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Leonardo Monteiro Rodrigues

A E xigibilid A d E como l imit E

Ao P roc E sso d E i m P utAção d A o missão i m P ró P ri A

A plic Ação no D ireito p en A l e conômico

Copyright© Tirant lo Blanch Brasil

Editor Responsável: Aline Gostinski

Assistente Editorial: Izabela Eid eDiagramação: Analu Brettas

CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO:

EduArdo FErrEr mAc-grEgor Poisot

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Investigador do Instituto de Investigações Jurídicas da UNAM - México

JuArEz tAvArEs

Catedrático de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - Brasil luis lóPEz guErrA

Ex Magistrado do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Catedrático de Direito Constitucional da Universidade Carlos III de Madrid - Espanha

owEn m. Fiss

Catedrático Emérito de Teoria de Direito da Universidade de Yale - EUA tomás s. vivEs Antón

Catedrático de Direito Penal da Universidade de Valência - Espanha

R614 Rodrigues, Leonardo Monteiro

A exigibilidade como limite ao processo de imputação da omissão imprópria : aplicação no direito penal econômico [livro eletrônico] / Leonardo Monteiro Rodrigues; prefácio Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. - 1.ed. – São Paulo : Tirant lo Blanch, 2024.

1Kb; livro digital

ISBN: 978-65-5908-767-9.

1. Direito penal econômico. 2. Exigibilidade. 3. Processo de imputação. 4. Omissão imprópria. I. Título.

CDU: 343.34

Bibliotecária Elisabete Cândida da Silva CRB-8/6778

É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, inclusive quanto às características gráficas e/ou editoriais. A violação de direitos autorais constitui crime (Código Penal, art.184 e §§, Lei n° 10.695, de 01/07/2003), sujeitando-se à busca e apreensão e indenizações diversas (Lei n°9.610/98).

Todos os direitos desta edição reservados à Tirant lo Blanch.

Fone: 11 2894 7330 / Email: editora@tirant.com / atendimento@tirant.com tirant.com/br - editorial.tirant.com/br/

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Leonardo Monteiro Rodrigues

A E xigibilid A d E como l imit E

Ao P roc E sso d E i m P utAção d A o missão i m P ró P ri A

A plic Ação no D ireito p en A l e conômico

Para Marilene, Nilson, Daniela, Carola e Isadora.

APrEsEntAção ................................................................................ 8 Daniela Villani Bonaccorsi Rodrigues PrEFácio ...................................................................................... 11 Jacinto Nelson de Miranda Coutinho 1. introdução ............................................................................. 17 2. A nAturEzA tíPicA dA omissão ................................................... 24 2.1. O conceito positivista de omissão de Ernst von Beling 34 2.2. O conceito neokantista de omissão.................................................... 37 2.2.1. Valor e norma na omissão ............................................................ 42 2.2.2. O conceito de omissão no injusto típico ...................................... 50 2.2.3. O conceito de conduta e omissão em Edmund Mezger ................ 53 2.3. A conduta no finalismo 56 2.3.1. As estruturas lógico-objetivas e a teoria do delito.......................... 62 2.3.2. A omissão em Hans Welzel .......................................................... 65 2.3.3. Variações finalistas da omissão...................................................... 69 2.4. O conceito funcionalista de omissão ................................................. 77 2.4.1. A omissão e os fins da pena .......................................................... 81 2.4.2. O conceito de omissão em Bernd Schünemann ........................... 85 2.5. Conceitos contemporâneos de omissão ............................................. 89 2.6. Considerações críticas aos crimes omissivos: o sentido típico-normativo do não-fazer ............................................................................................. 98 3. o critério dE ExigibilidAdE nA omissão ................................. 101 3.1. O conceito de exigibilidade no Direito Penal: o sentido do poder agir de outro modo ............................................................................................ 108 3.2. A normatividade omissiva e seus limites: a exigibilidade na omissão ......111 4. signiFicAdo Jurídico dA imPutAção omissivA: A comissão Por omissão...................................................................................... 122 4.1. A Trajetória dogmática da omissão imprópria .................................. 128 4.2. A posição de garante e o dever de impedimento de violação do bem jurídico 134
sumário

4.3. A ingerência e o tratamento penal da imputação na criação de riscos pelo sujeito

5. A omissão EnquAnto ExigibilidAdE E imPutAção Em situAção concrEtA: A Posição dE gArAntE dos dirigEntEs no dirEito PEnAl

6.

