1_9786559087655

Page 1

TECNO POLÍTICA CRIMINAL

FELIPE
AUGUSTO JOBIM DO AMARAL
DA VEIGA DIAS

Augusto Jobim do Amaral

Felipe da Veiga Dias

TecnopolíTica criminal

Copyright© Tirant lo Blanch Brasil

Editor Responsável: Aline Gostinski

Assistente Editorial: Izabela Eid Capa e diagramação: Natalia Carrascoza Vasco

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:

Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México

Juarez Tavares

Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil

Luis López Guerra

Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha

Owen M. Fiss

Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA

Tomás S. Vives Antón

Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

A512 Amaral, Augusto Jobim do Tecnopolítica criminal [livro eletrônico] / Augusto Jobim do Amaral, Felipe da Veiga Dias - 1.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2024. 1Kb; livro digital

ISBN: 978-65-5908-765-5.

1. Tecnologia. 2. Política. 3. Ciências criminais. 4. Sociedade de controle. I. Título.

CDU: 343.9

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).

A512 Amaral, Augusto Jobim do Tecnopolítica criminal / Augusto Jobim do Amaral, Felipe da Veiga Dias. - 1.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2024. 174 p.

ISBN: 978-65-5908-757-0.

Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch.

1. Tecnologia. 2. Política. 3. Ciências criminais. 4. Sociedade de controle. I. Título.

Fone: 11 2894 7330 / Email: editora@tirant.com / atendimento@tirant.com tirant.com/br - editorial.tirant.com/br/

CDU: 343.9

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Augusto Jobim do Amaral

Felipe da Veiga Dias

TecnopolíTica criminal

Sumário

Nota de edição .....................................................................

conTrole Social e governo de dadoS ...................................

algoriTmoS e novoS deSdobramenToS biopolíTicoS do conTrole ............................................................................

SurveillaNce no eSTado penal e aS “novaS” TecnologiaS de conTrole biopolíTico .........................................................

TecnopolíTica e a morTe da SuSTenTabilidade: a miTomania como reSpoSTa aoS limiTeS do planeTa.................................

a violência (criminoSa) da aTuação penal eSTaTal e Sua inSuSTenTabilidade Social: reTraToS de um eSTado de polícia braSileiro .........................................................................

..

6
25
9
57
82 aNexoS
104
132 FoNte doS textoS ............................................................. 172
“Black Mirror”: TecnopolíTicaS da condição Humana

noTa de edição

Esta obra é produto de ao menos intensos cinco anos de investigação conjunta entre os Grupos de Pesquisa “Criminologia, Violência e Controle”, liderado pelo Professor Felipe da Veiga Dias, junto ao Programa de Pós-Graduação em Direito da então IMED e agora Atitus Educacional, na cidade de Passo Fundo/RS, e o Grupo de Pesquisa “Criminologia, Cultura Punitiva e Crítica Filosófica”, de responsabilidade do Professor Augusto Jobim do Amaral em dois Programas de Pós-Graduação da PUCRS, em Ciências Criminais e em Filosofia. Sem dúvida alguma, qualquer esforço nosso isolado tornaria esta empreitada impossível, se não fosse o apoio dos pesquisadores que compartilham inquietações, seja na iniciação científica na graduação, mestrado, doutorado ou que, de alguma maneira, frequentaram, passaram ou que ainda permanecem em nossos Grupos. Mesmo que os textos tenham sido escritos, em maior medida, a quatro mãos, somente puderam ser produzidos em comum.

O título pode, a um primeiro momento, parecer estranho ou até mesmo pretensioso. De fato, não se trata de uma abordagem tradicional sobre política criminal. Sobre isso, há bibliotecas escritas (ao menos modernamente, desde Beccaria e Feuerbach até hoje) de enorme qualidade. Por certo, não se trata de um escrito sobre ciência política ou menos ainda de teoria da pena. Nem mesmo, uma espécie de delineamento de plano gerencial estatal para combater o crime – algo que marca, em alguma medida, este campo como um instrumento de aprimoramento da eficácia do sistema penal. Não estamos estudando aqui modelos de orientação, portanto, de justiça criminal. Muito pelo contrário, o prefixo “tecno” aqui não serve para qualificar ou delimitar meramente uma forma política, nem para dar cores aos modismos de época em matéria

jurídica, mas para expressar o que, fundamentalmente, importa: apontar novas montagens sobre os modos de governo do poder punitivo. Já sabemos, pelo menos desde Foucault, que soberania, disciplina e segurança/controle não são apenas épocas históricas do poder, mas maneiras sobre as quais a governamentalidade se dá em nossas vidas. Daí como o exame das agências estatais encarregadas do sistema penal torna-se insuficiente. Vemos como foco privilegiado, logo, não apenas aquilo que é territorializado institucionalmente, mas, sobretudo, a amplificação da análise sobre o exercício do poder punitivo, ou seja, suas novas práticas, incipientes estratégias e formas de expressão. Responder à pergunta sobre o que significa punir hoje deve levar em conta aquilo que vá além da análise das agências governamentais responsáveis pela distribuição desigual da violência institucional. Portanto, trata-se, se fosse possível dizer, de aprofundar e reunir neste livro ensaios, criminologicamente fundados, sobre uma possível filosofia política do poder punitivo vista desde uma sociedade de controle.

Sendo assim, o volume é dividido em dois momentos. Um bloco composto por quatro ensaios, que entrelaçados, a despeito de se ocuparem de conjunturas distintas e perspectivas metodológicas diversas, orientam a obra como um todo tratando daquilo que cunhamos, na falta de algum conceito mais adequado, de tecnopolítica criminal. Busca-se uma espécie de cartografia provisória que, de modo geral e desde várias entradas, procura indicar algumas intensidades quando se trata das metamorfoses produzidas numa sociedade de controle em termos tecnopolíticos. De modo mais objetivo, apontar alguns nuances daquilo que o governo pelos dados vem impactando os modos como o controle social vem sendo exercido.

Em Anexo, como segunda parte, optamos por dispor um artigo mais estritamente alinhado ao campo de investigação criminológico sobre a obscenidade da violência policial – de incansável insistência em nosso percurso de crítica acadêmica –, sobretudo, para frisar o quanto é importante entender as tecnologias de poder como caleidoscópios de afetações mútuas, nunca excludentes entre si, mas que reconfiguram suas dinâmicas em novas normatividades de modo permanente.

7 6

Assim, encerramos esta parte final com uma longa e cuidadosa entrevista, a pretexto da série Black Mirror (feita por Bruno Rigon e finalizada por Felipe da Veiga Dias) mas que acaba por articular os principais argumentos do livro de modo mais solto, contudo que acaba por permitir o acesso mais direto ao conjunto das principais questões aqui levantadas. Não seria exagero sugerir a algum leitor mais ansioso a sua leitura de início.

Como registro final, importa dizer que se tratam todos de ensaios já publicados em periódicos de impacto acadêmico de excelência em diversas áreas (com suas fontes ao final deste volume), agora adaptados, revisados e corrigidos para esta publicação, que teve a sorte de contar com a hospitalidade da Editora Tirant lo Blanch.

Agradecemos incomensuravelmente o apoio de todos.

Porto Alegre/Passo Fundo, verão de 2023/2024.

Os Autores

conTrole Social e governo de dadoS

O estudo em tela parte do tema do controle e da biopolítica como elementos centrais de observação. Essa proposição ampara-se na tentativa de compreensão, dentro das dinâmicas das relações de poder e da produção de subjetividades, das estratégias que se implementam atualmente em termos de gerenciamento da vida.

Assim, a fim de delimitar ainda mais o escopo da pesquisa, direciona-se a atenção à sociedade do controle, mormente desde os dados/metadados obtidos e fornecidos pelos dispositivos tecnológicos hodiernos. Opta-se por tal espectro em razão das performances das relações humanas em termos neoliberais – de otimização pessoal e de necessidade de exposição, muito para além das práticas disciplinares rígidas –, exercidas através da voluntariedade e do uso intensivo da liberdade, em que todos, de algum modo, geram para Estados e empresas informações sobre sua existência.

Significa dizer que há um novo espectro biopolítico em operação, que amplia os dispositivos de controle, a seu modo, alimentados pela própria população e produtora de enorme capital imaterial através das plataformas tecnológicas, satisfazendo um modo de vida em que a empresa se torna o modo de subjetivação por excelência, ao mesmo tempo em que as patologias sociais governam as populações até a sua exaustão física-mental.

Diante desse contexto, é importante frisar que as práticas de soberania clássicas ou mesmo disciplinares do alvorecer da modernidade de modo algum tornaram-se superadas ou desapareceram. A seu modo, foram repotencializadas e mantêm-se plenamente aplicáveis aos inaptos dos processos tec-

9 8

nológicos deste estágio do capitalismo. Daí surge um enfoque especial a respeito de como tais processos afetam, no plano nacional, os parâmetros democráticos.

