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Estudos sobrE
dirEito ElEitoral
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Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México
JuarEz tavarEs
Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil luis lóPEz GuErra
Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha owEn M. Fiss
Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA toMás s. vivEs antón
Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha
D267
Estudos sobre direito eleitoral [livro eletrônico] / Alexandre Di Pietra ... [et al.]; Prefácio Ricardo Vita Porto; Patricia Vanzolini; Leonardo Sica; Ricardo Vita Porto. (coord.). -1.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2024. -- (Coleção OAB SP)
1Kb; livro digital
ISBN: 978-65-5908-721-1.
1. Direito eleitoral. 2. OAB SP. 3. Ordem dos advogados do Brasil. I. Título. II. Coleção.
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Impresso no Brasil / Printed in Brazil
colEção oab sP
Coordenadores da Coleção
Patricia Vanzolini
Leonardo Sica
Estudos sobrE dirEito ElEitoral
Coordenador
Ricardo Vita Porto
Alexandre Di Pietra
Arthur Rollo
Carla Maria Nicolini
Fabiano Reis de Carvalho
Fátima Cristina Pires Miranda
Francisco Octavio de Almeida Prado Fº
George Melão
Geraldo Agosti Filho
Guilherme Waitman Santinho
Hélio Freitas de Carvalho da Silveira
Izabelle Paes Omena de Oliveira Lima
Jamil Gonçalves do Nascimento Junior
João Fernando Lopes de Carvalho
Júlio Dias Taliberti
Lucas Bortolozzo Clemente
Luciano Caparroz Pereira dos Santos
Autores
Luiz David Costa Faria
Luiz Silvio Moreira Salata
Marcelo Santiago de Padua Andrade
Maria Silvia Madeira M. Salata
Marisa Amaro dos Reis
Max Pavanello
Natália Rubinelli
Nelson Basile Neto
Olivia Raposo da Silva Telles
Rafael de Alencar Araripe Carneiro
Ricardo Pedroso Stella
Ricardo Vita Porto
Stella Bruna Santo
Vinicius Lotufo da Costa
Wendell Klauss Ribeiro
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PrEFácio
A Seccional Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil foi pioneira ao criar, no início dos anos 2000, o Núcleo de Direito Eleitoral, reunindo os poucos advogados que, à época, atuavam na Justiça Eleitoral. Ao longo desses quase 25 anos, a Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP, composta atualmente por mais de 100 advogados distribuídos por todo o Estado de São Paulo, consolidou-se como referência no desenvolvimento do estudo desse ramo do direito, contribuindo para o aprimoramento do processo eleitoral brasileiro.
A Comissão desempenha, igualmente, papel fundamental de elo entre a Advocacia, hoje altamente especializada, e o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Nesse sentido, colabora ativamente com o estímulo do alistamento e do comparecimento ao pleito, com a vigilância das candidaturas e com a fiscalização do procedimento de votação.
Esta coletânea de artigos traz a perspectiva daqueles que operam o Direito Eleitoral: os advogados eleitoralistas. São estes profissionais os responsáveis por promover a interação entre partidos políticos, candidatas, candidatos, Ministério Público e Justiça Eleitoral, trabalhando para assegurar a harmonia e o equilíbrio indispensáveis ao adequado desdobramento da disputa eleitoral.
Os temas abordados nesta obra não apenas refletem a expertise jurídica dos autores, mas também destacam as principais inovações jurisprudenciais e doutrinárias da área, explorando questões pertinentes e desafiadoras que moldam a constante evolução do Direito Eleitoral.
Boa leitura.
ricardo vita Porto Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP
a altEração da lEi das
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tribunal dE contas
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A existência de um órgão responsável pela fiscalização da administração pública remonta desde antes da Proclamação da República, somente tomando forma de tribunal, contudo, após tal marco histórico. Em 07 de novembro de 1890, sob iniciativa de Rui Barbosa, então Ministro da Fazenda, foi criado o Tribunal de Contas da União2 para que procedesse ao “exame, revisão e julgamento dos atos concernentes à receita e despesa da República”.3
De lá para cá as competências foram significativamente ampliadas, estando as atribuições do Tribunal de Conta da União fixadas pelo artigo 71 da Constituição Federal de 88, que lhe conferiu a função de auxiliar do controle externo que deve ser exercido pelo Poder Legislativo, com especialidade para analisar, em um aspecto amplo, as finanças públicas.