............................................................................................ 141
ativo
Econômico ................................................................................ 152
conclusão ............................................................................ 166 rEFErênciAs bibliográFicAs ........................................................ 171

APrEsEntAção

Leonardo Monteiro Rodrigues é, antes de tudo, um defensor da liberdade.

É Pós-Doutor em Democracia e Direitos Humanos do Instituto Gentium Conimbrigae do Centro de Direitos Humanos da Universidade de Coimbra (IGC/CDH). Doutor e Mestre em Direito (PUCMinas). Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP). Associado do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal (IBRASPP). Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Membro da Asociación Argentina de Justicia Constitucional (AAJC). Membro do Instituto de Direito de Integração da AAJC. Membro do Conselho Editoral da Revista Latino-americana de Estudos Políticos e do Estado. Membro da Comissão de Advocacia Criminal da OAB/MG. Parecerista do Boletim do IBCCRIM. Foi membro da World Society of Victimology (WSV) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Ex-conselheiro do Conselho de Criminologia e Política Criminal do Estado de Minas Gerais (CCPC/MG). Ex-conselheiro e chefe do Observatório de Vitimologia do Instituto Nova-Limense de Estudos do Sistema Penitenciário (INESPE). Ex-assessor do Secretário de Estado de Defesa Social de Minas Gerais (SEDS/MG). Ex-diretor da Corregedoria da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS/MG). Ex-presidente da Comissão de Ética da Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS/MG). Ex-conselheiro do Instituto de Ciências Penais (ICP). Coordenador da pós-graduação em Compliance, Ética e Governança da PUCMinas. Coordenador da pós-graduação em Direito Penal Econômico da PUCMinas. Lecionou na Escola Judicial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (EJEF/TJMG), na Escola Judicial do Tribunal de Justiça do Piauí (EJUD/TJPI) e na Escola Superior da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (ESDEP/MG). Ex-coordenador do Grupo de Estudos Avançados de Escolas Penais em Minas Gerais (IBCCRIM). Atualmante, ocupa o cargo de Secretário

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de Estado Adjunto do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais.

A obra foi conclusão de sua tese de doutorado e, não obstante a profunda pesquisa do conceito de omissão, que parte do idealismo penal alemão até o funcionalismo de Claus Roxin, vai bem além de aspectos dogmáticos. O autor aborda a responsabilização por condutas omissivas impróprias, a partir de uma análise da exigibilidade, ou inexigibilidade para encontrar limite para a responsabilização por omissão imprópria, no caso de pessoas em posição de gestão/direção de empresas. A omissão é concebida de uma perspectiva normativa, demonstrando que tal conceito é a única forma democrática, de um Direito Penal que respeita as balizas da dignidade da pessoa humana, para a responsabilidade penal.

O estudo dos crimes econômicos e de suas formas de imputação, por um lado, rompe o paradigma do direito penal, relacionado à crimes violentos, patrimoniais e às pessoas que representam a seletividade do direito penal. Mas, por outro, ratifica o caráter simbólico de um direito penal populista no qual “o cidadão vai à forra”, ademais quando se fala de responsabilização de gestores, políticos e pessoas relacionadas à respeitabilidade social e estabilidade econômica. Contudo, em meio à uma realidade repleta de embates, dúvidas e respostas punitivistas, o autor demonstra que é possível, de forma fundamentada, acreditar em ideais de uma justiça democrática.

Em uma tese de doutorado pretende-se o amadurecimento do profissional e o domínio do tema, mas a obra vai além, como o próprio autor explica, “fundamenta um novo olhar”, uma perspectiva como forma de limitar o poder punitivo estatal.

