Milena Cereser da Rosa
Segurança Pública e Proteção de Dados Pessoais possibilidades e desafios frente aos direitos humanos
Copyright© Tirant lo Blanch Brasil Editor Responsável: Aline Gostinski Assistente Editorial: Izabela Eid Capa e diagramação: Jéssica Razia CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO: Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México
Juarez Tavares Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil
Luis López Guerra Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha
Owen M. Fiss Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA
Tomás S. Vives Antón Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha
R695
Rosa, Milena Cereser da Segurança pública e proteção de dados pessoais : possibilidades e desafios frente aos direitos humanos [livro eletrônico] / Milena Cereser da Rosa; prefácio Marcus Alan de Melo Gomes. -1.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2024. 1Kb; livro digital ISBN: 978-65-5908-701-3. 1. Segurança pública. 2. Proteção de dados. 3. Privacidade. 4. Direitos humanos. I. Título. CDU: 342.7 Bibliotecária Elisabete Cândida da Silva CRB-8/6778 DOI:
É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).
Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch. Fone: 11 2894 7330 / Email: editora@tirant.com / atendimento@tirant.com tirant.com/br - editorial.tirant.com/br/ Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Milena Cereser da Rosa
Segurança Pública e Proteção de Dados Pessoais possibilidades e desafios frente aos direitos humanos
Aos meus pais, Milton e Helena, que, nos seus espaços, se fizeram presentes.
Transgredir, porém, os meus próprios limites me fascinou de repente. E foi quando pensei em escrever sobre a realidade, já que essa me ultrapassa. Qualquer que seja o que quer dizer “realidade”. (Clarice Lispector)
Vou voltar Sei que ainda vou voltar Para o meu lugar Foi lá e é ainda lá Que eu hei de ouvir cantar Uma sabiá Vou voltar Sei que ainda vou voltar Vou deitar à sombra De uma palmeira Que já não há Colher a flor Que já não dá E algum amor Talvez possa espantar As noites que eu não queria E anunciar o dia Vou voltar Sei que ainda vou voltar Não vai ser em vão Que fiz tantos planos De me enganar Como fiz enganos De me encontrar Como fiz estradas De me perder Fiz de tudo e nada De te esquecer (Chico Buarque, Sabiá)
Sumário Lista de siglas.............................................................................. 10 Apresentação............................................................................... 11 Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
Prefácio....................................................................................... 14 Marcus Alan de Melo Gomes
1. Introdução.............................................................................. 19 2. Do direito à privacidade ao direito à proteção de dados pessoais. ....................................................................................... 25 2.1. Aspectos gerais sobre o direito à privacidade....................................... 25 2.2. Dignidade da pessoa humana, dados pessoais e proteção de dados como um direito fundamental................................................................... 34 2.3. Lei Geral de Proteção de Dados......................................................... 45
3. Proteção da privacidade e dos dados pessoais no âmbito da segurança pública e persecução penal.......................................... 57 3.1. Os bancos de dados na Segurança Pública como forma de controle dos corpos....................................................................................................... 57 3.2. Coleta, armazenamento e integração de banco de dados no campo da segurança pública colocadas em prática no Brasil...................................... 69 3.3. Segurança pública e persecução penal: exceções de aplicabilidade da Lei Geral de Proteção de Dados................................................................ 81
4. Regulamentação das políticas de coleta, armazenamento e integração de dados em segurança pública no brasil: entre o eficientismo e a proteção aos direitos humanos. ......................... 92 4.1. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro sobre a proteção de dados pessoais no âmbito penal............................................................ 92 4.2. Regulamentação legislativa: Anteprojeto de Lei de Proteção de Dados para Segurança Pública e Persecução Penal.............................................. 112 4.3. Caminhos possíveis entre o direito fundamental à segurança pública e o direito fundamental à proteção de dados pessoais no Brasil.................. 126
5. Conclusão............................................................................. 139 Posfácio. ................................................................................... 143 Joice Graciele Nielsson
Referências bibliográficas......................................................... 146
Lista de siglas
10
ADI
Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADPF
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
ABIN
Agência Brasileira de Inteligência
CIDH
