutora, deslocava a fala acentuando as palavras de forma a torná-las sensuais, falava de posicionamento político e

o desenvolvimento de zonas de desconforto com ações performáticas: do jeito mais sedutor. Depois dessa conversa, com pessoas que não conhecia muito bem, quis saber mais sobre esse flutuador (Intervenção Urbana GIA – 2008). Foi assim que descobri quem eram os coletivos GIA-Ba e OPAVIVARÁ-RJ. Iniciei trocas e parcerias com os coletivos, no FIAR. Tudo começou com uma conversa, logo tornou-se parte da intervenção. Com a Intervenção do Flutuador (GIA), no Rio Paraguaçu, me tornei musa. Foi assim, que surgiu a existência da Musa Mattiuzzi na Bahia. Referências Bibliográficas DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil Platôs. Vol . 3. São Paulo: Editora 34, 1999. FABIÃO, Eleonora. Performance e teatro:poéticas e políticas da cena contemporânea. Revista Sala Preta. Vol .8, n .1. São Paulo: 2008. http://revistasalapreta. com.br/index.php/salapreta/ article/view/263





As Redes Colaborativas de Arte e o Cinema (?!) Por Patrícia Francisco

Créditos Iniciais Tininha Llanos me convidou a fazer uma fala sobre As redes colaborativas de Arte. No início, fiquei pensando o que iria falar, mas, passado uns dias, nós conversamos novamente e veio mais um convite, remontarmos uma antiga instalação minha, o Cinema para 2 Pessoas. Havia uma ligação afetiva no ar. A partir desses convites comecei a estruturar a minha fala e atuação no Fiar 3. Cena 1 – uma fala + imagens I Interna I Dia e Noite Minha trajetória de pesquisa e trabalho começou de fato com um projeto chamado Cinema para 2 Pessoas (2000). Desse trabalho teve vários desdobramentos, como outras “salas de cinema” que foram projetadas de diversas formas, seja na construção de cabines, seja na apropriação de espaços de exibição. O meu interesse no próprio filme iniciou, indo da animação sobre película, remontagem de trechos

de filmes apropriados (filmes em s-8, 16mm ou 35mm), logo depois veio o envolvimento com o vídeo. Aí fui me aproximando do documentário, principalmente, ao me mudar para São Paulo em 2003. A partir dessa experiência e, paralelamente, participei de vários coletivos de arte , com 10 anos de 51 atuação, como os Laranjas, o Muro, Lab+Documental e Comestível. Alguma coisa no grupo me chamava atenção - a colaboração - e tinha o encontro com a realidade, com questões sociais. Algumas propostas desses coletivos ficavam também no limiar entre arte e cinema, limiar que eu atuo, já com uma certa narrativa. Então essa genealogia da coletividade, o estar junto, os projetos experimentais também me influenciaram na construção do meu trabalho pessoal. Além dos coletivos, tinha os livros, que eram formas narrativas que eu desenvolvia e desenvolvo ainda. Assim, essa experiência narrativa feita nos livros também influenciou as minhas narrativas au-


diovisuais. Pois o meu processo em artes iniciou no desenho, passando pela gravura (monotipia) para daí chegar nos livros, filmes e ações em coletivos. Nos últimos 2 anos, fiz dois trabalhos em Residência Artística dentro de coletivos. O primeiro trabalho, realizado com o Lab+Documental, foi o projeto Espaços Invisibles, no qual realizei o documentário Cartografias Ocultas. Foi uma extensa pesquisa de casas 52 abandonadas na cidade de São Paulo, três meses de caminhadas por todas as zonas da cidade, resultando em um levantamento de 300 casas abandonadas. Também realizei diversos desenhos para representar o mapa dessas caminhadas pela cidade. O segundo trabalho foi com o Multigraphias, participei de uma residência virtual com o grupo, dialogávamos diariamente por 60 dias, basicamente, através de imagens. Era um grupo de mais de 10 pessoas, sendo 5 artistas residentes, qualquer um lançava o seu post no blog do Multigraphias e iniciava-se a conversa. Então, selecionei alguns posts e construí um vídeo, 40 Posts, que conta um pouco dessa história vivenciada cotidianamente. [Exibição de trechos de Cartografias Ocultas e 40 Posts]

Hoje minha atuação está mais voltada para o cinema, enquanto outros projetos em artes visuais seguem caminhando paralelamente. Cena 2 – Viajantes e Navegantes I Externa I Dia Já no primeiro dia saí curiosa da pousada, viajante em casas antigas e abandonadas, circulava os lugares em meio a vida daquelas históricas cidades, São Félix e Cachoeira, cheias de atualidades e poéticas da memória. Primeiro dia com retratos grafitados em camisetas na Feira de Cachoeira, falas no Centro Cultural Dannemann e poemas no final do dia em frente ao rio Paraguaçu. No dia seguinte, guarda-chuvas verdes que captam dados ambientais, mais falas no Dannemann, à noite samba de raiz com Mestre Paraqueda, além de outros ritmos e músicos. Já de início o Fiar 3 tinha costurado todas as pessoas-artistas que estavam a viajar e navegar entre Cachoeira e São Félix – sorrisos e leveza. Comprei um chapéu de palha para me proteger do sol, mas ti-

rava toda a hora, queria ver a luz da cidade e fotografar e olhar e filmar. Levamos nossa cidade para onde vamos, de alguma forma, a projetamos sobre todos os lugares vistos. Sou navegantes, sou Porto Alegre, cidade crescida a beira de um rio, cidade com uma padroeira - Nossa Senhora dos Navegantes. O passeio no rio Paraguaçu foi uma benção, várias conversas se sobrepunham no barco do Seu Zezinho. O flutuador do Gia e os bichos infláveis do Opavivará agregaram experiências sensoriais a quem estava a observar a cena. Cena 3 – Construção do Cinema I Externa I Noite Saí do SambaGia, em Cachoeira, super preocupada com o Cinema para 2 Pessoas. Fui a procura de Tininha. Nos encontramos na garagem da Pousada Rio Doce em São Félix. Lá estava Tininha tentando construir a instalação, iniciando a pintura de uma das paredes. Ela me conta que o marceneiro contratado não conseguiu entregar o trabalho pronto. Já estava no final da tarde, começamos a correr para colocar aquele cinema em pé até à noite.

O cinema nasce assim, aos

poucos, nas mãos de dois fotógrafos preocupados em desenvolver tecnologias para capturar e projetar imagens. A fotografia nasce da imagem produzida num daguerreótipo, primeiras impressões e registros da realidade, tanto do Daguerre , como de Niépce e Talbot, mais tarde, Nadar, até chegar na família Lumière . Todos esses registros fotográficos são memórias do nascimento das imagens. Essas imagens vem carregadas de um caráter histórico e afetivo ao mesmo tempo. “Os daguerreótipos eram placas de prata iodadas, postas sob a ação da luz na camera obscura: elas tinham de ser submetidas a uma série de acertos até que, sob iluminação correta, se pudesse reconhecer sobre elas uma imagem levemente acinzentada” . Havia um certo desenvolvimento de uma série de pesquisas sobre a imagem, durante o século XIX, que culminaram no cinema. E são recorrentes em nossa memória histórica vários, podemos dizer, pesquisadores que se empenharam em desenvolver técnicas e objetos que permitissem a reprodução da nossa imagem em movimento, projetada, ou da nossa imagem fixa em uma superfície.

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O cinema era apresentado em feiras ou em parques de diversões, tinha uma conotação de espetáculo diferente do que é o cinema hoje. Era consumido como atração e não como documento . Assim, a situação da cidade crescendo rapidamente, a chegada das estradas de ferro e o trem , o ápice do desenrolar das pesquisas sobre a imagem com a chegada do cinema começaram a se imbricar, se sobrepor e se relacionar. Essas três 54 situações foram se desenvolvendo e uma foi subsidiando a outra. A cidade que dá o movimento do cinema, o cinema que mostra a vista da janela do trem, o trem que, por sua vez, parece materializar conceitualmente aquilo que o cinema é: uma máquina do tempo. “Olho móvel, corpo imóvel: está tudo aí, e é por aí que o trem substitui o espectador ‘ecológico’ da pintura de paisagem, o simples andarilho que descobre o mundo que rodeia (...), mas, ao mesmo tempo, dotado de ubiquidade e de onividência, que é o espectador de cinema” . A instalação Cinema para 2 Pessoas vem carregada desses referenciais históricos. O filme exibido na pequena cabine se chama

Cinemapradois, tem duração de 3 minutos, suporte em super-8mm. O pequeno cinema abriga 2 espectadores e 1 projecionista a cada sessão. O filme é uma película antiga, com a emulsão fílmica rosa, no qual foram feitos desenhos diretamente sobre os fotogramas. Dessa vez, fora colocado à margem direita do rio Paraguaçu com vista para o trem que atravessa São Félix indo para Cachoeira pela ponte Dom Pedro II. Todas as “salas de cinema” que fiz tinham um filme, como eu dispensava um maior tempo na construção da sala (na instalação) do que no filme, geralmente, feito de apropriações de imagens, o foco estava no espectador, me interessava representar o momento de assistir um filme. Quando direcionei minha pesquisa para o filme em si, fui buscar meus pares no cinema, sem restrições conceituais e estéticas, fui me aproximando e conhecendo diretores com construção de linguagens próprias como Jean-Luc Godard, Mario Peixoto, Eduardo Coutinho, Mohsen Makhmalbaf, Abbas Kiarostami, Andy Warhol, Bill Viola, Chantal Akerman, Chris Marker, Dziga Vertov, Jean Rouch, Jonas Mekas, Joris Ivens, Leon Hirszman, Norman McLaren, Wong

Kar-Wai, Andrei Tarkovsky e segue a lista. Foram em torno de 6 horas de trabalho, das 4 horas da tarde às 10 horas da noite, eu e Tininha trabalhávamos sem parar. O pessoal do Gia que vinha voltando do samba, nos ajudou a finalizar a pequena sala de cinema de aproximadamente 2 metros quadrados. Fizemos algumas sessões até o início da madrugada e fechamos a porta do cinema. Fim do Cinema 2 e do Fiar 3. Créditos Finais Pequeno currículo do autor: Patrícia Francisco é natural de Porto Alegre/RS. Vive e trabalha em São Paulo/SP. É Cineasta e Artista Plástica. Mestre em Artes pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) com a tese: Um outro cinema – cinema documentário e memória. Trabalha entre as artes plásticas e o cinema, realizando filmes, instalações, fotografias, livros e atuações em coletivos de arte. Seus filmes curta-metragem, Retratos da Vó Ana (2008), Eu, trilho (2008) e A Inventariante (2010), foram selecionados para vários festivais e mostras nacionais e internacionais.

