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100 Anos dA PrevidênciA

sociAl no BrAsil

Copyright© Tirant lo Blanch Brasil

Editor Responsável: Aline Gostinski

Assistente Editorial: Izabela Eid Capa e diagramação: Analu Brettas

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:

eduArdo Ferrer MAc-GreGor Poisot

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México

JuArez tAvAres

Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil luis lóPez GuerrA

Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha

owen M. Fiss

Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA toMás s. vives Antón

Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

A619

100 Anos da Previdência Social no Brasil [livro eletrônico]

/ Ablaine Tarsetano dos Anjos ... [et al.]; Patricia Vanzolini; Leonardo Sica; Adriane Bramante; Priscila Machado; Rodrigo Sodero. (coord.). -1.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2024.

-- (Coleção OAB SP)

1Kb; livro digital

ISBN: 978-65-5908-718-1.

1. Previdência social. 2. OAB SP. 3. Ordem dos advogados do Brasil. I. Título. II. Coleção.

CDU: 354.85(81)

Bibliotecária Elisabete Cândida da Silva CRB-8/6778

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch.

Fone: 11 2894 7330 / Email: editora@tirant.com / atendimento@tirant.com tirant.com/br - editorial.tirant.com/br/

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

coleção oAB sP

Coordenadores da Coleção

Patricia Vanzolini

Leonardo Sica

100 Anos dA PrevidênciA sociAl no BrAsil

Coordenadores

Adriane Bramante

Priscila Machado

Rodrigo Sodero

Autores

Ablaine Tarsetano dos Anjos

Ana Paula Rocha de Oliveira

Andréia Silva Muniz Rossi

Angélica Morais Souza Mendes

Aparecida Totolo

Beatriz Gomes da Silva Violardi

Carolina Silvestre

Cássia Patricia Garcia de Toledo Rodrigues

Daniele Farah Soares

Eduardo Martins Gonçalves

Eleuza Azevedo

Ellen Layana Amorim Souza Dantas

Fabiani Bertolo Garcia

Flávia Telles Ribeiro

Gabriel Lucas Ribeiro Dias

Helena E. Mizushima Wendhausen

Jane Karoline Carvalho de Aguiar Ramos

Lia Palomo Poiani

Liliana Castro Alves Kelian

Lucas Santos Costa

Luciana Aparecida Alves Chinedez

Marcelo Doná Magrinelli

Marcos Libanio de Souza

Maria Lúcia Moreno Lopes

Maria Lúcia Soares Rodrigues

Mariana S. Rossi Kirsten

Marta Maria Ruffini Penteado Gueller

Maura Feliciano de Araujo

Michelli Azanha Campagnolo

Miguel Horvath Júnior

Moisés Geraldo de Oliveira

Rafaela Lino Morais

Renata Da Costa Oliveira

Sérgio Reis Gusmão Rocha

Stela Luciana Aparecida Barela Emerick

Tharine Cristina de Faria Sanches

Thays Maryanny Caruano de Souza Gonçalves

Apresentação......................................................................................................... 7 O grave retrocesso da previdência social brasileira e a flagrante violação dos direitos humanos com a absconsa extinção da aposentadoria por tempo de contribuição e da aposentadoria especial .................................................... 8 Cássia Patricia Garcia de Toledo Rodrigues A origem da previdência social no Brasil – aspectos sociais, econômicos e políticos .............................................................................................................. 22 Miguel Horvath Júnior A carência no regime geral de previdência social ......................................... 34 Fabiani Bertolo Garcia e Flávia Telles Ribeiro Qualidade de segurado ..................................................................................... 43 Andréia Silva Muniz Rossi, Maura Feliciano de Araujo e Sérgio Reis Gusmão Rocha Aposentadoria por idade híbrida na centenária previdência social brasileira ............................................................................................................. 57 Jane Karoline Carvalho de Aguiar Ramos, Eduardo Martins Gonçalves e Lia Palomo Poiani Aposentadoria por idade rural ........................................................................ 65 Lucas Santos Costa, Luciana Aparecida Alves Chinedez e Marcelo Doná Magrinelli A aposentadoria por tempo de contribuição: o início da proteção social ao trabalhador até a Emenda Constitucional n. 103/2019 ................................ 71 Maria Lúcia Moreno Lopes, Marcos Libanio de Souza e Tharine Cristina de Faria Sanches Aposentadoria da pessoa com deficiência ........................................................ 82 Beatriz Gomes da Silva Violardi, Liliana Castro Alves Kelian, Mariana S. Rossi Kirsten e Thays Maryanny Caruano de Souza Gonçalves Perícia na aposentadoria da pessoa com deficiência ...................................... 90 Aparecida Totolo Aposentadoria da pessoa transgênero: aplicações teóricas e práticas à luz da in 128/2022 101 Gabriel Lucas Ribeiro Dias Aposentadoria do professor ........................................................................... 106 Angélica Morais Souza Mendes, Ellen Layana Amorim Souza Dantas e Rafaela Lino Morais Aposentadoria por incapacidade permanente ............................................... 116 Michelli Azanha Campagnolo
suMário
Acidente do trabalho 124 Daniele Farah Soares e Renata Da Costa Oliveira Auxílio-acidente .............................................................................................. 135 Stela Luciana Aparecida Barela Emerick Breve panorama da habilitação e reabilitação profissional no Brasil ....... 144 Moisés Geraldo de Oliveira Evolução histórica do benefício de pensão por morte e a nova regra de concessão após a emenda constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019 .................................................................................................................... 151 Carolina Silvestre Benefícios e serviços aos dependentes de 3ª classe do regime geral de previdência social 160 Ana Paula Rocha de Oliveira Auxílio-reclusão .............................................................................................. 168 Fabiani Bertolo Garcia Os acordos internacionais e os 100 anos da previdência social brasileira...... 177 Maria Lúcia Soares Rodrigues, Ablaine Tarsetano dos Anjos e Helena E. Mizushima Wendhausen Salário-maternidade: relevância social e evolução histórica .................... 186 Marta Maria Ruffini Penteado Gueller Benefício de prestação continuada – Deficiência ....................................... 196 Eleuza Azevedo