Comissão Interamericana de Direitos Humanos
DUDH
Declaração Universal dos Direitos Humanos
ENCCLA
Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro
GDPR
Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia
HC
Habeas Corpus
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INFOSEG
Integração Nacional de Informações sobre Justiça e Segurança
IPEA
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
LGPD
Lei Geral de Proteção de Dados
MP
Medida Provisória
OEA
Organização dos Estados Americanos
ONU
Organização das Nações Unidas
PCdoB
Partido Comunista do Brasil
PL
Projeto de Lei
PGR
Procuradoria-Geral da República
PSB
Partido Socialista Brasileiro
PSDB
Partido da Social Democracia Brasileira
PSOL
Partido Socialismo e Liberdade
RE
Recurso Extraordinário
SENASP
Secretaria Nacional de Segurança Pública
SERPRO
Serviço Federal de Processamento de Dados
SINESP
Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas
SPPEA
Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise
SUSP
Sistema Único de Segurança Pública
TIC
Tecnologia de Informação e Comunicação
UIF
Unidade da Inteligência Financeira
UPP
Unidade de Polícia Pacificadora
Apresentação Este livro é fruto da pesquisa desenvolvida pela autora, Milena Cereser da Rosa, junto ao Curso de Mestrado em Direitos Humanos do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), mediante concessão de bolsa vinculada ao Projeto de Pesquisa “Rede de Cooperação Acadêmica e de Pesquisa: eficiência, efetividade e economicidade nas políticas de segurança pública com utilização de monitoração eletrônica e integração de bancos de dados”, desenvolvido a partir do Edital Procad/CAPES nº 16/2020 – Ciências Forenses e Segurança Pública (Projeto nº 88887.516380/2020-00), cuja equipe tenho a honra de coordenar. O referido projeto foi responsável pelo estabelecimento de uma rede de cooperação acadêmica e pesquisa que objetiva a formação de recursos humanos qualificados voltados à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico nas áreas de Segurança Pública e Ciências Forenses, com ênfase na discussão acerca da eficiência, efetividade e economicidade de políticas de segurança pública que se utilizem de serviços de monitoração eletrônica e integração de bancos de dados, bem como na análise econômica e econometria de políticas de segurança pública. Nesse sentido, a pesquisa desenvolvida por Milena se insere no projeto no que diz respeito à criação e integração de bancos de dados no campo da segurança pública. A rede de pesquisa formada congrega duas instituições de ensino superior de caráter comunitário (UNIJUÍ/RS e UNESC/SC) e uma instituição pública (Universidade Federal do Pará/PA), bem como instituições ligadas à área da Segurança Pública (Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul e Conselho Nacional de Justiça, por meio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas), estabelecendo uma importante interlocução entre a região Sul e a região Norte do País no que se refere à sua temática central. 11
O projeto objetiva: a) a criação de Linhas de Pesquisa na área de Segurança Pública no âmbito dos Programas de Pós-Graduação (PPGSS) envolvidos; b) a concessão de bolsas de estudos em nível de mestrado, doutorado e pós-doutorado, a fim de estimular a criação e a expansão de disciplinas e linhas de pesquisa de Segurança Pública e Ciências Forenses nos programas de pós-graduação stricto sensu envolvidos na proposta e em outros programas existentes no país, incrementando e fortalecendo a produção acadêmica, científica e técnica sobre questões relacionadas à Segurança Pública e às Ciências Forenses; c) promover a mobilidade de docentes e discentes de pós-graduação, assim como a colaboração internacional entre as instituições e equipes envolvidas nos projetos, estimulando o estabelecimento de parcerias entre Instituições de Ensino Superior (IES), centros de pesquisa e órgãos de segurança pública, tendo por escopo o desenvolvimento de projetos de pesquisa sobre assuntos relativos à Segurança Pública e Ciências Forenses; d) capacitar os agentes que atuam nos respectivos órgãos por meio da oferta de cursos de qualificação profissional e especialização (pós-graduação lato sensu); e) promover o desenvolvimento tecnológico e a inovação produtiva nas áreas de Segurança Pública e Ciências Forenses, estimulando a interação da academia com a indústria e dos órgãos de segurança pública com outras instituições governamentais, sem descuidar, também da relevante participação da comunidade nestes processos, por meio do incentivo da participação popular na formulação de políticas públicas na área, fomento à criação/fortalecimento de conselhos comunitários e utilização de outros instrumentos que viabilizem uma maior participação cidadã nos debates que envolvam a Segurança Pública. Além disso, a rede estabelecida tem contribuído para a formação de mestres e doutores sensibilizados para os problemas relacionados à Segurança Pública e Ciências Forenses, aptos a desenvolver pesquisas voltadas à temática. Adicionalmente, o projeto contribui 12