O autor, o “Léo” é defensor radical dos direitos e garantias fundamentais, compartilha conosco, não só seu rigor científico, mas o espaço da liberdade. Quando relaciona a liberdade com um direito penal garantista pode causar estranheza para àqueles que possuem uma visão coloquial de retribuição e punição, mas, ensina, sobretudo “que aqueles que renunciam à liberdade em troca de promessas de segurança acabarão sem uma nem outra”.

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O tema liberdade é abordado por muitos autores. Em 2006 o jornalista Christopher Hitchens, num posfácio do livro “A revolução dos bichos”, de George Orwell, finaliza justamente dessa forma a sua análise. Rubem Alves, autor mineiro, na sua obra “Religião & Repressão”, de 1979, cita o escritor russo Fiódor Dostoiévski com a mesma finalidade de ensinar sobre a liberdade:  “Não há nada mais sedutor aos olhos dos homens do que a liberdade de consciência, mas também não há nada mais terrível. E em lugar de pacificar a consciência humana de uma vez por todas, mediante sólidos princípios, tu lhes ofereceste o que há de mais estranho, de mais enigmático, de mais indeterminado, tudo o que ultrapassava as forças humanas, a liberdade”. Completa que os homens dizem amar a liberdade, mas de posse dela, são tomados por um grande medo e buscam abrigos seguros. A liberdade dá medo. “Os homens são pássaros que amam o voo, mas têm medo dos abismos”. Por isso se trancam em gaiolas e querem trancafiar tudo aquilo que possa gerar esse medo. O teólogo Frédéric Lenoir, em seu livro “Pequeno tratado de vida interior”, diz que “Buda, Sócrates e Jesus concordavam que o homem não nasce livre, mas se torna livre ao sair da ignorância”.

Avançando em idéias libertárias e humanistas, é possível não só entender a profundidade da obra, mas, principalmente, a característica pessoal do autor. Demonstrando, sim, a adequação das teorias omissivas mas, sobretudo com um Direito Penal mínimo, garantista, democrático.

São poucos aqueles que possuem a capacidade de ligar aspectos teóricos à conhecimento jurídico libertador e, essa é a maior contribuição do autor, não só na presente obra mas, principalmente na sua atividade profissional e conduta de vida. Assim, resta o agradecimento, por compartilhar conosco sua obra, mas, principalmente, por compartilhar seus profundos anseios pela liberdade e justiça penal.

dAniElA villAni bonAccorsi rodriguEs1

1 Desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Doutora e Mestre em Direito. Professora Adjunta de Direito Penal na PUCMinas. Coordenadora do curso de Pós-Graduação em Direito Penal Econômico PUCMinas. Especialista em crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro. Certificada pela ACAMS/USA (Association Certified Anti-Money Laundering Specialist). Coordenadora de grupo de pesquisa da PUCMinas.

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PrEFácio

O Prof. Leonardo Monteiro Rodrigues lembra-me, sempre, um querido amigo – também mineiro – que o Rio de Janeiro surrupiou: o Prof. Antônio Celso Alves Pereira. Não é pouca coisa. Ao contrário. As origens mineiras fazem com que eles – que talvez não se conheçam – provoquem essa ligação. Ambos são inteligentíssimos e, sem dúvida, gentlemans. Finos no trato, têm sempre uma aproximação, nas relações, como todas deveriam ser, ou seja, marcadas pela educação e, mais importante, seja lá com quem for. Por isso, é quase impossível não gostar deles; antes, aquela cautela tipicamente mineira, levada pela boa prática do respeito ao outro – seja ele quem for, repito – torna-os grandes, mas cativa de tal forma que desde a primeira conversa passa-se a devotar, por eles, um carinho enorme, daqueles que só se tem por amigos de longa data.

Foi o que se passou comigo. Vale relembrar um pouco, inclusive para homenagear a ambos e mostrar que a benquerença não é gratuita.