E-mail: francisco.patricia@gmail.com; Site: www.patriciafrancisco.com.br [1] Minha atuação em coletivo iniciou em 2002 com o grupo Laranjas e continua até hoje, 2012, com o grupo Comestível . Os Laranjas (2002-2004) reunia pessoas que trabalhassem com fotografia e depois houve um desdobramento para ações nas ruas; o Muro (2005-2007) reunia músicos e artistas com interessses áudio-visuais, fazíamos experiências com música eletroacústica; Lab+Documental (2010-2011) reunia interesses em fotografia e cinema, fizemos o Espaços Invisibles; o Comestível (2012-) reúne amigos com interesse em realizar ações na rua e projetos em construção coletiva. [2] Em 28 de dezembro de 1895 foi inventado o cinematógrafo pelos irmãos Auguste e Louis Luimière. Esta data se refere a primeira sessão paga e pública, no qual aproximadamente 30 pessoas assistiram a primeira projeção de filmes em uma grande tela. Entre os filmes projetados nessa primeira sessão estão: Sortie d’usine Lumière / Saída da fábrica Lumière (p&b/ 46seg/ 1895), Le repas de bébé / O almoço do bebê (p&b/ 41seg /1895) e L’arroseur arrosé/ O regador re-

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gado (p&b/ 49 seg/ 1895)

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[3] “Embora criadas simultaneamente em fins da década de 1830, não foi a invenção de Fox Talbot do processo negativo-positivo, mas sim a invenção de Daguerre, apoiada pelo governo e anunciada em 1839 com grande publicidade, que se tornou o primeiro processo fotográfico de uso geral”. (SONTAG, Susan . Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p.142) “A história da fotografia é considerada ainda mais estranha que a do cinema, o “atraso na invenção” é ainda mais flagrante,e com freqü.ncia se ficou maravilhado com o fato de a ação da luz sobre certas substâncias – conhecida desde a alta Antigüidade, no Egito – só ter dado lugar à descoberta de um procedimento técnico passível de ser explorado trinta ou quarenta séculos mais tarde”. (AUMONT, Jacques. O olho interminável [cinema e pintura]. São Paulo: Cosac Naify, 2004.p.48.) [4] Jacques Daguerre (17871851) No ano de 1837 inventa o daguerreótipo, que fixa as imagens numa placa de cobre prateada. [5] Nicéphore Niépce (17651833) Em 1826, realiza a primeira fotografia com uma câmera escura. [6]

Os irmãos Auguste e Louis

Lumière produziram cerca de 1.400 filmes. Treinaram 30 cinegrafistas que se espalharam pelo mundo a partir de 1895, divulgando a nova invenção, o cinematógrafo. [7] BENJAMIN, Walter. Pequena História da Fotografia in Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura – obras escolhidas v.I. São Paulo: Brasiliense,1994.p.221 [8] O trem representava a máquina e o crescimento da industrialização. Dentro de um trem, poderiam ter a vista panorâmica de uma cidade pelo deslocamento do olhar. É famosa a aliança entre o trem e o cinema, para exemplificar temos os filmes Arrivée d’un train en gare à La Ciotat/ A chegada do trem à estação de Ciotat (1895) de Louis Lumière, The General/ A General (1926) de Buster Keaton e La roue/ A Roda (1922) de Abel Gance. [9] Idem AUMONT, p.54. [10] Além de Cinema para 2 Pessoas, fiz Sala de Cinema com o filme 16mm Sem Titulo (2001), a Sala de Cinema Charles Chaplin com o filme I’ve Found a Home (2002) e o Cine Goethe com o filme Paisagem no Cinema (2003). Imagens em: http:// www.patriciafrancisco.com.br/ filter/Salas-de-Cinema


AFIAR E DESAFIAR roteiros recôncavos

Por Ophelia Patrício Arrabal - crítica e curadora de arte

Rio Paraguaçu, terceira margem entre Cachoeira e São Félix, espaçonave guerrilha nosso barco deriva agora pelas águas onde o vapor não navega mais. Sem livros e sem fuzil, é nesse fluxo que artistas 58 se juntam para celebrar o próprio encontro, transar ideias, viajar, deslocar, reunir, expandir! Baseado na prática de trocas e método de estar junto, o FIAR promoveu o encontro de artistas de várias partes do país com múltiplas propostas. Músicos, ativistas, DJs, artistas ambientais, visuais, do corpo, da dança e do teatro, fotógrafos e videomakers, professores, estudantes universitários, veteranos e calouros. O festival além de possuir um programa transbordante de atividades teve seus limites expandidos ao convívio diário entre os propositores e os locais. Os quartos da pousada Beira do Rio funcionavam como QG para mais encontros e debates, que se seguiam pelo café da manhã e em caminhadas pelas ruas de São Félix

e Cachoeira, num atravessamento constante sobre a ponte metálica Dom Pedro II. O FIAR aconteceu em mesas, cadeiras, debates, festas e recitais, ações, ambulações, interferências, instalações, apresentações, conversas, e através de autonomias temporárias que criaram ambientes de aproximação entre os participantes, de conjugações que a lógica da produtividade com resultados demandados jamais poderá compreender. Cachoeira e São Félix são cidades do interior e litorâneas ao mesmo tempo. Cidades que cativam, assombram, motivam, esculhambam. Possuem o ambiente rural e ribeiro, e movimentam energias praianas e cosmopolitas. Muito pelos portos e riquezas do passado e muito pelo fato de Cachoeira ser hoje uma cidade universitária. A Universidade Federal do Recôncavo é atualmente um importante

porto de trocas de conhecimentos, saberes, práticas e técnicas. Entendi e incorporei essa energia recôncava quando mergulhei nas águas salgadas do Paraguaçu. O rio largo e espraiado que se move cheio sobre a planície, criando baías e enseadas, é salgado como o mar. Essa energia de Iemanjá em forma de rio constitui esse ambiente misto dos mangues, do rio salgado, que me fez lembrar também a imagem símbolo do manifesto Mangue Beat - uma antena parabólica enfiada na lama! A região do Recôncavo Baiano concentra uma incrível variedade de elementos históricos e culturais de fundamental importância para a identidade baiana e brasileira. Foi às margens do Paraguaçu onde os portugueses fundaram os primeiros portos comerciais da então jovem colônia brasileira; foi no recôncavo que surgiu o samba de roda rural, provavelmente a primeira expressão sambológica de nossa história musical; foi em Cachoeira que se assentou e existe até hoje a Irmandade da Boa Morte, confraria afro-católica constituída apenas por mulheres negras; foi em Santo Amaro que nasceram e se criaram os filhos de Dona Canô, ícones fundamentais da cultura contemporâ-

nea brasileira, verdadeiros deuses vivos da Bahia, assim como Santa Bárbara, a do trovão, que desceu o rio até Salvador para desfilar pelas ruas como Iansã apaixonada. Interessante pensar a geomorfologia do Recôncavo como analogia de suas expressões culturais. A região se caracteriza pela área em torno da Baía de Todos os Santos, incluindo o interior baseado nas bacias hidrográficas dos rios que deságuam na baía. Topograficamente a região se configura como 59 uma grande planície côncava, como uma cuia, como uma parabólica. A forma redonda que se apresenta parece espelhar-se também nas dinâmicas culturais que ali se fizeram - são muitos redondos! Desde o samba de roda, redondo em sua conformação corporal e cíclico musicalmente; até o tropicalismo baiano que resgata, reapropria, remixa, recicla e ressignifica essa musicalidade. E é na dimensão dos ciclos e das rodas que as ações realizadas no FIAR se deram, desde as mesas redondas até as rodas de samba! O mundo gira, a roda gira, e a pomba também gira! De maneiras afetuosas, as rodas conversam sobre propriedades de um ativismo lúdico; in-


terdisciplinaridades peripatéticas; conformidades frente ao capitalismo cognitivo; conexões entre redes cibernéticas autônomas; causalidades de “férteis ciclos” sócio-econômicos da região frente a barbáries culturais - cana de açúcar, tabaco, mandioca, gemas, celulose, petróleo, frutas; a Irmandade da Boa Morte, o moinho de farinha comunitário, resistências, abolicionismo, descolonização, precarização, o Quilombo Rio dos Macacos... Tudo isso, muitas vezes, ao som e 60 à imagem de Mestre Paraquedas, Cristiano Figueiró, Mestre Valmir e Paulo Romeu do Coletivo Catarse, ou a Rádio Amnésia, o Feladay, José Balbino, a Rádio Interfônica e a presença sublime de Edson Gomes. Kaosam comoções públicas as performances cotidianas da musa Michelle Mattiuzi, que no seu caminhar despreocupado naturaliza a experiência pública do exótico. Bianca Portugal e Paula Damasceno cativam participantes a experimentar as raízes da imagem técnica do Tororó pro mundo, enquanto os Mucambo Nuspano intervêm grafitando em camisetas iconografias locais. Vanderley de Moraes Filho e sua poesia de garrafa: continente e conteúdo para começo de deriva poética e de conversa. Contribui-

