Entrevista GIA na muito

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REVISTA SEMANAL DO JORNAL A TARDE. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE

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O futuro das cartomantes A classe da camisa pólo

Coletivo baiano faz intervenções no cotidiano e redefine conceitos estéticos

É ARTE?

DOMINGO, 18 DE MAIO DE 2008

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ÍNDICE

18.5.2008

MODA Clássica e elegante, a camisa pólo, CAPA GIA, coletivo baiano de interferência FUTURO Veja quem são as cartomantes criada na década de 30, nunca sai de moda

ambiental, desprograma a cidade e a arte

que se propagam nos postes

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REJANE CARNEIRO | AG. A TARDE

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ABRE ASPAS

A mobilizadora social Eleonora Ramos fala sobre a mídia e o caso Isabella Nardoni

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SATÉLITE

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Bar Salve Jorge, em São Paulo, tem boa comida, bom chope, em ambiente charmoso

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ARQUIVO GIA

ATALHO

Restaurante abre espaço para clientela usar a cozinha com a ajuda do chef

FUNDADO EM 15/10/1912 FUNDADOR ERNESTO SIMÕES FILHO PRESIDENTE REGINA SIMÕES DE MELLO LEITÃO SUPERINTENDENTE RENATO SIMÕES DIRETOR-GERAL EDIVALDO M. BOAVENTURA EDITOR-CHEFE FLORISVALDO MATTOS EDITORA-COORDENADORA NADJA VLADI EDITORA (INTERINA) KATHERINE FUNKE EDITORES DE ARTE PIERRE THEMOTHEO E IANSÃ NEGRÃO EDITOR DE FOTOGRAFIA CARLOS CASAES DESIGNER ANA CLÉLIA REBOUÇAS. FALE COM A REDAÇÃO WWW.ATARDE.COM.BR/MUITO E-MAIL: REVISTAMUITO@GRUPOATARDE.COM.BR, 71 3340-8800 (CENTRAL) / 71 3340-8990 (ALÔ REDAÇÃO) CLASSIFICADOS POPULARES 71 3533-0855 / ATARDE@ATARDE.COM.BR / WWW.ATARDE.COM.BR VENDAS DE ASSINATURAS BAHIA E SERGIPE (71) 3533-0850 REPRESENTANTE PARA TODO O PAÍS PEREIRA DE SOUZA E CIA. LTDA. / RIO DE JANEIRO 21 2544 3070 / SÃO PAULO 11 3259 6111 PROPRIEDADE DA EMPRESA EDITORA A TARDE / SEDE: RUA PROF. MILTON CAYRES DE BRITO, Nº 204 - CAMINHO DAS ÁRVORES, CEP 41822-900 - SALVADOR - BA. REDAÇÃO: (71) 3340-8800, PABX: (71) 3340-8500. FAX: (71) 3340-8712/8713. PUBLICIDADE: (71) 3340-8757/8731. FAX 3340-8710. CIRCULAÇÃO: (71) 3340-8612. FAX 3340-8732. REPRESENTANTES COMERCIAIS / SÃO PAULO (SP) RUA ARAÚJO, 70, 7º ANDAR, CEP 01200-020. (11) 3259-6111/6532. FAX (11) 3237-2079 ARACAJU (SE) RV PROPAGANDA E COMUNICAÇÃO LTDA. RUA T2, Nº 148, BAIRRO FAROLÂNDIA, CONJUNTO AUGUSTO FRANCO, CEP: 49030-220. (79) 3248-4259 BRASÍLIA(DF) SCS, QD. 1, ED. CENTRAL, SALAS 1001 E 1008 CEP 70304-900. (61) 3226-0543/1343 A TARDE É ASSOCIADA À SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA (SIP), AO INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO (IVC) E É MEMBRO FUNDADOR DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS (ANJ) IMPRESSÃO QUEBECOR WORLD RECIFE LTDA

JOÃO ALVAREZ | AG. A TARDE

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FÁBIO LAGO

Após sucesso em Tropa de Elite, ator baiano se prepara para encenar Hamlet

Os seis integrantes do GIA durante montagem do trabalho na capela do MAM-BA, em foto de Rejane Carneiro


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m 1917, quando projetou sobre um urinol o status de arte, o artista franco-americano Marcel Duchamp iniciava mudanças importantes neste conceito. No Brasil, na década de 1960, artistas como Lygia Clark e Hélio Oiticica propunham trabalhos que solicitavam a participação do público — Oiticica com o seu Parangolé, Clark com sua série Bicho. Noventa e um anos após Duchamp, ainda causa estranheza no público que coletivos contemporâneos como o GIA (Grupo de Interferência Ambiental) façam mesmo "arte". A repórter Katherine Funke mostra que, ao levar o ambiente onde programa suas ações para a Capela do MAM-BA, o GIA amplifica a proposta do início do século passado e atualiza o movimento dos anos 60, em que o processo é mais importante do que o produto final. Isso é arte? Como o grupo diz, não se faz mais essa pergunta. Nadja Vladi, editora-coordenadora.


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REJANE CARNEIRO | AG. A TARDE

ARQUIVO GIA

IRACEMA CHEQUER | AG. A TARDE

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CÂMERA OCULTA Assista aos vídeos

BATE PAPO Confira entrevista exclusiva

MAKING OF Veja as fotos da produção

das intervenções provocadas pelo GIA nos espaços urbanos

com o ator baiano Fábio Lago sobre sua trajetória profissional

do ensaio de moda que aconteceu na hípica, em Patamares

COMENTÁRIOS

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_Novos temas

Como assinante e anunciante deste jornal, recebo com muita satisfação a revista Muito, trazendo informações importantes do que acontece em nossa querida cidade, assuntos que muita gente não toma conhecimento do que a revista traz aos domingos a todos nós. Histórias dos casarões do Carmo, a dedicação da educadora Vera Lazarotto, a trajetória do vendedor de picolé e hoje grande empresário Carlinhos Brown, as gerações dos Cravos, Cecília Amado e tantos outros. Gostaria de passar para apreciação a possibilidade de uma matéria com o professor Mota, homem de 81 anos e que há 30 comanda o grupo Madruga Da Barra. Roque Cordeiro

_Vá de bike 1

Achei satisfatória a reportagem sobre duas rodas. Importante salientar que Salvador é uma capital em que o incentivo para andar de bicicleta não existe. Em 1997, pedalei de Salvador até o Rio de Janeiro com um amigo; em 2004, pedalei de Salvador até

JOÃO ALVAREZ | AG. A TARDE

_Vá de bike 2

Excelente revista. Venho acompanhando desde o primeiro número e só tenho que dar os parabéns pela qualidade. Em especial, para a reportagem Vá de bike!, onde pude ter conhecimento da história de Rubens Pinheiro, agora não mais um herói esquecido... pelo menos, não por mim . Maria do Carmo Vianna

_Úrsula

Bicicleta: alternativa contra o trânsito

Ilhéus. Dessa vez fui sozinho. Percebi que é possível vencer grandes distâncias em uma bike. Viajar de bicicleta é uma modalidade admirada por muitos, mas praticada por poucos. Fico imaginando se nossos governantes buscassem incentivar a prática do ciclismo, com certeza nosso trânsito seria outro. José Novais

As fashionistas que acompanham a Muito não vão precisar esperar para viajar para comprar as roupas da estilista Úrsula Félix. Elas estão com exclusividade em Salvador na Loja Galpão de Estilo. Bianca Passos

_Erramos

A equipe Ana Import se sente honrada pela citação de alguns dos nossos vinhos na reportagem Jovens e leves. Porém, houve erros na nomeação e no preço das garrafas de Tuniche Gran Reserva Syrah (R$35) e Lagar de Bezana Aluvión (R$76) . Carol Magalhães


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Arquiteta de jóias As possibilidades de transformação da matéria em função da construção de algo é o que interessa à designer de jóias Mercedes West, 29. Baiana, formada em arquitetura pela Ufba, foi a paixão, o casamento com o músico Luiz Brasil, que a fez mudar para o Rio de Janeiro. A cidade recebeu bem seu talento para desenhar jóias. Ouro, prata e pedras brutas são os elementos usados por ela para criar peças contemporâneas e casuais, que podem ser usadas tanto para ir a um casamento quanto ao supermercado. A preferência pela pedra bruta está relacionada ao sentimento de surpresa que nutre em cada criação. Mercedes não gosta de lidar com a lapidada por já ser transformada. “A bruta determina o que vai ser feito dela”, diz. Após cinco anos nesse segmento, tem estreitado contatos com outros joalheiros. No ano passado, esteve na Alemanha, onde passou quatro semanas nas oficinas de doisjoalheirosbadalados,MichaelDobele Karin Demmler. Isso intensificou sua preocupação com a estética. No ateliê, em sua casa, no bairro das Laranjeiras, a arquiteta de jóias produz peças baseadas no desenho de uma pessoa usando anel, pulseira, colar, brinco ou broche. Há anéis que são móveis e ajustáveis. As pulseiras e os colares possuem fechos tão delicados que parecem, na verdade, mais um detalhe charmoso da peça. A singularidade do design de Mercedes está neste modo inusitado de vestir suas jóias.