Assim, tem-se como problema de pesquisa de que forma a atual dinâmica biopolítica, exercida através do modo de vida neoliberal, afeta de modo particular a sociedade brasileira enquanto uma democracia recente e quais as peculiaridades podem ser percebidas. A fim de concretizar repostas a tais indagações, utiliza-se como metodologia a abordagem fenomenológico-hermenêutica, valorando os elementos utilizados por sua inserção contextual. Juntamente a essa perspectiva estão os métodos de procedimento monográfico e a técnica de pesquisa por documentação indireta, com ênfase em bases bibliográficas e pesquisas empíricas.

biopolíTica e Sociedade do conTrole no capiTaliSmo conTemporâneo

No transcurso final do último século até hoje o discurso da transformação do mundo por meio da tecnologia apenas se intensificou, denotando que a arte de governar teria em suas mãos modos diferenciados de operar. Esses mecanismos inovadores e aceitos naturalmente pela população tratam de pulverizar os limites entre Estados e mercados, resultando na ampliação da vigilância e controle, juntamente a algo que se encontra na origem da gestão do governo: a economia, já que “a arte de governar é, precisamente, a arte de exercer o poder na forma e segundo o modelo da economia” (FOUCAULT, 2008, p. 127).

O modelo neoliberal que torna indistinguível a gestão da vida por entes públicos ou privados apresenta a tecnologia como uma fonte neutra na condução e gestão de pessoas. Porém, ao mesmo tempo, conduz os ganhos ao bom e velho modo capitalista de mercantilizar todo e qualquer aspecto humano em sociedade. “Esse poder de condicionar corpos e almas se manifesta como biopoder, através de funções de administração e de controle sobre os corpos, mais precisamente dirigindo e canalizando a população para fins neoliberais, e como psicopoder”, produzindo intervenções até mesmo no

campo psíquico, “o que permite somar o controle externo (e a respectiva exploração-do-outro), produzido pelo poder punitivo, ao autocontrole e à autoexploração (exploração-de-si), promovidos pelo psicopoder” (CASARA, 2018, p. 49).

Contudo, para otimizar os objetivos desse novo capitalismo tecnológico é necessária uma política que gerencie a vida e, simultaneamente, a submeta ao seu controle, ou seja, impõe-se uma biopolítica que realize a gestão potencializando a vida ao mesmo tempo em que exerce sobre ela o bipoder que a mantenha sob seus comandos (ESPOSITO, 2006, p. 26). Isso significa que pensar o período atual requer o entendimento de que a visão econômica dominante (e o próprio modelo social correlato) opera segundo parâmetros de uma sociedade do controle, onde se mesclam os instrumentos de controle realizados ao ar livre, não meramente mais apenas segundo a tônica disciplinar-institucional dos corpos (DELEUZE, 1992, p. 220).

Demonstrações de ferramentas tecnológicas a serviço do controle vão desde dispositivos de segurança comuns, tais como câmeras de vigilância, reconhecimento facial ou rastreamento de veículos (GPS), até ações aparentemente simples como registro de trajetos de corrida, preferência de compra online, desbloqueio de smartphones através da inserção de digitais (biometria) ou de verificação da íris dos olhos. Tais dispositivos produzem informações e conteúdos valiosos para montagem das estratégias na sociedade de controle.

Salutar inferir que, como explica Chignola (2018, p. 241), essa modificação de atuação disciplinar para a de controle era também uma necessidade do modelo capitalista, a fim de incrementar a acumulação humana e do capital na extração da mais-valia. Nesse sentido, se poderia compreender essa necessidade de organizar a força de trabalho como instrumento, seja por Estados ou corporações, a fim de auferir a atuação biopolítica como forma de modificar o exercício do poder sobre o corpo para um conjunto de técnicas/táticas de organização e vigilância sobre essa mesma força em prol dos rumos neoliberais (REVEL, 2014, p. 148).

11 10

Logo, há busca por corpos úteis e, por isso, agora vigiados para tal utilidade, ou seja, a destruição dos corpos passa a ser contraproducente na geração de riqueza, por isso a mudança no exercício do poder e, por conseguinte, a formação de uma biopolítica que possibilite essa exploração (REVEL, 2014, p. 148). Compreende-se assim a ligação entre os elementos biológico e político que formam esta rede, haja vista que a vida precisa ser a todo tempo controlada para atingir os fins pretendidos pelos pressupostos políticos do capitalismo tecnológico. Dessa forma, o capitalismo tecnológico tem neste modo biopolítico de agir uma pressuposição básica, visto que para governar deve-se “estruturar o eventual campo de ação dos outros” (FOUCAULT, 1995, p. 244), utilizando-se instrumentos tecnológicos que fornecem a previsibilidade necessária para tanto.

Todavia, esse estímulo à produção da vida incitado pela suposta liberdade suga a energia vital ao máximo com o objetivo de aprimorar os ganhos econômicos segundo os ditames neoliberais da concorrência permanente. Sem que exista qualquer surpresa nessa biopolítica suicida (ao menos para os seres humanos), é ela exatamente que se encontra em operação no capitalismo tecnológico, que impõe o desempenho maximizado e constante como padrão (irreal) a ser seguido.

Portanto, o empresário de si mesmo é o sujeito neoliberal desejado, embora esgotado e doente, mas imperioso ao incremento econômico (HAN, 2015, p. 23-27). Esse sujeito definido como uma empresa individual “através de uma nova semântica, não é apenas um esquema teórico, mas a prática real de um novo direito do trabalho através do desmantelamento das instituições neoliberais de welfare e dos direitos sociais” – aspecto que tinha no Estado o grande assegurador coletivo e que agora passa a gerir/treinar o sujeito para essa nova forma de liberdade nos moldes neoliberais: “o capital humano deve ser formado. E para isto é necessária a intervenção constante do governo” (CHIGNOLA, 2015, p. 16).

Com base nisso, é ocultada a subserviência governamental às demandas econômicas da era digital, bem como seus efeitos sobre os indivíduos que se expandem, por exemplo, em cidades inteligentes, através de “empresas [que] devem

ser disruptivas, os trabalhadores devem se tornar flexíveis e os governos devem ser enxutos e inteligentes. Nesse ambiente, quem trabalha muito pode aproveitar as mudanças e vencer. Ou assim nos disseram” (SRNICEK, 2017, p. 11, tradução nossa).

As promessas de progresso que escondem os danos produzidos são uma marca do capitalismo tecnológico neoliberal, que investe em controle focado na liberdade enganosa e nas falácias da individualidade que alimentam voluntariamente um sistema moldado para prever comportamentos e estimular consumo, enquanto enclausura subjetividades (HONESKO, 2018, p. 32). Ademais, soma-se a isso o fato de que se impõe a cultura de empreender constantemente, reinventando a si mesmo pelo mercado, de modo a responder ao cenário de crise com inovação e criatividade. Contudo, isso novamente esconde o fato de que se a crise é constante, funcional e opera organicamente na geração de lucros, não se trata mais de algo negativo (CASARA, 2018, p. 12), e sim de retórica a serviço da máquina biopolítica neoliberal, a qual gera problemas, danos e prejuízos sociais.

A ilusão criada pelo modelo capitalista digital encontra-se também em sua força discursiva. Plausível evidenciar que a terminologia utilizada nos debates digitais é não despropositada, propriamente para imunizá-la de qualquer crítica; pois, afinal, quem poderia se opor à informação ou à tecnologia, as quais transmitem a ideia de conhecimento e progresso? Inserir argumentos envoltos nesta gramática busca afastar reflexões econômicas ou políticas, para com isso não demonstrar o quanto tais fatores estão profundamente associados. Pensar em qualquer manejo na regulação de dados é atingir diretamente, por exemplo, a Google e sua economia imaterial de armazenamento e comércio desses dados, visto este movimento como um empecilho ao progresso (MOROZOV, 2018, p. 29).

Algumas situações práticas exemplificam as manipulações e obscuridades em determinadas proposições. Basta pensar em aplicativos (produzidos por muitas startups para alavancar negócios digitais) que prometem um estilo de vida mais saudável ou o aumento da economia da família de baixa renda, como os exemplos: a) BillGuard, que não apenas

13 12

informa o indivíduo que ele ultrapassou os gastos mensais, como igualmente pesquisa online descontos em cupons para redução das despesas; b) ou ainda o caso do iBag que se constitui em uma bolsa com sensores que se fecha (com a carteira do seu usuário dentro) para impedir os excessos de seu possuidor; c) por fim, na área da saúde cita-se o aplicativo Glow, o qual rastreia as atividades sexuais das mulheres, ciclo menstrual, início de ovulação, para auxiliar nas tentativas de engravidar. Em princípio, parecem orientar demandas sociais (saúde e economia familiar), mas o fazem ao preço de obter cada vez mais dados e informações sem esquecer que, por outro lado, justamente acabam por desonerar os entes públicos, pois diante da falha individual em gerir as indicações programadas (sempre vistos como objetivos e neutros) o responsável sempre será o sujeito e não mais o Estado diante da sua função básica em prover serviços de saúde e subsistência básica (MOROZOV, 2018, p. 107-110).

dadoS e manipulaçõeS: algoriTmoS a Serviço da póS-democracia

Não se precisa perquirir demasiadamente sobre as questões levantadas até agora para se perceber a necessidade de acompanhamento das atividades empresariais que envolvem dados ou metadados. Embora muitas das atividades desempenhadas por essas empresas sejam definidas como monopólios, caso emblemático da Amazon, as legislações antitrust ou inexistem ou, como mais se costuma notar, não incidem sobre estes conglomerados. Esse tipo de atuação não surpreende, tendo em vista que a lei, não raro, funciona como tática de controle e não apenas como mero instrumento de soberania (FOUCAULT, 2008, p. 132).