ções sensitivas sobre experiências coletivas hoje mais uma vez, com Marcelo Terça-Nada (Poro), Felipe Brait (Frente Três de Fevereiro), Milena Durante (EIA), Rosa Apablaza (Desislaciones) e Patrícia Francisco. Algo especial nessas conversas de longa data que se encontram para seguir empoderando outros a acreditarem em suas próprias ações. Debateções acontecem dentro e fora da charutaria, quando embaixo de uma árvore, Ricardo Brasileiro intui a dúvida frente à natureza em desvio ambiental com seus 3c0 em praça pública: estruturas sensitivas ao caos em reações, reinterpretações redondas. A Cambana com suas ações no Mercado Central de Cachoeira traz o acampamento cigano para um extenso campo de interações sociais. Ligações entre cine-ensaio e objeto-ações; teatro acidental; falas e percursos; um misterioso “pássaro da sorte” para o amanhã-cedo dos encontros frente às relações que se dão no dentro e no fora da tenda. Em espaços criados com panos finos instituem-se novas territorialidades, novas sociabilidades, restrições e potências libertárias, itinerando sempre no balanço do

vento, que dita os caminhos dessas velas de barcos terrestres. O SambaGIA no Mercado Central é o clímax do encontro dos artistas com a cidade, xirê panteísta em praça pública. Corpo e urbe em som e dança, no balanço da marcação do surdo, do pandeiro, do choro do cavaquinho. Muita cerveja GIA para aliviar o calor, a cada música mais um passo, mais um compasso, mais um degrau, um vôo, um espasmo poético, um disparo carnavalizante, um quadril requebrando mudando aquilo que está ao seu lado. O carrinho do GIA mantém a bateria ligada, para amplificar tudo aquilo que os corações já latem. Latindo como vira latas no prazer do sol a pino da xepa da feira livre, alegria tropical refestelada brasileira baiana com cheiro de dendê maniçoba licores artesanais de pimenta e maracujá. O carrinho de bebê do OPAVIVARÁ! agrega-se ao samba e à feira como sublime baixaria, um ovo de Colombo estrelado, uma tese de gambiarrologia magistralmente escrita pelo mestre Bahia, escultor-serralheiro de Cachoeira. O veículo se movimenta cambaleante pelas ruas de pé de moleque, entorpecendo e acolhendo os passantes derivantes deliran-

tes, como uma canção de ninar que transporta para um mundo lúdico de sonhos sinestésicos. Ação ambulanterrante nômade equilibrista, experimento alquímico social congregador de bêbados e crianças, coquetel antropológico, convivência expandida. O que se coloca na experiência do FIAR, é uma conjugação de desejos de propositores da arte por uma estética generalizada. Nem estetização da política, nem politização da arte, aspiramos à emer- 61 gência, à formulação e à prática desta estética generalizada. Contra a estética particular, submetida aos imperativos separados, e com muita frequência colocados como auxiliar do poder dominante, ela visa à ultrapassagem das oposições entre a arte e a vida, a rua e o museu; não para fazer da vida e da rua referências e critérios novos, mas para provocar a arte e o museu a uma dinâmica ascendente e prazerosa. O que se afia aqui é o princípio do prazer que desafia o princípio da realidade. Uma estética generalizada quer a circulação, o movimento, a mobilidade e o trabalho lá onde os riscos de microfacismos aparecem grandes, dentro dos próprios interstícios onde se


alojam e proliferam as ocasiões de poder. Na medida em que a arte supõe talento para a negação, a recusa, o desarme pelo humor, ela esgota as forças negativas, pulsões de morte das misérias generalizadas, as transfigura, até mesmo as evita pura e simplesmente. A energia em atividade dentro desta experiência, portanto subversiva, supõe uma reivindicação radical que compreende aquilo que congela e fixa como uma for62 ça negativa. É preciso querê-la em movimento, desejar sua amplitude

e almejar seu desdobramento. Ora, o mercado liberal é muito bem conhecido por reduzir a velocidade, frear, até mesmo imobilizar tudo aquilo que contenha uma dose de subversão, ainda que infinitesimal. Esse tropismo do capital não cessará. Que alguns, desejosos de comercializar os traços de sua empresa subversiva, saibam o perigo de uma vontade semelhante. Trata-se de trabalhar em permanência nos contrafogos necessários, onde queimam, em auto-de-fé, aquilo que resiste à entropia generalizada.

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Poro em Cachoeira:

Ativando Espaços e Temporalidades por Ludmila Britto [1]

A cidade contemporânea é herdeira de um pensamento construído a partir dos ideais modernos de funcionalidade e praticidade, e sofre uma série de transformações que respondem à demanda do capitalismo e à logica da globalização. Aliados a isso, os aspectos sociais, políticos e culturais das cidades ajudam a construir – e também trans64 formar continuamente – o conceito de espaço público, outrora chamado de elemento fisicamente definido e universalmente acessível , definição contestada pela socióloga Linda Gondim, que afirma que a cidade contemporânea obcecada por segurança e sedenta de prazeres consumistas tenderia a aniquilar o espaço público pois este remete à genuína diversidade . Muitas vezes, a imprevisibilidade e diversidade dos espaços públicos são a mola propulsora de ações artísticas no meio urbano, ações essas que remetem ao que Michel de Certeau chamou de procedimentos resistentes, astuciosos e teimosos . São proposições que se inserem na própria linguagem e dinâmica do cotidiano, questionando estruturas formais e normas sociais pré-estabelecidas, que funcionam no espaço geométrico ou geográfico das

construções visuais, panópticas ou teóricas, interferindo no texto claro da cidade planejada e visível. Qual seria, portanto, a importância desses procedimentos resistentes para o espaço público das cidades? Como a Arte pode gerar questionamentos relevantes acerca do espaço público e sua dinâmica social/relacional? Gostaria de pensar sobre essas questões a partir de algumas intervenções realizadas pelo coletivo mineiro Poro , tanto em Cachoeira, em ocasião do FIAR, quanto em outros momentos em diferentes localidades. Cidades antigas como Cachoeira possuem muitas camadas históricas, e daí abrem-se brechas para experiências artísticas que emergem exatamente dessa e nessa confusão. Experiências que dialogam com os procedimentos multiformes e astuciosos citados por Michel de Certeau: (...)procedimentos multiformes, resistentes, astuciosos e teimosos, que escapam à disciplina sem ficarem mesmo assim fora do campo onde se exerce, e que deveriam levar a uma teoria das práticas cotidianas, do espaço vivido e de uma inquietante familiaridade da cidade.

Essas pequenas teimosias resistentes transfiguradas em intervenções artísticas foram colocadas em prática pelo Poro, de maneira sutil em Cachoeira, Bahia, na penúltima edição do FIAR em 2011. O coletivo realizou sua ação Azulejos de papel . Nessa intervenção, a dupla cola em paredes/muros “azulejos” de papel jornal, com 15x15 cm de medida, com diferentes padronagens gráficas. Além de colar os azulejos, o Poro também distribui o material impresso, convidando qualquer pessoa a fazer sua própria intervenção, que por conta da ação do tempo (principalmente nas colagens feitas ao ar livre) utiliza o registro fotográfico como testemunho. Vale ressaltar que, nessa edição do FIAR (2011) o Poro não estava presente em Cachoeira: os azulejos foram enviados pelos correios, como declara Marcelo: No ano passado enviamos os azulejos pelo correio e a Tininha e outras pessoa do FIAR é que fizeram as instalações. Essa história de ter trabalhos que podem ser enviados pelo correio e serem facilmente realizados por outras pessoas é uma coisa bem forte no trabalho do Poro desde o início. Colar azulejos de papel em diferentes locais, com suas padronagens decorativas diversas, remete-nos a uma tradição adormecida, sinalizando para a memória desses espaços, ativando-os de uma manei-

ra sutil e poética, criando um cenário efêmero no qual contrastam texturas e tempos. É adicionar mais uma camada a tantas outras já existentes e gastas pelo tempo... Acredito que o trabalho adquire uma potência ainda maior se pensarmos no contexto de Cachoeira, repleta de casarões e sobrados dos séculos XVIII e XIX, muitos em ruínas. Saindo um pouco do universo “Cachoeira-FIAR”, uma outra intervenção do Poro estimula questões interessantes, trata-se da série de cartazes intitulada Por outras 65 práticas e espacialidades. Tirando proveito do universo simbólico extremamente caótico que toma conta dos grandes centros urbanos, o grupo mineiro produziu uma série de lambe-lambes e colou-os em muros e tapumes de Belo Horizonte. Dialogando com stickers, graffitis, lambe-lambes e panfletos de toda espécie que se proliferam pelas cidades, esses cartazes trazem consigo uma mensagem o tanto quanto instigante para o transeunte/cidadão: “Compartilhe o Espaço Público”. Consideramos espaço público como uma área comum de convívio involuntário, onde as pessoas compartilham por necessidade equipamentos e espaços coletivos, permanecendo, entretanto, isoladas em seus interesses privados . Tal espaço, nos grandes centros urbanos, é caracterizado pelo indivi-


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dualismo e impessoalidade, típicos da cidade contemporânea – regida pelas demandas do sistema capitalista – então, como “compartilhá-lo”? Como dividir “algo” em uma sociedade em que o consumo e os interesses privados constituem-se verdadeiros dogmas? A afirmação impressa nos cartazes do Poro constituem-se justamente uma resposta à competição e ao hiperindividualismo que caracterizam as grandes cidades, convidando a todos a repensar o que vem a ser o dito espaço público nos dias atuais.

Longe de possuir as respostas das perguntas que coloquei nesse pequeno texto, continuo pensando em tantas outras questões que emanam das ações do Poro, seguindo o pressuposto de que a Arte Contemporânea, ao invés de apresentar “soluções” com suas propostas que aliam as esferas estética/política/social, propõe justamente “problematizações”. Nesse sentido, acredito que o espaço urbano é um terreno fértil para experimentações artísticas, sugerindo a construção de novos contornos e possibilidades para a vida cotidiana.