Texto MÁRCIA FERREIRA LUZ mluz@grupoatarde.com.br

Foto IRACEMA CHEQUER ichequer@grupoatarde.com.br

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BIO MERCEDES WEST

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ABRE ASPAS ELEONORA RAMOS MOBILIZADORA SOCIAL

A guardiã da

inocência Texto KATHERINE FUNKE kfunke@grupoatarde.com.br Fotos REJANE CARNEIRO rcarneiro@grupoatarde.com.br

Se você vir algum cartaz da campanha de combate à violência sexual contra crianças, saiba que a idéia partiu da sergipana Eleonora Ramos, 62, radicada em Salvador há 20 anos. Depois de conhecer a história de Araceli Crespo, estuprada e assassinada aos oito anos de idade em Vitória (ES), em 1973, Eleonora pensou em transformar a data do crime, 18 de maio, em dia nacional de incentivo a denúncias de casos semelhantes. Bacharela em Direito e jornalista, ela teve a idéia formatada em projeto no Centro de Defesa dos Direitos da Criança Yves de Roussan (Cedeca-BA), uma organização não-governamental voltada a lutar por justiça nos crimes contra a infância. Em 2000, o projeto virou lei federal e, desde então, campanhas anuais têm sido feitas em todo o País. Mãe de dois filhos, com dois netos, Eleonora não parou por aí. Em 2004, fundou um movimento social, o Projeto Proteger, que hoje faz parte da rede Não Bata, Eduque e integra a rede internacional de enfrentamento à violência doméstica contra crianças. Nesta entrevista, Eleonora conta como funciona o Proteger, fala sobre prevenção da violência contra crianças e analisa o comportamento da mídia na cobertura do assassinato de Isabella Nardoni.


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cuidados necessários para a criança, como alimentação, escola, médico, remédio e os cuidados para prevenir riscos de acidente. A criança não ir à escola – matricular e não freqüentar – é um tipo de negligência dos pais. O poço aberto, a vela acesa, o gás ao alcance... E tem que se levar muito em consideração se a família tem de fato a condição de prover os cuidados. De repente, você chega e vê criança subnutrida, morrendo de fome, porque não tem comida, o pai não pode ser responsabilizado por negligência. É uma violência, mas não é intencional. O índice é tão alto porque não se trata de agredir, de tentar eliminar a criança, mas de se omitir e sair fora. Então os casos são muito maiores e mais numerosos.

Você faz parte de uma rede que denuncia que crianças sofrem violência no mundo inteiro. Sempre foi assim? Sempre. Mas, nos dias de hoje, a permissividade, a impunidade e a deformação dos valores tornam mais visível e mais extremo esse tipo de aberração comportamental. Onde as sociedades e as leis estão mais avançadas? Os países exemplares são do Primeiro Mundo. A Suécia criminalizou a punição corporal em 1975. Fizeram uma consulta popular e promulgaram uma lei proibindo qualquer tipo de punição física nas crianças, em qualquer espaço, fosse na escola, fosse em casa. Só 25% da população era a favor da lei. Há dois anos, refizeram a consulta e não só não ocorre praticamente nenhum caso, como só 7% da população é contra a lei. É um processo lento. Durou, num país como esse, civilizado, quase 30 anos. Hoje, os abrigos lá não têm mais esse tipo de clientela; ou são órfãos ou os pais têm algum tipo de doença mental. Já aqui no Brasil, 90% das meninas e meninos que estão nos abrigos foram vítimas de violência física, psicológica ou sexual, e de negligência. A negligência dos pais, com 41%, lidera o rol dos tipos de violência doméstica praticados no Brasil, seguida de perto pela violência física e, em terceiro lugar, pela psicológica. Em último lugar, com 11%, está a violência sexual. Os dados são do Laboratório de Estudos da Criança (Lacri) da Universidade de São Paulo (USP). O que significam? Negligência é deixar de prover os

ENSINANDO A EDUCAR Com o objetivo de proteger crianças da violência doméstica, Eleonora cria e distribui cartilhas para pais [no alto] e profissionais que trabalham diretamente com crianças [acima]

Como perceber que a criança está sofrendo algum tipo de violência? É muito arriscado fazer aquela listinha de sintomas, como: está agressiva, não quer estudar. Acho que a pessoa ligada na criança, seja a mãe — que é figura fundamental da história — ou quem cuida, quem está próximo, como uma avó, uma professora, poderá perceber que alguma coisa não vai bem. A criança revela tudo muito facilmente. Não tem como dissimular, não tenta esconder ou mascarar um sentimento. Acontece que existe muita desatenção às crianças por parte de todos. Da família e da instituição de ensino. Seja pública, seja privada, a escola está lá com seus problemas, com aquele monte de alunos, e não pára para olhar cada uma detidamente. E a família, então, é o que se sabe: são as crianças que não deveriam ter


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nascido. Os pais têm quinhentas outras prioridades e preocupações para resolver. Se o filho está lá guardado, dentro de casa, alimentado e indo para a escola, o pai está achando que cumpriu com o seu papel. Esse contexto contribui para o fato de só 10% dos casos serem oficialmente registrados, como revela a pesquisa do Laboratório da Criança, da USP? Contribui. Com a violência sexual, o problema é que é complicado desarmar todo aquele esquema familiar em que acontece uma coisa dessas. Tenta-se tomar soluções paliativas com as crianças ou retiram-nas da família — o que, no fundo, as revitimizam. As conseqüências ficam todas para ela. Esses 10% que informam as estatísticas são casos graves, extremos. Como funciona o trabalho do Projeto Proteger? Trabalhamos diretamente com professores, conselheiros tutelares, assistentes sociais, psicólogos, no sentido de tentar alterar a cultura de que bater é educar e valorizar a criança, que é um ser em formação e precisa ser preservado. Mesmo crianças atendidas, bem-alimentadas, no contexto familiar costumam ser tratadas como propriedades da família. Quando se começa a ouvi-las como pessoas, elas já estão grandes, adolescentes; e aí, então, são elas que se impõem. A gente não educa a criança falando “não faça isso, faça aquilo”. Um bom exemplo vale mais do que todas essas palavras, mas os exemplos não acontecem. A relação adulto-criança é muito calcada na

«Vinte anos atrás, houve uma manchete famosa, no Jornal do Brasil, ‘Menor assalta criança’. E na matéria se dizia que o menor tinha 12 anos, e a criança também» prepotência, como naquele ditado: “Faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. É algo assim: “Você é criança; então eu que mando porque a casa é minha”. Por que você defende o projeto de lei que quer pôr fim às agressões físicas, como, por exemplo, as palmadas? O que mudaria com mais uma lei? Uma lei não alteraria imediatamente o comportamento das pessoas, mas ele não vai mudar se não tiver uma lei que reprima. Na vida prática, a lei responsabilizaria os pais por agressão física. Eles teriam de responder a um processo. Agora, a intenção não é prender os pais que dêem uma palmada, é eliminar a palmada, como já fizeram 22 países do mundo. Em 2007, leis como essas começaram a vigorar no Uruguai e na Venezuela. Mas, no Brasil, o projeto está engavetado. Na mesma época do caso Isabella, o Brasil enfrentava a epidemia de dengue e passava pela CPI dos Cartões Corporativos. Mas a maioria queria mesmo era saber da menina. O que isso revela a respeito da sociedade contemporânea? Mostra uma insegurança no nosso relacionamento. A classe média ficou apavorada: um episódio desse jogado na cara da gente, sem expli-

cação; é um mistério. Acho que não vai haver, tão cedo, um caso em que se envolvam de tal maneira a mídia e a sociedade como esse. Mas, 15 dias antes, estava a menina de Goiânia torturada por uma mulher. Achava que nada poderia ser pior do que ver uma criatura torturando uma criança, sem motivo. No dia seguinte, vê-se um pai atirando a filha pela janela. Isabella Nardoni era neta de um advogado tributarista, morava na zona norte paulistana, seus pais são da classe média. Se tivesse sido uma menina pobre, a imprensa teria dado tanta atenção? Não. Quem forma a opinião é a imprensa, e a imprensa é a classe média. Aquele pai que estava no supermercado é igual a todos os pais que estavam lá também. E poderia ser qualquer mãe, ou qualquer madrasta. Hoje, a maioria das crianças tem a segunda esposa do pai. E isso é normalíssimo. Aquela criança é igual às crianças do prédio que a gente mora, da escola que o nosso filho estuda. Então, parece muito perto, e isso nos confunde com esses personagens. Nós não nos sentimos confundidos com [faz voz grave e rouca] um abusador, um estuprador, um pai violento da favela, negro, pobre, alcoolizado. Pelos regis-


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Também jornalista, Eleonora acha que a imprensa agiu de acordo com o desejo popular ao culpar Alexandre Nardoni

tros que existem, que não são oficiais, são acadêmicos, e correspondem a apenas 10% de todos os casos e representam a parcela dos realmente mais graves — trabalhamos sempre com as estatísticas do Laboratório da Criança, da Universidade de São Paulo—, sabemos que é raríssimo se observar violência fatal na classe média. As seqüelas graves, as agressões que deixam marcas para o resto da vida, também só ocorrem nas classes D e E. No que chamamos de classe média e alta, existe a cultura de que bater na criança é educar. Assim, o caso da Isabella não só é uma exceção a essa regra, como possui requintes inimagináveis. Com ele, toda a infância foi prejudicada, porque como é que chega ao ouvido das crianças que um pai jo-

gou a filha pela janela? Dá nó na cabeça das crianças, confunde. Reportagens sobre o impacto do caso e da sua cobertura sobre as crianças começaram a surgir 15 dias após o crime. Foi a hora certa de os jornalistas se preocuparem com isso? Não. A cobertura, em nenhum momento, está se preocupando com as crianças que estão em frente aos telejornais. Esse é um papel da família e da escola, que não aconteceu, na maioria dos casos: retirar a criança da frente da televisão ou ter alguma explicação plausível, algum tipo de esclarecimento, de conversa, que pudesse minimizar esse impacto. Sei que houve criança que falou: “Mãe, se eu desobedecer de novo, você vai me jogar pela

janela?”. Sei que houve mãe que começou a ficar com medo de deixar o filho passar o fim de semana com a namorada do pai, quer dizer, situações que não eram cogitadas não só pelas crianças, mas também pelos adultos. Então, psicologicamente, os meios de comunicação agiram de forma violenta no caso? Sabe, eu não consigo culpar muito a mídia. No caso Madeleine, por exemplo, os pais foram acusados também. Pediram retratação pública, e o jornal inglês Daily Express pagou 700 mil euros de multa. No rádio, na televisão e nos jornais, houve um momento em que estavam estampadas as fotos daquele pai, daquela mãe e daqueles irmãozinhos