Portanto, o recurso a legislações ou atuações estatais normalmente nubla o fato da profunda cumplicidade dos estratos empresariais com as dinâmicas estatais e seus lobbies. Entes públicos e corporações atuam em mútuo benefício e gerenciam conjuntamente os negócios dataficados na direção do seu caminho mais produtivo em termos neoliberais. Até mesmo porque, a partir do uso de algoritmos, basta pensar

em problemas de criminalidade e segurança, para se antever que o mais importante são as margens de risco, e não necessariamente a solução dessas questões (CHIGNOLA, 2018, p. 256).

Assim, compreender os algoritmos e os riscos neles envolvidos, especialmente na adoção acrítica da tecnologia como sinal de progresso, é uma espiral que enclausura a todos numa visão romântica da neutralidade dos cálculos matemáticos e dos sujeitos envolvidos com tais criações. De outro modo, abrir-se a esse tipo de abordagem faz com que se possa perceber o quanto as estratégias envolvidas com a lógica algorítmica reproduzem mecanismos ostensivamente racistas, sexistas ou mergulhados em distorcidos ideais de meritocracia, conforme já amplamente confirmado por pesquisas no Vale do Silício (NOBLE, 2018, p. 10).

Portanto, alguns modelos de algoritmos apenas servem para maximizar tecnologicamente as discriminações e desigualdades produzidas por uma sociedade com uma radical desigualdade. Exemplo disso pode-se perceber quando se examina, no caso do sistema penal, um teste usualmente aplicado para medições de risco de reincidência de apenados (LSI–R – Level of Service Inventory–Revised), onde um dos padrões centrais de questionamento passa por se saber quando, pela primeira vez, o sujeito teve um envolvimento com as forças policiais, concluindo-se que maior será o risco de reincidência quanto mais cedo esta variável aparecer. Ninguém ignora – ou não deveria, senão de modo cínico – a seletividade profunda de exercício do poder punitivo que faz com que, principalmente homens negros e latinos (mormente no contexto norte-americano), sejam parados e revistados desde a juventude, muito mais vezes do que homens brancos (isso sem levar em consideração os bairros e outras questões criminológicas relacionadas a cidades) (O’NEIL, 2017, p. 15).

Abandonar a pretensa neutralidade tecnológica dos algoritmos, observando seus problemas e pressupostos, intrínseca à composição de seus programas, é tão relevante quanto entender as fórmulas dos cálculos. Comumente acredita-se que mecanismos de busca e outros dispositivos baseados em inteligência artificial (algoritmos) são elaborados tendo em

15 14

vista apenas filtros de personalização, ou seja, que seriam aperfeiçoados e aprimorados para cada indivíduo, de acordo com os resultados coletados pelo perfil dos usuários (PARISER, 2012, p. 7-11), de maneira que seus criadores não teriam qualquer influência nos resultados produzidos.

Esse talvez seja um dos maiores engodos embutidos nos ditos sistemas inteligentes, que se dispõem à previsibilidade futura e são baseados em matrizes discriminatórias como reflexo, nada neutro, das relações de poder que as orienta. Veja-se, por exemplo, o mais que generalizado algoritmo de busca da Google, o qual, apesar de louvado, até meados de 2012, ao referir à pesquisa sobre mulheres negras, latinas e asiáticas, imediatamente, remetia a estereótipos sexualizados, apresentando como resultados primários páginas pornográficas. (NOBLE, 2018, p. 11).

Os erros (glitch) desses mecanismos de busca e outros instrumentos são geralmente atenuados, ignorando-se a opressão que os algoritmos exercem. Não obstante, como justificar que, da mesma forma, em 2015, o dispositivo de reconhecimento facial da Google indicava macacos e animais como primeiro resultado para afro-americanos, ou ainda, que a busca por nigger house (com significado racista) indicasse a Casa Branca durante a administração Obama? Nada estranho que, quando campanhas revelam a existência de resultados sexistas ou racistas em mecanismos de busca, a resposta padrão adotada seja de que isso em realidade ainda seria um espelho dos usuários, o que não se duvida, todavia, também não deve elidir o conglomerado de suas responsabilidades sobre a veiculação e propagação do conteúdo. Em resumo, ignoram-se os algoritmos planificados, direcionando-se a responsabilidade, ao estilo neoliberal, à própria pessoa, responsável por todo e qualquer mal lançado sobre ele (NOBLE, 2018, p. 12-16).

Atente-se que os erros de cálculo estão disseminados pelos dispositivos inteligentes, pois mecanismos de busca, localizadores e instrumentos biométricos funcionam em conjunto (mapeamento em rede) na tentativa de predizer comportamentos e conduzir às respostas desejadas pelos detentores dessas ferramentas biopolíticas (AMOORE, 2013, p. 41). Por outro lado, cabe referir que muitas vezes as predileções ou

projeções se baseiam na ausência de dados ou metadados, de modo que a falta de informação precisa é registrada como um demérito sistêmico que também é interpretado como um risco (CHIGNOLA, 2018, p. 259). Por esses motivos é que a indagação sobre os critérios de algoritmos impostos atualmente é tão valiosa, conforme realiza Pasquale (2015, p. 9). O autor, ao questionar tais fatores, almeja evitar que o uso de instrumentos disciplinares ou de controle reduzam sujeitos ao paradigma kafkiano, em que não se sabe o que ocorre e ainda assim se está à mercê de sanções que se desconhece.

Frise-se o fato de que tais (ab)usos realizados por essas corporações ou mesmo Estados simplesmente não possuem qualquer espécie de vedação ou sanção (não se tratam de ações criminosas ou mesmo de rupturas democráticas), o que significa que a produção de danos sociais massivos (BARAK, 2015) não passa de mais um “erro/glitch” em nome do progresso neoliberal. Diante da dimensão de danos produzidos é que a autora O’Neil (2017, p. 16) intitulou os modelos estatísticos criados como o LDI-R em “armas de destruição matemáticas” (analogicamente à noção de “armas de destruição em massa” – e contando com as mesmas iniciais em inglês – WMDs), criando processos de loops com seus feedbacks, e que geram círculos viciosos no sentido de que as suposições do modelo são apenas reforçadas pelos cálculos de previsão futura.

Percebe-se que alguns ambientes são utilizados como laboratórios para os testes com algoritmos, e esses modelos devidamente experimentados podem ser expostos a novos indivíduos e com novas funções, para assim aumentar a eficiência de qualquer elemento desejado pelo modelo neoliberal, em que tudo e todos são reduzidos a dados contabilizáveis e vendáveis. Estabelece-se, assim, uma governamentalidade algorítmica, com a multiplicação de táticas complexas de exercício de poder sobre as populações (FOUCAULT, 2008, p. 143), executadas simbioticamente por Estados e corporações transnacionais.

Nesse modelo, tudo é reduzido ao plano individual, de modo que as mazelas sociais antes combatidas ou pretensamente redutíveis desde um welfare state, agora são condicionadas a mudanças e transformações pessoais fomentadas por

17 16

padrões de retroalimentação. Dito de outra maneira, do mesmo modo que um filtro de spam aperfeiçoa seus mecanismos com cada usuário, esse modelo estatal pretende a melhoria dos cidadãos como forma de aumentar a sua efetividade e, por conseguinte, reduzindo custos enquanto monitora cada vez mais as suas ações e padrões (reduzidos a dados) (MOROZOV, 2018, p. 96). Isso se reflete em desarticulações ou eliminações de organismos e responsabilidades tipicamente estatais em sociedades democráticas, sendo projetado para a população a responsabilidade de atuar em prol de seu próprio desenvolvimento e na desoneração pública (atendendo aos interesses do mercado), sempre buscando a maximização da eficiência neoliberal aplicada à gestão humana.

Se os reflexos dessas dinâmicas não podem ser isolados localmente, pois comportam uma escala global, suas nuances em termos de realidade nacional ganham um colorido especial de análise. Logo, os auspícios neoliberais também ditados tecnologicamente, com especial atenção ao gerenciamento dados, devem ser examinados desde o contexto brasileiro. A especificidade em termos locais passa, como aponta Casara (2018, p. 16-17), pela incidência em maior grau de instrumentos repressivos, marcas típicas de Estados Pós-Democráticos.

Os contornos desse tipo de condição dispõem uma espécie de fachada formal democrática, pronta a encobrir as decisões políticas sob outra instância, não raro programadas por plataformas de corporações, mercados, agências de risco, dentre outros inúmeros agentes disformes que administram os rumos do dito progresso neoliberal enquanto reduzem as relações ao fator mercadológico e à responsabilização empreendedora do sujeito.

Portanto, a biopolítica imposta enquanto gestão da vida (BAZZICALUPO, 2017, p. 17) em prol dos interesses do mercado está longe de ser incompreensível, não obstante deva ser vista com atenção, porque se utiliza da liberdade individual, incrementada tecnologicamente e combinada a processos alienantes dos fundamentos básicos de democracia. No caso brasileiro, a perspectiva se agrava tendo em vista o tradicional poder de morte que é exercido quase de maneira naturaliza-

da, espécie daquilo que Mbembe chama de “necropolítica” (2017, p. 65). Não seria inviável afirmar que um traço autoritário brasileiro bem localizado nas práticas escravocratas pouco assumidas é multiplicado num modo neoliberal de vida, razão, não raro, da

crença em resposta de força, medo e desconfiança [...], tendência a agredir indivíduos desviantes dos valores convencionais, oposição ao que é da ordem subjetiva/sensível, disposição a pensar mediante categorias rígidas (estereótipos), identificação com figuras de poder e hostilidade generalizada (CASARA, 2018, p. 73).