[1] GONDIM, Linda. O Dragão do Mar e a Fortaleza Pós-Moderna. São Paulo: Annablume, 2007. p. 81

[7] Para saber mais acessar: www. poro.redezero.org/azulejos/

[2] Idem. p.89 [3] CERTEAU, Michael de. A Invençao Do Cotidiano: Artes de Fazer. São Paulo: Vozes, 1998. p.172 [4] Ibidem. [5] O Poro é uma dupla formada em Belo Horizonte – MG por Marcelo Terça-Nada! e Brígida Campbell , que desde 2002 realiza ações efêmeras e intervenções urbanas em diversas cidades do Brasil e do mundo. Para maiores detalhes sobre o grupo acessar: www.poro.redezero.org [6] CERTEAU, 1998, p.175

[8] Depoimento dado à autora, via e-mail , em 31/03/2012. [9] LABRA, Daniela. Poro: Poesia para Alguém. In CAMPBELL, Brigida e TERÇA-NADA, Marcelo. Intervalo, Respiro, Pequenos deslocamentos: Ações Poéticas do Poro. São Paulo, Radical Livros, 2011. p. 97-98. [10] O Poro disponibiliza os cartazes para download gratuito em seu site: www.poro.redezero.org/cartazes/ [11]BENJAMIN, Walter apud GONDIM, 2007, p.67









Inmersos en el Ecosistema Tropical

Viaje por América Latina y algunas arquitecturas del trabajo en red Por Rosa Apablaza Valenzuela - desislaciones

Febrero – Marzo 2012

La información disponible es abrumadora: todo un universo de ideas, imágenes y textos que no cesa de expandirse en múltiples direcciones. Cada elemento posible tiene muchas capas de significado en las que podemos buscar y cada elemento a su vez se haya conectado potencialmente con otros muchos, tal vez pertenecientes a categorías muy distintas.

Redes Complejas. Del genoma a internet. Ricard Solé.

Comunidad fue siempre – y a veces incluso simultáneamente - palabra de lucha y de invocación de lo que es imperioso hacer, de denuncia de lo que falta, escasea o se ha perdido, y de conjuro de los cuantiosos males existentes.

La comunidad como pretexto. En torno al (re) surgimiento de las solidaridades comunitarias. Pablo de Marinis, Gabriel Gatti , Ignacio Irazuzta (Eds.)

Estar juntos, la solidaridad social, la pertenencia (…) 1

A nivel mundial, actualmente, diferentes personas y agrupaciones, movilizados por deseos e ideologías en común, se organizan y trabajan de forma colaborativa. En la base de estas organizaciones, subyacen ideas de crear, experimentar y accionar respecto a nuevas formas de organización política y los deseos de compartir, trabajar de forma colaborativa, lograr objetivos comunes, y liberar al conocimiento de las restricciones que a lo largo de la historia, mediante su capitalización, se han impuesto desde lo que actualmente conocemos como mercado global. En América Latina, durante los últimos diez años, podemos ver una extensa proliferación de iniciativas que promueven vínculos culturales, sociales y afectivos entre creadores de distintos países del continente, que se comunican, intercambian información y se desarrollan mediante el trabajo en red.

Organizaciones que crean comunidades presenciales o virtuales, desarrollo de iniciativas que llevan a la práctica deseos (…) que en comunidad pueden muy bien resumirse: el estar juntos, la solidaridad social, la pertenencia (…) 2

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Nodos de acciones colectivas, redes de intercambio, programas de cooperación y confrontación entre artistas, plataformas de trabajo, pensamiento y toma de posición colectiva, colectivos en red y organizaciones, redes sociales de trabajadores culturales latinoamericanos, redes de intercambios peer to peer o intercambios libres en arte, entre otros. 3

Ecosistema tropical 2.0: organizaciones, hábitats, interacciones, interdependencias y complejidad. El título del texto, alude a la noción propuesta por Ricard Solé en su libro Redes Complejas. Del genoma a Internet, acerca de las dinámicas de un ecosistema tropical, donde al igual que a nosotros, las dinámicas de las arquitecturas del trabajo en red en nuestra región, nos recuerdan a una colección de muñecas rusas.

Los ecosistemas tropicales, (…) suelen

mostrar una estructura que nos recuerda una colección de muñecas rusas: un ecosistema contiene en su interior ecosistemas que a su vez contienen otros ecosistemas. 4

Las redes, en tanto, mecanismos de solidaridad social, puesta en marcha de deseos y subjetividades o como modelos de organización política, siempre han existido, pero ¿qué deseo? ¿Qué política? En definitiva: ¿qué forma de vida? (…) preguntas que se presentan interminablemente 5 en el libro Micropolítica. Cartografías del deseo, de Félix Guattari y Suely Rolnik, basado en los movimientos sociales surgidos en la década de los 80`, entendidos como una gran movilización de una política de singularidades 6, referencia clave para comprender la actual movilización existente respecto al trabajo colaborativo/en red.

El surgimiento de la tecnología nos ha permitido, entre otras cosas, mediante la aplicación de licencias libres, liberar y compartir el conocimiento de las restricciones que implica su mercantilización, disminuir los grados de separación entre los nodos, al mismo tiempo de complejizar las relaciones sociales, crear nuevas formas de organización, acción y movilización y aumentar la eficacia del trabajo colaborativo, tomando en cuenta ciertas herramientas tecnológicas como herramientas “tecno-políticas” y las posibilidades que ofrecen para fomentar el pensamiento, la acción y la comunicación transformadoras.7

Sin embargo, tanto Desislaciones como Ecosistema tropical 2.0 no son proyectos centrados específicamente en organizaciones que trabajan con tecnología, sino más bien, ambos están centrados en la hibridez de nuestras prácticas, considerando entre ellas una amplia variedad que trabajan en base a problemáticas sociales, políticas e identitarias de Latinoamérica, utilizando herramientas como el diálogo, la construcción colectiva del conocimiento, la tecnología,

el reciclaje, la autonomía y la colaboración en los procesos creativos, la construcción de redes de intercambio y cooperación, el uso y reflexión crítica en torno al espacio público y por sobre todo, el deseo de construir comunidad. Este deseo, como el desarrollo de la conciencia colectiva respecto a la importancia de compartir el conocimiento, crearlo de forma conjunta y utilizar herramientas libres, se disemina con fuerza, actualmente por Latinoamérica, como un gran cuerpo vibrátil8, un sistema vivo, que a partir de la especialización a nivel tecnológico, conceptual y político que han ido desarrollando personas y grupos a nivel local, constituyen lo que entendemos por trabajo en red en nuestro continente y que mediante un tramado complejo, conforman aquello que el colectivo español que lleva por nombre el mismo concepto, llamaría los transductores9 - de nuestra región - .

Si bien existen infinidades de organizaciones sociales que trabajan sobre diversas luchas políticas, de las cuales podríamos crear un gran listado con múltiples categorías y sub-categorías, podríamos decir que en todas ellas, de forma consciente o no, subyacen principios que el activista estadounidense Richard Stallman, fundador del movimiento del software libre, ha desarrollado desde los años 80’ respecto al propio software libre.

En la base de todas estas organizaciones, independientemente de que, por ejemplo, estén fundadas en luchas medioambientales o en el derecho a la vivienda, o que trabajen dentro o fuera del ciberespacio, encontramos los principios éticos y políticos de cooperativismo que Stallman ha propuesto para el movimiento del software libre que de forma muy general podría concentrarse en la célebre frase “compartir es bueno” de la campaña impulsada por el hacktivista vasco Xabier Barandiaran. En este sentido, podríamos decir que en este tipo de organizaciones el software libre es al cooperativismo lo que el software privativo a la economía privada10.

El software libre propone una ética radical de la igualdad. (…) una ética integral de la igualdad, una ética de cooperación entre iguales, debería ser la base a partir de la que construir política transformadora deseable . 11

La lucha por la deslegitimación activa del neoliberalismo, por la demostración de sus contradicciones internas y la falsedad de los objetivos prometidos, de su generación de catástrofes económicas, sociales, culturales, ecológicas y políticas sólo se convertirá en una auténtica reivindicación de una contra-hegemonía independiente y emancipatoria – que es más que un simple “no” y también mucho más que lo contrario del neoliberalismo – cuando asuma una fuerza material a través de proyectos emancipatorios “por otro mundo” basados en la solidaridad. 12

En busca del ecosistema tropical: política de subjetividades, política de afectos.

Este texto surge a partir de un viaje que realicé en Febrero y Marzo 2012 por Perú, Bolivia, Argentina y Brasil. Desde el 2006 vengo realizando, a través del proyecto Desislaciones 13 , un proceso de investigación, vinculación y difusión de distintos colectivos, organizaciones sociales y agrupaciones que trabajan de forma colaborativa en nuestra región. El proyecto ha sido desarrollado principalmente desde España, país donde residí durante los años 2006 a 2011. Si bien durante estos cinco años, he ido articulando una serie de contactos presenciales y actividades con algunos colectivos o integrantes de ellos, el motivo del viaje surgió por la necesidad de entrar en contacto directo y experimentar de primera mano intercambios subjetivos y diversas formas de organización que venía investigando desde la distancia.

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Desislaciones, como toda nueva red que emerge, desde sus inicios, se creó desde el deseo de abarcar la mayor cantidad de organizaciones posibles, pensarlas como un todo, que estarían dando paso a flujos de información, contactos, encuentros, interacciones y una fuerte movilización de prácticas colaborativas en América Latina. Ahora, con el paso del tiempo, y tomando en cuenta la extensa proliferación de redes en la América Latina actual, considero tarea compleja hacer una visualización o abarcar en una sola plataforma, de forma global, los diversos nodos, hábitats, soportes o redes existentes, por lo tanto, he optado por centrarme y experimentar contextos específicos. A partir de la comprensión de la dificultad de cartografiar y vincular todas las prácticas colaborativas existentes, surgió el proyecto Ecosistema Tropical 2.0, que, como he mencionado, apela a la noción de complejidad existente en el tramado del trabajo en red en Latinoamérica, y que como diría Ricard Solé: da cuenta de un tejido que se asemeja a la arquitectura de la complejidad ecológica.