APresentAção

É com grande satisfação que apresentamos esta obra que nos convida a explorar a história, os desafios e as conquistas da Previdência Social ao longo de um século. Celebramos os 100 anos de uma jornada que começou com a Lei Eloy Chaves, que instituiu as Caixas de Aposentadoria e Pensões, e que evoluiu para o complexo sistema previdenciário que conhecemos hoje.

Ao adentrar nas páginas deste livro, somos convidados a reconhecer o caráter fundamental da Previdência Social em nossa sociedade. Ela não é apenas uma rede de segurança econômica; é um elo profundo com o princípio da dignidade da pessoa humana. Ela se estabelece como um direito fundamental que representa o compromisso do Estado em proteger e proporcionar bem-estar a seus cidadãos.

Esta obra não é apenas uma celebração do passado, mas uma reflexão sobre o futuro. A Previdência Social está intrinsecamente ligada à justiça social, e é nosso dever considerar as implicações sociais e humanas de nossas decisões. O respeito ao caráter de direito fundamental da Previdência Social deve ser o alicerce que nos guia, lembrando-nos de que a proteção social é vital para o bem-estar de todos os brasileiros.

Ao mergulharmos nestas páginas, somos desafiados a considerar como o sistema previdenciário reflete os valores de nossa sociedade. Como ele pode ser moldado para atender às necessidades emergentes sem comprometer o direito fundamental à Previdência Social? Como podemos garantir que esse direito permaneça uma âncora de justiça social em nosso país?

Que esta obra inspire conversas, reflexões e ações em prol da justiça social. A Previdência Social não é apenas um sistema, mas uma promessa de bem-estar para todos os brasileiros. Desejamos a todos uma leitura inspiradora e enriquecedora. Que esta obra nos conduza a um futuro mais justo e seguro para todos os brasileiros.

Boa leitura!

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o GrAve retrocesso dA PrevidênciA

sociAl BrAsileirA e A Fl AGrAnte viol Ação dos direitos huMAnos coM A ABsconsA extinção dA APosentAdoriA Por teMPo de contriBuição e dA APosentAdoriA esPeciAl

cássiA PAtriciA GArciA de toledo rodriGues1

1. APosentAdoriA Por teMPo de contriBuição e APosentAdoriA esPeciAl

1.1. Da aposentaDoria por tempo De Contribuição

Aposentadoria por Tempo de Contribuição, anteriormente denominada como “aposentadoria por tempo de serviço”, é a aposentadoria assegurada ao trabalhador afiliado ao Regime Geral da Previdência Social, nos termos da lei, após um determinado tempo de contribuições vertidas para o sistema previdenciário.

Segundo MARTINS2, a Aposentadoria por Tempo de Contribuição “[...] é um tipo de seguro destinado àquelas pessoas que contribuíram sobre determinados salários e estão com o número necessário de contribuições para que possam parar de trabalhar [...]”

A aposentadoria por tempo de contribuição está prevista na Constituição Federal, em seu artigo 201, parágrafo 7º. que assim dispõe:

Art. 201. “A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

1 Advogada atuante na área de Direito Laboral - Direito do Trabalho e Direito Previdenciário e Seguridade Social Consultora e Parecerista em Direito Previdenciário - Compliance Trabalhista e Previdenciário. Professora de Direito Previdenciário. Palestrante. Graduada em Direito - Pós Graduada (Lato Sensu ) em Direito Civil e Processo Civil – Pós Graduada ( Lato Sensu ) em Direito do Trabalho c/ Habilitação para Magistério Superior. Pós Graduada Lato Sensu) em Direito da Seguridade Social c/ Habilitação para Magistério Superior - Mestre em Direito Empresarial (Strictu Sensu). Cursou Direito Comparado em Universidade de Bologna – ITÁLIA. Pós-graduada em Direitos Humanos, Direito Constitucional, do Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pelo IGC – Ius Gentium Conimbrigae - Universidade de COIMBRA – PORTUGAL. Doutoranda em Direito Laboral (Trabalhista e Previdenciário) pela Universidade Federal de BUENOS AIRES/ARGENTINA.