Conheci o Prof. Antônio Celso – como é conhecido, inclusive nos seus livros de literatura – na antiga casa de montanha do Prof. Luís Roberto Barroso, em Itaipava. Ele me foi apresentado como um “mineiro do Rio de Janeiro”; e “Reitor da UERJ”. Eram, ainda, os anos 90, se a memória não me trai. As palavras de apresentação, nos seus deslizamentos, diziam ser ele um vitorioso. Afinal, ninguém que é de fora vence na Corte sem méritos, grandes méritos; e mais: continuar mineiro era uma forma de ressaltar que eles – os méritos – eram os originais, portanto, que ele era grande em si. Sentados em cadeiras em roda na parte de fora da casa, tudo isso se confirmou em uma conversa que se prolongou até a noite, sempre recheada – da parte dele –, de muitas histórias da vida das pessoas e das instituições, sempre lançadas com inteligência, fineza e um humor típico de quem respeita os outros. Um dia agradabilíssimo, no qual aprendemos, quase como alunos, a respeitar e amar o mestre. Ele contou, também, nas idas e vindas da conversa, as dificuldades para, cor-

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retamente, administrar uma universidade como a UERJ, plena de liberdade, mas complicada por interesses particulares e, alguns, maldosos, a ponto de formularem denúncias sem qualquer fundamento que lhe renderam problemas e dissabores. Tudo era improcedente, por elementar, como se julgou depois. Mesmo assim, ele falava com elegância dos seus detratores, tentando entendê-los. Ora, é impossível não gostar e admirar uma pessoa assim. Depois, encontramo-nos algumas vezes e ele, Antônio Celso, sempre um gentleman, sendo ele mesmo. Nossa amizade se selou, mesmo, quando fui Coordenador da Área do Direito, na Capes. Resolvi, junto com meu Vice-coordenador – o Prof. Luiz Alberto David de Araújo – que seria melhor administrar com um Grande Comitê e um Núcleo Duro dele, Comitê esse que faria, inclusive, a avaliação dos Programas de Pós-graduação, então bienal. Tal Comitê tinha 25 membros, de todas as regiões do país e todos professores ilustres e consagrados. Para ele, do Rio de Janeiro, escolhemos os Professores Ricardo Cesar Pereira Lira (outro grande amigo e com muita experiência no comando da pós-graduação porque tinha sido Coordenador de Área) e Antônio Celso. Eles, no Grande Comitê, desempenharam um papel relevante de aparar as arestas. Com o peso do conhecimento que tinham e o respeito por todos devotado, logo tornaram o Comitê um movimento de esforço comum. Gente assim é sempre imprescindível para servir de referência; e eles fizeram por merecer. Belos tempos passamos todos trabalhando para fazer a pós-graduação em Direito do Brasil crescer. E assim foi. O Prof. Antônio Celso, porém, não é tão só um grande jurista. Ele é um excepcional literato. Seus livros de literatura (Rua do Quenta-sol; Girassol de Ouro; A Porta de Jerusalém) são, todos, primorosos; e todos premiados. Valeria destacar, aqui, um pequeno trecho do Parecer da Comissão Julgadora (Adonias Filho, Ciro dos Anjos, Herberto Sales e Vianna Moog) do “Prêmio Coelho Neto”(1984), da Academia Brasileira de Letras: “A ‘Porta de Jerusalém’... romance de forte originalidade, que mostra expressivas qualidades literárias. O romance, ambientado num burgo mineiro, a Vila da Eucaristia da Terceira Espera, se desenvolve com vários tempos e utiliza também focos narrativos diversos, para criar um clima entre o mágico e o maravilhoso, onde se interpenetram episódios históri-

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cos, sociais e humanos. Apresentado em 22 pequenos capítulos, o romance condensa não apenas épocas distanciadas, como também põe em cena toda uma impressiva galeria de tipos. É um livro de grande força criativa e de rico teor estético.” É de tal forma bela a leitura desses livros de uma escrita limpa e clara que o degustar deles leva à dúvida se Antônico Celso deveria ser o grande jurista e internacionalista que é ou tão somente um escritor, certamente de escol. Enfim, ele é uma pessoa adorável.