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Poucos dias depois da morte da menina, o jornalista Clóvis Rossi (Folha de S. Paulo) analisou a cobertura e alertou: “Leviandade é crime”. Você acha que os jornalistas brasileiros foram levianos ao prejulgar o casal? Em tese, prejulgar é leviandade, pois existe o princípio universal de que se é inocente até que se prove o contrário. Só que não se pode minimizar a capacidade das pessoas nem de se indignar, nem de concluir. Prova disso é que a delegada, no relatório final do inquérito, saiu da frieza técnica repetida há anos e se permitiu emoções em considerações fortes. Por que é que nós, que estamos do lado de cá, assistindo, por que é que a mídia não pode concluir e botar para fora, também, essa indignação? Em tese, é leviano, sim, mas eu não condeno. Você faria parte dos 71% dos entrevistados da pesquisa de opinião do Sensus/CNI, realizada em abril, que consideraram que a cobertura do caso estava sendo feita “adequadamente, com competência e eficiência”?

« A tolerância com a violência física a banalizou. Para chocar precisa ser um caso Isabella » Concordo. Mas também vi no Blog do Noblat uma enquete sobre o caso em que, somando-se tudo, a avaliação foi que a maior parte da cobertura está sendo péssima. Nesse caso, as empresas de comunicação articularam uma cobertura jornalística semelhante à dos grandes eventos esportivos e cinematográficos. Isso interfere na própria investigação policial e condução judicial do caso? Acho que interfere muito pouco. O risco é se eles forem ao Tribunal do Júri, pois, daqueles sete jurados, um deles pode ter estado na frente do prédio, gritando “assassinos” com uma pedra na mão. No Brasil, a principal fonte para os jornalistas em reportagens sobre violência contra crianças ainda é a polícia, segundo monitoração feita pela Agência Nacional de Direitos da Infância (Andi). Que isso significa? É um reflexo da má-formação de profissionais, do desconhecimento da legislação e de preconceitos que não são vencidos, principalmente em relação ao adolescente infrator. O Estatuto da Criança e do Adolescente vai fazer 18 anos. Vinte anos atrás, houve uma manchete famosa, no Jornal do Brasil: “Menor as-

salta criança”. E na matéria se dizia que o menor tinha 12 anos, e a criança também. É um caso clássico. Mesmo com o inquérito sob sigilo, a polícia forneceu à imprensa cópias de laudos e entrevistas. Nesse caso, a polícia agiu com ética, na sua opinião? São 60 testemunhas nesse inquérito e acho que a atitude de frieza desse casal chamava a atenção. Todas as pessoas, a imprensa, os vizinhos e a polícia olhavam para a cara deles e achavam que eram os culpados. Mas é certo julgar alguém “olhando para a cara”? Não. Mas a gente não tem a obrigação de ter a formação de um psiquiatra, um psicanalista, de olhar e perceber a diferença entre aquele pai e um outro, que perdeu o filho soterrado depois de uma enchente. Nos mesmos noticiários daqueles dias, apareceu a matéria sobre esse caso, com a chegada dos bombeiros e o homem, desesperado, querendo abrir a terra com as mãos para salvar o filho. Com câmera ou sem câmera, aquele homem estava desesperado. O pai de Isabella nem tocou no corpo da filha. Se você vir uma criança do seu vizinho que caiu de algum andar, você liga para ambulância ou grita: “Chame uma ambulância, um médico”. Se é seu filho, você ficaria olhando como quem olha um cachorro atropelado? A TARDE publicou um artigo meu sobre isso uma semana depois do crime e também o chamei de assassino. Chamei mesmo. Não vou mentir. «

» BASTIDORES DA ENTREVISTA EM WWW.ATARDE.COM.BR/MUITO

como suspeitos de ter matado, enterrado ou sumido com o corpo da filha. É a mesma coisa aqui. O apelo popular do caso Isabella foi muito grande. Vi coberturas televisivas em que simplesmente se repetiam a mesma frase e a mesma imagem, indefinidamente, horas a fio. Muitos televisores estavam ligados esperando que alguma coisa acontecesse, que alguém jogasse uma pedra, que acontecesse algo com o casal. Virou uma novela e as pessoas querem saber o final dessa história.


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1 Camisa p贸lo Lacoste R$ 179 2 Bermuda de algod茫o Lacoste R$ 179

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MODA CAMISAS PÓLO

Jogo de

cavaleiros Fotos REJANE CARNEIRO rcarneiro@grupoatarde.com.br Produção e estilo MARINA NOVELLI mnovelli@grupoatarde.com.br

Elegância e descontração nem sempre são elementos simples de combinar. Em termos de vestuário masculino, o sportwear – moda inspirada e com referências em uniformes esportivos – é um dos acessos à sofisticação sem caretice: cores fortes, logotipos e letreiros que fazem das camisetas itens indispensáveis no guarda-roupa dos homens. Em 1933, o mito do tênis René Lacoste fundou, com André Gillier, dono da maior companhia francesa de malhas da época, uma marca de camisetas pólo com o logotipo que registrou como emblema nas quadras do mundo. Era a primeira vez que um logotipo saía da etiqueta de dentro da roupa para o peito de quem a usava, tão visível como a própria camiseta – de tecido fresco, o 'jersey de piquê miúdo'. Os esportistas deram adeus às mangas longas, e a Lacoste se tornou uma das grifes mais famosas do mundo. Neste ensaio, aparecem camisetas de cortes e cores clássicas, além da paleta da nova coleção de inverno: com rosas e verdes vibrantes.


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1 Camiseta p贸lo Lacoste cl谩ssica R$ 179

2 Camiseta p贸lo Lacoste R$ 179

3 Camiseta p贸lo Lacoste com listras R$ 209


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Paixão argentina Ao lado da Lacoste, figura uma marca argentina que saiu dos campos de Polo, o esporte, para as vitrines do mundo. Com consultoria e prestígio entre jogadores internacionais, o desenho das roupas da La Martina conquistou a FIP – Federação Internacional de Pólo – e são usadas agora em todos os torneios internacionais. Ainda muito mais ligadas ao esporte do que a Lacoste hoje em dia, as camisas portenhas são vendidas exclusivamente em Madri, Saint Tropez, Puerto Banus, Megev, Deauville, Porto Cervo, Cerdeña, Sylt, Mykonos, Zurique. É a marca argentina de maior projeção internacional. Lando Simonetti, criador, começou os trabalhos sem produto nem fábrica. Deu-se conta que não era preciso ter produtos para gerar marcas e começou a prestar serviços, em 1985, vendendo as primeiras camisetas de pólo que havia feito para amigos e conhecidos. As camisas La Martina e Lacoste foram fotografadas no Centro Hípico Vanguarda, em Patamares. «

1 Camiseta La Martina de algodão modelo pólo clássica R$ 180 2 Bermuda de algodão Lacoste R$ 179 3 Camiseta La Martina modelo Seleção da Espanha R$ 365

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» MUITO MAIS FOTOS EM WWW.ATARDE.COM.BR/MUITO 1 Camiseta La Martina modelo Seleção Argentina R$ 325 2 Camiseta La Martina R$ 190

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AGRADECIMENTOS: Ao modelo Lucas Santos e ao Modelo Lucas Corrêia, cedido pela agência Bi Produções (Rua Afonso Celso, Boulevard Barra 38, Barra – 71 3264-7979 | www.biproducoes. com.br); ao Centro Hípico Vanguarda e à assistência de Ana Cristina; Max Haack Studio Hair (Rua Rio de Janeiro, 291, Pituba – 71 3240-2573); Lacoste (Shopping Iguatemi, 3º piso, Shopping Barra, 2º piso); Bilbao (Salvador Shopping, 2º piso - 33310314 e Av. Sabino Silva, 492, Jardim Apipema 3491-0358) MAQUIAGEM E CABELO: Deco Marques (Max Haack Studio Hair)


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O coletivo GIA faz interferências no espaço público e cria trabalho efêmero, capaz de desprogramar o cotidiano

é arte Confirmado,

Textos KATHERINE FUNKE kfunke@grupoatarde.com.br Fotos REJANE CARNEIRO rcarneiro@grupoatarde.com.br Colaboração TATIANA MENDONÇA tmendonca@grupoatarde.com.br


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GIA: Everton, Tiago, Pedro, Ludmila, Cristiano e Mark, na montagem do QG no MAM


