Revista Eletrônica de Jurisprudência - Volume 00 - Parte 3

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Face à incidência das três causas especiais de aumento - emprego de arma, comparsaria e restrição da liberdade das vítimas -, entendo que o acréscimo deveria ser da metade (1/2) e não de cinco doze avos (5/12). Daí porque, pelo meu voto, sempre respeitado o entendimento da douta maioria, dava provimento ao apelo ministerial, neste ponto, em maior extensão. POÇAS LEITÃO, 3º Juiz

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 000725555.2011.8.26.0541, da Comarca de Santa Fé do Sul, em que é apelante/apelado FERNANDO FERRONI LOPES, é apelado/apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso defensivo e deram provimento ao apelo ministerial para afastar o privilégio e declarar FERNANDO FERRONI LOPES como incurso no artigo 155, “caput”, combinado com o artigo 14, inciso II, do Código Penal, fixar as penas em OITO (08) MESES DE RECLUSÃO e pagamento de SEIS (06) DIAS-MULTA mínimos, substituir a carcerária por uma restritiva de direitos consistente na prestação de serviços à comunidade por igual período e fixar o regime aberto, mantendo-se a r. sentença recorrida em todos os seus demais termos. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 26.036) O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores OTÁVIO HENRIQUE (Presidente), SÉRGIO COELHO E PENTEADO NAVARRO. São Paulo, 10 de outubro de 2013. OTÁVIO HENRIQUE, Relator

VOTO Ao relatório da r. sentença de fls. 104/109, proferida pelo Ilustre Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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Ementa: APELAÇÃO. FURTO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PRIVILÉGIO AFASTADO. ESTABELECIDA PENA CARCERÁRIA, SUBSTITUÍDA POR RESTRITIVA DE DIREITOS. FIXADO REGIME ABERTO. IMPROVIMENTO DO APELO DEFENSIVO E PROVIMENTO DO RECURSO MINISTERIAL.


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Magistrado JOSÉ GILBERTO ALVES BRAGA JÚNIOR, acrescenta-se que FERNANDO FERRONI LOPES foi declarado incurso nas normas do artigo 155, § 2º, combinado com o artigo 14, inciso II, do Código Penal, e condenado a cumprir tão-somente a pena pecuniária de DEZ (10) DIAS-MULTA mínimos. Inconformadas, as partes apelaram. O MINISTÉRIO PÚBLICO pretende o afastamento do privilégio, considerada a reincidência do Condenado, e a substituição da pena carcerária, em que pese a reincidência mencionada (fls. 117/122). FERNANDO, por sua vez, pretende sua absolvição por ter agido sob a influência de substância entorpecente ou pelo reconhecimento do princípio da insignificância e, subsidiariamente, o afastamento da pena pecuniária, diante de sua precária situação financeira, visto que atualmente encontra-se detido pela prática de outro delito (fls. 125/132). Os recursos foram bem processados, vindo para os autos as contrariedades de fls. 136/142 e 154/158. A Douta PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA, no Parecer de fls. 169/177, opinou pelo provimento apenas do recurso ministerial. Em apenso, foi instaurado o incidente de dependência toxicológica, culminando na apresentação do laudo de fls. 24/25. É o relatório. A r. sentença recorrida deve ser reformada em parte, em que pesem os seus jurídicos fundamentos. Interrogado em Juízo, FERNANDO confessou a imputação, alegando que estava usando “crack” no dia dos fatos e precisava de mais dinheiro. Disse que viu a vítima passando em uma bicicleta e decidiu subtrair a bolsa que estava na cestinha, mas foi seguido por um indivíduo que o deteve antes de se apoderar dos bens existentes da bolsa (fls. 77). A vítima ELIS disse que estava em sua bicicleta e sua bolsa encontrava-se na cestinha da mesma. Afirmou que o APELANTE, reconhecido na audiência, passou também de bicicleta e pegou a bolsa. Disse que saiu atrás do rapaz gritando por socorro e WAGNER, que estava de carro e presenciou a ação, saiu ao encalço do Condenado e conseguiu detê-lo. Afirmou que pediu ajuda a um policial aposentado e localizou FERNANDO, já detido por WAGNER, tendo recuperado sua bolsa com todos os seus pertences (fls. 75). A testemunha WAGNER disse que viu quando o Condenado passou em uma bicicleta, seguido pela vítima que pedia socorro. Seguiu o rapaz e o abordou, recuperando a bolsa subtraída. Informou que FERNANDO não aparentava estar sob o efeito de drogas (fls. 76). Por tais provas, correta a condenação de FERNANDO. A confissão do Condenado deve ser crida como verdadeira, desde que Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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mantenha ela conjunto harmônico com as demais provas dos autos, como se verifica no caso em tela. A alegação de atipicidade da conduta por aplicação do princípio da insignificância não merece prosperar. Valendo-se dos ensinamentos de JULIO FABBRINI MIRABETE, temos que “a excludente da tipicidade (do injusto) pelo princípio da insignificância (ou da bagatela), que a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo, não está inserta na lei brasileira, mas é aceita por analogia, ou interpretação interativa, desde que não contra legem.” (in Manual de Direito Penal, Atlas, 2002, pág. 118), razão pela qual, inexistindo texto legal claro para a aplicação deste princípio e contrariando ele norma penal expressa e constante no artigo 155, § 2º, do Código Penal (privilégio), deve este ser aplicado em benefício do agente quando presentes os seus requisitos, o que não ocorre no caso em pauta. A forma privilegiada reconhecida na r. sentença deve ser afastada, como bem ponderado pelo Digno representante do MINISTÉRIO PÚBLICO, em razão da reincidência do Condenado, certificada às fls. 12 do apenso próprio. O Condenado foi submetido a exame de dependência química e os Drs. Peritos concluíram que ele era inteiramente capaz de entender o fato denunciado e de determinar-se de acordo com tal entendimento. O uso voluntário de drogas não tem o condão de afastar a imputabilidade penal ou gerar a redução da pena por aplicação das normas dos artigos 45 e 46, da Lei nº 11.343/06. Afastado o privilégio, as bases ficam estabelecidas nos pisos, consideradas favoráveis as circunstâncias judiciais, operada a compensação entre a agravante da reincidência e a atenuante da confissão espontânea. Pela tentativa, diante do longo iter criminis percorrido, as sanções são reduzidas de um terço, tornandose definitivas em oito meses de reclusão, e pagamento de seis dias-multa mínimos. A reincidência de FERNANDO impediria a substituição da carcerária por restritivas de direitos, mas diante do pedido ministerial neste sentido, para não prejudicar o Condenado, fica a privativa de liberdade substituída por uma restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade por igual período, a ser determinada pelo Juízo das Execuções. O regime prisional, caso necessário, será o aberto. A pena pecuniária, prevista no preceito secundário do tipo penal, não pode ser afastada. Assim, nega-se provimento ao recurso defensivo e dá-se provimento ao apelo ministerial para afastar o privilégio e declarar FERNANDO FERRONI LOPES como incurso no artigo 155, “caput”, combinado com o artigo 14, inciso II, do Código Penal, fixar as penas em OITO (08) MESES DE RECLUSÃO


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e pagamento de SEIS (06) DIAS-MULTA mínimos, substituir a carcerária por uma restritiva de direitos consistente na prestação de serviços à comunidade por igual período e fixar o regime aberto, mantendo-se a r. sentença recorrida em todos os seus demais termos.

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 000472472.2011.8.26.0451, da Comarca de Piracicaba, em que é apelante ANTONIO CARLOS PACHECO, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 15.809) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RUY ALBERTO LEME CAVALHEIRO (Presidente sem voto), GERALDO WOHLERS E LUIZ ANTONIO CARDOSO. São Paulo, 15 de outubro de 2013. AMADO DE FARIA, Relator Ementa: APELAÇÃO - USO DE DOCUMENTO FALSO - PROVA - SUFICIÊNCIA - Apresentação de habilitação especial falsa, para transporte de carga perigosa - Autoria e materialidade delitivas comprovadas - Réu surpreendido portando documento falso, em abordagem policial de rotina - Laudo pericial conclusivo acerca da falsidade - CAUSA EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE - ERRO DE PROIBIÇÃO - APLICAÇÃO - INVIABILIDADE Alegação de erro de proibição que tampouco isenta o apelante de responsabilidade penal - Acusado que deixou de apresentar justificativa idônea para a aquisição do documento falso - Procedimento para a expedição de habilitação comum que conta com etapas complexas, incluindo a realização de prova prática, sendo razoável a expectativa de incremento na dificuldade para aquisição de habilitação especial Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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VOTO A respeitável sentença, cujo relatório ora se adota, julgou procedente a Ação Penal, condenando o réu ANTONIO CARLOS PACHECO, como incurso no artigo 304 c.c. o artigo 297 do Código Penal, à pena de dois anos de reclusão, em regime inicial aberto, mais pagamento de dez dias-multa, fixados no piso legal (fls. 97vº/99). O r. “Decisum” determinou a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo. O réu apelou (fl. 104). Nas razões recursais, a Defesa colima a absolvição do acusado, sob o fundamento de ter incorrido em erro de proibição. Acrescentou, ainda, que o réu teria apresentado os documentos após instigação (fls. 111/114). O recurso foi regularmente processado. A Justiça Pública apresentou contrarrazões, pugnando a manutenção da sentença (fls. 116/119). O Parecer da Douta Procuradoria de Justiça propõe o desprovimento do recurso (fls. 125/126). É este o relatório. Na manhã de 19 de novembro de 2010, policiais rodoviários realizavam fiscalização de rotina na rodovia Hermínio Petrin, SP 308, km 190, Córrego da Onça, quando determinaram ao acusado ANTONIO CARLOS PACHECO, condutor do caminhão Mercedes Benz, modelo Axor 2644S, placas DBL 3548Sumaré/SP, que parasse, para averiguação de rotina. ANTONIO dirigia um veículo para transporte de cargas perigosas, o que demanda habilitação específica fornecida pelo DETRAN. Os policiais suspeitaram da autenticidade do documento apresentado por ANTONIO, consistente em habilitação para transporte de produtos perigosos (fl. 18). Por tal razão, os policiais apreenderam o documento e conduziram o

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- Curso que só apresentou poucas explicações sobre o transporte de cargas perigosas - Inverossimilhança da hipótese de que o réu, motorista profissional há mais de quinze anos, desconhecia condições necessárias à obtenção de habilitação especial - Circunstâncias a indicar que o réu tinha plena ciência da falsidade do documento por ele apresentado - Condenação mantida. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO.


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motorista à Delegacia de Polícia. Após, foi apresentado e também apreendido certificado de realização do curso de habilitação (fl. 62). Realizado laudo pericial, foi constatada a falsidade documental, conforme atestado a fls. 15/17. Na Delegacia de Polícia e em Juízo, ANTONIO negou ter conhecimento de que portava documento falso, alegando haver obtido a habilitação na cidade de Promissão/SP, na casa de pessoa de prenome Renato, pelo valor de 250 reais. Acrescentou que é motorista profissional e não foi submetido a aulas ou provas. As testemunhas de Defesa Márcio e Milton declararam ter igualmente se submetido ao mesmo curso, obtido por meio de Renato, na cidade de Promissão. Márcio informou que foi ministrada aula de cerca de trinta minutos sobre o deslocamento de carga perigosa. Milton alegou apenas ter fornecido seus dados e efetuado pagamento em troca da habilitação. Não há se falar em exclusão da culpabilidade, por erro de proibição. A pueril alegação de que ANTONIO desconhecia o caráter ilícito da conduta não o isenta de responsabilidade penal, porquanto o desconhecimento da lei é inescusável (“ex vi” do artigo 21 do Código Penal). Demais, não é crível a hipótese de que ANTONIO, motorista profissional, o qual foi submetido a provas escritas e práticas para obtenção de carteira de habilitação comum, não esperasse se sujeitar a exames de igual ou maior dificuldade para aquisição de habilitação especial. A isso, acrescenta-se a sua experiência de mais de 15 anos como caminhoneiro, sendo razoável se crer que a sua larga vivência neste meio profissional tenha lhe propiciado conhecimento suficiente dos requisitos para obter a referida habilitação. Assim, a autoria do crime é certa, uma vez que o próprio réu admitiu ter apresentado a carteira falsa - muito embora tenha alegado desconhecimento dessa condição -, circunstância confirmada pelos policiais rodoviários. Tampouco há dúvidas quanto à materialidade do crime, cuja prova sequer é questionada pela Defesa. A observação acrescentada pela r. Defesa, dando conta de que o réu teria apresentado o documento mediante solicitação dos policiais, em nada altera o deslinde da questão. Nesse sentido, recentíssimo julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça: Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. ART. 304 DO CP. USO DE DOCUMENTO FALSO. ENTREGA REALIZADA MEDIANTE SOLICITAÇÃO DE AGENTE POLICIAL OU DE FORMA ESPONTÂNEA. NÃO AFASTAMENTO DA CONSUMAÇÃO Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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DO DELITO DE USO DE DOCUMENTO FALSO. MEIO DE AUTODEFESA. IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. SÚMULA 83/STJ. CONFISSÃO ESPONTÂNEA NÃO EXISTENTE. SÚMULA 7/STJ. 1. A Sexta Turma deste Superior Tribunal firmou o entendimento de que a atribuição de falsa identidade - por meio de apresentação de documento falso - não constitui mero exercício do direito de autodefesa, a tipificar, portanto, o delito descrito no art. 304 do Código Penal. 2. A circunstância de o documento falsificado ser solicitado pelas autoridades policiais não descaracteriza o crime do art. 304 do Código Penal. (...) (AgRg no REsp 1369983/RS. Relator(a) Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR. Órgão Julgador: SEXTA TURMA. Data do Julgamento: 06/06/2013. DJe 21/06/2013). (grifos nossos) Enfim, o conjunto probatório amealhado aos autos evidenciou, de modo suficiente, que o acusado tinha plena ciência da falsidade da habilitação especial por ele utilizada. No tocante à pena, a r. Sentença não comporta qualquer reparo. A pena-base, fixada no piso legal, foi assim tornada definitiva, à míngua de circunstâncias desfavoráveis e de causas de aumento ou diminuição. Pelo mesmo motivo, fixou-se o regime aberto para início do cumprimento da pena, com substituição da reprimenda corporal por duas restritivas de direitos. Pelo exposto, é de se confirmar na íntegra a r. sentença, cujos fundamentos ficam incorporados a este Acórdão. NEGA-SE, DESTARTE, PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO.

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 000266779.2010.8.26.0366, da Comarca de Mongaguá, em que é apelante R.F.L., é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator deste acórdão. (Voto nº 27.591) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores OTÁVIO HENRIQUE (Presidente) e SÉRGIO COELHO. São Paulo, 10 de outubro de 2013. ROBERTO MIDOLLA, Relator


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Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO TENTADO. PRETENSÃO DE SER RECONHECIDA A DECISÃO COMO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS E, SUBSIDIARIAMENTE, A MINORAÇÃO DA PENA APLICADA. IMPOSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DA SOBERANIA CONSTITUCIONAL DO JÚRI. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA E REGIME PRISIONAL CORRETAMENTE FIXADOS. RECURSO DESPROVIDO. VOTO Ao relatório da sentença de fls. 311/312, prolatada pela MMª. Juíza de Direito, Drª. DÉBORA DE OLIVEIRA RIBEIRO, acrescento que R.F.L. foi condenado, como incurso no artigo 121, caput, c.c. artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, a cinco anos e quatro meses de reclusão, em regime inicial fechado. O réu foi absolvido da infração do artigo 214, c.c. o artigo 14, inciso II, do Código Penal, nos termos do artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Apelou o réu em busca da anulação do julgamento alegando, em síntese, que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos. Subsidiariamente, pede a revisão e minoração da pena aplicada (fls. 332/333). Processado regularmente o recurso, com contrarrazões (fls. 353/357), os autos subiram a esta egrégia Corte. A D. Procuradoria de Justiça é pelo desprovimento do apelo (fls. 361/365). É o relatório. Segundo consta da denúncia, R.F.L., tentou constranger T.R.S. à prática de ato diverso da conjunção carnal mediante violência e grave ameaça, não consumando seu intento por circunstâncias alheias à sua vontade. Consta ainda que, momentos depois, o réu, agindo com ânimo homicida, por motivo torpe e valendo-se de disparos de arma de fogo, tentou matar T.R.S., não consumando seu intento por circunstâncias alheias à sua vontade (fls. 01d/03d). Quando da votação dos quesitos, reconheceram os senhores jurados, por maioria de votos, a materialidade e autoria acerca da tentativa de homicídio, todavia absolveram o réu da imputação da prática do crime previsto no artigo 214, c.c. o artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal (fls. 307/309). Como se sabe, a decisão do júri tem sua soberania garantida na Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Código de Processo Penal Interpretado, 7ª ed., p.1252 Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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MIRABETE1: “A final, o art. 593, III, d, prevê a apelação para a decisão do Tribunal do Júri quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária a prova dos autos. Trata-se de hipótese em que se fere justamente o mérito da causa, em que o error in judicando é reconhecido somente quando a decisão é arbitrária, pois se dissocia integralmente da prova dos autos, determinando-se novo julgamento. Não se viola, assim, a regra constitucional da soberania dos veredictos. Não é qualquer dissonância entre o veredicto e os elementos de convicção colhidos na instrução que autorizam a cassação do julgamento. Unicamente, a decisão dos jurados que nenhum apoio encontra na prova dos autos é que pode ser invalidada. É lícito ao Júri, portanto, optar por uma das versões verossímeis dos autos, ainda que não seja eventualmente essa a melhor decisão. Isso não significa, evidentemente, que a simples versão dada pelo acusado impeça que se dê provimento ao apelo da acusação. Não encontrando ela apoio na prova mais qualificada dos autos é de se prover o recurso para submeter o réu a novo Júri. A opção do Conselho de Sentença não se sustenta quando exercida indiscriminadamente, sem disciplina intelectual, em frontal incompatibilidade da decisão com a prova material inequívoca. Apelação por esse motivo é admissível ainda que a flagrante injustiça verse sobre matéria secundária, como ocorre com as qualificadoras e causas de aumento ou diminuição da pena especiais. Por isso, têm sido anulados julgamentos do Júri pelo reconhecimento indevido de ter sido o crime praticado por violenta emoção logo após a injusta provocação da vítima, por relevante valor moral, por motivo torpe ou fútil etc. Há, porém decisões no sentido de que se deve julgar improcedente a apelação, que somente seria cabível com relação ao fato principal (existência do crime, autoria, responsabilidade), e não quanto à matéria secundária ou incidental. Caso a apelação seja julgada procedente, o tribunal deve anular o julgamento para sujeitar o réu a outro, não podendo modificar a decisão diante do princípio da soberania dos veredictos. Esse princípio,

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Constituição Federal e somente não prevalece quando totalmente dissociada do conjunto probatório. É assim porque o artigo 593, inciso III, “d”, do Código de Processo Penal, admite apelação das decisões do Tribunal do Júri quando o veredicto dos jurados for manifestamente contrário à prova dos autos. O advérbio manifestamente indica que a decisão não pode ser arbitrária, afastada totalmente das provas. Isso não ocorreu no caso em exame, onde foi proferida em perfeita consonância com o conjunto probatório. Assim é o entendimento da doutrina, como se vê de JULIO FABBRINI


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entretanto, não exclui a recorribilidade dos julgamentos do Tribunal do Júri para que seja realizado novo julgamento uma vez cassada a decisão recorrida pelo princípio do duplo grau de jurisdição. A lei não admite, pelo mesmo motivo, segunda apelação. Anulado o julgamento por ser a decisão manifestamente contrária à provas dos autos, e repetindo-se a mesma decisão, não se permite nova anulação. É proibida também nova apelação se, agora, a decisão foi a inversa da anterior, ou seja, é indiferente ter sido da parte ex adversa a interposição do apelo anterior. Para a doutrina e jurisprudência, a expressão pelo mesmo motivo significa pelo mesmo fundamento. Sendo outro o fundamento, nada impede seja anulado o segundo julgamento. Havendo hipótese de crimes conexos de competência do Tribunal do Júri, com quesitos formulados em séries apartadas e independentes, pode o tribunal, em grau recursal, reconhecer a nulidade parcial do julgamento, em relação apenas a um dos delitos, com realização de novo julgamento quanto a esse, mantida a decisão no que respeita ao outro.” RUI STOCO, em Teoria e Prática do Júri, no item 3.03 (págs. 1251-3) cita vários julgados nesse sentido. Destaco: “É pacífico, hoje, que o advérbio ‘manifestamente’ usado pelo legislador no art. 593, III, d, do CPP, dá bem a idéia de que só se admite seja o julgamento anulado quando a decisão do Conselho de Sentença for arbitrária, por se dissociar inteiramente da prova dos autos. E não contraria esta a decisão que, com supedâneo nos elementos de convicção

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deles constantes, opte por uma das versões apresentadas” (TJSP - AP Rel. Álvaro Cury - RT 595/349). (ADRIANO MARREY, ALBERTO SILVA FRANCO e RUI STOCO, com doutrina atualizada por LUIZ ANTONIO GUIMARÃES MARREY, 7ª ed., RT). Esse julgado também é mencionado no Código de Processo Penal e sua interpretação jurisprudencial, coordenado por ALBERTO SILVA FRANCO e por RUI STOCO, em que cito o julgado sobre a matéria, a saber: Decisão manifestamente contrária à prova dos autos. “O êxito da apelação fundada no argumento de decisão manifestamente destoante ao acervo probatório vincula-se à arbitrariedade do Júri, quando este, ao apreciar a causa, desvia-se dos fatos apurados para impor solução sem apoio em elementos de convencimento idôneos.” (STF RE RTJ 123/345) (Ob. cit., RT, 1999, págs. 2524-5 e 2666-7; consulte-se a mesma obra, 2ª ed., vol. 4, p. 1177, nº 3.00) Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Não há dúvida da materialidade do delito, comprovada pelo Boletim de Ocorrência (fl. 07), Auto de Reconhecimento de Pessoa Positivo (fl. 11), Laudo de Exame de Corpo de Delito (fl. 134/134v.) e Ficha de Atendimento Ambulatorial da vítima (fls. 165 e 166). E resta claro que não houve decisão contrária às provas dos autos, porque ficou bem provado que o recorrente foi o executor do crime tentado. O apelante foi ouvido em Juízo e negou os fatos narrados na denúncia. Disse que na ocasião sequer estava na cidade, mas sim na casa de seus genitores. Acrescentou que tudo não passou de uma “armação” (fl. 316 - mídia). A vítima relatou que estava na praia cuidando de seus filhos e um amigo deles, quando o réu surgiu e disse que era um assalto. A depoente disse que não possuía dinheiro e entregou as chaves do carro. O réu exigiu que ela fosse com ele, mas diante de sua resistência, ele a puxou para um quiosque vazio e mirou a arma para sua cabeça, ocorre que ao puxar o gatilho, a bala não saiu, mas, numa segunda tentativa, novo disparo foi efetuado e este atingiu a depoente no pescoço (fl. 315 - mídia). Mas não é só. A vítima não teve dúvida, em todas as vezes que foi ouvida, em apontar o réu como autor da tentativa de homicídio. Também foi categoria em afirmar que somente não morreu porque a bala não saiu no primeiro disparo. Como se vê, diante desse arcabouço probatório, o Conselho de Sentença proferiu o seu veredicto. Tudo isso demonstra, de forma irrefutável, que a decisão proferida pelo Conselho de Sentença, ao contrário do sustentado pela ilustre Defesa, encontra amplo respaldo nas provas. Os Jurados simplesmente optaram por uma das teses defendidas pelas partes em Plenário. Quanto à dosimetria da pena, adoto o entendimento esposado pelo i. Procurador de Justiça (fls. 363/365), o qual fica fazendo parte do presente decisum: “4. O apelante já foi condenado em diversas oportunidades e definitivamente. Foi condenado por roubo e estupro (cf. fls. 18, 19, 20, 21 e 23). Também já foi condenado por homicídio doloso (cf. fls. 24). Percebe-se facilmente, que o apelante não era apenas um criminoso, mas um bandido perigosíssimo...sangue ruim. Com certeza, diante dos outros crimes já referidos, a intenção era praticar estupro. Impossível era a fixação da pena-base no mínimo. Impossível era fixar a pena-base apenas 1/6 acima do mínimo.


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Em relação à tentativa, correta a redução mínima. (...) E o iter criminis é a base para a redução da pena em razão da tentativa. (...) O apelante atirou duas vezes contra a vítima, mais precisamente contra a cabeça. Na primeira o projétil não foi disparado. Na segunda, diante da atitude defensiva da vítima, o pescoço foi atingido. Nota-se que a vítima somente não morreu por desígnio Divino, pois o apelante fez de tudo para alcançar a morte. O “iter criminis”, portanto, aproximou-se e muito da consumação. Diante das circunstâncias judiciais já analisadas, o regime inicial fechado era o único cabível.” Posto isso, nego provimento ao apelo.

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 000359008.2012.8.26.0408, da Comarca de Ourinhos, em que é apelante TIAGO MIRANDA BUENO, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Rejeitada a preliminar, negaram provimento ao recurso. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 19.067) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores OTÁVIO HENRIQUE (Presidente sem voto), SOUZA NERY E ROBERTO MIDOLLA. São Paulo, 17 de outubro de 2013. PENTEADO NAVARRO, Relator Ementa: Aplicação da Lei nº 11.343, de 23/08/06. Condenação por tráfico de drogas (caput do art. 33). Diferença deste com o consumo pessoal (cabeça do art. 28). Condutas típicas dos dois crimes explicadas à luz do § 2º do art. 28. Destaque para a quantidade das drogas que, pela sua desproporção com o uso próprio, transforma a conduta de mero usuário Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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VOTO Vistos estes autos de ação penal nº 408.01.2012.003590-6/000000000, originários da 2ª Vara Criminal da Comarca de Ourinhos, em que Tiago Miranda Bueno restou condenado, por incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, impondo-se-lhe 5 anos e 10 meses de reclusão, com início em regime fechado, bem como 583 dias-multa, no menor valor unitário (fls. 174/180). Inconformado com esse decisum, o réu apela (fls. 194), buscando, preliminarmente, a nulidade do processo em razão do cerceamento de defesa ocasionado pela juntada de cópias da transcrição de conversas telefônicas interceptadas sem que fosse dada oportunidade à defesa para manifestação. No mérito, pugna pela desclassificação do delito para aquele do art. 28 da Lei. Alternativamente, pede a aplicação do redutor previsto no art. 33, § 4º, do mesmo dispositivo legal. Por fim, argumenta ser exagerada a pena de multa fixada. Como razão de defesa, alega que era usuário de drogas e que o dinheiro encontrado em sua casa pertencia à sua esposa, bem como que não foi feita perícia na balança apreendida para atestar seu perfeito estado de funcionamento. Salienta, ainda, que não há nos autos autorização judicial referente à interceptação telefônica, o que a torna prova ilícita (fls. 200/203). Em contrarrazões, o apelado refuta a preliminar de nulidade do processo e reitera a sua manifestação de fls. 161/164. Depois, afasta os demais argumentos expendidos no recurso defensivo e pugna pela manutenção da sentença recorrida, inclusive quanto às sanções aplicadas, visto que procede integralmente a acusação acolhida pelo juiz singular (fls. 205/208). Opina a douta Procuradoria Geral de Justiça pelo não provimento do

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na de traficante. Emprego de regras de experiência (CPC, art. 335), autorizado pela analogia (art. 48 da Lei c/c art.3º do CPP). Prova da materialidade e da autoria do delito. Exames periciais da substância com resultados positivos. A conduta inserida em qualquer dos verbos contidos no caput do art. 33 implica em reconhecimento do tráfico. Depoimentos coerentes e isentos de agentes de polícia, merecendo credibilidade. Interceptação telefônica utilizada como prova emprestada. Admissibilidade. Penas e regime mantidos. Descabida a diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei, considerando-se que trata-se de réu integrante de organização criminosa. Apelação à qual se nega provimento.


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recurso, em vista das considerações de fato e de direito que faz sobre o caso. Observa, também, que ficou caracterizado o tráfico ilícito, repudiado o argumento de que a posse das drogas era para uso próprio ou exclusivo (fls. 216/222). Esse o relatório, em acréscimo ao da sentença (fls. 174). A preliminar de cerceamento de defesa não merece acolhida. Releva notar, desde logo, que, se a prova emprestada for produzida no processo de origem, respeitando os princípios constitucionais e, também, não constitua o único elemento probatório de convicção do juiz criminal para efeito de condenação do réu, não há qualquer ilegalidade no fornecimento e juntada das cópias solicitadas pelo juiz singular. Aliás, há previsão legal sobre o uso de prova emprestada nas leis processuais (CPP, art. 155; CPC, art. 332; ECA, arts. 152 e 153). A proibição que existe se refere apenas às “provas obtidas por meios ilícitos” (CF, art. 5º, LVI), que não são essas do caso em exame. Deveras, segundo precedentes do Pretório Excelso, “A prova emprestada, especialmente no processo penal condenatório, tem valor precário, quando produzida sem observância do princípio constitucional do contraditório. Embora admissível, é questionável a sua eficácia jurídica. Inocorre, contudo, cerceamento de defesa, se, inobstante a existência de prova testemunhal emprestada, não foi ela a única a fundamentar a sentença de pronúncia” (STF, 1ª T., HC 67.707-0/ RS, rel. Min. Celso de Mello, DJU de 14/08/92, pág. 12.255 ou RTJ, 141/816, grifei; STF, 2ª T., HC 67.064/RS, rel. Min. Aldir Passarinho, DJU de 02/06/89, pág. 9.600 ou RTJ, 129/727). Não discrepa o colendo Superior Tribunal de Justiça, ao esclarecer que: “I - A prova emprestada é admissível no processo penal, desde que não constitua o único elemento de convicção a respaldar o convencimento do julgador” (cf. STJ, 5ª T., HC 155.149/RJ, rel. Min. Felix Fischer, DJe de 14/06/10). No mesmo sentido, ainda podem ser citados outros julgados dessas Cortes Superiores (cf., p. ex., STF, Pleno, Inq 2.774/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe - 171 de 06/09/11; STF, 1ª T., HC 95.549/SP, relª. Minª. Cármen Lúcia, DJe - 99 de 29/05/09; STJ, 5ª T., HC 180.194/SP, relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 01/08/11; STJ, 1ª Seção, MS 16.122/DF, rel. Min. Castro Meira, DJe de 24/05/11; STJ, 1ª Seção, MS 15.825/DF, rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 19/05/11), deste Tribunal de Justiça (cf., p. ex., TJSP, 3ª Câm. Crim., Ap. 0074708-95.2005, rel. Des. Geraldo Wohlers, j. em 31/05/11; TJSP, 10ª Câm. Crim., Ap. 0002926-47.2010, rel. Des. David Haddad, j. em 24/03/11; RJTJESP, 3/405; LexJTJ, 181/263), bem como do extinto Tribunal de Alçada Criminal (JTACrim, 89/445). Realce-se, por oportuno, que tal prova não foi a única utilizada pelo magistrado sentenciante para fundamentar o decreto condenatório, na medida em que as transcrições das interceptações telefônicas aludidas foram corroboradas Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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pela apreensão da droga em poder do réu e pela prova oral. Por outro lado, observe-se que, ao contrário do alegado pelo douto defensor, da juntada das cópias das transcrições das interceptações telefônicas teve oportunidade de se manifestar a defesa em sede de alegações finais, o que efetivamente ocorreu conforme se vê a fls. 170/171. Arredada a questão preliminar, passo ao exame do mérito do recurso. Conforme a imputação posta na denúncia, resumidamente, por volta das 11h20min de 09/03/2012, na Rua Pedro Amadeu nº 1.092, Jardim Guaporé, Ourinhos, o réu apelante Tiago Miranda Bueno guardava, para consumo de terceiros, 1 pedra de crack, pesando aproximadamente 51,9g, substância essa que determina dependência física ou psíquica, sem autorização e também em desacordo com determinação legal e regulamentar. Expõe a inicial, ainda, que policiais civis cumpriram mandado de busca na residência de Tiago, em virtude de investigação de tráfico de drogas dando conta de sua participação na distribuição de entorpecentes para venda. Então, os policiais encontraram uma grande pedra de crack e uma balança de precisão dentro do forro de uma jaqueta do acusado. Apreenderam, ainda, um aparelho de telefone celular e a quantia de R$ 64,00 (fls. 1d/2d). A materialidade do fato infringente da lei restou demonstrada pelos elementos de prova seguintes: 1º) auto de exibição e apreensão da substância entorpecente, de uma balança e de R$ 64,00 (fls. 17/18); 2º) laudos de exames químicos toxicológicos, provisório e definitivo, ambos com resultados positivos para a substância apreendida e ainda mencionando o peso correspondente (fls. 21 e 56/57). Incontroversa também a prova de autoria do crime imputado, que passo a examinar para efeito de valoração. Preso em flagrante delito, o réu Tiago Miranda Bueno recusou-se a responder às perguntas formuladas pela autoridade de polícia judiciária (fls. 10). Em juízo, negou a traficância, afirmando que a droga apreendida em sua residência lhe pertencia, mas se destinava ao consumo pessoal. Admitiu também a propriedade da balança apreendida, afirmando que ela servia para verificar se o peso do entorpecente que comprava para consumo próprio estava correto. Com relação ao dinheiro apreendido em sua casa, afirmou que ele pertencia à sua esposa. Disse, ainda, que o aparelho de telefone celular apreendido lhe pertencia, mas negou ter conversado com Alcides Ojeda Gonçalves e Valdir Alexandre Teixeira. Por fim, disse que possuía o apelido de “Chefinho” (fls. 106/109). Sucede, porém, que a negativa acima referida não encontra respaldo no cotejo com os demais elementos de convicção existentes no processo sub examine.


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Com efeito, o policial civil Homero Irineu da Silva explicou que participou do cumprimento do mandado de busca realizado na residência do réu, onde encontrou uma pedra grande de crack e uma balança escondidas no forro de uma blusa do acusado. Afirmou, ainda, que a esposa de Tiago disse que o dinheiro encontrado na residência lhe pertencia e era fruto de seu trabalho (fls. 4/5 e 110/112). Por seu turno, o policial civil Valmir Alves Veloso explicou que participou das investigações de uma pessoa ligada ao crime organizado, que era integrante do PCC e tinha saído da penitenciária recentemente, onde cumpria pena por tráfico e homicídio, chamadaAlcides Ojeda Gonçalves. Durante as interceptações telefônicas, o réu Tiago foi identificado como sendo uma das pessoas que revendiam a droga para Alcides. Diante disso, solicitou a interceptação do telefone de Tiago. Afirmou, ainda, que houve uma negociação entre Tiago e Alcides, na qual este perguntou se Tiago recebeu a droga e ele disse que sim, mas não tinha mexido nela. Então, Alcides orienta Tiago a picar o entorpecente e fazer dinheiro. Por isso, solicitou o mandado de busca para a casa de Tiago, que culminou com a apreensão da pedra de crack e da balança mencionadas na denúncia, bem como de dinheiro e de um aparelho de telefone celular. Disse, ainda, que os traficantes chamavam o réu de “Chefinho”. Afirmou que, pelas interceptações, deu para constatar o envolvimento do réu com outros traficantes e com o crime organizado. Acrescentou, por fim, que havia informações de que o acusado estava andando armado e fazia cobranças no Jardim Guaporé (fls. 7/8 e 113/116). Trata-se, pois, de depoimentos coerentes, harmônicos e verossimilhantes, que não demonstram o propósito de querer enganar nem dão motivo de suspeição. Como seu valor não se põe em dúvida, eles podem ser considerados fonte de convicção para este julgamento (ver CF, 93, IX; CPP, art. 155, caput; RTJ, 143/160 e 201/637; RSTJ, 200/101, 204/122 - 145 e 217/62). Convém frisar, nesta oportunidade, que os depoimentos das autoridades policiais e seus agentes não podem ser desprezados somente porque eles são funcionários incumbidos da segurança pública. Citando o exímio Eugenio Florian (Delle Prove Penali, ed. 1924, vol. II, nº 42, págs. 92-6, ou a tradução De las Pruebas Penales, 1ª ed., Temis, Bogotá, 1990, vol. II, nº 42, págs. 1059), lembra o festejado Eduardo Espínola Filho, “Não importam o sexo, a idade juvenil ou avançada, as imperfeições físicas (cego, surdo, mudo, surdomudo, paralítico), as doenças mentais ou corporais, os estados contingentes de inconsciência (embriaguez, por exemplo) e assim por diante... Do mesmo modo, nem o estado social e a condição econômica das pessoas, nem a reputação ou a fama, nem a profissão religiosa acarretam restrições; nem da condenação penal decorrem indignidades, que formem obstáculo ao exercício do testemunho; com a perfeita conclusão: Essa amplíssima liberdade, que sustenta e vivifica a Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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capacidade de testemunhar, encontra o seu fundamento na exigência da maior e mais larga investigação dos fatos, a qual é dominante no processo penal” (vide Código de Processo Penal Brasileiro, 2ª ed., F. Bastos, 1945, vol. III, art. 202, nº 440, pág. 55). Não discrepa Fernando da Costa Tourinho Filho, acrescentando que “Ninguém sabe onde e a que horas o crime vai eclodir. Tanto pode ser nas vias públicas, nos palácios, como nas zonas licenciosas da cidade. Por isso, nenhuma restrição à capacidade para depor” (confira-se Código de Processo Penal Comentado, 13ª ed., Saraiva, 2010, vol. I, pág. 628). No mesmo diapasão é o ensinamento de Guilherme de Souza Nucci (v. Código de Processo Penal Comentado, 10ª ed., RT, 2011, art. 202, nº 9, pág. 479). Portanto, a simples condição de agentes de polícia das testemunhas inquiridas neste feito, por si só, não é apta a tirar o valor de seus depoimentos, tornando-os inócuos e impróprios para gerar a convicção do magistrado (confirase CPP, arts. 202, 214, 1ª parte, e 187, § 2º, V, combinados). Aliás, na esteira desse entendimento, em casos de aplicação da Lei de Drogas, a jurisprudência amplamente majoritária não tem feito restrição ao testemunho de qualquer policial, quando o seu depoimento estiver em harmonia com os demais elementos de prova. Em outras palavras, o depoimento da autoridade policial ou de seu agente tem o mesmo valor que outro qualquer. Por ser agente público, até goza da presunção de legitimidade. Para elidi-lo, cumpre demonstrar motivo sério e concreto, sendo insuficiente a mera alegação de parcialidade desacompanhada dos respectivos elementos de convicção. Deixou assentado o colendo Supremo Tribunal Federal que “A prova testemunhal obtida por depoimento de agente policial não se desclassifica tãosó pela sua condição profissional, na suposição de que tende a demonstrar a validade do trabalho realizado. É preciso evidenciar que ele tenha interesse particular na investigação ou, tal como ocorre com as demais testemunhas, que suas declarações não se harmonizem com outras provas idôneas” (vide STF, 2ª T., HC 74.522-9/AC, rel. Min. Maurício Corrêa, DJU, 13/12/96, pág. 50.167). No mesmo teor, inúmeros precedentes podem ser lembrados (cf., p. ex., STF, 1ª T. HC 74.608/SP, rel. Min. Celso de Mello, RTJ, 168/199; STF, 2ª T., HC 76.557/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, RTJ, 176/759; STF, 1ª T., HC 87.662/ PE, rel. Min. Carlos Britto, LexSTF, 339/417; STF, 1ª T., HC 91.487/RO, relª Minª Cármen Lúcia, DJU, 19/01/07, pág. 46; STJ, 5ª T., HC 30.776/RJ, relª Minª Laurita Vaz, DJU, 08/03/04, pág. 304; RTJ, 68/64, 133/299, 133/693 e 157/94; LexSTF, 125/332; RSTJ, 110/384 e 147/407; LexSTJ, 87/522 e 138/525; RJTJESP, 90/497, 93/400, 94/400, 94/463, 95/469, 107/457, 115/253, 120/529, 122/489, 125/563, 127/284, 129/501, 136/477 e 139/270; LexJTJ, 169/313, 170/288, 170/313, 171/314, 176/313, 180/284, 184/307, 189/310,


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189/325, 192/289, 200/276, 204/287, 205/314, 205/318, 207/297, 208/272, 225/305, 226/293, 231/325, 268/525, 277/523, 279/615, 320/902, 323/885-904 e 328/740; RT, 411/266, 416/96, 417/94, 423/370, 426/439, 433/486, 444/406, 454/422, 532/381, 541/408, 574/401, 581/311, 585/311, 591/313, 594/332, 595/423, 604/407, 609/324, 609/394, 610/369, 612/316, 614/275, 616/187, 619/327, 623/276, 654/278, 681/376, 712/457, 714/349, 715/439, 716/479, 721/144, 723/583, 725/608, 726/666, 727/473, 729/541, 732/623, 733/566, 736/625, 737/602, 742/615, 768/561, 771/566, 772/617, 772/682, 807/597, 808/612, 816/549, 832/588, 838/571, 849/627 e 852/570). Por sua vez, Ângela de Cássia Ignácio, esposa do réu, disse que estava em casa quando os policiais chegaram para cumprir um mandado de busca, tendo os mesmos encontrado a droga e uma balancinha. Disse que os policiais também apreenderam o telefone celular de Tiago. Afirmou, ainda, que o dinheiro apreendido lhe pertencia e era fruto de seu trabalho. Confirmou que o réu era conhecido como “Chefinho” (fls. 9 e 117/120). Já Vânia Maria de Oliveira apenas disse que o réu ficou alguns dias em sua residência porque estava separado da esposa e que, ao vê-lo usando droga no quintal de sua casa, pediu para que ele fosse embora. Confirmou que o réu possuía o apelido de “Chefinho” (fls. 121/123). Ademir Alves de Oliveira também não presenciou os fatos, limitando-se a dizer que conhecia o acusado desde criança e que ele possuía o apelido de “Chefinho” (fls. 124/126). Frise-se que os policiais civis são eloquentes em seus depoimentos sobre as circunstâncias que culminaram com a apreensão da droga na residência do réu ante o cumprimento de mandado de busca. O policial Valmir ainda explicou que o réu Tiago foi identificado numa interceptação telefônica referente a investigação de outro traficante, sendo apurado que o acusado era uma das pessoas que revendiam a droga para ele. Por isso, o telefone de Tiago também foi interceptado e quando os policiais obtiveram informação de que o acusado tinha recebido a droga, cumpriram um mandado de busca em sua residência, onde encontraram o referido entorpecente. Por outro lado, inexiste nos autos qualquer sinal indicando eventual interesse desses agentes de polícia em incriminar falsamente um indivíduo que ainda não conheciam. Cumpre ressaltar que segundo o § 2º do art. 28 da Lei, “Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente” (grifei). Comentando o dispositivo acima, Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de Carvalho afirmam que, “em geral, a quantidade de droga, Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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notadamente em vista de sua natureza, poderá ser indicativa de mercancia. De outro lado, a forma de acondicionamento da droga (por exemplo, se embaladas para venda), o local (se próximo a pontos conhecidos como distribuição da droga, por exemplo) e horário da apreensão, assim como as demais circunstâncias em que se desenvolveu a ação (o porte de valores significativos de dinheiro, recebidos dos usuários) devem ser alguns dos critérios norteadores do magistrado (Lei de Drogas, 3ª ed., Método, 2013, nº 3.4.1.1, pág. 56, grifei). Examino, agora, diversas circunstâncias presentes no caso em tela, as quais devem ser consideradas para a diferenciação de tráfico e mero vício. Deveras, somente o conjunto dos elementos poderá indicar qual dos delitos ocorreu (classificação legal). Pelos depoimentos dos policiais civis, verifica-se que o réu já estava sendo investigado, tendo sido constatado que ele revendia drogas para um perigoso traficante chamado Alcides, que já tinha cumprido pena por tráfico e homicídio, ou seja, pertencia a uma organização criminosa. Na residência do acusado, eles fizeram a apreensão de uma pedra grande de crack, com peso líquido total de 51,9g, a respeito da qual Tiago recebeu instrução de Alcides para picá-la e fazer dinheiro. A quantidade do entorpecente denota a sua destinação comercial, afastando a possibilidade de que o narcótico se destinava ao consumo próprio do acusado (uso exclusivo ou restrito). Observo, na sequência, as circunstâncias referentes à arguição de que as drogas eram trazidas exclusivamente para consumo pessoal (ou tinham finalidade exclusiva de uso próprio), sem olvidar que o toxicômano normalmente acaba traficando. A quantidade da substância apreendida, apesar de não ser o único critério na diferenciação, é dos preponderantes. Para tanto, deve-se levar em conta as doses que são consumidas por usuários esporádicos ou viciados em drogas. Tem importância observar, também, que o critério escolhido (quantidade) provém dos efeitos adversos (intoxicação) das substâncias (drogas ou fármacos) sobre o organismo humano. Ainda no século XIV, Paracelsus “definiu que a diferença entre o medicamento e o veneno encontra-se na dose” (apud Marcos Passagli, Toxicologia Forense, 3ª ed., Millennium, 2011, cap. I, nº 1, pág. 3). Quanto aos produtos da coca (erythroxilin), cocaína em pó e o derivado em pedra (base livre ou crack), a quantidade pode ser mensurada com parâmetro em overdoses (doses insuportáveis ou excessivas para alguém). Com o emprego desse dado pode ser verificada a desproporção entre o uso próprio exclusivo e o consumo por outros indivíduos (terceiros). Segundo a literatura médica e a jurisprudência, a reação letal ou não letal, por intoxicação aguda, da cocaína com a pureza da rua (depois de modificada ou ‘batizada’) em usuários diversos, depende de muitos aspectos. Doses


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consideradas pequenas, de alguns centigramas, entre 0,01 e 0,02g, podem ser suficientes para esse efeito (vide Delton Croce e Delton Croce Júnior, Manual de Medicina Legal, 5ª ed., Saraiva, 2004, nº 14.2.11.3, pág. 636; Guilherme Oswaldo Arbenz, Medicina Legal e Antropologia Forense, 1ª ed., Atheneu, 1988, nº 42, pág. 539; Marcos Passagli, Toxicologia Forense, 3ª ed., Millennium, 2011, cap. V, nº 1.3.2, pág. 140; STJ, 5ª T., HC 235.257/DF, relª Minª Marilza Maynard, DJe, 26/03/13). Note-se, por oportuno, que “A cocaína fumada na forma de crack... possui ação farmacológica comparável à cocaína” (v. Toxicologia Forense cit., cap. V, nº 1.3.1, pág. 136). Logo, aprendidas 51,9g da substância, com a sua divisão por doses de 0,02g, teremos no mínimo cerca de 2.595 quantidades letais (excessivas ou insuportáveis) a cada usuário do tóxico. Até porque o consumo continuado de cocaína (também denominada pelos viciados de “pó” ou “farinha”) provoca o “enfraquecimento das funções psíquicas em geral, cansaço, irritabilidade, inquietação e insatisfação” (vide Edevaldo Alves da Silva, Tóxicos, 1ª ed., Bushatsky, 1979, pág. 82). Por fim, a conduta inserida em qualquer dos verbos contidos no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, implica em tráfico, onde o dolo é sempre genérico (cf. Vicente Greco Filho e João Daniel Rossi, Lei de Drogas Anotada, 1ª ed., Saraiva, 2007, art. 33, nº 4, pág. 81; RTJ, 149/521; RT, 727/478, 747/642, 750/590, 789/536, 793/576, 793/727, 807/597, 810/578 e 831/614). Daí segue ser dispensável para o caso a prova efetiva e direta de qualquer ato de comércio clandestino de droga ou de associação para tanto, bastando a prova do conjunto de indícios e presunções (= circunstâncias ligadas ao fato probando) envolvendo o agente acusado. Sem dúvida, o juiz não pode desprezar as regras de experiência comum (= praesumptiones hominis), ou seja, a ordem normal das coisas. A experiência comum é aquele conhecimento adquirido pela prática e pela observação do quotidiano (CPC, art. 335). Aliás, a questão em exame comporta a aplicação analógica das normas aludidas (art. 48 da Lei c/c art. 3º do CPP). Nesse sentido há manifestações da doutrina e da jurisprudência (cf. José Frederico Marques, Elementos de Direito Processual Penal, 1ª ed., Bookseller, 1997, vol. II, § 95, nº 525, pág. 346, nota 9; Guilherme de Souza Nucci, Código de Processo Penal Comentado, 10ª ed., 2011, art. 239, nº 4, págs. 544-5; Guilherme Madeira Dezem, Da Prova Penal, 1ª ed., Millennium, 2008, cap. IV, nº 12.2, págs. 272; STF, 2ª T., HC 70.344/RJ, rel. Min. Paulo Brossard, RTJ, 149/521; STJ, 6ª T., HC 15.736/MG, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ, 23/04/01, pág. 189; LexSTF, 182/356; RT, 673/357, 711/378, 728/543, 744/602, 748/599, 758/583, 769/602 e 854/654: RJDTACrimSP, 5/167, 6/137, 7/105, 16/133, 25/324 e 28/209). Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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De outra banda, a alegada ausência de exame na balança apreendida em nada favorece o apelante, na medida em que diante da prova carreada aos autos torna-se irrelevante saber se tal balança estava funcionando ou não. Concluindo, o conjunto probatório é suficiente para dar credibilidade à acusação pela sua persuasão racional. Os cálculos das sanções aplicadas, por sua vez, não merecem qualquer reparo. Correta a fixação das penas-base acima dos mínimos legais, em razão da quantidade e natureza do entorpecente apreendido (51,9g de crack), atendendo ao que determina o art. 42 da Lei de Drogas. A esse respeito, ressalte-se a alta nocividade da substância apreendida, que em pouco tempo torna o indivíduo dependente, causando-lhe sérios danos. Sem valia, ainda, o pedido de aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, porquanto, como demonstrado pela prova oral, trata-se de réu integrante de organização criminosa, tendo o policial Valmir mencionado ainda que havia informações de que ele estava andando armado e fazia cobranças, tudo a demonstrar que não estava se iniciando nessa atividade ilícita, não preenchendo, portanto, os requisitos necessários para a obtenção da benesse. Quanto à pena de multa, cumpre observar que conforme já restou esclarecido por este Tribunal: “A aplicação da pena pecuniária decorre do preceito secundário do art. 33 da Lei n. 11.343/06, incidindo, cumulativamente, com a pena privativa de liberdade, independentemente da situação financeira do réu. Ao contrário do sustentado pela Defesa, tal penalidade não é inconstitucional e, tampouco ofende os princípios da proporcionalidade das penas e da isonomia. A severidade da pena de multa visa à repressão e prevenção do crime nefasto que é o tráfico de entorpecentes.” (TJSP, 6ª Câm. Crim., Apelação 003579454.2010.8.26.0577, rel. Des. Machado de Andrade, j. de 04/08/11). No mesmo diapasão, podemos citar outros julgados desta Corte Estadual (cf., p. ex., TJSP, 15ª Câm. Crim., Apelação 990.10.084921-2, rel. Des. Amado de Faria, j. de 16/12/10 e TJSP, 16ª Câm. Crim., Apelação 002035105.2010.8.26.0564, rel. Des. Newton Neves, j. de 03/05/11). No concernente ao regime carcerário, em consonância com a Lei nº 11.464/07 que alterou o art. 2º da Lei nº 8.072/90, passando a permitir a progressão de regime prisional aos condenados por crimes hediondos e assemelhados, a fixação do regime carcerário deve ser a mais rigorosa, isto é, início no fechado. Deveras, “1. A pretensão do paciente esbarra na literalidade da norma legal - seja na redação original, seja na redação atual -, já que as penas privativas de liberdade aplicadas para os agentes que cometem crimes hediondos ou equiparados terão obrigatoriamente que ser cumpridas em regime inicialmente


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fechado. 2. Não há que se falar em violação aos princípios de dignidade da pessoa humana, individualização da pena e proporcionalidade, como pretende o impetrante” (vide STF, HC 103.011/RN, 2ª T., relª. Minª. Ellen Gracie, LexSTF 382/450). Confira-se também: STF, HC 103.141/PR, 2ª T., rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe - 27, de 10/02/2011. Além do mais, consigne-se que a solução é absolutamente necessária, porquanto o delito nas condições em que foi praticado traz marcante intranquilidade, denotando não ter o agente compromisso com regras de convivência social, deixando de merecer afago do Estado, sendo a concessão de regime mais brando algo responsável pelo sentimento de impunidade, com consequente estímulo à prática de delito de indiscutível gravidade. Ninguém desconhece que a dependência de drogas é o flagelo da sociedade. Pelo exposto, rejeitada a preliminar, nego provimento ao recurso. Como o réu apelante está preso, recomende-se-o no presídio em que se encontra (RTJ, 150/545, 159/234, 163/1082, 164/231, 166/531, 169/271, 181/1029, 182/644, 184/682 e 185/647; RSTJ, 97/384, 98/397, 98/406, 133/542, 136/413, 139/444 e 148/542; RT, 728/501, 730/449, 738/567, 749/597, 776/499, 777/573 e 783/571).