Interessante a ponderação do jurista Manoel Gonçalvez Ferreira Filho4, quando destaca que, apesar de vinculados ao poder legislativo, o “Tribunal de Contas é assimilado aos tribunais judiciários no tocante às garantias de sua independência”, de modo que “elege seu Presidente e membros de sua direção, organiza os seus serviços auxiliares, provendo-lhes os cargos, propõe diretamente ao Legislativo a criação ou extinção de cargos e a fixação dos respectivos vencimentos, elabora o seu regimento interno etc.”, gozando de prerrogativas e garantias da magistratura.
No Estado de São Paulo, o Tribunal de Contas está organizado de acordo com a Lei Complementar Estadual nº 709/93, tendo por função a “fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Estado e de seus Municípios”, auxiliando o Poder Legislativo no controle externo, em consonância com o modelo constitucional.5
1 Advogada eleitoralista, membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB São Paulo, pós-graduada em direito administrativo pela Fundação Getúlio Vargas.
2 https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/20/edicao-1/tribunais-de-contas-no-brasil
3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D00966-A.html
4 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional – 38. ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.
5 https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/1993/lei.complementar-709-14.01.1993.html - acesso em 29.05.22
Dentre as funções que lhes foram delegadas, interessa ao presente estudo que competirá ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo: i) apreciar e emitir parecer sobre as contas do Governador do Estado; ii) apreciar e emitir parecer sobre as contas dos Municípios e iii) julgar as contas dos gestores e demais responsáveis por bens e valores públicos (art. 2º).
Há uma clara delimitação de competência decisória da atuação da Corte de Contas, a quem não caberá julgar a gestão conduzida pelo Governador e pelos Prefeitos Municipais, incumbindo-lhe apenas emitir parecer. Atua como órgão opinativo, fornecendo subsídios técnicos-financeiros para que as Casas Legislativas julguem as contas anuais, julgamento esse de que resultará a edição de um Decreto com força de decisão, da qual surtirão efeitos para o agente político que atuou como Chefe do Executivo.
Diferente é a situação dos demais gestores responsáveis por bens e valores públicos, porque estes estão indubitavelmente sob a guarda da competência do Tribunal de Contas, que julgará de forma definitiva a regularidade ou não dos atos praticados, na esteira das hipóteses elencadas no artigo 33 da LC nº 709/936. Ocorrendo o julgamento pela irregularidade, a condenação poderá ser acrescida de ressarcimento do dano ao erário, além da aplicação de multa.
Nesse ponto é que a atuação do Órgão de Controle Externo é passível de ocasionar uma restrição ao jus honorum - direito que o cidadão tem de pretender ser eleito para o exercício de determinado mandato eletivo, já que a decisão que julgar irregular as contas anuais se insere dentre uma das hipóteses de inelegibilidade.
Contextualizado a questão temos que o artigo 14 da Constituição Federal inaugura o capítulo “dos direitos políticos”, que segundo a lição de Jose Jairo Gomes7 são as prerrogativas e os deveres inerentes à cidadania, abarcando tanto o direito de votar (jus suffraggi), quanto o direito de ser votado (jus honorum). E para que o direito de ser votado possa ser plenamente exercido, o cidadão deverá preencher todas as condições de elegibilidade (§ 3º) e não incidir em nenhuma das causas de inelegibilidade (§§ 4º a 9º)
6 Artigo 33 - As contas serão julgadas:
I - regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável;
II - regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal, de que não resulte dano ao erário; e
III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:
a) omissão no dever de prestar contas;
b) infração a norma legal ou regulamentar;
c) dano ao erário, decorrente de ato de gestão ilegítimo ou antieconômico;
d) desfalque, desvio de bens ou valores públicos.
7 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 12ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Atlas, 2016, pg. 4 e seguintes
Em contraponto ao rol taxativo das condições de elegibilidade, o texto constitucional não exauriu todas as hipóteses de inelegibilidade, dando azo para que outras situações fossem previstas por meio da edição de lei complementar, com vistas a proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do cargo, tendo como base para tanto a vida pregressa do candidato.
Nesse contexto é que foi editada a Lei Complementar nº 64/90 – Lei das Inelegibilidades8, que enumerou as demais situações em que ocorrerá a restrição da capacidade eleitoral passiva do cidadão. Cabe alertar que as causas estabelecidas tanto na Constituição Federal quanto na Lei Complementar não comportam interpretação extensiva.