Com o Prof. Leonardo Rodrigues – embora a diferença de idade entre eles seja quase de uma vida – minha aproximação não foi muito diferente. Já nos conhecíamos de maneira protocolar, por conta dos meus contatos com os amigos da PUCMinas. Porém, logo no início da pandemia da Covid-19 ele me telefonou pedindo que fizéssemos uma Live, a qual teria o suporte da Tirant lo Blanch, leia-se: Aline Gostinski. Era um aval demais relevante. Um tanto arredio às novas tecnologias, acabei, com as palavras doces e amigas do Leo, aceitando. Isso, de certa forma, era fácil; o difícil era me convencer a fazer o tal Instagram. E fiz; eu, propriamente, não, para dizer bem. Como sempre acontece nessas coisas tecnológicas, algum anjo fez para mim; e passei um bom tempo aprendendo e treinando como deveria mexer nos botões, coisa que até hoje não sei direito. Ou seja, Leonardo, no melhor estilo mineiro de Antônio Celso, levou-me a ter um Instagram. Foi um milagre.

Por isso, é salutar aproximar os dois por mais esta característica da qual Antônio Celso é um mestre: a escrita limpa e clara. Leonardo mostrou isso na sua dissertação de mestrado, depois transformada em livro: A evolução da culpabilidade: do causalismo ao funcionalismo-teleológico (1ª ed.. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019). E agora, na sua tese de doutoramento (A exigibilidade como limite ao processo de imputação da omissão imprópria: aplicação no direito penal econômico), convertida em livro do qual tenho a honra de lançar o prefácio.

O tema é altamente espinhoso. Leonardo, porém, quiçá movido por sua pesquisa sobre a culpabilidade e os resultados obtidos, vai mostrar, na tese, que falta “um critério a mais, em que dentro de

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determinadas situações, afastará a própria conduta”, ou seja, aquilo que chamou de “exigibilidade”. Em suma, “Uma exigibilidade que tenha como amparo o ‘bom senso’ do julgador tangenciado pela dignidade da pessoa humana. Limitador do poder de punir e nunca, forma de expansão do Direito Penal”. Seus olhos estavam, como se pode ver, voltados para a omissão imprópria e o direito penal econômico, baluartes da expansão penal para gente que nada tem a ver com o caso penal ou mesmo muito pouco é relacionado com ele, ou seja, aquele do qual não se pode exigir uma ação de garantidor. Pense-se, por exemplo, em um diretor comercial de uma empresa que é domiciliado nos EUA (para o qual se exporta 99% da produção), mas que, por razões estatutárias, é obrigado a participar do conselho de administração dela, algo que o força a não decidir nada, porém a constar nas atas de reuniões. Pergunta: seria possível, de tal pessoa – que, de fato, por razões óbvias, não toma as decisões que dizem respeito ao Brasil –, exigir que aja para evitar o não pagamento da apropriação indébita previdenciária, crime do art. 168-A? A resposta é elementar, mesmo porque ele sequer tem conhecimento das decisões desse tipo.

A tese, contudo, não se satisfaz com as construções do conceito analítico do crime e vai além, aumentando a garantia do cidadão, porque “não há exigibilidade de ação de garantidor, não podendo ser imputado sequer a conduta”. É um giro, percebe-se, bastante radical, mas significativo, mormente se se não pode falar de estado de necessidade; e, mais problemático – se alguém se equivoca com a palavra usada pelo Leonardo –, de exigibilidade de conduta diversa; mesmo porque os tribunais (um tanto estatalistas e punitivistas), esmeram-se em afastá-las, com um jogo retórico assaz inapropriado. Sobre esta última, Leonardo dá uma explicação preciosa: “E por que não se trata apenas como exigibilidade de conduta diversa? Porque essa modalidade exige a verificação que todas as pessoas tomariam a mesma postura, a partir do ‘homem médio’. Além de ter que perpassar por inúmeros temas da teoria do delito, já que a culpabilidade é o último e vai aferir o juízo sobre o agente, e não sobre o injusto”.