Assim, essas novas tecnologias dispostas num contexto de pura vulnerabilização social, como no caso brasileiro, aprofundam um governo dos corpos dirigido a maximizar a morte. O controle da população conectada indelevelmente em plataformas digitais, cada dia mais quantificada, calculada e reduzida a dados passíveis de negociação e manejo de algoritmos, e coligada à atuação do poder punitivo estatal sobre aqueles considerados inúteis aos ganhos econômicos ou considerados desviantes das proposições dessa sociedade, pode bem indicar o cenário futuro a ser vivido por todos.

Nesse sentido, importante retomar a crítica desses instrumentos de cálculo e metrificação da vida – sejam softwares, Inteligências Artificiais (IAs) –, pois são os próprios meios propostos a quase anular o diálogo em favor de narrativas unidimensionais, trocar a feição dos cidadãos pela de consumidores, numa política muito pouco interessada no comum e mais afeita aos atos de governo como produto de marketing, panorama nefasto ao desenvolvimento das complexas democracias contemporâneas. Destarte, as bases tecnológicas que antes são parâmetros políticos camuflados de neutralidade, usam sua pretensa objetividade para influir decisivamente nas democracias (MOROZOV, 2018, p. 142).

A política que coloca a IA no centro de suas operações nos promete perfeição e racionalidade. Ao fazer isso, contudo, ela aplaina a imensa complexidade das relações humanas, simplificando narrativas complexas em regras algorítmicas concisas e explicações monocausais. Enquanto a nossa experiência fenomenológica do mundo não se conformar aos modelos simplistas por trás da maioria dos sistemas de IA, não deveríamos nos surpreender ao ver mais e mais pessoas caindo nas narrativas conspiratórias e extremamente complexas das fake news: as notícias podem ser completamente falsas, mas, pelo menos, admitem uma complexidade narrativa irreconhecível por Alexa ou Siri (MO-

19 18

ROZOV, 2018, p. 142-143).

Por mais que Morin e Le Moigne (1999, p. 26) tenham delimitado há muito tempo a necessidade de inserir a complexidade nos debates dos problemas enfrentados pela humanidade, o que se apresenta, na contramão, é a ode à simplificação. Não somente pelo quadro tecnológico capitalista que segmenta o pensamento em partes quantificáveis (e lucrativas), plenamente assimilado por cada um dos seres humanos empresários de si, mas também pelo retrato patológico de uma população absorvida por smartphones, redes sociais, dados, IAs e algoritmos, e que ao mesmo tempo nutre ódio ao pensamento, pois planifica e reproduz sua (falta de) reflexão através da transparência digital tão bem vista nas chamadas fake news, o efeito rebote não dista do reforço da punição extrema como ordem naturalizada no cotidiano de todos.

Figura disso pôde ser comprovada tão fortemente, talvez como em poucos momentos da história brasileira, no último processo eleitoral em 2018, em que restou comprovado que 90% dos eleitores do então candidato a Presidente, Jair Bolsonaro, acreditaram em fake news (PAQUINI, 2018) provenientes de redes sociais como o Facebook e Twitter, o que demonstra que a construção, adulteração ou manipulação da verdade (pós-verdade) (KEYES, 2004, p. 12-13) não é algo considerado reprovável, desde que proponha uma narrativa simples e capaz de satisfazer seus desejos. Própria atualmente do ambiente pós-democrático nacional, o falseamento não é mais considerado um valor relevante, pois “na pós-democracia, inimigo é todo aquele que não possui valor de uso dentro da racionalidade neoliberal” (CASARA, 2018, p. 75). Caso a isso haja oposição, sempre emergirá a figura do inimigo interno, também canalizado tecnologicamente.

A influência de plataformas algorítmicas e outros instrumentos tecnológicos tem ganho terreno no exercício de controle de indesejáveis que diluir em teorias da conspiração já soa ridículo: repita-se, as variações racistas, sexistas e discriminatórias (NOBLE, 2018) de buscas ou a notória influência nas eleições norte-americanas (HOWARD et al., 2017; HOWARD; KOLLANYI; WOOLLEY, 2016), e mesmo no Brasil com a proliferação de notícias falsas e bots atuando

maciçamente nas redes sociais, são apenas a expressão muito reduzida de suas performances. Lembra-se, por exemplo, os ataques virtuais ao jornal Folha de São Paulo, ainda no final de 2018, quando bots inundaram com discursos de ódio publicações sem nenhum vínculo político ou eleitoral (os anúncios tratavam de joias e um dono de boteco famoso), tendo sido ativados por palavras-chave, no caso específico bolovo e bolso – em referência/defesa ao então candidato à presidência da República (TUÍTES..., 2018).

O cenário nacional, portanto, de um projeto neoliberal que dispõe biopoliticamente um governo de si e dos outros desde dinâmicas tecnológicas necessita de permanente reflexão. Todavia, o que não fica claro para a maior parte da população é que isso somente é possível diante da inflexão, da instigação, da suposta otimização da liberdade através do fornecimento de dados voluntariamente, transformando-a em fomentadores do próprio espetáculo simplista, por vezes carregados de autoritarismo e ódio, que a vitimiza.

Os termos radicais com que se confronta diante desse quadro, por sua vez, acabam por esgotar as energias vitais dos sujeitos, inclusive para se perceberam violentados com tal ambiente, ademais de, no caso brasileiro, gerar demandas de crescente indiferença à solidariedade e a multiplicação de bodes expiatórios às agruras nacionais. Têm-se, assim, a montagem de uma necropolítica com requintes futuristas.

conSideraçõeS finaiS

O quadro contextual traçado neste estudo não tem qualquer pretensão de definição estrita ou esgotamento temático, porém almeja, de alguma forma, atender aos anseios de uma compreensão sobre fatos que acometem a realidade nacional em termos de controle de dados numa sociedade democrática. Para tanto, tornou-se forçoso delinear as tecnologias biopolíticas contemporâneas voltadas ao controle, sem, contudo, deixar de atentar para as estratégias disciplinares e soberanas reconfiguradas contra aqueles considerados inaptos ao modo de vida neoliberal.

21 20

Com base na percepção de que os modos de exercícios de poder biopolítico encontram-se multiplicados e disseminados socialmente, sendo incidentes desde pontos variáveis, sobretudo quando inexistem distinções entre agentes públicos ou privados em tal contexto, pôs-se em xeque a leitura comum e unidimensional dos usos tecnológicos como panaceia geral, inclusive aos tradicionais problemas sociais enfrentados. A simples observação histórica de que dispositivos tecnológicos vêm tendencialmente servindo aos propósitos da governamentalidade capitalista seria suficiente para se consolidar um alerta sobre a questão, entretanto, isso ainda se agrava pelo fato de que dados e metadados de cada indivíduo humano adquiriram no capitalismo tecnológico valores e relações próprias, pautando novas formas de quantificação, metrificação e comercialização da vida.

A partir disso, torna-se necessário refutar o senso comum que atrela o uso de tecnologias, em ambiente mercadológico, a uma suposta neutralidade e a atribuição de seus erros a meros equívocos operacionais. Afastar os vícios de compreensão não é apenas uma tarefa específica de apreciação, principalmente em termos nacionais, mas um esforço nuclear para o desvelamento dos generalizados projetos neoliberais de controle de populações.

As dinâmicas do uso variado dos dados/metadados demonstram como reverberam na proliferação da vulnerabilização humana como parte das mercadorias a serem capitalizadas, sempre em busca de aumento da lucratividade. Portanto, ao se questionar acerca dos reflexos próximos e imediatos de uma sociedade do controle no Brasil, consegue-se observar que a tecnologia e a liberdade, perfectibilizadas desde um big data, já aparece ocupando um ponto de destaque na execução dos projetos políticos neoliberais implementados no País. Todavia, nos estertores de um Estado Pós-Democrático, que o Brasil dá sinais, existem os aprofundamentos autoritários gerados pela profusão falseada de discursos de ódio que reforçam dinâmicas de morte tradicionalmente exercidas.

Nesses termos, diante disso, o governo da vida desde um modo neoliberal de existência, amparado tecnologicamente, produz relações sociais patológicas e esgotadas em afetos con-

correnciais, ao mesmo tempo que naturaliza a otimização da liberdade em favor das plataformas de controle que gerirá sua própria aniquilação.

referênciaS

AMOORE, L. The politics of possibility: risk and Security beyond probability. London, United Kingdom: Duke University Presse, 2013.

BARAK, G. Os crimes dos poderosos e a globalização do crime. Revista Brasileira de Direito, Passo Fundo, v. 11, n. 2, p. 104-114, dez. 2015. Disponível em: https://seer. imed.edu.br/index.php/revistadedireito/article/view/931. Acesso em: 13 abr. 2020.

BAZZICALUPO, L. Biopolítica: un mapa conceptual. São Leopoldo, Porto Alegre: Unisinos, 2017.

CASARA, R. R. R. Estado pós-democrático: neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.

CHIGNOLA, S. A vida, o trabalho, a linguagem: biopolítica e biocapitalismo. Cadernos IHU, nº. 228, v. 13, p. 3-19, 2015.