Dentre o elenco das causas de inelegibilidade decorrentes de sanções pretéritas, foi estabelecido pela alínea “g” do inciso I, do artigo 1º que será inelegível aquele candidato que tiver “suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente”.
E, retomando o acima já referenciado, o órgão competente será o Tribunal de Contas quando o processo de prestação de contas tiver por responsáveis os presidentes de câmara, superintendentes de autarquias, presidentes de empresas e fundações públicas, presidentes de consórcios públicos (nessa situação o prefeito poderá estar sob a tutela do Tribunal de Contas), gestores de entidades que tenham aplicado recursos públicos (inciso III, art. 2º, LC 709/93).
Contudo, não obstante a evidente interlocução entre as funções exercidas pelo Tribunal de Contas e a capacidade eleitoral passiva do cidadão, é importante anotar que esta atuação não resulta em uma restrição imediata e objetiva. Isso ocorre porque a própria Lei Complementar estabeleceu requisitos de caracterização da inelegibilidade que são subjetivos (irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade), de modo que caberá à Justiça Eleitoral o definitivo enquadramento da rejeição de contas ao registro do candidato.
Qual será então o papel do Tribunal de Contas em contribuição ao processo eleitoral?
A Lei nº 9.504/979, sem invadir a competência do Tribunal de Contas, lhe impingiu a obrigação de elaborar uma relação de responsáveis por contas julgadas irregulares, a ser encaminhada para Justiça Eleitoral nos anos em que se realizam eleições. Isso diante de decisões irrecorríveis em processos de contas anuais, sem que se faça qualquer juízo de mérito acerca da causa específica de inelegibilidade, 8
ou mesmo das penalidades que pudessem ter sido aplicadas aos gestores, observando-se apenas a questão objetiva de rejeição de contas.
Recentemente, com a alteração promovida no texto da Lei Complementar nº 64/90, pela Lei Complementar nº 184/21, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo se deparou com a necessidade de revisar os procedimentos anteriormente adotados para a elaboração da citada relação. Disso decorreu a Deliberação SEI 13122/2021-0710, que assentou que somente serão incluídos na relação os responsáveis que tenham sido apenados com imputação de débito, não abrangendo apenas a aplicação de multa.
Isso se dá porque a alteração implementada em 2021 adicionou uma condicionante para a hipótese de inelegibilidade que resulta da atuação do Tribunal de Contas: que o julgamento de irregularidade venha acompanhando de determinação de ressarcimento ao erário (§ 4º-A, art. 1º, LC 64/90).
Diante dessa nova característica, interessa apurar como se dá o comportamento do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo na análise dos processos de contas anuais e balanços gerais, para entender quais são as situações mais recorrentes e relevantes de que resultam decisões em que são imputadas obrigações de ressarcimento do erário.
A pesquisa realizada não teve a pretensão de esgotar o universo de decisões proferidas pela Corte de Contas Estadual, mas fez uso de amostragem, que foi limitada por termos de busca específicos no sistema de jurisprudência disponível no sítio eletrônico do TCE/SP11, selecionando decisões/acórdãos onde se verificou a imputação de débito e, também, as situações em que havia elementos para relevar a irregularidade.
Da análise das decisões, foi possível constatar que há um grande tema que aparece com recorrência nos questionamentos dos órgãos técnicos de Fiscalização e que resulta na imputação de débito: irregularidade relacionada à remuneração, seja dos agentes políticos, seja dos servidores públicos.
Questões como superação do teto remuneratório12, pagamento de gratificações, concessão de 14º salário, revisão geral de remuneração acima de índices
10 Deliberação – SEI nº 13122/2021-07, de 06 de maio de 2022
11 termo de busca: contas irregulares ressarcimento / período: 2016 a 2022 / matéria: contas de câmara municipal e balanço geral / tipo de documento: Relatório e Voto e sentenças na íntegra
12 Art.37, XI e XII da CF/88:
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça,
inflacionários e indevida e pagamento irregular de subsídios, são achados que se repetiram em diversas das decisões analisadas e que, em mais das vezes, foram pontos de desequilíbrio na gestão financeira dos órgãos públicos, resultando sempre no ressarcimento ao erário dos valores apurados.13
Exemplificando as situações que resultam na determinação de ressarcimento, o Tribunal de Contas dos Estado de São Paulo, ao analisar as contas anuais apresentadas pelas Câmara Municipal de Itararé, nos autos do TC 577/989/1614, concluiu que era o caso julgá-las desaprovadas em razão de se ter verificado que uma servidora recebeu pagamentos superiores ao subsídio mensal ao do Prefeito Municipal. Diante disso fora determinado o ressarcimento das quantias excedentes.