para a qualificação do corpo docente dos PPGSS envolvidos, consolidando as ações de pesquisa em Segurança Pública e Ciências Forenses, tanto na região Sul quanto na região Norte do Brasil. A pesquisa ora apresentada é um dos produtos das pesquisas desenvolvidas no contexto do projeto. A autora oferece, por meio deste livro, à comunidade científica, um importante contributo ao debate – ainda pouco explorado academicamente – acerca da criação e integração de bancos de dados no contexto da segurança pública no Brasil contemporâneo. A qualidade do texto apresentado, a sua disponibilização em livro eletrônico de distribuição gratuita para todo o território nacional e internacional evidencia o esforço de nosso projeto de pesquisa em alcançar alguns de seus objetivos principais: democratizar e ampliar o acesso à pesquisa de qualidade sobre a temática da segurança pública. Que a obra cumpra, pois, com seu objetivo. Ijuí/RS, 26 de setembro de 2023 Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth1
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Pós-Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Doutor e Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito - Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos - da UNIJUÍ. Bolsista de Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Nível 2. Coordenador do Projeto de Pesquisa “Rede de Cooperação Acadêmica e de Pesquisa: eficiência, efetividade e economicidade nas políticas de segurança pública com utilização de monitoração eletrônica e integração de bancos de dados”, desenvolvido a partir do Edital Procad/CAPES nº 16/2020.
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Prefácio O século XX legou-nos um mundo globalizado pela relativização de fronteiras em que o capitalismo se renovou no cenário de uma economia de mercado planetário. Sociedades nacionais transmudaram-se em uma sociedade global, sem que, entretanto, a harmonia geopolítica que se poderia esperar como consequência dessa metamorfose histórica fosse alcançada. A conectividade pela rede mundial de computadores moldou a vida na pós-modernidade. Sem a revolução tecnológica gestada na sociedade de massa e de consumo - e que veio à luz na sociedade comunicacional - não seríamos o que somos hoje. Os efeitos desse processo se fazem sentir agora, mas é intuitivo que muito ainda está por vir. Tornamo-nos seres digitais. Quem somos, o que somos, como vivemos, como nos relacionamos com o entorno, tudo se transformou em informação no universo imperceptível de bytes. Os bancos de dados valem mais do que os bancos monetários. Aliás, estes nada mais seriam sem aqueles. O impacto dessa nova forma de viver no direito foi inevitável, a começar pela ressignificação dos conceitos de privacidade e intimidade. O desnudamento digital do nosso ser impôs a necessidade de se discutirem limites jurídicos claros ao acesso e emprego de informações pessoais, inclusive e especialmente pelo próprio Estado no desempenho de suas funções. A esse desafiador propósito dedicou-se a pesquisa desenvolvida por Milena Cereser da Rosa no mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, e cujo principal resultado – um texto acadêmico escrito com zelo e comprometimento científico – se converte agora em livro. Na dissertação intitulada “Segurança pública e proteção de dados pessoais: possibilidades e desafios frente aos direitos humanos”, a pesquisadora lança o olhar sobre o direito à privacidade 14
nesse admirável mundo novo digital que condensa informações pessoais sensíveis em bancos de dados cuja proteção não pode escapar à tutela constitucional. A metáfora de uma sociedade mergulhada na distopia do Big Brother que a tudo e a todos pretende controlar, na clássica obra 1984, de George Orwell, simboliza a preocupação da autora com “uma forma de sociedade que, em alguns aspectos, assemelha-se às conjunturas atuais”, pois no cenário contemporâneo de violência e insegurança “o Estado atua em constante vigilância, utilizando-se de bancos de dados e de diversas tecnologias que promovem o controle de informações e, consequentemente, o controle dos corpos”. As reflexões delineadas no trabalho tensionam particularmente as possibilidades de acesso a esses dados no interesse da segurança pública ou para fins de persecução penal. Inspirada no pensamento de Michel Foucault, Milena propõe que a violência seja compreendida como uma técnica de poder relacionada com dispositivos de segurança que permitem alcançar o controle de corpos. Nada obstante, por não ser um objeto natural, o poder se dilui no tecido social e se manifesta em incontáveis formas de micropoder que se materializam mediante constante vigilância e controle de informações. É o caso dos bancos de dados pessoais. A revolução tecnológica – intensificada após a morte do filósofo francês – suplantou o Grande Irmão concebido por Orwell e deu à luz múltiplos Big Brothers privados, “tendo em vista a imensurável captação de dados pessoais por empresas privadas, as quais, para atingir fins econômicos, coletam, armazenam, processam e transmitem informações pessoais, causando a destruição, em massa, da privacidade dos indivíduos”. A digitalização da vida tornou-se uma ferramenta de segurança pública. Paradoxalmente, aquilo que deveria servir ao bem comum trilhou o perigoso caminho que conduz à falta de limites no acesso e de critérios no emprego. Afinal de contas, quando, como e para o que as informações pessoais coletadas por câmeras de vigilância, programas de inteligência artificial, integração de dados softwares de reconhecimento facial, etc., e reunidas em bancos de dados digitais podem ser manejadas por órgãos estatais? E quando a função desses 15