2 MARTINS, Sérgio Pinto – Direito da Seguridade Social, 2002 – pg.337.

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§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:

I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;” Contudo, após algumas emendas e restruturações legais que alteraram a essência do texto constitucional, a começar pela inserção do fator previdenciário, previsto na Lei 9876/99 até a edição da EC 103/2019 (reforma previdenciária), o inciso I do parágrafo 7º. do artigo 201, tornou-se sem efeito, como analisaremos a seguir.

A aposentadoria por tempo de contribuição encontra-se também regulamentada nos artigos 52 a 56 da Lei nº 8.213/1991, tendo ainda as especificações contidas na EC 20/98 e EC 103/2019, responsável por sua indiscutível extinção. Criada inicialmente como “aposentadoria por tempo de serviço”, a qual foi extinta pela Emenda Constitucional 20/1998, da aposentadoria por tempo de contribuição e da aposentadoria especial surgiu propondo a substituição do tempo de serviço pelo de contribuição, não mais bastando apenas o exercício do serviço remunerado, sendo curial a arrecadação das contribuições previdenciárias de maneira real ou presumida. (AMADO, 2016, p. 408).3

Em regra, a Aposentadoria por Tempo de Contribuição, na forma vigente até a edição da EC 103/2019, funcionava com regras objetivas, de uma forma bem simples, como a maioria dos seus segurados no Brasil. Os trabalhadores precisavam trabalhar e pagar a Previdência por 30 anos (mulheres) ou 35 anos (homens) para se aposentar, independentemente da idade. Algumas exceções como a aposentadoria especial, a aposentadoria dos professores (com 05 anos a menos) e a mais antiga aposentadoria proporcional (também já extinta),

Historicamente, sempre se entendeu que o trabalhador após 35 anos de efetivo trabalho (30 anos para as mulheres, em razão da maternidade), já estava desgastado, principalmente se o trabalho exercido durante a vida laboral foi braçal, com uso de força física, penoso, de risco ou insalubre, motivo pelo qual criou-se alguns mecanismos de redução desse tempo para as categorias ditas “especiais”. Note-se que muitos trabalhadores brasileiros sequer chegavam a alcançar os 30 ou 35 anos de contribuição e trabalho, em razão de problemas de saúde impeditivos, muitas vezes relacionados ao tipo de trabalho realizado. Se tratava de uma regra justa, que permitia, ao menos, o trabalhador se aposentar e desfrutar um pouco da vida inativa antes da morte.

Com a Reforma Previdenciária ocorrida em novembro de 2019, ocorreu a junção das aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria por idade,

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3 AMADO, Frederico – Curso de Direito e Processo Previdenciário - 8ª edição - 2016 – Ed. Juspodivm.

necessitando, agora, de idade mínima e tempo de contribuição para obter o benefício da aposentadoria, além do trabalhador ter que suportar a efetiva redução do valor do benefício, porquanto com a nova modalidade de aposentadoria “pós reforma”, o segurado receberá apenas 60% (sessenta por cento) de 100% (cem por cento) da média remuneratória calculada a partir das contribuições vertidas de julho/1994 em diante, mais 2% ao ano de tempo de contribuição, acima de 20 anos para os homens, ou acima de 15 anos de tempo de contribuição para as mulheres, representando uma redução global de aproximadamente 15% (quinze por cento) em cada benefício concedido pela nova regra.

A aposentadoria por tempo de serviço teve o seu nome alterado pela Emenda Constitucional n. 20/1998, para aposentadoria por tempo de contribuição, a qual por sua vez foi extinta pela reforma da previdência aprovada em 2019. (EC n. 103/19). Atualmente, Aposentadoria por Tempo de Contribuição só é possível para quem completou os requisitos antes da Reforma da Previdência, em 13.11.2019, sendo necessários 35 anos (homem) ou 30 anos (mulher) de contribuição até 13/11/2019.

Assim, apesar de não ser mais possível se aposentar apenas por tempo de contribuição, ainda existe um período mínimo de contribuição necessário para que o trabalhador possa ter acesso a tal benefício do INSS. No RGPS, homens e mulheres precisam de um mínimo de 15 anos de contribuição, com exceção aos homens que se filiaram ao sistema após 13.11.2019, que precisarão de 20 anos de contribuições à Previdência Social. Já no RPPS, os servidores terão que contribuir, pelo menos, 25 anos à previdência social, sendo 10 desses no serviço público e 5 no cargo no qual ele se aposentará.

1.2. Da aposentaDoria espeCial e Da Conversão De tempo espeCial em Comum

1.2.1. A Aposentadoria Especial

Consiste em um benefício previdenciário, de prestação continuada, concedido ao segurado do Regime Geral de Previdência Social – RGPS que, cumprido o período de carência exigido, labore em atividades consideradas pela legislação previdenciária como nocivas à saúde humana, de modo habitual e permanente, não ocasional e intermitente, por período de 15, 20 ou 25 anos, dependendo do grau de nocividade encontrado no labor prestado. A Aposentadoria Especial se trata de uma espécie de aposentadoria por tempo de contribuição, sendo que o período para a sua obtenção, será reduzido em razão da prestação de serviços onde o segurado ficou exposto a agentes agressivos a sua saúde ou risco a sua integridade física.