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sso aí é arte?", questiona um visitante da Capela do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), ao ver um vídeo que mostra pessoas dormindo ao léu, numa cama confortável em plena Praça da Piedade, em Salvador, ou na Avenida Paulista,emSãoPaulo.Emmeioamesasdetotó,redes,esteiras, fogão,computadores,DVDplayer,toca-discoseumaestante de livros, aparece Mark Dayves, 27, um dos seis integrantes do Grupo de Interferência Ambiental (GIA). Comaspectodesgrenhado,ojovemtemtatuagensnosdoisombros e um honesto mau humor para questionamentos desse tipo sobre arte. "Nem se faz mais essa pergunta, está fora de moda". Mesmo assim, a questão ainda surge para quem conhece as interferências do GIA, grupo formado também por Cristiano Piton, Everton Marco, Ludmila Brito, Pedro Marighella e Tiago Ribeiro, cujo quartel-general, o QG, funciona na Ladeira dos Aflitos. Arte ou não, o fato é que o GIA tem ocupado bem seus espaços. Em fevereiro deste ano, esteve na programação paralela da Feira de Arte Contemporânea de Madri (Espanha), a Arco, a mais importante do mundo. Eles montaram um local para as pessoas ficarem à vontade. “Era um ambiente de convivência, como se a gente estivesse mesmo mostrando a nossa casa”, explica Everton. O convite veio de Solange Farkas, uma das curadoras do evento e diretora do MAM-BA. O GIA participou da mostra paralela com outros seis coletivos brasileiros. “As pessoas ficaram surpresas porque, geralmente, você vai a um evento para ver um objeto, uma obra e, ali, a proposta era aberta. Nosso produto era o processo do nosso trabalho”, conta Everton. Assim, o ambiente criado pelo grupo para a Arco e para a capela do MAM, aparentemente desprovido de pretensões artísticas, reproduz a atmosfera criativa do QG dos Aflitos, onde o coletivo planeja suas "obras". Montada desde quarta-feira passada até o próximo domingo, a instalação nasceu a convite de Farkas. Ela quis que o coletivo repetisse, por aqui, o sucesso da experiência espanhola. "Suas intervençõesviabilizamaproduçãodetrabalhoscomuns,esuaapropriação aumenta o alcance de ferramentas poéticas e afetivas de relação com a cidade e seu entorno", diz. Quando estavam na Espanha, Pedro e Mark aproveitaram para ir à Alemanha, apresentar o trabalho do grupo. O resultado do flerte será a participação no Nam June Paik Award, que acontece em setembro. “A proposta inicial é que a gente vá antes da mostra parapoderobservarocotidianonaAlemanha,e,apartirdaí,poder de fato intervir naquela realidade”, adiantam. Para um dos nomes mais importantes da arte contemporânea brasileira, o pernam-

bucano Paulo Bruscky, o que o GIA faz é experimentar o espaço público trazendo à tonaaefemeridadedaarte.Estaremummuseu não anula essa espontaneidade. "Só limita a arte de quem já é acomodado às quatro paredes. Para quem não é, trata-se de um processo natural, uma fase do trabalho", avalia Bruscky.

CONSPIRAÇÃO

ARCO Na Feira de Arte Contemporânea de Madri (Espanha), a Arco, em fevereiro, o GIA montou um simulacro do seu próprio QG, um local que se tornou um espaço de convivência, proporcionando a troca de experiências. Na página ao lado, foto da instalação

O quartel-general, tão presente no trabalho do grupo, é fundamental para a idealização dos projetos. É nesse tipo de lugar, com mobiliário reduzido ao essencial, que se pode conversar e conspirar em paz e segurança. Trata-se de uma espécie de zona autônoma, onde os integrantes bolam as ações de intervenção urbana. Foi no QG que surgiu a idéia de Balões Vermelhos : consiste em soprar balões de festa, prender neles recados como "Siga sem pensar" e "Boa viagem" e depois abandoná-los ao vento, às dezenas, do alto de qualquer prédio de uma avenida movimentada de Salvador. Também nasceu o projeto A Cama , no qual um dos integrantes dorme até o amanhecer na rua, em uma cama com colchão, cobertor, travesseiro e lençóis limpos. Outra idéia foi carimbar saquinhos de pipoca com frases supostamente inocentes do tipo "Coma milho, evite trigo" e distribuí-los gratuitamente para pipoqueiros. Realizador de operações poéticas ambientais desde o final dos anos 60, Bruscky acredita que as "interferências ambientais" do GIA fazem do coletivo "um dos mais importantes neste Brasil". Bruscky faz parte do conjunto de artistas (Hélio Oiticica, Lygia Clark, Cildo Meirelles), pensadores (Merleau-Ponty , Deleuze e Guatarri) e movimentos como Internacional Situacionista, Zona Autônoma Temporária (mais na página 28) que compõe o


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quadro de referências do GIA. A tudo isso, o coletivo baiano, criado em 2002, soma a criatividade subversiva dos seus integrantes. O resultado são as ações que, segundo eles, nem todo mundo entende. Exemplo: os seguranças de uma galeria de arte na rua Carlos Gomes barraram os integrantes do GIA só porque estavam todos de chinelo. O recado era claro. Sem sapatos, sem acesso. Foi o bastante para que Cristiano Piton, 29, criasse a intervenção Os Sapatos Descartáveis. Com os pés revestidosdepapelão(achadonolixopróximo), o grupo tentou novamente entrar na galeria, mas não conseguiu. Ocorreram acalorados protestos sociais entre outros visitantes da mostra. Final da história: Piton conta que o GIA teve de ir embora depois de ver a cor de um revólver e ouvir a frase: "Vocês estão me irritando". Mas nem sempre o que eles fazem termina em confusão. "Temos a preocupação de não sermos agressivos", esclarece Tiago Ribeiro, 29. Na maioria das vezes, o coletivo faz intervenções poéticas.

INACABADOS Os únicos registros das interferências são fotos e vídeos que, como em Balões Vermelhos, captam a hora exata em que alguém pegou um balão, leu o papel amarrado nele, olhou para o alto e reduziu o ritmo das passadas, talvez remoendo a mensagem "Siga sem pensar". Gravadas com câmeras escondidas, as operações não possuem autorização da prefeitura ou qualquer autoridade. A ação clandestina e silenciosa do grupo, entretanto, é só o estopim da "obra de arte". A finalização cabe aos transeuntes — pedestres, motoristas, lixeiros, policiais, mendigos. O que eles fizerem com o balão, a cama ou o saco de pipoca importa mais do que os próprios objetos.

« O percurso do GIA até aqui é mais uma das tentativas contemporâneas de retomada do espaço público e da arte» Alejandra Muñoz, professora da Ufba

SITUACIONISTAS Segundo a professora e arquiteta Paola Berenstein Jacques, em seu livro Apologia da Deriva (Casa da Palavra), a Internacional Situacionista é um grupo de artistas, pensadores e ativistas que lutava contra a espetacularização nos anos 60. Para eles, o antídoto contra o espetáculo é a participação ativa dos indivíduos em todos os campos da vida social. O interesse pelo meio urbano estava em provocar formas de intervenção e luta contra a monotonia da vida cotidiana. ZONA AUTÔNOMA TEMPORÁRIA (TAZ) Ocupação ou criação de áreas clandestinas para propósitos ativistas ou poéticos. O conceito surgiu no final dos anos 90 com o livro TAZ - Zona Autônoma temporária (Conrad), assinado por Hakim Bey

ParaoGIA,serveatéquandoignoramasaçõeseastratamcomo se fossem banais. Tiago explica que, no mínimo, passar pelas intervençõessempercebê-lasdenunciaopadrãocontemporâneode condicionamento do olhar: "Fazemos coisas que vão tirar o sossego das pessoas; gostamos de pegá-las de surpresa".

EFÊMERO “Entre dois nadas... o GIA” é o sugestivo título que a professora AlejandraMuñoz,daEscoladeBelasArtesdaUfba,deuaumartigo sobre o coletivo. “Sartre diz que o homem atual está no meio de dois nadas: a vida e a morte. Recentemente, ouvi de alguém uma lúcida paráfrase dessa reflexão, que o artista contemporâneo está entre dois vazios: o do espaço público e o da arte atual. O percurso do GIA até aqui é mais uma das tentativas contemporâneas de retomada do espaço público e da arte. Em Salvador, entre dois nadas, as ações do GIA mostram um caminho pertinente de resistência à mesmice e ao tédio”, escreveu. Para a professora, as propostas do grupo revelam um entendimento da arte como uma “entidade subjetiva, fragmentária, aberta e instável”, encurtando a distância entre arte e cotidiano, com provocação e ironia. A estética do grupo reside na surpresa que provoca no outro. "Na ação A Cama, no Campo Grande, um homem passou de carro uma vez; deu a volta na quadra, passou devagar e viu de novo. Não acreditou, estacionou e ficou um tempão parado, só olhando", conta Everton. A mesma ação, no Farol da Barra, fez com que uma moradoradobairroemplenocoopermatinalparasseparaindagar ao dorminhoco: "O que é isso? Um protesto do homeless"? A palavra em inglês para a expressão “sem-teto” foi mesmo usada por ela, garante Tiago, que ri: "Não sei por que, as mulheres percebem nossas ações mais do que os homens". Embora pareça bastante divertido pregar essas peças nas pessoas, é por meio delas que as câmeras escondidas captam, ao vivo,


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FOTOS ARQUIVO GIA

CAMA Ação do GIA na Avenida Paulista chama atenção para o cotidiano dos invisíveis moradores de rua

PIPOCAS Saquinhos recebem carimbos com mensagens ativistas e são distribuídos de graça

BALÕES VERMELHOS Jogados do alto de um prédio, as bolas provocam: “Siga sem pensar”

NÃO-PROPAGANDA Faixas vazias protestam contra imposição de anúncios publicitários


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FOTOS REPRODUÇÃO

QUANDO A “ARTE” DEIXOU DE SER “ARTE”

FONTE (1917) MARCEL DUCHAMP Ready-made. Apropriação de objetos para dar um conceito de arte

UMA E TRÊS CADEIRAS (1965) JOSEPH KOSUTH Quadro descreve uma cadeira

KONSTANTINOS IGNATIADIS | DIVULGAÇÃO

BICHO (1960) LYGIA CLARK Obra interativa para ser manipulada pelo público, o co-autor da obra

os aspectos mais tristes da sociedade contemporânea. "Com A Cama, chamamos a atenção para a realidade gritante das pessoas que dormem todas as noites nas ruas e que ninguém as vê. Ou, se vê, entra por um olho e sai pelo outro", diz Mark. Para a mestra em artes visuais pela Universidade Federal de Minas Gerais Brígida Campbell, que pesquisa práticas artísticas no espaço público, o interessante dessas ações é que elas acontecem na rua e se diluem na vida, sem o rótulo de ser ou não arte.“Eissonosdáoutraspossibilidadesde perceber os espaços urbanos, faz com que a gente lide de outra forma com o nosso cotidiano”. A pesquisadora elogia o bom-humor que está presente nas intervenções do GIA. “As ações são sempre alto-astral, apesar de trazerem questões políticas embutidas”, avalia. Nas ruas, esse comportamento gera reações de todos os tipos. As mais ativas até agora — com direito a interações espontâneas e até xingamentos — aconteceram sempre em Salvador, segundo Ludmila Brito, 27. Para Everton, esse resultado pode ser explicado por uma questão cultural. “Aqui as pessoas se doam mais, participam. Outro dia, uma senhora me pediu uma informação no ponto de ônibus, respondi e, a partir daí, ela me contou a vida toda, ficou falando do marido... Em São Paulo, é outra realidade. As pessoas estão mais focadas; o lugar é mais frio, parece que olham e não vêem”.