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 900000168.1999.8.26.0355, da Comarca de Miracatu, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado JOSÉ JOAQUIM DA SILVA. ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão. (Voto nº 15.444) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME G.STRENGER (Presidente sem voto), XAVIER DE SOUZA E PAIVA COUTINHO. São Paulo, 9 de outubro de 2013. MARIA TEREZA DO AMARAL, Relatora Ementa: APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - RÉU ABSOLVIDO PELO TRIBUNAL DO JÚRI, QUANTO A ACUSAÇÃO DE TENTATIVA DE Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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VOTO O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO interpôs recurso de apelação em face da r. sentença proferida pelo Tribunal do Júri de Miracatu, que absolveu o réu JOSÉ JOAQUIM DA SILVA da acusação de tentativa de homicídio (art. 121, caput, c.c. o art. 14, inciso II, do Código Penal). Inconformado, o il. Promotor de Justiça postula a anulação do julgamento, considerado contrário à prova dos autos, e requer a realização de outro. Regularmente processado e respondido o recurso, manifestou-se a douta Procuradoria Geral de Justiça pelo provimento. É o relatório. Narra a denúncia que, no dia 04 do abril de 1999, por volta da 00h00min, na Estrada Biguá, Km 3, na cidade de Miracatu, JOSÉ JOAQUIM DA SILVA, agindo com manifesto propósito homicida, tentou matar a vítima Ricardo Aparecido Rosa mediante disparo de arma de fogo, não consumando seu intento por circunstâncias alheias à sua vontade. Os jurados responderam “sim” aos quesitos de materialidade, autoria e animus necandi, porém, absolveram o acusado, respondendo positivamente ao quesito previsto no artigo 483, inciso III, do CPP. A solução apresentada pelo Conselho de Sentença encontra respaldo no sistema processual penal vigente. Vejamos. Consoante ensinamentos de GUILHERME DE SOUZA NUCCI, ao dissertar sobre o artigo 483, inciso III, do CPP, “a principal inovação, introduzida pela Lei 11.869/2008, no contexto do questionário, diz respeito à concentração em uma única indagação, em relação às teses de defesa. (...) O defensor continuará a expor suas variadas teses (...). Porém, essa exposição destina-se

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HOMICÍDIO - SIMPLES ABSOLVIÇÃO DO RÉU APÓS RESPOSTA AFIRMATIVA AOS QUESITOS SOBRE MATERIALIDADE E AUTORIA ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO JULGAMENTO POR MANIFESTA CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS - SOBERANIA DOS VEREDICTOS DO JÚRI - OS JURADOS TÊM LIBERDADE DE ABSOLVER O ACUSADO POR FUNDAMENTO DE FORO ÍNTIMO - INOVAÇÃO DA LEI Nº 11.869/2008 - ART. 483, INCISO III, DO CPP QUE INDAGA DOS JURADOS O ACOLHIMENTO, OU NÃO, DAS TESES DEFENSIVAS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO IMPROVIDO.


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ao Conselho de Sentença, unicamente. O juiz presidente cuidará de indagar dos jurados apenas o seguinte: ‘o jurado absolve o acusado?’. A resposta afirmativa leva à absolvição; a negativa, por óbvio, conduz à condenação por homicídio (...). Entretanto, a razão pela qual os jurados absolveram o réu, se for positiva a resposta, torna-se imponderável. É possível que tenham acolhido a tese principal da defesa (...), mas também se torna viável que tenham preferido a subsidiária (...). Pode ocorrer, ainda, que o Conselho de Sentença tenha resolvido absolver o réu por pura clemência, sem apego a qualquer das teses defensivas. Em suma, da maneira como o quesito será encaminhado aos jurados, serão eles, realmente, soberanos para dar o veredicto, sem que os juízes e tribunais togados devam imiscuir-se no mérito da solução de absolvição” (in Código de Processo Penal Comentado, 8ª ed. rev., atual. e ampl. 2ª tir. São Paulo: RT, 2008, p. 812). Portanto, não há que se falar em contradição pelo fato de os jurados terem afastado a tese de negativa de autoria e, por outro lado, terem absolvido o réu, já que, como exposto com brilhantismo pelo doutrinador, os jurados podem ter absolvido o réu por pura clemência, sem apego à tese defensiva sustentada em Plenário. É possível, destarte, que tenham entendido que o acusado praticou o fato, mas que, por outro lado, deveria ser absolvido, por razões desconhecidas, o que é admitido pela nova lei. Confira-se, nesse sentido, as seguintes ementas: “APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI HOMICÍDIO QUALIFICADO - INSURREIÇÃO DO DOMINUS LITIS - CONSELHO DE SENTENÇA QUE ABSOLVEU A ACUSADA - SUPOSTA CONTRADIÇÃO ENTRE AS RESPOSTAS CONFERIDAS AOS QUESITOS - INOCORRÊNCIA. 1 Mesmo reconhecendo a autoria do crime quanto a um dos agentes, pode o Conselho de Sentença absolvê-lo, ainda que a defesa não tenha manifestado outra tese senão a de negativa de autoria, pois os Jurados decidem por sua íntima convicção, sendo-lhes possível, inclusive, absolver o réu por motivo não alegado pela defesa” (TJMS, 3ª Câmara Criminal, Desª. JANE SILVA). Na mesma linha segue o seguinte julgado do C. Superior Tribunal de Justiça: 1. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. 2. CONTRADIÇÃO ENTRE AS RESPOSTAS DOS JURADOS. INEXISTÊNCIA. ABSOLVIÇÃO GENÉRICA. POSSIBILIDADE. SOBERANIADOS VEREDICTOS. PLENITUDE DADEFESA. 3. TESE ÚNICADE NEGATIVADEAUTORIA.AUTORIAE MATERIALIDADE RECONHECIDAS DURANTE A VOTAÇÃO DOS DOIS PRIMEIROS Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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QUESITOS. VOTAÇÃO DO QUESITO OBRIGATÓRIO RELATIVO À ABSOLVIÇÃO DO RÉU. INEXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÃO ENTRE OS QUESITOS. (...) 1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o quesito previsto no art. 483, inciso III, do Código de Processo Penal, é obrigatório e, dessa forma, não pode ser atingido pela regra da prejudicialidade descrita no parágrafo único do art. 490 do mesmo diploma legal. Precedentes. 2. O fato de a decisão dos jurados se distanciar das provas coletadas durante a instrução criminal não justifica a renovação da votação ou caracteriza contrariedade entre as respostas. Eventual discordância da acusação deve ser ventilada por meio do recurso próprio, nos termos do art. 593, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal. 3. Os jurados são livres para absolver o acusado, ainda que reconhecida a autoria e a materialidade do crime, e tenha o defensor sustentado tese única de negativa de autoria. 4. Não cabe ao Juiz Presidente, a pretexto de evitar a contradição entre os quesitos, pela influência direta que exerceria na formação da convicção dos jurados, fazer considerações sobre a suficiência das provas, pois a matéria se insere na competência do órgão revisional, em recurso de apelação (...) (HC nº 200440 / SP Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, 5ª T., j. 15.03.2012). Sendo assim, não há que se anular o julgamento para que outro seja realizado, pois a absolvição do réu pelo Conselho de Sentença foi decidida de forma soberana, dentro do previsto no artigo 483, inciso III, do CPP. Diante do exposto, nega-se provimento ao recurso do Ministério Público.

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 001102778.2004.8.26.0506, da Comarca de Ribeirão Preto, em que é apelante SERGIO LOPES MARINHO, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso interposto por Sergio Lopes Marinho para absolvê-lo do crime previsto no artigo 1º, incisos II e V, ambos da Lei nº 8.137/90, c.c. artigo 71, do Código Penal, com fulcro no artigo 386, inciso VI do Código de Processo Penal. v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 12.725) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores VICO


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MAÑAS (Presidente) E JOÃO MORENGHI. São Paulo, 16 de outubro de 2013. PAULO ROSSI, Relator

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Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL - Crime Tributário - Artigo 1º, incisos II e V, da Lei nº 8.137/90 c.c. artigo 71 do Código Penal - Recurso Defensivo - Pleiteia absolvição do apelante ante a ausência de justa causa para a ação penal e por insuficiência de provas - Possibilidade - Ausência de lesividade ao fisco e Estado, tendo em vista a garantia do pagamento com imóvel do réu, antes do recebimento da denúncia. Recurso provido. VOTO VISTOS. 1 - Trata-se de recurso de apelação interposto em favor de Sergio Lopes Marinho, contra a r. sentença datada de 21/02/2013, proferida pela MMª Juíza de Direito da 5ª Vara Criminal da Comarca de Ribeirão Preto, que condenou o réu como incurso no artigo 1º, incisos II e V, ambos da Lei nº 8.137/90, c.c. artigo 71, do Código Penal, ao cumprimento da pena de 02 (dois) anos de reclusão, sob o regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, substituída a carcerária por prestação de serviço à comunidade e prestação pecuniária no valor de dez salários mínimos e dez dias-multa, fixado o valor do dia-multa em 1/10 do mínimo legal, bem como absolveu Rita Maria Lopes Marinho da imputação do delito previsto no artigo 1º, incisos II e V, ambos da Lei nº 8.137/90, com fulcro no artigo 386, inciso VII do Código de Processo Penal (fls. 1526/1530v). Irresignada, reclama a d. Defesa argui a falta de justa causa para a ação penal, tendo em vista que ao interpor Embargos à Execução, através dos quais discute a existência do débito fiscal, foi ofertado e aceito imóvel garantidor da suposta dívida, de forma que, julgados procedentes a dívida não subsistirá e, se improcedentes, o imóvel quitará o pagamento, sendo que qualquer dos resultados não causará resultado lesivo ao Estado. No mérito, pede a absolvição ante a insuficiência de provas, alegando que o AIIM foi lavrado de forma ilegal (fls. 1547/1560). Em contrarrazões, o Ministério Público sustentou o acerto da decisão e pugnou pelo não provimento do apelo (fls. 1563/1567). A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 1569/1597). Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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É o relatório. 2 - Consta da denúncia que nos meses de janeiro de 2000 até dezembro de 2001, na Av. Thomaz Alberto Whately, nº 1819, no horário e comercial, local em que se situa a empresa “Comercial Marinho-Fer. Distribuidora de Produtos Siderúrgicos Ltda”, Rita Maria Lopes Marinho e Sergio Lopes Marinho, na condição de sócios-proprietários da empresa acima referida, por inúmeras vezes, deixaram de pagar ICMS em decorrência de operações de saídas de mercadorias tributadas omitidas ao fisco - vendas desacompanhadas de notas-fiscais - no montante de R$ 164.585,79, nos meses de janeiro a dezembro de 2000 e no montante de R$115.916,79 nos meses de janeiro a dezembro de 2001. É de salientar, ainda, que os sócios das empresas, nos referidos períodos, receberam mercadorias tributadas no valor de R$ 62.680,72 sem documentação fiscal - de 01/01/00 a 31/12/00. Assim também procedeu nos meses de 01/01/01 a 31/12/01, já que neste período a empresa recebeu o equivalente a R$ 12.563,70, sem documento fiscal. O total de imposto sonegado, segundo o laudo do I.C. (fls.1330/1333) corresponde a um total de R$ 294.046,57. Assim agindo, os acusados que estavam em conluio e com identidade de desígnios, suprimiram o pagamento do Tributo, no caso, ICMS, isto ao deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativo à venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação, além de fraudar a fiscalização tributária omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal. A denúncia foi oferecida em 09/12/2010 (fls. 01D/02D) e recebida em 12/11/2010 (fls. 1471). O apelante foi citado e ofereceu sua defesa preliminar (fls. 1484/1503). A r. sentença foi publicada em 12/04/2013 (fls. 1531), tendo transitado em julgado para o Ministério Público em 12//04/2013 (fls.1531) e para Rita Maria em 19/04/2013 (fls.1537). A materialidade delitiva está consubstanciada pelo auto de infração e imposição de multa (fls. 05/06) e laudo pericial contábil (fls. 1330/1333), bem como pela prova oral produzida nos autos. Em Juízo, o apelante negou os fatos, dizendo que não deixou de emitir nota fiscal quando era obrigatória e, assim, não deixou de recolher o respectivo tributo. Negou que tivesse fornecido nota fiscal em desacordo com a legislação, como também que tivesse omitido operação. Afirmou que juntamente com o programador da empresa, criou códigos internos para os produtos comercializados no local. Informou que nas notas fiscais de venda dos produtos constam a classificação fiscal deles e o código interno. Sustentou que na conclusão do


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fiscal, ele coloca o código interno do produto e não a classificação fiscal do mesmo. Acredita que tenha havido um equívoco por parte do fiscal quando do levantamento e da lavratura do auto de infração, pois ele não conhecia seu produto. Afirmou que embora tivesse dinheiro para pagar a multa, não o fez, pois achou um absurdo ser acusado de algo que não cometeu. Sempre cumpriu com as obrigações e efetuou os devidos recolhimentos afetos à área municipal, estadual e federal. Por ocasião da fiscalização achou que poderia ser autuado, em razão de algum equívoco da empresa ou contábil, mas não nos valores em que foi autuado. Disse que se o fiscal classifica a mercadoria erroneamente, vai constar como se ela tivesse sido comprada com nota fiscal e vendida sem nota fiscal. Sustentou que se o fiscal tivesse classificado a mercadoria correta, não teria feito o auto de infração. Em virtude deste erro, faltaram produtos em vários itens e sobraram em vários outros. Os itens em que o fiscal constatou a falta de produtos, ele achou que foram vendidos sem a nota fiscal, e nos produtos que sobraram, ele acreditou que foram comprados sem a nota. Acrescentou que Rita, apenas figurava no contrato social da empresa, mas não tinha qualquer decisão na mesma, não participando de qualquer ato de gestão, sendo que a administração sempre foi feita pelo interrogando. Mencionou que sabia que os agentes fiscais possuíam competência para executarem sua função, mas o agente que efetuou o levantamento não tinha conhecimento algum do produto comercializado na empresa do réu (fls.1524-CD). A corré Rita nada soube informar acerca dos fatos, uma vez que afirmou que embora constasse como sócia-proprietária no contrato social da empresa, não tinha qualquer participação na mesma, que era administrada por seu marido (fls.1524-CD). A testemunha de acusação, Alfredo Pereira da Silva, Agente Fiscal, afirmou que possui uma programação para auditar algumas empresas, tendo optado pela empresa ré, por determinação de seus superiores hierárquicos. Foram feitos levantamentos dos documentos fiscais dos anos de 2000 e 2001 e na conclusão do trabalho verificaram que nestes dois anos deixou-se de recolher tributos, mediante operações de saída sem emissão de nota fiscal, portanto, saídas tributadas omitidas do fisco. As diferenças de entrada correspondem a recebimento de mercadoria sem nota fiscal. Tudo isso foi observado com a verificação dos livros de entrada, de saída, recibos de talões de notas, arquivos magnéticos fornecidos pela empresa, dentre outros. Não se recorda qual a defesa apresenta pela empresa. Não foi feito levantamento físico específico, sendo que o estoque foi computado pelo inventário apresentado nos arquivos magnéticos apresentados pela empresa. Disse que não chegou a conversar com Rita, nem mesmo a viu na empresa. Com relação às fls. 23 e 24, afirmou que os códigos foram feitos de acordo com a informação do próprio contribuinte. Não sabe explicar tecnicamente a diferença de chapa expandida e chapa FQ, pois não é Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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especialista nisso e, cada uma das chapas tem um código que as individualiza (fls.1513). A testemunha de Defesa Marcos Roberto Mendes Carvalho, que trabalha na empresa dos réus desde 1997 como auxiliar administrativo, afirmou que Rita nunca trabalhou no local, embora conste como sócia no contrato. A empresa é administrada por Sergio. O depoente não tinha acesso à escrituração contábil da empresa em serviços diversos. Ficou sabendo da fiscalização, mas não sabe dar detalhes, pois esta o responsável era o acusado (fls.1514). A testemunha de defesa Rosana Aparecida Campos Nascimento, que trabalha na empresa desde 1995, também afirmou que Rita não trabalhava lá, apesar de constar como sócia, e que Sergio era o administrador. A depoente fez o levantamento dos documentos solicitados pelos fiscais, mas não sabe dar detalhes a respeito das acusações. Afirmou que o fiscal não teve acesso ao estoque físico. A partir das notas, ele indagava a depoente algo sobre a classificação das chapas. No entanto, se em uma nota fiscal constasse a saída de três mercadorias como chapa grossa, poderia haver divergência entre elas, na forma como são chamadas, fina quente ou fina frio. Então, em algumas oportunidades ficava obscuro ao fiscal qual mercadoria constava na nota. Quando não conseguia se expressar e explicar as divergências ao fiscal, quem o fazia era o réu (fls.1515). A testemunha de Defesa Ailton Santana, proprietário de um escritório de contabilidade, disse que a empresa é sua cliente há mais de vinte anos e quando ocorreu a fiscalização, o depoente acompanhou os fiscais, apresentando toda a documentação requerida. Informou que o fiscal começou a solicitar os documentos fiscais desde o início do ano, sendo que após serem fornecidos, nada de errado foi encontrado. Em dado momento, o fiscal determinou que fosse feito o levantamento por amostragem, ou seja, produto por produto, mas na verdade, o procedimento apresentou falhas. Esclareceu que a empresa, quando da aquisição da mercadoria, efetua a classificação da mesma, baseada em denominações fiscais, sendo que quando esta mercadoria sai da empresa, deve sair com a mesma classificação. Ocorre que a empresa do réu atua também com certa modificação do produto, efetuado o corte e a dobra dos materiais, o que muitas vezes, faz com que esta única mercadoria que havia entrado saia, dividida e com diferente classificação, por ter se tornado outra mercadoria. Mencionou que nesse “corte” há a sobra de produtos, exemplificando que pode ser que entrem 10kg de um produtos, mas somente saiam da empresa 09 ou 08kg, pois parte do material se perde nas operações. Essa sobra é colocada no caminhão junto com a mercadoria, ou seja, é um desperdício de material. Afirmou que da maneira que o fiscal efetuou a contagem, é difícil que ela seja precisa. Frisou que se a mercadoria entrou com uma classificação e saiu com outra, significa que houve modificação em sua estrutura. Disse que o fiscal confundiu a classificação oficial com os códigos internos da empresa o que o fez constatar


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que a entrada de muita mercadoria e também a sobra de muita mercadoria. O agente fiscal não utilizou a metodologia correta para a apuração. Mencionou que o método de amostragem já não é mais utilizado pela Fazenda Estadual, tanto que recentemente foi lançado o recurso da nota fiscal eletrônica, justamente para fazer o cruzamento de dados. Finalizou dizendo que Rita não tinha participação em nenhum ato da empresa (fls.1524-CD). Assim, vista a prova, verifica-se que o apelante deve ser absolvido. Inicialmente, vale mencionar que, de acordo com os depoimentos colhidos sob o crivo do contraditório e ampla defesa, não se tem certeza se o método de fiscalização utilizado, por amostragem, é o mais adequado para apurar a correspondência entre os produtos e valores. Salienta-se, que o réu mencionou que o agente não demonstrou intimidade com o material produzido em sua empresa, e a testemunha Ailton, contador, apresentou depoimento claro e firme, esclarecendo como o método de amostragem é realizado, tendo afirmado que o agente fiscal não utilizou a metodologia correta para a apuração. Por sua vez, o agente fiscal asseverou que não sabia a diferença entre algumas chapas, o que torna a certeza quanto ao método de fiscalização duvidoso. Ademais, o laudo do Instituto de Criminalística não analisou os documentos que deram origem aos tributos que o fisco entendeu devido, tendo argumentado genericamente sobre o método utilizado. Outrossim, embora a via administrativa tenha se esgotado, a dívida foi inscrita na Dívida Ativa do Estado, já correndo processo de Execução, contra o qual foi interposto recurso de Embargos, onde ainda se discute a existência da dívida. Além do que, ao interpor o mencionado recurso, o réu deu como garantia de pagamento da dívida, um imóvel, no valor aproximado de R$2.000.000,00, de modo que o fisco e o Estado estão garantidos, e não haverá falta de pagamento do imposto, caso seja julgado devido. Ressalte-se, que conforme fls.1433, os Embargos à Execução foram protocolados no dia 10/09/2010, ou seja, antes do recebimento da denúncia, que se deu em 20/10/2011 (1471), de forma que, o pagamento já estava assegurado, não havendo que se falar em crime de sonegação fiscal. É certo que a Súmula 112 do STJ consigna que somente o depósito integral e em dinheiro é apto a suspender a exigibilidade do crédito tributário. Todavia, o art. 151, II, do Código Tributário Nacional, estipula apenas que o depósito deve corresponder ao “montante integral” da dívida para viabilizar a suspensão, seja na esfera administrativa, seja na judicial. No entanto, em observância ao art. 34 da Lei nº 9.249/95, segundo o qual “extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137/90 Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 900001603.2003.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante RICARDO VERON GUIMARÃES JUNIOR, e é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 5ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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e na Lei nº 4.729/65 quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”, a expressão “promover o pagamento” deve ser entendida, “para efeitos penais, como qualquer providência tomada pelo agente visando, mesmo que de forma indireta, o cumprimento da obrigação de recolher tributo”, não cabendo “ao intérprete estipular que a forma de pagamento se dê nos moldes preconizados no CTN, quando a própria lei não o fez” (TRF 3ª região, HC 8437, 1ªTurma, DJ de 29.06.1999). Dessa forma, com a respectiva garantia do Juízo materializada no imóvel do réu, é motivo suficiente para ensejar a sua absolvição. Independentemente do resultado dos embargos à execução, será resolvida, quer pelo pagamento em caso de rejeição dos embargos, quer pela decisão de inexistência do débito, de forma a afastar a lesividade ao bem jurídico tutelado e a consequente tipificação da conduta ilícita imputada ao acusado, lembrando que não há crime sem ofensa a bem jurídico protegido por norma penal. Nesse sentido manifesta-se a jurisprudência: “se a ação anulatória de débito fiscal for julgada improcedente, a dívida será quitada, porquanto está ela garantida pela carta de fiança. Isto significa que, qualquer que seja o resultado da ação anulatória, não haverá lesividade ao Estado. E, sem lesividade, não há crime” (TJSP, HC 993.08.017052-5, Rel. Des. Celso Limongi, 12ª Câmara Criminal, j. 25/07/08). Diante dessas circunstâncias, não se encontra configurado o crime de sonegação fiscal, pois em qualquer das soluções a que chegue o MM. Juízo da Execução Fiscal ocorrerá a extinção da ação penal, razão pela qual o réu deve ser absolvido. 3 - Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso interposto por Sergio Lopes Marinho para absolvê-lo do crime previsto no artigo 1º, incisos II e V, ambos da Lei nº 8.137/90, c.c. artigo 71, do Código Penal, com fulcro no artigo 386, inciso VI do Código de Processo Penal.


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U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 15.481) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (Presidente) E JOSÉ DAMIÃO PINHEIRO MACHADO COGAN. São Paulo, 17 de outubro de 2013. JUVENAL DUARTE, Relator

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Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL - TRIBUNAL DO JÚRI - HOMICÍDIO QUALIFICADO OCULTAÇÃO DE CADÁVER - Anulação do julgamento - Decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos - Impossibilidade Anulação cabível somente nas hipóteses em que o julgamento do Conselho de Sentença é arbitrário, sob pena de violação ao princípio da soberania dos veredictos - Decisão que encontra suporte no acervo probatório - Ausência de exame necroscópico, diante da impossibilidade de sua realização, em razão da não localização do cadáver da vítima - Materialidade comprovada pela prova oral, ex vi do disposto no artigo 167, do Código de Processo Penal - Pena fixada de acordo com os parâmetros previstos em lei - Efeito Imperativa a perda do cargo público que o recorrente ocupava ao tempo do crime (policial militar), nos termos do artigo 92, I, b, do Código Penal - Recurso não provido. VOTO RICARDO VERON GUIMARÃES JUNIOR foi condenado a quinze anos e dois meses de reclusão, em regime inicial fechado, e a onze dias-multa, por infração ao disposto nos artigos 121, § 2º, I e IV, e 211, na forma do artigo 69, do Código Penal. E, como efeito da condenação, foi reconhecida, ainda, a perda do cargo público (policial militar). Inconformado, apela postulando a anulação do julgamento, pois o veredicto popular contrariou manifestamente a prova dos autos. Recebido e contrariado o recurso, opina a d. Procuradoria Geral de Justiça pelo não provimento. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Os autos foram desmembrados com relação ao corréu JAIR DE ALMEIDA BERNARDO condenado pelo Tribunal do Júri, em sessão realizada aos 3.4.2013, pela prática do mesmo crime, a quinze anos e dois meses de reclusão, em regime inicial fechado, e a onze dias-multa, por infração ao disposto nos artigos 121, § 2º, I e IV e 211, na forma do artigo 69, do Código Penal, com consequente perda da função pública de policial militar, nos termos do artigo 92, I, b, do mesmo código. Os coacusados WAGNER GARCIA, ARIOVALDO CRISTÓVÃO ANTONIO DE FREITAS e JOSÉ CARLOS ROMUALDO, a seu lado, foram impronunciados. É, em síntese, o relatório. O recorrente foi condenado pelo Tribunal do Popular porque, agindo em concurso com o coacusado Jair de Almeida Bernardo, nas condições de tempo e lugar descritas na inicial, por motivo torpe e com emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, concorreu para a prática de homicídio contra o menor Rodrigo Isac dos Santos. Foi condenado, ainda, porque, nas mesmas condições de tempo e lugar, ocultou o cadáver do ofendido. Colhe-se do acervo de provas que Jair e o apelante - os quais compunham a guarnição da viatura M-31114 - foram informados, via COPOM, a respeito de suposto furto de fios da rede de telefonia (sic) e foram ao sítio apontado na denúncia. A seguir, após ouvirem a ocorrência paga pelo COPOM (sic), os policiais que ocupavam a viatura M-31170 - cuja guarnição era composta pelo Sargento Wagner (CG-1), pelo auxiliar José Carlos e pelo motorista Ariovaldo -, e os milicianos da viatura M-31113, conduzida pelo motorista Samuel Alencar Neri, cujo encarregado era o policial militar Leonardo Rodrigues Craveiro, também compareceram ao local, para dar apoio àquela guarnição. Ocorre que a vítima e alguns amigos, os quais carregavam tais cabos elétricos, após notarem a aproximação dos milicianos, dispensaram os fios e correram, mas, durante a fuga, foram vistos pelos policiais, que passaram a persegui-los. O ofendido, no entanto, foi alcançado e contido pelos milicianos. E, em seguida, foi levado à viatura M-31114, pertencente à guarnição do recorrente e do corréu Jair, os quais, então, encerraram as buscas e deixaram o local. Todavia, no dia seguinte, após notar que o filho não havia retornado para casa, o pai da vítima - Elias Isac dos Santos - saiu à sua procura e soube, por informações fornecidas por amigos dela, que havia sido detida por policiais e não mais a viram. Diante disso, o genitor compareceu ao distrito policial da região em que morava, mas nenhuma informação havia a respeito da apreensão do ofendido. Depois, obteve o telefone do Sargento Wagner Garcia que, na ocasião, comandara as guarnições que participaram da diligência em questão, no


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entanto, ao contatá-lo, ele afirmou que durante aquela ocorrência ninguém havia sido detido. Então, Elias retornou à delegacia e a autoridade policial elaborou o boletim de ocorrência concernente ao desaparecimento da vítima e, a seguir, o pai do ofendido compareceu à Corregedoria da Polícia Militar e informou a suspeita de que ele havia sido morto pelos milicianos, propiciando a instauração do inquérito policial militar e o início da ação penal. A materialidade delitiva, além de incontroversa, está estampada no boletim de ocorrência relativo ao desaparecimento da vítima e na prova testemunhal, mormente nas declarações das testemunhas Maria Aparecida Lisboa, Reinaldo Pereira de Souza e Elton Cardoso dos Santos - este último ouvido no Inquérito Policial Militar, consoante documentos acostados a fls. 22/234 -, os quais viram o ofendido ser detido pelos agentes da lei, ser colocado na viatura M-31114 e levado do local, bem assim nos relatos do policial Leonardo Rodrigues Craveiro, que notou uma silhueta de pessoa do sexo masculino dentro de referido veículo, elementos de convicção que suprem a ausência de laudo de exame necroscópico, sobretudo diante do que dispõe o artigo 167, do Código de Processo Penal, e da impossibilidade de realização de tal exame, porquanto o cadáver da vítima não foi localizado, tanto que também foi imputada ao apelante a prática do crime de ocultação de cadáver. E, ainda que, posteriormente, o cadáver encontrado e reconhecido como sendo o da vítima por seus familiares, por meio de suas vestes e o tênis que ela calçava, cujo resultado, no entanto, não foi confirmado pela perícia, pois o resultado de DNA não foi conclusivo diante do estado de decomposição dos restos mortais, tem-se que a materialidade, no que tange aos dois crimes em estudo, é inequívoca e foi demonstrada, como se viu, por outros elementos de convicção. Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal: A prova testemunhal pode substituir de modo idôneo o exame de corpo de delito, quando há dificuldade ou impossibilidade total de recolherem os vestígios do crime (ED no HC 65.541-6/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO REZEK, SEGUNDA TURMA, j. 26.4.88). Já no que tange à autoria, é certo, o recorrente sempre negou ter concorrido para a prática ilícita. Na fase administrativa, ratificou as declarações que prestou no Inquérito Policial Militar, no qual aduziu ter recebido informação, via COPOM, a respeito de delito de furto de fios elétricos em curso, mas, ao chegar ao local indicado na denúncia, notou que os cabos estavam intactos (sic) e que não havia ocorrido subtração alguma. Recorda-se que os policiais Wagner e Ariovaldo também estiveram no local, os quais compunham a guarnição da viatura M-31170 (Blazer). Indagado sobre o extenso período de duração do atendimento, que Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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perdurou da 1h12 às 2h42, uma vez que nada irregular constataram, disse que nesse meio tempo realizaram buscas pelas imediações a fim de verificar se algum cabo havia sido retirado dos postes. Após a chegada da guarnição da viatura M-31170, disse aos policiais que nada irregular havia sido constatado no local. Não efetuou disparo e não viu os demais policiais atirarem. E, ouvido em outra oportunidade, aos 6.3.2003, no distrito policial, após lhe ser apresentado o teor das degravações das conversas captadas pelo sistema COPOM, aduziu não se recordar da comunicação enviada da viatura a que estava vinculado, durante a qual se entabulou o seguinte diálogo, em resumo: (...) tem muito fio por aqui ... três indivíduos, QSL, bem no final da rua, no meio do mato aí; (...) O CG é mais prá baixo aí, três caras; (...) A QSL, eu vou entrar por cima, eles entraram pelo meio do mato, ou negativo; (...) QSL, eu vou ter que subir aí pela, pela Miguel Ackel, aí, ... positivo ... esse acesso que dá no mato da Miguel Ackel, QSL!! (...) Pinote aqui ó!!!!! (...) Na rua de trás!!! (...) O pinote aqui, é antes do posto de gasolina, perto daquela casa abandonada, onde tentaram roubar outra vez; (...) Essa chácara aí tá cheia de cachorro QSL ... (...) Copom é a 114; (...) QSL, patrulhamento aqui pelo QTH, com o apoio do CG e a 113 aí, é QRU nihil QSL!!! Anote a testemunha ... é João Carlos da Silva Bitencout, QSL!!! NPD (...) Copom: É QSL em, às duas horas e quarenta e dois (fls. 346/351). E, por fim, aos 7.2.2006, ainda na fase inicial, ratificou mais uma vez seus relatos anteriores, mas acrescentou que, logo após o atendimento dessa ocorrência, atendeu outra, em que havia um indivíduo agressivo que foi conduzido ao 4º DP de Guarulhos, não sabendo informar, porém, se foi elaborado o boletim de ocorrência a respeito desse segundo fato. Em audiência, aduziu que durante as buscas, nada irregular constataram, ou seja, não havia nenhum indício de que naquele local pudesse ter ocorrido furto (sic). Em plenário, disse que não deteve ninguém nessa ocorrência, somente na seguinte. Não localizou fio elétrico algum, embora tenha emanado de sua viatura a seguinte mensagem, via rádio: (...) tem muito fio por aqui e há três indivíduos (sic). E, indagado a respeito da presença de indivíduos que foram vistos correndo, disse que as pessoas correm quando os veem, eles são bandidos. Se eles viram a gente e correram, se estivessem perto de mim, eu ia deter e ia constar no meu relatório (sic). Se eu tivesse detido alguém eu ia botar na minha viatura, ia anotar no meu relatório e ia mostrar para o meu sargento (sic). Lidas as degravações das mensagens enviadas ao COPOM, oriundas da viatura em que se encontrava, o recorrente tornou a afirmar que nada foi constatado, apresentando, porém, respostas evasivas, no sentido de que não se recordava de tais comunicações.


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Não bastasse, o acervo amealhado durante a persecutio criminis revelou a existência de outra versão a respeito dos fatos que não o favorece, senão vejamos. Elias Isac dos Santos, pai do ofendido, à Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo, consoante se infere das cópias do Inquérito Policial Militar (fls. 22/234), relatou que, no dia dos fatos, a vítima saiu de casa para ir a um baile, mas, em razão de não ter retornado, procurou o amigo dele André - e este lhe disse que, por volta de 1h30, Edson, Cleiton, o ofendido e ele, após passarem em frente a um terreno em construção, pararam para conversar com um grupo de pessoas que ali se encontrava e falava sobre a partilha de fio de cobre que havia sido encontrado nesse terreno (sic). Nesse instante, foram surpreendidos pela aproximação de algumas viaturas da Polícia Militar, motivo pelo qual todos correram, mas o ofendido foi alcançado e contido pelos milicianos. André contou que ficou escondido atrás de um veículo Sprinter (sic) e viu a vítima ser abordada por componentes de uma viatura tipo jipe, fato que também foi notado por Edson. O ofendido, então, foi colocado num dos veículos e levado a local não esclarecido. Procurou os amigos do filho no dia seguinte aos fatos, aos 20.11.2001. Também procurou informações sobre ele em vários locais, mas nada conseguiu que revelasse sua localização. (...) Várias vezes compareceu à Cia/PM do local; ... chegou a falar via fone com o Sgt PM Wagner daquela Cia, o qual estava de serviço no dia dos fatos, sendo informado que naquela localidade dia e hora mencionado não houve nenhum registro de ocorrência (sic). Disse que uma senhora ouviu som semelhante a disparo e saiu de sua casa para ver o que acontecia, então presenciou policiais militares fardados colocarem um rapaz no interior de uma das viaturas. Ouvido em outra oportunidade (aos 3.1.2002), ainda na Corregedoria da Polícia Militar, acrescentou que, no local onde localizaram um cadáver, recolheu os demais ossos que restaram dos restos mortais ali encontrados e outro par de tênis que o amigo de seu filho reconheceu como sendo aquele que lhe emprestara no dia anterior ao seu desaparecimento. Acredita que a ossada seja de seu filho, em razão do tênis localizado próximo ao cadáver. Apresentou tais materiais na Delegacia de Polícia do Jardim Cauby, onde foram apreendidos e também requisitada a perícia do local onde foram encontrados. Já no DHPP, ratificou as declarações anteriores e ressaltou ter notado diversas irregularidades durante o trabalho investigativo, mas foram de caráter operacional, como por exemplo, a questão do IML de Suzano, aonde não havia registro de um encontro de ossada, que poderia ser de seu filho (sic). Disse que reconheceu as vestimentas ao ver as fotos do cadáver referido. Em juízo, acrescentou ter conversado com Maria Aparecida e ela confirmou ter visto uma pessoa sendo colocada dentro da viatura (sic). Procurou pelo ofendido na delegacia local e foi orientado a comparecer na 1ª Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Delegacia de Polícia de Guarulhos. Procurou no Instituto de Medicina Legal e nada localizou. Foi ao batalhão dos milicianos e foi orientado a procurar a Corregedoria da Polícia Militar. Aduz que o corpo do ofendido foi encontrado, só que não tenho o paradeiro dele (sic). Investigou que haviam encontrado um cadáver que estava registrado como desconhecido. Foi ao local e recolheu os restos mortais. Um amigo de seu filho lhe disse que tinha emprestado o tênis para ele. Eu falei: “puxa vida! Nesse local tinha um tênis”. Eu fui, coloquei ele dentro do carro e fomos lá (sic). Como os peritos deixaram um dos pés do par do tênis no local em que encontraram referido cadáver, Marcos reconheceu referido calçado, aduzindo que lhe pertencia. Posteriormente, no IML de Mogi das Cruzes, eu consegui a foto que o perito tinha tirado do local (sic). Não tive dúvida que o corpo é do meu filho, ele estava com um camisão amarelo com detalhes pretos (sic). Um policial, namorado de sua sobrinha, entrou em contato com o miliciano Wagner. Ele lhe telefonou, mas disse que não havia detido o ofendido. Ele lhe disse que iria averiguar e depois retornou dizendo que não houve nenhuma detenção naquele local. A partir desse momento, eu tive certeza absoluta que meu filho tinha sido assassinado (sic). Esclareceu a respeito de episódio envolvendo o sargento Wagner e seus outros dois filhos. Um deles havia sido assassinado. Foi ao pronto socorro, só que eu cheguei ao pronto-socorro e não encontrei o corpo do meu filho, retornei para o outro pronto socorro perto de casa onde aconteceram os fatos, encontrei o sargento Wagner e o corpo do meu filho e eu perguntei a ele se ele tinha o levado para mostrar aos traficantes. Foi onde ele arrancou a funcional dele, dizendo que não trabalhava dessa forma ... meu filho foi enterrado naquela noite e ninguém conseguia dormir. Meu filho e minha esposa não estavam nem em casa porque não estavam conseguindo dormir. Parou meu filho e perguntou o que ele estava fazendo ali e se era filho do senhor Elias, meu filho já sabia o que tinha acontecido e falou que não, negou. O motorista da viatura falou vamos levá-lo para Eucaliptal e matar e ele resolveu levá-lo para minha casa, para mostrar que ele tinha minha vida sob controle... (sic). O cadáver que suspeitou tratarse de seu filho foi encontrado no dia seis, mas o fato só foi registrado no dia catorze, por isso desconfiou que tivesse havido alguma irregularidade. Levou os restos mortais à Corregedoria, onde foi orientado a encaminhá-los ao distrito policial de Itaquaquecetuba, cuja atribuição compreendia a área dos fatos. O recolhimento do corpo foi feito pela polícia e depois o IML esteve no local e recolheu o restante e mais o que eu levei (sic). Em plenário, disse que a vítima saiu e não retornou para casa, razão pela qual procurou pelos amigos dela e soube da ação policial e que seu filho havia sido detido e levado numa viatura policial. Foi à delegacia do bairro, mas no local informaram-lhe que nenhum adolescente havia sido encaminhado àquele distrito. Conseguiu o telefone do sargento Wagner e entrou em contato com


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ele, mas ele lhe disse que não tinha conhecimento de que algum jovem havia sido detido e prometeu averiguar o caso e retornar. Depois ele retornou dizendo que não tinha havido ação policial lá (sic). Passou a procurar o ofendido nas cidades vizinhas a Guarulhos e localizou o boletim de ocorrência que continha informação de encontro de cadáver de pessoa desconhecida. Viu a fotografia e reconheceu como sendo o ofendido; era do meu filho; mesmo irreconhecível, mas as roupas e tênis eram do meu filho (sic). Foi ao local onde o cadáver havia sido localizado e encontrou mandíbula, partes dos dentes, pedaços dos braços, inclusive, um deles quebrado, três costelas e algumas vértebras da costela ... logo à frente, um par de tênis azul (sic). Nesse dia, retornava a sua casa e um amigo de seu filho perguntou-lhe se já o havia localizado. Então, durante a conversa, informou- lhe as características do tênis que estava próximo do corpo que encontrara e ele lhe contou que seria aquele que havia emprestado à vítima no dia dos fatos. Diante disso, o levou até referido local e ele reconheceu o tênis. O exame de DNA resultou negativo, no entanto, havia seis cadáveres desconhecidos junto com o meu filho. O cadáver do meu filho entrou lá; entrou mais seis cadáveres e, onde era para ter a anotação no cadáver do meu filho como 817, tava vago e não tinha nenhuma anotação, e ele tava no meio dos dois. O que levou a supor que houve a troca de cadáver na hora de enterrar porque eram todos desconhecidos (sic). As roupas que estavam com ele era as roupas que minha esposa tinha comprado recentemente e, inclusive, uma das camisas que estava no cadáver é do meu outro filho mais velho (sic). Em data anterior aos fatos, o ofendido havia sido conduzido pelo sargento Wagner até sua casa, após ser detido numa esquina próxima, porque ele achou que o meu filho se parecia comigo, pois antes desse episódio, já tinha havido um entrevero com o sargento Wagner, porque um outro filho meu foi assassinado e o sargento pegou o corpo do meu filho e demorou mais de meia hora pra chegar no PA Alvorada, que demorava três minutos de carro, e eu procurando o corpo de meu filho e não encontrava. E eu fui questionar com ele porque ele demorou tanto tempo pra levar o corpo do meu filho ao médico. E questionei com ele se ele estava trabalhando a mando de alguém lá na região (sic). E do depoimento de Marcos Nascimento Melo, nos autos da investigação relativa ao encontro de referido cadáver, concernente ao Boletim de Ocorrência nº 8486/01, da Delegacia de Polícia da Comarca de Itaquaquecetuba (documentos acostados a fls. 161/197), consta que, no dia anterior ao desaparecimento do ofendido, o depoente lhe emprestou um par de tênis. Disse que Elias lhe relatou detalhes a respeito das vestimentas do filho e comentou consigo sobre a existência do referido calçado no local onde os restos mortais dele (ofendido) haviam sido localizados. Então, lhe contou que era seu (o calçado) e que o emprestara à vítima. Foram a referido sítio e reconheceu o tênis que ali estava. Em audiência, ratificou o relato anterior e aduziu ter reconhecido o Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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calçado localizado junto ao cadáver daquela pessoa, porque havia feito um rolo (sic) com a vítima. A testemunha Maria Aparecida Lisboa, por sua vez, declarou à Corregedoria da Polícia Militar, consoante se infere da cópia do Inquérito Policial Militar, ter ouvido barulho de estampidos de arma de fogo e, em razão de seu filho não estar em casa, saiu para ver o que ocorria e, então, notou uma viatura, tipo jipe, cujos agentes abordavam um indivíduo em frente à sua moradia. Ele vestia uma camiseta branca e usava um boné vermelho ou cor de abóbora. Os policiais abordaram o rapaz e após terem revistado ele, o rapaz entregou os documentos e foi colocado no interior da viatura, tendo em seguida os policiais se retirado, levando o rapaz; esclarece a declarante que pode ver através da porta de sua residência que havia viatura, no entanto, não pode precisar o tipo de viatura, ainda não reparou e nem anotou prefixos das viaturas; que não tem condições de reconhecer nenhum dos policiais ou mesmo o rapaz que foi detido, pois não pode visualizá-los bem. (...) ele entrou sozinho na viatura, após os policiais pararam as viaturas distante de sua residência, na rua Caculé com a Alameda Pinheiros, onde permaneceram por aproximadamente umas duas horas pois a declarante permaneceu aguardando seu filho e após ter este chegado, os policiais ainda ficaram por algum tempo ... após os policiais terem pego o rapaz, não mais ouviu nenhum estampido (sic). Em audiência, esclareceu ter visto os policiais abordando um rapaz e colocando-o dentro da viatura. Recorda-se que ele era moreno, magro e alto, usava chapéu vermelho ou abóbora, camiseta e calça jeans (sic). Soube que detiveram o indivíduo porque ele estava fugindo. Havia umas quatro viaturas (sic). Estava próxima ao local onde o rapaz foi abordado, mas não chegou a ver as feições dos milicianos. No entanto, notou que foram dois policiais que fizeram a abordagem. Ele foi posto na parte detrás na viatura, pediram o documento dele, ele sentou, mandaram ele tirar o chapéu e depois eu não vi mais (sic). A testemunha Reinaldo Pereira de Souza relatou - no inquérito policial militar - que transportavam os fios elétricos e viram as viaturas se aproximarem e, então, correram. Edson e ele se esconderam e os demais amigos correram em sentido oposto. Notou que durante a ação dos policiais, havia duas viaturas tipo jipe e duas tipo Blazer. Ouviu seis disparos e um dos policiais gritando (...) para, para filho da puta (sic). Permaneceram escondidos até que os milicianos fossem embora. Soube por André que os policiais militares que chegaram ao local em uma viatura tipo jipe abordaram o ofendido, mas ele não tem certeza se os mesmos policiais o levaram. Não tem condições de reconhecer os policiais. Em audiência, aduziu que estava na companhia de alguns amigos, dentre eles, a vítima, e foram abordados pelos milicianos. Nós fomos revistados pelos policiais e, em seguida, liberados. O único que não foi liberado foi a vítima. Eu vi os policiais colocando o Rodrigo dentro da viatura, mas não sei para onde