[Logo] O que se propõe é uma exigibilidade que afasta o próprio

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injusto, por falta de conduta, dentro de uma perspectiva que não exige a comparação com o famigerado ‘homem médio’”.

Delimitada a tese, pode-se a discutir e a aceitar ou não, mas, em definitivo, não é possível ignorá-la. Quem trabalha com a omissão imprópria, particularmente no direito penal econômico, não só sabe que há um excesso de imputação como, também, que, como diz o Leonardo, “A limitação penal é tema indissociável da dogmática jurídica penal, para rechaçar qualquer tipo de irracionalidade, arbitrariedade e improviso”.

Enfim, “A exigibilidade proposta é um critério a mais para, somente quando verificada, permitir a responsabilidade penal pela omissão imprópria. É exigível quando, a partir de um bom senso, amparado na ética fincada pela dignidade humana, que o agente tivesse atuado para evitar o resultado”.

Trata-se de um esforço para limitar a facilidade com que se lança o direito penal, cobrando-se uma “postura ética fincada pela dignidade humana”. Ela, como se sabe, não é simples, seja porque no momento histórico atual, de um neoliberalismo mercantilista, atropela-se a ética a cada instante; seja porque a dignidade humana é vilipendiada no seu extremo, isto é, em razão de se “precificar” o homem, e não pelo seu trabalho ou outro atributo e sim por ele em si mesmo. Em muitos aspectos, está-se a um passo do inferno.

De qualquer forma, vale a luta, dado que ela faz o dia a dia e é justo ali, nele, que se vive e se deve viver, embora ninguém se livre do passado e do futuro. Algo assim é um bom termômetro da felicidade de um homem, sobre o qual se pode medir a alegria de estar com as pessoas queridas. Do Prof. Leonardo isso ficou expresso na dedicatória da tese (“Para Marilene, Nilson, Daniela, Carola e Isadora”), ou seja, a mesma que está no livro de 2019: A evolução... Algo assim diz muitas coisas, mas é, sem dúvida, uma renovação de respeito e amor.

O carinho do Leo, porém, não é só para os mais chegados. Ele – como tantos outros – dedica uma admiração e um respeito muito grande pelo seu orientador, o Prof. Cláudio Roberto Cintra Bezerra Brandão. Não é para menos. O Prof. Cláudio Brandão é exigente e duro, consigo e com os outros, mas tem um coração tão grande que

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faz as exigências e a dureza aos outros tornarem-se atos de amor ao próximo. Dele, tornei-me um aluno a mais, um tanto indisciplinado – é verdade –, mas tão ousado que aceitei fazer o presente prefácio pensando que, sobre o tema (de direito penal), sou só um coroinha estudante a ajudar o padre, enquanto ele é o bispo e aqui deveria estar a escrever. Pois que tenha vida longa no bispado. Faz-se tempo de terminar. Este pequeno prefácio tem a intenção de antecipar algo da tese (do livro), sobretudo para convidar a todos a uma leitura agradável de um texto limpo e claro, no melhor estilo Antônio Celso e Leonardo Rodrigues. Devo reconhecer que ele me deu um grande prazer, mormente por poder lembrar e relembrar de gente que gosto muito, da Aline Gostinski ao Prof. Cláudio Brandão, do autor ao Prof. Antônio Celso. Fazer isso também é viver... em paz.

Pois que o livro do Prof. Leonardo Rodrigues alcance o lugar cimeiro que merece.

JAcinto nElson dE mirAndA coutinho1

1 Professor Titular de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (aposentado). Professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Professor do Programa de Pós-graduação em Direito da UNIVEL, Cascavel. Especialista em Filosofia do Direito (PUCPR); Mestre (UFPR); Doutor (Università degli Studi di Roma “La Sapienza”). Presidente de Honra do Observatório da Mentalidade Inquisitória. Advogado. Membro da Comissão de Juristas do Senado Federal que elaborou o Anteprojeto de Reforma Global do CPP, hoje Projeto 156/2009-PLS.