CHIGNOLA. A toupeira e a serpente. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, v. 19, n. 3, p. 239-269, 2018.

DELEUZE, G. ´Post-scriptum´ sobre as sociedades de controle. Conversações. São Paulo: Editora 34, n. 1, 1992.

ESPOSITO, R. Bíos: Biopolitica y filosofia. Buenos Aires: Amorrortu, 2006.

EUROPEAN COMMISSION. Competition: Antitrust. Disponível em: http:// ec.europa.eu/competition/antitrust/overview_en.html. Acesso em: 04 maio 2019.

FIDELIS, A. L. Entre o “laissez-faire” americano e o “intervencionismo” europeu: para qual direção aponta a investigação do CADE sobre o mecanismo de busca do Google. Revista de Defesa da Concorrência: v. 3, n. 2, p. 65-86, 2015.

FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

FOUCAULT, M. O Sujeito e o Poder. In: DREYFUS, H. L.; RABINOW, P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

FOUCAULT, M. Segurança, Território, População: Curso do Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008.

GOOGLE é multado em US$ 56,8 milhões por violar lei de proteção de dados na Europa. O Globo, Rio de Janeiro, 21 jan. 2019. Disponível em: https://oglobo.globo. com/economia/tecnologia/google-multado-em-us-568-milhoes-por-violar-lei-de-protecao-de-dados-na-europa-23389682. Acesso em: 4 maio 2019.

HAN, B. Sociedade do cansaço. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

HONESKO, V. N. Sobre o governo do real: a vida nos domínios do capitalismo informacional. Profanações, [Paraná], n. 1, p. 24-38, jul. 2018.

HOWARD, P N. et al. Junk news and bots during the US election: What were Michigan voters sharing over Twitter. Computational Propaganda Research Project, Oxford Internet Institute, Data Memo, n. 2017.1, p. 1-5, 2017.

HOWARD, P N.; KOLLANYI, B.; WOOLLEY, S. Bots and Automation over Twitter during the US Election. Computational Propaganda Project: Working Paper Series, 2016.

KEYES, R. The Post-Truth Era: dishonesty and deception in contemporary life. New

23 22

York, United States: St. Martin Press, 2004.

MBEMBE, A. Políticas da inimizade. Lisboa, Portugal: Antígona, 2017.

MORIN, E.; LE MOIGNE, J. L’intelligence de la complexité. Montreal, Canada: L’Harmattan 1999.

MOROZOV, E. Big tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: Ubu, 2018.

NOBLE, S. U. Algorithms of oppression: how search engines reinforce racism. New York, United States: New York University Press, 2018.

O’NEIL, C. Weapons of math destruction: how big data increases inequality and threatens democracy. United States: Broadway Books, 2017.

PAQUINI, P. Estudo diz que 90% dos eleitores de Bolsonaro acreditaram em fake news. Valor Econômico, São Paulo, 2 nov. 2018. Disponível em: https://valor.globo. com/politica/noticia/2018/11/02/estudo-diz-que-90-dos-eleitores-de-bolsonaro-acreditaram-em-fake-news.ghtml. Acesso em: 9 abr. 2020.

PARISER, E. O filtro invisível: o que a Internet está escondendo de você. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

PASQUALE, F. The black box society: the secret algorithms that control money and information. Cambridge, United States: Harvard University Press, 2015.

REVEL, J. Foucault, un pensamiento de lo discontínuo. Buenos Aires, Argentina: Amorrortu, 2014.

SRNICEK, N. Plataform capitalism. Cambridge, United States: Polity Press, 2017.

TUÍTES da Folha sobre “bolso” e “bolovo” ativam ação de robôs, que saem em defesa de Bolsonaro. Revista Fórum, Porto Alegre, 25 out. 2018. Disponível em: https:// revistaforum.com.br/politica/tuites-da-folha-sobre-bolso-e-bolovo-ativam-acao-de-robos-que-saem-em-defesa-de-bolsonaro/. Acesso em: 4 mar. 2019.

algoriTmoS e novoS deSdobramenToS biopolíTicoS do conTrole

A pesquisa em exposição parte da concepção daquilo que se denomina “criminologia midiática”, a qual se distingue das abordagens acadêmicas por pautar uma construção específica da realidade pela informação, noutros termos, “subinformação e desinformação midiática, em convergência com preconceitos e crenças, que se baseia em uma etiologia criminal simplista, assentada em uma causalidade mágica” (ZAFFARONI, 2013, p. 303).

A concepção cunhada por Zaffaroni apresenta-se amparada na análise ordinária de modelos de comunicação unidirecional, típicos de meios como televisão e jornais. No entanto, o que se almeja aqui é demonstrar as modificações decorrentes das novas dimensões tecnológicas na própria compreensão do controle social. Por esse motivo, indaga-se como problema de pesquisa quais os diferenciais percebidos, por meio de uma leitura biopolítica, na criminologia midiática, em especial no Brasil? Com base neste questionamento estrutura-se uma abordagem fenomenológico-hermenêutica, tendo como bases principais os referenciais mais recentes de ordem bibliográfica e ao mesmo tempo de notícias a respeito do tema, já que a abordagem das novas mídias digitais exige a interação constante com estes dispositivos.

inTroduzindo algoriTmoS: aSpecToS

TecnológicoS e biopolíTicoS

A conjugação e manejo de dados por softwares baseados em algoritmos (através do uso de inteligência artificial) fazem

25 24

parte da realidade contemporânea, o que não elide as profundas dúvidas sobre como tais cálculos funcionam, se podem ser influenciados, condicionados ou viciados. Questionamentos como esses apenas demonstram o quanto se desconhece e, ao mesmo tempo, o quanto se atribui de confiança a sistemas que não se compreendem e que, não raro, escondem seus equívocos e podem provocar danos sociais massivos.

Com fulcro nas perguntas aludidas, formam-se recorrentes levantes sobre a necessidade de regulação das atividades que envolvem dados ou metadados, sendo que algumas legislações (também na esfera penal) foram apontadas como uma solução para as incompreensões matemáticas. Exemplo são as legislações antitruste1, que teriam como objetivo evitar a formação de monopólios ou oligopólios (os quais também possuem vedação constitucional no Brasil, em que pese a enorme concentração dos meios de comunicação de massa pelos mesmos grupos econômicos ou familiares), dirigidas também às práticas de mercado de dados. Embora muitas das atividades desempenhadas por essas empresas sejam definidas como monopólios, as legislações sobre o tema costumam se manter em generalidades e na facilitação dos planos de negócio, ao invés de protegerem indivíduos ou grupos sociais. Este tipo de atuação não surpreende, tendo em vista que a lei, não raro, funciona como tática de controle e não apenas como mero instrumento de soberania (FOUCAULT, 2008, p. 132).

Portanto, o recurso legislativo normalmente nubla a profunda cumplicidade entre os estratos empresariais, as dinâmicas estatais e seus lobbies. Entes públicos e corporações

1 As legislações antitruste têm como escopo evitar a formação de monopólios, conglomerados, ou analisando fusões, seguindo a ideia de preservar a concorrência, regulando o poder do mercado. Nesse sentido, cabe mencionar que a postura dos Estados Unidos a respeito do assunto fomenta formações como a da Amazon, ao menos essa é a conclusão das análises da legislação norte-americana, a qual se baseia na Seção 2 do Sherman Act, onde se verifica a atuação de Cortes de forma permissiva e condescendente com o setor privado. FIDELIS, 2015, p. 69-70. Em comparação, a legislação em vigor na União Europeia tem bases mais rígidas e vem atuando de forma mais dura sobre tais temas, tendo como base os artigos 101 e 102 do Treaty on the Functioning of the European Union (EUROPEAN COMMISSION, 2019), bastando a verificação de recentes multas sobre empresas ligadas à tecnologia como o caso do Google, com base em novas regulamentações do ano de 2018, de modo que as bases antitrustes europeias apresentam-se em constante mutação com tais regulações, a fim de adaptar-se às novas dinâmicas capitalistas. Nesse sentido verificar o site do EUROPEAN COMMISSION. Competition – Antitrust. Disponível em: http://ec.europa.eu/ competition/antitrust/overview_en.html (acesso em: 04 de maio de 2019), bem como a referência a notícia das sanções no endereço O GLOBO, 2019.

atuam em mútuo benefício e gerenciam conjuntamente os negócios “dataficados” na direção de um caminho mais “produtivo”. Especialmente em termos de criminalidade e segurança, o uso de algoritmos tornou-se excelente instrumento para se antever as margens de risco e não propriamente a solução dessas questões (CHIGNOLA, 2018, p. 256).

O fato é que as agências responsáveis pela repressão podem detectar mais crimes com menos recursos se investigarem cidadãos com maior risco de infração criminal; e os órgão judiciais podem reduzir o crime se incapacitarem cidadãos com maior probabilidade de reincidência no futuro. A maioria das pessoas acredita que a utilização de métodos atuariais fiáveis na justiça penal representa um progresso. Ninguém naturalmente é a favor de estereótipos incorretos e predições equivocadas; mas, para a maioria das pessoas, faz sentido decidir quem procurar com base em previsões baseadas no comportamento criminoso, ou impor punições com base em estimativas de reincidência (HARCOURT, 2005, p. 03, tradução livre).