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ele foi levado (...) tentamos correr da polícia antes da abordagem (...) ele usava tênis, calça jeans, uma camisa de botão e um boné (sic). Os demais amigos do ofendido, que o acompanhavam na ocasião dos fatos (André Luis Silva de Oliveira, Elton Cardoso dos Santos, José Cleiton Alves da Silva e Edson Cardoso dos Santos), foram ouvidos somente na Corregedoria da Polícia Militar, consoante se infere dos autos de inquérito policial militar (documentos de fls. 22/234). André relatou que retornava de um festejo com os amigos Elton, Edson, José Cleiton e o ofendido e avistou dois rapazes que moravam naquela localidade, os quais arrastavam fios elétricos que estavam na pista, provavelmente furtados. Eles pediram que os ajudassem a transportar os cabos e, quando começaram a puxá-los, notaram a aproximação de uma viatura da polícia militar, razão pela qual resolveram correr. Elton e a vítima correram para o interior de uma chácara, a fim de saírem em outra rua que fica do outro lado da propriedade. Eles se adiantaram. Então, escondeu-se embaixo de uma sprinter e desse local pôde ver um dos policiais atirar por seis vezes contra seu amigo Elton que corria, porém não conseguiu acertar Elton que fugiu; que o declarante ficou por cerca de meia hora escondido, sendo que do local percebeu que apenas seu amigo Rodrigo não conseguiu fugir, o qual ficou seguro pelos policiais na traseira da viatura jipe, que estava com a porta traseira aberta; que após percebeu que os policiais saíram do local, porém como ficou abaixado, não percebeu se Rodrigo foi colocado na viatura e se o mesmo foi levado no compartimento de presos; que após a viatura sair, verificou que Rodrigo não estava lá, nem mais foi visto (sic). Esclarece que não pôde ver a face dos policiais, tampouco as placas dos veículos porque estava escuro. Elton disse que ele e o grupo de amigos retornavam para casa quando resolveram pegar um cabo de fios que estava na rua (sic). Após notarem a aproximação da viatura, correram. André escondeu-se embaixo de um veículo, mas a vítima foi alcançada. Conseguiu fugir e escondeu-se em uma chácara, de onde notou que ali passou outra viatura, pois viu as luzes da sirene e quando o declarante saía da chácara, pode ver uma viatura tipo Blazer entrando na chácara (sic). Enquanto corria, um dos policiais foi ao seu encalço e efetuou seis disparos em sua direção. O ofendido foi colocado em uma viatura tipo jipe. José, a seu lado, aduziu que ele e os amigos, dentre os quais o ofendido, avistaram dois rapazes subtrair fios elétricos. Eles lhes pediram que os auxiliassem a transportar os fios, em troca de algum dinheiro. Então, quando começaram a puxar os cabos, notaram a aproximação de duas viaturas da PMESP, um jipe, com dois policiais, e uma Blazer. Diante disso, correu e entrou em uma chácara. Reinaldo e Edson correram para o quintal de um imóvel, nos fundos da chácara e a vítima, Elton e André também fugiram em direção a essa chácara. Nada visualizou do local onde se encontrava. Somente escutou cerca de seis disparos, Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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vindos desse imóvel, quando da chegada das viaturas e no momento em que Rodrigo, Elton e André separaram-se e correram para o local (sic). No dia seguinte, soube que a vítima havia desparecido. Por fim, Edson disse que, ao avistarem a viatura da polícia militar, ele e os amigos correram. José Cleiton, Reinaldo e ele pularam o muro de uma casa abandonada e ficaram escondidos. Daquele local, nada mais conseguiu visualizar, mas ouviu o barulho de seis disparos vindos da parte da frente da chácara. Os demais amigos seus haviam corrido na direção da chácara. Escondido, percebeu que além daquele jipe, havia uma viatura tipo Blazer e outra tipo jipe, mas não conseguiu ver se o ofendido estava no interior de algum desses veículos. Já o policial militar Leonardo Rodrigues Craveiro, que, na ocasião, atuava como encarregado da guarnição da viatura M-31113, aduziu, à Corregedoria da Polícia Militar, que, por volta de 1h15, ouviu o COPOM distribuir ocorrência à equipe da viatura M-31114, composta pelo recorrente e por Jair, em razão de suposto furto de fios de telefonia (sic). Então, foram ao local mencionado, onde se deparou com a guarnição dos policiais Wagner, Ariovaldo e Romualdo, que estavam na viatura M-31170, bem assim a equipe da viatura M-31114, os quais já estavam patrulhando pelo local, quando se reuniram, após patrulhamento, nas imediações da portaria de uma chácara; que lá o declarante ficou sabendo através da guarnição da Vtr-M-31114, que havia um detido no interior da mesma viatura e que ele teria sido preso no local, suspeito de estar furtando fios; que o declarante avistou de relance, no interior do compartimento de preso daquela viatura, a existência do mencionado indivíduo; que nem foi ver a fisionomia do preso, pois não lhe interessou muito; que após isso, por volta das 01:30 hs, saíram todos do local e o declarante seguiu em patrulhamento, sendo que a guarnição do CGP e da Viatura M-31114, seguiram com o detido para a Av. Miguel Ackel sentido a Praça do Bairro dos Pimentas, em seu final; que os mesmos tomaram destino ignorado, sem nada dizerem ao declarante e para seu parceiro (sic). Nada mais soube do rapaz detido. Soube do desparecimento do ofendido, pois um senhor foi à Corregedoria e disse que seu filho havia desaparecido. Esclareceu o fato na íntegra, para ajudar nas investigações e pela simples razão de não ter nada a ver com o destino dado aquele rapaz; que o declarante ao chegar no início da ocorrência, disse que percebeu indivíduos correndo para o matagal, porém eles não foram encontrados; ... conhece os policiais militares envolvidos há pouco tempo e teme que algo possa lhe acontecer, quando descobrirem que narrou a verdade sobre os acontecimentos; que apesar de contar que primeiramente trabalhou com o Sd PM Bernardo, naquela data, em seu Relatório de serviço Motorizado, foi um engano de sua parte, pois trabalhou a noite inteira com o Sd PM Neri, sendo que no local de averiguação do furto de fios, o Sd Romualdo (auxiliar do Sgt.) permaneceu na vtr do declarante por cerca de meia hora, pois em dado momento que estavam


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desembarcados, a vtr do Sgt Wagner deslocou-se para outro ponto na tentativa de cercar os indivíduos que esconderam-se na mata (chácara). Esclarece que quando deixou a chácara, o Sd Romualdo já estava novamente na companhia do Sgt (sic). Esclareceu, ainda, após efetuarem o patrulhamento próximo de uma chácara existente no local, o declarante avistou três indivíduos adentrando em uma chácara, onde foi passado a novidade para as outras viaturas, sendo que o declarante permaneceu pelo local, juntamente com o Sd PM Romualdo, sendo que as outras viaturas prosseguiram na busca no interior da chácara e imediações; que posteriormente ficou sabendo que havia um indivíduo detido no interior da Vtr M-31114, o qual havia sido preso pelo local, suspeito de ser um dos autores do furto de fios (sic). Observou que em um campo havia fios telefônicos jogados. Notou de relance a pessoa detida no interior da viatura. E, aos 13.12.2001, ainda na Corregedoria da Polícia Militar, ratificou ter notado no interior da viatura M-31114 que havia uma pessoa que pela silhueta tratava-se de uma pessoa do sexo masculino com aparência jovem (sic). Conhecia a vítima, pois a deteve em data anterior, em uma favela, por suspeita de uso de entorpecentes (sic). O indivíduo preso na ocorrência de furto de fios que estava na viatura M-31114 tinha a mesma silhueta e semelhança de Rodrigo, porém não pode afirmar se era ele ou não (sic). E, aos 6.3.2003, ratificou à autoridade policial que, com certeza viu um vulto de uma pessoa que estaria detida no interior da viatura M-31114, percebendo que esta pessoa era do sexo masculino, porém não conseguiu visualizar sua fisionomia (sic). Notou os três indivíduos correndo e que realmente havia fios em um descampado, onde pelo rádio o declarante avisou as demais viaturas sobre os indivíduos (sic). Em audiência, confirmou ter notado três indivíduos correndo na direção de um matagal. Saíram para a busca e depois retornou ao local onde estavam localizadas as outras duas viaturas. Desembarcou do veículo e o sargento Wagner falou sem novidade a ocorrência, para a gente dar prosseguimento nas outras ocorrências, aí embarquei na viatura, no deslocamento passamos por esse descampado, teria realmente alguns metros de fio pelo chão (...) Cheguei a avistar alguém no interior da viatura dele, porém vi a silhueta, não sei informar que tipo de pessoa (sic). Quando chegou, esse rapaz já estava no interior do veículo. O coacusado Jair, que compunha a mesma guarnição do apelante, atuando como motorista da viatura M-31114, aduziu - na fase administrativa - terem percorrido toda extensão da via pública mencionada na denúncia, com o apoio da guarnição do policial Wagner e da viatura em que se encontrava o miliciano Craveiro, mas nada irregular constataram. Permaneceram realizando patrulhamento por cerca de uma hora e vinte minutos. Não efetuou disparos, tampouco o recorrente. Em momento algum desembarcaram da viatura ou Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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realizaram abordagens. Demoraram a retornar porque percorreram toda a extensão da via pública, por diversas vezes. Não se recorda de haver transmitido ao COPOM informação referente a indivíduos fugindo, malgrado lhe tenha sido apresentado o teor das degravações oriundas do veículo oficial que dirigia, as quais, do mesmo modo, aduziu não se recordar. Aos 9.3.2006, novamente ouvido, ainda na fase administrativa, acrescentou que na mesma noite em que ocorreram os fatos versados nestes autos, atenderam outra ocorrência, imediatamente após, a respeito de indivíduo agressivo. Conduziu referida pessoa na sua viatura, no compartimento traseiro para presos (sic) ao 4º Distrito Policial de Guarulhos. Pelo que sabe, no DP não foi elaborado Boletim de Ocorrência, sendo lavrado o BOPM, pelo interrogado e demais componentes (sic). No mesmo sentido foram seus relatos em audiência. Confirmou que sua guarnição recebeu apoio de outras duas guarnições, que compunham as viaturas M-31113 e M-31170. A ocorrência foi encerrada brevemente (sic). O policial militar Samuel Alencar Neri, motorista da viatura M-31113 (Land Rover), na qual estava o encarregado Craveiro, aduziu, na fase administrativa, que ao comparecerem ao local, nada irregular observaram, razão pela qual a ocorrência foi dada como nada constatado (sic). Ninguém foi abordado. A viatura M-31114 encerrou a ocorrência e, a seguir, o recorrente e Jair atenderam outro chamado. Durante o apoio, estacionaram a viatura e desembarcaram na Rua Utinga, onde permaneceram até que a guarnição da viatura M-31114 realizasse a verificação. Os policiais que estavam na viatura M-31170 também realizaram patrulhamento em apoio àquela guarnição. Não fez disparos, tampouco ouviu tiros. Durante as buscas, o auxiliar Romualdo, da equipe da viatura M-31170, permaneceu com a sua guarnição, pois o Sgt Vagner juntamente com o motorista Ariovaldo e a guarnição da viatura M-31114 se retiraram do local tendo demorado um tempo (sic). Aduziu, no entanto, que após sair do local da ocorrência, o policial Craveiro teria comentado: você viu? Parece que tem alguém dentro da viatura (sic), referindo-se à viatura M-31114. Não viu se havia mesmo alguém no carro oficial, pois não desembarcou do veículo e o modo como estacionou a viatura não permitia uma boa visão interna da outra viatura (sic). Em audiência, disse que a viatura acionada comunicou nada constatado (sic). Não viu ninguém dentro do jipe. Permaneceu com o policial Craveiro todo o tempo. Aduziu que, logo a seguir, a guarnição da viatura M-31114 foi acionada para atender ocorrência de um rapaz embriagado e também acompanhou essa outra diligência. Cruzou com uma dessas viaturas que conduzia esse rapaz (sic). Ouvido em outra oportunidade, em juízo, disse que ao chegar ao local onde teria ocorrido o furto de fios, já estavam o sargento Wagner e o apelante.


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Não havia ninguém detido. Depois disso, o COPOM acionou as guarnições para compareceram a outra ocorrência, a respeito de desinteligência e para lá foram as viaturas do recorrente e de Jair, bem assim as demais. Nessa diligência, uma pessoa foi detida e foram todos ao distrito policial. Durante suas férias, foi chamado para ser ouvido na Corregedoria da Polícia Militar. Dos policiais inicialmente acusados, somente Craveiro não foi preso. Fazia pouco tempo que estava no 31º BPM. Formou-se em 2000. Era menos de um ano. Logo depois, o Cb Craveiro foi transferido para o interior do Estado, não sabe se a pedido. Para se requerer transferência, na época, havia a necessidade de permanência por pelo menos dois anos no local. Não é assim com relação com transferência compulsória (...) Indagado a razão pela qual ele e o cabo tinham sido incluídos na investigação, respondeu que não sabe, mas acredita que assim sendo, a corregedoria acreditava que ele pudesse dizer algo para que fosse transferido para onde quisesse. Disseram-lhe que se ele dissesse algo, ele conseguiria a transferência que quisesse. O depoente respondeu que nada tinha visto (...) Na Corregedoria foi coagido a falar algo que eles queriam ouvir. Não cedeu à coação. Queriam ouvir do depoente que naquela noite, eles tinham pegado o menor e sumido com ele. Houve um processo administrativo com relação ao fato e foi arquivado com relação a todos (sic). Em plenário, aduziu ter comparecido ao local das buscas para dar apoio à guarnição do apelante, mas não se recorda se foi constatada alguma irregularidade (sic). A seguir, ao reverso do que sustentou em audiência, disse que foi atender a outra ocorrência, porque nós estávamos indo ao apoio e, logo em seguida, pagou outra ocorrência para a minha viatura. Eu me desloquei para atendimento de outra ocorrência (sic). Aduziu, ainda, não se recordar da mensagem enviada através do rádio de sua viatura, dando conta da fuga de três indivíduos, malgrado o teor das degravações referentes às comunicações do veículo que conduzia, nas quais informou: ... os três indivíduos deram pinote aqui, entraram nessa vielinha ... (...) Sei que é Urupurú, QSL!!!, ... naquela casa abandonada por aqui. (...) Positivo essa casinha branca abandonada, que a gente tava batendo um dia aqui, correram três para dentro aqui, QSL!!! (...) O 13 eu vou entrar pela Vila Iza, eu vou entrar pela Vila Isabel, aqui pelo outro lado. O CG, eu tô dando a volta aí viu!!! Positivo, tem ô, paralelo a nóis aqui também, tem o QRU do campinho, aí, QSL (...) Ademais, ao que se depreende das degravações, a guarnição da viatura M-31113 foi acionada antes do término da diligência para atender a outra ocorrência, verbis: COPOM: A viatura 113 é o Copom ... COPOM: O 13 o Sr já tá QRU nihil??? M-31113: To no patrulhamento, QSL, em apoio a 14. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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COPOM: QSL 13, então vamos prosseguir pelo PA Alvorada, QSL, PA Alvorada, é a vítima de agressão aí, QSL, PAPA 05 é o meia dúzia, às duas horas e vinte minutos. (...) M-31113: Positivo vou verificar ..... Já o policial militar Wagner Garcia pertencia à guarnição da viatura M-31170 e comandava as viaturas M-31113 e M-31114. Declarou, na fase administrativa, que a guarnição em que se encontrava o recorrente foi acionada para atender ocorrência de furto de fios, então determinou que o motorista se deslocasse ao local informado para prestar apoio àquela equipe. Realizado o patrulhamento, nada irregular foi constatado. Não entrou na chácara próxima à via pública apontada na denúncia. Em dado momento, o soldado Bernardo, da viatura M-31114, gritou na rede Pinote, pinote, informando com isso que indivíduos estavam se evadindo da guarnição (sic). Então, solicitou informações aos integrantes daquela guarnição, mas não obteve resposta, acreditando o declarante que neste momento eles já haviam desembarcado da viatura e estavam no encalço dos indivíduos que eles informavam estarem se evadindo (sic). Do lado externo da chácara, depararam-se com a viatura M-31114 e com o apelante e o corréu Jair, os quais informaram ao declarante que alguns indivíduos tinham saído correndo evadindo-se deles pelas ruas do bairro, não tendo dito que alguém havia se evadido para o interior da chácara, pois próximo havia um acesso para esta; Que foi efetuado um patrulhamento pelas imediações não sendo localizado nenhum indivíduo e diante disso deixou o local, sendo certo que a viatura M-31114 permaneceu no local em patrulhamento (sic). Confirmou que a equipe da viatura M-31113 esteve dando apoio durante a verificação da ocorrência em questão. De início, chegaram ao local sua guarnição e a da viatura M-31114 e, em seguida, chegou a da viatura M-31113. Durante o tempo em que permaneceu no local, não ouviu disparos. Não presenciou nenhuma prisão nem tomou conhecimento se isso ocorreu. Permaneceu dando apoio por cerca de 1h. Confirmou conhecer Elias Isac dos Santos, pois quando mataram seu filho conhecido pelo apelido de “Papelão”, foi o declarante quem prestou o socorro e houve um contratempo, pois o Sr Elias alegou que o declarante demorou para prestar o socorro, tendo alegado ainda que poderia ter sido a polícia quem teria matado seu filho (sic). Em audiência, tornou a afirmar que nada foi constatado. Tive contato com os responsáveis das demais viaturas e também nada foi constatado (sic). Em plenário, aduziu, do mesmo modo, que nada havia sido constatado quanto à ocorrência de furto de fios. Ninguém foi detido, somente na ocorrência posterior. Confirmou ter socorrido, em outra oportunidade, o irmão da vítima, levando-o ao Pronto Socorro de Alvorada, e não houve demora no


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encaminhamento ao hospital. Já havia abordado o ofendido em outra ocasião. Ele estava com cheiro na mão (sic). Como eu conhecia o pai dele, eu perguntei se havia saído um velório no dia anterior daquele local e ele falou “não, não, não”; eu perguntei o nome da mãe e eu confirmei o nome do pai dele, e ele falou “Elias”, e eu falei “poxa vida, ontem o seu pai me falou um monte de coisa”, e foi onde eu coloquei ele na minha viatura e levei até a casa dele e entreguei ele nas mãos do senhor Elias (sic). Asseverou que ninguém desembarcou das viaturas nesse dia, bem assim que não existiram (sic) os três indivíduos que foram vistos fugindo. Todavia, consta do auto de degravação as seguintes comunicações, que foram enviadas ao COPOM pelo rádio da viatura M-31170, a que ele estava vinculado: Copom dá um “X” pra nóis aí, eu vou ... entrar na ruazinha última lá, o 114, eu avistei dois indivíduos; (...) M-31170: QSL, tô entrando na chácara!!!! 113, é, volta para o QTH que você tava, pelo rumo que eles correram aqui, vai sair lá de novo; (...) Eles, eles cruzaram esse mato, aí, saíram aqui na, na Vila Isabel, conforme viu a viatura, eles volto a correr para onde você tava; (...)....certo o 14 dá uma coladinha aqui (...) QAP, “motorista”; (...) Positivo, inclusive o CG e o motorista da 14 tão a pé, pelo mato aí, QSL (sic). Além do mais, consta o seguinte registro de tentativa de comunicação com referida viatura, sem sucesso, evidenciando que a equipe estava afastada do veículo: (...) Copom: CG-1 Copom!!! Obs.: CG-1 não responde ao Copom. Ainda, a despeito de negarem terem detido uma pessoa durante referida diligência, consta do auto de degravação que durante as buscas realizadas, por certo período, a tecla do rádio utilizada para comunicação com o COPOM da viatura pertencente à guarnição do policial Wagner, talvez por descuido ou defeito, permaneceu acionada, propiciando fossem as conversas entre os milicianos captadas pelo sistema, notadamente um trecho chama a atenção, pois traduz convicção no sentido de que, de fato, localizaram uma pessoa e a conduziram até a viatura, senão vejamos. Copom: É QSL em, às duas horas e quarenta e dois. Obs: CG-1, provavelmente ficou com a tecla do mike acionada e vários foram os acionamentos dos mikes das viaturas para atrapalharem a comunicação. (??) O mike está acionado CG!!!! (??) O mike está acionado CG!!!! M-31170: ..... Pode trazer, pode trazer!!!! Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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(??) ..... “comunicação incompreensível”. Copom: A CG-1!!! M-31170: QAP. Copom: É sargento, QSL em, a tecla do senhor tá ficando acionada aí, QSL. O policial José Carlos Romualdo, auxiliar da viatura M-31170, tendo como encarregado o miliciano Wagner e motorista policial Ariovaldo, aduziu, na fase administrativa, que ao chegar ao sítio indicado na denúncia, os integrantes da viatura M-31114 informaram que nada haviam constatado, razão pela qual sua equipe, então, se deslocou para atender outra ocorrência. Ninguém foi detido. Desembarcou do veículo, pois o sargento Wagner foi conversar com os policiais das demais viaturas. Não houve disparos de arma de fogo. Em nenhum momento o sargento Wagner e o miliciano Ariovaldo se ausentaram de sua presença. Ressaltou, no entanto, que todos os policiais notaram os fios, que supostamente estavam sendo furtados, jogados em um descampado que é praticamente anexo ao campo de futebol (sic), sem olvidar que em outra oportunidade em que foi ouvido na Corregedoria da Polícia Militar, aduziu não ter ouvido as comunicações transmitidas pelo rádio da viatura de sua equipe, pois estava na guarnição da viatura M-31113 (sic). Em audiência, disse que durante as buscas nada foi constatado. Feita a diligência no local que durou cerca de uns vinte minutos e nada tendo sido constatado, de imediato foi informado via rádio a ausência do delito de furto (sic). O miliciano Ariovaldo Cristóvão Antonio Freitas, motorista da viatura M-31170, relatou, na fase inicial, que realizaram patrulhamento pelo local indicado na denúncia por cerca de meia hora, até que a equipe da viatura M-31114 informou que nada irregular havia sido constatado. Em nenhum momento pararam a viatura. Somente a guarnição da sua viatura e a da M-31114 participaram da diligência. Viu a viatura M-31113, mas não sabe se a equipe respectiva também realizava buscas. Em momento algum desembarcou do veículo. Ninguém foi detido e não houve disparos de arma de fogo. Indagado a respeito das comunicações ao COPOM oriundas da viatura em que se encontrava, aduziu não tê-las ouvido ou não se recordar das conversas entabuladas. E, no mesmo sentido foram seus relatos em audiência. Já as testemunhas Luiz Henrique de Paula Diniz, Zeno Morrone, Flávio José Gonçalves, Luiz Antônio Custódio, Renato de Macedo Pereira, João Batista da Costa, Ademilton dos Santos e Reinaldo Jacinto Maglioro, funcionários da funerária de Itaquaquecetuba, foram ouvidos em razão da suspeita de Elias, pai do ofendido, pois após procurar nos distritos policiais próximos à região em que morava, localizou o Boletim de Ocorrência nº 8486/01 da Delegacia


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de Polícia da Comarca de Itaquaquecetuba (documentos de fls. 161/197), que tratava do encontro de cadáver de pessoa desconhecida, em avançado estado de decomposição, em data próxima àquela em que o ofendido havia desaparecido. Então, foi ao local onde o corpo foi localizado, recolheu alguns restos de ossos que foram deixados pelos peritos e, então, notou um pé de par de tênis que lhe suscitou atenção e que, depois, como se viu, foi reconhecido pelo amigo da vítima - Marcos -, porquanto ele lhe teria emprestado na noite do episódio um sapato com características semelhantes. Depois, localizou no IML de Mogi das Cruzes as fotografias (fls. 433/434) que o perito havia tirado do cadáver e o reconheceu como sendo o corpo do ofendido. Diante disso, Elias levou os ossos ao distrito policial de Itaquaquecetuba e solicitou a realização de exame de DNA (fl. 195), que, todavia, resultou negativo (fls. 523/529). No entanto, não ficou satisfeito, porquanto suspeitou que o cadáver teria sido trocado, tendo em vista que também soube que o corpo fora localizado aos 7.12.2001, mas somente fora registrado na funerária em 14.12.2001 (documento de fls. 439/440), razão pela qual requereu a realização de exame de DNA com relação ao material colhido de todos os cadáveres que não possuíam identificação e que teriam sido entregues naquela funerária na mesma data. Então, foi instaurado inquérito policial que tramitou na Delegacia Seccional de Polícia de Guarulhos, no qual se colheram declarações dos funcionários da funerária, bem como foram realizados a exumação de tais cadáveres e os exames de DNA dos materiais recolhidos, os quais, todavia, também não foram capazes de elucidar as dúvidas, em razão do resultado inconclusivo, diante da baixa concentração de DNA nelas contido ou pela presença de interferentes inibidores da reação de PCR, não expurgados pelo sistema de purificação empregado (fls. 571/579, sic), sem desconsiderar que tais perícias foram concretizadas cerca de dois anos após os fatos. E o funcionário Luiz Henrique aduziu à autoridade policial que o cadáver não permaneceu nas dependências da funerária do dia 7 ao dia 14.12.2001. Em audiência, disse que, à época, exercia a função de diretor do Serviço Funerário de Itaquaquecetuba, mas não se recorda da vítima e do caso específico (sic). Atestemunha Zeno esclareceu, no distrito policial, que o corpo permaneceu de 7 a 14.12.2001 na funerária em razão do estado de putrefação (sic). Em audiência, disse que encontrou aquele cadáver em estado de putrefação, apresentando duas perfurações por projéteis de arma de fogo. O funcionário Flávio, em audiência, disse que ao assumir seu plantão, encontrou um corpo em avançado estado de putrefação e que não constava dos registros. Então o lançou no livro de registros. Somente observou que, ao Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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chegar ao IML, o corpo já se encontrava no local, acompanhado de guia de requisição de exame necroscópico. No plantão anterior, sete dias antes, este corpo não estava no IML. O procedimento de preparação de um corpo que foi o mesmo destinado ao de que se trata nestes autos é o de retirar o corpo da maca ou do caixão e colocá-lo na mesa de necropsia. O corpo é submetido a uma lavagem se necessário mas sempre na presença do médico legista. O procedimento é o mesmo para corpos com estado de putrefação mais avançado, salvo particularidades como esqueletização e perda de fixação das articulações (sic). Luiz Antônio aduziu à autoridade policial ter recebido o cadáver, mas não o registrou naquele dia. O corpo fica mergulhado na água oxigenada de cinco a seis dias, por isso só foi liberado aos 14.12.2001. Descarta a hipótese de ter ocorrido alguma troca, porque havia poucos cadáveres na ocasião. Em audiência, aduziu que nada se recordava. Não se recorda de eventual registro tardio, pois, via de regra, o registro é imediato (sic). O funcionário Renato, em audiência, aduziu que é improvável que se aguarde seis dias para realização de necrópsia, mas não pode afastar a hipótese em virtude da possibilidade do cadáver chegar sem identificação e o posterior encaminhamento das impressões datiloscópicas ao IIRGD na tentativa de identificar o corpo (sic). Pelo que se recorda vagamente a respeito das indagações na época, o pai da vítima a teria reconhecido pelas vestes, porém no exame de DNA, constatou-se que não se tratava da mesma pessoa (sic). A testemunha João declarou, no distrito policial, que na funerária não permanecia nenhum corpo. Assim que o resgata, encaminha-o à delegacia para requisição de necropsia. Os funcionários Ademilton e Reinaldo, por sua vez, relataram à autoridade policial que o cadáver permanece sozinho na funerária, se deixado em horário noturno. O procedimento, nesse período, se resume em buscar as chaves, deixar o corpo no local, fechar a sala e deixar as chaves com a requisição do exame. Já o policial Givanildo Silva de Oliveira aduziu que estava em serviço no dia 7.12.2001. Foi ao local onde encontraram o corpo em avançada decomposição. O crânio estava separado do restante. Não havia evidências do crime. Havia um saco plástico preto. Suspeitou que se tratava do local de desova e não de execução (sic). A testemunha Edson Aimar Caioni, funcionário da Corregedoria, aduziu, na fase administrativa, que trabalhou com afinco nesse caso (sic), em razão da suspeita de que a vítima teria sido executada por policiais. Alguns policiais ficaram presos durante o prosseguimento das investigações. As testemunhas arroladas pela defesa, Gustavo José Galdino, Marlene


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Luiz Galdino e Cristiane Luiz Galdino não presenciaram os fatos, apenas confirmaram ter solicitado auxílio da polícia militar em razão de indivíduo que estava embriagado. Gustavo disse que sua filha Cristiane chamou a polícia e quatro policiais foram ao local, podendo apontar com certeza José Carlos, Wagner e o apelante. Levaram seu outro filho (Ismael Luiz Galdino) ao distrito policial para dar uns conselhos (sic). Na viatura, além dos policiais, só estavam seu filho e sua filha. Falaram que a pessoa desapareceu no mesmo dia e horário da prisão de seu filho (sic). Alguns policiais foram à sua casa, indagá-lo se aqueles policiais foram a sua moradia naquele dia, mas estavam à paisana. No mesmo sentido foram os relatos de Marlene Luiz Galdino, mãe de Ismael. Naquela ocasião, só havia uma viatura policial que foi onde seu filho entrou (sic). Já Cristiane aduziu que chegaram umas quatro viaturas e acha que havia uns doze policiais. Recorda-se da fisionomia de todos os réus aqui presentes como sendo policiais que estavam no local. (...) a depoente foi na viatura com Ismael e os acusados Jair e José Carlos. Não havia mais ninguém naquela viatura. Não havia nenhum preso ou pessoa detida nas outras viaturas. No dia seguinte, o pessoal da Corregedoria foi a casa da depoente com várias fotos (um livro) perguntado se ela conhecia aquelas pessoas. A depoente apontou os cinco acusados. Não lhe disseram para que fim era aquela investigação (sic). Seu irmão foi conduzido no chiqueiro e ficou no distrito policial por cerca de três horas. Acha que era o 4º distrito policial. Somente a viatura em que estava a depoente e os acusados Jair e José Carlos compareceu ao distrito policial. O pessoal da corregedoria se identificou e usava farda quando foram à sua casa. Uma segunda viatura que estava na sua moradia também seguiu o veículo em que estava. Jair e José Carlos ainda estavam no distrito quando saiu, às seis horas da manhã. Por fim, as testemunhas Wagner Leite da Silva, Américo Alfonso Polichetti e Ana Lúcia Batista nada esclareceram a respeito dos fatos, pois não os presenciaram. Somente se limitaram a ressaltar os predicados do apelante. Nesse contexto, em que pese o empenho da combativa defesa, não há como negar que o júri optou por uma das versões reproduzidas nos autos, pois ao deliberar pela condenação do apelante, reconheceu a existência de prova da materialidade, da autoria delitiva que lhe foi atribuída, inclusive no que concerne ao delito conexo, do animus necandi, e das qualificadoras (motivo torpe e emprego de recurso que dificultou a defesa do ofendido), afastando, em consequência, as teses defensivas relativas às versões de inexistência de materialidade e de negativa de autoria, não se cogitando, assim, de decisão manifestamente contrária à prova dos autos nem de nulidade decorrente dessa Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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escolha soberana, máxime por não ser arbitrária ou sem apoio em elemento de convicção algum. Além do mais, ao dar mais crédito aos elementos de convicção produzidos pela acusação, é cediço, o júri simplesmente exerceu a sua soberania constitucional, pois essas provas não contêm mácula e estavam aptas a embasar a convicção do Conselho de Sentença, mormente se consideradas as declarações das testemunhas Elias, pai da vítima, que acompanhou a investigação e auxiliou na busca pelo corpo do filho, ainda que, supostamente, sem sucesso, consoante resultado de exame de DNA, malgrado ele tenha reconhecido o cadáver por fotografia e o amigo Marcos, o tênis, que teria emprestado ao ofendido circunstância que, no entanto, não foi suficiente para afastar a materialidade, em razão da presença dos demais elementos de convicção que demonstraram que a vítima foi morta, pois as testemunhas Maria Aguiar e os amigos Reinaldo e André viram o ofendido ser colocado na viatura pertencente à guarnição do apelante e de Jair (M-31114) e, desde então, não foi mais localizado, sem olvidar os relatos do policial Leonardo, que notou uma silhueta dentro de referido veículo, e as degravações referentes às conversas entabuladas entre os componentes das viaturas que participaram da diligência e o COPOM, nas quais se constata que os milicianos teriam notado não somente os cabos elétricos espalhados pelo chão de um campo, como também três indivíduos fugindo daquele sítio, os quais foram perseguidos e, por fim, o ofendido foi alcançado e levado à viatura (consoante se depreende da mensagem Pode trazer, pode trazer, captada pelo COPOM, em razão de uma tecla do rádio de comunicação ter permanecido acionada), conquanto tenham os policiais, exceto Leonardo, sempre negado tais fatos e apresentado declarações evasivas ao serem confrontados com o teor dessas mesmas degravações, sem desconsiderar que a circunstância de Leonardo ter cedido a supostas chantagens, ao ser ouvido na Corregedoria da Polícia Militar, em nada beneficia o recorrente, pois não teria mentido e prejudicado os demais policiais somente para alcançar uma transferência de posto de trabalho, mesmo porque as esclarecedoras degravações estão em consonância com seus relatos. Mais: as declarações das testemunhas Gustavo, Marlene e Cristiane, como se viu, não afastaram o apelante do palco criminoso, porquanto somente relataram que acionaram a polícia em razão do estado de embriaguez do familiar e que os coacusados compareceram a sua casa e, depois, conduziram o indivíduo à delegacia e naquele local permaneceram, circunstâncias que não impediriam o cometimento do delito em tela, porquanto a ocorrência do furto de fios foi atendida momentos antes desta, tal como se depreende do acervo coligido durante a persecutio criminis. Assim, emerge inviável o pedido de anulação do julgamento, porque não evidenciado, na hipótese, o error in judicando. É que, de acordo com o disposto no artigo 593, III, d, do Código de


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Processo Penal, as decisões soberanas do Tribunal do Júri somente podem ser anuladas, via apelação, quando manifestamente contrárias à prova dos autos. E, no que se refere ao advérbio manifestamente, constante do dispositivo legal acima mencionado, interpretado à luz do princípio da soberania dos veredictos, é pacífico o entendimento de que somente são anuláveis os julgamentos do Tribunal Popular quando a decisão do Conselho de Sentença é arbitrária, dissociando-se totalmente da prova colhida nos autos. A propósito, merecem transcrição os apontamentos de ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO e ANTONIO SCARANCE FERNANDES: É constante a afirmação de que a decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela inteiramente destituída de qualquer apoio no processo, completamente divorciada dos elementos probatórios, que não encontra, enfim, amparo em nenhuma versão resultante da prova (STF, RT 667/361, RTJ 100/615, 117/1.273, 118/273; TJSP: RT 642/287, 669/299, RJTJSP 71/343, 99/445, 100/464, 102/465) (Recursos no Processo Penal, RT, 4ª edição, p. 124). Assim, incensurável o edito condenatório, não exigindo reparo, inclusive, no que tange à dosimetria da pena do crime de homicídio qualificado, porquanto a básica foi corretamente majorada de 1/6, dadas a suas circunstâncias, porquanto o corpo da vítima jamais foi localizado, da reprovabilidade da conduta do recorrente, pois, consoante bem ponderou o e. magistrado, além de se colocar acima da lei, confiante na certeza da impunidade, agiu de forma consciente e deliberada, tendo pleno conhecimento da ilicitude de seu ato e discernimento suficiente para agir de forma diversa (sic), da sua personalidade, dissimulada, covarde e irresponsável (sic) e das consequências do delito, sobretudo o sofrimento atroz impingido aos familiares do ofendido, cujo pai nunca esmoreceu mesmo diante da agonia e calvário que enfrentou à busca do cadáver do filho, incomensuráveis mesmo, bem assim em razão da presença de duas qualificadoras. E, no que tange ao crime conexo (ocultação de cadáver), as básicas também foram majoradas de 1/6, diante do dolo intenso, pois o fato de o ofendido ter sido abandonado em local ignorado vai muito além do desrespeito aos mortos, inerente ao tipo penal infringido (sic). E, como efeito da condenação, nos termos do artigo 92, I, b, do Código Penal, correta, outrossim, a perda do cargo público que o recorrente ocupava ao tempo do crime em tela (policial militar), dada a independência entre as esferas penal, civil e administrativa. Correto o regime imposto para o início da expiação (fechado), não somente diante do quantum da reprimenda, mas, sobretudo por ser o único adequado para a prevenção e reprovação de crimes desta natureza. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Em arremate, embora não se desconheça o teor da Lei nº 12.736/2012, que acrescentou o § 2º ao artigo 387, do Código de Processo Penal, estabelecendo que o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade, infere-se inviável, de igual sorte, a alteração do regime prisional, na hipótese, com esteio no lapso que perdurou a prisão cautelar, porque não se tem notícia a respeito da real situação carcerária do recorrente, durante esse período, nem se não registra outras condenações ou prisões processuais ou quanto ao seu comportamento e conduta no cárcere, a revelar não existirem elementos seguros para a correta análise, nesta seara e de pronto, quanto a eventual direito à detração penal, emergindo mais adequado que o juízo da execução se manifeste por primeiro, à míngua de informações concretas e, sobretudo, em estrita obediência ao princípio constitucional do duplo grau de jurisdição. Por tais motivos, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso.

ACÓRDÃO

Ementa: Apelação - Roubo biqualificado cumulado com extorsão mediante sequestro - Preliminar de nulidade do feito por falta de intimação de defensor e da sentença por ausência de manifestação sobre de tese de defesa - Inocorrência - No mérito, pedido de Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 003812137.2009.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que são apelantes AGUINALDO DE ALMEIDA GOMES, ROGERIO RODRIGUES DA SILVA, EMERSON CARDOSO, MARINA SCHIAVINATTO, MARCOS ANTONIO PETRALIA, CLAUDINEI GOMES DA SILVA e MARIA ANGELICA PINHEIRO, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento aos apelos mantendo-se a sentença tal como lançada. Comunique-se. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 15.902) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEDRO MENIN (Presidente sem voto), BORGES PEREIRA E NEWTON NEVES. São Paulo, 15 de outubro de 2013. ALBERTO MARIZ DE OLIVEIRA, Relator


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absolvição - Insuficiência de provas - Impossibilidade - Autoria e materialidade comprovadas - Redução da pena imposta, reconhecimento da continuidade delitiva e alteração de regime - Descabimento Recursos improvidos. VOTO Ao relatório da sentença de fls. 1204/1265 acrescenta-se que o M.M. Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Campinas julgou parcialmente procedente ação penal movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, absolvendo da prática do crime de formação de quadrilha e condenando como incursos nos artigos 157, § 2º, inciso I e II, e 159, §1º, ambos na forma do artigo 69, todos do Código Penal: a) Aguinaldo de Almeida Gomes e Rogério Rodrigues da Silva à pena total de 14 anos e 08 meses de reclusão, no regime fechado, mais pagamento de 24 dias-multa no mínimo legal; b) Claudinei Gomes da Silva à pena total de 17 anos, 01 mês e 10 dias de reclusão, no regime fechado, mais pagamento de 26 dias-multa no mínimo legal; e, c) Marina Schiavinatto, Emerson Cardoso, Marcos Antonio Petralha e Maria Angélica Pinheiro à pena total de 13 anos e 04 meses de reclusão, no regime fechado, mais pagamento de 23 dias-multa no mínimo legal. Inconformados, insurgem-se os réus (fls. 1273/1293, 1312/1315, 1319/1324, 1335/1343, 1355/1363, 1379, 1404/1426, 1429/1437). Marina alega, em preliminar, a nulidade da sentença por falta de apreciação de tese defensiva. No mérito, ela, Aguinaldo e Rogério sustentam a insuficiência de provas. Alternativamente, pedem a absorção do crime de roubo pelo de extorsão ou, ainda, o reconhecimento da continuidade delitiva. Marcos, por sua vez, também pugna pela absolvição alegando a precariedade da prova. Subsidiariamente, argumenta pela diminuição da pena com pedido genérico de afastamento das agravantes. Maria Angélica levanta novamente a negativa de autoria e argumenta, ainda, a insuficiência de provas. Emerson busca a absolvição sustentando que agiu sob coação e, subsidiariamente, pede o reconhecimento do roubo como crime meio. Finalmente, Claudinei objetiva a decretação de nulidade em razão de não ter sido conduzido à audiência realizada por precatória na Comarca de Jundiaí, alegando, ainda, não ter sido intimada a defesa da realização do ato. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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No mérito, lança argumentos para sustentar a insuficiência de provas, fundados, principalmente, na ausência de reconhecimento. Subsidiariamente, pediu a desclassificação do crime de extorsão para o de estelionato ou “qualquer outro”. Por fim, pede o reconhecimento do crime único. Contra-razões às fls. 1438/1447. A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento dos apelos (fls. 1452/1463). É o relatório. Extrai-se dos autos que os réus foram processados, pois teriam, em 17 de junho de 2009, agindo em concurso entre si e, ainda, com grave ameaça exercida mediante o emprego de arma de fogo, subtraído a caminhonete Ford F-250, bem como um aparelho de telefonia celular ambos pertencentes à vítima Valdir Barbi. Na mesma oportunidade, teriam também os réus sequestrado Valdir com o fim de obter a título de resgate a quantia de R$ 1.500.000,00. Os crimes teriam sido praticados mediante prévia associação para esse fim em quadrilha ou bando. De acordo com a exordial, o denunciado Emerson, ex-funcionário de Valdir e conhecedor de informações privilegiadas no tocante à rotina diária da vítima, bem como ao faturamento de sua empresa e ao modo de armazenamento de valores, em conjunto com Aguinaldo, arquitetou um plano para sequestrar e extorquir a vítima. Aguinaldo, então, contatou Rogério, que contatou Claudinei que, por sua vez, chamou Marcos Antônio para a empreitada. Posteriormente, Aguinaldo acertou, ainda, com Marina a utilização de seu imóvel como cativeiro. Assim, narra a denúncia, que no dia dos fatos, os denunciados devidamente associados, inclusive com outra parceira, Maria Angélica, seguiram a vítima desde seu domicílio na cidade de Jundiaí até seu estabelecimento comercial na cidade de Campinas. Quando a vítima ali se encontrava, com o veículo já estacionado, foi abordada por Claudinei e Rogério. Sob a mira de um revólver, o ofendido foi levado até a cidade de Itatiba, onde foi transferido para um Tempra de propriedade do denunciado Marcos, que, inclusive, era quem o dirigia. A partir daí, Rogério tomou rumo ignorado levando a caminhonete e o celular da vítima, ao passo que Marcos e Claudinei seguiram com Valdir para Valinhos. No meio do caminho, a vítima foi transferida para um outro veículo, um Fiat/Uno branco, agora conduzido por Aguinaldo. A vítima foi finalmente levada para a casa de Marina, local que serviria de cativeiro.


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Valdir foi, então, obrigado a contatar seus familiares e repassar a exigência de resgate no valor de R$ 1.500.000,00. Ante a informação da família e da vítima de que tal valor não poderia ser arrecadado, Valdir passou a negociar com os sequestradores que aceitaram receber R$ 200.00,00 por sua libertação, mais a quantia mensal de R$ 3.000,00, a título de “segurança” dele, Valdir, e de sua família. Satisfeitos com o acordo, os sequestradores libertaram a vítima na cidade de Jundiaí, entregando-lhe um chip de celular que deveria ser utilizado para contatos posteriores acerca da entrega dos valores. A partir desse momento, policiais do DEAS, que já haviam sido acionados pela família, tomaram a frente das negociações e acertaram local e horário para o pagamento da primeira parte do acordo. A coleta ficou a cargo de Maria Angélica, namorada de Claudinei, que compareceu ao local, sem, contudo, lograr apoderar-se de qualquer valor. Nestes termos, foram descritas as condutas de cada um dos acusados. O inconformismo trazido nos recursos não merece prosperar, mantendose a r. sentença de primeiro grau, por seus próprios e jurídicos fundamentos. Isso porque, no caso em exame, verifica-se que o M.M. Juízo a quo analisou detidamente os elementos constantes dos autos e corretamente concluiu pela responsabilidade criminal dos réus. Com efeito, nos termos do artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça, é desnecessário o enfrentamento de questões já debatidas e que estão em consonância com o entendimento desta Relatoria. Observa-se que a utilização dos fundamentos da sentença de primeiro grau é providência que vem sendo adotada por este E. Tribunal (Apelações Criminais nº 990.10.198301-0, nº 990.09.355096-2, nº 993.06.073165-3 e nº 990.09.049140-0) e, sistematicamente, reconhecida como válida também pelos Tribunais Superiores (Habeas Corpus nº 98282/RS; Agravo Regimental no Agravo nº 1067436/SC; Habeas Corpus nº 92169/RS). Isto posto, tem-se que as preliminares devem ser afastadas. Marina alega que não houve por parte do Magistrado a quo apreciação da tese de participação de menor importância. Todavia, às fls. 1244, verifica-se que o N. julgador fez menção expressa ao ponto levantado pela acusada anotando que “todas as teses defensivas restaram afastadas no bojo da presente sentença (...) não havendo que se falar em participação de menor importância (...)”. Na sequência, o Magistrado enumera todos os pontos que tocam as elementares dos tipos e as circunstâncias de cometimento dos delitos que restaram provadas nos autos e explica que “não há, dessa forma, necessidade Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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de se aprofundar em qualquer ponto defensivo, uma vez que restaram todos afastados de forma fundamentada”. Nesse quadro, não há que se falar em não apreciação. Com efeito, o que salta aos olhos em uma leitura até mesmo superficial da sentença é que, ao longo de 62 laudas, o magistrado analisou em detalhes cada um dos elementos e argumentos trazidos aos autos. Houve assim minucioso trabalho do magistrado na avaliação do conteúdo processual e, ainda que não tivesse ele feito menção expressa a alguma tese levantada pela defesa, tal não importaria nulidade simplesmente, porque ofende o bom senso e a boa prática processual, ignorar o que foi efetivamente dito pelo magistrado, para invalidar-se o julgado pelo que não foi dito. Em outras palavras, como bem anotou a Procuradoria transcrevendo jurisprudência pátria “O fato de deixar o Magistrado de rejeitar uma a uma, as teses apresentadas pela defesa, não basta para eivar de nulidade o decisório. O que se exige para a validade da sentença é que sua fundamentação seja apresentada, realçada e esteja de acordo com a conclusão final. E tais elementos estão perfeitamente contidos nos autos” (TACRIM-SP - AP - Rel. Camargo Aranha - JUTACRIM 32/282) (fls. 1455). No que toca a preliminar arguida por Claudinei, o recurso também não comporta provimento. Aliás, o ponto já havia sido levantado em primeiro grau e ali devidamente afastado. A defesa alega que deveria ter sido intimada da realização de audiência de oitiva da vítima, bem como que o réu deveria ter sido levado a juízo para reconhecimento. Todavia, das fls. 575, 635, 725, 772 e 694/696, extrai-se que o réu foi declarado revel por estar foragido e não ter sido localizado quando da realização dos atos. Não obstante, foi ao longo da instrução representado por defensor constituído que, embora ciente da realização de ato deprecado não compareceu ao mesmo. Eventual prejuízo foi evitado nomeando-se representante público (fls. 780). Assim, vê-se que, em verdade, além de não ter havido na prática prejuízo, a parte se insurge contra seu não comparecimento voluntário, o que em outras palavras é o mesmo que ato por nulidade a que deu causa. Nesse quadro fica afastada a alegação. No mérito, melhor sorte não assiste aos acusados. Ouvido em sede policial, Aguinaldo confessou integralmente os delitos


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(fls. 74 e 152). Já, em juízo, alterou sua fala. Admitiu em parte a prática do roubo dizendo que não participou dos atos executórios, mas que venderia os bens subtraídos (fls. 900). Rogério procedeu do mesmo modo. No curso das investigações delatou Aguinaldo, Claudinei e Marcos (fls. 119, 162, 325), para em juízo retratar-se e admitir somente a prática do roubo (fls. 899). Emerson, por sua vez, descreveu a dinâmica dos delitos tanto em sede policial quanto em juízo, tendo, porém, alegado que a ideia do crime partiu dos demais e que participou das ações, porque havia sido ameaçado (fls. 171, 326, 898). Marcos manteve-se calado no inquérito. Em juízo, disse que somente emprestou o Tempra para Claudinei e que não teve nenhuma participação nos fatos (fls. 238, 327 e 897). Maria Angélica negou qualquer participação nos crimes e disse que somente atendeu ao pedido de Aguinaldo e Claudinei para que fosse buscar “um dinheiro” em uma lixeira, sem, contudo, saber do que se tratava (fls. 1170). Finalmente, Marina, que no curso da investigação negou ter cedido a casa para que servisse de cativeiro (fls. 180/181), em juízo tornou-se revel, de modo que não ofereceu, assim, formalmente sua versão (fls. 903). Conforme mencionado linhas atrás, o caso era mesmo de condenação. O que se extrai dos autos é que, após a libertação de Valdir, a continuidade da ação policial, que demandou complexa investigação inclusive com quebra autorizada de sigilo telefônico, levou à perfeita identificação de cada um dos envolvidos, bem como suas prisões na posse de parte dos pertences da vítima, assim como dos celulares e veículos utilizados na ação. Com efeito, dos depoimentos prestados pelos policiais Adinei (fls. 757), Edson (fls. 752), Brisola (737) e Klaus (fls. 748), bem como dos relatórios de fls. 32/36 e 257/265 verifica-se que foi através do cruzamento das ligações telefônicas feitas pelos réus para a vítima no intuito de negociar a forma de pagamento de sua “liberdade protegida” (fls. 614/627 e 645/684) que os policiais lograram identificar cada um dos agentes envolvidos na ação. Foi também no curso das oitivas policiais que alguns dos réus ofereceram versões detalhadas sobre o planejamento e execução dos crimes, o que possibilitou a elucidação da exata participação de cada um nas empreitadas. Os policiais acrescentaram, inclusive, que alguns dos réus forneceram informações, mas se recursaram a assinar o termo, o que foi respeitado pela autoridade responsável pelas oitivas. Foi ainda nessa fase, que os próprios réus indicaram o local do cativeiro Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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que foi mais tarde devidamente reconhecido pela vítima. Todo o histórico narrado pelos agentes encontra respaldo nas falas da vítima acostadas às fls. 20, 194/197, 248, 320, 720 e 281. Assim, Valdir reconheceu Rogério, Claudinei, Marcos e Aguinaldo, confirmou a descrição dos veículos utilizados na ação e forneceu informações sobre o cativeiro e as pessoas que ali estavam fazendo sua guarda. A esposa de Valdir, por sua vez, contou sobre o apoio prestado pelos policiais ao longo das investigações (fls. 25, 723, 784), sendo que três testemunhas relataram a dinâmica do roubo praticado (fls. 06 e 726, 08 e 730, e 13 e 767). As testemunhas de defesa, por outro lado, não lograram desconstituir a prova produzida pela acusação (fls. 823, 827 e 1200, 829, 831, 834, 835, 836, 838 e 891). Vale acrescentar, que a sentença fez detalhada análise sobre as falas de cada um dos acusados, sobre os detalhes que envolveram as investigações, aqui, salientando a propriedade das linhas telefônicas e os horários das ligações e, principalmente, sobre as evidências de envolvimento de cada um dos acusados tanto no roubo, como no sequestro. Nesse quadro, conforme anotado linhas atrás, o caso era mesmo de condenação. Além disso, andou bem o primeiro grau tanto ao reconhecer a responsabilidade de todos os réus pelos crimes de roubo e sequestro como ao absolver os acusados pelo delito de quadrilha ou bando. Com efeito, às fls. 1227/1229 o magistrado sintetiza a participação de cada um dos acusados na ação. Verificou-se ali que houve sofisticada orquestração do roubo e do sequestro, detalhada divisão de tarefas e, embora não tenham todos os agentes participado de todos os atos executórios, houve evidente adesão de todos eles em relação às condutas dos demais. Isso porque, a intenção do grupo como um todo era auferir a maior vantagem patrimonial ou monetária possível da vítima e para tanto se valeram os acusados tanto do roubo quanto do sequestro. Nesse quadro, não há que se falar em reconhecimento do roubo como crime meio. No contexto dos autos, resta claro que embora a intenção final fosse o apoderamento patrimonial de bens e valores pertencentes à vítima, os agentes agiram com desígnios autônomos no cometimento de um e outro delito, escolhendo livre a conscientemente a prática de cada uma das condutas delitivas. Nesse ponto, vale anotar que o crime de roubo já estava consumado


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quando os agentes deram início à prática dos atos executórios do sequestro, sendo que tanto em um como em outro restaram plenamente demonstrados tanto o concurso de agentes quanto o emprego de arma. Do mesmo modo, não há que se falar em participação de menor importância. Conforme salientado há pouco, a ação foi detalhadamente orquestrada e seria justamente a divisão de tarefas com participações distintas e pontuais que, na visão dos agentes, garantiria o sucesso da empreitada. Assim sendo, impossível considerar que a atuação de um ou outro fosse irrelevante ou secundária. Por fim, tem-se que a alegação de Emerson no sentido de que teria agido, porque foi coagido pelos demais não encontrou amparo em nenhum elemento de prova. Afastadas as nulidades, a alegação de insuficiência de provas, a absorção do crime de roubo, a desclassificação de qualquer um dos delitos e o pedido genérico do réu Marcos para que fossem afastadas as agravantes, bem como a participação de menor importância e a alegação de coação, tem-se que as penas também não merecem reparo, porque dosadas ponderadamente de acordo com as convicções do juízo de Primeiro Grau. Em relação ao delito de extorsão mediante sequestro, na fixação da base o juízo a quo considerou os contornos concretos da ação fixou somente em relação a Aguinaldo, Emerson e Claudinei a pena em 1/6 acima do mínimo legal. Na sequência, Emerson foi beneficiado com o reconhecimento da confissão espontânea e Claudinei suportou novo aumento no mesmo patamar em virtude da reincidência. Em relação ao crime de roubo, todos os agentes tiveram a pena fixada no mínimo legal e, muito embora tenha sido observada a ocorrência de duas qualificadoras, o aumento imposto foi o mínimo possível na ordem de 1/3. Reconhecido o concurso material, as penas foram somadas. Assim, tem-se que a dosimetria foi bem elaborada e, por isso, não comporta alteração. Por fim, no tocante ao regime, também não há o que alterar. Seja por conta do montante de pena imposto, seja porque os delitos em questão foram praticados com audácia, elevado número de agentes e complexidade de ação, tudo está a indicar a necessidade de resposta penal mais rígida. Assim, regime outro que não o fechado, não surtiria os efeitos necessários. Pelo exposto, nega-se provimento aos apelos mantendo-se a sentença tal como lançada. Comunique-se. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 000374209.2010.8.26.0123, da Comarca de Capão Bonito, em que é apelante SAMUEL PEDROZO MACIEL, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO ao recurso, para absolver Samuel Pedroso Maciel, com base no artigo 386, I, do Código de Processo Penal. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 6906) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MOREIRA DA SILVA (Presidente sem voto), CAMILO LÉLLIS E MARCO ANTÔNIO COGAN. São Paulo, 17 de outubro de 2013. LAURO MENS DE MELLO, Relator Ementa: ROUBO - materialidade - inexistência - vítima que relata a entrega voluntária da res a título de empréstimo - recusa do réu em devolver a res, ameaçando a vítima para que esta não tente reavê-la - presente os crimes de estelionato e constrangimento ilegal – inexistência das elementares de ambos os crimes nos fatos descritos na denúncia impossibilidade de mutatio libelli em Segundo Grau - inteligência da Súmula 453 do STF - apelo provido para absolvição do réu.