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1. introdução

A partir da globalização houve, direita e indiretamente, uma expansão penal. Tal expansão se dá pela necessidade de se proteger bens jurídicos que extrapolam a esfera individual, passando o Direito Penal a proteger os chamados bens jurídicos supraindividuais ou coletivos.

Todavia, com tal expansionismo, várias normativas foram criadas, para atingir condutas praticadas nesse âmbito econômico e empresarial. Em razão dessa expansão penal, e tendo em vista a complexidade que pode apresentar uma determinada empresa em sua divisão de tarefas de forma horizontal ou vertical, seja por divisão de funções, seja por delegação de função, a sistematização do Direito Penal é colocada a prova, especialmente nas condutas omissivas, que sempre foram ponto sensível da teoria do delito.

Na práxis forense dificuldades surgem diariamente no âmbito do chamado Direito Penal Econômico, ou Direito Penal Empresarial. Tais dificuldades normalmente estão ligadas a forma de responsabilizar dirigentes, gestores, diretores, gerentes etc., adequando a teoria do delito aos atos penalmente relevantes, condutas desviantes, praticadas na atividade empresarial, especialmente em comissão por omissão. E, como se verá, a jurisprudência pouco se verticaliza para o enfrentamento necessário dos elementos da omissão imprópria nos delitos econômicos.

A responsabilização penal por condutas comissivas, normalmente não apresenta grande dificuldade para sua individualização e comprovação ou desconstrução, mesmo ainda havendo alguns embates dogmáticos sobre a estrutura da ação.

Todavia, com menor impacto desde o sistema finalista de Hans Welzel, pois na Alemanha o funcionalismo é o sistema utilizado, o debate entre ambos se dá em questões mais ligadas a concurso de agentes, omissão, entre outros, do que propriamente no âmbito de condutas comissivas individuais dolosas.

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De outro lado, a responsabilização por condutas omissivas, especialmente as chamadas impróprias, encontra maior dificuldade no Direito Penal, o que faz, no Brasil, o Poder Judiciário lançar mão, algumas vezes, de forma equivocada, de teorias inadequadas, a fim de “dar uma resposta à sociedade”. Resposta essa, como já apontado, superficial e que não enfrenta as maiores questão acerca do tema. Além da compreensão se é possível responsabilizar um dirigente por omissão, e no presente trabalho opta-se por essa terminologia ampla propositadamente, é necessário compreender a estrutura desse instituto e verificar critérios mais adequados para sua imputação, a fim de obter as necessárias balizas a um Direito Penal mínimo, garantista, democrático.

Vale dizer que o Direito Penal Econômico não está desvinculado do direito penal clássico, sendo apenas um ramo desse, porém, utilizando as bases da teoria do delito, que permanecem as mesmas, apesar de, neste campo, encontrar maiores questionamentos, especialmente no que tange aos crimes comissivos por omissão2.

Naturalmente, os apontamentos que serão feitos como conclusão da presente tese, apesar de terem sido analisados com o viés do Direito Penal Econômico para sua aplicação, poderiam muito bem ser utilizados em face de qualquer tipo de criminalidade omissiva imprópria, o que pode ser até mesmo encontrado mais fartamente nas decisões sobre a comissão por omissão no âmbito do Poder Judiciário.

Aliás, destaca-se que o ponto de questionamento que deu origem à escolha do tema do presente trabalho encontra-se em artigo de autoria dos professores Cláudio Brandão e Leonardo Siqueira. Sendo certo que os autores tratam do tema utilizando-se da hipótese de um filho que não ministra o medicamento ao seu genitor em face do grande sofrimento físico que tal tratamento importará ao paciente, não deveria responder pelo delito, mesmo sendo o garantidor de seu pai, pela inexigibilidade que deveria ser imposta.

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2 Vale dizer que a terminologia: omissivos impróprios, se equipara a comissivos por omissão.