CRIAR VERDADES

POEMA-BANDEIRA (1969) HÉLIO OITICICA Homenagem ao bandido Cara de cavalo

O coletivo gosta de pregar peças, e isso inclui brincar com a mentira. Tal como a história de que o GIA teria sido selecionado, em 2005, para o 11º Salão do MAM — um dos mais importantes salões de artes visuais do Brasil, e que provoca insônia e vaidadesentreosconcorrentes.Naverdade,o

coletivo se inscreveu, mas não foi selecionado. "Vimos a lista sem nosso nome. Mas falamos para todo mundo que entramos, chamamos os nossos amigos", revela Mark. E, do não-nome no rol dos contemplados, o GIA fez a sua primeira "exposição oficial" no museu. Sem autorização, montou uma fila diante de um quadro de outro artista. O trabalho, ali, era A Fila, teste do condicionamento dos bons modos civilizados. "Oquadroeralargoeaspessoaspoderiam ver de fora da fila, de um lado ou do outro. Mas, como sempre acontece, todo mundo entrou nela", divertem-se. A Fila teria sido tão grande que até ganhou prêmio do Salão. Mentira: era só o que divulgava o cartaz, feito pelo próprio GIA e pendurado na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (Ufba), onde todos os integrantes estudaram. A confissão é de Mark: "Compramos hidrocor e fizemos um cartaz igualzinho ao que se faz lá para parabenizar por prêmios". As mentiras acabaram repercutindo na realidade. Em 2006, o coletivo foi um dos 30 selecionados para a mostra Fiat Brasil e embolsou R$ 12 mil pela participação. E, em fevereiro deste ano, reproduziu o seu QG na mostra paralela da Arco.

TROCAS "Essas mostras são uma outra etapa do nosso trabalho. Nelas, queremos compartilhar o que já fizemos, construir pensamentos e conhecer outras pessoas", explica Tiago. Nas mostras, eles têm conhecido pessoalmente integrantes de outros coletivos, como Poro (MG), Bijari (SP) e Opivivará (RJ). Neste compartilhamento, os integrantes do GIA também distribuem panfletos que ensinam a recriar interferências. Essa avidez pelo encontro e pela troca causa o


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MARK DAYVES Idade: 27. Onde mora: Santo Antônio Além do Carmo. Do que vive: ganha mesada da mãe

LUDMILA BRITO Idade: 27. Onde mora: Rio Vermelho. Do que vive: ensina arte em escola particular

TIAGO RIBEIRO Idade: 29. Onde mora: Santo Antônio Além do Carmo. Do que vive: criar idéias em um estúdio

PEDRO MARIGUELLA Idade: 28. Onde mora: Barra. Do que vive: trabalha em estúdio de criação

CRISTIANO PITON Idade: 29. Onde mora: Pernambués. Do que vive: dá aulas e é microempresário EVERTON MARCO Idade: 27. Onde mora: Graça. Do que vive: do salário por queimar neurônios em um estúdio de criação


surgimento de uma rede de "autoria diluída". Nas duas edições do Salão de Maio, realizadas em 2004 e 2005, o coletivo convocou operadores poéticos ambientais de todo o País. Quando estes não podiam estar presentes, realizava por eles a interferência proposta. A meta dos salões era incentivar a produção de arte utilizando os espaços urbanos como meio para “desprogramar a realidade cotidiana”. Em pleno processo criativo, no MAM, o GIAdescobriuumaformade"compartilhar tecnologias". Ensinou para moradores da Gamboa, comunidade localizada no entorno do museu, o que acabara de aprender com outra pessoa: a fabricação de caia-

QG DO GIA Até 25 de maio. Exposição de vídeos das interferências feitas durante a mostra: 24 e 25/5. Local: Capela do MAM (Av. Contorno) Horário: 13h às 19h (terça a domingo); 13h às 21h (sábado)

ques de garrafa PET, interferência batizada de Os Flutuadores. Objetivo final da oficina: dar aos vizinhos do museu a possibilidade de pescar e se divertir no mar. O GIA herda esta forma de atuar do Programa de Interferência Ambiental (PIA), um programa de artes visuais do Circuito Universitário de Cultura e Arte (CUCA), da União Nacional dos Estudantes (UNE), criado em 2001. O coletivo nasceu após um evento do PIA em São Paulo. A sensibilidade nas relações com gente de carne-e-osso de Salvador parece ter algo a ver com o arquétipo de baianidade. Mas os integrantes juram que tudo é natural. E dizem que pouco se importam em encaixar suas ações na categoria de arte. "O que fazemos está mais ligado a reduzir distanciamentos", arrisca Cristiano. No final das contas, a melhor definição pode ser a criada por Everton durante a venda, na Praça da Sé, de DVDs com os vídeos das interferências, em resposta a um transeunte: “É uma galera nova, massa, que faz umas coisas bem legais". «

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Apelando de Buda ao orixá mais próximo, conheça as cartomantes que espalham seus telefones pelas ruas de Salvador

Teu futuro é

duvidoso EQUER | IRACEMA CH

Z

oraiamoraemumcondomíniofechado,numacasade dois andares, com piscina. Seu telefone está nos postes, nos classificados de jornal, em panfletos distribuídos pelas ruas. Quem acredita liga para resolver problemas de saúde, de trabalho, para ter de volta a pessoa amada ou apenas para pedir conselhos. A escada leva à sala com a proteção de Buda e Shiva. Mesmo assim vem o medo de que, no meio da entrevista, como em cena de novela, saia uma voz desconhecida de dentro da cartomante. E, então, seria preciso abandonar o profissionalismo e sair correndo dali o mais rápido possível. Ela chega interrompendo devaneios. Não usa batom vermelho, colares, nem ostenta muitos anéis. Vem apressada e simples como quem está terminando de lavar a louça. Entrando no lugar onde Zoraia Souza, 30, vira a mulher que vê passado, presente e futuro, o pensamento é um só: descobrir, afinal de contas, o que existe por trás dos estereótipos. A sala onde ela atende é pequena e quente. Nas paredes vermelhas estão pendurados quadros de signos do zodíaco, que combinam com os astros estilizados na toalha da mesa. Pelo chão, imagens de Iemanjá, Preto Velho, Jesus Cristo e, de novo, Buda e Shiva. As cartas ficam ao lado de uma pequena bola de cristal, rodeada por guias dos Filhos de Gandhy. A mesma profusão está no “consultório espiritual” de Virgínia Mediúnica, 28. Ela pede para ser apresentada com seu sobrenome místico. Conta que, desde os sete anos, percebeu que era diferente porque via coisas que ainda não tinham

AG. A TA RDE

Textos TATIANA MENDONÇA tmendonca@grupoatarde.com.br e CARLA BITTENCOURT cbittencourt@grupoatarde.com.br


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acontecido. Cresceu ouvindo os pedidos dos colegas e da família para que jogasse as cartas. "É uma missão", diz. Aos 20 anos, resolveu transformar o dom em trabalho e, desde então, vive de adivinhar o futuro. E as clientes querem saber o que é que Virgínia está vendo: são entre três e cinco por dia. É quarta-feira, dia de Iansã, e ela veste vermelho na roupa e nas unhas das mãos e dos pés. O baralho está à espreita no sofá da mesma cor. Olhando tímida para o chão, mas com a voz firme e doce, Virgínia diz que quem joga as cartas é uma cigana que se apossa dela. Dandara – “idade perto de 40” – também tem suas ciganas. Para entrar em casa, é preciso pisar antes em um tapete ondeselêapalavra“prosperidade“.Espelhos de lua e estrela dividem espaço com um enorme Buda. A figa de madeira no canto direito parece justificar o que está escrito no tapete: toda proteção é bem-vinda para quem prosperou. Ela chega arrumada, de salto alto e perfume marcante. A entrevista seria no quarto do santo, explica, mas a funcionária que guarda as chaves não está. À beira da piscina e em tom de paciente confidência, ela conta que herdou o dom da tia e da mãe. Aos sete anos, começou a ver o que para os outros era invisível. “Via coisas boas e coisas ruins. Cheguei a prever a morte de uma prima, o que veio a me chocar muito". Sósossegouquandolheexplicaramque o nome daquela estranheza não era loucura, era mediunidade. A descendência cigana dos avós turcos foi definitiva: aos nove anos, Dandara já lia o baralho da mãe. “E eu sempre acertava, viu?“. Já são 30 anos de carta. Tudo parece servir de referência para essas mulheres: catolicismo, umbanda, candomblé, astrologia, espiritismo, cultura ci-