1

Folhas 85.

2

1ª Vara Judicial da Comarca de Capão Bonito.

3

Fato ocorrido em 12/08/2010. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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VOTO Ao relatório da r. sentença1, proferida pelo Dr. Diogo Corrêa de Morais Aguiar2, que ora se adota, acrescenta-se que o apelante foi condenado como incurso no artigo 157, caput, do Código Penal3, à pena de 04 anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 10 dias-multa.


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O réu apelou4 alegando ser cabível a sua absolvição, com fundamento na prova da inexistência do fato ou na exclusão da culpabilidade por ser viciado em “crack”. Subsidiariamente, requer a desclassificação para o crime de furto simples ou a redução da pena aplicada em seu máximo. Apresentadas contrarrazões5. A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou6 pelo não provimento ao recurso. É o relatório. O réu Samuel Pedroso Maciel7 informou que já havia sido processado por furto duas vezes, mas não sabe se foi condenado, nem mesmo se os processos já chegaram ao fim. Era pedreiro antes de ser preso e estudou até o primeiro colegial. Tem 18 anos de idade e já ficou internado na “Febem”. Sobre os fatos, o réu afirmou que, na ocasião, chamou a atenção da vítima perguntando-lhe as horas, pedindo, em seguida, o telefone celular da mesma para fazer uma ligação. Quando o ofendido pediu o celular de volta, ele se recusou a entregá-lo. Ato contínuo, disse que estava com uma faca, mas que não fez ameaças expressas de esfaquear a vítima. Saiu correndo com o celular e, logo depois, foi preso pela polícia. Antes, havia dispensado o aparelho em um matagal. Samuel finalizou dizendo ser usuário de “crack” e estar sob o efeito da droga no momento do roubo. A vítima Marcelo Aparecido de Proença, ao depor em juízo8, relatou que, na data dos fatos, caminhava pela Rua Floriano Peixoto quando, em dado momento, o réu o abordou perguntando que horas eram, por mais de uma vez. No início, desconfiou da postura do apelante, mas, quando este lhe dissera que ele, Marcelo, era irmão de Luana, o ofendido parou para conversar com o réu. Em seguida, pediu emprestado o telefone celular da vítima dizendo que precisava ligar para sua namorada. Ao perceber, no entanto, que o apelante conversava com outra pessoa, Marcelo segurou o celular que estava nas mãos do réu e pediu para que ele lhe devolvesse o aparelho porque precisava ir embora. O acusado, então, puxou o celular com mais força e, na sequência, fez um gesto por debaixo da blusa ordenando que a vítima o soltasse, pois, do contrário, lhe desferiria uma facada. Marcelo soltou o celular e o réu fugiu com o objeto. Logo depois, a vítima encontrou a polícia e o acusado foi localizado, tendo apontado onde havia escondido o aparelho, que acabou recuperado. Por fim, Marcelo disse que não conhecia o acusado antes. 4

Folhas 107.

5

Folhas 120.

6

Folhas 132.

7

Folhas 65.

8

Folhas 62. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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La logica delle prove in materia criminale - 1895 - v. 2 - p. 59/60.

10 Citado por EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, in: Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 6ª. Ed. - Rio de Janeiro: Editora Rio - 1980 - v. 3 - p. 78. 11

Livro 22, tít. V, l. 10.

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Trattato di diritto processuale penale italiano secondo il nuovo Codice - 1932 - v. III - p. 201. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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À palavra da vítima deve ser dada a devida credibilidade como meio de prova, tendo em vista inexistir nos autos qualquer indício de que o ofendido tenha intenção de prejudicar o réu, pois sequer se conheciam anteriormente ao crime. Como, nos termos supra, ficou descrita conduta que se adequa ao injusto penal, apontando quem o praticou, necessária análise do valor de tal declaração. Neste sentido, existe a possibilidade de a vítima, por ser objeto material do crime, ser levada pela paixão, ódio, ressentimento e emoção, procurando narrar os fatos como lhe pareçam convenientes. Aliás, mesmo sem a nítida intenção de prejudicar quem quer que seja, pode, em face da intensa comoção decorrente do crime, desvirtuar os fatos, ainda que acredite que os narra com fidelidade. Embora tal hipótese mostre-se possível, não se pode simplesmente descartar declaração de vítima. Toda prova tem valor relativo e deve ser sopesada, visto o princípio da persuasão racional do Juiz. Portanto, não se pode excluir tão somente pela condição de vítima, sendo indispensável à análise das circunstâncias objetivas do fato para averiguar-se sua validade. Afirma FRAMARINO DE MALATESTA9 que “para a avaliação completa do testemunho não basta considerar aquelas condições pessoais que, mesmo fazendo abstração do depoimento concreto, fazem pensar que a testemunha se engana, ou queira enganar; isto basta, unicamente, do ponto de vista da avaliação subjetiva. Mas, o testemunho, para ser bem avaliado, deve também ser considerado na sua forma e no seu conteúdo... A quem recebe o depoimento, este se apresenta, pois, com formas exteriores mais ou menos variáveis. Ora, como essas formas externas, segundo a sua natureza diversa, aumentam ou diminuem o valor probatório do testemunho, segue-se que cumpre considera-las também, para bem avalia-lo; quer dizer, cumpre considerar as exterioridades nas quais, ou com as quais se desenvolve o testemunho”10. Por tais motivos, a declaração de vítima só deve ser vista com reservas quando verificar-se a existência de incongruências. Desta forma, não há que falar-se na validade da regra romana, inserida no Digesto11, no sentido de que “nullus idoneus testis in re sua intelligitur”. Tanto assim que MANZINI12 afirma que “o ofendido, seja ou não denunciante, querelante ou parte civil, tem plena capacidade testemunhal, e


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torna-se, efetivamente, testemunha, para todas as consequências de direito”. No caso dos autos, não se vislumbra incongruências, tanto que a declaração de vítima mostra-se segura e sem vislumbres de sofrer qualquer desvirtuamento em face da comoção do crime ou eventual interesse em prejudicar a pessoa acusada. Nestes termos, possível o decreto condenatório lastreado tão somente em declaração de vítima, posicionando-se neste sentido SOUZA NUCCI13, ao afirmar: “sustentamos poder a palavra isolada da vítima dar margem à condenação do réu, desde que resistente e firme, além de harmônica com as demais circunstâncias colhidas ao longo da instrução”. No mesmo sentido, EDUARDO ESPÍNOLA FILHO14, ao dizer: “quando não há interesse, costuma-se dar muito apreço à imputação da vítima, apontando o autor do crime, que a feria”. Em crimes praticados de forma clandestina, a palavra da vítima mostrase altamente relevante, uma vez que na maioria dos casos é a única prova de autoria. TOURINHO FILHO15 diz que “é relevantíssima a palavra da vítima do crime. Assim, naqueles delitos clandestinos ‘qui clam comittit solent’ - que se cometem longe dos olhares de testemunhas - a palavra da vítima é de valor extraordinário”. Também EDUARDO ESPÍNOLA FILHO16 defende o valor de depoimento da vítima nestes casos, relatando que “existem muitos crimes cuja prova se torna impossível, sem se dar um valor preponderante às informações da própria vítima”. Por fim, destaca-se que alegação de intenção de vítima prejudicar inocente deve ser afastada de plano, visto que ela, mais do que ninguém, tem o interesse em acusar apenas o culpado, posto que, agindo em sentido contrário, levaria à impunidade daquele que a prejudicou. Como diz EDUARDO ESPÍNOLA FILHO17, “seria inconcebível a falsa acusação de um inocente, com o efeito mediato de firmar a impunidade do agente culpado”.

13

Código de Processo Penal Comentado - 11ª ed. - São Paulo: RT - 2012 - p. 465.

14 p. - 59.

Código de Processo Penal Anotado - ed. Histórica - Rio de Janeiro: Editora Rio - 1980 - v. III

15

Processo Penal - 3ª ed. - Bauru: Editora Jalovi Ltda. - 1977 - v. III - p. 183.

16 p. 55.

Código de Processo Penal Anotado - ed. Histórica - Rio de Janeiro: Editora Rio - 1980 - v. III -

17 p. 59.

Código de Processo Penal Anotado - ed. Histórica - Rio de Janeiro: Editora Rio - 1980 - v. III Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Lógica das provas em matéria criminal - vol. 02 - Saraiva - 1960 - p. 123/124. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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Neste sentido, esclarece FRAMARINO DE MALATESTA18 que “a animosidade pelo ofensor não pode ser considerada como motivo de suspeita contra o ofendido, quanto à designação do delinquente. O ofendido, nessa sua qualidade, não pode ter animosidade senão contra o verdadeiro ofensor; e por isso dizer ao ofendido: - não acreditamos na tua palavra indicativa do delinquente, porque tu, como ofendido tens ódio contra ele - é uma verdadeira e flagrante contradição; é reconhecer a verdade da indicação, querendo tolherlhe a fé. Quando, pois, a aversão contra o ofensor derivasse de causa estranha ao crime, então a razão de suspeita não estaria mais na qualidade de ofendido, mas na de inimigo, qualidade esta que, como vimos, expondo os critérios gerais em seu lugar, deprecia qualquer testemunho, mesmo de terceiro, e não tem que ver com os motivos de suspeita particularmente inerentes à qualidade de ofendido, dos quais nos ocupamos aqui”. Ajurisprudência do Superior Tribunal de Justiça confirma tal entendimento: “HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. NULIDADE NO ATO DE RECONHECIMENTO DO ACUSADO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. FRAGILIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. DECISÃO QUE ENCONTRA APOIO EM OUTROS ELEMENTOS COLHIDOS SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO. DECISÃO FUNDAMENTADA. DEPOIMENTO DAS VÍTIMAS. CRIME COMETIDO NA CLANDESTINIDADE. MEIO DE PROVA IDÔNEO. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICOPROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO WRIT. 1. A alegada fragilidade do conjunto probatório, a ensejar a pretendida absolvição, é questão que demanda aprofundada análise de provas, o que é vedado na via estreita do remédio constitucional, que possui rito célere e desprovido de dilação probatória. 2. De acordo com o entendimento desta Corte Superior, a suposta inobservância das formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal não enseja nulidade do ato de reconhecimento do paciente em sede policial se o édito condenatório está fundamentado em idôneo conjunto fático probatório, produzido sob o crivo do contraditório, que asseste a autoria do ilícito ao paciente. 3. No processo penal brasileiro vigora o princípio do livre convencimento, em que o julgador, desde que de forma fundamentada, pode decidir pela condenação, não cabendo, na angusta via do writ, o exame aprofundado de prova no intuito de reanalisar as razões e motivos pelos quais as instâncias anteriores formaram convicção pela prolação de decisão


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repressiva em desfavor do paciente. 4. Embora existam críticas acerca do valor das declarações prestadas pelo ofendido da ação criminosa, é certo que tal elemento de prova é admitido para embasar o édito condenatório, mormente em casos nos quais a conduta delituosa é praticada na clandestinidade, desde que sopesada a credibilidade do depoimento, conforme se verifica ter ocorrido na hipótese”19. Desta forma, plenamente válida declaração de vítima. O policial militar Carlos Francisco Ferreira de Almeida, ao depor em 20 juízo , afirmou que, na data dos fatos, ele e um companheiro estavam em patrulhamento próximo à Praça Rui Barbosa quando populares informaram que havia um indivíduo correndo pela Rua Silva Jardim e um outro sujeito atrás, e que o último possivelmente tenha sido roubado pelo primeiro. Na sequência, a vítima apareceu contando que o réu havia pedido seu telefone celular emprestado, mas que não quis devolvê-lo quando solicitado, dizendo que estava com uma faca e que iria cortá-lo. Logo depois, localizaram o réu na Rua Campos Sales e o revistaram, não encontrando a faca, nem o celular. O policial relatou também que o acusado confessou a subtração e o local onde tinha escondido o aparelho. De posse da informação, localizaram o objeto em um matagal perto da igreja. O réu disse aos policiais que tinha pedido o celular emprestado num primeiro momento, simulando, depois, estar armado com uma faca e falando que não devolveria o aparelho à vítima. O declarante conhecia o réu antes dos fatos, pois o mesmo já havia se envolvido em outro furto de telefone celular na área central. Inicialmente destaca-se que, nos termos do artigo 202 do Código de Processo Penal, toda pessoa pode servir de testemunha, sendo que o disposto no artigo 206 (primeira parte) do mesmo Diploma Legal prevê que a testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor, excluindo-se as hipóteses legais. Logo, fica claro que todos têm a obrigação de colaborar com a Justiça, funcionando como testemunha, excetuando-se as hipóteses previstas no artigo 206 (segunda parte) e artigo 207, ambos do Código de Processo Penal. Neste sentido não há porque excluir-se, ab ovo, o depoimento prestado por policial. Aliás, como servidor público que é, tem na prática dos atos funcionais a presunção de veracidade, nos termos do artigo 37 da Constituição Federal, como assinala HELY LOPES MEIRELLES21. Desta forma os policiais, como funcionários públicos, gozam de maior presunção de credibilidade que as testemunhas comuns, conforme ressalta 19

STJ - HC 162913/SP - rel. Min. Jorge Mussi - j. 05/04/2011.

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Direito Administrativo Brasileiro - Ed. Malheiros - 1995. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Da Lógica das Provas em Matéria Criminal - Campinas: Bookseller - 1986 - p. 396.

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La logica delle prove in materia criminale - 1895 - v. 2 - p. 59/60.

24 Citado por EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, in: Código de Processo Penal Brasileiro Anotado 6ª. Ed. - Rio de Janeiro - Editora Rio - 1980 - v. 3 p. - 78. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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FRAMARINO DE MALATESTA22 ao afirmar que “não é só por estas considerações que (...) tem um maior valor quando prestada por funcionário público competente que quando por uma testemunha ordinária, mas também pela maior fé que inspira subjetivamente aquele funcionário público como testemunha de segundo grau. Supõe-se que desempenhando um dever de ofício, um funcionário público quererá sempre prestar mais atenção que um particular, munido somente do estímulo da curiosidade; portanto, menor facilidade de engano na testemunha oficial. Sabe-se que, além do senso moral que ordena a verdade de todos, existe no espírito da testemunha oficial o sentimento de um dever particular e uma particular responsabilidade, que se opõem à mentira; por isso menor facilidade de vontade de enganar no funcionário público”. Ademais, toda prova tem valor relativo e deve ser sopesada, visto o princípio da persuasão racional do Juiz, inclusive a testemunhal. Portanto, não se pode excluir o depoimento de policial tão somente por tal condição, sendo indispensável a análise das circunstâncias objetivas do fato para averiguar-se sua validade. Afirma FRAMARINO DE MALATESTA23 que “para a avaliação completa do testemunho não basta considerar aquelas condições pessoais que, mesmo fazendo abstração do depoimento concreto, fazem pensar que a testemunha se engana, ou queira enganar; isto basta, unicamente, do ponto de vista da avaliação subjetiva. Mas, o testemunho, para ser bem avaliado, deve também ser considerado na sua forma e no seu conteúdo... A quem recebe o depoimento, este se apresenta, pois, com formas exteriores mais ou menos variáveis. Ora, como essas formas externas, segundo a sua natureza diversa, aumentam ou diminuem o valor probatório do testemunho, segue-se que cumpre considera-las também, para bem avalia-lo; quer dizer, cumpre considerar as exterioridades nas quais, ou com as quais se desenvolve o testemunho”24. Por tais motivos o depoimento policial só deve ser visto com reservas quando verificar-se a existência de interesse, como por exemplo, para justificar eventual abuso de sua parte. No caso dos autos não se vislumbra tal hipótese, tanto que as testemunhas que fazem parte dos quadros da polícia não foram contraditadas, sendo a prova produzida sob o crivo do contraditório. Mesmo porque, ainda que ocorrendo a contradita mediante alegação da defesa de abuso por parte do policial envolvido, caberia àquele que alega o prova do fato, nos termos do artigo 156 do Código de Processo Penal.


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Mais uma vez nada existe no sentido de afastar a validade do depoimento policial. Concluindo-se, plenamente válido o depoimento policial para embasar decreto condenatório quando não demonstrado nos autos sua parcialidade. Neste diapasão o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. “Esta Corte tem entendimento pacífico no sentido de que o depoimento de policiais constitui meio de prova idôneo a dar azo à condenação, principalmente quando corroborada em juízo”25. “Ainda que a condenação tivesse sido amparada apenas no depoimento de policiais - o que não ocorreu na espécie -, de qualquer forma não seria caso de anulação da sentença, porquanto esses não se encontram legalmente impedidos de depor sobre atos de ofício nos processos de cuja fase investigatória tenha participado, no exercício das funções. Em sendo assim, tais depoimentos revestem-se de inquestionável eficácia probatória, principalmente quando prestados em juízo, sob a garantia do contraditório”26. No mesmo sentido a posicionamento do Supremo Tribunal Federal. “HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSUFICIÊNCIA DAS PROVAS DE ACUSAÇÃO. DEPOIMENTOS PRESTADOS EM JUÍZO POR AUTORIDADES POLICIAIS. VALIDADE. REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. É da jurisprudência desta Suprema Corte a absoluta validade, enquanto instrumento de prova, do depoimento em juízo (assegurado o contraditório, portanto) de autoridade policial que presidiu o inquérito policial ou que presenciou o momento do flagrante. Isto porque a simples condição de ser o depoente autoridade policial não se traduz na sua automática suspeição ou na absoluta imprestabilidade de suas informações”27. Logo, como visto, o policial confirma a versão dada pelo réu e pela vítima, no sentido de que o primeiro pediu para o segundo o empréstimo do celular e posteriormente recusou-se a devolvê-lo, chegando a ameaçar a vítima. Como visto não ficou caracterizada a materialidade do roubo, quer próprio, quer impróprio. Não utilizou-se o réu de violência ou grave ameaça para subtrair o bem, nem tampouco para garantir sua posse após subtração. O ato inicial foi o “empréstimo” do celular da vítima para o réu, fato narrado por ambos, circunstância que afasta a materialidade do roubo. 25

STJ - habeas corpus 177980/BA - rel. Min. Jorge Mussi - J. 28/06/2011.

26

STJ - HC 30776/RJ - rel. Min. Laurita Vaz - DJ 08.03.2004 - p. 304.

27

STF - HC 87.662/PE - rel. Min. Carlos Ayres Britto - J. 05/09/2006. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Também não há que falar-se em materialidade do furto, visto que não houve retirada do bem da vítima sem sua anuência. O bem foi entregue pela vítima, por “empréstimo” ao réu, circunstância que descaracteriza a subtração. Logo, estaria configurado o crime de estelionato pelo ardil de pedir o telefone emprestado, já prevendo a sua não devolução - conclusão que se retira do fato de dizer que iria usar o celular para falar com a namorada e não o fez, bem como ter exibido arma para que a vítima largasse o aparelho, quando esta tentou reavê-lo. Porém, além do estelionato, configurado outro crime. Conforme já explanado, a vítima Marcelo emprestou seu telefone celular para o réu e, ao perceber que este não estava ligando para sua namorada - motivo pelo qual havia pedido o objeto emprestado -, solicitou o aparelho de volta dizendo que precisava ir embora. Negando-se a devolvê-lo, o acusado puxou o celular com força e, em seguida, fez um gesto por debaixo da blusa ordenando que Marcelo o soltasse, pois, do contrário, lhe daria uma facada. Diante da grave ameaça exercida contra a vítima no intuito de manter a posse do aparelho de telefone celular que esta havia lhe emprestado, e que não quis lhe devolver quando solicitado, restou caracterizado o cometimento do crime de constrangimento ilegal. O auto de exibição e apreensão28 e a prova oral, em especial a vítima, que relata a grave ameaça contra ela exercida29, comprovam a materialidade delitiva. Quanto à autoria, ficou suficientemente demonstrada pelos depoimentos da vítima e do policial Carlos Francisco, bem como pelos documentos acostados aos autos. Neste sentido, resta frágil e isolada a versão do réu, que admitiu ter se negado a devolver o aparelho de telefone celular de Marcelo, porém sem tê-lo ameaçado. De igual modo, desacolhe-se o pedido absolutório fundamentado no argumento de ser o réu viciado em “crack” e de estar, no momento do crime, sob o efeito de drogas, sendo, portanto, possível o reconhecimento de circunstância que o isente de pena. Isso porque, conforme bem lembrado pelo órgão do Ministério Público em suas contrarrazões30, a não culpabilidade do réu em decorrência de dependência de entorpecentes reclamava exame próprio, o qual sequer chegou a ser solicitado pela sua defesa durante a instrução do processo. Logo, deveria o réu, pela prova produzida em juízo, ser condenado por estelionato e constrangimento ilegal. Porém, as elementares de ambos os crimes não se encontram presentes na denúncia.


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Inicialmente, deve-se destacar a necessidade de correlação entre a imputação dos fatos descritos na denúncia e aqueles reconhecidos na sentença. Isto porque faz parte do corolário da ampla defesa a certeza de não ser condenado por fato do qual não pode se defender. Neste sentido, Magalhães Noronha, afirmando que “compreende-se, destarte, que o juiz se ache de certo modo vinculado à denúncia, não podendo julgar o réu por fato de que não foi acusado (extra petita), ou de modalidade mais grave (in pejus), proferindo sentença que se afasta ou se alheia do requisitório da acusação”31. Em primeiro grau, existe a possibilidade de alteração dos fatos nos termos do artigo 384 do Código de Processo Penal. Assim, a condenação por fato não descrito na denúncia e não aditado importa em ilegalidade. Neste sentido, a doutrina ao afirmar que “a inobservância da prescrição do art. 384, caput, é causa de nulidade, antes de mais nada porque o princípio da correlação entre imputação e sentença representa uma das mais relevantes garantias do direito de defesa”32. É certo, no entanto, que a pessoa acusada defende-se dos fatos e não da capitulação dada na denúncia. Assim, afirma Tourinho Filho que “no processo penal vigora também o princípio do jura novit curia, isto é, o princípio da livre dicção do direito - o juiz conhece o direito, o juiz cuida do direito. Em outras palavras, vigora o princípio da consubstanciação narra mihi factum dabo tibi jus (narra-me o fato e te darei o direito)”. Porém, não estando o fato descrito implícita ou explicitamente na denúncia, mostra-se inviável ser utilizado para um decreto condenatório. Em segundo grau, entretanto, não existe a possibilidade de alteração dos fatos pelos quais a pessoa responde, nos termos da Súmula 160 do Supremo Tribunal Federal, que prevê ser “nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”. Deve-se considerar conjuntamente a Súmula 453, também no Supremo Tribunal Federal, no sentido de que “não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa”. Logo, verificando o Tribunal que o crime praticado não se encontra 31

Curso de Direito Processual Penal - 25ª ed. - São Paulo: Saraiva - 1997 - p. 287.

32 Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes, Antônio Magalhães Gomes Filho - As Nulidades no Processo Penal - 5ª ed. - Malheiros Editores Ltda, 1996, p.180,182. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 000037157.2010.8.26.0278, da Comarca de Itaquaquecetuba, em que é apelante CLOVIS ALVES DOS SANTOS, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

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STJ Resp 1195254/MT - rel Min. Gilson Dipp - Dje 17.08.2011. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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ACÓRDÃO

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corretamente descrito, não pode suprir tal omissão, impondo-se o desabe absolutório. “PENAL. RECURSO ESPECIAL. DENÚNCIA. DESCRIÇÃO DA CONDUTA DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. SENTENÇA QUE CONDENA O RÉU PELA PRÁTICA DE ESTUPRO. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO NARRADAS NA INICIAL. MUTATIO LIBELLI. NULIDADE ABSOLUTA. RECURSO DESPROVIDO. I. O fato imputado ao réu, na peça inicial acusatória, deve guardar perfeita correspondência com o fato reconhecido pelo Juiz, na sentença, sob pena de violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório. II. Impossibilidade do magistrado, ao promover a emendatio libelli, de modificar qualquer fato descrito na inicial acusatória. III. Hipótese em que a denúncia foi direcionada no sentido da ocorrência de atentado violento ao pudor, tendo sido incluída, na sentença condenatória, conduta não descrita na inicial acusatória, com a condenação do réu por tentativa de estupro. IV. A situação que representa hipótese típica de mutatio libelli, diante da nova definição jurídica dada ao fato, em consequência de circunstância da infração penal não contida na acusação, razão pela qual dependia da participação ativa do Ministério Público, com estrita observância às formalidades descritas no art. 384 do Código de Processo Penal, sob pena de nulidade absoluta. V. Acórdão recorrido que merece ser mantido por seus próprios fundamentos. VI. Recurso desprovido”33. Logo, como a denúncia não faz alusão a qualquer ardil, nem tampouco à prática de grave ameaça para que a vítima faça ou deixe de fazer algo, impõe-se a absolvição. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso, para absolver Samuel Pedroso Maciel, com base no artigo 386, I, do Código de Processo Penal.


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ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para o fim de reduzir a sanção imposta para três (03) anos de reclusão e pagamento de dez (10) dias-multa, no piso, mantida, no mais, a r. sentença ora hostilizada. V.U”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 4855) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MOREIRA DA SILVA (Presidente sem voto), CAMILO LÉLLIS E MARCO ANTÔNIO COGAN. São Paulo, 17 de outubro de 2013. IVO DE ALMEIDA, Relator

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Ementa: ESTATUTO DO DESARMAMENTO Porte de arma de fogo, com numeração suprimida Materialidade e autoria bem definidas - Condenação - Adequação - Pretensão defensiva voltada para absolvição em face da excludente de ilicitude (estado de necessidade) ou desclassificação para a figura do artigo 14, da lei de armas - Impossibilidade - Intuito do legislador em apenar de forma mais rigorosa a conduta de portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo que não possa ser identificada. Recurso provido, em parte, tão-somente para afastar a nota de reincidência, nos termos propostos pelo voto. VOTO Vistos. Pela r. sentença de fls. 135/140, cujo relatório fica adotado, CLOVIS ALVES DOS SANTOS viu-se condenado a cumprir três (03) anos e seis (06) meses de reclusão, em regime semiaberto, e a pagar 11 (onze) dias-multa, no valor unitário mínimo, por infração ao artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/03. Inconformado, parcialmente, busca o recorrente sua absolvição em face de uma excludente de ilicitude (estado de necessidade). Subsidiariamente, objetiva a desclassificação do delito imputado para aquele de que trata o artigo 14 da suso referida Lei Federal. (fls. 165/169). O recurso foi regularmente processado e contrariado (fls. 175/179), manifestando-se a douta Procuradoria Geral de Justiça pelo não provimento (fls. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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197/199). É o relatório. A acusação acolhida pela sentença é no sentido de que no dia 1º de janeiro de 2010, na cidade e Comarca de Itaquaquecetuba, o réu possuía e portava arma de fogo, com numeração suprimida, devidamente municiada, fazendo-o sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. O recurso manifestado não merece provimento. Com efeito. A prova haurida nos autos é robusta e contundente no tocante à responsabilização criminal do apelante, merecendo restar mantida a condenação exarada em primeiro grau jurisdicional. Ora, sob o crivo do contraditório ele confessou que portava a arma apreendida e como justificativa aduziu que a adquiriu em uma “feira do rolo” porque estaria sendo ameaçado. Todavia, tal justificativa não tem o condão de afastar a ilicitude da conduta praticada. Não se pode cogitar que alguém que esteja sofrendo um crime de ameaça prefira adquirir uma arma de fogo, ilegalmente, vale dizer, em uma “feira de rolo” buscando a prática de um ilícito ainda mais grave, ao invés de procurar o auxílio da polícia para registrar tal ocorrência. Demais disso, não trouxe aos autos qualquer comprovação do alegado para o fim de se emprestar um mínimo de credibilidade. Igualmente, não há se falar em desclassificação dessa conduta reprovável para aquela prevista no artigo 14 da Lei 10.826/03 por suposta ocorrência de erro de tipo. Nesse particular, alega o apelante que desconhecia o fato de a arma de fogo ser de “uso restrito das Forças Armadas”. Pois bem. O fato é que não é essa a acusação que recai sobre ele. Sua condenação pelo tipo descrito na denúncia é no sentido de que portava arma de fogo com identificação suprimida e tal condição do artefato adquirido era evidentemente de seu conhecimento. O delito insculpido no artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 10.826/03 refere-se a armas de fogo com classificação de uso permitido. Mas por se tratar de artefato com numeração obliterada (cf. laudo de fls. 77/78) tornase justificável uma apenação mais rigorosa em face da maior censurabilidade da conduta daquele que porta ou possui arma com numeração raspada, artefato comumente utilizado em crimes contra a vida ou de natureza patrimonial. Aliás, sobre esse tema assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Se a


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pessoa é surpreendida portando arma com numeração raspada, incide no crime do artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei 10.826/03, pouco importando seja a arma de uso permitido, restrito ou proibido” (AgRg no Recurso Especial nº 990.839/RS, Rel, Min. Jane Silva). Logo, escorreito o édito condenatório, de modo que a sua reforma é inatingível. Examina-se a dosimetria imposta. Da análise dos autos, verifica-se que a douta magistrada “a quo”, na primeira fase da dosimetria, considerando o réu portador de maus antecedentes, equivocadamente, compensou tal circunstância com a confissão espontânea. A seguir, por conta da reincidência considerada pela certidão de fls. 132, estabilizou a sanção penal, definitivamente, em três (03) anos e seis (06) meses de reclusão, em regime semiaberto, e a pagar 11 (onze) dias-multa. Pois bem. O réu não é portador de reincidência. O documento encartado às fls. 132 se refere a fato anterior, com trânsito em julgado também anterior ao fato ora em apuração, mas com período depurador há muito transcorrido. Logo, de rigor o afastamento desse aumento perpetrado, devendo as reprimendas tornar ao mínimo legal de três (03) anos de reclusão e pagamento de dez (10) dias-multa, estabilizada, nesse patamar, à míngua de outras causas modificadoras. Nesse particular, cumpre registrar que os maus antecedentes ostentados pelo réu foram neutralizados pela confissão (pese o fato de o serem realizados ao arrepio do artigo 68 do CP). Todavia, não se pode alterar tal ajuste da sentença, pois o recurso é exclusivo da defesa. No tocante ao substitutivo penal, escorreito “decisum”, porquanto, efetivamente, o réu não preenche os requisitos de que trata o artigo 44 do CP. Já a imposição do regime inicial semiaberto era mesmo imperativa, na hipótese e, nesse passo, não se vislumbra qualquer ofensa às disposições contidas nas Súmulas 718 e 719 do Excelso Pretório, porquanto a fixação da regência carcerária se deu de forma motivada. Ante o exposto, DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao recurso para o fim de reduzir a sanção imposta para três (03) anos de reclusão e pagamento de dez (10) dias-multa, no piso, mantida, no mais, a r. sentença ora hostilizada.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 000831260.2012.8.26.0481, da Comarca de Presidente Epitácio, em que são apelantes Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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DIEGO VIEIRA DOS SANTOS e GELSON DE JESUS SANTOS, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram parcial provimento aos apelos defensivos para reduzir a pena imposta aos apelantes, fixando-a em 05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão, regime inicial fechado, mais 416 dias-multa, no piso. V.U,”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 15567) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEDRO MENIN (Presidente) e ALBERTO MARIZ DE OLIVEIRA. São Paulo, 22 de outubro de 2013. OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO, Relator Ementa: Tráfico de drogas e Corrupção de menor. Configuração do tráfico. Materialidade e autoria demonstradas. Depoimentos de policiais militares e demais elementos de prova juntados aos autos. Condenação mantida. Corrupção bem comprovada. Tipo penal que tem por escopo impedir o estímulo do ingresso e da permanência do menor no universo criminoso. Condenação mantida. Necessidade de adequação da dosimetria da pena quanto ao crime de tráfico, aplicando-se na terceira fase a causa de diminuição inscrita art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 no mínimo legal em virtude da quantidade e espécie de droga encontrada. Recursos defensivos parcialmente providos para reduzir a pena aplicada aos apelantes, em 05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão, regime inicial fechado, mais 416 dias-multa, no piso.

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VOTO 1. DIEGO VIEIRA DOS SANTOS (RG nº 71.025.075-SSP/SP) e GELSON DE JESUS SANTOS (RG nº 71.033.200-SSP/SP) foram denunciados por infração ao artigo 33, caput e ao artigo 35 da Lei nº 11.343/06, bem como ao artigo 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente porque, no dia 19 de maio de 2012, por volta das 15 horas e 30 minutos, nas imediações da Rua Curitiba, nº 15-29, na cidade de Presidente Epitácio, traziam consigo vários invólucros e um tijolo de crack pesando 528,92 gramas, bem como um tablete de maconha com peso de 2,7 gramas. Regularmente processado o feito, pela r. sentença de fls. 232/239, que


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julgou parcialmente procedente a ação penal, os réus foram condenados como incursos nos artigos 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 e no artigo 244-B, caput da Lei nº 8.069/1990, em concurso material, às penas totais de 06 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e de pagamento de 500 dias- multa, no piso legal. Foi-lhes negado o direito de recorrer em liberdade. Os dois sentenciados foram absolvidos da prática do delito previsto no artigo 35 da Lei nº 11.343/2006, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal. Inconformado, recorreu GELSON, pugnando pela reforma do julgado (fls. 278/288). Pleiteia, inicialmente, a absolvição por falta de provas, pois a prova oral produzida não seria firme para sustentar a condenação. Quanto ao crime de corrupção de menores, afirma que a infração é material, e não tendo sido provado o ato corruptor praticado pelo apelante deve ser ele absolvido da prática da conduta. Por sua vez, apela DIEGO afirmando, preliminarmente, ser nula a sentença por ter sido negada pelo Juízo a conversão do julgamento em diligência para requerer junto à polícia local a gravação que dava a notícia do delito, por configurar cerceamento de defesa. No mérito, pleiteia a absolvição do crime de tráfico de drogas por ausência de provas suficientes para sustentar o édito condenatório. Além disso, afirma que o delito de corrupção de menores é material, e por não haver prova de ato corruptor praticado pelo apelante deve ser ele absolvido. Requer, ainda, diminuição da pena de multa, que reputa desproporcional (fls. 290/295). O parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça foi pelo desprovimento (fls. 307/318). Pelo despacho de fls. 320, determinou-se o encaminhamento do feito à Vara de origem para regularização, posto que os recursos defensivos não haviam sido contra-arrazoados pelo órgão ministerial oficiante. Foram apresentadas contrarrazões ministeriais a fls. 325/328. A douta Procuradoria-Geral de Justiça reiterou o parecer anteriormente exarado a fls. 334. É o relatório. 2. A preliminar de cerceamento de defesa invocada pela Defesa não merece prosperar. A pretensão, analisada e indeferida durante o processo, de converter o julgamento em diligência para requerer junto à polícia local a gravação que dava a notícia do delito não tinha mesmo cabimento, nenhum indício há nos autos que justifique a providência requerida. Isto porque a diligência requerida pela defesa foi considerada desnecessária pela douta Juíza a quo, que a indeferiu fundamentadamente: “Há provas suficientes nos autos e produzidas sob o crivo do contraditório para o Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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julgamento da demanda. Ademais, a eventual gravação do chamado feito ao COPOM não influenciaria no resultado do julgamento, porque não seria apta a comprovar a materialidade ou a autoria delitiva” (fls. 233). Neste sentido, a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “Segundo o princípio da persuasão racional, cabe ao magistrado verificar a necessidade da realização da diligência requerida e a sua efetiva conveniência, não configurando constrangimento ilegal o indeferimento de produção de provas que se apresentam meramente protelatórias ou desnecessárias para o deslinde da causa, como na hipótese dos autos” (STJ - HC nº 138431, Habeas Corpus 2009/01089758, Rel. Ministro Celso Limongi, 6ª Turma, julgado em 26.10.2010). Superada, portanto, a suposta nulidade apontada. 3. O recurso não merece provimento. Segundo consta, na data e local dos fatos, DIEGO e GELSON, juntamente com terceiros não identificados e com o adolescente M.V.F.S., traziam consigo e produziam, para o fim de entregar ao consumo de terceiros, vários invólucros e um “tijolo” da droga popularmente conhecida como crack pesando 528,92 gramas, bem como um tablete de maconha com peso de 2,7 gramas. Consta, ainda, que nas mesmas circunstâncias de tempo e local, DIEGO e GELSON corromperam ou facilitaram a corrupção de menor de 18 anos, com ele praticando tráfico de drogas. Conforme apurado, policiais militares foram informados de que cinco pessoas estariam embalando drogas na escada da Orla Fluvial, que dá acesso ao rio, e dirigiram-se até o local e de pronto avistaram três bicicletas próximas à escada. Momentos após, um dos militares desceu pela escada e visualizou cinco indivíduos manuseando entorpecentes, procedendo ao seu embale. Ato contínuo, ao dar voz de prisão aos indivíduos, quatro deles conseguiram empreender fuga, dentre eles o adolescente M.V.F.S. e o apelante GELSON, permanecendo no local apenas DIEGO, sendo apreendidos vários invólucros e um tijolo de crack, uma sacola de plástico com farelos da droga, bem como um tablete de maconha e dois celulares. A materialidade do crime tipificado no art. 33, caput, da Lei nº 11.343 está evidenciada no auto de prisão em flagrante (fls. 02 e ss.), no boletim de ocorrência (fls. 13/17), no auto de exibição e apreensão (fls. 18/24) e no exame toxicológico (fls. 81/84 e 85, 88 e 99). A autoria dos apelantes também é certa. Interrogado em Juízo, DIEGO afirmou que fora até o local dos fatos para procurar por amigos, mas não os encontrou. Também disse que o corréu GELSON não se encontrava lá e narrou que havia pessoas lidando com drogas


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no lugar, mas que ele não estava envolvido com a ação. GELSON, quando ouvido sob o crivo do contraditório, disse que não estava no local dos fatos no momento da apreensão do entorpecente, mas sim em sua casa, bem como que conhecia DIEGO apenas de vista. A versão defensiva, todavia, quando confrontada com os demais elementos de prova carreados aos autos. Ouvido em Juízo, o policial Waldyr Pereira de Araújo afirmou que recebeu denúncia anônima de que havia indivíduos embalando entorpecentes no local dos fatos, motivo pelo qual se dirigiu até lá com outros policiais. Narrou que, ao chegar, avistou pessoas em uma das escadas, oportunidade em que desceu pela escada ao lado e se deparou com os apelantes, reconhecidos por ele em audiência, e mais outros indivíduos, dentre eles o menor, embalando drogas. Asseverou que quando os réus o viram tentaram empreender fuga, subindo as escadas correndo, sendo que DIEGO tentou se esconder num matagal, mas acabou localizado e detido. Salientou que na escadaria em que estavam os acusados encontrou crack, estando uma parte já embalada. Ademais, encontrou no local um jogo eletrônico pertencente ao adolescente (que, em audiência reconheceu como sendo de sua propriedade) e dois celulares, sendo um deles de DIEGO. Complementarmente, o policial Cleber Barbosa dos Santos ressaltou que se recordava de DIEGO e que ele era aquele que tentara sem sucesso se esconder num matagal, quando da chegada da polícia, mas fora detido. Entretanto, não conseguiu visualizar os cinco indivíduos no local por não ter descido as escadas, mantendo-se num plano mais elevado para dar cobertura para seu parceiro e evitar fugas. Já o policial Victor Paulo Reole disse que se deslocou para o local dos fatos, a fim de dar apoio aos colegas, e viu indivíduos fugindo. Disse que auxiliou na condução para a Delegacia do réu DIEGO, que foi aquele quem tentou se esconder na vegetação existente no local, e na apreensão do adolescente M.V.F.S., que estava no local com os demais agentes. As declarações de policiais, como vem decidindo esta C. Câmara, merecem a mesma credibilidade que aquelas prestadas por outras testemunhas. Impossível presumir de pronto que os agentes investidos pelo Estado do dever de combater a criminalidade e zelar pela segurança pública buscariam prejudicar inocentes, trazendo entorpecentes ilegais e atribuindo sua posse a qualquer desconhecido. Ademais, ficou evidenciado que o adolescente M.V.F.S. estava na companhia dos agentes embalando drogas, razão porque a prova colacionada aos autos também dá subsistência à materialidade e à autoria, pelos apelantes, do crime tipificado no art. 244-B do ECA, mantendo-se a condenação. Trata-se de delito formal, pouco importando o fato de o adolescente ter sido apreendido Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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anteriormente por tráfico de drogas. Conforme sedimentado entendimento jurisprudencial, “o crime tipificado no art. 1º da Lei 2.252/54 é formal, ou seja, a sua caracterização independe de prova da efetiva e posterior corrupção do menor, sendo suficiente a comprovação da participação do inimputável em prática delituosa na companhia de maior de 18 anos” (STJ, HC nº 144.181/DF, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE 30.11.09). No mesmo sentido: “O fim a que se destina a tipificação do delito de corrupção de menores é impedir o estímulo tanto do ingresso como da permanência do menor no universo criminoso. O bem jurídico tutelado pela citada norma incriminadora não se restringe à inocência moral do menor, mas abrange a formação moral da criança e do adolescente, no que se refere à necessidade de abstenção da prática de infrações penais” (STJ, Resp. nº 1.160.429/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, DJE 29.03.10). Passo à dosimetria da pena, que comporta pequena adequação. Ela será realizada conjuntamente, válida para os dois apelantes, porque eles ostentam as mesmas condições objetivas e subjetivas a serem analisadas na individualização da reprimenda. Para o crime de tráfico de entorpecentes, a pena-base foi fixada no mínimo legal. Na segunda fase, apesar de incidência da atenuante da menoridade relativa, ela não foi aplicada pela impossibilidade de fixação da pena aquém do mínimo legal nesta etapa, conforme preceitua a Súmula nº 231 do STJ. Na terceira fase, o Juízo a quo afastou a incidência da causa de diminuição inscrita no art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006 em virtude da quantidade e espécie de droga encontrada. Todavia, tendo em vista as características do caso em concreto, em que foram localizados vários invólucros e um tijolo de crack pesando 528,92 gramas, bem como um tablete de maconha com peso de 2,7 gramas, entendo ser caso de aplicação da causa de diminuição no mínimo legal, qual seja, 1/6, totalizando 4 anos e 2 meses de reclusão, além de 416 dias-multa, no piso. Não há inadequação na pena de multa fixada nos estritos moldes legais. Com efeito, eventual impossibilidade de o réu arcar com os custos da pena de multa se resolverá, nos termos civis, pela execução de dívida de valor e não irá interferir em seu direito de locomoção. Por outro lado, caso fixado valor aquém do previsto, ainda que a situação econômica do réu seja favoravelmente modificada à época da execução, o Estado não poderá receber o valor devido. No que se refere ao crime de corrupção de menores, não há adequações a serem feitas, sendo fixada no mínimo legal em 01 ano de reclusão. Isto posto, pelo concurso material as penas conjuntamente consideradas totalizam 05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão, mais 416 dias-multa,


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no mínimo legal. Enfim, diante das circunstâncias judiciais desfavoráveis e do montante imposto, mantenho o regime inicial fechado para desconto da reprimenda, sendo incabível a substituição pela não satisfação dos requisitos legais. 4. Diante do exposto, pelo meu voto, dou parcial provimento aos apelos defensivos para reduzir a pena imposta aos apelantes, fixando-a em 05 (cinco) anos e 02 (dois) meses de reclusão, regime inicial fechado, mais 416 dias-multa, no piso.