Assim, compreender os algoritmos e os riscos envolvidos a partir de uma perspectiva acrítica da tecnologia como sinal de progresso, é uma espiral que pode enclausurar a todos numa visão romântica dos cálculos matemáticos neutros e dos sujeitos envolvidos com tais criações, potencializando o uso irrestrito e danoso por parte do sistema penal. De outro modo, abrir-se a esse tipo de abordagem faz com que se possa perceber o quanto as estratégias envolvidas com a lógica algorítmica podem reproduzir práticas ostensivamente racistas, sexistas ou mergulhados em distorcidos ideais de meritocracia, conforme já amplamente confirmado por pesquisas no Vale do Silício (NOBLE, 2018, p. 10).

Portanto, alguns modelos de algoritmos apenas servem para maximizar tecnologicamente as discriminações e desigualdades produzidas por um capitalismo neoliberal2. Exemplo disso pode ser percebido quando se examina, no caso do sistema penal, um teste usualmente aplicado nos Estados Unidos - e mencionado nas obras de O’neil (2017, p. 15) e

2 Lembremos aqui os efeitos quando a razão neoliberal toma conta do Estado. AMARAL, 2018, p. 163: “Mas o que ocorre com o governo do povo e para o povo quando a razão neoliberal configura a alma e o Estado como empresas e não como entidades políticas? Sabe-se bem, mas não será demasiado recordar pelo menos quatro efeitos nocivos genericamente apontados pela crítica: desigualdade intensificada; mercantilismo imoral de todas as coisas; promiscuidade do capital corporativo e financeiro com o Estado e o caos derivado da especulação dos mercados financeiros”.

27 26

Harcourt (2005) - para medições de risco de reincidência de apenados – LSI–R – “Level of Service Inventory–Revised” –, onde um dos padrões centrais de questionamento passa por se saber quando, pela primeira vez, o sujeito teve um envolvimento com as forças policiais, concluindo-se que maior será o risco de reincidência quando mais cedo esta variável aparecer. Ninguém ignora – ou não deveria, senão de modo cínico – a seletividade profunda de exercício do poder punitivo que faz com que, principalmente homens negros, pobres e pertencentes às periferias, sejam parados e revistados desde a juventude, muito mais vezes do que homens brancos (isso sem levar em consideração os bairros e outras questões criminológicas relacionadas a cidades).

Abandonar a pretensa neutralidade tecnológica dos algoritmos supostamente intrínseca à composição de seus programas é tão relevante quanto entender as fórmulas dos seus cálculos. Comumente acredita-se que mecanismos de busca e outros dispositivos baseados em inteligência artificial (algoritmos) são elaborados tendo em vista apenas filtros de personalização, ou seja, que seriam aperfeiçoados e aprimorados para cada indivíduo, de acordo com os resultados coletados pelo perfil dos usuários (PARISER, 2012), de maneira que seus criadores não teriam qualquer influência nos resultados produzidos.

Este talvez seja um dos maiores engodos embutidos nos ditos “sistemas inteligentes”, que se dispõem à previsibilidade futura e que são baseados em matrizes discriminatórias, reflexo nada neutro das relações de poder que as orienta. Veja-se, por exemplo, o mais generalizado algoritmo de busca da Google, o qual, até meados de 2012, ao referir à pesquisa sobre mulheres negras, latinas e asiáticas, imediatamente, remetia a estereótipos sexualizados, apresentando como resultados primários páginas pornográficas (NOBLE, 2018, p. 11).

Os “erros” (glitch) desses mecanismos de busca e outros instrumentos são geralmente atenuados, ignorando-se a opressão que os algoritmos exercem. Não obstante, como justificar que, da mesma forma, em 2015, o dispositivo de reconhecimento facial da Google indicava “macacos” e “animais” como primeiro resultado para afro-americanos, ou ainda que

a busca por “nigger house” (com significado racista) indicasse a Casa Branca durante a administração Obama? Nada estranho que, quando campanhas revelam a existência de resultados sexistas ou racistas em mecanismos de busca, a resposta padrão adotada seja de que isso em realidade ainda seria um espelho dos usuários, o que pode até ter alguma influência, todavia, que também não deve elidir o conglomerado de suas responsabilidades sobre a veiculação e propagação do conteúdo. Em resumo, ignoram-se os algoritmos planificados, direcionando-se a responsabilidade, ao estilo neoliberal, a própria pessoa, responsável por todo e qualquer mal lançado sobre ela (NOBLE, pp. 12-16).

Atenta-se que os “erros” de cálculo estão disseminados pelos dispositivos inteligentes, pois mecanismos de busca, localizadores e instrumentos biométricos funcionam em conjunto (mapeamento em rede) na tentativa de predizer comportamentos e conduzir às respostas desejadas pelos detentores dessas ferramentas biopolíticas (AMOORE, 2013, p. 41). Por outro lado, cabe referir que muitas vezes as predileções ou projeções baseiam-se na ausência de dados ou metadados, de modo que a falta de informação precisa é registrada como um demérito sistêmico que também é interpretado como um risco (CHIGNOLA, 2018, p. 259).

Esse último elemento irá compor um ponto nevrálgico da criminologia midiática do século XXI, especialmente porque elementos evidentes e não evidentes serão combinados na formatação de imagens e conteúdos passíveis de serem consumidos a respeito da violência/criminalidade e que mantenham as dinâmicas de controle da população.

Conclui-se, assim, que todas as ações realizadas no plano digital estão à mercê de registro, armazenamento e monitoramento para vários propósitos diferentes. Tais componentes podem ser analisados em conjunto ou separadamente, mas em geral acabam compondo uma identidade virtual (apreciada segundo margens de risco, sobretudo quando se direciona aos interesses do sistema penal) ou uma versão digital de cada indivíduo, capaz de fornecer informações que vão desde quais produtos gostaria de consumir até o que pode levá-lo a votar ou protestar contra alguém (HARCOURT, 2015, p. 01).

29 28

Por esses motivos é que a indagação sobre os critérios de algoritmos impostos atualmente é tão valiosa, conforme realiza Pasquale (2015, p. 09). O autor, ao questionar tais fatores, almeja evitar que o uso de instrumentos disciplinares ou de controle reduzam sujeitos ao paradigma kafkiano, em que não se sabe o que ocorre e ainda assim se está ao arbítrio de sanções/punições que se desconhece.

Essa preocupação é amparada pelo uso de dados/metadados para formação desses perfis de identidade virtual, os quais não possuem uma clara restrição legal ou limite ao seu uso, tampouco há impedimento a sua aplicação para monitoramentos/aplicações diversas, indo desde hábitos de consumo até a segurança. Isso potencializa o incremento de desigualdades historicamente desenvolvidas e reforçadas pela atuação estatal penal, ao mesmo tempo em que é capaz de gerar novas minorias, sendo algumas delas invisíveis ante a incompreensão de sua origem tecnológica (PASQUALE, 2015, p. 38).

Frise-se o fato de que tais (ab)usos realizados por corporações e Estados simplesmente não possuem qualquer espécie de vedação ou sanção (não se tratam de ações criminosas ou mesmo de rupturas democráticas), o que significa que a produção de danos sociais massivos (BARAK, 2015, p. 113 e BUDÓ, 2016, p. 127) não passa de mais um “erro/glitch” em nome do progresso neoliberal. Diante da dimensão de danos produzidos é que a autora O’Neil (2017, p. 16) intitulou os modelos estatísticos criados como o LDI-R em “armas de destruição matemáticas” (analogicamente à noção de “armas de destruição em massa” – e contando com as mesmas iniciais em inglês – WMDs), criando processos de loops com seus feedbacks, e que geram círculos viciosos no sentido de que as suposições do modelo são apenas reforçadas pelos cálculos de previsão futura.

E aqui está mais uma coisa sobre algoritmos: eles podem saltar de um campo ao outro, e muitas vezes o fazem. A pesquisa em epidemiologia pode oferecer informações Tpara previsão de bilheterias; filtros de spam estão sendo reformulados para identificar o vírus da AIDS. Isso também se aplica às armas de destruição matemáticas. Portanto, se os modelos matemáticos nas prisões parecem ter sucesso no seu trabalho - que na verdade se resume à gestão eficiente de pessoas - poderão se espalhar pelo resto da economia juntamente com outras armas de destruição matemáticas, deixando-nos como efeitos colaterais (O’NEIL,

2017, p. 17, tradução nossa).

Percebe-se que alguns ambientes são utilizados como laboratórios para os testes com algoritmos, e esses modelos devidamente experimentados podem ser expostos a novos indivíduos e com novas funções, para assim aumentar a eficiência de qualquer elemento desejado pelo modelo neoliberal em que tudo e todos são reduzidos a dados contabilizáveis e vendáveis. Estabelece-se, assim, uma governamentalidade algorítmica, com a multiplicação de táticas complexas de exercício de poder sobre as populações (FOUCAULT, 2008, p. 143), executadas simbioticamente por Estados e corporações transnacionais.

Nesse modelo, tudo é reduzido ao plano individual, de modo que as mazelas sociais antes combatidas ou pretensamente redutíveis desde um welfare state, agora são condicionadas a mudanças e transformações pessoais fomentadas por padrões de retroalimentação. Dito de outra maneira, do mesmo modo que um filtro de spam aperfeiçoa seus mecanismos com cada usuário, esse modelo estatal-corporativo pretende a melhoria dos cidadãos como forma de aumentar a sua efetividade e, por conseguinte, reduzindo custos enquanto monitora cada vez mais as suas ações e padrões (reduzidos a dados/metadados) (MOROZOV, 2018, p. 96). Isso se reflete em desarticulações ou eliminações de organismos e responsabilidades tipicamente estatais em sociedades democráticas, sendo projetado para a população a responsabilidade de atuar em prol de seu próprio desenvolvimento e na desoneração pública (atendendo aos interesses do mercado), sempre buscando a maximização da eficiência neoliberal aplicada a gestão humana.