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(…) muchas aves tienen en sus plumas toda una fauna específica de parásitos que a su vez sostienen toda una biodiversidad de especies que aprovechan este hábitat minúsculo. Esta repetición que nos recuerda a un conjunto de muñecas rusas se debe a la naturaleza fractal de la complejidad ecológica, que presenta estructuras dentro de estructuras, y que genera una jerarquía de sistemas encajados. Citando a Wilson, “en un mundo fractal, todo un ecosistema puede vivir en el plumaje de un pájaro” . 14

Por este motivo, me he propuesto que Ecosistema Tropical 2.0. Arquitecturas del trabajo en red en América Latina sea, más que sólo un texto respecto a las ideas mencionadas, un proceso abierto a desarrollar en conjunto con agentes sociales y culturales de diferentes ciudades del continente, que nos permita experimentar, investigar, recopilar, generar, compartir y exponer diversos aspectos estructurales, sociales y políticos respecto a las redes colaborativas a nivel regional, considerando la complejidad de las múltiples conexiones que existen, los diversos modos de interacción entre los “nodos” y la interdependencia respecto a movimientos sociales que se han generado a escala mundial, entre otros. Durante el proceso, nos hemos propuesto visualizar tramados de redes específicas pequeñas como el de una ciudad por ejemplo, basadas en el cooperativismo, activismo y cultura libre, considerando dentro de esto principalmente organizaciones, colectivos y redes sociales, donde nosotros, las “diferentes especies” inter-dependemos unos de otros como en una gran red mutualista. Todo esto, considerando la naturaleza fractal del trabajo en red en Latinoamérica, propia de la complejidad ecológica de los ecosistemas tropicales. Etapa 1 - Mapa por Héctor Capossiello

La primera etapa del proyecto comenzó en Enero 2012, con una entrevista al hacktivista chileno Héctor Capossiello 15 , creador y administrador de AnilloSur 16, y con la petición, de parte nuestra, que realizara un mapa acerca de su propia comprensión del trabajo colaborativo en Latinoamérica basado en el hackitivismo, donde él ha diagramando mediante un mapa analógico, hecho con lápiz y papel, su comprensión de este “sistema” a partir de su participación activa en movimientos sociales y hackmeetings en diferentes ciudades del mundo, considerando el trabajo en red a nivel latinoamericano como algo indiscutiblemente interdependiente de mo-

vimientos sociales, originados principalmente en España, Italia y Estados Unidos. Etapa 2 - Ecosistema Tropical 2.0. Taller en el CCE de Lima La siguiente etapa se llevó a cabo en Lima, mediante el taller que lleva el mismo nombre del proyecto17. La propia heterogeneidad del grupo de participantes, que tuvo un rol tremendamente activo en el desarrollo del taller, nos permitió tener un acercamiento bastante amplio respecto al contexto social, político y artístico de lo que sucede en la ciudad. De todos modos, reafirmamos la idea de que frente a cualquier ciudad en la cual nos detengamos, para comprender el tramado del trabajo colaborativo, nos encontraremos con la dificultad de cartografiar este tipo de arquitecturas de forma global, debido a su funcionamiento como un tejido vivo, compuesto por células diferenciadas en sus funciones, que respira, muta, y está compuesto por capas y capas de significado. Por estos motivos, decidimos, que la metodología del taller sería exponer sólo de forma general algunos conceptos sobre las redes, presentar diferentes proyectos colaborativos a nivel latinoamericano, pero principalmente realizar, por parte de cada uno de nosotros, “cartografías subjetivas” que explicaran la arquitectura de nuestras propias redes de trabajo, los actores implicados, los tramados que conforman nuestra relación con personas, organizaciones, colectivos e instituciones y los diversos puntos de fuga, nacimiento y muerte de lazos que durante los procesos de trabajo, van dando forma, diluyendo o fortaleciendo nuestras prácticas. Gracias a esto, tuvimos la oportunidad, como lo haría Boaventura de Sousa de Santos, con la “sociología de las ausencias”, de visibilizar experiencias silenciadas por los poderes hegemónicos y las instituciones que se encargan de legitimar ciertas prácticas y construir la historia. También trabajamos sobre el concepto de grafos18 y diagramas de redes, reflexionando sobre esta idea de Ricard Solé: (…) podemos representar el cuadro (nuestro “sistema”) mediante una red que relaciona en el espacio los componentes dispersos. Sin la red, que nos dice quién está en contacto con quién, el sistema carece de sentido.19

Y algunas de las preguntas que propusimos para la construcción de las cartografías subjetivas fueron: ¿Cómo es la “representación psíquica” que cada uno de nosotros tiene de una determinada red? ¿Cómo podemos visualizar una red de una determinada ciudad? ¿Y de un país? ¿Y de un continente como América Latina? ¿Cuáles son nuestros nodos más próximos? ¿Qué tipo de relaciones suceden en la interacción entre los nodos? ¿Actualmente las redes de la globalización reproducen las rutas tradicionales del antiguo colonialismo: demasiado tránsito sur-norte / norte-sur? 20 ¿Es el trabajo en red de América Latina actual equiparable a un ecosistema tropical? ¿De qué forma, a partir de pequeños cambios, podemos desencadenar grandes efectos? Al mismo tiempo, confirmamos el “efecto del mundo pequeño” propuesto por Solé. Ya que por más diferenciadas que estén en Lima las células o esporos, como lo llamaría el proyecto MetaReciglagem21, muchos de los nodos presentes en todas las organizaciones cartografiadas están distanciados entre sí por ninguno o por muy pocos grados de separación. Un aspecto importante que no aparece en las redes aleatorias es la enorme cantidad de triángulos que se dan en las relaciones sociales: mis amigos están conectados conmigo, pero además suelen ser amigos entre sí, luego están conectados a su vez. Los triángulos son por lo tanto parte

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esencial de la trama del mundo pequeño. 22

Independiente de la naturaleza fractal del trabajo en red en nuestra región, su complejidad, heterogeneidad y constante mutación, tuvimos la percepción que de forma colectiva, a partir del deseo de compartir el conocimiento, crear comunidad y teniendo nociones generales acerca de las redes, es posible comprender el funcionamiento de redes locales en tanto sistemas, de manera que podamos acercarnos a las más diversas arquitecturas del trabajo en red en un determinado contexto, sin pensar ya en una comprensión global, sino más bien desde una política de subjetividades, donde cada red como parte de nuestro sistema vivo nos puede dar indicios de interacciones entre nodos, personas y agrupaciones, su crecimiento o evolución y otorgarnos señas respecto a una comprensión histórica de estos tramados.

Entre las participantes del taller en el CCE Lima, estuvo Nerea Hernández Serna, artista española que participa de la organización Zona 3023, espacio gestionado entre Joaquín Goldstein y Christian Luna. Gracias a Nerea, en Lima, también tuvimos la oportunidad de conocer el espacio y compartir con creadores de la ciudad.

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Según como definen el espacio en su propio sitio web, ZONA 30 – es una plataforma de procesos de experimentación y residencia artística. Dentro de un periodo de 15 días de trabajo se instala en el espacio; un work in progress, talleres, conversatorios, capacitación entre otros. Esta experiencia tiene muy claro “el proceso” como eje central del proyecto. ZONA 30 es un espacio de colaboraciones abiertas para toda persona que desee sumarse; artistas, investigadores, activistas, amigos, extranjeros. No importa el área sino la necesidad de investigar. ZONA 30 -no es un espacio de exhibición- es una zona de intercambio de capacidades.

También hicimos una breve visita al espacio Escuelab24, y entre otras cosas, durante el viaje, reforzamos el sentido de la conversación que tuvimos con Pedro Mendizábal en Lima, representante de Creative Commons Perú, respecto a la cultura de la “no queja”, la insurrección constante y la ausencia del deseo de un estado paternalista de parte del pueblo peruano. Etapa 3 - Sucesión de Huaycos en viaje a Cochabamba hacia mARTadero

La siguiente etapa del proyecto no consiguió realizarse, queríamos llegar a Cochabamba a realizar un taller que veníamos organizando desde hace un tiempo con mARTadero25. Agradecemos la buena disposición de Aruma, coordinadora de la residencia Prana de mARTadero, al director de la institución y a todo el equipo de trabajo, por su buena disposición a conectarnos con colectivos y creadores de Cochabamba y a poner a disposición de nosotros su espacio, pero debido a una serie de sucesiones de Huaycos 26 lamentablemente no logramos llegar el día del taller. Independiente de esto, el trayecto Perú-Bolivia, y las extensas horas de espera, nos brindó la posibilidad de acercarnos al contexto social de ambos países y sumergirnos en las realidades sociopolíticas sobre las cuales las propias redes colaborativas están trabajando. Pudimos percibir que a medida que va cambiando el paisaje y todo el tramado de cada contexto, las prácticas también van mutando. Si bien compartimos muchas problemáticas transversales a nivel latinoamericano, la gran mayoría de organizaciones sociales en nuestra región, trabajan sobre problemáticas emergentes en la efervescencia de sus propios contextos.