Quando o tema é pagamento irregular de gratificações, as situações mais corriqueiras estão voltadas ao estabelecimento de benefícios sem amparo legal e distanciado do atendimento aos interesses públicos, tal como foi constatado no julgamento das contas anuais do Instituto de Previdência dos Servidores Públicos do Município de Engenheiro Coelho – ENGEPREV15.
Mas também, outros temas que merecem destaque são as irregularidades que giram em torno das despesas com combustíveis e custos de viagens já que, porquanto não sejam despesas ilícitas, quando os procedimentos de controle quanto à finalidade pública e a destinação se apresentam falhos, a resultar na ausência de comprovação dos gastos, atrai-se a condenação de restituição do dano pelo responsável.16
Mais uma vez, ilustrando o tema, nos reportamos ao julgamento ocorrido nos autos do processo TC 4787/989/1617, oportunidade em que o Tribunal de Contas verificou ausência de controle dos gastos com combustível, além do ressarcimento de despesas de viagem, sem a possibilidade de comprovação da finalidade pública da despesa.
Além destas situações que são bastantes recorrentes, também foram determinados ressarcimentos de valores diante da constatação de irregularidades nos
limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;
XII - os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo;
13 TC 2547/989/17; TC 4313/989/16; TC 4932/989/16; TC 5913/989/16
14 SÃO PAULO. Tribunal de Contas do Estado. TC 5777/989/16. Relator. Conselheiro Sidney Estanislau Beraldo. Julgado em 08 de setembro de 2020.
15 SÃO PAULO. Tribunal de Contas do Estado. TC 25137/989/20. Relator. Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues. Julgado em 19 de outubro 2021.
16 TC 4787/989/16; TC 4620/989/16; TC 5002/989/18; TC 4562/989/16
17 SÃO PAULO. Tribunal de Contas do Estado. TC 4787/989/16. Relator. Conselheiro Sidney Estanislau Beraldo. Julgado em 15 de fevereiro de 2016.
processos de contratação, atraso no pagamento de despesas que ocasionam juros, pagamentos de prestadores de serviço, pagamento indireto com verba de gabinete etc. Sendo que a reincidência das falhas é fato de grande relevância.18
De outro lado, as decisões nos mostraram também que a conduta do gestor público, no enfretamento das irregularidades, é um fator determinante para que o Tribunal de Contas de São Paulo possa relevar a questão e emitir julgamento favorável. Há um grande valor na demonstração de que o responsável pela guarda do dinheiro público não se omitiu na adoção de medidas concretas de reparação, fazendo cessar a impropriedade e, quando necessário, ressarcindo o prejuízo antes mesmo que compelido por uma decisão.19
Outra situação verificada nas decisões favoráveis é a de que a boa ordem geral da gestão financeira, com o cumprimento dos limites de gastos existentes, é fato determinante para o beneplácito da Corte de Contas, que se limitará a recomendar a correção futura das falhas, caso esta já não tenha sido providenciada nos exercícios subsequentes aquele que estava sob julgamento.20
Nos parece que a novel legislação eleitoral, frente ao histórico de decisões do Tribunal de Contas de São Paulo, pode vir a contribuir para impulsionamento de um maior número de situações que levem o gestor de bens e valores públicos a pretender, desde logo, solucionar potenciais situações de dano ao erário, sob o risco de que se não o fizer, poderá ficar inelegível – impedido de se candidatar, pelo longo prazo de 8 (oito) anos.
Não obstante isso, é de se concluir que a competência do Tribunal de Contas não sofreu qualquer abalo diante da inovação da lei eleitoral, já que as decisões exaradas anteriormente à inovação legal já contemplavam condenações para reparação do prejuízo ao erário.
18
a aPlicação da cláusula dE
dEsEMPEnho individual no sistEMa ElEitoral brasilEiro E suas anoMalias
stElla bruna santo1 carla Maria nicolini2
A cláusula de desempenho individual, que prevaleceu nas últimas eleições para a distribuição das cadeiras dos parlamentos do país, escancarou anomalias que precisam ser corrigidas. Esse é o debate que ora suscitamos à luz dos princípios constitucionais da representação proporcional e da soberania popular, basilares de nossa democracia.