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No Brasil, a aposentadoria especial obteve sua primeira previsão legal com a publicação da lei 3.807, de 26 de agosto de 1960 (BRASIL, 1960), denominada como LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social. Posteriormente, foi melhor regulamentada pelo decreto 53.831, de 25 de março de 1964 que trouxe um anexo com lista de agentes e ocupações que se enquadravam no conceito de ”especial”, correspondentes a quinze, vinte ou vinte e cinco anos para o exercício da atividade como requisito para o direito à aposentadoria especial (BRASIL, 1964).

Sucessivamente, ao longo dos anos, o instituto da aposentadoria especial foi se adaptando, sofrendo algumas alterações, passando pelos seguintes textos legais: Decreto 83.080/1979, Decreto 611/1992, Lei 8.213/91 e Lei nº 9032/1995, marco das alterações, responsável por extinguir a aposentadoria especial por categoria profissional, criando a obrigatoriedade de comprovação documental da exposição aos agentes químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, pelo período equivalente ao exigido para a concessão do referido benefício, assim como, comprovação pelo segurado do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, nas condições que prejudicassem a saúde ou integridade física durante o período mínimo fixado em lei.

Seguiram-se, ainda, a MP 1523/1996, Decreto 2172/1997, MP 1729/1998, convertido na Lei nº 9732/1998, Decreto 3.048/1999, que reeditou a lista de agentes nocivos, Decreto 4032/2001, MP 83/2002, convertida na Lei nº 10.666/2003, Decreto 4882/2003, Decreto 8123/2013 e finalmente a EC 103/2019, que, em verdade, restringiu drasticamente a aposentadoria especial.

Com a natureza de proteção social, esse benefício do INSS está diretamente ligado ao critério temporal, na medida em que, em razão das condições adversas a que o obreiro é exposto, bem como o tempo de sujeição ao trabalho nocivo, lhe é concedido o direito de redução do período de contribuição necessário a aposentadoria, obviamente se a atividade estiver enquadrada no rol dos agentes nocivos constantes nas legislações pertinentes.

Enquanto as outras espécies de aposentadorias ofertadas pela Previdência Social visam assegurar a remuneração do segurado no período de sua inatividade, quer pelos longos anos de labor, quer pelo envelhecimento natural, a aposentadoria especial, além da proteção comum inerente, visa o resguardo da saúde, integridade física e psíquica do segurado que, para o exercício regular do seu labor, seja obrigado a se expor a agentes nocivos a saúde ou agentes que o coloquem em risco de vida.

Por outro lado, pode se dizer que a aposentadoria especial também tem o caráter compensatório ou indenizatório, porquanto a redução de tempo de con-

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tribuição proposta, procura compensar o segurado da penosidade que enfrenta diariamente no exercício de sua função, na medida em que é obrigado a se expor diariamente ao risco, ao perigo iminente. É como se fosse um “prêmio” pelo desgaste maior no trabalho.

No conceito de Horvath Júnior,4 esta modalidade de aposentadoria é: “Direito subjetivo excepcional de quem preenche aspecto especial porque requer, além do tempo de serviço, a exposição ao risco.” No entendimento de Martins5: “Trata-se de um benefício de natureza extraordinária, tendo por objetivo compensar o trabalho do segurado que presta serviços em condições adversas à sua saúde ou que desempenha atividade com riscos superiores aos normais.” Nas palavras de Maria Helena Carreira Alvim Ribeiro “a aposentadoria especial é um benefício que visa garantir ao segurado do Regime Geral da Previdência Social uma compensação pelo desgaste resultante do tempo de serviço prestado em condições prejudiciais”. (RIBEIRO, 2009, p.24).

Assim, o benefício de aposentadoria especial será concedido aos trabalhadores que, devido a condições do exercício de sua profissão, tenham sido expostos à insalubridade (agentes químicos, físicos e biológicos que podem fazer mal à saúde) ou expostos a periculosidade, fatores que trazem risco de morte para o trabalhador.

O segurado da Previdência Social que trabalhava sob condições especiais, nos termos previstos em lei, quer seja em condições prejudiciais à saúde, quer sejam condições de risco à integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei, fazia jus a aposentadoria especial, devendo sempre o segurado comprovar, além do tempo de trabalho, a efetiva exposição ao agente insalubre ou de risco, por meio de documentos hábeis e específicos, de acordo com o padrão da Previdência Social.

Na lição do renomado autor KERTZMAN,6 a aposentadoria especial será devida: ..] ao segurado empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual, este somente quando cooperado filiado à cooperativa de trabalho ou de produção, que tenha trabalhado durante 15, 20, ou 25 anos, conforme o caso, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física

Para sua concessão, o segurado deverá comprovar perante o INSS, o: [...] tempo de trabalho permanente, não ocasional, nem intermitente exercido com exposição do segurado aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou a as-

4 (HORVATH JÚNIOR, MIGUEL, Direito Previdenciário - 2014, p. 333).

5 MARTINS, Sérgio Pinto – Direito da Seguridade Social, 2008 – pg.357.

6 KERTZMAN, Ivan, Guia Prático da Previdência Social – 2014, p. 374/375.

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sociação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física (KERTZMAN, 2014, p. 375).