Desde la lentitud del bus Lima - Arequipa, pudimos ver aquellos “asentamientos hu-

manos” de los que tanto hablamos durante el taller en el CCE Lima, y comprendimos la importancia de todas las cartografías que hicimos, y en particular la existencia de organizaciones como Tusuy Llimpi27, fundada por Sara y la red de trabajo explicada por Oscar del Colectivo “El Colectivo” y el trabajo político que llevan a cabo en algunos de estos asentamientos. Etapa 4 - La Paz, Bolivia - Mujeres Creando La siguiente etapa, transcurrió durante una corta estadía en la ciudad de La Paz, en el espacio La Virgen de los Deseos del colectivo feminista Mujeres Creando, donde fortalecimos la idea de la predominancia, en el trabajo colaborativo en nuestra región, de organizaciones sociales que llevan a cabo el trabajo en red fuera del ciberespacio, ya sea por propia voluntad o bien por dificultades en cuanto al acceso a la tecnología. Los medios de comunicación (radio, televisión y en mayor medida, Internet y la producción de nuevos medios digitales) son causa indirecta de la división sectorial de la población, formando grupos marginados por su imposibilidad de acceso y su desconocimiento. Estas identidades particulares están regidas por valores tribales, étnicos, regionales, nacionales, territoriales, económicos, religiosos y de género; con tendencia a ser expresadas en términos fundamentalistas y en muchas ocasiones hasta de intolerancia, incompatibles o excluyentes. En estos casos, los medios actúan como elemento identificador entre comunidades primitivas y grupos sociales complejos. (…) Es decir, estas comunidades situadas en un territorio de escaso desarrollo tecnocultural aparecen nítidamente en una cartografía de fronteras geográficas: se dibujan zonas desarrolladas respecto a su producción mediática frente a territorios de cultura primitiva por su falta de tecnificación/ mediatización y su reacción contraria al proceso de implementación de las redes de información.28

Mujeres creando, funciona como un foco de resistencia a la tecnificación, utiliza como soporte de sus acciones el espacio público, y hace uso de la tecnología sólo como mecanismo de registro y difusión de sus “ideologías” y actividades. El colectivo, conformado por mujeres activistas de La Paz, además de utilizar la calle como soporte de acción, se organiza y crea en torno a su espacio físico La Virgen de los Deseos. La “Virgen de los Deseos” es una forma de recoger una estrategia que las mujeres hemos tenido a lo largo de la historia, estrategia que ha pasado por la huida de la reclusión y la construcción de un espacio concreto para nosotras.29

Mujeres creando, tal como lo explican en el texto Desafiando a los Movimientos30 de María Galindo, desafían a los propios movimientos sociales a revisar sus dinámicas internas, sus redes de solidaridad inexistentes, sus espacios de reflexión y estudio inexistentes, su obsesión por la consigna y el enfrentamiento como único sentido de existencia. De este modo, optan por trabajar en red con una comunidad de mujeres que viven y trabajan en el espacio, tales como mujeres campesinas, mujeres indígenas, trabajadoras del hogar o mujeres en situación de prostitución. Donde, organizadas de forma cooperativa, llevan a cabo diferentes iniciativas, que, entre otras cosas, incluyen un restaurante, una librería, un alojamiento, un área académica, una radio comunitaria, etc.

Etapa 5 - Buenos Aires. La Flia - La Libre Después de un viaje tan intenso por Perú y Bolivia lo único que quería era sentirme en casa y transformarme en una ameba...y así fue.

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Esta cita de la página 5 de la TAZ resume en parte mi paso por la ciudad.

¿Es que los que vivimos el presente estamos condenados a no experimentar nunca la autonomía, a no habitar ni por un momento un pedazo de tierra libre? ¿Acaso nuestra existencia se reduce a la nostalgia por el pasado o por el futuro? ¿Tendremos que esperar a que el mundo entero sea liberado del control político antes de qué uno sólo de nosotros pueda reivindicar haber conocido la libertad? La lógica y la emoción se alían para condenar tal suposición. Mientras la razón establece que uno no puede luchar por aquello que no conoce, el corazón se rebela frente a un universo tan cruel como para hacer pasar a nuestra generación por tales injusticias. Decir que “no seré libre hasta que la humanidad - o cualquier criatura sensible - lo sea”, es sencillamente, condenarnos a una especie de estupor-nirvana, abdicar de nuestra calidad de humanos, auto-definirnos como perdedores”(...)”un enclave libre” no sólo es posible en nuestro tiempo, sino que ya existe.

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Por más que tenía muchos planes, sobre todo con el colectivo La Vecindá31, de hacer algunas cosas en su espacio, mis pilas venían agotadas, así que decidí vivir Buenos Aires haciendo vida cotidiana. Principalmente, compartí con Darío Semino de la Librería La Libre32 de San Telmo y miembro fundador de la Flia33. Darío me habló acerca de la gran movilización que hay en todo el país y en otros de Latinoamérica sobre la Flia, feria del libro independiente, amiga, autogestionada y varias otras palabras que empiezan con A. Estuvimos leyendo y creando La Taz, intercambiamos algunos libros...dejamos pendiente la construcción de un mapa de La Flia. Etapa 6 - Fiar Bahía 3: ecosistema tropical expandido.

La etapa siguiente, fue una de las principales motivaciones para realizar el viaje por Latinoamérica: el encuentro FIAR Bahía 3, que se llevó a cabo entre el 29 de Febrero y el 3 de Marzo, organizado por Tininha Llanos y José Balbino, fundadores de Casa da Alegría34.

El encuentro, se realizó entre las localidades de San Félix y Cachoeira, poblados del recôncavo bahiano, separadas por el río Paraguazú, unidas por el Puente Imperial Pedro II, que a causa de su ubicación estratégica, son de extrema significancia en la fundación de Brasil, su tradición esclavista y el proceso de independencia de Bahía. En este contexto, tuvimos la oportunidad de compartir y experimentar un proceso de intercambio intenso con colectivos brasileños procedentes de distintas ciudades. Algunos nuevos y otros, con los cuales, mediante los proyectos Desislaciones y Residencia Temporal venimos tejiendo lazos desde el 200735.

El encuentro fue una experiencia incuantificable, en tanto espacio de compartimiento, diálogo, espacio temporal de comunidad y pertenencia, producción de subjetividades y afectos y también por todas las posibilidades de encuentro y colaboración que nos brindó para los días siguientes en Brasil.

En un sentido amplio, el encuentro nos devolvió la consciencia de la importancia de okupar y apropiarnos del espacio público, y experimentar instancias de comunidad, que como diría Raúl Zibechi en su libro “Texto “Autonomías y emancipaciones: América Latina en movimiento36” contiene en sí misma un poder curativo. Experimentamos lo colectivo como una experiencia de desalienación, y vivimos de primera mano, la soltura y cooperativismo presente en la extensa tradición de trabajo colectivo que existe en Brasil.

En las cosmovisiones tradicionales no existe separación entre salud y forma de vida, o sea, comunidad. Por eso “la salud de los individuos en cuanto cuerpos físicos, depende, básicamente de la salud de la comunidad” (Maldonado, 2003). El concepto curativo de la medicina indígena forma parte del concepto curativo de esa sociedad, y se asienta, por un lado, en una tupida red de relaciones sociales de reciprocidad: minga o trabajo comunitario, asambleas y fiestas colectivas: espacios para “liberar armoniosamente el subconsciente, tanto el individual como el colectivo” (Ramón, 1993: 329)37 .

Junto a otros invitados de distintas ciudades de Brasil, como Felipe Brait (Colectivo Frente 3 de Fevereiro), Marcelo Terça Nada (Grupo Poro), Milena Durante (EIA), la artista Patricia Francisco y Cristian Piton (Gia), realizamos una charla donde de parte de Desislaciones expresamos la necesidad de renovar y experimentar nuevas formas de organización política respecto al trabajo en red y la importancia del uso de determinadas herramientas tecnológicas que permitan mayor acercamiento entre los diversos nodos de creación artística/activista en Latinoamérica.

Tal como lo hicimos en Lima, difundimos, como herramientas tecno-políticas, los proyectos N-1 y su nodo latinoamericano AnilloSur38, que ponen a disposición de los usuarios, una serie de herramientas mediante una plataforma de código abierto para el intercambio de contenidos, la organización y acción de grupos sociales y el aprendizaje colectivo. N-1 ha sido creado por Lorea, federación de servidores libres 39, que se define como un “semillero” de redes sociales sobre un campo de experimentación40 . Hablamos de la importancia de que, en la medida en que trabajamos en red, velemos por la seguridad de la información que compartimos o los datos que subimos a una determinada plataforma virtual. En gran medida porque todos los deseos y flujos de información que existen tras nuestro deseo de “comunidad” son y podrían seguir siendo cooptados por el mercado cultural, el mayor depredador dentro de nuestro ecosistema 2.0, y por boicots a la cultura libre y a nuestras prácticas subjetivas, tal como ha sucedido con la reciente ley SOPA41. Herramientas tecno-políticas Nuestra sociedad en red hace cada vez más posible que pequeños cambios desencadenen grandes efectos. Cada uno de nosotros, empleando adecuadamente lo que la red le ofrece, puede participar en la historia y su devenir42.

El trabajo en red requiere de un soporte que albergue su desarrollo; es decir, un medio o hábitat que permita la interacción entre los nodos, el almacenamiento de datos o la generación y compartimiento de servicios en una comunidad. Muchas veces estos medios van variando, determinados por el tipo de relaciones que dan paso a la interacción, su emergencia en tanto red y diversas fugas que dependen de las necesidades de la red y de su evolución. En las redes que funcionan de forma presencial, el hábitat, podría ser algo tan sencillo como un espacio físico. Otras redes combinan espacios virtuales y físicos, mediante actividades, como encuentros, seminarios, etc. y en otros casos, mediante hackspaces43 que integran hacklabs44 o laboratorios hacker, makerspaces or creative spaces o simplemente espacios informales compartidos. Existen diversas herramientas tecno-políticas que nos permiten el trabajo en red, a través de metodologías de trabajo participativo. Una de las acepciones que más acertadas nos

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parecen para explicar tanto estas herramientas como el trabajo colaborativo, es la que propone Transductores45 al explicar el concepto que da nombre a su proyecto. ¿Qué son los transductores? Entendemos como transductores, unos dispositivos que traducen, median y producen nuevas energías, pero sin demarcar su orientación o su valor, sino esperando que el cuerpo donde se inscribe el proceso de transformación se adapte y re-invierta sus capacidades e intereses en multiplicar esta energía…En los movimientos sociales los estilos transductivos además median y negocian los objetivos políticos, determinado que la energías se abran en los diversos modos de actuación y objetivos que se van redescubriendo o añadiendo en el trabajo en red. Estos comportamientos, de aportar cada uno sus capacidades, y construir un modelo de saber en la misma acción, es lo que responde a modos “enactivos”, ya que no sólo nos pone en acción, sino que al mismo tiempo repiensan los modos y trabajos en que esta puesta en acción constituye otras políticas (de trabajo, institucionales, personales y educativas). La enacción es activa, proactiva y reactiva (hace, propone, y rehace en programas contextuales e integrales)46 .