Com isso pode-se verificar, de plano, que qualquer tipo de estudo acerca da teoria do delito é aplicável em todas as formas de criminalidade. Assim, o presente trabalho, apesar de fazer um corte epistemológico para apresentar uma hipótese dentro do Direito Penal Econômico, apenas como exemplo, não exclui qualquer tipo penal de sua aplicação.

Em verdade, no aspecto de legislação, o grande objeto está previsto no artigo 13, § 2º do Código Penal brasileiro.

Assim, tem-se como objetivo encontrar mais um limite para a responsabilização por omissão imprópria, além do poder-dever agir, aplicando-se no presente trabalho como limitação dessa responsabilidade no caso de pessoas em posição de gestão/direção de empresas. Esse limite deverá ser encontrado na imputação dos delitos omissivos impróprios a partir de uma análise da exigibilidade, ou inexigibilidade.

Isso porque a exigibilidade é determinada pela valoração da liberdade, e a liberdade é uma imputação. Imputa-se àquele que é livre, e se trabalhará essa perspectiva a partir de Samuel Pufendorf.

Todavia, para isso, primeiramente será trabalhado o conceito de omissão, do idealismo penal alemão até o funcionalismo de Claus Roxin, perpassando todas as cinco revoluções científicas do Direito Penal. Até mesmo para a compreensão da inserção dos valores da cultura no sistema de Edmund Mezger, que dará substância para se analisar como se verificava a ocorrência de um crime omissivo.

Aliás, os crimes omissivos sempre foram punidos. Mas a forma de entendimento sobre estes, foi ponto nevrálgico de debates e reconstruções da dogmática penal.

Afinal, o que seria uma omissão? Um não-fazer? Uma inatividade? O não fazer algo? Que tipo de algo? E, se os tipos penais não preveem essa omissão imprópria, porque por muito tempo não se previa3, como punir essa forma de praticar crime? Quais seus limites? Quem está responsável a agir para evitar um resultado?

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3 E isso ainda ocorre em alguns países.

Segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, a omissão seria o “ato ou efeito de omitir-se. Aquilo que se omitiu; falta, lacuna. Ausência de ação; inércia. Ato ou efeito de não fazer aquilo que moral ou juridicamente se devia fazer”4. Seria esse o conceito do Direito Penal?

Estaria este conceito suficiente? Adequado ao Estado Democrático de Direito e respeitador do princípio da legalidade?

E a pergunta que mais interessa para esta tarefa: qual o limite da imputação omissiva imprópria? Aquele que deve e pode, no caso concreto, agir, tem necessariamente a obrigação legal de agir? Não fazendo, deverá ser responsabilizado?

Para responder a essas perguntas, necessário será passar por uma compreensão da natureza típica da omissão e sua evolução, pelos critérios de exigibilidade na omissão, que não se confundem com àquela prevista no elemento da teoria do delito: culpabilidade; a determinação da imputação na omissão imprópria, para verificar-se a adequação da exigibilidade nesse vetor e, finalmente, a hipótese de aplicação desse critério no Direito Penal Econômico.

O trabalho tem a tarefa de verificar se o que SILVA SÁNCHEZ delimita como o conteúdo material da omissão, que é justamente a prestação positiva de salvaguarda/proteção do bem jurídico, pode ser limitado por um critério de imputação a partir da ideia de exigibilidade constante em Heinrich Henkel.

Portanto, a hipótese parte de um primeiro questionamento: seria a exigibilidade um critério apenas da culpabilidade, como explorado largamente pela doutrina? Ou poderia ela também ser utilizada em momentos anteriores na análise do delito?

O objetivo é, desta forma, a partir desse critério da exigibilidade na imputação de crimes omissivos, restringir a aplicação desmesurada da omissão imprópria, especialmente na criminalidade econômica, onde muitas vezes se lança mão desse instrumento do Direito Penal para alcançar pessoas em cargos de gestão ou direção, com uma hipertrofia dos delitos omissivos impróprios, sobre o falso

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4 FERREIRA, 2006, p. 1437.

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