Prevista nos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/1991, a aposentadoria especial era uma das melhores formas de se aposentar no Brasil até a edição da EC 103/2019, a Reforma Previdenciária, que praticamente a extinguiu, deixando muito restrito o direito a essa modalidade de benefício. Uma das vantagens da aposentadoria especial era que ela consistia em uma renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício.

Na verdade, a redução da aposentadoria especial é uma ideia antiga do governo brasileiro que aos poucos vem se firmando, porquanto com tantas alterações, restrições ocorridas após 14.11.2019, pouco restou do genuíno benefício, reduzindo o número de segurados que poderão se utilizar do tempo laborado em condições especiais para fins de aposentadoria especial ou ainda se utilizar do fator de conversão 1.4 para homens e 1.2 para mulheres, para conversão de tempo especial em comum, aumentando o tempo de contribuição.

1.2.2. Da conversão de Tempo Especial em Comum

A conversão do tempo de serviço prestado em condições de labor especial em tempo comum não se confunde com a aposentadoria especial, mas visa também reparar os danos causados pelas condições adversas de trabalho 7do segurado, permitindo-lhe somar o tempo de serviço prestado em condições especiais, convertido, com o tempo de atividade comum, para obter o benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição, com uma relativa antecipação. Assim, esta consiste na transformação do tempo de trabalho prestado em condições penosas, insalubres ou perigosas em tempo comum, aplicando-se a esse período o índice previsto pela legislação previdenciária.

Para Wladimir Novaes Martinez8 a conversão do tempo de serviço pode ser entendida na “transformação de período de trabalho perigoso, penoso ou insalubre em comum (a partir da Lei 9.032/95, apenas trabalho especial para comum e sempre válida entre os tempos especiais). Necessariamente ampliando-se o interregno laboral em número de dias, conforme a tabela de equivalência defluente naturalmente da relação matemática entre os 15, 20 e 25 anos”.

Reza o Artigo 57 da Lei 8213/91;“ O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido

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7 KERTZMAN, Ivan, Guia Prático da Previdência Social, 2014, pg. 375. 8 MARTINEZ, Wladimir Novaes – Aposentadoria Especial – 2016.

em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício.”

Assim, atualmente a conversão do tempo especial em comum é permitida para todo trabalhador que possui o tempo especial trabalhado antes da Reforma da Previdência de 2019. Através da conversão, os homens podem ter o seu tempo especial valendo 40% a mais quando convertido em tempo comum e as mulheres 20% a mais de tempo. Após 13.11.2019, data da vigência da Reforma Previdenciária, não se converte mais tempo especial em comum referente a labor posterior a essa data.

1.3. Dos Direitos suprimiDos ou vertiginosamente afetaDos

O direito à Previdência Social, no Brasil, é garantido constitucionalmente e constitui-se num leque de proteção social ao trabalhador ou pessoa que não tenha condições de sustento próprio, principalmente na incapacidade ou idade avançada.

Para se analisar o caminho sem volta dos direitos dos trabalhadores brasileiros, temos que voltar um pouco no tempo, precisamente no ano de 2017, com a tramitação veloz da “reforma trabalhista”, Lei nº 13.467/2017, que em pouco mais de seis meses alterou todo um ordenamento jurídico - quase 200 artigos da CLT – cujas novas regras beneficiam, de longe, o empregador ou a classe empresária, sucateando o empregado, parte hipossuficiente na relação de trabalho. E por estar diretamente ligada ao direito laboral, a reforma trabalhista afetou também, em parte, a saúde dos benefícios previdenciários, no tocante a sua integridade.

E com a edição da EC 103/2019 – Reforma Previdenciária – a segurança e os direitos do trabalhador brasileiro desmoronaram, pois, atrelado a esse pacote de terror da reforma, vieram as alterações mais drásticas que modificaram a forma estrutural de alguns benefícios previdenciários e seus respectivos custeios, o que implica em flagrante retirada de direitos já consagrados ao trabalhador. Senão vejamos:

1.3.1. Vinculação tempo de contribuição/idade

Por exemplo, atrelar a idade mínima ao tempo de contribuição para obtenção do benefício de aposentadoria se trata de uma medida muitas vezes injusta, porquanto a inclusão da idade como requisito para aposentadoria, despreza as diferentes realidades existentes no Brasil, na medida em que a expectativa de vida do trabalhador é muito diferente em cada região brasileira, pois depende muito de vários fatores regionais, dentre eles o estilo e qualidade de vida, que intrinsicamente está ligado ao poder aquisitivo de cada região.