ACÓRDÃO

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 004134348.2010.8.26.0576, da Comarca de São José do Rio Preto, em que é apelante FRANCISCO MOREIRA MARTINS, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram parcial provimento ao apelo ajuizado em favor de Francisco Moreira Martins, para o absolver da imputação da prática do crime previsto no artigo 330, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal, mantida, no mais, por seus fundamentos, a r. sentença, como prolatada. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 18.596) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MOREIRA DA SILVA (Presidente) E LOURI BARBIERO. São Paulo, 17 de outubro de 2013. MARCO ANTÔNIO COGAN, Relator Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL - ALEGAÇÃO DE QUE O APELANTE DEVE SER ABSOLVIDO DE AMBAS AS IMPUTAÇÕES, POR FALTA DE PROVAS A INCRIMINÁ-LO. CONDENAÇÃO ESTRIBADA NOS ARTS. 330 E 147, C.C. O ART. 69, TODOS DO CP. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO EM INCRIMINAR O APELANTE QUANTO À PRÁTICA DO CRIME DE AMEAÇA NA FORMA RECEPCIONADA NA R. SENTENÇA. CASO EM QUE, NO TOCANTE AO DELITO DE Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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VOTO 1 - Trata-se de apelação interposta em favor de Francisco Moreira Martins, que se viu condenado ao cumprimento de pena corporal de um mês e quinze dias de detenção, em regime prisional inicial aberto, mais o pagamento de dez diasmulta, lhe tendo sido concedida a suspensão condicional da pena pelo prazo de dois anos, por infração aos ditames dos artigos 330 e 147, c.c. o artigo 69, todos do Código Penal (fls. 71/72 e versos). Aduz a Defensoria do apelante que a r. sentença deve ser reformada, a fim de que ele seja absolvido da imputação da prática dos crimes de ameaça e de desobediência, nos termos do artigo 386, II, III ou VII, do Código Adjetivo. Alega que quanto ao primeiro delito, não há provas a incriminá-lo (fl. 91), sendo a versão da vítima duvidosa (fl. 93). Acerca do segundo frisa que existe previsão de sanção para descumprimento de medida protetiva, ou seja, decretação de prisão preventiva (fl. 97), não havendo que se falar em crime de desobediência, sob pena de tal caracterizar “bis in idem” (fl. 97). Requer ainda, que o Ministério Público, em Segunda Instância, não ofereça parecer, “sob pena de nulidade do acórdão” (fl. 99), isso porque “não pode atuar como parte e como órgão imparcial ao mesmo tempo” (fl. 87). Argumenta, demais, “que nova manifestação pelo Ministério Público, sem que se faculte à Defesa impugná-la, viola a ampla defesa e o contraditório. Em suma, viola o devido processo legal e a paridade de armas entre a acusação e a defesa” (fl. 88). Supletivamente, requer a absolvição pela “AUSÊNCIA DE DOLO OU PROVA DE INTIMIDAÇÃO DA VÍTIMA” (fl. 93) (fls. 86/100). O recurso foi contrarrazoado pelo doutor Promotor de Justiça, que requer o seu desprovimento, alegando que a intervenção do Ministério Público decorre de lei (fls. 104/107 e 111/113). No mérito assevera que a infração prevista no artigo 330, do Código Repressivo, se configurou, pois o apelante confessou que descumpriu medida protetiva da qual havia sido intimado (fls. 117/118), frisando que também ocorreu o crime de ameaça, “tanto que a vítima sentiuse intimidada (...) que mudou de endereço, chamou a polícia, pediu proteção, confirmou a ameaça na polícia e em Juízo, ou seja, como bem observado pelo

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DESOBEDIÊNCIA, A EXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGISLATIVA DE SANÇÃO EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA, QUE PODE SER ATÉ MESMO DE PRISÃO PREVENTIVA, TORNA ATÍPICA A CONDUTA IMPUTADA, A ENSEJAR A ABSOLVIÇÃO PRETENDIDA. Recurso parcialmente provido.


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douto Magistrado, o apelante retirou a paz de espírito da vítima, a quem incutiu temor” (fl. 119) (fls.102/119). E a D. Procuradoria de Justiça, em r. parecer da lavra do doutor Rui Pires Galvão Filho, se pronunciou pelo desprovimento do apelo e pela manutenção da r. sentença (fls. 131/137). Este, em síntese, é o relatório. 2 - Há que se dar parcial provimento ao recurso defensivo. Por primeiro, no que tange a argumentação quanto a resultar em cerceamento de defesa o pronunciamento da douta Procuradoria de Justiça nos autos ou, ainda, em bis in idem, em relação à manifestação do membro do Parquet de Primeira Instância, não há que se acolhida, isto porque diversamente desse último, que é parte integrante na relação processual, a primeira atua como custos legis, se manifestando sobre o acerto ou erro da decisão recorrida, portanto em limites diversos e em consonância com os ditames dos artigos 610 e 613, do Código de Processo Penal. Assim, não há que se falar que tal atuação enseja quebra do princípio do contraditório e da ampla defesa, inclusive porque referido parecer pode até mesmo ser prolatado em sentido benéfico ao réu, não estando, assim, sujeito à parcialidade atribuída, somando-se a tal que ao patrono do acusado é facultada a possibilidade de oferecer sustentação oral em sessão de julgamento. Nenhuma nulidade se verifica, e jamais ensejou, pois, na remessa dos autos para fins de oposição de parecer pela Procuradoria de Justiça. Já em relação à tese de atipicidade do delito de desobediência, há que ser acolhida. Isso porque, no caso concreto, trata-se de descumprimento de medida protetiva imposta com base na Lei nº 11.340/2006, para o qual há previsão de adoção de outras providências visando garantir a efetividade das medidas de urgência determinadas, que podem culminar, inclusive, nos termos do artigo 313, III, do Código de Processo Penal, com a decretação da prisão preventiva do agressor. Assim, havendo cominação de sanções específicas para os casos de descumprimento da ordem judicial de afastamento do lar decorrente de situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, que pode ser até a de prisão preventiva, não há que se falar em imputação da prática do crime de desobediência, sequer citado na legislação como sendo passível de ser cumulado com tais sanções processuais cautelares. Nesse sentido já se manifestou o Colendo Supremo Tribunal Federal: “AÇÃO PENAL. Crime de desobediência. Atipicidade. Caracterização. Desatendimento a ordem judicial expedida com a cominação expressa de pena de multa. (...). Descumprimento do preceito. Irrelevância penal. Falta Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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de justa causa. Trancamento da ação penal. HC concedido para esse fim. Inteligência do art. 330 do Código Penal. Precedentes. Não configura crime de desobediência o comportamento da pessoa que, suposto desatenda a ordem judicial que lhe é dirigida, se sujeita, com isso, ao pagamento de multa cominada com a finalidade de a compelir ao cumprimento do preceito.” (HC 88572, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, julg. em 08/08/2006, DJ 08-09-2006). Como também: - “CRIME DE DESOBEDIÊNCIA - COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA SE DESRESPEITADA A OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER IMPOSTA EM SEDE CAUTELAR - INOBSERVÂNCIA DA ORDEM JUDICIAL E CONSEQÜENTE DESCUMPRIMENTO DO PRECEITO - ATIPICIDADE PENAL DA CONDUTA - “HABEAS CORPUS” DEFERIDO. - Não se reveste de tipicidade penal descaracterizando-se, desse modo, o delito de desobediência (CP, art. 330) - a conduta do agente, que, embora não atendendo a ordem judicial que lhe foi dirigida, expõe-se, por efeito de tal insubmissão, ao pagamento de multa diária (“astreinte”) fixada pelo magistrado com a finalidade específica de compelir, legitimamente, o devedor a cumprir o preceito. Doutrina e jurisprudência.” (HC 86254/RS - Rel. Min. Celso de Mello - julg. 25/10/2005). No mesmo sentido decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça: “HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRAAMULHER. LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ACAUTELAMENTO DA INTEGRIDADE FÍSICA DAS VÍTIMAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. CRIME APENADO COM DETENÇÃO. POSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DA CUSTÓDIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 313, INCISO IV, DO CPP. 1. É legal a decisão que indeferiu o pedido de liberdade provisória que, partindo da singularidade do caso concreto, assevera a necessidade de acautelamento da integridade, sobretudo física, das vítimas, as quais, ao que consta dos autos, correm risco de sofrerem novas agressões, em se considerando o histórico do Paciente. 2. A despeito de os crimes pelos quais responde o Paciente serem punidos com detenção, o próprio ordenamento jurídico - art. 313, inciso IV, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.340/2006 - prevê a possibilidade de decretação de prisão preventiva nessas hipóteses, em circunstâncias especiais, com vistas a garantir a execução de medidas protetivas de urgência. 3. Ordem denegada.” (HC 170.962/DF, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, julg. em 03/05/2011, DJe 17/05/2011). E ainda: - “CRIMINAL. DESOBEDIÊNCIA. ORDEM JUDICIAL. AUSÊNCIADE INTIMAÇÃO PESSOALDO PACIENTE - ENGENHEIRO QUE CUMPRIA ORDENS DA MUNICIPALIDADE. PENA DE MULTA


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PREVISTA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Não se configura o crime de desobediência se o paciente não foi pessoalmente intimado da decisão que revogou uma liminar, não agindo com dolo no seu descumprimento, mormente por se tratar de engenheiro trabalhando para a municipalidade a qual foi dirigida a intimação e a quem está subordinado. 2. Para a configuração do delito de desobediência, não basta apenas o não cumprimento de uma ordem judicial, sendo indispensável que inexista a previsão de sanção específica em caso de seu descumprimento. Precedentes. 3. Ordem concedida para trancar o procedimento instaurado contra o paciente.” (HC 115.504/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Jane Silva (convocada), DJe 09/02/2009). Fica, pois, o apelante, absolvido quanto ao crime em tela, por atipicidade da sua conduta, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal. No tocante ao delito de ameaça, a autoria é certa. O apelante, em seu interrogatório judicial, apesar de ter negado sua prática, confirmou que ingressou na residência da vítima quando já estava proibido de fazê-lo por ordem judicial, asseverando que na ocasião estava sob efeito de bebida alcoólica, o que por certo não ilide sua imputabilidade penal, vez que não comprovado que tal decorreu de caso fortuito ou força maior (fl. 75). Já a vítima Maria Albertina Mota Martins, à sua vez, relatou que naquela ocasião o acusado forçou a entrada no imóvel, embora de sua tentativa de contêlo, impedindo que abrisse a porta, chegando a ser lançada ao solo, diante da força que ele empregou, conseguindo assim seu intento, ocasião em que reiterou as ameaças de morte que desde antes já lhe fazia, o que, aliado à sua maneira violenta de agir, motivou não apenas seu anterior pedido de adoção de medidas protetivas por parte do Poder Judiciário, como também a levou a mudar de endereço, visando garantir sua integridade física, e de seus filhos (fls. 14 e 73). E o policial militar José Roberto da Costa Júnior relatou que ao atender a ocorrência, ainda se deparou com o acusado na residência da vítima, dela ouvindo sobre as ameaças que ele proferiu (fl. 74). Quanto ao crime de ameaça, pois, acertado o deslinde condenatório do apelante, tendo sido a pena corporal fixada no patamar mínimo, e concedido o sursis, de maneira a não ensejar qualquer reparo. Isto posto, dá-se parcial provimento ao apelo ajuizado em favor de Francisco Moreira Martins, para absolvê-lo da imputação da prática do crime previsto no artigo 330, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal, mantida, no mais, por seus fundamentos, a r. sentença, como prolatada.

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 000548816.2011.8.26.0271, da Comarca de Itapevi, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado DANIEL DA SILVA ALVES. ACORDAM, em 5ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Rejeitaram a preliminar e DERAM PROVIMENTO ao recurso da acusação para anular, integralmente, o julgamento, ordenando que outro seja realizado. DECRETA, outrossim, a PRISÃO PREVENTIVA do recorrido, com fundamento no artigo 312, do C. Processo Penal, expedindo-se imediatamente MANDADO DE PRISÃO em primeiro grau, oficiando-se ao E. Magistrado com cópia do v. acórdão. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 22.264) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (Presidente), SÉRGIO RIBAS E JUVENAL DUARTE. São Paulo, 24 de outubro de 2013. PINHEIRO FRANCO, Relator

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Ementa: Homicídios duplamente qualificados e furto, em concurso material de infrações. Decisão do Tribunal do Júri absolvendo o réu das três imputações. 1) Preliminar arguida pela acusação, desacolhida. Quesito relativo à absolvição do réu, previsto no artigo 483, inciso III, de formulação obrigatória, ainda que os Senhores Jurados tenham afirmado a autoria e a materialidade do delito, limitando-se a defesa a sustentar, em Plenário, tese de negativa de autoria. Quesito que não é atingido pela regra de prejudicialidade prevista no artigo 490, parágrafo único, do mesmo Diploma. 2) Alegação de decisão manifestamente contrária à prova dos autos, quanto às três imputações. Acolhimento. Evidências de que o réu foi o autor dos referidos delitos (homicídio de Gelson e de Cristiano e, ainda, do furto de bens pertencentes ao primeiro), até mesmo porque, inexistentes indícios de coautoria ou de participação de terceiro, as vítimas foram mortas em um mesmo contexto fático, sendo surpreendidas


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juntas, no interior de um veículo. Minudente confissão extrajudicial do réu em sintonia com os relatos da testemunha José Roberto corroborando os relatos extrajudiciais de sua mãe, esposa de Gelson, clara ao afirmar que, após os crimes, efetuou ligação para a linha celular da vitima, sendo então atendida por pessoa com voz que guardava semelhança com a do recorrido. Julgamento anulado, eis que, no caso concreto, a contrariedade à prova, a par de estar evidenciada, individualmente, em cada série, decorre, ainda e fundamentalmente, da ambiguidade da decisão quanto à autoria dos três delitos, afirmada pelo Conselho de Sentença quanto ao homicídio de Gelson e, todavia, sem suporte em elemento fáticoprobatório, negada quanto às imputações de furto dos bens pertencentes a este e, ainda, do homicídio de Cristiano. Apelo da acusação provido, rejeitada a preliminar. Decretação da prisão preventiva do recorrido, expedindo-se mandado de prisão. VOTO Apelação Criminal interposta com lastro no artigo 593, inciso III, “d”, do Código de Processo Penal contra sentença que, nos termos do veredicto proferido pelo E. Conselho de Sentença, absolveu DANIEL DA SILVA ALVES da imputação de haver infringido o artigo 121, § 2º, incisos I e IV (por duas vezes) e artigo 155, caput, ambos do Código Penal, todos em concurso material de infrações, com fundamento no artigo 386, incisos IV e VII, do Código de Processo Penal. OMinistérioPúblico,preliminarmente,sustentasercasodereconhecimento de nulidade, sobretudo quanto ao questionário formulado pelos Jurados no tocante à 1ª série de quesitos, relativa ao homicídio duplamente qualificado que vitimou Gelson Moreira de Souza. Diz que a ata de julgamento relata como única tese sustentada pela Defesa, quanto a esta série, a negativa de autoria. Pondera, contudo, que os Senhores Jurados, afirmando a materialidade delitiva e ao ensejo da votação do 3º quesito, reconheceram ter DANIEL efetuado disparos de arma de fogo, tendo desferido, ainda, facadas no corpo de Gelson. Aduz que, em seguida e sem qualquer correspondência com o pleito defensivo, na votação do 4º quesito, os integrantes do Conselho de Sentença absolveram-no. Insiste que a DANIEL foi reconhecido como autor dos disparos e das facadas que mataram o ofendido, razão pela qual não poderia ter sido absolvido, inexistindo razões nos autos, ademais, para que o Magistrado formulasse o referido quesito, nos Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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exatos termos do parágrafo único do artigo 490, do Código de Processo Penal, até mesmo porque os Senhores Jurados não podem absolver por mera clemência ou por razão estranha ao direito positivo. No mérito, e no tocante à votação relativa a todas as séries (homicídio de Gelson, homicídio de Cristiano e furto de aparelho celular, dinheiro e documentos pertencentes ao primeiro), diz que a decisão do Conselho de Sentença é manifestamente contrária à prova dos autos, ressaltando que os Senhores Jurados, ao ensejo da análise da responsabilidade de DANIEL pelo homicídio de Gelson (1ª série), votaram afirmativamente quanto ao quesito obrigatório, o que fizeram, contudo, sem lastro em argumentos defensivos ou circunstância fática a indicar causas excludentes de ilicitude ou dirimentes. Ademais, assevera que as evidências colhidas demonstram, com segurança, a autoria dos delitos, não havendo um único indício a sustentar a tese de que DANIEL não cometeu os crimes que lhe são imputados. Aduz, por outro lado, que a materialidade dos homicídios está satisfatoriamente comprovada nos autos, aduzindo que a prova oral colhida na fase do sumário da culpa corrobora a confissão extrajudicial do recorrido no tocante à autoria do crime, mas não em relação à alegada legítima defesa, restando isolada a negativa de DANIEL em juízo. Aduz, ao fim, que não bastasse tudo isso, os Senhores Jurados, no tocante à autoria dos delitos, admitiram ter sido o réu o autor dos disparos de arma e facadas contra o ofendido Gelson, mas, todavia, negaram que ele tivesse assim agido em relação ao ofendido Cristiano, vindo, ainda, a furtar os bens pertencentes ao primeiro, o que demonstra contradição na votação dos quesitos relativos às três séries. Busca a realização de novo julgamento (folhas 524/532). Processado o recurso, com resposta, subiram os autos. Parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça pela rejeição da preliminar e, no mérito, pelo provimento do recurso ministerial. É o relatório. A preliminar de nulidade arguida no tocante aos quesitos relativos ao homicídio que vitimou Gelson (1ª série) não merece acolhida. Isso porque, de início, cumpre anotar que a matéria está coberta pelo manto da preclusão, pois basta leitura atenta da ata da sessão de julgamento para se verificar que o D. Promotor de Justiça, ao ensejo da leitura e da explicação dos quesitos, quedou-se inerte, não manifestando sua irresignação a tempo próprio, consoante, aliás, o artigo 484, do C. P. Penal. Não bastasse isso, inobstante sustentada em Plenário tão somente a tese de negativa de autoria, o fato é que respondidos afirmativamente, por maioria, os quesitos relativos à materialidade e ainda à autoria ou participação, de rigor a formulação do quesito obrigatório “o jurado absolve o acusado?” previsto no artigo 483, inciso III, do C. P. Penal, que não pode ser atingido pela regra de prejudicialidade prevista no artigo 490, do mesmo Diploma de Regência, sob pena de afronta, inclusive, a entendimento sumulado pelo Pretório Excelso (Súmula 156, do E. STF).


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A esse propósito, aliás, já se pronunciou a Colenda 5ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, ao ensejo do julgamento do Habeas Corpus nº 200.440-SP, de relatoria do Culto Ministro MARCO AURÉLIO BELIZZE, assim ementado: HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. 1. CONTRADIÇÃO ENTRE AS RESPOSTAS DOS JURADOS. INEXISTÊNCIA. ABSOLVIÇÃO GENÉRICA. POSSIBILIDADE. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. PLENITUDE DA DEFESA 2. TESE ÚNICA DE NEGATIVA DE AUTORIA. AUTORIA E MATERIALIDADE RECONHECIDAS DURANTE A VOTAÇÃO DOS DOIS PRIMEIROS QUESITOS. VOTAÇÃO DO QUESITO OBRIGATÓRIO RELATIVO À ABSOLVIÇÃO DO RÉU. INEXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÃO ENTRE OS QUESITOS [...] 1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o quesito previsto no art. 483, inciso III, do Código de Processo Penal, é obrigatório e, dessa forma, não pode ser atingido pela regra da prejudicialidade descrita no parágrafo único do art. 490 do mesmo diploma legal. Precedentes. 2. O fato de a decisão dos jurados se distanciar das provas coletadas durante a instrução criminal não justifica a renovação da votação ou caracteriza contrariedade entre as respostas. Eventual discordância da acusação deve ser ventilada por meio do recurso próprio, nos termos do art. 593, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal. 3. Os jurados são livres para absolver o acusado, ainda que reconhecida a autoria e a materialidade do crime, e tenha o defensor sustentado tese única de negativa de autoria. 4. Não cabe ao Juiz Presidente, a pretexto de evitar a contradição entre os quesitos, pela influência direta que exerceria na formação da convicção dos jurados, fazer considerações sobre a suficiência das provas, pois a matéria se insere na competência do órgão revisional, em recurso de apelação [...] (grifos nossos). E deste entendimento, em fato de idêntica natureza, não destoou esta C. 5ª Câmara, ao ensejo do julgamento recentíssimo da Apelação nº 009900345.1995.8.26.0052, da lavra do E. Desembargador JUVENAL DUARTE, deixando o v. acórdão, no que interessa, consignado o seguinte: Não bastasse, ainda que a tese defensiva tenha se limitado à versão de negativa de autoria, não há se cogitar de afastamento do quesito previsto no artigo 483, caput, III, do Código de Processo Penal, sobretudo porque, de acordo com a nova sistemática do júri, introduzida pela Lei nº 11.689/08, referido quesito é obrigatório, nos temos dos artigos 482 e 483, caput, III, e § 2º e 3º, do Código de Processo Penal, porquanto, além de compreender todas as teses defensivas em uma única indagação, abrange a hipótese de absolvição pelos jurados por piedade ou clemência ou com esteio noutra causa popular, veredicto que a partir da edição da Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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lei em comento também se mostrou possível e perfeitamente admissível, a revelar que se não for formulado ou submetido à apreciação dos leigos, após o reconhecimento da materialidade e da autoria, caracterizará cerceamento de defesa, e, mais que isso, sua ausência é que propiciaria a nulidade absoluta do julgamento, ex vi do disposto na Súmula nº 156, do Supremo Tribunal Federal. Diante desse quadro, de nulidade por supostas contradições nas respostas dos Senhores Jurados aos quesitos relativos ao homicídio de Gelson não há falar. Ao mérito. DANIEL ALVES DA SILVA, vulgo “Magal” ou “Kiko”, foi denunciado porque no dia 11 de agosto de 2006, por volta da 1 hora, na Avenida Sabiá, altura do nº 6, Jardim Briquet, em Itapevi, agindo com animus necandi, munido de arma de fogo e faca, por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa dos ofendidos, matou Gelson Moreira de Souza e Cristiano Júlio Arcanjo de Oliveira, produzindo-lhes os ferimentos que foram as causas de suas mortes. Consta, ainda, que nas mesmas circunstâncias espaço-temporais, DANIEL subtraiu, para si, o aparelho celular, R$ 250,00 em espécie e documentos pessoais do ofendido Gelson. Segundo o apurado, os ofendidos se encontravam no interior do veículo VW Fusca, vermelho, de placas BFM-7523, conduzido por um deles, quando o denunciado se aproximou e passou a efetuar disparos de arma de fogo contra ambos, que tentaram deixar o veículo, visando defender suas vidas. A despeito disso, foram novamente alvejados com outros disparos, sendo ainda golpeados com faca, vindo ambos a falecer em razão dos ferimentos sofridos. Em seguida, o denunciado subtraiu, para si, alguns pertencentes de Gelson, deixando o local. Diz a peça que o denunciado agiu por motivo torpe, pois ceifou a vida dos ofendidos por vingança, já que havia morado na casa de Gelson, a quem devia dinheiro em razão de ter realizado telefonemas no valor de R$ 1.000,00. Apurou-se que DANIEL também se encontrava em débito com João Roberto (filho de Gelson), pois havia se acidentado com a motocicleta deste, causandolhe prejuízos de R$ 1.500,00, fatores estes que o levaram a ser expulso daquela casa. O crime foi cometido, também, mediante o emprego de recurso que impossibilitou a defesa das vítimas, pegas de surpresa, pois trafegavam em um veículo, sem possibilidade de oferecer resistência, sendo ainda golpeadas pelas costas. Após regular instrução, sobreveio decisão pronunciando o réu pelos crimes de homicídio, impronunciando-o, contudo, pelo crime conexo de furto. O Ministério Público recorreu em sentido estrito, sendo provido seu inconformismo para que DANIEL fosse submetido a julgamento pelo Conselho de Sentença também pelo crime conexo (folhas 388/393).


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O réu, então, foi submetido a julgamento, sustentando a Defesa, em Plenário, apenas a tese de negativa de autoria quanto aos três crimes (homicídio de Gelson - 1ª série; homicídio de Cristiano - 2ª série; furto de bens pertencentes a Gelson - 3ª série). Ao ensejo da votação dos quesitos relativos à 1ª série, embora respondidos afirmativamente, por maioria, aqueles relativos à materialidade e a autoria do crime que vitimou Gelson, os Senhores Jurados, também por maioria, indagados acerca do quesito obrigatório, responderam, majoritariamente, que o absolviam. Por sua vez, no tocante às demais séries (homicídio de Cristiano e furto de pertences de Gerson), o Conselho de Sentença, embora afirmando, por maioria, a materialidade dos delitos, ao ser questionado acerca da autoria delitiva, respondeu negativamente, também por quatro votos. E em razão desses veredictos, DANIEL foi absolvido das três imputações, com fundamento no artigo 386, incisos IV e VII, do Código de Processo Penal. Contra essa decisão insurge-se o Ministério Público, ao argumento de que ela é manifestamente contrária à prova dos autos. Diz, em síntese, que os elementos colhidos atestam, à saciedade, que DANIEL efetuou disparos de arma e golpes de faca que ceifaram não só a vida de Gelson, mas também a de Cristiano, que estava no interior do VW Fusca, na companhia do primeiro. Assevera, ainda, que a prova aponta ter o recorrido, em seguida, subtraído os pertences de Gelson, fugindo. Decisão manifestamente contrária à prova dos autos é aquela incompatível com a prova material colhida, representando clara distorção da função jurisdicional atribuída aos Jurados. Pois bem. A materialidade dos delitos está satisfatoriamente comprovada nos autos pelos laudos de exame necroscópicos dos ofendidos (folhas 43/44 e 45/47), pelo laudo de exame do local (folhas 48/70) e pela prova oral. O réu, na polícia, evidenciada sua ligação com integrantes de dada facção criminosa e com o tráfico de entorpecentes, confessou pormenorizadamente a autoria dos homicídios, dizendo, contudo, ter agido em legítima defesa. Explicou que após sofrer ameaças dos amigos Gelson e José Roberto (com os quais chegou a residir), passou a andar armado com uma pistola calibre .380. Na noite dos fatos, divisou dois indivíduos ocupando o Fusca vermelho de Gelson e resolveu com eles conversar. Ao se aproximar do carro, o condutor Cristiano, a quem sequer conhecia, exibiu-lhe arma, chamando-o de “pilantra”. Por tal razão, sacou sua pistola e efetuou vários disparos em Cristiano e também em Gelson, que ocupava o banco traseiro. Quanto ao mais, negou tivesse subtraído pertencentes de quaisquer dos ofendidos, dizendo, ainda, que não se apoderou da arma que era empunhada por Cristiano. Após os fatos, retornou para o bairro Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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do Jaraguá, sendo preso, por roubo, dias depois (folhas 99/102). Em juízo, o réu inovou e negou a acusação, dizendo ter permanecido em casa no dia dos fatos. A despeito disso, confirmou que em razão de conhecer José Roberto, filho do ofendido Gelson, residiu três dias na casa deste. Não devia dinheiro à referida vítima e destacou que sequer conhecia o ofendido Cristiano. Quanto ao mais, disse ter gerenciado, por dois meses, na companhia de José Roberto, um ponto de venda de drogas, situado na favela Jandira. Ao fim, destacou que em dezembro de 2006 havia se separado da esposa Eliane, razão pela qual passou a residir no bairro do Jaraguá, onde conheceu Débora, com quem morou durante algum tempo. As vítimas não tinham envolvimento com a “biqueira” gerenciada por ele e também por José (folhas 140/141 e 288). José Roberto Rodrigues de Souza, filho da vítima Gelson, afirmou que o réu, seu amigo, e em razão de dívidas oriundas da prática do tráfico de drogas, residiu na companhia dele e de seus familiares por aproximadamente dois meses. A vítima Cristiano morava no imóvel vizinho. Explicou que DANIEL, durante o tempo em que morou naquela casa, ficou devendo a Gelson R$ 900,00, fruto de inúmeras ligações telefônicas realizadas às expensas deste. Destacou que DANIEL, ainda, acidentou-se com motocicleta pertencente a ele, depoente, mas arcou com as despesas dos reparos, vindo, posteriormente a não mais residir na companhia deles. Relatou ainda que o recorrido, antes dos crimes, passou a ameaçar Gelson, por telefone, pois este passou a cobrá-lo, instando-o a adimplir os valores relativos às contas telefônicas. Destacou que referidas ameaças foram também decorrentes do fato dele, depoente, ter ido ao novo endereço do acusado com o intento de resgatar Débora, prima de sua namorada e que, mesmo travando relacionamento amoroso com DANIEL, havia sido por este “sequestrada”. Quanto ao mais e após os homicídios, disse ter sido cientificado pela genitora Marizete que o réu havia feito aquelas ameaças por telefone, razão pela qual não tinha a menor dúvida acerca da autoria dos delitos, aduzindo que não mais viu o acusado após os fatos. Ao responder as perguntas formuladas pela acusação, explicou que à época dos crimes o réu não mais residia na companhia dele, de Marizete e de Gelson. Afirmou ainda que ao ensejo das ligações ameaçadoras, sua genitora foi capaz de identificar a voz do interlocutor DANIEL que, no dia do crime a após a morte dos ofendidos, efetuou nova ligação telefônica para sua residência, afirmando “já era, já era”. Ao fim, afirmou que o ofendido Gelson também foi ameaçado pelo acusado via telefone, aduzindo que este, além de ceifar a vida de Gelson e Cristiano, também furtou o celular e dinheiro pertencentes ao primeiro. Segundo os comentários, os ofendidos foram mortos a tiros e facadas (folhas 238/240). Marizete Rodrigues de Souza, inquirida apenas na polícia, confirmou a veracidade dos fatos apurados no curso das investigações. Disse ter sido informada pelos filhos que Gelson, seu marido, acompanhado de Cristiano,


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havia saído de casa por volta das 22 horas do dia 10 de dezembro, o que fez com o propósito de visitar a cunhada Vilmar. Por isso, pensando que o marido retornaria tarde, deitou-se. Na manhã seguinte, constatou que Gelson não havia retornado para casa. Passou, então, a efetuar várias ligações para o celular dele, mas ora as ligações não eram atendidas, ora o eram por pessoa que nada falava. Insistiu e efetuou ligações durante toda a tarde, sem êxito. Já na madrugada do dia 12, por volta das duas horas, fez nova tentativa, sendo a ligação atendida por uma pessoa do sexo masculino, que se identificou pela alcunha de “Kiko” e afirmou que havia achado aquele telefone e que, ao ser indagado acerca de Gelson, simplesmente desligou o aparelho. Afirmou ter notado certa semelhança da voz daquele indivíduo com a de DANIEL que, com a permissão da vítima, chegou a residir na companhia deles, vindo inclusive a efetuar diversas ligações por intermédio da linha telefônica instalada no imóvel, acarretando-lhes prejuízos de R$ 1.000,00. Em razão desse fato, Gelson pediu a DANIEL que fosse embora daquela casa, o que este fez a contragosto. Após o ocorrido, Gelson passou a receber ligações telefônicas ameaçadoras, prometendo o interlocutor “que o pegaria”. Quanto ao mais, aduziu que o suspeito DANIEL residia no mesmo bairro onde Gelson e Cristiano foram mortos. Asseverou, ainda, que durante o período em que DANIEL residiu na companhia da família, considerada a quantidade excessiva de ligações que este recebia, bem como o fato de que era constantemente procurado por pessoas conduzindo carros novos e de alto valor, suspeitou do envolvimento dele com atividades ilícitas, destacando que o recorrido, em dada ocasião, ao atender uma chamada telefônica, identificouse pela alcunha de “Kiko”. Ao fim, destacou que ao ensejo do registro policial da ocorrência, não restou consignado que de Gelson foram subtraídos telefone celular, R$ 250,00 e documentos pessoais (folhas 12/13). Posteriormente, referida testemunha retornou ao distrito policial e efetuou, sem nenhuma dúvida, o reconhecimento de DANIEL, o provável autor dos crimes, por meio de fotografia sobremaneira nítida, (folhas 75 e 80). Mariana de Almeida Pontes asseverou que era amasiada com Cristiano há cinco anos. Não conhecia DANIEL, afirmando que residia no mesmo bairro do ofendido Gelson, com quem não travava contatos. Narrou que Cristiano, antecedentemente aos fatos, não possuía desafetos e nem sofria ameaças, afirmando que este, durante a tarde da data dos fatos, saiu de casa com o propósito de procurar imóvel para alugar e não mais retornou. Por isso, na manhã do dia seguinte, rumou ao distrito policial, sendo informada por policiais sobre o homicídio de uma vítima que ainda não havia sido identificada. Diante de tal informe, parentes rumaram ao Instituto Médico Legal e ali reconheceram o cadáver de Cristiano. Após os fatos, não ouviu comentários sobre a dinâmica e autoria dos crimes, afirmando que “nem procurou saber” (folhas 159/160). Eliane Correia da Silva, no sumário da culpa, confirmou ter convivido Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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maritalmente com DANIEL, vulgo “Magal”, por seis anos. Dizendo nada saber acerca dele possuir algum outro apelido, destacou que à época dos fatos já estavam separados, residindo DANIEL na companhia de seus genitores, no bairro do Jaraguá. Conhecia o ofendido Gelson, genitor de um amigo do réu, afirmando que nada sabia acerca de eventuais e antecedentes desentendimentos entre eles. Ao fim, negou que estivesse na companhia do réu no dia e horário dos fatos, destacando ter sido cientificada da ocorrência dos crimes por intermédio de vizinhos, não tendo ouvido comentários acerca da autoria (folhas 232). Em Plenário, DANIEL, dizendo ser conhecido pela alcunha de “Magal”, negou que estivesse na comarca de Itapevi na data e horário do crime, ressaltando que após se separar de Elaine (que continuou a residir no Jardim Briquet), mudou-se para a casa de seus genitores, situada no bairro do Jaraguá, nesta capital. À época, em razão de cirurgia decorrente de acidente motociclístico, usava aparelho ortopédico e tinha dificuldades para se locomover. Não conhecia a vítima Cristiano, ressaltando que já havia frequentado a casa de Gelson, genitor do amigo José Roberto, pessoa esta com quem passou a traficar entorpecentes no Jardim Briquet. Insistiu que na época dos fatos não mais residia naquele bairro, pois em razão de entreveros com traficantes (para quem chegou a dever dinheiro) mudou-se para a casa dos genitores e nunca mais travou contatos com José Roberto. Quanto ao mais, disse ter confessado os fatos na delegacia em razão de temor e com o propósito de proteger seus familiares, pois segundo comentários, os verdadeiros autores do crime, dentre eles pessoa conhecida pela alcunha de “Máscara”, eram “companheiros” do tráfico. Negou tivesse dívidas com o ofendido Gelson, destacando que havia se acidentado com a motocicleta de José Roberto, pagando a este o valor de R$ 1.500,00 pelos reparos do veículo. Destacou, ainda, ter residido na casa de ambos por apenas dois dias, efetuando, no período, ligações telefônicas que totalizaram R$ 80,00, devidamente pagos a Gelson. Já havia suportado condenação por roubo e se encontrava preso por tráfico de drogas e pelos crimes referenciais (folhas 493/496 vº). Esse quadro traz evidências indicativas de que DANIEL foi o autor dos crimes. Embora ele tenha negado no sumário da culpa e em Plenário responsabilidade pelos fatos, aduzindo que na data e horário dos delitos se encontrava na casa de seus genitores, situada em bairro desta Capital e onde passou a residir após se separar de Elaine, o fato é que ele, ao ensejo de sua oitiva na fase extrajudicial, confessou, detidamente e ao menos, a autoria dos homicídios de Gelson e Cristiano, mortos em um mesmo contexto, já que surpreendidos juntos, no interior do VW Fusca pertencente ao primeiro. E no que efetivamente importa, embora tenha alegado, na polícia e quanto aos homicídios, ter agido em legítima defesa, negando a subtração dos pertencentes de Gelson, não se pode olvidar que os elementos colhidos no curso da instrução infirmam o teor de suas versões exculpatórias na fase do sumário da culpa e em


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Plenário (até mesmo porque, embora alegando dificuldades para se locomover, o réu foi preso três dias após os crimes referenciais, em razão da prática de roubo), tudo a evidenciar, em um primeiro momento e ao menos quanto às imputações de homicídio de Cristiano e do crime conexo relativo ao furto de pertencentes de Gelson, já que os senhores Jurados não atribuíram a autoria de ambos os crimes ao réu, julgamentos contrários à evidência dos autos. E isso porque, não se pode olvidar, não há evidência, no bojo dos autos, no sentido de ter DANIEL agido em comparsaria, anotando-se que o laudo de exame do local (folhas 48/70) atesta que Gelson e Cristiano foram surpreendidos juntos, sobrevindo os homicídios deles em um mesmo contexto fático e no interior de veículo, conforme, aliás, o teor da confissão extrajudicial do recorrido. E no tocante à imputação de furto, cumpre anotar que os relatos judiciais de José Roberto corroboram as declarações extrajudiciais de Marizete, clara ao afirmar que, após os crimes, efetuou ligações para a linha celular do ofendido Gelson, seu marido, sendo uma delas atendida por pessoa que se identificou pela alcunha de “Kiko”, com voz que guardava certa semelhança com a de DANIEL. De mais a mais, o recorrido, queira-se ou não, não comprovou, no sumário da culpa e em Plenário, o álibi oferecido, com a nota de que o ônus da prova, mormente ao se considerar o teor de sua confissão extrajudicial, tocava a ele. Esse quadro permite concluir que a solução dada pelos jurados, ao menos no que se refere aos homicídios de Cristiano e ao crime conexo de furto (de bens pertencentes a Gelson, nunca é demais frisar), é manifestamente contrária à prova dos autos. Resta agora o exame do inconformismo ministerial no tocante ao veredicto absolutório proferido pelos Senhores Jurados quanto ao homicídio de Gelson. A propósito, afirma a acusação que, sustentada em Plenário tão somente a tese de negativa de autoria, os Senhores Jurados, ao reconhecerem, por maioria, a materialidade e a autoria delitivas, deveriam responder ao quesito obrigatório de forma negativa, até mesmo porque o Conselho de Sentença não pode proferir veredicto absolutório por mera clemência ou por razão estranha ao direito positivo, tudo a evidenciar, assim e também quanto a este crime, julgamento proferido em contrariedade à evidência dos autos. O fato posto demanda algumas observações. Inicialmente, não é demais repetir que os Senhores Jurados, por maioria de votos, afirmaram os quatro quesitos iniciais (àquele relativo à materialidade foi desdobrado, para dar vazão à pergunta sobre o nexo causal). Vale dizer: reconheceram a materialidade e a autoria e, mesmo tendo a defesa se limitado a sustentar, em Plenário, a tese da negativa de autoria, conforme se depreende da análise detida da ata da sessão de julgamento (folhas 488 e verso), absolveram DANIEL. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Por sua vez, a prova é clara ao apontar que o réu, tanto na fase do sumário da culpa como em Plenário, no exercício da autodefesa, portanto, também se limitou a negar a autoria dos delitos, afirmando que na data e horário dos crimes não se encontrava na comarca de Itapevi. Todavia, a prova, como já se disse, evidencia que o réu, em tese, surpreendeu Gelson e Cristiano juntos, no interior de um VW Fusca pertencente ao primeiro, muniu-se da arma que portava e efetuou vários disparos em direção a ambos, matando-os. E diante desse quadro, nada há nos autos a sustentar a tese de negativa de autoria invocada, de sorte que a absolvição não encontrou suporte na prova. E diante desse panorama fático, pertinente e necessária resposta para a seguinte indagação: Se os senhores jurados - como é provável e ainda que por razões até imponderáveis - reputaram o réu merecedor de clemência, é possível considerar que esse merecimento afronta a prova dos autos, como assevera o representante do Ministério Público em seu recurso? A resposta a essa indagação demanda o exame e a compreensão dos limites em que deve ser entendido o princípio da soberania dos veredictos, que tem sede constitucional (artigo 5º, XXXVIII, da CF) e, evidentemente, não possui alcance absoluto. Assim é que o Código de Processo Penal, em seu artigo 593, inciso III, “d”, prevê a possibilidade de apelação quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos. E o parágrafo 3º, do mesmo dispositivo, estabelece que nessa hipótese o tribunal ad quem, convencendose de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, poderá sujeitar o réu a novo julgamento, estabelecendo, no entanto, limite quanto à segunda apelação pelo mesmo motivo, que não será admitida. E a lei não excepciona a possibilidade de o Ministério Público recorrer com lastro na contrariedade da decisão à prova dos autos. Não bastasse isso, há, ainda, o artigo 619, inciso I, do mesmo diploma, que diz ser cabível revisão criminal quando a sentença for contrária à lei ou à evidência dos autos, sem, uma vez mais, fazer exceção aos julgamentos proferidos pelo Conselho de Sentença. É dizer, a sistemática do Júri, tal como posta na lei, prevê a possibilidade de revisão dos julgamentos proferidos pelos jurados, até como forma de se garantir a plenitude da defesa, também preconizada na Constituição (artigo 5º, XXXVIII, “a”), sem que isso caracterize ofensa ao princípio da soberania dos veredictos. Noutras palavras, não constitui a soberania dos veredictos, em suma, um poder de decisão absolutamente incontrastável que permitisse ao Conselho de Sentença decidir com liberdade plena, isto é, sem vinculação alguma com a prova


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dos autos ou com o ordenamento jurídico vigente, considerando-se, sobretudo, a mais absoluta incompatibilidade de semelhante poder com os princípios e fundamentos basilares de um Estado Social e Democrático de Direito. Daí porque é perfeitamente possível o questionamento formulado pela acusação. E considerado o quadro posto, o fato é que, em face da prova colhida, o julgamento no tocante ao crime de homicídio praticado contra Gelson é mesmo contrário à prova dos autos. E isso porque se é certo que ao Conselho de Sentença a lei não exige explícita fundamentação a seus julgamentos, não é menos certo que, ante a existência de limitações (ou relativizações, de qualquer forma já mencionadas) ao princípio da soberania dos veredictos, a decisão proferida, qualquer que seja sua natureza, deve se calcar em elementos e em substratos implícitos, ainda que tênues ou claudicantes, mas derivados das provas dos autos e, ainda, das teses e do teor da autodefesa ventilados em Plenário, sob pena de, assim não o sendo, prestigiar-se a arbitrariedade, ou seja, a decisão proferida em subversão ou em total menosprezo à manifesta evidência da prova dos autos. E no caso concreto, como já se disse, não há evidência alguma, no bojo dos autos, de que DANIEL tivesse praticado o crime mediante auxílio ou concurso de terceiras pessoas. De outro lado, o exame pericial do local, ilustrado com fotografias, atesta que Cristiano e Gelson, ao ensejo dos crimes, foram surpreendidos juntos, em um mesmo contexto fático e no interior de um automóvel, palco de suas mortes, decorrentes de lesões provocadas, sobretudo, por vários disparos de arma de fogo. E quanto a isto, nunca é demais repetir que a minudente confissão extrajudicial do recorrido encontrou suporte no teor das declarações judiciais de José Roberto, claro ao narrar que DANIEL, após ser expulso da residência de Gelson, onde residiu por meses, passou a perpetrar ameaças contra este, tudo em decorrência, segundo as evidências dos autos, de seu inconformismo com o fato. Não bastasse isso, referida testemunha ainda cuidou de narrar que, no dia do crime, sua genitora (esposa do ofendido) recebeu ligação telefônica, efetuada por indivíduo que possuía voz que guardava semelhança àquela de DANIEL, oportunidade na qual o interlocutor afirmou “já era, já era”. Diante desse quadro, a decisão absolutória proferida pelo Conselho de Sentença no tocante, também, ao homicídio de Gelson, inobstante tenha sido afirmada a materialidade do crime, restando atribuída sua autoria o réu, contraria, no caso concreto, consideradas as teses ventiladas em Plenário, a prova dos autos. Não bastasse isso, observo uma vez mais que, segundo os elementos probatórios coligidos - e disso não há a menor dúvida - os crimes foram praticados em um mesmo contexto fático e nas mesmas circunstâncias espaço-temporais, de Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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sorte que a contrariedade à prova, a par de estar evidenciada, individualmente, em cada série, decorre, ainda e fundamentalmente, da ambiguidade da decisão quanto à autoria dos três delitos, afirmada pelo Conselho de Sentença quanto ao homicídio de Gelson e, todavia, sem suporte em elemento fático-probatório, negada quanto às imputações de furto dos bens pertencentes a este e, ainda, do homicídio de Cristiano. Esse quadro permite concluir que a solução dada pelos jurados, quanto às três imputações, como se viu, é manifestamente contrária à prova dos autos. Não se trata, portanto, de divisar mero critério divergente entre uma tese e outra, do exercício de opção pela versão mais razoável. A hipótese cuida de julgamento contra o que está nos autos, dissociando-se da prova colhida na instrução, sob o contraditório. O julgamento é anulado, portanto, para que outro seja proferido por novo Corpo de Jurados, com a nota de que o Conselho de Sentença deverá decidir também sobre o crime conexo. O exame mais aprofundado da prova foi necessário para viabilizar a afirmação de julgamento contrário à prova dos autos. Por fim, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA do recorrido, com lastro nos artigos 311 e 312, do C. P. Penal, para garantia da ordem pública. A custódia é absolutamente necessária, até mesmo porque DANIEL se encontra provisoriamente preso em razão de seus supostos envolvimentos em crimes de tráfico e roubo, particularidade a autorizar, senão a exigir, o decreto da custódia cautelar também nestes autos. O réu é indivíduo dotado de altíssima periculosidade, com personalidade voltada à prática de crimes hediondos e de delitos graves, com emprego de violência e grave ameaça contra pessoa. A sociedade, frente a esse cidadão, estará sempre em risco evidente, em razão da conduta de alguém que não tem compromisso com nenhuma regra de convivência social e que parece fazer dos crimes seu meio de vida. Indivíduo dessa natureza não pode permanecer solto, anotando-se que o fato dele se encontrar provisoriamente preso em razão de suposto envolvimento em outros crimes em nada infirma a necessidade da decretação da custódia cautelar também nestes autos. Meu voto, pois, rejeita a preliminar e DÁ PROVIMENTO ao recurso da acusação para anular, integralmente, o julgamento, ordenando que outro seja realizado. DECRETA, outrossim, a PRISÃO PREVENTIVA do recorrido, com fundamento no artigo 312, do C. Processo Penal, expedindo-se imediatamente MANDADO DE PRISÃO em primeiro grau, oficiando-se ao E. Magistrado com cópia do v. acórdão.