No sistema que vigorava antes da minirreforma eleitoral operada pela Lei nº 13.165/15, o partido político (ou coligação), para estar representado no Poder Legislativo, necessitava alcançar o quociente eleitoral, equivalente ao total de votos válidos na circunscrição, somados os votos nominais aos votos de legenda, divididos pelo número de cadeiras em disputa.
Atingido o quociente eleitoral, passava-se ao cálculo do denominado quociente partidário (soma dos votos válidos nominais e de legenda obtidos pelo partido, dividida pelo quociente eleitoral), chegando-se ao número de vagas atribuídas a cada partido, que, por sua vez, eram preenchidas a seus candidatos na ordem de maior votação nominal.
A premissa dessa sistemática é que os partidos que atingem o quociente eleitoral têm representação garantida no Legislativo de acordo com a proporcionalidade de sua votação. Havendo sobra de vagas a preencher, sua distribuição ocorre pelo método das maiores médias.
Em pleitos pretéritos, constatou-se que, especialmente na distribuição das vagas remanescentes (sobras), havia uma deformação que prejudicava o fortaleci-
1 Advogada graduada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Assessora de partidos políticos em temas de Direito Eleitoral e partidário desde 1982. Autora do Manual das Eleições e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP.
2 Advogada especialista em Direito e Processo Eleitoral pela EPM/EJEP Especialista em Processo Civil pela UNIFACS; Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP (2022/2024); Membro da Comissão do Observatório Eleitoral da OAB/SP. (2022/2024) e Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – ABRADEP.
mento dos partidos. Por essa razão o legislador instituiu a denominada “cláusula de desempenho individual”, para evitar que os candidatos denominados “puxadores de votos” (que, por suas votações estrondosas alcançam individualmente o quociente eleitoral) acabassem “arrastando” ao parlamento candidatos com poucos votos e sem nenhuma representatividade social e gerando, por consequência, distorções no sistema proporcional, já que as vagas deixariam de ser preenchidas por outros partidos com maior representatividade.
Assim, a partir da minirreforma eleitoral aprovada em 2015, o artigo 4º da Lei nº 13.165/15 instituiu a denominada cláusula de desempenho individual, alterando a redação do artigo 108 do Código Eleitoral, limitando o acesso as vagas obtidas pelos partidos pelo quociente partidário “àqueles que tenham obtido votos em número igual ou superior a 10% (dez por cento) do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido.”
Posteriormente, o dispositivo foi alterado pela Lei nº 14.211/21 para a supressão do trecho “ou coligação”, diante da proibição das coligações proporcionais.
A regra foi objeto de questionamento por Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5920/DF) intentada pelo Partido Ecológico Nacional, hoje Patriota, julgada improcedente com a declaração da constitucionalidade do dispositivo.
Há que se considerar, entretanto, que a respectiva declaração não constitui chancela para que a cláusula de desempenho individual seja aplicada a toda e qualquer situação. Nas eleições municipais de 2020 não foram poucas as situações em que a cláusula causou verdadeiras disfunções sistêmicas, retirando do parlamento partidos que haviam obtido o quociente eleitoral e partidário, atingindo em cheio o princípio constitucional da proporcionalidade e do aproveitamento dos votos dados pelos eleitores.
Vale destacar que por ocasião do julgamento da ADI 5920/DF, o Ministro Edson Fachin teceu importante ressalva, em que foi acompanhado pelo Ministro Alexandre de Moraes, sobre a necessidade da análise, em outro contexto, das disfunções que poderiam ser geradas pela cláusula de desempenho individual, com distorção do sistema proporcional estabelecido pela Constituição Federal e a legitimidade de representação dos partidos políticos:
[...] Reconheço que há um pano de fundo de problematização, mas essa deferência que se faz ao legislador - nos termos da redação atual do artigo 108 - não elide que esse debate venha,
eventualmente, a ser retomado, em outro contexto. Dito isso, estou acompanhando o eminente Ministro-Relator.” (Ministro Edson Fachin, ADI 5920/DF).3
A ressalva no voto do Ministro Fachin, se deu em razão dos jurídicos fundamentos do voto do Ministro Luiz Fux, relator da ADI 5920/DF, que asseverou que o objetivo da norma foi evitar que candidatos com alto número de votos nominais em partidos sem expressão nacional, sem ideologia clara, elegessem, devido ao alto quociente partidário, candidatos com votação nominal baixa, desfigurando o sistema de representação e a vontade popular.