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Enquanto nos estados do Sul e Sudeste do Brasil, onde seguramente o poder aquisitivo é mais alto e a qualidade de vida superior, a média de vida do trabalhador ultrapassa os 75 (setenta e cinco) anos em média, segundo estatística e último censo demográfico brasileiro, pois o cidadão normalmente se ativa em funções mais intelectuais e menos braçais, em ambientes de trabalho preservados, contando ainda com melhores condições de alimentação e possibilidade de cuidados com a saúde, fator determinante para uma vida longa. Já nos estados do Norte, Nordeste e parte do Centro-Oeste do Brasil, a média de vida está calculada entre 65 (sessenta e cinco) e 70 (setenta) anos de idade, haja vista que a vida do trabalhador daquelas regiões é marcada por trabalhos mais pesados, braçais, tais como agricultura, mineração, pecuária, dentre outros, normalmente sob condições de temperaturas altas, sol intenso, além de alimentação deficiente, muitas vezes irregular, aliada às condições de saneamento básico e saúde mais precárias, até mesmo inexistentes nas regiões mais afastadas dos grandes centros, contribuindo muito para a abreviação da vida do cidadão, que dificilmente vai além da média acima.

Por tais fatores, a vinculação única da idade para se aposentar se mostra injusta, pois nas regiões menos favorecidas, onde o trabalhador estatisticamente morre mais cedo, quando ele consegue se aposentar, sua saúde já está tão abalada pelas vicissitudes da vida, que pouco aproveita sua aposentadoria, ou, muitas vezes, morre sem sequer se aposentar, colocando-o em desigualdade com trabalhadores de regiões mais desenvolvidas e abastadas, onde o trabalhador vive um pouco mais e ainda consegue usufruir de sua aposentadoria.

1.3.2. Aumento da idade mínima de aposentadoria por tempo de contribuição para mulheres - 62 anos

Outra injustiça perpetrada pela nova regra imposta pela EC 103/2019, que, uma vez mais, retira direitos do trabalhador brasileiro, diz respeito as mulheres, cuja idade mínima para se aposentar por tempo de contribuição passou de 60 (sessenta) para 62 (sessenta e dois anos). A reforma sucateadora foi prejudicial às mulheres na medida em que desconsiderou por completo que, como é cediço, a mulher normalmente tem dupla ou tripla jornada de trabalho, pois além do exercício profissional, ela ainda cuida da casa, dos filhos, da família e muitas vezes leva trabalho para casa, além do que, estaticamente falando, no Brasil de hoje, 2021, infelizmente ainda existem um grande número de mulheres que trabalham arduamente sem vínculo empregatício, ou seja, sem registro, notadamente entre as empregadas domésticas, cuja categoria é composta em sua grande maioria por mulheres, que ainda se sujeitam a trabalhar sem registro para ter uma renda e levar o sustento para o lar, sem falar na

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remuneração laboral das mulheres que, em pleno século XXI, continua sendo sempre inferior ao homem.

1.3.3. Alteração no cálculo dos benefícios – Redução explícita

Quanto ao valor dos benefícios, as mudanças trazidas pela EC 103/2019 também foram implacáveis: o cálculo da média das contribuições passou a incluir todos os salários de contribuição desde julho de 1994 ou do início do período contributivo, sem desprezar os 20% (vinte por cento) dos menores valores, como era antes, causando uma redução na Remuneração Mensal Inicial do segurado que se aposenta.

E o valor das aposentadorias do RGPS e do RPPS da União, hoje partindo de 60% (sessenta por cento) da média dos salários de contribuição mais 2% (dois por cento) para cada ano de contribuição que exceda a 15 (quinze) anos, para a mulher vinculada ao RGPS e para a aposentadoria especial com 15 (quinze) anos em condição prejudicial à saúde, ou que exceda a 20 (vinte) anos para os homens do RGPS e para servidores e servidoras da União.

Essa redução abusiva causa um impacto nefasto de grandes proporções ao trabalhador brasileiro, que geralmente tem a sua vida paramentada nos seus ganhos mensais, cujos compromissos financeiros são ajustados de acordo com sua remuneração e renda, muitas vezes insuficientes para prover a família e despesas inerentes como moradia, estudo, alimentação, saúde e taxas públicas obrigatórias.

Reduzir drasticamente seus ganhos no momento de sua aposentadoria, momento este que deveria ser de felicidade, de forma que o trabalhador, agora aposentado, não consiga sequer pagar suas contas, é uma extrema maldade, não havendo termo mais adequado, condenando o aposentado a miserabilidade ou, quando ainda lhe resta uma centelha de saúde, voltar ao mercado de trabalho e laborar até a morte, com o único intuito de sobreviver.

Para essa redução salarial do significativo percentual de 40% (quarenta por cento) não há justificativa plausível, a não ser o notório caráter usurário do Poder Público Brasileiro que deixa as claras sua intenção de empobrecer cada vez mais o trabalhador brasileiro até que ele morra e deixe de custar cifras ao Governo, sobrando mais verba para os demais itens não assistenciais e que nunca são devidamente explicados à população.

Em malsinada reforma, haveria de ser considerada ainda a grande realidade do trabalhador brasileiro na atualidade, que, com escassa oferta de trabalho no mercado para uma multidão de milhões de desempregados, recorrem a economia informal cada vez mais cedo (muitos ainda na adolescência), eis que necessitam sobreviver ou auxiliar no sustento da casa, sendo que nem sempre (ou quase nun-

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ca) o trabalhador informal consegue recolher sua previdência para se aposentar futuramente, devido a baixa renda, sempre insuficiente para sua sobrevivência. Vê-se, portanto, com base nas reflexões acima, que a reforma vilã, que recebeu o título de EC 103/2019, em verdade fomenta o aumento da desigualdade entre o trabalhador brasileiro e, por que não, o aumento da pobreza efetiva, pois o segurado da Previdência Social caminha cada vez mais longe de sua tão sonhada aposentadoria.