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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 008370523.2012.8.26.0050, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ALCIMAR SANTOS SILVA, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão. (Voto nº 3210) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores EUVALDO CHAIB (Presidente sem voto), WILLIAN CAMPOS E EDISON BRANDÃO. São Paulo, 22 de outubro de 2013. IVANA DAVID, Relatora Ementa: APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO CIRCUNSTANCIADO - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DO EMPREGO DE ARMA DE FOGO - INVIABILIDADE - DESNECESSIDADE DE PERÍCIA - CONFIRMADA A UTILIZAÇÃO DO ARTEFATO PELA PALAVRA DA VÍTIMA E PELA CONFISSÃO DOS ENVOLVIDOS - RECONHECIMENTO DA ATENUANTE FIXAÇÃO DA PENA-BASE AQUÉM DO MÍNIMO - IMPOSSIBILIDADE - O RECONHECIMENTO DE ATENUANTE DA CONFISSÃO OU DA MENORIDADE NÃO TEM A FORÇA DE REDUZIR A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE A UM PATAMAR INFERIOR AO MÍNIMO COMINADO EM ABSTRATO PELO TIPO PENAL - OBEDIÊNCIA À SÚMULA 231, DO STJ - REGIME FECHADO É O ADEQUADO AOS CRIMES DE ROUBO. RECURSO DESPROVIDO. VOTO Ao relatório da r. sentença de fls. 201, prolatada pelo MM. Juiz de Direito, Dr. Klaus Marounelli Arroyo, ora adotado, acrescento que a ação penal foi julgada procedente para condenar Alcimar Santos Silva, como incurso no art. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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157, § 2º, I e II, do Código Penal, às penas de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime fechado, mais pagamento de 13 (treze) dias-multa, no valor unitário mínimo. Inconformado, apela o réu. Busca a reforma da r. sentença e, para tanto, pleiteia o afastamento da qualificadora referente à arma de fogo, a redução da reprimenda e a fixação de regime menos gravoso (fls. 220/224). Processado o recurso, com contrarrazões (fls. 228/232), os autos subiram a esta egrégia Corte. A d. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo (fls. 242/244). É o relatório. É da inicial acusatória que em data, hora e local nela descritos, Alcimar Santos Silva, ora apelante, e Edson Silva, agindo em concurso de pessoas, caracterizado pela unidade de desígnios e identidade de propósitos, subtraíram, para si, mediante grave ameaça exercida com o emprego de arma de fogo, contra a vítima P.V.O.B., o automóvel GM Astra, na cor prata de placas ARN 0709, um aparelho de telefonia móvel da marca Motorola e uma carteira contendo documentos pessoais e a quantia de R$ 116,00 (cento e dezesseis reais), bens e valores a ela pertencentes. Segundo o que foi apurado, Alcimar e Edson, este empunhando um revólver, abordaram a vítima no local dos fatos e, mediante grave ameaça exercida com o emprego da arma de fogo, anunciaram o roubo. Ato contínuo, os réus se apossaram dos bens do ofendido e se evadiram do local dos fatos na condução do veículo subtraído. Ocorre que a vítima comunicou a ocorrência à Polícia Militar, que localizou e deteve os sentenciados em flagrante delito, ainda na posse do automóvel, dos bens roubados e da arma de fogo utilizada na prática do delito. Edson Silva não apelou da r. sentença e o trânsito em julgado para ele ocorreu em 15.05.2013 (fls. 216). A materialidade restou cabalmente comprovada pelos Boletim de Ocorrência (fls. 12/17), Autos de Exibição e Apreensão (fls. 18/20), de Entrega (fls. 21/23), bem como as demais provas orais colhidas nos autos. A autoria, também, é certa. Silentes, na Delegacia (fls. 09 e 10), em Juízo, os réus confessaram a prática do delito e demonstraram arrependimento. Alcimar disse que agiu por molecagem, enquanto Edson afirmou que necessitava de dinheiro para sustentar sua filha menor (fls. 164 e 165). Ressalto o valor da confissão como meio de prova, delineado no seguinte julgado:


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“A confissão judicial tem valor absoluto e, ainda que seja o único elemento de prova, serve como base à condenação, só podendo ser recusada em circunstâncias especialíssimas, ou seja, naquelas em que lhe evidencie a insinceridade, ou quando tiver prova veemente em contrário”. (TJSP - AP – 6ª C. - Rel. Nelson Fonseca -j. 17.04.97 - RT 744/57. Além disso, a confissão foi corroborada pelo depoimento da vítima (fls. 162) que, além de confirmar os exatos termos da denúncia detalhando a conduta de cada criminoso, na Delegacia e em Juízo reconheceu o recorrente e o corréu, com absoluta certeza, como os autores do delito. De igual teor são os depoimentos dos policiais militares, Reginaldo (fls. 03 e 163) e Willian (fls. 06) responsáveis pela prisão do recorrente. Narraram que em patrulhamento de rotina depararam-se com o Astra roubado, ocupados pelos réus, presentes na audiência. A parada do veículo foi determinada, todavia, os ocupantes do automóvel empreenderam fuga até colidirem com um SUV Vera Cruz. Os recorrentes desembarcaram do carro e, sem o freio de mão puxado, empreenderam a ré no veículo, o qual acabou por atingir a viatura. Os réus desembarcaram e dentro do automóvel foram encontrados gêneros alimentícios. Indagados, os suspeitos confessaram informalmente a prática do roubo e foram reconhecidos pela vítima como os autores do assalto. Destaco, por oportuno, que, conforme jurisprudência dominante, não há qualquer impedimento no depoimento de policiais, que é idôneo para embasar um decreto condenatório, uma vez que não armariam uma situação para incriminar inocentes, principalmente quando seu depoimento é coerente com as demais provas, colhido sob o crivo do contraditório, como na hipótese dos autos. Sobre a idoneidade dos depoimentos dos agentes públicos, o E. Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou: Conforme orientação há muito sedimentada nesta Corte Superior, são válidos os depoimentos dos Policiais em juízo, mormente quando submetidos ao necessário contraditório e corroborados pelas demais provas colhidas e pelas circunstâncias em que ocorreu o delito, tal como se dá na espécie em exame (HC 168.476/ES, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 5ª Turma, julgado em 25/11/2010, DJe 13/12/2010). Com efeito, diante do reconhecimento seguro e preciso da vítima, não há dúvida de que Alcimar praticou o roubo tratado nestes autos. Anoto que a jurisprudência tem entendido que em crimes patrimoniais a posse da res com o agente gera a presunção de autoria do delito, invertendose o ônus da prova, cabendo ao possuidor oferecer justificativa admissível Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Código Penal Comentado, 11ª Edição - Editora Revista dos Tribunais, pág. 796. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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para essa posse suspeita, o que não ocorreu no caso presente. Assim, em não o fazendo, prevalece para efeito de condenação, a certeza possível de ter praticado a subtração (RT 739/627). As provas amealhadas aos autos são robustas para conduzir a condenação do recorrente, impossível enxergar qualquer fragilidade probatória, tanto assim, que a irresignação da Defesa se restringe ao afastamento da majorante do emprego de arma de fogo, bem como o da agravante da reincidência e, por fim, a fixação de regime menos gravoso. Destarte, as qualificadoras do emprego de arma de fogo e concurso de agentes, também, foram devidamente demonstradas. Pois bem. Sem razão a douta Defesa. Inviável o afastamento da qualificadora do emprego de arma de fogo, porquanto, em que pese à falta de perícia no mencionado artefato, a utilização do armamento na empreitada criminosa foi confirmada pela palavra da vítima. Como se não bastasse, os réus confirmaram a prática do delito conforme narrado na exordial acusatória, com o emprego da arma de fogo, que foi apreendida por ocasião da prisão dos recorrentes. Vejamos o que estabelece Guilherme de Souza Nucci: Apreensão da arma: desnecessidade. A materialidade do roubo independe da apreensão de qualquer instrumento, assim como a prova de autoria pode ser caracterizada pela simples, mas verossímil, palavra da vítima. Por isso, igualmente, para a configuração da causa de aumento (utilização da arma), bastam elementos convincentes extraídos dos autos, ainda que a arma não seja apreendida1. Neste sentido: Para a comprovação da qualificadora do emprego de arma no crime de roubo e de que se tratava de quadrilha armada, não é necessária a apreensão do armamento ou que pesquise sua eficácia através do exame pericial, bastando, tão somente, as declarações das vítimas quanto à utilização de artefatos na perpetração dos crimes e da sua aptidão para intimidação (RT 790/560). Assim, também é o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça: HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. ART. 157, § 2º, INCISOS I, II e IV, DO CÓDIGO PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. PACIENTE CONDENADO À PENA DE 7 ANOS, 1 MÊS E 7 DIAS DE RECLUSÃO EM REGIME FECHADO. NÃO APREENSÃO


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DAARMA DE FOGO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA. PRECEDENTES. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CULPABILIDADE E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME INERENTES AO TIPO PENAL. PERSONALIDADE VOLTADA À PRÁTICA CRIMINOSA JUSTIFICADA EM PROCESSO EM ANDAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 444/STJ. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO PARCIAL DO WRIT. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA PARA FIXAR A PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL. 1. A impossibilidade de apreensão e a consequente perícia da arma de fogo utilizada no roubo não afasta a configuração da causa especial de aumento de pena, mormente quando a prova testemunhal é firme sobre sua efetiva utilização na prática da conduta criminosa. 2. A sentença condenatória, confirmada em grau de apelação, não apresentou fundamentação adequada para fixar a pena-base acima do mínimo legal, pois elementos próprios do tipo penal foram utilizados para considerar desfavoráveis a culpabilidade e as consequências do crime e uma ação penal em curso foi considerada para negativar a personalidade do paciente, em ofensa ao enunciado da Súmula 444 desta Corte. 3. Parecer do MPF pela parcial concessão da ordem. 4. Ante o exposto, concede-se parcialmente a ordem para fixar a pena-base do paciente no mínimo legal (4 anos), aumentada, conforme a sentença, em 6 meses pela reincidência e em 3/8 pelas causas de aumento de pena previstas nos incisos I, II e IV do § 2º do art. 157 do Código Penal, totalizando 6 anos, 2 meses e 7 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 18 dias-multa. (HC 152.074/DF, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 28/09/2010, DJe 25/10/2010). As penas e o regime foram aplicados de forma fundamentada e dentro dos parâmetros legais, atendendo ao princípio da individualização das penas, não há ofensa a qualquer garantia constitucional. Sopesadas as diretrizes do art. 59, do Código Penal, a pena-base foi fixada no mínimo, em decorrência da ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis. Na segunda fase, apesar de reconhecida a atenuante da confissão e o recorrente ser menor na data dos fatos, inviável a redução da pena aquém do mínimo em razão da confissão ou mesmo da menoridade do agente (fls. 12), diante da Súmula 231, do Colendo Superior Tribunal de Justiça, porquanto, não pode existir redução aquém do mínimo. Conforme lição de Guilherme de Souza Nucci: (...) as atenuantes não fazem parte do tipo penal, de modo que não Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Código Penal Comentado, 11ª Edição - Editora Revista dos Tribunais, págs. 464/465. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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tem o condão de promover a redução da pena abaixo do mínimo legal. Quando o legislador fixou, em abstrato, o mínimo e o máximo para o crime, obrigou o Juiz a movimentar-se dentro desses parâmetros, sem possibilidade de ultrapassá-lo, salvo quando a própria lei estabelece causas de aumento ou de diminuição de pena. Estas, por sua vez, fazem parte da estrutura típica do delito, de modo que o Juiz nada mais faz que seguir orientação do próprio legislador. (...) Na doutrina, mencione-se a lição de LYCURGO DE CASTRO SANTOS: Com efeito, dois são os motivos pelos quais não se pode admitir tal individualização da pena abaixo do mínimo legal: em primeiro lugar contraria o princípio da legalidade, já que a pena mínima estabelecida pelo legislador é o limite mínimo a partir do qual a pena pelo injusto culpável cumpre seus pressupostos de prevenção especial e geral. Em segundo lugar, a adoção do critério de rebaixar a pena aquém do marco mínimo traz consigo um perigo, desde o ponto de vista político criminal, à segurança jurídica (O princípio de legalidade no moderno direito penal, p. 193)2. Nesse sentido é o entendimento sedimentado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal: EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. MATÉRIA NÃO SUBMETIDA ÀS INSTÂNCIAS INFERIORES. DUPLA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. DECISÃO FUNDAMENTADA EM CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. FIXAÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM NÃO CONHECIDA. I - A questão relativa à dosimetria da pena não foi apreciada nas instâncias inferiores. Assim, seu conhecimento em sede originária pelo Supremo Tribunal Federal implicaria em supressão de instância. Precedentes. II - A via estreita do habeas corpus não permite que se proceda à ponderação e o reexame das circunstâncias judiciais referidas no art. 59 do Código Penal, consideradas na sentença condenatória. Precedentes. III - É firme a jurisprudência da Suprema Corte no sentido de que, ao contrário do que ocorre com as causas de diminuição, as circunstâncias atenuantes não podem reduzir a pena aquém do mínimo legal. IV - Habeas corpus não conhecido. (HC 100371, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 27/04/2010, DJe-091 DIVULG 20-05-2010 PUBLIC 21-05-2010 EMENT VOL-02402-04 PP-00884). Na fase derradeira, presente duas qualificadoras, concurso de agentes e


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emprego de arma de fogo, a reprimenda foi majorada em 1/3. Destaco que, neste aspecto, em que pese entendimento diverso do douto Magistrado, o recorrente e o corréu não apelante foram beneficiados, uma vez que, segundo jurisprudência dominante o aumento deveria ter sido de 3/8. Todavia, sem irresignação ministerial, nada pode ser feito. Nesse sentido transcrevemos o seguinte acórdão: Em face da Lei 9426/96, que acrescentou um causa de aumento ao dispositivo, que hoje descreve cinco circunstâncias, recomenda-se alteração do sistema de aplicação da pena, dividindo-se o acréscimo de 1/3 até a metade por cinco, sob a ótica progressiva: uma circunstância, 1/3; duas 3/8; três 5/12; quatro, 7/16, reservando-se o acréscimo de ½ se presentes as cinco causas especiais de aumento (TACrimSP, 14ª. CCrim., Ap.1.175.749, Rel. Juiz França Carvalho, j.07/12/1999, RJTACrimSP, 46.237, abr/jun. 2000, g.n.). Concluindo, nota-se que foi obedecido o sistema trifásico definido no art. 68, do Código Penal. O regime fechado é o recomendável ao caso presente, conforme as diretrizes estabelecidas nos art. 33, § 3º, do Código Penal. Observo que o total das penas, somado a todas as circunstâncias, em especial o elevado comprometimento da personalidade do réu, revela-se necessário o início da pena em regime mais gravoso. Aliás, cabe lembrar que esse tipo de infração intranquiliza a população e vem crescendo, principalmente nas metrópoles, o que justifica plenamente a fixação da modalidade mais severa para o cumprimento da pena. Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos nesses autos de Apelação nº 000735254.2011.8.26.0024, da Comarca de Andradina, em que é apelante RODRIGO GONÇALVES DO NASCIMENTO, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.” de conformidade com o voto de relator, que integra este acórdão. (Voto nº 28.493) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores EUVALDO CHAIB (Presidente) E IVANA DAVID. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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São Paulo, 22 de outubro de 2013. LUIS SOARES DE MELLO, Relator

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Ementa: Tentativa de furto qualificado por comparsaria e corrupção de menores (art. 155, § 4º, IV c.c. art. 14, II, Cód. Penal e art. 244-B do ECA, na forma do art. 69, Cód. Penal). Crimes caracterizados, integralmente. Prova tranquila de autoria e materialidade. Flagrante inquestionável. Palavras coerentes e incriminatórias da vítima, de testemunha presencial e de Policial Militar. Confissão parcial em Juízo, ademais. Responsabilização inevitável. Corrupção de menores caracterizada. Influência e liderança exercidas durante o crime. Manutenção de adolescente na esfera da criminalidade. Condenação imperiosa. Apenamento adequado, com substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Regime adequado. Apelo improvido.

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VOTO Visto. Ao relatório da sentença douta, que se acolhe e adota, acrescenta-se que Rodrigo Gonçalves do Nascimento saiu condenado às penas de 1 ano de reclusão (regime aberto), mais pagamento de 5 dias-multa, mínimo valor unitário, pela prática da infração penal capitulada no art. 155, § 4º, IV, c.c. 14, II, do Cód. Penal (tentativa de furto qualificado por comparsaria), e de 1 ano de reclusão (regime aberto), pela prática do delito previsto pelo art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (corrupção de menores) - substituídas as penas privativas de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade. O apelo do acusado - f. 152/157 - pretende, essencialmente, a modificação do julgado em sua parte meritória e conclusiva, buscando a improcedência da demanda e consequente inversão do resultado, com absolvição da prática de corrupção de menores, por defendida falta de materialidade. Anote-se contrarrazões ministeriais - f. 159/160 - pela mantença do decisório de origem. Autos distribuídos (f. 173), foram imediatamente encaminhados à douta Procuradoria de Justiça que, após vista regular, conclui, em parecer respeitável, pelo improvimento do inconformismo recursal - f. 174/175, chegando o feito ao Gabinete do Relator, finalmente, aos 23.ago.2013 (f. 176).


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É o relatório. Tentativa de furto qualificado por comparsaria e corrupção de menores, em concurso material (art. 155, § 4º, IV, c.c. art. 14, II, do Cód. Penal, e art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente). Acusado, mais comparsa adolescente, arromba o quebra-vento e adentra o automóvel da vítima, estacionado na via pública, mas é surpreendido pelo irmão daquela, e evadem-se do local. O acusado e o menor infrator são perseguidos pelo irmão da vítima, até serem detidos por Policiais Militares que passavam pelo local. Condenação acertada. Elementos mais que suficientes a garantir autoria e materialidade delitiva. Assim e de saída, pela materialidade demonstrada no (i) boletim de ocorrência, f. 15/17, (ii) auto de exibição e apreensão, f. 18, (iii) laudo pericial das chaves apreendidas em poder do acusado, f. 39/40, e (iv) auto de avaliação, f. 47. A autoria também é certa. De efeito. O acusado foi detido em plena flagrância delitiva, coisa que é inegável e inquestionável, nos autos. Esse fato, só por si, caracteriza por sem dúvidas e de pronto a autoria, uma vez que não há lógica capaz de fugir a essa interpretação. Quem é apanhado em pleno “iter criminis”, ou imediatae consequentemente a ele, como aqui, não tem como justificar a situação. Só por aí, então, e já seria aquela autoria indisputável, nada obstante mais, e forte, também haver contra o acusado. Assim, as importantíssimas palavras da testemunha presencial Vanderlei, f. 5 e 64. Afirma que foi guardar o carro do seu irmão na garagem e acabou surpreendendo o menor infrator Leonardo ao lado do veículo, e o acusado já no seu interior. Informa que o acusado e o adolescente imediatamente tentaram se evadir do local, mas os perseguiu até o momento em que encontrou os Policiais Militares, que os detiveram. A testemunha reconhece sem titubeios o acusado, dando ao julgador a certeza necessária a um julgamento de prudência. Por sua vez, a vítima João, em Juízo (f. 63), como fizera em inquisitório (f. 6), esclarece que foi acordado pelo seu irmão, que relatou a tentativa de subtração de seu automóvel e a perseguição e detenção do acusado e de seu comparsa. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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E essas palavras são seguras e firmes, o que só pode levar à certeza do quadro. No mesmo sentido incriminador, as narrativas do diligente e competente Policial Militar Odair, f. 3 e 65. Estoria exatamente a ação, em correspondência de detalhes, unicidade de entendimento e ação. Informa que estava em patrulhamento de rotina quando se deparou com a testemunha Vanderlei perseguindo o acusado e o menor infrator, e imediatamente os abordou. Esclarece que a testemunha relatou a tentativa de subtração, e deteve o acusado. Enfim e fugir de realidade tamanha é querer não enxergar o que os autos mostram com cristalinidade pura. Em remate e para além disso tudo, a confissão judicial do acusado (f. 66/67), ainda que parcial. O acusado admite ter invadido o veículo da vítima, sustentando que pretendia subtrair o som do automóvel, embora ressalve que o adolescente não participou da ação e sequer sabia de sua intenção. Donde o quadro probatório indicar como furtador exatamente aquele que apontado e responsabilizado. E quanto à corrupção de menores, de igual forma a autoria se desvela. Ao contrário do que pretende fazer crer a defesa, a materialidade do delito encontra-se suficientemente demonstrada através do auto de prisão em flagrante, na qualificação e interrogatório do menor Leonardo - f. 8. E este documento deve, sim, ser considerado hábil para comprovar a menoridade do comparsa Leonardo, posto que foi lavrado por autoridade competente, cujos atos gozam de presunção de veracidade “juris tantum”. Significa dizer que incumbia à defesa demonstrar fundamentar a inadmissibilidade daquele documento, comprovando a ocorrência de alguma circunstância que provocasse dúvidas acerca de sua legitimidade. O que aqui não se fez. Ademais, a dinâmica dos fatos demonstra que o acusado, durante o crime, exercia função preponderante, invadindo o veículo da vítima, enquanto o adolescente permanecia ao lado do automóvel, dando guarida à ação criminosa, pronto para auxiliar para a consumação do crime. Donde se depreende com clareza que o acusado era quem capitaneava as ações do crime, com domínio sobre o assecla. Daí se vê a influência que exercia sobre o adolescente, debutante na criminalidade sob a orientação do acusado.


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Condenação, portanto, inevitável, pelos crimes de tentativa de furto qualificado por comparsaria e corrupção de menores. “Quantum satis”, enfim. Apenamento. Para o crime de furto qualificado por comparsaria, pena-base fixada no mínimo legal, com posterior redução em 1/2, pela tentativa, tornando-se definitivas em 1 ano de reclusão, mais pagamento de 5 dias-multa, mínimo valor unitário. Quanto ao crime de corrupção de menores, pena-base fixada também no mínimo legal, ou seja, 1 ano de reclusão e, ausentes circunstâncias modificadoras, assim tornada definitiva. Preenchidos os requisitos legais, oportuna a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade. Por fim, regime aberto adequado, na hipótese de descumprimento das penas substitutivas. Nega-se provimento ao recurso.

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos nesses autos de Apelação nº 001337838.2012.8.26.0152, da Comarca de Cotia, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado JULIO CESAR DE CAMARGO ROCHA. ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Mantido o mais decidido, deram parcial provimento ao apelo para: (i) afastar o redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, redimensionando-se as penas do acusado em 5 anos de reclusão, mais pagamento de 500 dias- multa, valor unitário mínimo; e (ii) cassar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e multa, expedindo-se mandado de prisão. v.u.” de conformidade com o voto de relator, que integra este acórdão. (Voto nº 28.762) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores EUVALDO CHAIB (Presidente) E IVANA DAVID. São Paulo, 22 de outubro de 2013. LUIS SOARES DE MELLO, Relator

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VOTO Visto. Ao relatório da sentença douta, que se acolhe e adota, acrescenta-se que Júlio Cezar de Camargo Rocha saiu condenado às penas de 1 ano e 8 meses de reclusão (regime inicial fechado), mais pagamento de 166 diasmulta, mínimo valor unitário - substituída a corporal por restritiva de direitos e multa -, pela prática da infração penal capitulada no art. 33, “caput”, da Lei nº 11.343/06 (tráfico ilícito de entorpecentes). O apelo ministerial - f. 109/115 - pleiteia: (i) fixação da pena-base acima do mínimo legal; (ii) inaplicabilidade do redutor disciplinado no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006; e (iii) cassação das penas alternativas. Anotam-se contrarrazões - f. 120/122 - que defendem a mantença do decisório. Autos distribuídos (f. 126), foram imediatamente encaminhados à douta Procuradoria de Justiça que, após vista regular, conclui, em parecer respeitável, pelo provimento do inconformismo recursal - f. 127/135 -, chegando o feito ao Gabinete do Relator, finalmente, aos 16.set.2013 (f. 136). É o relatório. Tráfico ilícito de entorpecentes (art. 33, “caput”, da Lei nº 11.343/06). Guardas Civis, realizando patrulhamento de rotina, resolvem proceder à abordagem do acusado. Em revista pessoal, os Agentes Municipais localizam em um dos bolsos de sua blusa um frasco plástico contendo porções de crack, cocaína e maconha. Ao ser surpreendido, o acusado indica o local em que mantinha em depósito o restante das drogas, totalizando 59 ‘pedras’ de crack (31,24 gramas),

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Ementa: Tráfico ilícito de entorpecentes (art. 33, ‘caput’, da Lei nº 11.343/06). Provas seguras de autoria e materialidade. Flagrante inquestionável. Acondicionamento e quantidade das drogas que revelam comércio. Palavras coerentes e incriminatórias de Guardas Civis Municipais. Versão exculpatória inverossímil. Responsabilização inevitável. Condenação imperiosa. Apenamento. Necessidade de correção. Redutor do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, que deve ser afastado. Regime inicial fechado único possível. Inviabilidade de substituição da corporal por pena alternativa e multa. Apelo parcialmente provido.


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44 ‘pinos’ de cocaína (70,17 gramas) e 27 porções de maconha (94,64 gramas). O réu - que também estava na posse da quantia de R$ 38,50, em dinheiro - é detido em flagrante. Estes os fatos, em suma. Elementos mais que suficientes a garantir autoria e materialidade delitivas. Está caracterizada pelo (i) auto de exibição e apreensão (f. 11/12); (ii) laudo de constatação (f. 14/15); e (iii) exame químico-toxicológico, a bem caracterizar as substâncias entorpecentes (f. 47/50). A autoria, por seu turno, é incontestável. A começar pelo estado flagrancial. De efeito. Esse fato, só por si, caracteriza por sem dúvidas e de pronto a autoria - e o próprio tráfico - uma vez que não há lógica capaz de fugir a essa interpretação. Quem é apanhado em pleno “iter criminis”, como aqui, trazendo consigo e mantendo em depósito tamanha quantidade e variedade de drogas - 59 ‘pedras’ de crack, 44 ‘pinos’ de cocaína e 27 porções de maconha, repita-se -, além de valores em dinheiro, simplesmente não tem como justificar a situação. Não há explicação razoável ou verossímil para tal atitude, senão aquela que a entenda destinada ao comércio. Fugir desta realidade é fechar os olhos ao óbvio e desprezar o bom-senso. Só por aí e já seria - e é verdadeiramente - indisputável, nada obstante mais, e forte, também haver contra o acusado. Assim as narrativas dos diligentes e competentes Guardas Civis (i) Gilson, f. 3 e mídia de f. 76; e (ii) Janaína, f. 5 e mídia de f. 101. Estoriam exatamente a ação, em correspondência de detalhes, unicidade de entendimento e ação. Na ocasião, os Agentes Municipais realizavam patrulhamento quando resolveram proceder à abordagem do acusado, que tentou evitar a aproximação da viatura. Em revista pessoal, os Guardas Municipais localizaram no bolso de sua blusa 9 ‘pedras’ de crack, 9 ‘pinos’ de cocaína e 4 porções de maconha armazenadas em um frasco plástico. Ao ser surpreendido, o acusado admitiu informalmente o tráfico e indicou o local em que mantinha o restante das drogas - apreendidas no interior de uma bolsa tipo ‘pochete’, escondida sob um pedaço de tábua. Pois bem. Evidentemente autênticos os relatos. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Enfim e fugir de realidade tamanha é querer não enxergar o que os autos mostram com cristalinidade pura. E nada se alegue contra as palavras daqueles agentes da lei. Porquanto não há suspeita sobre elas, mormente quando, exatamente como aqui, estão coerentes e consonantes ao demais do contexto probatório. A jurisprudência pátria, a esta altura, tem constantemente acolhido a palavra de agentes públicos como prova segura, firme e convincente, notadamente quando, como aqui, esteja coerente ao mais probatório colacionado e não discrepe do mais produzido, em sua essência. O que só pode levar à certeza do quadro. No vazio, portanto, a versão exculpatória oferecida pelo acusado - resumindo-se a negar a propriedade das drogas, mídia de f. 101 -, verdadeiramente fantasiosa e perdida em si mesma, quando confrontada, não só face sua posição inverossímil, como e principalmente porque improvada. Procura, em verdade, atribuir os fatos ao infortúnio e a uma leviana vontade dos Guardas Municipais de incriminá-lo injustamente. Pois bem. Para além de fantasiosa, a versão do acusado está isolada e desacompanhada de qualquer elemento probatório. Nesses termos, aceitar-se sua versão, “data venia”, seria fechar os olhos a uma realidade manifesta e dar costas ao óbvio, em total e completo desapego às normas genéricas da verdade e de bom-senso, que emanam sem nenhuma dúvida dos autos. Nada obstante deva estar o julgador sempre atento e dedicado às teses defensórias, verdade é que há um momento em que as versões não podem ser aceitas, pelo óbvio manifesto que representam sua irrealidade. O julgador, então, que é e deve ser homem de bom senso e com preocupação com a realidade ideal, pode e deve sempre afastar as teses sem qualquer cunho de razoabilidade, como aqui. Dar-se crédito àquele que é surpreendido em conhecido ponto de tráfico, em poder de mais de uma centena de porções de cocaína, “crack” e maconha, em plena e objetiva ação delituosa, em detrimento das palavras dos agentes da lei, que cumpriam seu papel de proteger a sociedade, seria inverter de tal forma os valores que se deixaria em descrédito a própria Justiça. Tanto não é possível, na verdade, exatamente porque as escusas são para livrá-lo da responsabilização, que é imperiosa, todavia. Ou valem as palavras dos Policiais ou se estará dando crédito maior a quem comercializa a droga, em plena ação delituosa. Enfim.


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Não há, nem de longe, fragilidade probatória. Ela, ao reverso, é plena, categórica. E nada foi feito ou produzido pela defesa, capaz de invalidar ou diminuir a força probante que os autos revelam. Donde o quadro probatório indicar como autor do delito exatamente aquele que apontado e responsabilizado. Condenação, portanto, inevitável. “Quantum satis”. Apenamento deve ser revisto. Base fixada no mínimo legal. É certo que a situação é grave e tem que ser, como está sendo, combatida, porém, ao contrário do alegado pelo Ministério Público, “data venia”, afigurase adequada e dentro dos parâmetros desta C. Câmara, a imposição das reprimendas no patamar mínimo, diante da primariedade do acusado. E da base e mínimo legal a pena não pode descer, ainda que o réu fosse relativamente menor - f. 24 - à época dos fatos (Súmula nº 231, do C. Superior Tribunal de Justiça: “A incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”). Por outro lado, com absoluta razão o reclamo ministerial ao pleitear a inaplicabilidade da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006. Isto porque, nada obstante tenha a novel legislação antidrogas (Lei nº 11.343, 23.ago.2006) criado aparente situação mais favorável aos traficantes primários (art. 33, § 4º), não é o caso de aqui considerá-la mais benéfica e em favor do réu (“lex mitior”), porque meramente facultativa a situação (“...as penas poderão ser reduzidas...” g. do a.), o que desabilita sua aplicabilidade para o caso concreto, mais aqui, evidentemente, face à considerável quantidade e variedade de entorpecentes apreendidos, de alto poder lesivo à saúde humana, levando a crer que o acusado já vinha desenvolvendo a atividade ilícita há algum tempo. O que denota habitualidade constante e reiterada, a revelar que o réu não pode ser tratado igualmente a outros. Portanto, resultam as penas do acusado em 5 anos de reclusão, mais pagamento de 500 dias-multa, valor unitário mínimo. Quanto ao regime, outro não poderia ser que não o fechado. Não obstante recentíssima decisão proferida pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, com declaração da inconstitucionalidade - incidentalmente -, do disposto no art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, não há como aplicar, “in casu”, regime inicial menos severo. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Até em atenção ao art. 33, § 3º, do Código Penal. E também se sabe, malgrado a edição da Súmula n° 719, pela Corte Máxima, que pode perfeitamente e ainda o regime fechado ser o adotado, quando devidamente justificado. Exatamente como na espécie. Afinal, o réu foi surpreendido, aqui, em poder de entorpecentes de natureza nefasta: cocaína e crack - de implacável torpor violento e desmedido, alterador de razões, debilitante do corpo e de desestruturação mental. Tudo a revelar, portanto e enfim, que o tráfico vem, com a falta de rigor na aplicação da Lei, tomando conta da sociedade, a incutir-se como ato corriqueiro e cotidiano, ocorrido aos olhos de todos, sem que o Estado nada faça para punir aqueles que transgridam - em plena confiança de impunidade - a ordem jurídica em que a legislação se sustenta. Ora. O Direito é, acima de tudo e simplesmente, um fenômeno social, dês que a própria Justiça é um ideal humano. Assim, as Leis e o ordenamento jurídico são frutos dos anseios de uma sociedade, que visam a proteger seus valores básicos através dos Poderes do Estado. Destarte, se a Lei objetiva recrudescer a situação dada ao traficante, a impor-lhe pena grave, evidente que a atuação do Judiciário não pode perder este norte. O julgador, portanto, agente político que é e com evidente função social, deve guinar a este sentido. Daí que aquele que infringe as normas penais dá um passo transgressor, contrário e desrespeitoso ao seio social em que convive, momento em que fica sujeito, de forma consciente, à atuação do Estado, que deve ser, também, retributiva. Com isso, não se pode jamais perder de vista que o tráfico de drogas tratase de delito nefasto, que deturpa a sociedade, destrói seres humanos e lares, bem como ampara todo o mundo da criminalidade. Daí que aquele que se dispõe a disseminar entorpecente, cujo vício é odiável e de difícil recuperação, a infligir transtornos não apenas ao próprio dependente, como também a todo seu seio familiar e social, contribui para a destruição da própria sociedade. Merece, por isso, fixação de regime inicial compatível com as circunstâncias e consequências do delito por ele praticado. Ademais, vale dizer. Àquele que é surpreendido em circunstâncias tais como as descritas


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nos autos, não há como aplicar-se regime mais brando, sob pena de violação ao princípio constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da Constituição Federal), o que não se pode permitir. Garante-se, ao caso concreto, tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais. Daí porque o regime inicial fechado é mais do que aqui indicado. Impossibilitada, por fim, a substituição da corporal por restritiva de direitos - prestação de serviços à comunidade - e multa, “data venia” do entendimento esposado na origem. Isto porque, evidente que a benesse, “in casu”, não ostenta caráter suficientemente retributivo (art. 44, III, do Código Penal). Nem é bastante à reeducação do acusado. Que, em verdade, verá a sua liberdade e branda pena como incentivo a que torne a propagar o tráfico por sua comunidade. Não se pode perder de vista que, afastado aqui o redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, o novo “quantum” das penas fixadas ao réu, por si só, afasta qualquer possibilidade de concessão da benesse (art. 44, I, do Código Penal). Tem-se, portanto e por evidente, que a aplicação de restritivas de direitos não condiz com a gravíssima conduta praticada pelo acusado, encontrando óbice no art. 44, I e III, do Código Penal. Daí o apelo ministerial - que veio em ótima hora - e que também vinga nesta parte. POSTO e mantido o mais decidido, dá-se parcial provimento ao apelo para: (i) afastar o redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, redimensionando-se as penas do acusado em 5 anos de reclusão, mais pagamento de 500 dias-multa, valor unitário mínimo; e (ii) cassar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e multa. Expeça-se mandado de prisão.

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 000828786.2008.8.26.0481, da Comarca de Presidente Epitácio, em que são apelantes IDIEL MACKIEVICZ VIEIRA e DANILO MACHADO MARTINS, é apelado Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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VOTO Vistos. IDIEL MACKIEVICZ VIEIRA e DANILO MACHADO MARTINS foram denunciados e processados perante o juízo da 1ª Vara Judicial da Comarca Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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Ementa: Disparo de arma de fogo - Palavra dos policiais - Laudo pericial indicando marcas de projéteis em placa de sinalização - Perigo à segurança pública caracterizado - Condenação mantida; Disparo de arma de fogo - Crime fim - Porte ilegal Absorção - Ocorrência - Absolvição decretada; Disparo de arma de fogo - Circunstâncias judiciais Utilização de ações penais em curso para exasperação da pena base - Impossibilidade - Súmula nº 444, do Superior Tribunal de Justiça; Disparo de arma de fogo - Requisitos do art. 44, do Código Penal - Ocorrência - Recurso parcialmente provido para afastar o crime de porte ilegal de arma de fogo, adequar a pena dos acusados, com substituição por restritiva de direitos.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 4ª Câmara Criminal Extraordinária do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento parcial ao recurso para absolver os apelantes do crime de porte ilegal de arma, com fundamento no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal e para reduzir as penas impostas pelo crime de disparo de arma de fogo para 2 anos de reclusão e 10 dias-multa, de valor unitário mínimo para Danilo e 2 anos de reclusão e 10 dias-multa, de valor unitário equivalente a um salário mínimo para Idiel, substituída a pena privativa de liberdade de ambos por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e mais 10 dias-multa com o mesmo valor unitário acima. V.U. Sustentou oralmente o Ilmo. Defensor, Dr. Carlos Roberto Rossato e usou da palavra o Exmo. Procurador de Justiça, Dr. Ruy Cid Martins Vianna.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 2844) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores EUVALDO CHAIB (Presidente) E SALLES ABREU. São Paulo, 24 de outubro de 2013. ALEXANDRE ALMEIDA, Relator


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de Presidente Epitácio, apontados como incursos no art. 14 e art. 15, ambos da Lei nº 10.826/03, c.c. o art. 69, do Código Penal. Segundo a inicial, no dia 07 de agosto de 2008, por volta de 22h30min, na boate “Ele e Ela”, localizada na Rua Sebastião Lopes, nº 29-48, na cidade de Presidente Epitácio, agindo em concurso de agentes, portavam um revólver da marca “Taurus” calibre 38, nº 834479, municiado com 06 cartuchos, e mais 26 cartuchos intactos, de uso permitido, sem autorização legal. Além disso, na mesma data, no trevo de acesso à cidade de Presidente Epitácio, efetuaram disparos de arma de fogo em via pública. Após regular instrução, sobreveio a r. sentença de fls. 187/199, prolatada pela MMª. Juíza de Direito Dra. Daiane Thaís Souto Oliva de Souza, que julgou procedente a ação penal e condenou os acusados por infração ao art. 14 e art. 15, ambos da Lei nº 10.826/03, cada um ao cumprimento da pena de 4 anos e 8 meses de reclusão em regime inicial semiaberto e pagamento de 22 dias-multa, de valor unitário mínimo para Danilo e com valor unitário correspondente a 1 salário mínimo para Idiel. Inconformada recorre a Defesa sustentando, em síntese, que o apelante Idiel não participou do delito, pois apenas acompanhava o corréu, que possui permissão para portar arma de fogo, e que os disparos não expuseram ninguém a perigo, tudo levando à absolvição. Subsidiariamente, pleiteia a absorção do crime de porte de arma pelo de disparo e o estabelecimento do regime prisional aberto (fls. 235/247). Recebido o recurso (fls. 218), vieram aos autos as contrarrazões (fls. 251/256). A d. Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo improvimento do apelo (fls. 262/266). Anote-se que o processo foi inicialmente distribuído para a Col. 2ª Câmara de Direito Criminal (fls. 261), mas acabou redistribuído para essa E. 4ª Câmara Criminal Extraordinária em 03 de setembro de 2013 (fls. 278). É o relatório. Cuida-se de apelação interposta por Idiel Mackievicz Vieira e Danilo Machado Martins contra a r. sentença de fls. 187/199 que julgou procedente a ação e os condenou por infração ao art. 14 e art. 15, ambos da Lei nº 10.826/03, cada um ao cumprimento da pena de 4 anos e 8 meses de reclusão em regime inicial semiaberto e pagamento de 22 dias-multa, de valor unitário mínimo para Danilo e com valor unitário correspondente a 1 salário mínimo para Idiel. E, na análise dos argumentos trazidos com o recurso, forçoso concluir que a absolvição era mesmo impossível. A materialidade dos delitos está comprovada pelos laudos periciais de fls. 49/54 e 79/84, que atestaram, respectivamente, a existência dos disparos na Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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placa de sinalização e a potencialidade lesiva da arma, enquanto a autoria restou bem demonstrada pela prova produzida. De fato, interrogados perante a autoridade policial, Idiel afirmou que conduzia seu veículo, quando encontrou o acusado Danilo para contratá-lo como segurança particular. Nessa ocasião, quando parou o carro e ele sacou uma arma de fogo e desferiu tiros em direção a uma placa de sinalização e depois, quando estavam em uma boate da cidade foram abordados por policiais que encontraram a arma de fogo no interior de seu veículo (fls. 9/10). O corréu Danilo, por sua vez, confirmou a versão do comparsa (fls. 22/23). Entretanto, ambos foram incriminados pelos policiais militares Marcio Roberto Brambila e Ricardo Monteiro, que receberam denúncia anônima informando sobre os disparos de arma de fogo e indicando as características do veículo. Acrescentaram que procuraram pelo carro e o localizaram em uma boate onde estavam os réus, ocasião em que o corréu Danilo confessou que buscou a arma em sua residência para entregá-la a Idiel e desferiram tiros contra uma placa sinalizadora (fls. 7 e 8). Somente por esses elementos já se tinha razoável certeza a propósito da procedência da acusação. Mas não é só, pois em juízo, agora sob as garantias do contraditório, o apelante Danilo admitiu que portava a arma de fogo juntamente com o corréu, pois este queria comprá-la, mas apenas ele (Danilo) realizou os disparos (fls. 167). O acusado Idiel, por sua vez, embora intimado (fls. 107v), preferiu a revelia (fls. 161v e 162/163), não tratando de apresentar sua versão dos fatos ao Magistrado, tampouco de desmentir os fortes indícios existentes contra ele, mas a despeito disso, tem-se que a prova produzida tratou de comprovar com segurança a responsabilidade de ambos. É que os policiais, em declarações coerentes com aquelas prestadas no flagrante, reafirmaram que abordaram os acusados na boate e apreenderam o revólver no veículo de propriedade de Idiel, esclarecendo, inclusive, que compareceram ao local para apurar denúncia sobre disparos que tinham sido efetuados contra uma placa sinalizadora, fato que acabou confirmado informalmente pelos apelantes (fls. 153/155 e 156/157). Tais depoimentos foram confirmados pelo também policial Marcos Antônio Teixeira de Souza, que acrescentou ter recebido a denúncia de um casal que namorava debaixo do viaduto e constatou as marcas de disparos na placa sinalizadora (fls. 165). Ora, como se sabe, a lei não tira a validade do depoimento do policial, que é testemunha como outra qualquer, não figurando entre os impedidos ou suspeitos, além de se sujeitar ao compromisso e às penas do falso testemunho,


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caso venha a faltar com a verdade. Assim, o que cumpre normalmente é conferir às declarações do policial o merecido vm130184alor em confronto com os demais elementos de convicção trazidos aos autos. Nessa esteira já decidiu o Col. Supremo Tribunal Federal, dando relevância ao testemunho de policiais: “o valor do depoimento testemunhal de servidores público - especialmente quando prestados em juízo, sob a garantia do contraditório - reveste-se de inquestionável eficácia probatória, não se podendo desqualificá-lo pelo só fato de emanar de agentes estatais incumbidos, por dever de ofício, da repressão penal” (HC nº 74.608-0/SP, rel. Min. Celso de Mello). E também o Col. Superior Tribunal de Justiça: “Conforme orientação há muito sedimentada nesta Corte Superior, são válidos os depoimentos dos Policiais em juízo, mormente quando submetidos ao necessário contraditório e corroborados pelas demais provas colhidas e pelas circunstâncias em que ocorreu o delito, tal como se dá na espécie em exame.” (HC 168.476/ES, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 25/11/2010, DJe 13/12/2010). “Conforme entendimento desta Corte, o depoimento de policiais responsáveis pela prisão em flagrante do acusado constitui meio de prova idôneo a embasar o édito condenatório, mormente quando corroborado em Juízo, no âmbito do devido processo legal.” (HC 146.381/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 17/06/2010, DJe 09/08/2010). “Embora existam críticas acerca do valor das declarações prestadas pelo ofendido - no caso os policiais, representado o Estado Administrador/sujeito passivo do crime -, é certo que tal elemento de prova é admitido para embasar o édito condenatório, mormente em casos nos quais a conduta delituosa é praticada na clandestinidade, desde que sopesada a credibilidade do depoimento. 4. Nesse contexto, e com maior razão, esta Corte tem entendimento pacífico no sentido de que o depoimento de policiais constitui meio de prova idôneo a dar azo à condenação, principalmente quando corroborada em juízo.” (HC 177.980/BA, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 28/06/2011, DJe 01/08/2011). No caso dos autos, repita-se, os depoimentos dos policiais que participaram da diligência não mereceram contrariedade de qualquer outra prova produzida nos autos. Assim, na medida em que as palavras dos réus restaram isoladas nos autos, e como estavam juntos, inclusive com indicação de que Idiel pretendia Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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comprar a arma, o que se tem é prova segura de que juntos efetuaram disparos de arma de fogo, de sorte que a condenação pelo crime do art. 15, da Lei nº 10.826/03 era mesmo a solução correta para o caso em questão. Nem se alegue, como pretende a Defesa, que o local era inabitado e por isso a conduta seria atípica, pois, na verdade, os disparos ocorreram em plena via pública, onde a presença de pessoas é presumida, ainda que, no momento, ninguém estivesse presente. Na verdade, certamente trafegam veículos e pessoas diariamente pelo local, de sorte que os disparos a esmo, ainda que em direção à placa de sinalização como efetuado pelos apelantes, certamente coloca em risco a segurança pública. Indiscutível, então, o acerto da condenação em relação ao disparo de arma de fogo, mas o mesmo não se pode dizer quanto ao de porte, que deve mesmo ser havido como absorvido pelo crime-fim. Na verdade, o porte do revólver municiado com cápsulas íntegras apenas representou meio para a execução do delito que realmente pretendiam praticar, que era o disparo dessa arma. Ora, conforme jurisprudência deste Egrégio Tribunal de Justiça, “Sabe-se que o crime consuntivo atrai os demais, formando uma unidade, um só delito, sendo que os outros (crimes meio) passam a fazer parte de seu contexto. Assim, se o acusado portava arma de fogo para efetuar disparos em local habitado, deve responder somente pelo último, pois, por lógica, não é possível efetuar tais disparos sem portar o armamento. A posse ou o porte de arma de fogo, mesmo em desacordo com determinação legal, configuram um fato anterior não punível, sob pena de caracterizar bis in idem, caso se evidencie um mesmo contexto fático” (Apelação nº 0060848-85.2009.8.26.0050, 4ª Câmara de Direito Criminal, rel. Des. Salles Abreu, julgado em 07/01/2012). De mais a mais, tanto é evidente que a intenção eram os disparos, que a arma foi apreendida quando estava no carro dos acusados e não em poder deles, em demonstração de que não houve conduta autônoma, mas delito único. Resta analisar, então, a pena imposta. Entretanto, respeitado o entendimento da ilustre Magistrada sentenciante, tem-se que as circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal, não são desfavoráveis aos acusados, pois a certidão de fls. 114 diz respeito à existência de processo em andamento em relação ao corréu Danilo e não pode servir, por si só, como indicativo de má conduta social, sob pena de violação ao princípio constitucional da presunção de inocência (Súmula nº 444, do Superior Tribunal de Justiça). Também aquela outra de fls. 111, indica condenação de Idiel por crime de porte de drogas extinta há mais de 20 anos, sem que se vislumbre, com isso, a ocorrência de maus antecedentes. Assim, a pena dos dois acusados fica reduzida para o mínimo legal de 2


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anos de reclusão e 10 dias-multa, de valor unitário mínimo para Danilo e igual a um salário mínimo para Idiel, que tem condição econômica diferenciada, já que é advogado (fls. 12). Por fim, estão presentes os requisitos do art. 44, do Código Penal, pois os réus são primários e, como se viu, sem antecedentes desabonadores, de sorte que a pena privativa de liberdade de ambos fica substituída por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade, na forma e local a serem definidos pelo juízo das execuções e mais 10 dias-multa, de valor unitário mínimo para Danilo e de valor equivalente a um salário mínimo para Idiel. Pelos mesmos motivos, em caso de revogação do benefício, o regime aberto para o início de cumprimento da pena corporal é o que se mostra mais razoável para ambos os acusados. Em suma, o provimento parcial do recurso é medida que se impõe. Diante do exposto, DÁ-SE PROVIMENTO PARCIALAO RECURSO, para absolver os apelantes do crime de porte ilegal de arma, com fundamento no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal e para reduzir as penas impostas pelo crime de disparo de arma de fogo para 2 anos de reclusão e 10 dias-multa, de valor unitário mínimo para Danilo e 2 anos de reclusão e 10 dias-multa, de valor unitário equivalente a um salário mínimo para Idiel, substituída a pena privativa de liberdade de ambos por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e mais 10 diasmulta com o mesmo valor unitário acima. Custas na forma da lei.

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 000218284.2012.8.26.0471, da Comarca de Porto Feliz, em que é apelante LEONEL VICENTE DA SILVA, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO à apelação interposta por LEONEL VICENTE DA SILVA, a fim de reduzir a pena a 09 meses e 10 dias de detenção, e pagamento de 15 dias-multa, e proibição de conduzir veículo automotor pelo prazo de 03 meses e 03 dias, mantida, no mais, a sentença condenatória. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 07331) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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FRANCISCO ORLANDO (Presidente sem voto), IVAN MARQUES E ALMEIDA SAMPAIO. São Paulo, 21 de outubro de 2013. ALEX ZILENOVSKI, Relator Ementa: EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306, CTB) - Autoria e materialidade devidamente comprovadas. Recurso parcialmente provido para outro fim. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - Exame de sangue - Prova ilícita - Inocorrência - Não há que se falar em ilegalidade dessa prova. Isso porque como muito bem salientou o Magistrado sentenciante, “o réu não alegou que foi forçado a fazer o exame, mas sim que concordou, apenas que ficou com medo dos policiais, sem narrar ameaça alguma. Além disso, não há prova de ameaça. Portanto, a prova é válida”. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE Inconstitucionalidade - Inocorrência - A infração em tela é de perigo abstrato, que prescinde do dano ou perigo de danos concretos. Neste sentido, a Jurisprudência dos Tribunais Superiores.

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VOTO Vistos. Adotado o relatório da r. sentença atacada (fls. 94/95), que passa a fazer parte deste voto, cumpre acrescer que o apelante LEONEL VICENTE DA SILVA foi condenado à pena de 01 ano e 04 meses de detenção, em regime inicial semiaberto, mais 15 dias-multa, e proibição de conduzir veículos automotores pelo mesmo prazo da condenação, por infração à norma penal contida no art. 306, CTB. Inconformado, apelou (fls. 107/109), sustentando a inconstitucionalidade no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, porquanto estabelece um nível de álcool e, assim, faz presumir que toda pessoa ao alcançá-lo estará embriagada, cuja presunção contra o réu é vedada no Direito Penal. Também menciona que a materialidade do delito não se encontra comprovada nos autos. As contrarrazões foram ofertadas (fls. 115/119). A DD. Procuradoria de Justiça opinou pelo improvimento do apelo defensivo (fls. 127/130).