Essa lógica do sistema eleitoral brasileiro, pelo qual as cadeiras existentes no parlamento devem ser distribuídas aos partidos políticos de maneira a refletir o pluralismo político-ideológico, presente na sociedade e consubstanciado no voto popular, é um princípio que foi ao longo dos anos, reafirmado por nossos Tribunais, inclusive em relação à votação dada pelos eleitores na legenda partidária.
Sobre o tema, primeiro destacamos o que preleciona José Jairo Gomes:
O sistema proporcional foi concebido para refletir os diversos pensamentos e tendências existentes no meio social. Visa distribuir entre as múltiplas entidades políticas as vagas existentes nas Casas Legislativas, tornando equânime a disputa de poder e, principalmente, ensejando a representação de grupos minoritários. Por isso, o voto tem caráter dúplice ou binário, de modo que votar no candidato significa igualmente votar no partido (= voto na legenda); também é possível votar tão só na agremiação. Assim, tal sistema não considera somente o número de votos atribuídos candidato, como no majoritário, mas 4sobretudo os endereçados à agremiação. Pretende, antes, assegurar a presença no Parlamento do maior número de grupos e correntes que integram o eleitorado. Prestigia a minoria. 4
E no mesmo sentido, foi o entendimento dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, nos votos proferidos no bojo da ADI 5920, destacando que o fundamento do sistema proporcional estabelecido na Constituição Federal foi garantir uma ampla e diversa representação social, dos mais diferentes grupos e pensamentos, nos Parlamentos, sendo que a distribuição das cadeiras deve ser acordo com a votação recebida pelos partidos, e não apenas na votação nominal obtida pelos candidatos.
Aliás, em outra Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5420), ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra o artigo 4º da Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015, no trecho em que trata da distribuição das vagas excedentes, o Ministro Dias Toffoli, relator da matéria, diz em seu voto:
No arcabouço adotado pela legislação eleitoral para a distribuição das vagas do Poder Legislativo no sistema proporcional, há duas etapas de distribuição das cadeiras legislativas. Primeiro,
3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de inconstitucionalidade nº 5.920-DF. Relator: Ministro Luiz Fux. Brasília, 4 de março de 2020. Dísponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15343658466&ext=.pdf>. Acesso em: Junho de 2023
4 GOMES, JJ -Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 122- 123.
distribuem- se as vagas a partir de um processo matemático em que se calcula o quociente eleitoral (soma dos votos válidos dividido pelo número de cadeiras em disputa), em seguida o quociente partidário (soma dos votos válidos obtidos pelo partido ou coligação dividido pelo quociente eleitoral), desprezando-se as frações eventualmente resultantes. O quociente partidário maior que uma unidade é pressuposto para que o partido ou a coligação receba ao menos uma cadeira da disputa eleitoral. Já as vagas resultantes do desprezo às frações tornam-se remanescentes e são distribuídas consoante os preceitos legais estabelecidos.5
Evidente, portanto, que o sistema proporcional sempre foi reconhecido como essencial à nossa democracia, e que o Poder Legislativo não é formado apenas pelos mais votados, mas sim pelos mais votados de determinados partidos, até porque a Constituição Federal não permite candidatura avulsa. São as propostas dos partidos políticos que estão em disputa, defendidas por seus representantes.
Nesse contexto, é preciso ponderar que a cláusula de desempenho individual não pode ser aplicada de forma a gerar distorções ainda mais graves daquelas pensadas inicialmente pelo legislador, a ponto de anular, na prática, toda a votação de legenda e toda a votação obtida por um partido que atingiu o quociente eleitoral, tal qual ocorreu nas últimas eleições de 2020, em vários municípios do país.
Foi por essa razão que o Supremo Tribunal decidiu, recentemente, na RCL nº 60.201/PR, nos termos do voto do relator, Ministro Dias Toffoli, que, “a opção legislativa por exigir o desempenho individual dos candidatos não invalida a centralidade dos partidos como núcleo essencial do princípio proporcional, mas visa a um maior equilíbrio do modelo de listas abertas adotados em nosso país”.6
No referido julgamento, candidato a deputado federal, Luiz Carlos Hauly, em disputa pela vaga deixada pelo indeferimento de registro de Deltan Dallagnhol, não havia atingido a cláusula de desempenho individual e, por essa razão, havia sido considerado “não eleito” pelo sistema de totalização da Justiça Eleitoral, mas foi reconhecido como suplente, o que afastou a cláusula de desempenho individual pela incidência das regras da suplência (artigo 112, parágrafo único, do Código Eleitoral), quando o Supremo Tribunal Federal fixou a tese: “A exceção à exigência de votação nominal mínima, prevista para a posse de suplentes, constante do artigo 112, parágrafo único, do Código Eleitoral, não ofende a Constituição”.