«Acredito em tudo, não desfaço de nada, respeito e admiro. Cada um tem seu modo de cultuar as coisas» Celi, cartomante REJANE CARNEIRO | AG. A TARDE


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REJANE CARNEIRO | AG. A TARDE

gana, indiana, budista. Quando não está à vista, nas salas de consulta, vem no discurso. Celi, 59, tem fé em muitas coisas, e atende em um espaço simples. Iemanjá poderosa num canto, Ogum de ronda e Omolu em cima da mesa. "Tem gente que acha a sala vazia, mas eu não preciso encher para parecer verdadeira". Resume religiosidade no ato de ”ajudar o outro“. “Acredito em tudo, não desfaço de nada, respeito e admiro. Cada um tem seu modo de cultuar as coisas. Às vezes, até um anjo pode estar te dando algum aviso“. Mais do que o conhecimento das cartas, para todas elas o que vale é o dom que a pessoa carrega. O jogo que já foi estudado pelo psicanalista suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), que viu nos arquétipos do tarô uma porta para promover autoconhecimento, está ali como instrumento para espiar o futuro. Zoraia, que também joga búzios e runas,dizqueésemprefranca,mesmoquando o porvir não é muito favorável. "A verdade, mesmo doendo, tem que ser dita".

e a levou ao centro espírita. “Eles disseram que eu deveria ajudar as pessoas”. Virou cartomante aos 15 anos. "No início, a gente foge, demora a entender o que está acontecendo, mas depois aceita". Celi era pequena quando via a mãe jogar um baralho especial, presente dos índios de Alagoas. Ela conta que ficava perto daquelas cartas pintadas à mão, e de repenteviaodestino.Poucoantesdemorrer, a mãe lhe passou segredos. Nada que se encontre em livros ou possa ser dito a qualquer um. Há nove anos, quando se aposentou como professora, Celi resolveu trabalhar com a vidência. O baralho ainda é o mesmo. "Ah, isso tem mais de 50 anos. Se duvidar, é mais velho do que eu".

SÓ O AMOR

A MISSÃO Virgínia conta que a vidência está com ela o tempo inteiro. Até quando vai ao shopping escolher a cor de uma roupa. "Nunca erro. Até a morte do meu marido, eu previ. Falei pra uma cliente que ela ia perder o emprego, e perdeu. Aí fiz um negocinho e em 48 horas estava empregada de novo. Mas isso de trazer o amado em três dias não existe. Quem influencia é a lua, é o momento da pessoa, é Deus. Teve um homem mesmo que apareceu aqui e eu falei: 'Você não passa de janeiro'. Não deu outra. Meu dom é muito forte. Ainda tenho medo de mim". Zoraia também diz ter nascido com o “dom da mediunidade”. Desde cedo, a mãe percebeu que a menina era diferente,

Dandara, que joga cartas desde os 7 anos, diz que o “dom” vem de família

«Nunca erro. Até a morte do meu marido, previ. Meu dom é muito forte » Virgínia Mediúnica

Em uma palavra, Virgínia resume o motivo que atrai a maioria dos seus clientes: "Homem", ri. “São mulheres que vêm procurando união amorosa. Mas é o que eu digo sempre: não se pode forçar ninguém a amar outra pessoa". Já os problemas de saúde e trabalho são mais fáceis de resolver. "Agora isso de ficar rico não existe. Tem é que trabalhar. Santo não faz ninguém ganhar na loteria". Se fosse assim, lógico, ela estaria rica e não teria que cobrar R$ 40 por consulta. "Quando a pessoa vem da Itália, é estrangeira, eu cobro mais. Uns 50 euros. Dá pra viver mais ou menos. Não sou de luxo". Dandara cobra R$ 20 para ler as cartas e R$ 30 se o cliente quiser acrescentar o jogo de runas e búzios. Pelos ”trabalhos“, ela acerta os valores com cada cliente. Há quem fique tão satisfeito que agradece com presentes caros. "Já ganhei jóias, perfumes, até um carro". Mas não é isso que sustenta a sua prosperidade. A maior renda da casa vem do marido, empresário. A consulta de Zoraia custa R$ 20 e dura,


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em média 20 minutos. "É um trabalho totalmente espiritual, não preciso do dinheiro". Ela conta que tudo que ganha é transformado em cestas básicas, que vão para instituições de caridade. "Já ajudei até pessoas em Guiné Bissau, na África". A cartomante faz questão de frisar que seus trabalhos são voltados para o bem, para a luz. São correntes de oração e velas ‘preparadas’. Pelos trabalhos, ela diz não cobrar a mão-de-obra, embora o material que use tenha um preço. Os fregueses de Celi, de políticos a empregadas domésticas, pagam, igualmente, R$ 10 pela consulta. Ficar rica com leitura de carta não está nos planos da devota de irmã Dulce, que tem a escrava Anastácia como se fosse santa. "Meu carro ainda é um Fiat de dez anos atrás", conta. E de pensar que vai gente atrás dessas cartas só para atrapalhar a vida alheia. Dandarajáperdeuascontasdequantasvezes recebeu gente que chega dizendo que quer ”matar fulano, cegar, aleijar”. “Eu digo que não faço isso e sabe o que eles respondem? ‘Se a senhora não fizer tem quem faça‘. Aí a consulta acaba”. Em casos assim, Celi recolhe-se na seguinte filosofia: "Quem planta veneno colhe veneno. Quem planta açúcar, colhe açúcar". Não que seja possível alterar o destino, mas o mistério está justamente aí. “O que Deus manda a gente não muda, mas tem como se livrar das artes diabólicas”, assegura. Tudo se resume à fé, e quem tem fé se consulta até por telefone. Celi conta que ouve o que o cliente tem a dizer, faz suas anotações, desliga, mentaliza, joga as cartas e o resultado sai do mesmo jeito. Ou, nas palavras de Virgínia: “É, minha filha, a pessoa que é vidente vê do além. Não tem nada a ver com o fato de eu estar te olhando agora". «

Em busca da origem do Tarô A história do surgimento do tarô é mística e controversa. Egípicios, chineses, árabes, ciganos e judeus concorrem lendariamente pela criação do jogo de cartas de adivinhação. Os primeiros registros datam do final do século XVI, na Europa. Uma crença diz que essas cartas foram feitas por sábios de alguma civilização passada. Prevendo um ciclo de decadência espiritual dos homens, eles idealizaram um sistema de imagens para preservar seu conhecimento. Os homens entrariam numa tal fase de distração que nada melhor do que a própria desatenção para preservar e transmitir a sabedoria acumulada. Entre os estudiosos, o tarô é visto como instrumento de autoconhecimento. FONTE O Tarô de Marselha, de Carlos Godo, e Jung e o Tarô, de Sallie Nichols

«Não cabe a nós julgar a fé do outro. É preciso respeitar» Jocélio Teles, do Ceao/ Ufba

Adivinhação já foi crime Até 1940, eram considerados "crimes contra a saúde pública", de acordo com o CódigoPenal,“praticaroespiritismo,amagia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade pública”. A nova legislação as absolveu, mas o espiritismo não. Presidente da Federação Espírita do Estado da Bahia (FEEB), Creuza Lage diz indignada que cartomante espírita não existe. “Não tem nada a ver. O espiritismo não tem leitura de mão, não tem jogar tarô”. E na cidade onde todo mundo é de Oxum, não faltaria quem, em nome dos

orixás, fizesse trabalhos para trazer o amor em três dias. Para Raimundo Kommananjy, presidente da Acbantu (Associação Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu), essa mistura é indevida. “É uma invasão, não tem a ver. Usa-se o nome do candomblé para ganhar dinheiro”. Para Jocélio Teles, diretor do Centro de Estudos Afro-Orientais da Ufba (Ceao), a mistura de referências feita pelas cartomantes pode ser vista como uma antropofagia, que cria uma nova prática. Responder se isso é válido ou não, fica a cargo de cada um. "São práticas presentes na sociedadeequebuscamlegitimidade.Nãocabe a nós julgar a fé do outro. Temos que respeitá-la e não exercitar a intolerância". «


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SATÉLITE SALVE JORGE SÃO PAULO

Texto e fotos MARINA NOVELLI mnovelli@grupoatarde.com.br

No meio de uma praça escondida entre a São João e a Quinze de Novembro, ruas de fama e movimento no centro de São Paulo, fica a galeteria e choperia Salve Jorge. Chão de pedras gastas e quadriculadas, paredes cobertas de bugigangas, barris antigos de chope, pilares cobertos de vidro com preces ao santo da casa em letras tortas e discos de todo Jorge que se preza: Ben, Aragão, Mautner. Quem entra desavisado e sai sem perguntar acha que o bar está ali há tanto tempo quanto o chão da praça. Filial da matriz da Vila Madalena, foi inaugurado no final de 2006. Com três andares e mesas espalhadas pela calçada, entre engraxates e bancas de jornal, o Salve Jorge tem um cardápio que vai de massas, comidinhas de boteco, empadas e saladas. A pedida é o galeto, que sai tinindo e serve três pessoas (R$ 34,80), regado à Original (R$ 6,20) ou ao velho chope da Brahma «

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Jorge sentou praça no centro de Sampa