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É o relato do necessário. A manutenção da condenação é medida de rigor. O MD. Magistrado sentenciante analisou as provas produzidas de modo sereno e correto, razão pela qual a r. sentença atacada há de ser mantida. Ouvido o Policial Militar, Douglas (fls. 98/99), este confirmou que foi atender a uma ocorrência, deparando-se com o réu, que tentava sair com o caminhão, sendo abordado, constatando que este exalava odor etílico. Disse que apresentaram a ocorrência e, no hospital, o apelante foi submetido a exame de sangue. Interrogado em Juízo (fls. 100/102), o réu não negou que conduzia o caminhão, afirmando, no entanto, que havia ingerido bebida alcoólica dias antes. A materialidade também se encontra comprovada através do exame de sangue de fls. 14, que concluiu pelo resultado positivo, na concentração de 2,1 g/l (dois gramas e um decigrama por litro de sangue). Não há que se falar em ilegalidade dessa prova. Isso porque como muito bem salientou o Magistrado sentenciante, “o réu não alegou que foi forçado a fazer o exame, mas sim que concordou, apenas que ficou com medo dos policiais, sem narrar ameaça alguma. Além disso, não há prova de ameaça. Portanto, a prova é válida”. Também não há que se falar em inconstitucionalidade do artigo 306 do Código Brasileiro de Trânsito. A infração em tela é de perigo abstrato, que prescinde do dano ou perigo de danos concretos. Neste sentido, a Jurisprudência dos Tribunais Superiores: Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO REFERIDO TIPO PENAL POR TRATAR-SE DE CRIME DE PERIGO ABSTRATO. IMPROCEDÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I - A objetividade jurídica do delito tipificado na mencionada norma transcende a mera proteção da incolumidade pessoal, para alcançar também a tutela da proteção de todo corpo social, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança nas vias públicas. II - Mostra-se irrelevante, nesse contexto, indagar se o comportamento do agente atingiu, ou não, concretamente, o bem jurídico tutelado pela norma, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o resultado. Precedente. III - No tipo penal sob análise, basta que se comprove que o acusado conduzia veículo automotor, na via pública, apresentando concentração de álcool no sangue igual ou superior a 6 decigramas por litro para que esteja caracterizado o perigo ao bem jurídico tutelado e, portanto, configurado o crime. IV - Por opção Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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legislativa, não se faz necessária a prova do risco potencial de dano causado pela conduta do agente que dirige embriagado, inexistindo qualquer inconstitucionalidade em tal previsão legal. V - Ordem denegada. (HC 109269, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 27/09/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 10-10-2011 PUBLIC 11-10-2011 RT v. 101, n. 916, 2012, p. 639-644 REVJMG v. 62, n. 198, 2011, p. 413-415) PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. DECRETO CONDENATÓRIO TRANSITADO EM JULGADO. IMPETRAÇÃO QUE DEVE SER COMPREENDIDA DENTRO DOS LIMITES RECURSAIS. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE, NULIDADE ABSOLUTA OU TERATOLOGIA A SER SANADA. ORDEM DENEGADA. ( ... ) IV. A redação do art. 306 da Lei nº 9.503/97 dada pela Lei nº 11.705/08 suprimiu a elementar do tipo “expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”, de modo que a mera constatação da condução de veículo automotor em via pública com concentração alcóolica igual ou superior a 6 (seis) decigramas configura o delito. V. O delito de embriaguez ao volante é crime de perigo abstrato. Precedentes. ( ... ) VII. Ordem denegada. (HC 167.882/DF, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 14/03/2012) Ademais, mesmo que o delito fosse de perigo concreto, há notícia nos autos de que o apelante trafegava pela contramão de direção. Impossível, portanto, se falar em absolvição. Assim, não procedem as teses invocadas nas razões recursais, cujos fundamentos já foram bem analisados e rejeitados quando da condenação, razões estas que perduram e que ora invoco, nada mais tendo a acrescer nos termos autorizativos do art. 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo (nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando, suficientemente motivada, houver de mantê-la). Por outro lado, a sentença merece reparo quanto à dosimetria da pena imposta.


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O Magistrado sentenciante agiu com excessivo rigor ao dobrar a penabase. Assim, considerando que o réu dirigia um caminhão de grande porte, carregado com 15 toneladas, por rodovias, entre Piracicaba e Porto Feliz, causando enormes perigos à segurança e à vida dos demais usuários da rodovia, majoro a pena-base de 1/3 (um terço), alcançando 08 meses de detenção e pagamento de 13 dias-multa. Na segunda fase, em virtude da comprovada reincidência (fls. 47), elevo a pena de mais 1/6 (um sexto), atingindo 09 meses e 10 dias de detenção, e pagamento de 15 dias-multa, que torno definitiva ante a ausência de outras modificadoras. A proibição para dirigir veículo automotor, seguindo os mesmos critérios, fica estabelecida em 03 meses e 03 dias. Mantenho o regime inicial semiaberto em virtude da reincidência. Posto isto, DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO à apelação interposta por LEONEL VICENTE DA SILVA, a fim de reduzir a pena a 09 meses e 10 dias de detenção, e pagamento de 15 dias-multa, e proibição de conduzir veículo automotor pelo prazo de 03 meses e 03 dias, mantida, no mais, a sentença condenatória.

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 000092706.2011.8.26.0543, da Comarca de Santa Isabel, em que é apelante VINÍCIUS DOS SANTOS SOUZA, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento parcial ao recurso de apelação, para reduzir a pena do estupro para 10 anos de reclusão e a pena de ameaça para 01 mês e 10 dias de detenção, bem como para estabelecer o regime semiaberto para início do cumprimento da pena do crime de ameaça, mantida, no mais, a r. sentença. V.U.”, de conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão. (Voto nº 15.383) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GUILHERME G.STRENGER (Presidente sem voto), XAVIER DE SOUZA E PAIVA COUTINHO. São Paulo, 16 de outubro de 2013. MARIA TEREZA DO AMARAL, Relatora

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VOTO VINÍCIUS DOS SANTOS SOUZA foi condenado ao cumprimento de 11 anos e 08 meses de reclusão, em regime fechado, como incurso no artigo 213, caput, bem como às penas de 01 ano e 02 meses de reclusão, também em regime fechado, pela prática do delito do art. 147, ambos do Código Penal, negado o direito de recorrer em liberdade. Inconformado, apela. Alega que não há prova de ter agido mediante violência ou grave ameaça contra a vítima, que a condenação está embasada unicamente nas palavras desta e, subsidiariamente, pede o reconhecimento da continuidade delitiva, a absorção da ameaça e dos atos libidinosos praticados pelo crime de estupro, respondendo por um só crime de estupro.

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Ementa: APELAÇÃO - ESTUPRO E AMEAÇA PROVAS SUFICIENTES DE MATERIALIDADE E AUTORIA - PROVA PERICIAL E TESTEMUNHAL - PALAVRA DA VÍTIMA - CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA PENAL READEQUADA - PENAS DE AMBOS OS DELITOS FIXADAS ACIMA DO MÍNIMO, EM RAZÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS AO ACUSADO, E AUMENTADAS PELA REINCIDÊNCIA. REDUÇÃO DA PENA DO ESTUPRO AO MÍNIMO LEGAL - 10 ANOS DE RECLUSÃO ENTENDIMENTO A CONTRARIO SENSU DA SÚMULA 231 DO STJ - NECESSIDADE. REDUÇÃO DA PENA DO CRIME DE AMEAÇA - 01 MÊS E 10 DIAS DE DETENÇÃO - NECESSIDADE PENAABSTRATAMENTE COMINADA INFERIOR À ESTABELECIDA NA R. SENTENÇA. REGIME INICIAL FECHADO PARA O CRIME DE ESTUPRO - QUANTIDADA DA PENA E NATUREZA HEDIONDA DO DELITO. SUSBTITUIÇÃO DO REGIME FECHADO PELO SEMIABERTO PARA O DELITO DE AMEAÇA - NECESSIDADE - CRIME APENADO COM DETENÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.


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Regularmente processado e respondido o recurso, a douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo improvimento. É o relatório. Narra a denúncia que no dia 04 de março de 2011, na Rua Prefeito Hilário Dassiê, 1.026, na cidade de Santa Isabel, o acusado constrangeu Camila Rodrigues Pereira à prática de atos libidinosos e conjunção carnal, mediante grave ameaça, bem como a ameaçou de causar-lhe mal injusto e grave. A vítima estava em sua casa com seus três filhos menores, quando ouviu um barulho no muro. Logo em seguida, ouviu alguém bater à porta, perguntou quem era e o invasor respondeu que estava ali à procura de um indivíduo conhecido como “Cabelo”. A vítima respondeu que ali não residia ninguém como este apelido e insistiu para que o rapaz deixasse sua residência, mas este arrombou a porta e adentrou a casa, alegando que precisava de dinheiro, que o marido da vítima estava lhe devendo e caso não lhe fosse entregue o dinheiro a “comeria”. Camila tentou novamente convencer o rapaz de que seu marido não era a pessoa que estava procurando, mas mesmo assim o invasor a obrigou, sob ameaça de morte, a fazer sexo oral e, em seguida, a ter com ele conjunção carnal. O agressor conduziu a vítima para diversos cantos do cômodo, mantendo com ela a conjunção carnal. Tentou constrangê-la também à prática de sexo anal, mas não conseguiu. Os três filhos da vítima, o mais velho com apenas três anos de idade, presenciaram o ato. Depois de consumado o ato, o indivíduo tirou uma caixa de fósforos do bolso, fez gestos de que iria atear fogo na casa e ameaçou de morte a vítima, caso ela avisasse a Polícia. Em seguida, deixou o local, mas esqueceu na varanda da casa uma mochila, contendo roupas e fotografias, o que possibilitou sua posterior identificação. Detido, a vítima reconheceu o acusado, sem dúvidas, como sendo o autor dos delitos, reconhecimento que se renovou em Juízo (fls. 157/160). O réu negou a acusação. Contou a mendaz e risível versão de que teve um relacionamento amoroso com a vítima e que a reencontrou quando saiu em livramento condicional em 2009, ocasião em que a vítima, que já tinha três filhos, não estava comprometida com ninguém, por isso voltaram a se relacionar. Em 2011 se reencontraram. No dia dos fatos não teve relação sexual com a vítima, sendo que o marido dela surgiu com uma arma na mão e o expulsou da casa. Como saiu às pressas, acabou esquecendo sua mochila. Acredita que a vítima inventou essa história, pois ficou com medo de ser assassinada pelo marido e disse que ela era uma simples amante e que não precisava manter relações sexuais com ela, já que tinha esposa (fls. 161/163). Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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A fantasiosa versão do acusado não merece a menor credibilidade. Quer fazer crer que manteve um relacionamento amoroso com a vítima, que se iniciou no ano de 2007, mas não soube informar onde ela residia na época em que se relacionavam, o nome completo dela, o de seus pais e nem a data do aniversário. Disse que quando reencontrou a vítima, em 2009, esta já havia tido seus três filhos, o que não é verdade, pois o filho mais novo da vítima contava com apenas 11 meses de idade quando dos fatos, em 2011. E como reiterada e acertadamente se vem decidindo, nos crimes sexuais, cometidos sempre às escondidas, a palavra da vítima muitas vezes é a única prova que se tem, de modo que duvidar delas apenas por ser vítima, será o mesmo que incentivar a prática de tais crimes e deixar na impunidade os seus autores. A materialidade delitiva foi comprovada pelas seguras palavras da vítima, bem como pelo laudo de exame sexológico (fls. 76/79), que apontou a presença de espermatozoides no canal vaginal da vítima. Provadas autoria e materialidade, era de rigor a condenação. Fica afastado o pedido da Defesa quanto ao reconhecimento da continuidade delitiva, pois, diversamente do alegado, os delitos de estupro e ameaça não são de mesma espécie. Quanto ao pedido para condenação por um só crime de estupro, tal fica prejudicado, visto que o apelante foi condenado pela prática de um único crime. A pena-base do crime de estupro foi fixada no patamar máximo, ou seja, 10 anos de reclusão, em virtude de o constrangimento ter se dado não apenas à prática da conjunção carnal, mas também a atos libidinosos diversos (sexo oral e anal), do crime ter sido cometido na presença de três crianças de tenra idade, estando o acusado em livramento condicional, quando o cometeu. Presente a agravante da reincidência (fls. 69), a pena foi aumentada de 1/6, totalizando 11 anos e 08 meses de reclusão. Entendo, todavia, acompanhando jurisprudência sobre o tema que, se a Súmula 231 do STJ, não permite a redução da pena aquém do mínimo legal por força da presença de atenuante, a contrario sensu a incidência de agravante não pode elevar a pena acima do máximo (Agravo em Recurso Especial, 305771/ CE, Ministro Og Fernandes, DJE 21/6/2013), motivo pelo qual deve a pena do delito de estupro ser reduzida para 10 anos de reclusão. A pena do crime de ameaça foi igualmente fixada em 1/6 acima do piso, em razão de o delito ter sido cometido na presença dos filhos da vítima e no curso do livramento condicional, e, na segunda fase da dosimetria, aumentada de 1/6 pela reincidência. A pena final resultou em 01 ano e 02 meses de reclusão. Todavia, a pena mínima prevista para o crime de ameaça é de 01 mês de detenção, e não 01 ano de reclusão, como constou na r. sentença.


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Assim, considerando o patamar mínimo de 01 mês de detenção, fica a pena pelo crime de ameaça reduzida para 01 mês e 10 dias de detenção. O regime inicial fechado foi corretamente fixado para o crime de estupro, diante do quantum da pena imposta e da natureza hedionda do delito. Com relação ao delito de ameaça, apenado com detenção, substitui-se o regime fechado pelo semiaberto, por força de expressa previsão legal (art. 33, “caput”, CP). Diante do exposto, dá-se provimento parcial ao recurso de apelação, para reduzir a pena do estupro para 10 anos de reclusão e a pena de ameaça para 01 mês e 10 dias de detenção, bem como para estabelecer o regime semiaberto para início do cumprimento da pena do crime de ameaça, mantida, no mais, a r. sentença.

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 000333472.2012.8.26.0050, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ROGERIO SARAIVA DOS SANTOS, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Afastada a preliminar de nulidade arguida pela defesa, deram provimento parcial ao recurso, apenas para reduzir as penas para 5 anos e 4 meses de reclusão e pagamento de 13 dias-multa, mantida, no mais, a r. sentença. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 703) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CARDOSO PERPÉTUO (Presidente) E RENÊ RICUPERO. São Paulo, 24 de outubro de 2013. LAERTE MARRONE DE CASTRO SAMPAIO, Relator Ementa: Apelação. 1. Quadro probatório suficiente para ensejar a responsabilidade penal do apelante pelo crime de roubo majorado pelo concurso de agentes. Condenação mantida 2. Pena, todavia, que comporta redução. 3. Não devem ser considerados, no processo de dosimetria da pena, condenações por fatos posteriores, nem processos e inquéritos em andamento. 4. A teoria da chamada coculpabilidade Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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VOTO 1. A sentença, cujo relatório se adota, julgou parcialmente procedente a ação, para condenar ROGERIO SARAIVA DOS SANTOS, às penas de 7 anos, 3 meses e 3 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 16 dias-multa, no valor unitário correspondente ao mínimo legal, como incurso no artigo 157, par. 2º, II do Código Penal. Apelou a defesa (fls. 139/167), postulando a absolvição por insuficiência de provas. Subsidiariamente, colima: a) a nulidade da sentença, uma vez que a dosimetria da pena carece de fundamentação; b) afastamento do duplo aumento em razão de maus antecedentes e da reincidência; c) afastamento da reincidência por ausência de certidão cartorária, bem como a consideração de inconstitucionalidade da mesma por caracterizar bis in idem; d) reconhecimento de circunstância atenuante obrigatória, invocando a teoria da coculpabilidade (vulnerabilidade social) e) afastamento do concurso de agentes; f) a fixação de regime semiaberto. Processado o recurso, a Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo seu improvimento. É o relatório. 2. De início, cabe repelir a alegação de nulidade da r. sentença. Isto porque, diferentemente do acenado nas razões de inconformismo, o ato judicial acha-se fundamentado tanto na quantificação da sanção, quanto na determinação do regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade. Vale dizer, a r. sentença, sob o aspecto puramente formal, mostra-se hígida. Eventuais equívocos na fixação das penas hão ser corrigidos nesta sede, sem que seja o caso de invalidar-se o ato judicial. 3. No mérito, vinga em parte o reclamo. Na linha do que se segue. 4. Evidenciada a responsabilidade penal do apelante pelo crime de roubo. O quadro probatório desenhado pelas duas etapas da persecução penal assenta a condenação pelo roubo majorado. A prova restou bem apreciada pela

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(ou culpabilidade por vulnerabilidade), tal como concebida pela doutrina, não merece acolhida, a se ter em conta o atual sistema penal vigente. 5. A reincidência, enquanto circunstância agravante, não é inconstitucional, não reclamando, necessariamente, para ser demonstrada, certidão cartorária. 6. Apelante que, ao tempo dos fatos, contava com menos de 21 anos, a incidir a circunstância atenuante prevista no artigo 65, I, do Código Penal. Recurso provido em parte, para diminuição da sanção.


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r. sentença, cujos fundamentos ficam aqui acolhidos, com as considerações que se seguem. A materialidade do delito acha-se positivada pelo boletim de ocorrência (fls. 03/06), auto de exibição, apreensão e entrega (fls.07/11) e prova oral. E certa a autoria. Com efeito, a vítima, ao depor em audiência (fls. 120; mídia - fls.122), disse que, na data dos fatos, estava dentro de seu automóvel, chegando ao portão de sua residência, quando foi abordada por dois homens, os quais se achavam em uma motocicleta. Um deles, na posse do que a vítima disse ser uma arma, mandou que ela e a filha descessem do veículo, sendo este último subtraído pelos assaltantes, juntamente com outros pertences da ofendida que estavam no automóvel. Quando da realização da audiência, afirmou não ter condições plenas de reconhecer o apelante, uma vez que o homem que a abordou usava capacete, impossibilitando a visualização total de seu rosto. Apesar disso, destacou que algumas marcas escuras, parecendo com pintas ou gotas, na face do assaltante, lhe chamaram a atenção - o que foi, posteriormente, identificado como tatuagens de lágrimas que apelante possui abaixo do olho direito. Esclareceu, ainda, que seu carro foi encontrado a 10 km de distância do local dos fatos, 20 minutos após o ocorrido. Sabe-se, com efeito, que, neste tipo de delito, a palavra do ofendido assume grande relevância, mormente quando não se entrevê motivo algum para que acuse falsamente um inocente (RT 732/633, 737/624; JUTACRIM 100/250, 100/266, 99/273, 95/268, 94/341, entre outros). Ademais, o relato encontra sólido apoio nos testemunhos dos policiais apresentados sob o crivo do contraditório (fls. 98 e 99 - termo de depoimento com mídia às fls. 100). Pois, verte dos relatos que, em patrulhamento, após o aviso do roubo via COPOM, os agentes públicos surpreenderam o réu na posse do automóvel subtraído, no qual foi encontrado um simulacro de arma de fogo. Ademais, a busca pessoal no acusado redundou na apreensão de dinheiro e do aparelho celular da vítima. E mais, quando da detenção, o apelante admitiu o cometimento da infração. Certo que, interrogado em juízo, o apelante repeliu a imputação. Alegou que saía da casa de sua mãe, a pé, quando foi abordado pelos agentes militares, já conhecidos seus por sempre o “enquadrarem” acusando-o de fazer parte do PCC e pedindo propina para não matá-lo. Depois de não atender ao pedido dos policiais, disse ter sido levado ao 98ºDPI, sob a alegação de autoria de um crime de roubo. Mas a versão apresentada não vinga. Além de pouco verossímil mercê das regras de experiência comum, acha-se escoteira nos autos. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Na realidade, o manancial probatório tem pujança para firmar a autoria. Deveras, o apelante (a) foi encontrado na posse de bens subtraídos e de um simulacro de arma de fogo, pouco tempo depois do delito, (b) admitiu o cometimento da infração aos policiais e (c) possui traços físicos (tatuagem) tal como apontados pela vítima. E não apresentou explicação ao menos verossímil que o exculpasse. Impende ter em mente que a apreensão do bem subtraído em poder do agente, notadamente se pouco tempo depois dos fatos, constitui, mercê das regras de experiência comum, um poderoso indício de autoria. Bem por isso, fala-se que o fato enseja uma inversão do ônus da prova, no sentido de reclamar do suspeito, a fim de escusar-se, a apresentação de uma justificativa plausível (TACRIM-SP; Apelação, rel. Renato Nalini. 04.11.1996, RT 739/627; Apelação, rel. Rulli Junior, j. 25.03.2999, RJD 43/253; Apelação, rel. Osni de Souza, j. 27.08.1998, RJTACRIM 41/235; Apelação, rel. Xavier de Aquino, j. 04.11.1196, RJTACRIM 33/218; Apelação, rel. Nogueira Filho, RJD 24/230; Apelação, rel. Damião Cogan, RT 711/336, “apud” Alberto Silva Franco e outros, Código Penal e sua Interpretação, Doutrina e Jurisprudência, RT, 8ª edição. CD). Por conseguinte, a condenação era mesmo de rigor. 5. E, designadamente, na linha do que se explanou, trata-se de roubo majorado pelo concurso de agentes. A prova - notadamente o relato da vítima desnuda que o apelante agiu em conjunto com outro indivíduo, despontando o liame subjetivo. 6. Mas a sanção comporta reparos. 6.1. A pena-base foi estabelecida acima do mínimo legal (07 anos, 03 meses e 03 dias de reclusão e pagamento de 16 dias-multa). Mas, com a devida vênia, de forma indevida, uma vez que: (i) condenações referentes a fatos posteriores ao delito apurado nestes autos não podem ser consideradas na dosimetria da pena (STJ, HC nº 143.074, rel. Min. Felix Fischer); (ii) processos e inquéritos em andamento não se prestam a elevar a sanção (Súmula nº 444, do STJ). Assim, a pena-base fica reduzida para o mínimo legal, ou seja, 04 anos de reclusão e pagamento 10 dias-multa. 6.2. Na segunda fase, bem reconhecida a circunstância agravante da reincidência, configurada pelo documento de fls. 74 (folha de antecedentes), que se mostra apto a tanto. Anote-se não ser necessária, para a comprovação da reincidência, certidão cartorária, na medida em que a legislação não exige documento específico para demonstração deste fato (STF, HC nº 103.969, rel. Min. Ricardo Lewandowski; STJ, HC nº 121.244, rel. Min. Jorge Mussi; HC nº 145055, rel. Min. Og Fernades).


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E, diversamente do sustentado pela defesa, a reincidência, enquanto circunstância agravante e fator a ser considerado em desfavor do agente em outros aspectos do procedimento de fixação da pena (estabelecimento do regime inicial, substituição da pena privativa de liberdade e outros benefícios), não agride a Carta Magna. Quem comete um crime após condenação definitiva por outro fato revela uma insistência na prática de condutas bastante reprováveis sob o ponto de vista ético-jurídico (tanto que o ordenamento lhes reserva as sanções mais aflitivas). Essa reiteração de infrações penais reclama um juízo mais severo de reprovabilidade da segunda conduta, trazendo, para o agente, consequências penais negativas. Na realidade, a reincidência, como fator de maior punição do agente, acha-se ligada ao “caráter preventivo especial da sanção penal, notando-se que a pena anterior teria sido insuficiente, motivo pelo qual o autor tornou a delinqüir (reincidência), necessitando, pois, de pena mais severa” (GUILHERME DE SOUZA NUCCI, Individualização da Pena, RT, 2.004, pág. 233). Cuida-se de um instituto compatível com o moderno Direito Penal da Culpabilidade, porquanto a ação do agente que volta a praticar uma infração penal encerra, em princípio, um grau de censurabilidade maior do que aquela que comete um crime pela primeira vez. Não se trata, pois, de um “bis in idem” (JULIO FABBRINI MIRABETE, Código Penal Interpretado, Atlas, 5ª edição, pág. 499), mas de ter em conta a personalidade e os antecedentes do réu na aferição de seu grau de culpa. E chamado a se manifestar sobre a matéria, o Supremo Tribunal Federal, julgando Recurso Extraordinário (RE 453000), declarou, recentemente, que é constitucional a aplicação do instituto da reincidência como agravante da pena em processos criminais (artigo 61, inciso I, do Código Penal). Conferir, ainda, na mesma linha: STF, HC nº 93.815, rel. Min. Gilmar Mendes. 6.3. Porém, cumpre observar que o réu era menor de 21 anos ao tempo dos fatos, de sorte que a circunstância agravante da reincidência fica compensada pela circunstância atenuante prevista no artigo 65, I, do Código Penal, de sorte que, no final das contas, a pena permanecerá inalterada na segunda fase. 6.4. Carece de razão a defesa ao acenar com a existência de circunstância atenuante inominada (artigo 66, do Código Penal). Hodiernamente, fala-se em coculpabilidade - ou culpabilidade pela vulnerabilidade-enquantoinstitutopenalqueseprestaaaplacararesponsabilidade do agente. Traduz a ideia, a traços largos, de que o Estado, ao deixar de cumprir deveres que lhe são cometidos pela Constituição Federal a fim de diminuir as desigualdades econômica e social, contribui para a prática do delito. O indivíduo que se acha desprovido de condições dignas de sobrevivência, mercê da omissão estatal, possui uma capacidade de autodeterminação restrita, num cenário que funciona como um estímulo ao cometimento do ilícito penal. Nessa ordem de ideais, o Estado tem uma responsabilidade indireta pela ocorrência Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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da infração penal. Trata-se de uma situação que deve ser levada em conta pelo juiz, em favor do agente, quando da outorga da prestação jurisdicional. O que seria concretizado, em princípio, a se ter em conta o atual sistema penal, pelo (i) reconhecimento de uma circunstância atenuante inominada (artigo 66, do CP), ou, em (ii) situações extremas, na absolvição por ausência de culpabilidade (ROGÉRIO GRECO, Código Penal Comentado, Editora Impetus, 5ª edição, pág. 68). Não se olvida que a culpabilidade, enquanto reprovabilidade da conduta do agente, constitui uma das vigas mestras da dogmática penal. O ilícito penal somente se aperfeiçoa - entre outros requisitos - se, no caso concreto, possível exigir do sujeito uma conduta diversa daquela tomada (fato típico e antijurídico). E, além disso, a culpabilidade - passível de graduação (STJ, HC nº 9.584, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro) - constitui o fator mais importante no procedimento de dosimetria da sanção (artigo 59, do Código Penal). Dentro deste espectro, não há dúvida de que o juiz deve considerar, quando da fixação da pena, circunstâncias pessoais do agente, embora observados os limites do fato criminoso (FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, Princípios Básicos de Direito Penal, Saraiva, 2.002, pág. 88). Mas daí a se aceitar genericamente a condição de vulnerabilidade - termo empregado pela doutrina - (derivada da pobreza ou de uma outra condição social adversa), como circunstância atenuante - ou mesmo, em último caso, como causa de exclusão da culpabilidade - vai uma longa distância. Na realidade, o acolhimento da teoria da coculpabilidade termina por gerar uma insegurança no sistema penal, representando a adoção da concepção - equivocada e por demais reducionista - de que o fator econômico-social explica toda a criminalidade. Além disso, nos moldes em que delineada - de conteúdo bastante amplo, envolvendo uma gama de fatores e circunstâncias relacionadas à vida do agente -, é praticamente de impossível comprovação pelo juiz em cada processo. Com efeito, somente uma circunstância muito especial de carência, cuja relevância no caso em concreto resulte bem demonstrada, tem o condão de influenciar a resposta penal do Estado. Bem por isso a advertência de GUILHERME DE SOUZA NUCCI, no sentido de que “ainda que se possa concluir que o Estado deixa de prestar a devida assistência à sociedade, não é por isso que nasce qualquer justificativa ou amparo para o cometimento de delitos, implicando um fator de atenuação da pena. Aliás, fosse assim, existiram muitos outros ‘coculpáveis’ na rota do criminoso, como os pais que não cuidaram bem do filho ou o colega na escola que humilhou o companheiro de sala, tudo a fundamentar a aplicação da atenuante do art. 66 do Código Penal, vulgarizando-a. Embora os exemplos narrados possam ser considerados como fatores de impulso ao agente para a prática de uma infração penal


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qualquer, na realidade, em última análise, prevalece a sua própria vontade, não se podendo contemplar tais circunstâncias como suficientemente relevantes para aplicar a atenuante. Há de existir uma causa efetivamente importante, de grande valor, pessoal e específica do agente - e não comum a inúmeras pessoas, não delinquentes, como seria a pobreza ou o descaso imposto pelo Estado -, para implicar na redução da pena” (Código Penal Comentado, RT, 13ª edição, pág. 248, grifo nosso). De resto, a teoria da coculpabilidade, pelo menos tal como cunhada pela doutrina, não tem encontrado eco na jurisprudência: STJ, HC nº 172.505, rel. Min. Gilson Dipp; HC nº 116.972, rel. Min Jorgi Mussi; TJSP, Apelações nº 0003076-54.2005.8.26.0326, rel. Des. Silmar Fernandes; nº 000725692.2010.8.26.0050, rel. Des. César Augusto Andrade de Castro; nº 001575072.2012.8.26.0050, rel. Des. Souza Nery; nº 0027968-61.2010.8.26.0161, rel. Des. Francisco Bruno. Na hipótese, não se divida qualquer dado empírico que postule a incidência da regra estampada no artigo 66, do Código Penal. A bem da verdade, pouco se sabe da vida pregressa do apelante. 6.5. Na terceira fase, em razão do concurso de agentes, a sanção é majorada em 1/3, alcançando 5 anos e 4 meses de reclusão e pagamento de 13 dias-multa, que representa a pena final. E o regime inicial somente poderia ser o fechado, mercê do elevado grau de culpabilidade da conduta, bem como da reincidência. 7. Ante o exposto, afastada a preliminar de nulidade arguida pela defesa, dou provimento parcial ao recurso, apenas para reduzir as penas para 5 anos e 4 meses de reclusão e pagamento de 13 dias-multa, mantida, no mais, a r. sentença.

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 001189355.2005.8.26.0408, da Comarca de Ourinhos, em que são apelantes MARIA APARECIDA CRISTINA NOGUEIRA e NATALINO PEREIRA DA SILVA, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 2ª Câmara Criminal Extraordinária do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. Após o trânsito em julgado, expeça-se mandados de prisão. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 00471) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CARLOS Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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BUENO (Presidente) E PINHEIRO FRANCO. São Paulo, 25 de outubro de 2013. EDUARDO ABDALLA, Relator Ementa: DIVULGAÇÃO DE FOTOGRAFIA PORNOGRÁFICA ENVOLVENDO ADOLESCENTE. Apelação criminal. Prescrição afastada. Autoria e materialidade bem delineadas. Penas corretamente dosadas. Manutenção dos regimes impostos. Recursos improvidos.

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VOTO Trata-se de APELAÇÕES CRIMINAIS interpostas por MARIA APARECIDA CRISTINA NOGUEIRA e NATALINO PEREIRA DA SILVA contra a sentença proferida nos autos nº 408.01.2005.011893-6, do Juízo da 2ª Vara Criminal de Ourinhos, que os condenou às penas de 2 anos e 4 meses de reclusão, em regime semiaberto, e 11 dias-multa, fixados no mínimo legal e às penas de 3 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão, em regime fechado, além de 15 dias-multa, no piso, como incursos no art. 241, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente, com apelos em liberdade (fls. 215/220). Inconformados, ambos pleitearam absolvição, diante da fragilidade das provas, tendo MARIA ventilado a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal. Em caráter subsidiário, pugnou pela diminuição das penas, fixação de regime aberto e substituição da corporal por restritivas (fls. 230/234 e 236/238). Contrariados os recursos, a Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo improvimento (fls. 240/245 e 253/255). É O RELATÓRIO. De início, afasta-se a pretendida extinção da punibilidade, em decorrência de prescrição retroativa, ventilada por MARIA, tendo em vista que pela pena aplicada, tem-se o prazo prescricional de oito anos (art. 109, IV, do Código Penal), não decorrido por inteiro entre os marcos interruptivos. No mais, não há que se cogitar de fragilidade das provas, porquanto o acervo coligido demonstra, sem dúvidas, que os Apelantes, no segundo semestre de 2004, fotografaram e publicaram cenas de sexo explícito envolvendo a adolescente Francislaine (conduta que fora amoldada ao art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente antes da modificação ocasionada pela Lei nº 11.829/2008, que recrudesceu suas penas). Segundo apurado, os Apelantes, em várias oportunidades tiraram


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fotografias de relações sexuais com a infante Francislaine e, na posse do material, passaram a lhe constranger para que continuasse a consentir a tal concupiscência, sob ameaça de que as mostrariam para amigos e familiares dela. Obtida a resposta negativa, os Apelantes fizeram o bilhete de fls. 66, com fotografias de sexo envolvendo a menor, e encaminharam ao estabelecimento comercial de Márcia, amiga de sua mãe, que a esta informou o que ocorria. Realizada a perícia no referido bilhete, houve a comprovação de que o manuscrito fora aposto pelo punho de MARIA (fls. 37/43), de modo a demonstrar sua participação no evento. Além disso, robora o laudo pericial, as declarações prestadas pela vítima na fase policial, porquanto a adolescente fora enfática ao afirmar ter praticado relação sexual com os Apelantes, sendo fotografada durante o ato e, após a primeira vez, passou a sofrer chantagem para que continuasse com a orgia. Por ter negado, eles enviaram o bilhete à Marcia, além de fotografias ao seu pai, que acabou rasgando ou queimando (fls. 20). E como bem consignou o R. Juízo, apesar de a adolescente não ter sido encontrada para confirmar sua versão policial, suas palavras foram corroboradas pelas testemunhas Márcia (fls. 143/147), Maria (fls. 148/152) e Jéssica (fls. 153/155), “todas no sentido de que adolescente Francislaine dizia que estava sendo vítima de chantagem por parte de ambos os réus para manter relações sexuais com eles, sob pena de divulgação de fotos de sexo explícito suas a seus pais e vizinhos” (fls. 217). Ademais, Márcia confirmou que viu NATALINO do outro lado da rua de seu estabelecimento, no dia em que a carta obscena fora lá deixada (fls. 146). Instados a se manifestar, os Apelantes apresentaram versões de exculpa, divorciadas de quaisquer provas. Além disso, mesmo ao se aceitar a alegação de que fora um sobrinho dos Apelantes quem tirou as fotografias (afirmação realizada com o nítido intuito de eximirem-se da responsabilização), o certo é que a divulgação fora realizadas por eles, como demonstrado, configurando, portanto, o crime em tela. Assim, irrefutável a autoria. Analisa-se a dosimetria. Para NATALINO, as penas-base foram corretamente fixadas em 1/3 acima do mínimo, em razão dos maus antecedentes (comprovados pelas certidões de fls. 09 e 13 do apenso) e das consequências do crime, exaustivamente bem motivada na sentença às fls. 218. Após, sofreram novo acréscimo de 1/6, pela reincidência comprovada na certidão de fls. 14 do apenso, tornando-se definitivas em 3 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão, além de 15 dias-multa, no piso, sendo adequadamente estabelecido o regime fechado, não só em decorrência da gravidade concreta da conduta perpetrada, mas também da recidiva do Apelante (o que também impede a substituição por restritivas), nos termos do art. 33, § 2º Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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do Código Penal. Confira-se: “O regime prisional inicial fechado é obrigatório ao réu reincidente e que teve as circunstâncias judiciais consideradas desfavoráveis, mesmo quando condenado à pena inferior a quatro anos. Inteligência dos arts. 59 e 33, § 2º, do Código Penal e da Súmula nº 269 desta Corte Superior de Justiça” (STJ - HC 211819/ SP - Ministra LAURITA VAZ - Quinta Turma - DJe de 28/02/2013). Já com relação à MARIA, as iniciais partiram com acréscimo de 1/6, diante das consequências do crime, como já dito, devidamente justificado em 1ª Instância (fls. 219), tornando-se definitivas em 2 anos e 4 meses de reclusão, além de 11 dias-multa, no piso. Por sua vez, foi estabelecido o regime intermediário para o desconto da pena, tendo em vista que o mais brando não seria suficiente a repreensão da conduta perpetrada, em que a Apelante, antes de divulgar as imagens da infante, a manteve sob chantagem durante aproximadamente 2 meses, para suprir sua concupiscência e de NATALINO. Aliás, por esses motivos, inviável a substituição da corporal por restritivas, uma vez que o benefício, nesta hipótese, não se mostra socialmente recomendável, a teor do que dispõe o art. 44, III, do Código Penal. Diante do exposto, nega-se provimento ao recurso. Após o trânsito em julgado, expeçam-se mandados de prisão.

Habeas Corpus ACÓRDÃO

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº 009609629.2013.8.26.0000, da Comarca de Nova Granada, em que é paciente JOÃO CARLOS LOPES e Impetrante JECSON SILVEIRA LIMA. (Voto nº 15.207) ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Concederam a ordem para determinar o trancamento da ação penal nº 0002271-59.2012.8.26.0390, da Vara única da Comarca de Nova Granada. v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores XAVIER DE SOUZA (Presidente) e SALLES ABREU. São Paulo, 28 de agosto de 2013. MARIA TEREZA DO AMARAL, Relator


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Ementa: HABEAS CORPUS - ARTIGO 34, PARÁGRAFO ÚNICO, I, DA LEI Nº 9.605/98 TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - APLICAÇÃO NECESSIDADE - AUSÊNCIA DE LESIVIDADE AO BEM JURÍDICO - TUTELADO. ORDEM CONCEDIDA PARA TRANCAR A AÇÃO PENAL. VOTO O advogado Jecson Silveira Lima impetra o presente habeas corpus, com pedido de liminar, alegando que JOÃO CARLOS LOPES sofre constrangimento ilegal por parte do meritíssimo Juiz da Vara única da Comarca de NOVA GRANADA que, nos autos da Ação Penal nº 0002271-59.2012.8.26.0390 Controle nº 294/2012, em que se viu denunciado por infração ao artigo 34, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.605/1998 (“pescar espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos.”), recebeu a denúncia oferecida contra o paciente. Alega o impetrante, em síntese, que a denúncia é inepta, pois não descreve com exatidão a conduta do paciente, já que este não foi surpreendido pescando mas sim transportando os peixes. Alega, ainda, que a ação penal deve ser trancada, pois não há prova da materialidade do crime e nem indícios de autoria. Finalmente, afirma que é caso de reconhecimento do princípio da insignificância. Postula a concessão da ordem, para que a ação penal seja trancada. A liminar foi indeferida (fls. 91). A autoridade apontada como coatora prestou informações (fls. 95/96), com cópias dos respectivos autos (fls. 97/133), e a douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 135/140). É o relatório. Consta da denúncia que JOÃO CARLOS LOPES, no dia 04 de março de 2012, por volta das 15:20 horas, no km 36 da Rodovia Transbrasiliana, município de Onda Verde, Comarca Nova Granada, foi surpreendido após ter pescado do Rio Grande, enquanto transportava espécimes de peixes com tamanhos inferiores aos permitidos. Consta, ainda, que policiais militares ambientais, após abordagem, encontraram no interior do veículo conduzido pelo paciente, alguns mandis de tamanho inferior a 25cm. (vinte e cinco centímetros) de comprimento. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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“(...) Aplica-se o princípio da insignificância, reconhecendo a atipicidade material da conduta, consubstanciada em pescar mediante a utilização de petrechos não permitidos, se foi apreendida a ínfima quantidade de um quilo de peixe, o que denota ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado (...).” (HC 178208/SP Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura j. 20/06/2013). “(...) Para incidir a norma penal incriminadora, é indispensável que a pesca com equipamentos proibidos possa, efetivamente, causar risco às espécies ou ao ecossistema; nada disso, todavia, se verifica no caso concreto, em que dois pescadores, utilizando- se de somente uma rede, rede esta considerada ilegal porque superior em 50 centímetros ao limite legalmente estabelecido, como registrado no aresto -, tinham retirado da represa apenas 2 quilogramas de

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Segundo informações prestadas pela autoridade apontada como coatora, a denúncia foi recebida em 30 de julho de 2012, o paciente já foi citado e os autos aguardavam a inquirição das testemunhas da acusação, deprecada ao Juízo da Comarca de São José do Rio Preto. Pois bem. Quanto à aplicação do princípio da insignificância, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que “o princípio da insignificância incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condições objetivas (precedentes: HC 104403/ SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJ de 1/2/2011; HC 104117/MT, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJ de 26/10/2010; HC 96757/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJ de 4/12/2009; RHC 96813/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJ de 24/4/2009): (a) mínima ofensividade da conduta do agente; (b) nenhuma periculosidade social da ação; (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento; (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. No caso em tela, o paciente foi denunciado por ter sido surpreendido por policiais militares ambientais transportando alguns peixes (4), pesando aproximadamente um quilo, conhecidos como “mandi”, após tê-los pescado no Rio Grande, Município de Onda Verde. O objetivo da Lei nº 9.605/98 é proteger a fauna e a flora impedindo práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou que submetam animais à crueldade, o que não ocorreu “in casu”. Destarte, a conduta imputada ao paciente atende aos requisitos acima enumerados e deve ser considerada atípica, pois a pesca de um quilograma de peixes, não tem potencialidade para ocasionar relevante lesividade ao bem jurídico protegido pela norma penal incriminadora. Sobre o caso, colacionam-se as seguintes decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça:


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peixes, de espécies diversas. Evidente a atipicidade material da conduta, pela desnecessidade de movimentar a máquina estatal, com todas as implicações conhecidas, para apurar conduta desimportante para o Direito Penal, por não representar ofensa a qualquer bem jurídico tutelado pela Lei Ambiental (...).” (HC 112840/SP Relator Ministro Napoleão Nunes Maia j. 23/03/2010). “(...) A aplicabilidade do princípio da insignificância deve observar as peculiaridades do caso concreto, de forma a aferir o potencial grau de reprovabilidade da conduta, valendo ressaltar que delitos contra o meio ambiente, a depender da extensão das agressões, têm potencial capacidade de afetar ecossistemas inteiros, podendo gerar dano ambiental irrecuperável, bem como a destruição e até extinção de espécies da flora e da fauna, a merecer especial atenção do julgador.

No caso dos autos, constatou- se que a pesca artesanal de 03 ou 04 peixes não ocasionou expressiva lesão ao bem jurídico tutelado, afastando a incidência da norma penal (...).” (RE nº 905864/SC Relator Ministra Laurita Vaz j. 11/03/2008). Registre-se que, no caso em tela, não foi apreendido com o acusado qualquer espécie de petrechos para a pesca dentre os que são proibidos. Ante o exposto, concede-se a ordem para determinar o trancamento da ação penal nº 0002271-59.2012.8.26.0390, da Vara única da Comarca de Nova Granada. Comunique-se.

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Habeas Corpus nº 011538897.2013.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é paciente M. I. G. e Impetrante W. M. J. (Voto nº 12.474) ACORDAM, em 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “concederam a ordem, para determinar o trancamento da ação penal n.º 0064519-14.2012.8.26.0050 controle 1648/2012, em curso junto à 4ª Vara Criminal do Fórum Central da Barra Funda - Comarca da Capital, ante a falta de justa causa para a persecução penal. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BRENO GUIMARÃES (Presidente sem voto), VICO MAÑAS E JOÃO MORENGHI. São Paulo, 11 de setembro de 2013. PAULO ROSSI, Relator Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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VOTO Vistos. Trata-se de Habeas Corpus impetrado em favor de M. I. G., apontando MM. Juiz da 4ª Vara Criminal da Comarca da Capital como autoridade coatora, nos autos da ação penal n.º 0064519-14.2012.8.26.0050 controle 1648/2012. Aduz o impetrante que a paciente foi denunciada como incursa no artigo 168, § 1º, inciso III, do Código Penal, pois atuando como advogada, teria se apropriado de indenização trabalhista de seu cliente. Alega, em síntese, que a atitude da paciente nada tem de ilícito, porquanto sua conduta está adstrita às cláusulas previstas no contrato de honorários advocatícios, que prevê o percentual de 30% incidente sobre todos os valores efetivamente recebidos pelo contratante, FGTS, seguro desemprego e valor indenizado. Alega ainda que sua postura está legitimada através do recibo de prestação de contas, firmado pela suposta vítima, dando plena quitação dos serviços advocatícios prestados. Alega que a paciente sofre constrangimento ilegal, ante a falta de justa causa para a persecução penal, pleiteando o trancamento do feito em questão, diante da ausência de dolo em apossar-se indevidamente da indenização trabalhista a que seu cliente fazia jus, havendo somente o cumprimento dos termos do pacto

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Ementa: HABEAS CORPUS - Apropriação Indébita em razão da Profissão - Contrato de Honorários Advocatícios - Art. 168, § 1º, inc. III, CP - Trancamento por Falta de Justa Causa – Conduta Atípica – Pleiteia o trancamento da ação penal diante da falta de justa causa para a persecução penal – ADMISSIBILIDADE - A conduta descrita na inicial acusatória é atípica, faltando, portanto, justa causa para a ação penal, impondo-se, em consequência, o seu trancamento. Havendo divergência por parte do contratante em relação ao valor dos honorários recebidos por sua advogada, caberá a ele rediscutir os termos do contrato na esfera cível, e ainda, caso entenda que o benefício auferido por ela na demanda tenha ultrapassado os limites éticos, poderá formular representação junto ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP, para apreciação da adequação do contrato de honorários advocatícios aos preceitos éticos que devem pautar a conduta dos advogados. Ordem concedida.