Relembra-se que essa gestão do controle somente se torna viável pela contribuição “livre” dos usuários, que se expõem voluntariamente sobre os mais variados aspectos de suas vidas. Com base nesse contexto fático é que Harcourt, ao refletir desde Debord (espetáculo), Foucault (disciplina/ vigilância) e Deleuze (controle), acaba por projetar a ideia do controle ligada a um modelo baseado na exibição e exposição dos indivíduos que fornecem seus dados a partir de sua liber-

31 30

dade e se expõem a partir de duas personas – a analógica e a digital3.

o conTexTo braSileiro doS impacToS TecnológicoS do conTrole

Se os reflexos destas dinâmicas tecnológicas, sociais e biopolíticas não podem ser isoladas localmente, pois comportam uma escala global, suas nuances em termos de realidade nacional ganham um colorido especial de análise. Logo, os auspícios neoliberais também ditados tecnologicamente, com especial atenção ao gerenciamento de dados/metadados, devem ser examinados desde o contexto brasileiro. A especificidade brasileira passa, como aponta Casara (2018, p. 16-17), pela incidência em maior grau de instrumentos repressivos, marcas típicas de Estados Pós-Democráticos. Registra-se o alerta de Dardot e Laval (2016, p. 08) ao dizer que faz parte das proposições neoliberais uma posição antidemocrática, de maneira que a atuação particular de mercado se sobreponha a qualquer intervenção política, sendo a radicalidade atual um diferencial que encaminha em direção a um modelo pós-democrático.

Os contornos deste tipo dispõem uma espécie de fachada formal democrática pronta a encobrir as decisões políticas sob outra instância, não raro programadas por plataformas de corporações, mercados, agências de risco, dentre outros inúmeros agentes disformes que administram os rumos do dito progresso neoliberal enquanto reduzem as relações ao fator mercadológico e à responsabilização empreendedora do sujeito. Isso revela uma das principais estratégias desempenhadas pela criminologia midiática atualmente: propalar discursos que legitimem toda e qualquer flexibilização das proteções jurídicas amparadas na ordem democrática vigente em prol da intervenção penal (veja-se a defesa do uso de mandados

3 HARCOURT, 2015. p. 19. Em sentido complementar, poder-se-ia cogitar de que na abordagem de Kakutani ao referenciar os estudos de Tim Wu (o autopavoneamento), ligaria a ideia de incremento pelas redes sociais de fenômenos de auto exposição, de modo que o empresário de si mesmo necessitaria executar o espetáculo de si mesmo. KAKUTANI, 2018, p. 40.

de busca coletivo em favelas do Rio de Janeiro, os quais seriam utilizados em nome da guerra contra a criminalidade) (ESTADÃO, 2019), a qual será anunciada sempre como uma espécie de ganho individual e coletivo ou, ainda, justificada por lutas contra inimigos da “nação” (mesmo que alguns deles sejam apenas imaginários).

Tal linha de raciocínio permite incluir tanto a expansão punitiva como parte dessa estratégia (com o incremento disciplinar), quanto a flexibilização jurídica que amplifique relações econômicas (focadas no controle), como no caso da obtenção e utilização de informações (dados/metadados) pessoais, em prol da melhoria na segurança pública, sendo que o discurso de risco seria similar.

Mesmo que de maneira breve, percebe-se como a lógica de guerra torna qualquer sujeito matável (MBEMBE, 2017, p. 61), reforçando-se pelo discurso-imagético utilizado pela criminologia midiática. Tal fala permite a franca expansão e investimento das forças armadas não mais como proteção externa aos inimigos, mas sim como reserva diante de um Estado de Exceção que, no caso do Brasil, é fomentado pelas dinâmicas de poder instaladas no sistema penal. Para tanto, basta observar as recentes intervenções chefiadas por militares no Rio de Janeiro, conjuntamente às forças policiais, e que estiveram capitaneadas pela mídia nacional, diante do estado de “caos” social vivenciado naquele local (BRASIL, 2018), sendo que essas atuações deixam claros os objetivos do poder soberano estatal de delimitar a morte, já que é “no movediço terreno da contiguidade entre violência e direito que a polícia se apresenta” (AMARAL, 2017, p. 13).

Por óbvio que a tônica da exceção busca conduzir ao pensamento da emergência e do risco social latente, para que desse modo sejam referendadas as ações que ultrapassam (ou flexibilizam) os limites sociais e jurídicos estabelecidos, de modo a autorizar o exercício invasivo da vida (em todas as suas informações/dados) e do direito de matar. Neste ponto, o papel midiático evidente é auxiliar na construção do inimigo fictício (sustentado nos parâmetros de raça, classe e outros marcadores de exclusão) que movimente o alarma e os instrumentos do biopoder sobre determinados indivíduos,

33 32

mantendo a sua função primordial de dividir quem deve viver e morrer (MBEMBE, 2018, p. 16-17).

Portanto, a biopolítica imposta enquanto gestão da vida em prol dos interesses estatais-mercadológicos está longe de ser incompreensível, não obstante deva ser vista com atenção, porque se utiliza da liberdade individual, incrementada tecnologicamente, e combinada a processos alienantes dos fundamentos básicos de democracia. Por tal motivo, quando se fala em capitalismo tecnológico o poder discursivo é mencionado, já que o abandono/destruição de direitos, garantias ou mesmo a pauperização da vida precisa da aceitação da população (sendo novamente a atuação da mídia como essencial para a administração desse “remédio” amargo), a qual voluntariamente adota as práticas neoliberais de forma a naturalizar o contexto.

No caso brasileiro, a perspectiva se agrava tendo em vista o tradicional poder de morte que é exercido de maneira regular contra parcelas da população, sendo parte da espécie do que Mbembe chama de necropolítica4. Nesse sentido, importante relembrar a lição de Foucault quanto ao racismo como estratégia de biopoder que atravessa o Estado, a fim de permitir a segmentação de morte, funcionalizando duas dinâmicas primordiais: a) delimitar o corte de quem deve viver e morrer, ao “fragmentar, fazer cesuras no interior desse contínuo biológico a que se dirige o biopoder”; b) ao mesmo tempo em que justifica a destruição do outro e a “morte do outro, a morte da raça ruim, da raça inferior (ou do degenerado, ou do anormal), é o que vai deixar a vida em geral mais sadia, mais sadia e mais pura” (FOUCAULT, 2005, p. 305).

As explanações de Foucault e Mbembe auxiliam a compreensão da dinâmica que compõe uma cultura voltada ao racismo, ou conforme explana o professor africano, um nanorracismo “tornado cultura e respiração, na sua banalidade e na sua capacidade de se infiltrar nos poros e nas veias da sociedade numa altura de generalizada lavagem cerebral, de 4 MBEMBE, 2017, p. 65. Também é possível ver a descrição conceitual da necropolítica na obra MBEMBE, 2018, p. 71. “[...] propus que as formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte (necropolítica) reconfiguram profundamente as relações entre resistência, sacrifício e terror”.

descerebração mecânica e de alienação de massas” (MBEMBE, 2017, p. 97). Essa modalidade de racismo é facilmente observada nas falas embasadas no medo, risco e na distinção com o inimigo “criminoso” em sua existência, seja no embate contra o “terror” ou contra o “bandido”, o que se altera são simples enunciados no discurso e imagens projetados pela criminologia midiática (e que, conforme citado anteriormente, pode ainda contar com contribuições significativas por parte de tecnologias de informação-dados, na composição das desigualdades).

Não seria inviável afirmar que um traço autoritário brasileiro bem localizado nas práticas escravocratas pouco assumidas - que se multiplicam num modo neoliberal de vida -, embasa a “crença em resposta de força, medo e desconfiança [...], tendência a agredir indivíduos desviantes dos valores convencionais, oposição ao que é da ordem subjetiva/sensível, disposição a pensar mediante categorias rígidas (estereótipos), identificação com figuras de poder e hostilidade generalizada” (CASARA, 2018, p. 73). Isso destaca que o uso de dispositivos baseados em dados, algoritmos e perfis virtuais podem servir como legitimação tanto da continuidade repressiva do modelo penal, com sua clientela habitual e seu recorte racial, quanto para formação de outros grupos vulneráveis e minoritários baseados na inadequação ao modelo neoliberal.

Assim, carece de atenção o uso de dados e metadados com que se pretende alimentar sistemas de segurança voltados às práticas punitivas. O uso de dispositivos biopolíticos voltados às modalidades de controle não é uma novidade no Brasil, apenas vem sendo incrementado pelas inovações tecnologicamente “neutras” na direção da permanência da seletividade punitiva enquanto marca registrada do sistema penal nacional5.