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Respecto a estas cuestiones, durante Fiar 3, tuvimos la oportunidad de profundizar respecto al contexto brasileño con Ricardo Brazileiro47, artista e investigador de arte electrónico invitado al encuentro, que actualmente trabaja en el proyecto laboratório 3ecologias.net donde realiza trabalhos com bio-tecnologia, interatividades e Internet das coisas, en conjunto con Ricardo Ruiz. Ricardo Brazileiro está vinculado a diferentes organizaciones que trabajan con software libre en Brasil y Latinoamérica y participó en el 2011 de LabSurLab Medellín. Por estos motivos, le pedimos, al igual que antes, al hackitivista chileno Héctor Capossiello, que realizara un mapa48 de su visión del trabajo colaborativo/en red de organizaciones sociales y colectivos que trabajan con software libre y tecnologías sociales en Brasil. También, compartimos con muchos otros artistas, entre ellos, WG e Gilsão de Piauí con su proyecto MucambuNuspano que presentaron acciones donde fotografiaron y pintaron sobre camisetas a personas en la feria de Cachoeira. También con las artistas Bianca Portugal, Paula Damasceno y la musa de San Félix y Cachoeira Michelle Mattiuzzi. Festejamos el ecosistema tropical con la participación musical de los maestros de cultura popular Mestre Paulo Romeu, Mestre Paraqueda, Cristiano Figueiró, Mestre Walmir y la Irmandade da Boa Morte. Fiar Bahía 3 fue una experiencia de inmersión en el tramado conformado por colectivos de arte/política brasileños, que nos otorgó una dimensión bastante precisa respecto a las dinámicas del trabajo colaborativo en el país, que sin duda no escapa a aspectos culturales y sociales predominantes en Brasil, tales como la experiencia de la celebración, la fiesta y okupación del espacio público, en tanto experimentación colectiva de insurrección y la práctica del grupo como modelo paleolítico primario y radical, mencionado en la Taz de Hakim Bey en contraposición a la estructura cerrada de la familia como núcleo. La familia queda cerrada, por lo genético, por la posesión machista de la mujer y los niños, y por la jerárquica totalización de la sociedad agrícola-industrial. El grupo en cambio está abierto. No a todos, por supuesto, pero sí a los grupos de afinidad y a los iniciados que se comprometen por lazos amorosos. El grupo no forma parte de ninguna jerarquía superior, sino que constituye un modelo horizontal de relaciones, de lazos de sangre que se extienden, de contratos y alianzas, afinidades espirituales, etc.49

Encaminados por las acciones Samba Gia y Carrinho de Bebê de los colectivos GIA y

Opavivará respectivamente, experimentamos la TAZ como fiesta, en el que toda estructura de autoridad queda disuelta por una alegre convivencia, fruto de la propia celebración. Lo mismo sucedió en un viaje en barco que realizamos por el Rio Paraguaçú, una experiencia liberadora de pertenencia, viaje colectivo y comunidad.50

A pesar de que todas las acciones que realizamos en el espacio público siempre fueron integradoras y de ninguna forma agresiva con el medio, respecto a la experiencia en San Félix y Cachoeira, pudimos también percibir, que Brasil continúa siendo un contexto en el cual podemos ver considerables divisiones sectoriales, donde los medios actúan como elemento identificador entre comunidades primitivas y grupos sociales complejos. Por un lado, tenemos el Brasil ultra tecnologizado, con la existencia de un gran movimiento en torno al software libre, la existencia de infinitas cibercomunidades y grupos de personas especializadas, tanto en desarrollo intelectual, político y tecnológico, pero por otro, tenemos el Brasil marcado por inmensas divisiones presentes en el seno de lo social, respecto al acceso al conocimiento, diferencias socioeconómicas considerables, grupos marginados respecto a aspectos étnicos, religiosos, tradicionales e inclusive, por muy lejos que pueda llegar el mito, del anti racismo en Brasil, respecto al color de piel de las personas. Este último aspecto trabajado por parte del colectivo Frente 3 de Fevereiro51, también participante del encuentro. Etapa 7 – Salvador de Bahía – Compartiendo con OPA! + Gia Después de FIAR 3, junto a Felipe Brait y Michelle Mattiuzzi, tuvimos el honor de compartir, en una Residencia Temporal52, en casa de Dalila Pinheiro, con los Colectivos OPAVIVARÁ! + GIA durante una experiencia de intercambio que llevarían a cabo ambos colectivos durante una semana, que llamaron proceso de RESIDÊNCIA PROCESSUAL COLABORATIVA NA CIDADE DE SALVADOR, BAHIA. En este link http://medemotivosopagia.blogspot. com podemos ver el proceso de trabajo que llevaron a cabo ambos colectivos. Guiados por ellos recorrimos bastante la ciudad, entramos a espacios en desuso, estuvimos charlando acerca de las diferencias en cuanto a prácticas de okupación de España y Brasil, donde en este último país son escasos los espacios okupados que arrancan de la marginalidad, y que se conforman como organizaciones autónomas en contra de la especulación inmobiliaria y la construcción de otras formas de gestión colaborativa de espacios de vivienda o como centros sociales. Respecto a esto, ahondamos en una entrevista que realizamos durante nuestra estancia en Bahía a Pedro Victor Brandã53 integrante de Opavivará!, quien realizó un mapeo de su visión de distintas problemáticas de Río de Janeiro, principalmente respecto al control social, ciertos procesos de gentrificación y transformaciones permanentes que vive la ciudad y de cómo, a partir de la toma de consciencia de estas transformaciones, se ha ido vinculando a diferentes organizaciones activistas de confrontación al poder. Nos contó acerca del grupo “In.sur.rei.ção” del cual hace parte y su trabajo en conjunto al activista español Pablo Soto y la activista italiana Laura Burocco. Ahondó en la importancia del encuentro Fiar, como una instancia que traslada dinámicas de redes virtuales a un espacio de encuentros presenciales. Como una ofensiva al control social en nuestras ciudades, como estrategia irónica de insurrección al problema de la falta de espacios de recreación y libertad, a la ciudad cooptada por el capital, la gentrificación y la especulación inmobiliaria y como festividad colectiva, parti-

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cipamos de la intervención “Descascando o abacaxi54”, organizada por OPA! y GIA, que junto a Felipe Brait nombramos como una acción de “errorismo tropical55”. En una deriva desde el barrio de Santo Antônio hasta la Rótula do Abacaxi56, en un clima distendido, de celebración y TAZ, junto al carrinho de bebê do OPAVIVARÁ! y el carrinho SambaGia, estuvimos bailando, cantando, bebiendo, comiendo, compartiendo con los vagabundos y haciendo del deseo de estar juntos, la solidaridad social y la pertenencia algo vivo y real. Etapa 8 – Sao Paulo – Contradicciones, marginalidad, grupos sociales complejos. Después de Bahía, Desisla continuó el viaje hacia Sao Paulo, con una Residencia Temporal57 en casa de nuestro máximo cómplice desislador, artista y activista de Sao Paulo, Felipe Brait, con quien venimos generando fuertes lazos afectivos y profesionales desde 2008, a causa de dos residencias temporales que ha realizado en casa de Rosa Apablaza en Barcelona58 y una serie de intercambios que hemos ido generando a lo largo del tiempo.

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Paseando junto a Felipe por la ciudad, tuvimos un encuentro casual con Flavia Vivacqua articuladora de la red Corocoletivo59. Como todo era emergencia, logramos que Flavia nos diera una entrevista60. La conversación con Flavia fue crucial para tomar consciencia de ciertas ideas respecto a la excesiva proliferación de redes colaborativas que emergen en la América Latina actual, algo que veníamos desarrollando desde el comienzo del viaje por Latinoamérica. Flavia, con su amplia trayectoria en diversos colectivos de arte, organizaciones sociales y trabajo en red, nos aclaró estas ideas que hemos mencionado anteriormente: toda red que emerge, joven y voraz, comienza con el deseo de abarcar a las prácticas colaborativas como un todo, pero, tanto Flavia como nosotros, con el paso del tiempo, nos hemos ido dando cuenta que a partir de la heterogeneidad de las prácticas colaborativas existe una dificultad de pensarlas de forma global. Y que la importancia en tanto, activistas de la red y la vida, no es componer una construcción reticular global de Latinoamérica, sino afianzar espacios tanto virtuales como presenciales de “calidad”. Corocoletivo, conformada por personas y grupos heterogéneos de todo el país, que, utilizando como herramienta de comunicación una simple lista de correo mediante un YahooGroup, en cierta medida, desdibuja los límites entre las múltiples identidades regidas por valores étnicos y los grupos sociales complejos. En este sentido, Corocoletivo rescata y amplia el significado social de la política mediante la “politización de la vida cotidiana, de las relaciones sociales y de las formas de trabajo y coexistencia. Corocoletivo es también un propio ecosistema tropical, estructuras, dentro de estructuras.61 Como miembros del YahooGroup62 desde 2008, hemos podido constatar que en medio de esta red circula, se intercambia y genera, el más heterogéneo flujo de información, que va desde convocatorias y subvenciones de arte, luchas socio-ambientales, discusiones filosóficas, éticas, estéticas, compartimiento de información sobre software y cultura libre, promoción de actividades culturales, intercambio de productos y servicios, textos, revistas impresas y virtuales sobre cultura, diálogos sobre ecología, sustentabilidad, permacultura, luchas activistas en defensa de los animales, luchas por la dignidad de los pueblos indígenas de Brasil o en contra del racismo, luchas por los derechos de otras sexualidades, videos; sobre ecología, filosofía, teoría política, intervenciones en espacios públicos, encuentros, etc. apoyo a movimientos sociales, ofertas de trabajo relacionadas con arte, cultura, pedagogía o informática, difusión de cineclubs, iniciativas barriales, vecinales, actividades e iniciativas de colectivos, información sobre redes, comunidades