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ORELHA LETÍCIA DORNELLES

ARQUIVO PESSOAL | DIVULGAÇÃO

Entre livros e folhetins Best-seller com o livro Como Enlouquecer em Dez lições, da editora Record, Letícia Dornelles foi co-autora de várias novelas globais, incluindo o megasucesso Por Amor e, mais recentemente, o remake da mexicana Amigas e Rivais, exibida pelo SBT Texto KÁTIA BORGES kborges@grupoatarde.com.br

Quem a convenceu de que tinha talento? Tenho uma boa dose de autoconfiança. Você acredita que realmente tem talento? Com a mão sobre a Bíblia: acredito! Você já sentiu vontade de esganar um crítico? Esganar? Não. Sou tranqüila nesse aspecto. Deixe-o opinar. Qual tipo de leitor você dispensa? Nenhum. Todos são bem-vindos. Se gosta do meu trabalho, recomende aos amigos. Se não gosta, recomende aos inimigos. Você recolheria algum livro das livrarias? Qual? Não. Todo livro tem uma mensagem. Vai fazer companhia a alguém. Você já sentiu vontade de roubar a autoria de um livro? Qual? De livros? Não. Mas de personagens, sim. Os mitos do cinema, as grandes vilãs. Tudo me fascina. Se Deus existe, o que Ele pensa sobre você? Gosta de mim. Percebo que me protege muito. E sou grata. Qual a sua mania mais irritante? Sou muito crítica. Viver ao lado de um escritor é dureza? Tem o ônus e o bônus. O ônus é saber que durante a escrita é preciso sossego. Quanto há de neurótico no ato de criar? Talvez, o isolamento, o silêncio necessário. Quem é um gênio e um idiota no meio literário? Gênios são raros. Mas há os excelentes. Machado de Assis, Guimarães Rosa, Érico Veríssimo. Na televisão, gosto de Maria Adelaide Amaral. Qual o seu maior sonho de consumo? Uma casa com um imenso jardim onde eu possa caminhar descalça. E pecado capital? Nas férias, a preguiça. Que frase escolheria para pôr em sua lápide? Não gosto da idéia de lápides. Sou a favor da cremação «

LIVROS PUBLICADOS: Como Enlouquecer em Dez Lições (Editora Record, 2002) NOVELAS: Por amor (Rede Globo, 1997, co-autora, ao lado de Manoel Carlos), Andando nas nuvens (Rede Globo, 1999, co-autora ao lado de Euclydes Marinho), Metamorphoses (Rede Record, autora, 2004), Minha vida é uma novela (SBT, autora, 2007), Amigas e Rivais (SBT, autora, 2007).

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ATALHO GRANDE CHEF

O chef pode ser você O endereço é improvável, mas no bairro residencial do Morro do Gato encontra-se um restaurante para os amantes da gastronomia. No comando, está o chef João Silva (Pereira e Trapiche Adelelaide). O restaurante Grande Chef tem uma surpresa para quem gosta de se arriscar como chef. A cozinha é aberta para experiências dos clientes com a assessoria de Silva. Basta marcar antes, convidar os amigos e ir para a cozinha. Já quem quer apenas degustar uma boa comida, vai encontrar no cardápio elaborado por Silva um menu que variadot-bonesteackcomfarofaàbasedecouveepaioearrozcolorido(R$44)aoagulhão negro, um peixe grelhado com arroz tailandês e cogumelos frescos (R$ 39). A adega tem 210 rótulos de vinhos, basicamente da América do Sul, e um especialíssimo, o chileno Demus aurea, cuja garrafa sai por R$ 297. O restaurante também abre para o almoço com um menu executivo (virado à paulista, R$25). De quebra, tem vista para o mar. « Texto NADJA VLADI nadjavladi@grupoatarde.com.br

GRANDE CHEF: Rua Guadalajara, 9, Morro do Gato, Ondina. De terça a domingo. Tel: 71 3332-1110. DESTAQUE: Experimente o carré de cordeiro com risoto de alcochofra e rúcula (R$ 49)

Fotos IRACEMA CHEQUER ichequer@grupoatarde.com.br


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CRIATIVA Para noites mais agrad谩veis, sopa de ab贸bora com gorgonzola, do chef Dilo, do Bate Boca (veja receita ao lado)


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GASTRÔ SOPAS Nutritivas e, geralmente, fáceis de fazer, as sopas acompanham a humanidade há muito tempo e, quentes ou frias, permitem infinitas combinações de aromas e cores

Leves & irresistíveis Texto MARCOS DIAS mdias@grupoatarde.com.br Fotos REJANE CARNEIRO rcarneiro@gmail.com

D

esde que alguém teve a bendita idéia de colocar vegetais ou pedaços de carne para cozinhar, estava aberta a história da gastronomia e suas magníficas invenções. Ao contrário do modo como desenhos animados ou gibiscostumamtrataroprato(assimcomotratamosgatos,talvez),umaboa sopa faz a alegria de paladares exigentes. Seja como entrada, prato principal ou de encerramento, elas seduzem nossos sentidos. E, por serem nutritivas e saborosas, parecem abraçar nosso estômago. Só quem não teve infância – ao menos uma infância aconchegante – pode não ter boas memórias daqueles momentos em que parece que ficamos mais cúmplices uns dos outros e mais confortáveis com o nosso corpo. Superinfância nesse sentido quem teve foi o economista Dilo Alves, chef do restaurante Bate Boca, na Barra, e filho da celebrada quituteira Indayá Alves, proprietária do saudoso restaurante Côco e Dendê. Criado na fartura das mesas baianas, ele lembra que o café começava com sopa, café e pão, passava para uma comida tipo mal-assado ou galinha e, voltava-se para leite, requeijão e coisas assim. “Era uma comilança“. O segredo da boa sopa, de acordo com ele, está na escolha dos ingredientes e uma boa receita. Atualmente, ele serve no restaurante, a partir das 19h, três sopas especiais: de abóbora com gorgonzola (veja receita), creme de aspargos e creme de tomate. Creme de tomate? É uma coisa espetacular que Dilo provou em Miami e reproduziu no

RECEITA Sopa de abóbora com gorgonzola (do Bate Boca) 1/2 kg de abóbora maranhão 1 copo de queijo catupiry 1 colher de sopa de manteiga 2 dentes de alho 1/2 cebola picada 100 g de queijo gorgonzola 2 tabletes de caldo de costela 1 lata de creme de leite sem soro PREPARO Refogar alho e cebola na manteiga e acrescentar a abóbora já cozida, com duas xícaras do caldo de costela e deixe ferver. Depois, bater no liquidificador, peneirar e acrescentar os dois queijos com o creme de leite e esquentar um pouco. RENDIMENTO 4 porções


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S

e a carreira do ator baiano Fábio Lago não andasse tão bem, ele poderia recorrer ao seu talento de contador de histórias para ganhar a vida. O ouvinte é capaz de ficar horas à mercê daquele homem atarracado, simpático, divertido, encantador. Depois de participar de um dos filmes de maior repercussão da história recente do cinema nacional, Tropa de Elite – que coroou seu prestígio arrematando o Urso de Ouro do Festival de Berlim 2008 – , Fábio, que fazia o traficante Baiano, está com a agenda cheia. Pensando em se dedicar mais ao teatro, ele está na peça Hamlet, clássico de Shakespeare, projeto pessoal do amigo Wagner Moura. Os ensaios já começaram, e a peça deve estrear no segundo semestre, em São Paulo, para depois seguir em turnê, que passa por Salvador. “Não é um contrato com a Globo que vai me fazer largar Hamlet”, diz, com os olhos

brilhando por estar fazendo o seu primeiro Hamlet como ator – ele já havia dirigido o texto algumas vezes. Depois de ter vindo de Ilhéus para trabalhar com o diretor Fernando Guerreiro, com quem ganhou depois o Prêmio Shell com a peça Os Cafajestes (primeiro prêmio nacionaldeteatroquefoiparaaBahia),ele trabalhou com Paulo Dourado e passou no teste para Cambaio, de João Falcão. Foi assim que saiu da Bahia. Morou primeiro em São Paulo e, hoje, vive no Rio de Janeiro, no bairro do Botafogo. Fábioaindalembradotestequefezpara Tropa de Elite: “Eu tinha virado um monstro na sala de ensaio, fiquei meio envergonhado, mas ao mesmo tempo sabendo que fui verdadeiro. Estava saindo e o segundo assistente me chamou e me perguntou em que eu estava trabalhando. Aí falei que estava enlouquecido por vários convites que tinha recebido, sem saber qual aceitar. Ele olhou nos meus olhos, brilhando, e disse: ‘Bicho, se você quiser recusar qualquer coisa por esse filme, recuse.

Texto CECI ALVES calves@grupoatarde.com.br Foto IRACEMA CHEQUER ichequer@grupoatarde.com.br

Contador de

histórias Após o furacão Tropa de Elite, o ator Fábio Lago está no elenco da peça Hamlet, ao lado de Wagner Moura

Faça esse filme, Fábio’. Aí, velho, no olhar de Rafael, eu me decidi a fazer”, conta. Embora o teatro seja agora sua prioridade, em 2008, ele vai dirigir um infantil do diretor e dramaturgo baiano Elísio Lopes Jr. e quer estreitar cada vez mais a ponte entre o Nordeste-Sudeste. Também é dele um dos personagens do novo filme de Sérgio Machado, Quincas Berro d’Água (baseado no livro de Jorge Amado), em que ele trabalha com os amigos “Waguinho e Lazinho” e ainda com o ator Stênio Garcia, no papel-título. O ator está com dois curtas engatilhados. “Vou fazer, este ano, o curta de uma galera de Camaçari, que me encontrou durante o Sarau du Brown e me convidou”, ri Lago, que teve um verão intenso em Salvador. “Fui a todas as festas!”, exulta. O outro curta é do ex-diretor do Museu de Arte Moderna da Bahia, Heitor Reis, com roteiro de Ignácio Coqueiro. Fábio não pára.