Considerou-se, ali, que o afastamento pelo TRE-PR da determinação do artigo 112, parágrafo único, do Código Eleitoral, “em um pretenso exercício
5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de inconstitucionalidade nº 5.420-DF. Relator: Ministro Dias Toffoli. Brasília, 4 de março de 2020. Dísponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15344334431&ext=.pdf>. Acesso em: Junho de 2023
6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tutela Provisória da reclamação 60.201 - Paraná. Relator: Ministro Dias Toffoli. Brasília, 7 de junho de 2023. Dísponível em: <https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RCL60201.pdf>. Acesso em: Junho de 2023
equivocado de distinguishing”, fundamentou a desconsideração dos votos da legenda, resultando em violação, também, à tese firmada na ADI 4.513/DF (cômputo dos votos para o partido).
Vale lembrar que são os artigos 106 e 107 do Código Eleitoral que definem a forma de cálculo dos quocientes eleitoral e partidário, que são os elementos fundamentais que conformam a aplicação, em fórmula, do princípio proporcional estabelecido no artigo 45 da Constituição Federal. Na sequência, tendo os dispositivos anteriores como premissas, vêm os artigos 108 e 109 do Código Eleitoral, que condicionam o preenchimento de vagas à exigência da votação nominal mínima.
Esses dispositivos demandam interpretação teleológica que adapte seu alcance à finalidade pretendida pelo legislador, de modo que não cause prejuízo ao bem jurídico que visavam proteger.
A instituição da cláusula de desempenho individual teve por finalidade evitar, já na primeira divisão, o arrastamento de candidatos sem representatividade expressiva por “puxadores de votos”. O mecanismo prevê, assim, que, preenchida a vaga do “puxador de votos” pelo cálculo do quociente partidário, na forma do artigo 108 do Código Eleitoral, os demais candidatos deveriam atingir a votação nominal mínima de 10% do quociente eleitoral para que pudessem preencher as vagas obtidas pelo partido em razão dos votos do “puxador”.
Pela racionalidade do dispositivo, a cláusula de desempenho individual somente poderia ser aplicada a partir da segunda vaga obtida pelo respectivo partido, eis que o “puxador de votos” já teria alcançado votos suficientes para preencher a primeira vaga.
Decorre daí que a norma do artigo 108 do Código Eleitoral não pode ser interpretada de forma que se sobreponha, de modo absoluto, os quocientes eleitoral e partidário, dispostos nos artigos 106 e 107, antecedentes.
Nos casos em que não há “puxador” de votos, e em que o quociente eleitoral é alcançado pelo conjunto da votação dos candidatos (incluídos os votos de legenda), a titularidade de ao menos uma vaga é direito que deve ser assegurado ao Partido, e não lhe pode ser retirado, sob pena de grave ofensa ao sistema eleitoral proporcional, consagrado pela Carta Magna.
Interpretação em sentido diverso do artigo 108 do Código Eleitoral implicaria sobrepujar por completo a vigência dos artigos 106 e 107 e dos quocientes eleitoral e partidário, que constituem o núcleo da representação proporcional estabelecida na Constituição e implicaria, na prática, que fosse adotada a lógica da candidatura avulsa sem modificação do texto constitucional, tornando nulos
todos os votos conferidos ao partido, quando não o são, já que, inclusive, foram computados em todas as etapas do cálculo da totalização.
Além dos votos nominais, seriam considerados nulos, ainda, os votos conferidos à legenda partidária, cuja existência reforça ser inafastável a centralidade dos partidos como núcleo essencial do princípio proporcional tal como estabelecido na Constituição.
A regra tal como vem sendo interpretada, fazendo-se um paralelo com a Copa do Mundo de Futebol, é como se um dos países tivesse chegado à final da disputa, mas não estivesse apto a levar a taça porque nenhum de seus jogadores marcou um número mínimo de gols. Vencedor da final, tal país perderia a taça para outra equipe que havia sido eliminada nas etapas anteriores, mas à qual pertencia o artilheiro do campeonato.