afro-brasileñas, o sobre grupos de defensa de víctimas de luchas armadas que suceden al interior de Brasil, y un largo etcétera. En Sao Paulo, Rosa Apablaza, con la ayuda de Felipe Brait, en un acto de desapego, decidió concretar la intervención “Abandono de equipaje”, que venía siendo planeada desde el comienzo del viaje: abandonar parte de su equipaje por las diferentes ciudades que iría pasando. En casa de Dalila Pinheiro en Bahía, todos quienes estuvieron en Residencia Temporal, colaboraron en la intervención de un pijama que no llegó a ser abandonado. Pero en Sao Paulo, frente a la Okupa Martins Fontes del Bairro Republica, se concretó la acción con el abandono de un short negro intervenido, comprado un año antes en la tienda Leftie´s de Barcelona. Desisla en Sampa! Charla en espacio Tranzmidia El 15 de Marzo, en Sao Paulo, la plataforma Desislaciones, representada por Felipe Brait y Rosa Apablaza, realizó una charla informal sobre los proyectos Ecosistema Tropical 2.0 y Fiar Bahía 3, en el espacio Tranzmidia, coordinado por Pedro Paulo Rocha y Daniel González Xavier63. Aquí, tuvimos la oportunidad de compartir y dialogar de forma distendida con diferentes artistas de la ciudad, como los propios coordinadores del espacio, además de Paloma Kliss, Felipe Ribeiro, Fabi Mitsue, Edu Zal, Adega, Juliana Dorneles y Ana. Durante el encuentro, en su devenir TAZ/celebración, nuevamente surgió la idea de utilizar plataformas virtuales que nos permitan organizarnos para llevar a cabo proyectos colaborativos, que al mismo tiempo velen por la confidencialidad de nuestros intercambios. Dialogamos sobre las nociones que cada uno tiene de conceptos como revolución, insurrección, utopía. Todos coincidimos en el deseo de reforzar lazos entre creadores brasileños y de otros países latinoamericanos y de la importancia de trasladar los espacios virtuales a espacios reales de convergencia, producción de subjetividades, afectos y construcción de comunidad. Etapa 9 – Río de Janeiro - descenso El sábado 17 de Marzo, junto con Felipe Brait emprendimos un viaje hacia Río, donde fuimos recibidos en una Residencia Temporal en el atelier de Carola de Opavivará! Pedro Brandão, nos fue a buscar al terminal y al llegar al atelier hicimos un pequeño ritual64 por América Latina. Breve conclusión Procesando las múltiples experiencias del viaje, ya estando en Chile, algunas conclusiones que surgieron fueron: pensar el trabajo colaborativo/en red en nuestra región como un ecosistema tropical complejo significa comprender que al interior de cada contexto las estructuras dentro de estructuras están fuertemente diferenciadas por aspectos sectoriales existentes en cada país. Y que sin bien nos atraviesan problemáticas transversales, a partir de estas divisiones podemos establecer múltiples categorías y sub-categorías de organizaciones que trabajan en red, respecto a las políticas, poéticas, necesidades y estrategias de cooperativismo en que están basadas. Tras el trabajo colaborativo/en red, existen nuevos deseos y formas de experimentar aquello que nuestros indígenas siempre han practicado: el trabajo en comunidad como una instancia que contiene en sí mismo un poder curativo y como práctica de desalienación.

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[1]Frase extraída del Libro “La [16]https://anillosur.cc comunidad como pretexto”. Varios Autores. [17]Taller Ecosistema Tropical 2.0. (Pág. 11). Arquitecturas del trabajo en red en [2]Libro “La comunidad como pretexto”. América Latina. Del 6 al 8 de Febrero 2012 en el CCE Lima, Centro Cultural de Varios Autores. (Pág. 11). [3]Cada uno de los conceptos que están España en Lima. Residencia Temporal de separados por comas, corresponden a la Rosa Apablaza en casa de Felipe del Águila. forma en que se autodefinen distintas www.ecosistematropical .wordpress.com

redes que existen actualmente en América [18]Un grafo es una representación abstracta de un sistema cualquiera, Latina, por eso están en cursiva. [4]Redes Complejas. Del genoma a en el que los elementos del sistema o “nodos” se relacionan entre sí mediante internet. Ricard Solé. (Pág. 109) conexiones que indican la presencia de [5]Félix Guattari y Suely Rolnik. una interacción . Micropolítica. Cartograf ías del Deseo. Primera edición 2006, Traficantes de [19]Redes Complejas. Del genoma a internet. Ricard Solé. (Pág. 25) Sueños. http://traficantes.net

[6]Félix Guattari y Suely Rolnik. [20]Gustavo Díaz Terranova. Texto “Los Micropolítica. Cartograf ías del Deseo. nuevos mercados como patota cognitiva Primera edición 2006, Traficantes de ¿Son las redes la expresión más acabada del mercado que vendrá?” Revista Ramona Sueños. http://traficantes.net Nº 68. (Pág 50) www.ramona.org.ar [7]Repensar la política. En la era de los movimientos y de las redes. Colectivo [21]http://rede.metareciclagem.org [22]Libro Redes Complejas. Del genoma a Política en Red. (Pág. 10) internet. Ricard Solé. (Pág. 40) [8]Rolnik Suely, Geopolíticas del Rufián . Revista Ramoma nº 67.

[9]www.transductores.net

[23]http://zona30-peru.blogspot.com [24]www.escuelab.org

[10]Jornadas de Cultura Libre / CSOA [25]http://martadero.org La Huelga, Sevilla. Junio 2010. http:// [26]Un huayco o huaico (del quechua estrecho.indymedia.org/culturalibre wayqu «quebrada»), también lloclla [11]Repensar la política. En la era (quechua: lluqlla, «aluvión», ), es una de los movimientos y las redes.Colectivo violenta inundación de aluvión donde Política en red. Capítulo 1. Principios y gran cantidad de material del terreno de desaf íos. Principios para reinventar la las laderas es desprendido y arrastrado por el agua vertiente abajo hasta el fondo de los organización política. (pág. 17 y 18) [12]Bria, Micha. Repensar la política. valles, causando enormes sepultamientos a En la era de los movimientos y las redes. su paso. (Fuente: Wikipedia)

Colectivo Política en red. Capítulo 1. [27]www.tusuyllimpi .blogspot.com Principios y desaf íos. Principios para [28]Contreras, Fernando R . RE(D) reivnetar la organización política.(Pág. UNIDOS. Cultura, innovación y 20) comunicación . (Pág. 11 y 12) Antropos Editorial . Colección Huellas. [13]www.desislaciones.net [14]Redes Complejas. Del genoma a Comunicación y Periodismo. [29]¿Qué es la Virgen de los Deseos? Por [15]La entrevista y construcción del mapa María Galindo. www.mujerescreando.org pueden ser vistos en www.desislaciones.net [30]www.mujerescreando.org internet. Ricard Solé. (Pág. 109)

temporal . Pág. 15. [32]www.lalibrearteylibros.wordpress. Colección Nómada#1. [50]Idem com [31]www.fotolog.com/lavecindaonliMe

Editorial

Anagal .

[51]http://www.frente3defevereiro.com.br

[33]http://www.flia.org.ar

[52]www.residenciatemporal .blogspot. [35]Ver colectivos participantes en www. com [53]La entrevista puede ser vista en www. fiarbahia.wordpress.com [36]Zibechi , Raúl . Texto “Autonomías desislaciones.net [34]http://tininhallanos.wordpress.com

y emancipaciones: América Latina [54]Las fotos de la acción han sido tomadas en movimiento”. Fondo editorial de la del blog http://medemotivosopagia.blogspot. Facultad de Ciencias Sociales. Universidad com Nacional Mayor de San Marcos. Lima, [55]En honor a la internacional errorista. Perú. 2007 www.elinterpretador.net/22E tcetera-

[37]Zibechi , Raúl . Texto “Autonomías Errorismo.html y emancipaciones: América Latina [56]Rotonda de la palmera. Este espacio en movimiento”. Fondo editorial de la fue escogido por los colectivos como símbolo Facultad de Ciencias Sociales. Universidad de un absurdo en la arquitectura de la Nacional Mayor de San Marcos. Lima, ciudad: la rotonda está llena de palmeras Perú. 2007 (Pág. 39) que no pueden seguir creciendo porque [38]https://anillosur.cc

sobre ellas se ha construido un puente de [39]Información aportada por Capo, una gran autopista. Héctor Capossiello (Chile), hacker, [57]http://www.residenciatemporal . mediactivista y parte del grupo de blogspot.com administradores de N-1 y AnilloSur. [58]Ver más sobre la experiencia de [40]https://n-1.cc

Felipe

Brait

en

Barcelona

[41]http://es.wikipedia.org/wiki/Stop_ residenciatemporal .blogspot.com Online_Piracy_Act [59]http://corocoletivo.org [42]Redes Complejas. internet. Ricard Solé.

Del

genoma

en

www.

a [60]Ver entrevista en www.desislaciones. net

[43]https://en .wikipedia .org/wiki/ [61]Repensar la política. En La era de los Hackerspace movimientos y las redes. Colectivo Política [44]http://es.wikipedia.org/wiki/Hacklab en red. (Pág. 19) [45]www.transductores.net

[62]corocoletivo@yahoogrupos.com.br

Daniel González Xavier, [46]SOBRE PEDAGOGÍAS EN RED: [63]Con Algunas rutas posibles para las PRÁCTICAS Desislaciones, viene tejiendo lazos desde el COLABORATIVAS Y EL TRABAJO EN RED 2008, en experiencias tales como: Avlab 1.0 www.transductores.net/?q=es/content/ en Medialab Prado Madrid (2008), Avlab sobre-pedagog%C3%AD-en-red-algunas- Sao Paulo #5: Tecnologías Sociales, Arte rutas-posibles-para-las-pr%C3%A1cticas- Colaborativo e intervención urbana (2010) y su publicación periódica de textos en colaborativas-y-el-trabajo-e www.desislaciones.net/textos desde 2011. [47]http://rbrazileiro.info [64]Imágenes del ritual pueden ser vistas [48]Ver video de la creación del mapa en www.residenciatemporal .blogspot.com en www.ecosistematropical .wordpress.com [49]Hakim Bey, T.A.Z, Zona autónoma


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