Além de prejudicar escancaradamente as mulheres, a reforma imposta condena o trabalhador brasileiro a uma vida quase escrava, onde se trabalha duro a vida inteira para se aposentar perto da morte (isso quando consegue se aposentar em vida), sendo certo ainda que a retirada de direitos inerentes do trabalhador brasileiro atinge, como sempre, a classe operária, assalariada, os mais pobres, não atingindo a classe empresária ou os mais ricos que normalmente não dependem da renda da aposentadoria para sua sobrevivência.

Com efeito, o impacto social causado com as alterações temerárias contidas na EC 103/2019, é deveras preocupante, pois além de reduzir o valor das aposentadorias e das pensões acima do salário-mínimo, reduziu em muito todos os novos benefícios, mesmo para aqueles trabalhadores que têm salários pouco acima do mínimo legal, jogando o aposentado brasileiro no patamar da pobreza e miséria, situação absurdamente indigna após uma vida de trabalho!

Sobremais, para muitos trabalhadores, a elevação da idade mínima de aposentadoria poderá significar o retorno por mais alguns bons anos ao trabalho, sem conhecer a inatividade ou o descanso após uma vida de trabalho e contribuições. E o trabalho em condições insalubres e perigosas, ambas desgastantes, será prolongado, danificando cada dia mais a saúde física e mental do trabalhador brasileiro.

A EC 103/2019 fere direitos fundamentais sociais, notadamente com a extinção da aposentadoria por tempo de contribuição, violando o direito fundamental à previdência, retira proteção do trabalhador rural e das mulheres, reduz o cálculo dos benefícios, além de revogar as regras de transição impostas pelas emendas constitucionais 20/98 e 41/03. Portanto, com a abolição de direitos e garantias individuais, emerge cristalina a primeira inconstitucionalidade, pela afronta ao artigo 60, parágrafo 4º, do texto constitucional).

No mais, a EC 103/2019 – Reforma da Previdência Social - fere o princípio da isonomia, na medida em que confere tratamento igual aos desiguais e retira o tratamento protetivo conferido às mulheres pela Constituição Federal de 1988, ofendendo a cláusula pétrea consagrada no artigo 60, § 4º, IV, da CF/88.

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2. dA FlAGrAnte violAção Aos direitos huMAnos

2.1. o impaCto soCial e emoCional provoCaDo pela extinção Da aposentaDoria por tempo De Contribuição e aposentaDoria espeCial viola os Direitos Humanos? sim ou não?

Do ponto de vista humano e social, sabemos que a aposentadoria é o grande sonho de todo trabalhador, que, em sua maioria, pensa em diminuir o ritmo das atividades ou cessa-las de vez para aproveitar um pouco mais a vida com a família e lazer. No caso do Brasil, esse sonho é mais veemente ainda porque o obreiro passa a vida toda se dedicando ao trabalho, as vezes mal remunerado, sofrendo pressões, humilhações, enquanto acalenta o grande sonho de se aposentar e, em tese, “começar a viver”...

A Reforma da Previdência Social na forma em que foi aprovada, abalou a expectativa de vida do trabalhador brasileiro, exterminando sua esperança de um amanhã mais tranquilo e prazeroso, provocando em muitos verdadeiros estados depressivos, com profundo abatimento. A parte mais combatida da reforma foi o aumento da idade mínima para usufruir do benefício, seguida da extinção da aposentadoria por tempo de contribuição e da aposentadoria especial, finalizando com a redução do valor dos benefícios em geral, sendo todas alterações altamente prejudiciais ao segurado.

E as consequências da reforma insana começam a despontar: mesmo em meio a pandemia, aumentou consideravelmente o número de emigrações de brasileiros, que procuram lá fora a estabilidade financeira que seu país não lhe oferece, ao contrário, lhe rouba a esperança de uma qualidade de vida digna na velhice. O cidadão brasileiro está desolado e grande parte da população ativa hoje, que não integram a categoria de contribuintes obrigatórios da Previdência Social, tem deixado de verter contribuições para o Regime Geral da Previdência Social e optado pela Previdência Privada, ainda que com inseguranças, na tentativa de preservar sua esperança.

Se mudanças são necessárias, estas devem ter como escopo melhorias na aposentadoria da classe segurada e não a extirpação dos direitos já cristalizados ao longo do último século. Não é crível abstrair o direito da base material da sociedade, a pretexto da sustentabilidade do sistema previdenciário, o qual não se esgota na esfera do direito social. Não se pode imputar à Previdência Social, isoladamente, a responsabilidade, pela deterioração das contas públicas, quando sabemos que há manifestos interesses de favorecimentos em primeiro plano, a frente das políticas sociais. O que falta é um programa eficaz e honesto de gestão da economia.