Portanto, se os dados/metadados estão acessíveis aos órgãos de controle social, amparados desde sempre numa tradição seletiva, racista, sexista etc., qualquer sistema alimentado por essas informações será direcionado tecnologicamente

35 34
5 STREVA, 2017, p. 244. Complementa-se com a abordagem de AMOORE, 2013, p. 51.

a uma atuação nos mesmos padrões, ou seja, os algoritmos ou sistemas informáticos vão apenas reforçar as desigualdades produzidas pelo sistema penal, utilizando a tecnologia como um escudo de legitimação que permite o seu exercício em larga escala. Salutar mencionar que essa afirmação não constitui um exercício de previsão do futuro, mas sim uma alusão em relação a sistemas já em operação em cidades como Chicago, Berlim, Munique, Londres e Paris, onde já ocorrem ações projetadas para evitar “riscos”, como a criação de listas de pessoas que se catalogam como perigosas antes mesmo de qualquer ato criminoso (PRE-CRIME, 2017).

No caso brasileiro isso se reflete nos dados da mortalidade em constante crescimento, conforme revelam as informações apresentadas pelo Anuário de Segurança Pública (FBSP, 2018), ou ainda na chamada intervenção federal ocorrida mais recentemente no Estado do Rio de Janeiro6. Essa espécie atuação punitiva mantém o padrão de controle dos sujeitos perigosos - concepção de risco, agora baseada em algoritmos matemáticos, a fim de determinar predileções futuras (AMOORE, 2013, p. 41) - que são alvo contumaz do sistema penal, pois somente verifica a identificação, perfil e os dados biométricos de populações específicas e pertencentes aos espaços necropolíticos que permitem a morte e a exceção, haja vista que “o espaço urbano ocupado pelas favelas se transformou em uma metáfora, isto é, em um código implícito de indicação da negritude” (STREVA, 2017, p. 249).

Merece menção que a construção desses espaços de morte no plano nacional já vinha sendo equiparada a outros componentes históricos que permitiram atuações como essa. Posto isso, ao seguir a lógica colonial de soberania e controle do espaço, as favelas/zonas periféricas poderiam ser consideradas como equivalentes, por toda dinâmica de força que

6 FBSP, 2019. Conforme já argumentado, a cisão entre uns e outros pode ser vislumbrada no Rio de Janeiro como uma divisão social, cultural, econômica, política e espacial. O papel desempenhado pela polícia deixa de ser relativo à proteção e passa a ser o de reprimir, violentar e amedrontar os corpos negros. Tal conduta é operada por meio do discurso dominante da ordem e segurança que justifica a atuação desse aparelho repressivo ao codificar os corpos negros como per se perigosos. Para ilustrar tal ponto, a Escola de Polícia de São Paulo apresentava a seguinte inscrição gravada: “Um negro parado é suspeito; correndo, é culpado”. STREVA, 2017, p. 251.

se opera além do direito soberano de morte que se impõe (MBEMBE, 2018, p. 40-41).

Com efeito, percebe-se que a criminologia midiática, em seu papel hodierno, auxilia discursivamente/imageticamente a segmentação e fragmentação territorial como estratégias daquilo que Mbembe chama de necropoder, que impede o deslocamento e ao mesmo tempo segrega parte da população (2018, p. 43). Consolida-se assim um modelo social pautado na inimizade (ou até mesmo na noção de inimigo como representa a mídia na sua relação com o crime), a qual se instala a partir da lógica de guerra instaurada biopoliticamente e, nos países do Norte, a guerra ao terror apenas reforça esse retorno à dinâmica colonial de fronteiras e morte (MBEMBE, 2017, p. 11), e que no Brasil tem como substituto o inimigo interno midiaticamente, e porque não dizer tecnologicamente, construído em seu recorte racializado, de classe e gênero. Salutar concluir que, ao observar as práticas biopolíticas empregadas no país, reforçam-se as estratégias estatais e dos grandes conglomerados midiáticos na direção de uma política de morte (tanatopolítica/necropolítica), o que significa dizer que não apenas gerenciam a vida, como executam a morte. Não há contradição nisso, tão somente apresenta-se a concessão da vida à parte da população exatamente com o extermínio da outra. No caso, o foco não é unicamente o racismo enquanto elemento eugênico, mas ao mesmo tempo toda a carga de classe social, econômica e de gênero que se somam à totalidade dos fatores que repercutem nas políticas de eliminação (não circunscritas unicamente à morte, vide as explanações sobre as novas formas de exclusão social tecnologicamente sustentadas) executadas pelo sistema penal, devidamente autorizado pela lógica do risco. Por isso, a abordagem feita pela criminologia midiática, direcionando suas baterias ao passado/futuro criminológico juntamente à exposição de supostos especialistas prontos a legitimar o exercício punitivo, demonstra ainda ser profundamente recepcionada e reverberada pelo senso comum, reforçando e naturalizando ainda mais as discriminações sobre grande parte da população.

Delinear as práticas de uma criminologia midiática em termos pós-democráticos, pois, é perceber que parte dos dis-

37 36

cursos que entoam a lei e a ordem guardam raízes evidentes com dinâmicas fascistas de extermínio do outro, o que no caso nacional é delimitado pela figura do inimigo interno. Portanto, a divisão executada sobre a população desde, por exemplo, a consagrada fórmula do “cidadão de bem” vs. “inimigos da nação”, faz parte de uma estratégia fascistóide na qual – mais um exemplo – mulheres que se opõem aos “papéis de gênero tradicionais, indivíduos não brancos, homossexuais, imigrantes, ‘cosmopolitas decadentes’, aqueles que não defendem a religião dominante, são, pelo simples fato de existirem, violações da lei e da ordem” (STANLEY, 2018, p. 112.

Dessa forma, um Estado pós-democrático com profundas raízes históricas autoritárias, racistas, sexistas, voltado a um exercício expansivo do poder penal, guarda na cartola mais uma poderosa arma para desbravar novos rumos políticos, com atuação direta da criminologia midiática. O investimento em publicidade de governo7, aliado à possível manipulação de resultados políticos contribuem para governar os sobre-excitados “cidadãos de bem” que, a partir da indignação programada digitalmente, destilam os mais fervorosos discursos contra o Estado Social e Democrático de Direito e sua fundamentação. No mesmo plano, atendendo às exigências do capital emergente, expressiva parte da comunicação se reduz aos fins exclusivos de entregar a notícia com a maior brevidade possível, interrompendo – ou mesmo extinguindo – o potencial de assimilação dos leitores/telespectadores/usuários.

Assim, essas novas tecnologias dispostas num contexto de pura vulnerabilização social, como no caso brasileiro, aprofundam um governo dos corpos dirigido a maximizar a morte. O controle da população conectada indelevelmente em plataformas digitais, cada dia mais quantificada, calculada e reduzida a dados passíveis de negociação e manejo de algoritmos, e coligada à atuação do poder punitivo estatal sobre 7 Os meios de comunicação de massa e as estratégias publicitárias também contribuem diretamente para formação de uma cultura ou ethos voltada para a noção da escolha dita como livre e dos ideais neoliberais. Isso atinge os indivíduos em todas as gamas da vida, a qual é soterrada de novos desejos e produtos, os quais prometem satisfação e o incremento de cada um enquanto sujeito, então porque não pensar no uso biopolítico desses instrumentos por parte dos entes governamentais. DARDOT; LAVAL, 2016. p. 224.

aqueles considerados inúteis aos ganhos econômicos ou considerados desviantes das proposições dessa sociedade, pode bem indicar o cenário futuro próximo a ser vivido por todos.

Nesse sentido, importante retomar a crítica desses instrumentos de cálculo e metrificação da vida – sejam softwares, inteligências artificiais (IAs) –, pois são os próprios meios propostos a quase anular o diálogo em favor de narrativas unidimensionais, trocar a feição dos cidadãos pela de consumidores, numa política muito pouco interessada no comum e mais afeita aos atos de governo como produto de marketing, panorama nefasto ao desenvolvimento das complexas democracias contemporâneas. Bases tecnológicas que antes são parâmetros políticos camuflados de neutralidade e usam sua pretensa objetividade para influir decisivamente nas democracias (MOROZOV, 2018, p. 142. Os algoritmos operam com o uso irrestrito de dispositivos como, por exemplo, fakenews, de modo que o comportamento na internet não somente reproduz parte das ideias ou mesmo das imagens da realidade, mas igualmente molda-a conforme sua narrativa (humano-tecnológica) ficcional (KAKUTANI, 2018, p. 56).

A política que coloca a IA no centro de suas operações nos promete perfeição e racionalidade. Ao fazer isso, contudo, ela aplaina a imensa complexidade das relações humanas, simplificando narrativas complexas em regras algorítmicas concisas e explicações monocausais. Enquanto a nossa experiência fenomenológica do mundo não se conformar aos modelos simplistas por trás da maioria dos sistemas de IA, não deveríamos nos surpreender ao ver mais e mais pessoas caindo nas narrativas conspiratórias e extremamente complexas das fake news: as notícias podem ser completamente falsas, mas, pelo menos, admitem uma complexidade narrativa irreconhecível por Alexa ou Siri (MOROZOV, 2018, p. 142-143).

Por mais que Morin e Le Moigne (1999, p. 26) tenham delimitado há muito tempo a necessidade de inserir a complexidade nos debates dos problemas enfrentados pela humanidade, o que se apresenta, na contramão, é a ode à simplificação. Não somente pelo quadro tecnológico capitalista que segmenta o pensamento em partes quantificáveis (e lucrativas), plenamente assimilado por cada um de nós “empresários de si”, mas também pelo retrato patológico de uma população

39 38

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.