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«Eu tinha virado um monstro na sala de ensaio, fiquei meio envergonhado, ao mesmo tempo sabendo que fui verdadeiro»


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Como dizer não às delícias? De abóbora com queijo, creme de aspargos ou de tomate: estômago e alma agradecem

seu restaurante. “Quero enjoar dessa, porque estou viciado“, diz o chef. À noite, ele não troca uma sopa por nada – e olhe que o buffet da casa é um totem aosprazeresgastronômicos.Sim,masotal do creme vicia mesmo. O problema é apenas quando a gente começa a pensar nele a qualquer hora e, confesso, é inevitável não sentir sintomas de abstinência.

NATURAL Uma opção natural, mas nem por isso menos saborosa, também pode ser experimentada no restaurante Vida Soparia, em Ondina. Por lá as hortaliças são orgânicas, não se usa caldo preparado nem coloríferos. De acordo com a gerente CristianeSantana,osóleostambémestãoforade cogitação, para não saturar.

Achou bom? Pois ache melhor: são 30 tipos de sopas, que vão desde a tradicional canjadegalinha–quetambémcomem,de acordo com Cristiane, comidinha natural (o quê, hein?) – uma sopa de alho porró com aipim, ou a que leva o nome da casa, a Vida (com mandioquinha, alcaparras e gengibre). Quer dar um suspiro, antes de continuar? É que a perversidade naturalista não pára aí. Eles também fazem sopas frias, como a de morango com iogurte (veja receita na próxima página), maçã verde com erva-doce ou pepino com iogurte. E também é possível levar tigelinhas de meio litro para casa. A opção delivery também é oferecida pelo restaurante Aogobom (Rio Vermelho), que só abre no horário do almoço.

Eles servem cinco sopas – duas ocidentais (de ervilha e creme de milho) e três orientais. “Hoje a sopa é melhor que jantar“, afirma Diana Hwa, para quem é um costume saudável daqui da Bahia comer bem no café e almoço, mas no jantar “comer como pobre“.

CULTURAL Como costumes são costumes, e culturas são culturas, curiosamente, ela diz que os chineses sempre terminam uma refeição com sopa, seja no almoço ou no jantar. “Se começar a servir sopa, significa que acabou a refeição“, alerta. Atenção, portanto, para quem for por aquelas bandas do planeta. Aqui a coisa é mais sem-lei. E isso é... algo bom. Nesse restaurante, os ingredientes


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Desde que a sopa é sopa RECEITAS Sopa fria de morango (Vida Soparia) 500 g de morangos limpos 3 maçãs vermelhas grandes 2 copos de iogurte desnatado; 600 ml de suco de laranja PREPARO Bater tudo no liquidificador e servir gelada. Enfeite com morango e folhinhas de hortelã. RENDIMENTO 2 porções de 500 ml

JOÃO ALVAREZ | AG. A TARDE

Sopa Vida (Creme de mandioquinha com alcaparras e gengibre) 1 kg de mandioquinha 80g de alcaparras 15g de gengibre 100g de cebola branca 200ml de leite desnatado sal a gosto PREPARO Cozinhe a mandioquinha com o sal e a cebola em água suficiente. Depois de cozidos, bater no liquidificador juntamente com o gengibre e a água do cozimento. Leve ao fogo novamente para ferver.Desligue o fogo e adicione as alcaparras. Sirva quente. RENDIMENTO 5 porções

ONDE COMER Aogobom Rua Osvaldo Cruz, 266, Rio Vermelho (71 3334-2282) / Bate Boca Alameda Antunes, 56, Barra Avenida (71 3264-3821) / Q-Sopa Rua Moacir Leão, 49, Politeama (71 3328-2660) / Vida Restaurante Natural e Soparia Travessa Macapá, 66, Ondina (71 3263-1086)

"Se Deus me dissesse para escolher a comida que eu iria comer no céu, por toda a eternidade, eu não teria um segundo de hesitação: escolheria sopa. Camarão, picanha maturada, salmão à Dali, os pratos mais refinados: tudo me seria insuportável após umas poucas repetições. Mas não é assim com as sopas. Posso tomar sopa por toda a eternidade, sem me cansar". A declaração de amor às sopas é do cronista Rubem Alves, que aponta para um sentimento de devoção que parece acompanhar a história do prato. Alguns dizem que, ainda na pré-história, quando o fogo passou a cozinhar pedaços de carne com água, o plano para aquecer o estômago e ativar a saciedade dava seus primeiros passos. A Bíblia, embora não dê receitas, diz que os hebreus mandavam ver nos caldos. Gedeão, por exemplo, "matou um cordeiro, pôs sua carne em uma panela e fez caldo". Na Idade Média, embora fizesse sucesso nos mosteiros, não se pode deixar de lembrar que era um gênero de primeira necessidade na mesa dos pobres. Mas a nobreza também parava de encontrar maneiras de justificar a indecência do pretenso sangue azul diante de uma sopa. Luis XIII, no século 17, ordenou que plantassem ervas, hortaliças e legumes em Versailles, já que chegava a tomar duas sopas por dia. O chef François de la Varenne, autor de Le cuisinier françois (1651), fez bonito e gostoso mais de 300 receitas. A história registra também que, no século XIX, a sopa passa a ser servida como entrada e,no XX, quem diria, pode até ser desidratada ou durar anos numa lata. «

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também são naturais, e eles não usam óleo nem glutamato de sódio. Entre as opções chinesas temos a clássica chop suey, caldo de verduras que leva coisinhas especiais como acelga, salsão e mostarda salgada. A sopa que eles chamam de agri-pimenta também tem como base o caldo vegetal, e os ingredientes são pimenta, vinagre e sifon – um macarrão muito simpático de feijão verde, tofu e cogumelo orelha-de-pau (aquele que dá nos troncos e a gente passa batido por eles). As tigelinhas custam uma pechincha e você pode se munir com vários potes – no caso de anunciarem um inverno rigorosíssimo. Ou não, apenas porque são deliciosas. Mas , se a tradição é o que importa para você, há um clássico das multidões, que serve sopa até no horário de almoço. É o Q-Sopa, no Politeama, onde o cristão, o muçulmano, o espírita e o ateu nivelam-se diante dos 31 tipos de sopa do lugar, que também serve caldos. Caldos? A diferença é que por lá eles são mais ralinhos que as sopas. O lugar, que existe há 26 anos, não está aí para modismos, mas inventa que é uma beleza: tem sopa de sururu, de bacalhau, creme de salmão e por aí vai, inclusive uma sopa chamada de kenga (galinha desfiada com milho verde). Com k mesmo. Funcionáriodacasahá18anos,Erivaldo Ribeiro diz que toma sopa todos os dias e nunca enjoou. As histórias que conta são igualmentedeliciosas:“Jávimulherengravidar e trazer a filha grande para apresentar a sopa que tinha desejo de tomar quando estava grávida. Também há outras que vinham aqui quando eram estudantes e continuam, agora velhas, a tomar sopa“. São sopas que atravessam gerações. Dá para suspeitar que alguma coisa muito especial elas devem ter. «


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TRILHAS ANINHA FRANCO aninha.franco@atarde.com.br

Em 68, todas as utopias eram possíveis

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té 13 de dezembro de 68, todas as utopias conviviam bem no Brasil pós-golpe de 64, a dos comunistas, a dos anarquistas, a dos alienados, a dos quase hippies e a dos militares. O “É proibido proibir” pichado nas ruas de Paris e música de Caetano Veloso era nosso dia-a-dia de jovens inteligentes dispostos a mudar o mundo para melhor, tarefa cheia de atrativos ainda hoje para quem gosta de trabalhar. O mundo estava repleto de problemas, como agora, e havia uma ditadura que pretendia e conseguiu mudar as regras da educação brasileira para pior. Em nome disso e de tudo o mais que a nossa juventude pudesse inventar, acordávamos para derrubar a ditadura, para mudar o mundo, para beber batida de limão em Diolino, no Rio Vermelho, para discutir política e para acelerar o processo de liberação sexual com pós-graduação nos anos 70. Os comunistas, socialistas, anarquistas e alienados se hostilizavam como os fashion(s), “mudernos” e politizados se ignoram hoje.

A

s passeatas eram bons programas para todas as facções. Até os alienados compareciam felizes, sobretudo as mulheres, para olhar os discursos de Mário Pão. Ninguém estudava muito, mas todos liam tudo, e os que não liam exercitavam a famosa “cultura de sovaco” ou “cultura de orelha”, deslocando-se com um livro sob as axilas, dissertando com desenvoltura as orelhas dos volumes virgens porque não ler era vergonhoso.

E

m 13 de dezembro de 68, o ditador de plantão e seus asseclas decretaram o Ato Institucional nº5, antônimo perfeito de “É proibido proibir”. Proibiram tudo. Reunião pública de mais de quatro pessoas, reeditando o comportamento de Portugal com os escravos da Colônia; Kubrick e Picasso, pensadores sem os quais a vida humana do século XX é incompleta; proibiram em nome da utopia de manter o Poder para sempre que era isso que os militares queriam com o AI-5, manter o Poder pela violência, pela censura e pela arbitrariedade. Das utopias de 68, foi a mais perversa; provocou seqüelas ao País antes e depois do tempo do “tudo demais é sobra”. Sobretudo poder. «

«As passeatas eram um bom programa para todas as facções »


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PAREDE TÚLIO CARAPIÁ O designer gráfico Túlio Carapiá pesquisa a expressividade da arte da cópia e da reprodução do original. Esta imagem traz a candura da fase inicial de quem está amando.


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