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Não se preserva a ordem socioeconômica de uma nação extinguindo direitos já sacramentados, tais como as aposentadorias por tempo de contribuição e especial, sacrificando o trabalhador. Com essas medidas, só se acentua o desequilíbrio social do país, fomentando a pobreza e descrença, jogando a classificação do Brasil, não como país de terceiro mundo, mas atrás destes.

2.2. ConClusão

Com o novo regramento aplicado ao sistema previdenciário desde 13.11.2019, quando ocorreu a Reforma Previdenciária, nos deparamos frontalmente com uma série de violações: a Constituição Federal, notadamente em seu artigo 60, parágrafo 4º, que prevê a manutenção dos direitos e garantias individuais, ao princípio da isonomia, princípio essencial da proteção da segurança e Princípio da Vedação ao Retrocesso de Políticas Públicas e o sagrado direito fundamental à Previdência - o direito à previdência integra o rol dos direitos humanos e é garantido pela Constituição Federal brasileira. Está em questão a irretroatividade da lei.

E a EC 103/2019 representa a imposição de perdas aos segurados, uma vez que o eixo da reforma foi o aumento da idade média de concessão do benefício, implicando extensão do período contributivo, redução dos gastos no curto prazo pela postergação da concessão e redução dos gastos no longo prazo pela concessão por menor período, vez que muitos segurados sequer vivem até a concessão mais tardia da aposentadoria.

Trata-se de trabalhar mais, contribuir mais e receber menos, por menos tempo, estreitando a relação entre contribuições e benefícios pela nova regra de cálculo. A postergação da aposentadoria significa que quanto mais velho o trabalhador, mais ele ganha – em princípio – por menos tempo. E quanto mais novo se aposenta, menos ganha, por mais tempo. Então, a longevidade é uma punição. Em outros termos, significa mais anos de vida com menos dinheiro no bolso. E a aposentadoria por tempo de contribuição, foi simplesmente abolida.

Para o Poder Público, a Reforma representa um grande avanço em favor do equilíbrio atuarial entre os benefícios e as contribuições. Na visão do trabalhador brasileiro e respectivas organizações representativas de trabalhadores, essa última reforma é mais um confisco parcial do valor da aposentadoria, impondo perdas aos segurados da Previdência Social.

Em verdade, houve um retrocesso social. E haverá no futuro um grande retrocesso econômico. Reduzir benefícios previdenciários, pilares da Seguridade Social, implica em verdadeiro retrocesso, inadmissível à luz da lei, carregando em sua sombra todos os riscos de mais empobrecimento da população e desmorona-

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mento da economia, se distanciando cada vez mais do pilar básico da seguridade social – garantia ao trabalhador/contribuinte.

A Previdência Social é só a ponta do grande iceberg da Seguridade Social, que está - ou pelo menos deveria – a cargo do Governo Federal, responsável pela sua arrecadação, distribuição, manutenção e garantia ao segurado brasileiro, devendo, geralmente, ser mantida a Integralidade (e não parcialidade), irredutibilidade (e não redutibilidade) e paridade (e não disparidade) dos benefícios previdenciários. E é desalentador constatar que os princípios básicos da justiça social vêm sendo desrespeitados um a um, com o aumento e unificação do quesito idade para fins de aposentadoria, com o não reconhecimento do tempo especial em atividade insalubre/perigosa e com a redução das remunerações dos aposentados e pensionistas da Previdência Social. Como se fosse uma punição.

E como a aposentadoria ainda é o grande sonho do trabalhador brasileiro, dificultá-lo com uma reforma desfavorável, é desmotivar a grande força ativa que mantém o país de pé, é marchar em retrocesso às políticas públicas de crescimento e evolução, é negar a condição governamental inerente de provedora de bens e serviços no âmbito da seguridade social.

A reforma previdenciária brasileira viola o princípio do valor social do trabalho, viola o direito constitucional da proteção previdenciária, direito humano e fundamental, derivado do próprio direito de proteção à dignidade da pessoa humana.

Destarte, a grande Reforma Previdenciária – EC 103/2019, de 12.11.2019, viola, acima de tudo, o princípio que impede o retrocesso social. E como este princípio se ampara em dois nortes, o da dignidade da pessoa humana e também o da segurança jurídica, que são as bases do nosso ordenamento jurídico e social, podemos concluir que o grave retrocesso da Previdência Social Brasileira deflagrado com a reforma da previdência, viola sim, de forma flagrante os Direitos Humanos, vez que o princípio em comento está assentado na Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, obrigando o Estado a preservar os direitos sociais já concretizados.

Inobstante ter ratificado diversos Pactos e Tratados Internacionais que protegem os direitos humanos, dentre eles o direito à Previdência, o Brasil vem caminhando na contramão dos Direitos Humanos, sucateando direitos laborais conquistados por meio de manifestações, lutas e guerras. Estamos assistindo a um verdadeiro retrocesso no que tange às garantias e direitos dos cidadãos, em especial dos trabalhadores brasileiros e segurados da Previdência Social. Os interesses dos trabalhadores, verdadeiros responsáveis pelo avanço desse país, foram deixados em segundo plano, em prol de interesses econômicos da classe política e das classes mais abastadas, renegando os direitos sociais, duramente conquistados e

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