Ora, não há dúvidas de que o desempenho de cada jogador é importante para o resultado, mas se trata de uma competição por equipes. Assim, a equipe vencedora da final não pode perder a taça para um país que não passou das oitavas-de-final tão somente por ter atingido a vitória com um gol de cada jogador, sem nenhum artilheiro. Se assim fosse, estaria inviabilizado todo o campeonato!
De igual forma, um Partido, tal como ocorreu em diversos municípios do país, nas últimas eleições, não pode perder uma vaga obtida pelo quociente partidário (pelo conjunto de sua votação) para outra agremiação que nem sequer atingiu o quociente eleitoral, ou seja, que não cumpriu os requisitos dos artigos 106, 107 e 108 do Código Eleitoral.
Essa deformidade acabou sendo ainda mais reforçada pelo formato do cálculo apresentado pelo SISTOT, Sistema de Totalização do Tribunal Superior Eleitoral, que retirou dos partidos que atingiram o quociente eleitoral nas últimas eleições municipais, a possibilidade de disputar as vagas das sobras, excluindo seus candidatos do rol de suplentes, por não terem atingido a cláusula de desempenho individual.
É como se não tivessem participado das eleições, ficando evidente que a aplicação da cláusula de desempenho individual acabou por deturpar a representação proporcional dos partidos no Legislativo e por anular, na prática, a manifestação de vontade de parte significativa do eleitorado.
É inegável que acima de todas as normas eleitorais pairam os princípios da soberania popular e do pluralismo político, estabelecidos pela Constituição. O texto constitucional prevê, também, que as Casas Legislativas são compostas pelo sistema proporcional, mediante a representação partidária. Todos esses relevantes princípios do Estado Democrático são passados ao andar de baixo pela cláusula de desempenho individual.
Quando a votação nominal passa à frente para o cálculo da distribuição inicial de cadeiras, há clara inversão de princípios, que não só adultera a correlação de forças políticas no parlamento, como também viola a soberania popular, até mesmo porque é de todo o conjunto de votos do partido – que engloba não apenas os votos nominais, como também os de legenda – que se estabelece o quociente partidário.
Neste sentido, a coexistência da cláusula de desempenho individual e a manutenção do voto de legenda são incompatíveis e, relembrando o ex-Ministro Marco Aurélio de Mello, “o sistema não fecha.”
Essas anomalias, provocadas pelo atual critério de distribuição das vagas com base na cláusula de desempenho individual é que precisam ser reavaliadas, já que outras situações ainda mais gritantes poderão ocorrer nas Eleições 2024, caso sua aplicação não seja corrigida.
Tramitam no Senado e na Câmara dos Deputados, projetos de leis que alteram, novamente, os artigos 108 e 109 do Código Eleitoral, que visam corrigir tais deformações, o que demonstra que a matéria ainda está longe de ser pacificada.
É certo que o legislador ordinário pode estabelecer as fórmulas do cálculo das vagas, propondo ajustes sempre que verificadas distorções, mas tais alterações não podem violar as premissas angulares do sistema proporcional (a autenticidade do resultado eleitoral e o pluralismo político), feixes estruturantes da nossa democracia, como sustenta Eneida Desiree Salgado:
[...] O princípio proporcional é constitutivo do desenho democrático brasileiro e é instrumento de garantia da participação das minorias no debate público e nas instituições políticas. Como esse é princípio constitucional estruturante do Direito Eleitoral brasileiro, não pode ser afastado sequer pelo poder de reforma da Constituição. Nem pode, consequentemente, o princípio proporcional como núcleo do sistema eleitoral brasileiro.7
Em conclusão, o partido que atinge o quociente eleitoral e conquista os votos proporcionais para ocupar pelo menos uma vaga no parlamento, com candidaturas de puxadores, ou mesmo com uma chapa forte em seu conjunto sem destaques individuais, não pode ser simplesmente excluído da representação proporcional.
A adequação da fórmula de preenchimento das vagas do parlamento, deve ser precedida de discussões mais aprofundadas e estudos, por meio de cálculos matemáticos e probabilísticos, para maximizar aproveitamento dos votos, estabelecendo-se regras que fortaleçam os partidos políticos e reforcem a soberania popular. O tema é fundamental e o debate precisa ser enfrentado com urgência para realinhar o sistema proporcional aos ditames da Constituição Federal.