órgãos for investigar a prática de infrações penais, atividade em que o exercício da coerção é legitimado pelo direito, porém tende a constantes excessos e abusos? Os riscos do surgimento de um panóptico tecnológico são reais e inquietantes. A Lei 13.709, de 14 de agosto de 2018 – a chamada Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) - constitui um primeiro sintoma normativo dessa preocupação. Busca garantir a proteção de dados pessoais constantes de bancos informatizados, regulando hipóteses para seu acesso, em um esforço de compatibilização do emprego dessas informações com garantias constitucionais, particularmente o direito à privacidade e intimidade da pessoa. A lei contempla, todavia, exceções. Não incide em casos de dados coletados para fins exclusivos de segurança pública, segurança nacional, segurança do Estado ou atividades de investigação e repressão de infrações penais (art. 4º, III). A expressa ressalva legal - associada à vulnerabilidade inerente àqueles cujas informações pessoais, por estarem reunidas em softwares, plataformas e programas digitais, tornam-se acessíveis a terceiros – recomenda a instituição de um sistema de direitos e garantias que discipline o tratamento e manejo desses dados para fins de persecução penal e no interesse da segurança pública. Não por outra razão a própria LGPD, em seu art. 4º, § 1º, estabelece que para as hipóteses em que sua aplicação for excepcionada, lei específica deverá prever medidas proporcionais ao atendimento do interesse público, respeitados o devido processo legal, os direitos dos titulares e os princípios gerais de proteção de dados. Com os olhos voltados para essa lacuna legislativa, a autora examina o estado da arte da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria. Pontua que a hermenêutica de proteção dos dados pessoais está ainda a ser desenhada. Menciona expressamente o complexo debate em torno da (i)licitude da produção de provas no curso do inquérito policial quando se constata a violação de registros e dados telefônicos do investigado, tema objeto do julgamento de dois Habeas Corpus pelo STF – HC nº 91.867 (2012) e HC nº 168.052 (2020), ambos de relatoria do Ministro Gilmar Mendes – 16
em que questões sensíveis, como a distinção entre os conceitos de dados, informação e conhecimento, foram enfrentadas, chegando-se, todavia, a decisões divergentes no sentido da (i)nadmissibilidade da prova. Essa reversão de entendimento foi claramente motivada pela evolução da tecnologia e pela prodigalidade de informações que hoje podem ser armazenadas em um simples dispositivo de telefone móvel. A necessidade de se estabelecerem standards normativos que regulem o acesso a bancos de dados e o emprego dessas informações para fins de persecução penal é uma exigência constitucional que busca compatibilizar a eficácia – sem eficientismos – da política de segurança pública. A iniciativa do Anteprojeto de Lei Geral de Proteção de Dados em matéria penal, ora em curso no Congresso Nacional, é, portanto, bem-vinda, desde que, como ressalta a autora, seja “conduzida com foco na prioridade de proteger os direitos humanos”. O livro que agora chega às mãos do leitor tem origem no profícuo trabalho desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, inegavelmente um polo acadêmico de pesquisa séria e comprometida com uma cultura de preservação dos direitos humanos, e cujo trabalho reverbera no cenário nacional mediante intensa articulação de uma rede de diálogo crítico que congrega docentes, pesquisadores, alunos e instituições de ensino do país e estrangeiras. Resultado desse dinamismo e aptidão agregadora é o projeto Rede de cooperação acadêmica e pesquisa: eficiência, efetividade e economicidade nas políticas de segurança pública com utilização de serviços de monitoração eletrônica e integração de bancos de dados, que reúne três universidades (UNIJUÍ, UNESC e UFPA) e que foi aprovado no âmbito do Edital CAPES nº 16/2020, referente ao Programa de Cooperação Acadêmica em Segurança Pública e Ciências Forenses, no bojo do qual a pesquisa da autora foi executada. A qualidade do texto escrito por Milena - sob a criteriosa orientação da professora Jóice Graciele Nielsson - e de cuja ava17
liação tive o privilégio de participar, ao lado do Professor Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth, reflete a excelência do trabalho desenvolvido em seu berço acadêmico. Parabéns à autora e à UNIJUÍ! Santarém (PA), setembro de 2023. Marcus Alan de Melo Gomes2
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Professor Associado do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará. Professor permanente do Programa de Pós-graduação em Direito e do Programa de Pós-graduação em Segurança Pública da UFPA. Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Pará.
1. Introdução Tanto no Brasil quanto no mundo, a atuação no campo da segurança pública tem despertado interesse, seja na esfera estatal ou privada, contribuindo para que uma série de investimentos e políticas públicas tenha sido colocada em prática. Como não poderia deixar de ser, o avanço tecnológico tem atingido esse campo com a incorporação cada vez mais ampla de novas tecnologia postas à serviço do Estado e de instituições. A pesquisa materializada neste livro tem como foco analisar as condições em que ocorre o tratamento de dados pessoais no campo da segurança pública e persecução penal, além das possibilidades e limites desse processo, verificando a necessidade de otimização do serviço dos órgãos de segurança pública na prevenção e repressão às práticas criminais e a necessária proteção aos direitos humanos e princípios constitucionais de proteção aos cidadãos, especialmente o direito fundamental à proteção de dados. Sob esse aspecto, essas questões são impulsionadas pelo avanço tecnológico e pela sociedade informacional da atualidade, além de que, especificamente no cenário brasileiro, entrou em vigor nos anos 2018 e 2021 a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que visa proteger o direito fundamental à liberdade e privacidade do sujeito. Todavia, a referida legislação não se aplica ao tratamento de dados pessoais realizados para fins exclusivos de segurança pública e persecução penal. Esse vácuo legislativo levou a uma abordagem casuística do tema pelo Poder Judiciário brasileiro, quando demandado para analisar tentativas de implementação de procedimentos por parte dos órgãos que compõem o sistema de segurança pública e de políticas públicas que demandavam, em algum momento, a coleta, o armazenamento e o compartilhamento de dados no campo penal. Diante desse “vácuo” no ordenamento jurídico brasileiro é que se justifica a relevância social e acadêmica desta pesquisa, pois será analisado 19
o Anteprojeto de Lei Geral de Proteção de Dados para segurança pública e persecução penal (LGPD Penal), que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais no âmbito da segurança pública e atividades de persecução e repressão de infrações penais. Tendo em vista o eixo temático da pesquisa, seu problema central visa responder ao questionamento acerca das condições em que ocorre o tratamento de dados pessoais no campo da segurança pública e persecução penal, bem como se são respeitados os direitos humanos e como está sendo tratado esse tema no processo legislativo brasileiro. Nesse sentido, ao desenvolver a pesquisa, o objetivo consistiu em avaliar como está se constituindo, no Brasil, o processo de regulamentação e controle dos procedimentos de coleta, uso, armazenamento e compartilhamento de dados no âmbito da segurança pública e investigações criminais, bem como analisar se estão garantidos os direitos fundamentais à privacidade, à intimidade e à proteção de dados pessoais previstos na Constituição Federal de 1988, além dos direitos humanos, no tratamento de dados nesse referido campo de atuação. Desse objetivo geral, decorreram os objetivos específicos, que se refletem na sua estrutura em três capítulos traduzidos em: a) revisar, a partir das inovações tecnológicas ao longo do tempo, os aspectos que culminaram para a necessidade de garantir a proteção de dados pessoais dos indivíduos atualmente; b) investigar de que modo as novas tecnologias inseridas no âmbito penal têm impactado os princípios constitucionais e os direitos humanos, tendo em vista a proteção de dados como um direito fundamental no Brasil; e, c) analisar se existem processos legislativos no Brasil que contemplem o tema do tratamento de dados pessoais no campo da segurança pública e persecução penal. Com base no problema de pesquisa apresentado, como hipótese inicial, tem-se a tese de que, a partir da análise da implementação de novas tecnologias no âmbito penal, é possível afirmar que existe um processo em curso no Brasil que discute a necessidade de implementação de dispositivos de regulamentação e controle, com 20