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jurídico entre eles firmado. Alega, ainda, inépcia da denúncia, pois não houve descrição do fato tido criminoso com todas suas circunstâncias. Pleiteia a concessão da ordem, para que seja determinado o trancamento da ação penal em virtude da falta de justa causa para a persecução penal (fls. 02/22). O pedido liminar foi deferido, para determinar o sobrestamento do feito até o julgamento do writ (144). Prestadas informações pela autoridade judiciária, dita coatora (fls. 152/153), pronunciou-se a Douta Procuradoria Geral de Justiça, em r. parecer da lavra do Dr. Luiz Carlos Ormeleze, pela denegação da ordem (fls. 248/253). Este, em síntese, é o relatório. Conforme se depreende das informações prestadas pela autoridade judiciária, em 20 de junho de 2013, no dia 22/05/2012 foi instaurado inquérito policial, por meio de Portaria, para apuração dos fatos envolvendo a paciente. A denúncia foi oferecida em 24/09/2012, imputando à paciente a conduta tipificada no artigo 168, § 1º, inciso III, do Código Penal. O seu recebimento deu-se em 24/10/2012, determinando-se a citação da paciente para responder à acusação. No dia 28/11/2012, foi oferecido aditamento para constar o correto nome da vítima, sendo o mesmo recebido no dia 06/12/2012. Citada, a paciente apresentou resposta à acusação e, não sendo hipótese de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento para o dia 18/07/2013. No mais, foi determinada a vista ao representante do Ministério Público para que tome conhecimento acerca da concessão da liminar (fls. 152/153). Segundo consta da denúncia, no dia 12 de dezembro de 2012, por hora incerta, no Fórum Trabalhista da Barra Funda, nesta Comarca da Capital, a denunciada Maria Izabel Garcia, em tese, apropriou-se da importância em dinheiro de aproximadamente R$ 1.450,00 em prejuízo da vítima Roberto Ribeiro de Souza, dos quais tinha posse ou detenção em razão de profissão de advogada. Apurou-se que a denunciada é advogada e foi contratada pela vítima para patrocinar uma causa trabalhista contra a empresa Logística Engenharia Ltda. A ação foi intentada, obtendo- se êxito ao final do processo, totalizando indenização no valor de R$ 2.500,00. A denunciada procedeu ao levantamento das importâncias depositadas pelo empregador da vítima. Ocorre que a denunciada, que deveria reter a importância de 30% do valor da causa, a título de honorários advocatícios, somente repassou R$ 300,00 ao seu cliente, supostamente apropriando-se indebitamente dos R$ 2.200,00 restantes, da qual tinha posse em razão da profissão de advogada. A denunciada já possui histórico de casos similares, conforme boletins de Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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ocorrência, e teve sua licença para o exercício profissional suspensa por tempo ignorado, readquirindo o direito de advogar em maio de 2009 (fls. 154/156). Diante de tal conduta apropriação indébita sustenta o impetrante a atipicidade da conduta imputada à paciente, passível de trancamento da ação penal. A ordem deve ser concedida. O crime de apropriação indébita se consuma quando o agente se apropria de coisa alheia móvel de que tem a posse ou detenção. No caso presente, a paciente foi denunciada pelo crime de apropriação indébita qualificada em razão do ofício, nos termos do artigo 168, §1º, inciso III, do Código Penal. De acordo com o contrato de prestação de serviços e honorários advocatícios, as cláusulas 4 e 5 preveem o percentual de 30% incidente sobre todos os valores efetivamente recebidos pelo contratante, FGTS, seguro desemprego e valor indenizado (fls. 50/51). Do recibo de prestação de contas assinado pelo contratante, verifica-se que foi dada quitação dos serviços advocatícios prestados pela paciente (fls. 36). Os cálculos foram discriminados da seguinte forma: R$ 852,44, de FGTS + R$ 3.316,00 referente ao seguro desemprego + R$ 2.500,00 a título de indenização, perfazendo o total de R$ 6.668,44. Desse valor global, incidiram honorários advocatícios na ordem de 30%, tendo a paciente verba honorária a receber no valor de R$ 2.206,53. Do total das verbas rescisórias de direito do contratante no valor de R$ 6.668,44, descontado o valor dos honorários (R$ 2.206,53), o contratante recebeu R$ 4.461,91. Ressalte-se que deste valor (R$ 4.461,91), subtraídos os valores do FGTS (R$ 852,44) e do seguro desemprego (R$ 3.316,00), verbas estas a serem levantadas pelo próprio contratante. Dessa forma, considerando que o valor de R$ 2.500,00, a título de indenização, foi o único valor depositado pelo reclamado diretamente na conta da advogada paciente, esta, por sua vez, em cumprimento aos ditames estabelecidos no contrato de honorários, descontou o valor de 30% a título de honorários (R$ 2.206,53), repassando a seu cliente a soma de R$ 293,47. A paciente entregou ao seu cliente, ora vítima, o valor entre eles acordado no contrato, de modo que houve o repasse do valor ao mesmo a título de honorários advocatícios, a evidenciar atipicidade e, por conseguinte, falta de justa causa para a ação penal. Ainda que o contratante não tenha se conformado com o valor repassado por sua advogada, a título de indenização, deve ser sopesado que a discussão


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do quantum por ele recebido é questão relacionada a matéria cível, de valor contratual de sucumbência. Segundo dispõe o artigo 168, do Código Penal: “Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. Aumento de pena § 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa: I - em depósito necessário; II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial; III- em razão de ofício, emprego ou profissão. (grifo nosso). Com efeito, a conduta típica “apropriar-se” o agente de coisa alheia, elemento objetivo do crime de apropriação indébita, não ocorreu na hipótese, pois para a caracterização do delito em questão, deve assentar-se em atos concretos de usurpação. Não há falar em tal crime haja vista que a paciente, na qualidade de advogada do ofendido, com poderes expressos, levantou quantia depositada a título de honorários advocatícios expressamente previstos em contrato, repassando o restando ao seu cliente. Tal fato não constitui justa causa para a instauração de ação penal. Não deve a suposta vítima valer-se da seara penal para resolver questão de natureza civil. Nesse sentido. “PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA QUALIFICADA EM RAZÃO DE OFÍCIO (CP, ART. 168, § 1º, III). ACORDO FIRMADO POR ADVOGADO, RECLAMANTE E RECLAMADO PERANTE JUNTA DE CONCILIAÇÃO E JULGAMENTO DA JUSTIÇA DO TRABALHO, INCLUINDO OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUPOSTA MÁ-FÉ DO ADVOGADO AO DEDUZIR OUTRA VERBA HONORÁRIA DA QUANTIA DESTINADA AO RECLAMANTE, A PRETEXTO DE ULTERIOR PRÁTICA DE CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA, PELO QUE TAMBÉM FOI DENUNCIADO POR EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO, DIFAMAÇÃO E PATROCÍNIO INFIEL. ABSOLVIÇÃO QUANTO A ESSES CRIMES E CONDENAÇÃO A UM 1 (UM) ANO E 4 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO PELO CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA. CUMPRIMENTO DA PENA NO CURSO DO HABEAS CORPUS IMPETRADO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, QUE, ANTE ESSE FATO NOVO, JULGOU PREJUDICADO O WRIT. INSISTÊNCIA CONCESSÃO DA ORDEM, NO Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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PRESENTE HABEAS CORPUS, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE A SENTENÇA CONDENATÓRIA IMPEDE BENEFÍCIOS EM EVENTUAL NOVA CONDENAÇÃO. CABIMENTO DO WRIT. ATIPICIDADE DA CONDUTA, QUE PODE SER TIDA COMO MERO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL. 1. O crime de apropriação indébita se consuma quando o agente se apropria de coisa alheia móvel de que tem a posse ou detenção. 2. In casu, o paciente foi denunciado pelos crimes de apropriação indébita qualificada em razão do ofício (CP, art. 168, § 1º, inc. III), difamação (CP, art. 139), patrocínio infiel (CP, art. 355) e exploração de prestígio (CP, art. 357), narrando a denúncia que o mesmo compareceu à Junta de Conciliação e Julgamento de Angra dos Reis, acompanhado do reclamante, e assinou um termo de acordo no qual restou consignado que dos R$ 250,00 destinados ao reclamante, R$ 50,00 caberiam ao paciente a título de honorários, sendo certo que quando do acerto, o recorrente apropriou-se de mais R$ 40,00, entregando ao reclamante a quantia de R$ 160,00, a pretexto de ulterior prática de corrupção ativa e passiva, crime do qual foi absolvido. 3. O habeas corpus pode ser conhecido mesmo após o cumprimento da pena: HC 87.132/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 31/10/07, por isso que na espécie, apesar de a pena ter sido extinta, pelo cumprimento, a condenação poderá implicar vedação de benefícios em eventual nova condenação. 4. O não repasse de determinado valor ao constituinte, antecedido de discussão a respeito do quantum devido a título de honorários advocatícios, constitui mero descumprimento de obrigação contratual, a evidenciar atipicidade e, por conseguinte, falta de justa causa para a ação penal. Precedente: HC 83.166/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 12/03/04. 5. Recurso ordinário provido para declarar a atipicidade quanto ao crime de apropriação indébita.” (STF - RHC: 104.588 RJ , Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 07/06/2011, Primeira Turma). Havendo divergência por parte do contratante em relação ao valor dos honorários recebidos por sua advogada, caberá a ele rediscutir os termos do contrato na esfera cível, e ainda, caso entenda que o benefício auferido por ela na demanda tenha ultrapassado os limites éticos, poderá formular representação junto ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP, para apreciação da adequação do contrato de honorários advocatícios aos preceitos éticos que devem pautar a conduta dos advogados. Neste caso, a teor da orientação jurisprudencial, o trancamento de ação penal é possível quando pela simples narrativa dos fatos restar evidente a atipicidade da conduta do paciente ou não houver nenhum indício para servir de base à acusação, uma vez que não é possível a profunda análise de prova na via estreita do remédio heróico. Nesse sentido. “A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando,


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de pronto, sem a necessidade de exame valorativo dos elementos dos autos, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. O habeas corpus constituise em meio impróprio para a análise de questões que exijam o exame do conjunto fático-probatório” (STJ, HC n. 36385/PE, rel. Min. Gilson Dipp, j. em 09.11.2004). “É entendimento desta Corte que o trancamento da ação penal por falta de justa causa para a sua propositura só é possível quando se constate, prima facie, a atipicidade da conduta, a incidência de causa excludente de culpabilidade, bem como a ausência de indícios de autoria ou prova da materialidade do delito” (STJ, HC n. 38247/SP, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. em 04.10.2005). Nesse sentido, também o escólio de Júlio Fabbrini Mirabete: “somente se justifica a concessão de habeas corpus por falta de justa causa para a ação penal quando é ela evidente, ou seja, quando a ilegalidade é evidenciada pela simples exposição dos fatos com o reconhecimento de que há imputação de fato atípico ou da ausência de qualquer elemento indiciário que fundamente a acusação” (Código de Processo Penal Interpretado, 8ª ed., 2001, Atlas, p. 1426/1427). Assim, a conduta da paciente, descrita na inicial acusatória é realmente atípica, faltando, portanto, justa causa para a ação penal, impondo-se, em consequência, o seu trancamento, restando prejudicado o pedido de justiça gratuita. Ante o exposto, concede-se a ordem, para determinar o trancamento da ação penal n.º 0064519-14.2012.8.26.0050 controle 1648/2012, em curso junto à 4ª Vara Criminal do Fórum Central da Barra Funda - Comarca da Capital, ante a falta de justa causa para a persecução penal.

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Habeas Corpus nº 013623523.2013.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é paciente ANDREY ROCHA DA SILVA, Impetrantes AHMAD LAKIS NETO e WILLIAN RICARDO SOUZA SILVA, é impetrado MM. JUIZ (A) DE DIREITO DO PLANTÃO JUDICIÁRIO DE 1ª INSTÂNCIA DA CAPITAL. (Voto nº 3.839) ACORDAM, em 15ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Denegaram a ordem, com determinação. V.U. Sustentou oralmente o Dr. Ahmad Lakis Neto e fez uso da palavra o Exmo. Sr. Procurador de Justiça Dr. Paulo Juricic.”, de conformidade Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores J. MARTINS (Presidente) e ENCINAS MANFRÉ. São Paulo, 19 de setembro de 2013 DE PAULA SANTOS, Relator Ementa: HABEAS CORPUS – Receptação - Prisão preventiva - Inteligência dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal - Requisitos objetivos e subjetivos verificados - Condições pessoais favoráveis que não têm o condão de, por si sós, desconstituírem os alicerces da custódia preventiva - Decisão do Juízo fundamentada - Liberdade provisória incabível Ausência de nulidade da decisão que a indeferiu - Pas de nullité sans grief - Ordem denegada, com determinação.

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VOTO Cuida-se de pedido de habeas corpus impetrado por AHMAD LAKIS NETO, GABRIELA FONSECA DE LIMA, WILLIAN RICARDO SOUZA SILVA e DOUGLAS RODRIGUES DE OLIVEIRA a favor de ANDREY ROCHA DA SILVA, preso desde 27/06/2013, sob acusação de estar incurso no art. 180, do Código Penal, contra ato do MM. Juiz do Plantão Judiciário da Comarca de São Paulo, consistente na conversão da prisão em flagrante em preventiva (fls. 52/53) e posterior indeferimento do pedido de liberdade provisória (fls. 76). Sustentam os impetrantes, em síntese: a) nulidade da decisão proferida por ausência de manifestação do Ministério Público; b) o não preenchimento dos requisitos autorizadores da prisão preventiva; c) a impossibilidade de se invocar a gravidade em abstrato do delito para justificar a prisão cautelar; d) o paciente possui residência fixa e ocupação lícita; e) há medidas cautelares diversas da prisão que podem ser aplicadas ao caso. Requerem a nulidade da decisão proferida pelo MM. Juízo a quo e que seja revogada a prisão preventiva ou, alternativamente, seja concedida a liberdade provisória, expedindo-se alvará de soltura. Formulado pleito de medida liminar, a E. Desembargadora então oficiante no Plantão Judiciário, antes de apreciá-lo, encaminhou-o ao douto Procurador de Justiça que atuava naquela oportunidade (fls. 02). O referido Procurador de Justiça se manifestou no sentido de que a


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alegação de eventual nulidade por falta de manifestação do Ministério Público restou superada com sua intervenção e opinou pelo indeferimento da liminar. Requereu vista dos autos após as informações prestadas pela autoridade impetrada (fls.84/85). A liminar foi indeferida (fls. 87/88) pela E. Desembargadora Maria Tereza do Amaral, que respondia pelo Plantão e determinou a distribuição do feito. Foram apresentados dois pedidos de reconsideração do indeferimento da medida liminar (fls. 93/96 e 103/105), não acolhidos (fls. 98/100 e 107/110). Ao se rejeitar o segundo desses pedidos de reconsideração, foi prolatada, por este Relator, a seguinte decisão (fls. 107/110): “Vistos. “Cuida-se do segundo pedido de reconsideração referente ao indeferimento de medida liminar no presente procedimento de habeas corpus. “Tal pleito foi inicialmente indeferido pela r. decisão de fls. 87/88, proferida pela Eminente Desembargadora Maria Tereza do Amaral, então oficiante no Plantão Judiciário. “Houve um primeiro pedido de reconsideração, não acolhido por este magistrado, conforme decisão proferida a fls. 98/100, do seguinte teor: ‘Apesar das considerações tecidas pelo douto advogado que o subscreve, não se afigura viável acolher o pedido de reconsideração de fls. 93/96. ‘Deveras, o indeferimento da medida liminar foi devidamente justificado pela E. Desª. Maria Tereza do Amaral, que o apreciou no Plantão Judiciário, que desacolheu o pleito pelos seguintes fundamentos, que merecem ser mantidos: “Ao contrário do sustentado, a decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva está bem fundamentada, e foi mantida pelos mesmos fundamentos articulados na anterior. “Com flagrante formalmente em ordem, necessária se fazia a prisão preventiva, ante as condições pessoais do ora paciente e para garantia da instrução criminal, apresentando-se insuficientes as demais medidas cautelares. “O paciente registra antecedentes criminais em crimes contra o patrimônio e encontrava-se no gozo de livramento condicional com término previsto para 30/08/2016, conforme documento acostado com a inicial, quando da prática do presente delito. “Não se verifica, destarte, em fase de cognição sumária, o alegado constrangimento ilegal a permitir se conceda a liminar pretendida” (fls. 87/88). ‘Cumpre salientar, outrossim, que a concessão de medida liminar é instrumento excepcional, possível apenas quando o constrangimento ilegal é manifesto e de imediata detecção por meio de cognição sumária, Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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de maneira a autorizar a drástica providência postulada. ‘E, na presente hipótese concreta, estão, deveras, ausentes motivos peculiares, passíveis de pronto e seguro reconhecimento, de relevância tal que justifique a concessão pretendida. ‘De qualquer modo, a matéria, in casu, deverá ser apreciada detidamente por ocasião do julgamento do writ, após seu regular processamento. ‘Portanto, mantenho, por seus próprios fundamentos, a decisão que negou a medida liminar (fls. 87/88), aduzindo as considerações supra e ressaltando a necessidade de informações do Juízo impetrado. ‘Cumpra-se integralmente o já determinado no despacho de fls. 90/91’. “Não obstante a bem elaborada petição de fls. 103/105, em que novamente pleiteada a reconsideração, o fato é que, estritamente para efeito de concessão, ou não, de liminar, a matéria já foi analisada e apreciada, tendo-se sempre presente está claro que, na fase em tela, o campo de análise é estreito, tendo em vista a excepcionalidade da medida. Portanto, ficam agora expressamente reiterados, como motivação, todos os argumentos já expostos nas decisões anteriores. “Isso, evidentemente, com o cuidado de se ressaltar que ora se cogita de mero exame de pleito de liminar, o que em nada inibe a posterior análise, particularizada e fundamentada, do mérito do pedido, quando do julgamento do habeas corpus, momento próprio para a incursão meritória. “Máxime porque, na fase de julgamento estarão presentes as informações do Juízo impetrado e a manifestação da Procuradoria Geral de Justiça, com garantia de conhecimento de todos os aspectos relevantes da questão e formação de base segura para que possa ser bem decidida. “Quanto ao desejo do douto advogado impetrante de despachar pessoalmente com este magistrado, cumpre ressaltar que é sempre bemvindo, mas, tendo em vista a própria natureza (em tese, urgente) dos pleitos de liminar (bem como dos respectivos pedidos de reconsideração), sua apreciação pronta e célere se impõe. Ademais, observando-se a boa qualidade técnica das petições juntadas, instala-se a certeza de que o douto advogado impetrante já expressou com clareza e objetividade seu ponto de vista, sabendo-se que todos os argumentos de interesse para o caso podem e devem ser expostos por escrito (até para que fiquem consignados nos autos), de modo que a reiteração verbal não altera, em hipóteses quejandas, a situação. Assim, embora repetindo que o douto advogado é bem-vindo para despachar pessoalmente, convém deliberar sem demora em face dos bem articulados argumentos escritos já expostos. “E, nesse diapasão, indefiro, desde logo, o novo pedido de reconsideração (fls. 103/105), sem prejuízo da ampla análise do mérito no momento oportuno, observando que as informações já foram solicitadas (fls. 101) e que, para o próprio paciente, convém que se permita que o presente


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feito siga celeremente seu curso regular, pois isto propiciará a agilização do julgamento. “Int.”

A autoridade apontada como coatora prestou as informações requisitadas (fls. 112/112vº). A Procuradoria Geral de Justiça destacou que não há qualquer nulidade por falta de manifestação do Ministério Público e, ainda que hipoteticamente houvesse, teria restado superada com sua intervenção. Asseverou que a decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva foi bem fundamentada e que o paciente não tem vínculo com o distrito da culta. Ressaltou que “o paciente é reincidente, registrando condenação anterior e, quando preso, se encontrava em gozo de livramento condicional. Pilhado novamente em flagrante na posse de veículo automotor produto de roubo, revela não ser mesmo merecedor da benesse pleiteada”. Aduziu, ainda: “À vista da gravidade da imputação, bem como dos péssimos antecedentes criminais do paciente, revelando periculosidade, inviável a substituição por medida cautelar diversa da prisão preventiva”. Opinou pela denegação da ordem (fls. 129/134). Foi, outrossim, juntado aos autos ofício do C. STF, acompanhado de cópia de decisão proferida nos autos do Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 118.910 que negou provimento àquele recurso, alvitrando celeridade no julgamento deste writ. É o relatório. Insurge-se o impetrante contra decisões do MM. Juiz do Plantão Judiciário da Capital, que converteu em preventiva a prisão em flagrante do paciente (fls. 52/53) e que indeferiu seu pedido de liberdade provisória (fls. 76). Ab initio, não colhe êxito a alegação de nulidade da decisão, por ausência de pronunciamento prévio do representante do Ministério Público. Como bem anotado pela douta Procuradoria Geral de Justiça, em suas manifestações de fls. 84/86 e 129/134, isso não acarreta nulidade alguma e, mesmo que assim hipoteticamente não fosse, eventual nulidade estaria superada por sua intervenção, ainda naquele momento em que apresentado o parecer de fls. 84/86, anterior ao indeferimento da medida liminar pela E. Des. Maria Tereza do Amaral, então oficiante no Plantão Judiciário. Cumpre salientar, outrossim, que vigora no processo penal o princípio pas de nullité sans grief, previsto no artigo 563 do Código de Processo Penal: “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”. Portanto, além de despiciendo o pronunciamento ministerial prévio e de ter havido intervenção da Procuradoria Geral de Justiça, não demonstrou o paciente ter sofrido qualquer prejuízo ante a ausência de manifestação preambular do Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Parquet, o qual, inclusive, como tantas vezes repetido, “é uno e indivisível”. Ou seja, teve seu entendimento induvidosamente exteriorizado pelas reiteradas manifestações dos doutos Procuradores que atuaram nos autos (incisivamente desfavoráveis às pretensões do impetrante). Aliás, a este respeito, cabe trazer à baila elucidativo excerto de julgado da lavra do E. Des. Almeida Toledo (HC nº 0101395-55.2011.8.26.0000, j. 19/07/2011). “Em que pese o inconformismo da impetrante, nenhuma regra processual estipula que o Ministério Público deva se pronunciar nos autos da liberdade provisória antes da apreciação judicial e mesmo com o advento da Lei nº 12.403/2011, continua a não existir mandamento em tal sentido. “Frise-se que na relação processual, Acusação e Defesa ocupam posições antagônicas, não se podendo presumir que, em seu parecer, o Órgão Ministerial levantasse pontos não mencionados pela Defesa e favoráveis à liberdade do paciente. “Pelo contrário, a posição esperada do MP é de confronto à liberdade do acusado, de modo que eventual prejuízo à Acusação, justificador da alegação de nulidade, decorreria do acolhimento do pedido defensivo, fato este que não ocorreu.”

Não há que se falar, portanto, em nulidade das decisões pelas quais convertida a prisão em flagrante em preventiva (fls. 52/53) e indeferido o pedido de liberdade provisória (fls. 76). E, como se não bastasse, ao pé de cada uma delas, o representante do Ministério Público de primeiro grau apôs seu “ciente”, na mesma data, sem qualquer insurgência, deixando patenteada, assim, sua concordância com o decidido. Concordância esta, como dito, reiterada pelos doutos Procuradores de Justiça que subscreveram os pareceres acima mencionados. Por outro lado, no presente caso concreto, o cabimento da medida prisional imposta pelo Juízo Singular é, deveras, inequívoco. Sobre a prisão preventiva, dispõe o Código de Processo Penal, com sua redação atualizada:

No caso em tela, há indícios suficientes de autoria e materialidade (valendo consignar que o paciente já foi denunciado pelo Ministério Público como incurso no art. 180, caput, do Código Penal, cf. fls. 113/117). Apenas para permitir o entendimento da situação fática delineada, observase que consta do Boletim de Ocorrência nº 7411/2013 o seguinte: “Comparecem os componentes da Viatura M02307, Encarregado Policial Militar Rafael Lima Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”.


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de Albuquerque, informando que encontravam-se em patrulhamento de rotina pela Rua Vicente José Cabral, quando avistaram que no sentido contrário vinha trafegando um veículo da marca I/Hiundai Tucson, preto, placas DYG7815/SBC, ocasião em que resolveram abordá-lo, sendo que quando manobraram a viatura, o condutor de referido veículo passou a empreender fuga, desta feita foram atrás do mesmo. Na Rua Pedro Marciano de Alcântara o condutor do veículo, desceu do mesmo, o abandonando e saiu correndo, desta feita foram atrás do mesmo, e logram êxito em detê-lo no cruzamento da Rua Rubens Fraga de Toledo Arruda com a Rua Vicente José Cabral. O indivíduo identificado como sendo Andrey Rocha da Silva, tentou escapar correndo, mas novamente foi detido, passando a se debater, resistindo, tendo então sido algemado. O indiciado Andrey foi submetido a uma revista pessoal, mas nada de ilícito foi encontrado em poder dele, com ele foi encontrado apenas a chave do veículo em questão. O indiciado ao ser indagado da razão de ter fugido e ter abandonado o veículo, o mesmo respondeu que havia fugido, devido não possuir habilitação, tendo informado ainda que havia comprado o veículo há cinco dias, no entanto não forneceu o nome e nem o endereço de quem ele o havia adquirido e para pagamento ele havia dado um veículo da marca Astra, cuja placa não soube declinar e que teria que pagar mais quinze parcelas no valor de R$ 1.500,00. Em contato com o Copom solicitaram informações do veículo e de seu proprietário Francisco Augusto Filho, e este acabou por informar que o veículo dele encontrava-se em seu poder, não havia sido subtraído. Diante informação constataram ser o veículo a princípio pertencente ao indiciado era na realidade um dublê, procedendo-se uma vistoria no mesmo, o chassi aparentemente encontravase normal, mas quando solicitaram informações ao Copom com referência ao motor de número ‘G6BA-7597688’ constatou-se tratar-se do veículo I/Hyndai Tucson GLS 27L, de placas DWM0212/SP, de propriedade de Fernando Gueiros da Gama, o qual possuía queixa de roubo datado de 14.12.2012, conforme Boletim de Ocorrência nº 9516/2012 do 01º D.P). Diadema. Fernando Gueiros da Gama ao ser contatado pelo Copom informou que não tinha condições de vir a este Distrito e que não era mais proprietário do veículo, pois já havia sido ressarcido pela seguradora ‘Azul Seguros’. Diante dos fatos foi dado voz de prisão ao indiciado, sendo o mesmo conduzido a este Distrito Policial para as medidas pertinentes ” (sic - fls. 30/31). Cópia do auto de prisão em flagrante se encontra juntada e se verifica que as testemunhas Rafael Lima de Albuquerque (fls. 17/18) e Bruno Marandola da Silva (fls. 22/23) confirmaram essa versão. O paciente foi, portanto, pelo que consta, surpreendido na direção de veículo “dublê” (com placas e numeração de chassi adulteradas), objeto de roubo ocorrido em dezembro de 2012. Não é possível descartar, de plano, no apertado âmbito deste writ, a Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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perspectiva, sempre em tese, de que tenha havido a prática da conduta prevista no artigo 180 do Código Penal. Cumpre salientar que o paciente, quando ouvido pela Polícia Civil ao ser flagrado, nem mesmo deu informações seguras a respeito do vendedor do veículo: “Que está adquirindo o veículo Hyundai Tucson de um indivíduo o qual conhece como “Nego”, o qual é vendedor de automóveis junto a agência de venda de automóveis Credicar Veículos, a qual é situada na avenida São Miguel não sabendo precisar o numeral, informando apenas que é próxima do Supermercado Extra.” (sic fls. 19). É sabido que se trata de veículo com valor de mercado considerável e, embora o preso alegue que, para adquiri-lo, deu um outro veículo de sua propriedade como parte do pagamento (cuja placa não foi declinada), cumpre observar que, pelas informações constantes dos autos, o paciente se encontra desempregado, recebendo Seguro- Desemprego no valor de R$ 678,00 (fls. 72). E foi juntado um “atestado” particular no sentido de que exerce ocupação informal, em serviços gerais de uma pizzaria, mas a correspondente renda mensal não foi informada (fls. 68). Percebe-se, ao menos em tese, que não se trata de hipótese em que haja existido um negócio com aparência de legalidade. Mostra-se, no mínimo, incomum, ao menos num exame preliminar, que alguém adquirisse bem de valor significativo, como o é um veículo, sem examinar nenhum documento, nem saber o nome do vendedor, permanecendo com o bem sem fechar negócio por cinco dias, como afirmou o paciente em seu interrogatório (fls. 19/20), para devolvê-lo ou aceitar a compra quando tal vendedor retornasse de viagem. Portanto, não é possível descartar, de plano, no apertado âmbito do pedido de habeas corpus, que o paciente tivesse ciência da ilicitude. Nem acolher, em sede de writ, a tese do impetrante de que “o Paciente é terceiro de boa fé” (fls. 93). Se o for, isto haverá de ser demonstrado durante a instrução processual, sob o crivo do contraditório. Aliás, o acusado não pose ser classificado, prima facie, como pessoa ingênua, desconhecedora do que se passa no mundo do crime, mesmo porque, segundo consta, já sofreu condenação criminal por roubo qualificado ora em fase de execução de pena (fls. 120/125), estando em gozo de livramento condicional. Tal circunstância revela, em tese, personalidade recalcitrante e afeiçoada ao delito. E nesta etapa de cognição sumária, ao se avaliar o cabimento de medida privativa de liberdade em caráter preventivo, tem-se que a perseverança na prática de crimes faz com que se deva afastar o risco de prosseguimento desta conduta. Há evidência de uma propensão que não pode ser ignorada. E


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se percebe que, em tese, nem mesmo o fato do paciente já haver sido sujeito passivo de procedimento penal anterior serviu para dissuadi-lo de trilhar a senda delitiva. Daí haver sido afirmada, corretamente, a pertinência da prisão para garantia da ordem pública. Com efeito, apesar dos argumentos lançados na impetração, na presente hipótese concreta a configuração dos requisitos demonstrativos do cabimento da medida prisional está evidenciada, como bem demonstrado pela fundamentada decisão do douto magistrado a quo, que desceu às particularidades da hipótese concreta: “Note-se que o averiguado foi surpreendido na direção de veículo automotor produto de crime e que sua conduta de não obedecer ao sinal de parada dos policiais indica que ele tinha ciência da origem ilícita do veículo. Ao menos em princípio, e sem adentrar no mérito, diante dessas circunstâncias, não houve nenhum equívoco na prisão, não havendo que se falar em relaxamento da prisão em flagrante. “[...] “No caso em tela estão presentes os requisitos da prisão preventiva para o averiguado, em razão da sua provável reincidência. Além disso, há provas da materialidade e indícios da autoria. “A prisão preventiva é necessária para garantia da ordem pública, para conveniência da instrução processual e para assegurar a aplicação da lei penal, observando que a averiguada não comprovou ter ocupação lícita nem mesmo residência. Desse modo torna-se temerária, em razão da garantia instrução processual e da aplicação da lei penal, a concessão da liberdade provisória. Como se sabe, não é possível o prosseguimento do processo sem a citação pessoal dos autuados, na forma do artigo 366 do Código de Processo Penal, sendo necessária a sua custódia para conveniência da instrução criminal em caso de ajuizamento da ação pena e também para aplicação da lei penal em caso de condenação. “Nestes termos, considerando as condições pessoais do averiguado (ausência de vínculo com o distrito da culpa e, ao que tudo indica, reincidência) a liberdade provisória e as medidas cautelares diversas da prisão (previstas no art. 319 do CPP) são absolutamente inadequadas e insuficientes para o caso concreto aqui analisado, razão pela qual, nos termos do art. 282 c.c. art. 310, II, do CPP, a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva mostra-se de rigor.” (fls. 52/53).

Destaque-se que o paciente, ante a necessidade de comprovar ocupação lícita, apresentou cópia do termo de rescisão de contrato de trabalho, datada de 16/02/2013, bem como cópia de correspondência referente ao benefício do Seguro-Desemprego (fls. 71 e 72). Embora, como já dito, também tenha trazido aos autos “atestado” de que trabalharia para “Cassio Clei Rocha de Oliveira Pizzaria ME”, não há segura demonstração de que tem como se manter sem delinquir. Some-se a isto, a circunstância de estar, no momento da prisão, em Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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“Habeas corpus. Prisão preventiva. Prova material e indícios de autoria a respeito da prática de roubo duplamente majorado. Segregação cautelar necessária a fim de garantir-se a ordem pública. Custódia decretada em consonância aos pressupostos e fundamentos estabelecidos no artigo 312 do Código de Processo Penal. Insuficiência, ao menos por ora, de substituição dessa prisão por medida cautelar prevista no artigo 319 desse diploma. Ordem denegada. (HC nº 0050328-80.2013.8.26.0000, Des. Rel. Encinas Manfré, j. em 06/06/2013); “HABEAS CORPUS. ROUBO SIMPLES TENTADO. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS AUTORIZADORES. Impossibilidade. APLICAÇÃO DAS NOVAS MEDIDASCAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. Descabimento: A natureza da infração penal e a periculosidade do caso concreto refutam eventual direito de se aguardar o desfecho do processo em liberdade. Desta forma, havendo fundamentação suficiente e presentes os requisitos autorizadores da decretação da prisão preventiva, é de rigor a manutenção da decisão que a decretou, descabendo a aplicação das novas medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319, do CPP, introduzidas pela Lei nº 12.403/2011. Ordem denegada” (HC nº 0004500-31.2013.8.26.0000, Des. Rel. J. Martins, j. em 25/04/2013); “Habeas Corpus. Tráfico de entorpecentes. Prisão em flagrante convertida em preventiva. Pedido de liberdade provisória. Inadmissibilidade.

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gozo de livramento condicional (fls. 77/82). A preservação da prisão preventiva, portanto, é necessária, já que a sua revogação, além de poder acarretar risco à ordem pública, também poderia prejudicar, ante a ausência de qualquer respaldo profissional duradouro que o vincule ao distrito da culpa, a instrução criminal e a aplicação da lei penal. Cumpre anotar, ainda, apenas ad argumentandum, que mesmo que assim não fosse, a Jurisprudência é uníssona ao afirmar que “as condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa, não têm o condão de, por si sós, desconstituir a custódia antecipada, caso estejam presentes outros requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a decretação da medida extrema” (HC 217.175/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 12/03/2013). No mesmo sentido a orientação o C. STF: HC 112.642, Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 10.08.12. Por fim, diante das circunstâncias peculiares do caso concreto, que demonstram a gravidade da conduta específica imputada ao paciente, bem como da situação em que flagrado, é certo que outras medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal se mostram insuficientes neste momento e em face dos elementos trazidos aos autos. Nesse sentido o entendimento desta Câmara:


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Existência de indícios de autoria e materialidade. Decisão fundamentada nos termos do artigo 312, do Código de Processo Penal. Aplicação de medidas cautelares. Inviabilidade, pois presentes requisitos para a prisão preventiva Ordem denegada” (HC nº 0031826-93.20138.26.0000, Des. Rel. Walter de Almeida Guilherme, j. em 25/04/2013).

Correta, enfim, a imposição da medida prisional, visto que efetivamente presentes os requisitos para a prisão preventiva. Por consequência lógica, era imperiosa também a rejeição do pedido de liberdade provisória. Diante do exposto, denega-se a ordem. Para ciência, encaminhem-se, com urgência, cópias do presente Acórdão às Eminentes Ministras Relatoras do Habeas Corpus nº 118.910, impetrado perante o C. Supremo Tribunal Federal, e do Habeas Corpus nº 275.232, impetrado perante o C. Superior Tribunal de Justiça (fls. 137/138).

ACÓRDÃO

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Vistos, relatados e discutidos estes autos do Habeas Corpus nº 014841571.2013.8.26.0000, da Comarca de Santa Fé do Sul, em que é paciente A. A. G., Impetrantes G. G. e D. T. F.. (Voto nº 12.833) ACORDAM, em 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “concederam parcialmente a ordem, para determinar a transferência da paciente A. A. G., à prisão domiciliar, observado o disposto no artigo 317, do CPP, sob pena de revogação. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores BRENO GUIMARÃES (Presidente sem voto), VICO MAÑAS E JOÃO MORENGHI. São Paulo, 11 de setembro de 2013. PAULO ROSSI, Relator Ementa:HABEASCORPUS-TráficodeEntorpecentes e Associação para o Tráfico - Preliminarmente, alega nulidade do auto de prisão em flagrante, pois não restaram configuradas quaisquer das hipóteses do art. 302, do CPP - NÃO VERIFICADO - O delito definido no art. 33 da Lei 11.343/06 descreve dezoito tipos de comportamento, sendo que alguns destes caracterizam infrações permanentes, tais como manter em depósito. Assim, enquanto perdurou a Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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ação, estava o denunciado em flagrante delito. No mérito, alega constrangimento ilegal em razão do indeferimento da liberdade provisória, mediante decisão carente de motivação concreta, e embora estivessem ausentes os requisitos da prisão preventiva – IMPOSSIBILIDADE - Caso em que, a decisão se encontra suficientemente fundamentada. Ademais, ainda que sucinta, demonstrada de forma adequada a presença dos requisitos ensejadores da custódia cautelar do paciente, em consonância com disposto artigo 93, inciso IX da Carta Magna. De outro lado, presentes os requisitos ensejadores da prisão cautelar, nos termos do artigo 312, do CPP. De outra banda, a paciente faz jus à prisão domiciliar, nos termos do artigo 318, inciso III, do CPP, com sua nova redação dada pela Lei n.º 12.403/2011. Ordem parcialmente concedida. VOTO Vistos. Trata-se de Habeas Corpus impetrado em favor de A. A. G., apontando o MM. Juiz da 3ª Vara Judicial da Comarca de Santa Fé do Sul como autoridade coatora, nos autos da ação penal n.º 0004591-80.2013.8.26.0541 controle 268/2013.

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Aduz o impetrante que a paciente foi presa em flagrante no dia 09 de junho de 2013, pela suposta prática dos delitos previstos nos artigos 33 e 35, ambos da Lei n.º 11.343/06. Preliminarmente, alega que a paciente está sofrendo constrangimento ilegal em face da nulidade do auto de prisão em flagrante, haja vista que não restaram configuradas quaisquer das hipóteses previstas no artigo 302, do Código de Processo Penal, pois não há prova suficiente a evidenciar a mercancia de entorpecentes, haja vista que estava em sua residência cuidando de sua filha de poucos meses de vida, que sofre de grave problema cardíaco, o que torna necessário seu acompanhamento ininterrupto durante todo o dia, não havendo indícios concretos de autoria ou participação no delito. No mérito, sustenta que a paciente sofre constrangimento ilegal em razão do indeferimento de seu pedido de liberdade provisória pelo juízo monocrático, mediante decisão carente de motivação, não demonstrando em termos concretos a necessidade da manutenção da medida extrema. Sustenta que a paciente é primária, não ostenta antecedentes criminais, possui residência fixa e presumivelmente inocente, de


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modo que estão ausentes quaisquer das hipóteses previstas no artigo 312, do CPP, fazendo jus ao direito de responder ao processo em liberdade, Enfatiza que a Lei 11.464/07 alterou o artigo da lei dos crimes hediondos e equiparados, suprimindo a vedação à concessão da liberdade provisória. Por final, alega que em caso de eventual condenação, haverá a incidência do § 4º, do artigo 33, da Lei n.º 11.343/06, que preconiza causa de diminuição de pena, mostrando-se descabida a manutenção da prisão cautelar. Pugna pela concessão da ordem, para que seja concedida a liberdade provisória, expedindo-se o competente alvará de soltura (fls. 02/15). Pedido liminar foi indeferido (fls. 17/18). Prestadas informações pela digna autoridade, dita coatora (fls. 24/25), pronunciou-se a Douta Procuradoria Geral de Justiça, em r. parecer da lavra do Doutor Renato N. Fabbrini, pela denegação da ordem (fls. 30/40). A inicial veio acompanhada de documentos que foram autuados em apenso. Este, em síntese, é o relatório. A paciente foi denunciada como incursa no artigo 33, caput, da Lei 11.343/06, na forma do artigo 29, caput, do Código Penal, e no artigo 35, caput, da Lei n.º 11.343/06, tudo na forma do artigo 69, caput, do Código Penal. Consta da denúncia que no dia 09 de junho de 2013, por volta de 00h20min, na rua 22, nº 1670, Centro, na cidade e comarca de Santa Fé do Sul, com identidade de condutas e unidade de desígnios, M. A. C. e P. C. S. T., em tese, traziam consigo respectivamente 10 porções de “crack”, droga derivada de cocaína, pesando aproximadamente 3 gramas, e 2 porções de cocaína, pesando aproximadamente 23,30 gramas. Noticiam, também, que, nas mesmas condições de tempo, horário e local descritos acima, na cidade e comarca de Santa Fé do Sul, com identidade de condutas e unidade de desígnios, A. A. G. e J. C. F. S., em tese, mantinham em depósito 114 papelotes de “crack”, droga derivada de cocaína, pesando aproximadamente 33,96 gramas, e 13 pedras brutas de “crack”, pesando aproximadamente 45 gramas. Noticiam, ainda, que, em data anterior ao dia 9 de junho de 2013, em horário e local incertos, os denunciados supostamente associaram-se entre si, para o fim de praticarem, reiteradamente, o crime previsto no artigo 33, caput, da Lei 11.343/06. Segundo apurado, na data dos fatos, policiais militares receberam informações que no local havia tráfico de drogas. Desse modo, os policiais se dirigiram até a residência de J. C. e, ao chegar no local, avistaram M. A. e P. C., os quais, ao notarem a chegada da viatura, Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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tentaram evadir-se do local, entretanto foram detidos pelos policiais. Próxima a Marco Antônio, na calçada, foram localizados 10 papelotes de “crack”, pesando aproximadamente 03 gramas, enquanto que, ao lado de Paulo César, foi encontrado um pote branco, próprio para remédios, contendo duas porções de cocaína, pesando aproximadamente 23,30 gramas, além de R$ 101,00, em dinheiro. Dentro da residência, encontrava-se J. C. e A., mas quando aquele percebeu a chegada dos policiais evadiu-se do local pelos fundos da residência. Durante a revista no imóvel, foi localizado, na sala, sobre uma estante, um pote de vidro contendo em seu interior 114 papelotes de “crack”, pesando aproximadamente 33,96 gramas, 13 pedras brutas de “crack”, pesando aproximadamente 45 gramas, dois pen drives e a quantia de R$ 335,00 em dinheiro. Na estante, também foram encontrados três celulares pertencentes a Júlio César. A. teria informado que toda droga pertencia a J. C. e era destinada à venda. Em um dos cômodos da casa foram apreendidos vários objetos, tais como: aparelhos de som, módulos, alto falantes de origem ilícitas. Com efeito, as circunstancias da diligência policial, a quantidade de entorpecentes apreendido e a forma como eram divididas as tarefas entre os envolvidos, evidenciam a associação para o tráfico e a prática do comércio ilegal de drogas (fls. 01-d/05-d do apenso). Verifica-se, perante as informações prestadas pela autoridade judiciária, em 13 de agosto de 2013, que a paciente foi presa em flagrante no dia 09/06/2013, convertida em preventiva na mesma data. Em 19/06/2013, a defesa ingressou com pedido de liberdade provisória, o qual foi indeferido. Em 03/07/2013, foi oferecida denúncia, dando a paciente como incursa nos artigos 33, caput, da Lei 11.343/06, na forma do artigo 29, caput, do Código Penal, e no artigo 35, caput, da Lei n.º 11.343/06, tudo na forma do artigo 69, caput, do Código Penal. Em 30/07/2013, foi juntada a defesa prévia da paciente, oportunidade em que arrolou quatro testemunhas. Por decisão de 1º/08/2013, a denúncia foi recebida, tendo sido determinada a expedição de carta precatória para oitiva de testemunhas de acusação. Aguarda-se a devolução da carta precatória expedida (fls. 42/43). Inicialmente, no que tange à alegação de que o respeitável despacho monocrático que indeferiu o pedido de liberdade provisória seria carente de fundamentação, visto que não foi baseada em dados concretos, não comporta acolhimento, pois suficientemente fundamentado (fls. 28). Com efeito, ao contrário do asseverado pelo impetrante, o culto Magistrado indeferiu o pleito defensivo, considerando a natureza do delito, bem como suas circunstâncias fáticas, ressaltando que a segregação cautelar é imperiosa como garantia da ordem pública, nos termos do artigo 312, do Código de Processo


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Penal. Destarte, vale destacar que a decisão ora guerreada, apresenta-se escorreita, e não autoriza a concessão do presente writ, inclusive porque não se exige uma fundamentação exaustiva, sendo suficiente que o decreto, ainda que de forma sucinta, analise a presença dos requisitos legais ensejadores da prisão preventiva. Em assim sendo, embora singela a decisão judicial, não se pode alegar que patente o constrangimento ilegal ante a ausência de motivo justificador da prisão cautelar do paciente, inclusive porque, conforme salientado na decisão ora atacada, estão presentes os pressupostos da prisão preventiva, restando demonstrado em termos concretos, concluindo seu raciocínio com o que entende tratar-se de questão a ensejar, no todo, a inconveniência da soltura da suplicante. Fundamentação minuciosa só se requer a decisão definitiva de mérito, não a que impõe prisão preventiva ou denega liberdade provisória. Esta se satisfaz com a indicação da necessidade da decretação da custódia cautelar, que se infere da prova da materialidade da infração penal grave e de indícios veementes de sua autoria. Vê-se: STJ: “Demonstrada a necessidade da medida cautelar constritiva da liberdade humana, concretizada em decisão, ainda que sucinta, onde consignadas as razões pelas quais entendeu necessária, descabe pretender desconstituí-la com a invocação do princípio da presunção de inocência ou pela circunstância de ser o paciente primário, radicado no foro da culpa e com profissão definida” (Revista do Superior Tribunal de Justiça, vol. 58, p. 119). “Não se consubstancia constrangimento ilegal, passível de reparação por via de habeas corpus, a ordem de custódia preventiva cujo teor contém os fundamentos suficientes, demonstrativos da presença de uma das circunstâncias inscritas no art. 312 do Cód. Proc. Penal” (Ver. Tribs. Vol. 764, p. 504, Rel. Min. Vicente Leal). Com efeito, e com o esforço desenvolvido pelo impetrante, o que se verifica é que a respeitável decisão atacada está devidamente fundamentada, em consonância com o disposto no artigo 93, inciso IX da Constituição Federal. No mais, há prova da materialidade da infração e indícios suficientes da vinculação do paciente à autoria. Se não bastasse, é de se ter presente que ela responde por crime grave tráfico de entorpecentes - e que, sabido, à sociedade, é fomento da prática de crimes gravíssimos como furtos, roubos, homicídios e latrocínios, provocando pânico e temeridade social, a recomendar a observância das medidas assecuratórias da aplicação da lei penal, não sendo recomendado que responda em liberdade o processo. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Oportuno ressaltar que após a edição, pelo Senado Federal, da Resolução nº 05/2012, que removeu o óbice da parte final do artigo 44 da Lei n.º 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do artigo 33 do mesmo diploma legal, declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Habeas Corpus nº 97.256/RS, passou-se a entender pela admissibilidade da conversão da pena privativa em restritivas de direitos ao crime de tráfico de entorpecentes. Diante disso, para me alinhar à jurisprudência dos Tribunais Superiores e, sobretudo para fins de manter-se a segurança jurídica, passei a seguir o mesmo entendimento, possibilitando ao condenado pela prática do tráfico que sua pena seja substituída por pena alternativa, desde que atingidos os requisitos previstos para tanto. Todavia, considerando o caso presente, na hipótese de eventual édito condenatório, a verificação dos requisitos objetivos e subjetivos exigidos por lei para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem como a adequação do regime prisional, deverá ser analisada oportunamente pelo MM. Juízo de 1ª Instância. Desse modo, inviável na via estreita do writ avaliar a magnitude do tráfico de drogas supostamente exercido pela paciente, se ela, em tese, é traficante de pequeno ou grande porte, se é integrante ou não de organização criminosa, de modo que não há como se antever eventual aplicação de pena restritiva de direitos, a justificar a revogação de sua prisão preventiva. As alegações de primariedade, de bons antecedentes, de ocupação lícita etc, revelam-se secundárias quando se fazem presentes os fundamentos que alicerçam a prisão preventiva (artigo 312, do Código de Processo Penal). Assim: “fatores como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e profissão definida não bastam para afastar a possibilidade de prisão preventiva, quando esta é ditada por qualquer das razões previstas no artigo 312 do C.P.P.” (RHC 66. 682-5/MA, Tribunal Pleno, v.u., Rel. SYDNEY SANCHES, 19.12.88, DJU DE 24.02.89). O que se exige para resguardar a presunção de inocência, é que qualquer forma de antecipação da prisão, anterior à existência de condenação definitiva, tenha como pressuposto a sua necessidade. Com efeito, ao contrário do alegado pela impetrante, permanecem presentes os requisitos ensejadores da custódia cautelar da Paciente, baseado em indícios de envolvimento no crime e nas consequências para a sociedade e para a apuração do fato e futura aplicação da pena, com aferição da necessidade de aprisionamento provisório da acusada. A custódia cautelar visa um risco futuro,


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em relação à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal. Dessa forma, conclui-se que há necessidade da manutenção da custódia da paciente, eis que presentes os requisitos ensejadores da prisão preventiva, de modo que não há que se falar em concessão da liberdade provisória. De outro lado, conforme ressaltado pelo defensor impetrante, verifica-se que a paciente é genitora de uma menina menor, K.G.F.S., com apenas 10 meses de idade, nascida aos 18/11/2012, conforme certidão de nascimento (fls. 18 do pedido de liberdade provisória, encartado ao apenso), levando a presunção da existência de dependência desta com relação à paciente, de modo que faz jus à substituição da prisão preventiva pela domiciliar, nos termos do artigo 318, inciso III, do Código de Processo Penal, com sua nova redação dada pela Lei n.º 12.403/2011. Dispõe o atual artigo 318, do CPP, que: “Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I - (...) II - (...) III - - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV - (...) Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.” (NR)” É cediço que a presença materna é importante ao desenvolvimento afetivo e emocional dos filhos menores, bem como, para prover sua assistência, fato este corroborado pela nova Lei n.º 12.403/2011, ao estabelecer a possibilidade de substituição da prisão preventiva por domiciliar, caso comprovada a imprescindibilidade aos cuidados de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência. Nesse sentido. “(...) FLAGRANTE. PACIENTE GESTANTE AO TEMPO DA IMPETRAÇÃO. FILHO JÁ NASCIDO. CONDIÇÕES INSALUBRES PARA O CRESCIMENTO DA CRIANÇA. NECESSIDADE DE ASSEGURAR AO RECÉM- NASCIDO SEUS DIREITOS FUNDAMENTAIS. ARTS. 6º E 227 DA CF E LEI 8.069/90. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. POSSIBILIDADE DE COLOCAÇÃO DA PACIENTE EM PRISÃO DOMICILIAR CAUTELAR. EXEGESE DO ART. 318, III, DA LEI 12.403/2011. CONSTRANGIMENTO RECONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Com o advento da Lei 12.403/2011, permitiu-se ao juiz a substituição da prisão cautelar pela domiciliar quando o agente for: Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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I - maior de oitenta anos; II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV - gestante a partir do 7º mês de gravidez ou sendo esta de alto risco, consoante dispõe o art. 318 da citada lei federal. 2. A excepcionalidade da situação em que se encontra a paciente e seu filho, a essa altura já nascido, justifica que, por razões humanitárias, pelo bem da criança que agora merece os cuidados da mãe, em situação mais favorável do que aquela apresentada na prisão, e isso sem ir-se contra o entendimento pacificado nessa Quinta Turma no sentido da impossibilidade, no caso, de deferimento da liberdade provisória, conceda-se a ordem de ofício, para permitir que aguarde em prisão domiciliar o julgamento da ação penal a que responde perante o juízo singular. 3. Writ parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegada a ordem, concedendo-se, contudo, habeas corpus de ofício para determinar que a paciente aguarde em prisão domiciliar o julgamento da ação penal a que responde, forte nos arts. 1º, III, da CF, e 318, III, da Lei 12.403/2011.” (STJ, HC nº 217.009/MG, rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe. 01/02/2012). Ademais, de acordo com a documentação que instrui a impetração, foram exibidas provas idôneas dos requisitos estabelecidos na norma acima transcrita, ou seja, no presente caso a certidão de nascimento de filha menor de seis anos da paciente, preenchendo os requisitos legais. De se ressaltar, ainda, que a pequena lactente está sob investigação médica etiológica de sopro cardíaco estenose valvar pulmonar (fls. 19/23 do apenso), evidenciando que ela possui saúde fragilizada, carecendo de cuidados essenciais por parte de sua genitora. Assim, restou demonstrado sua imprescindibilidade aos cuidados da lactente, porquanto o rompimento prematuro do convívio com a mãe serlhe-á prejudicial, violando seus direitos mais fundamentais, assegurados constitucionalmente, dentre os quais o direito à vida, à integridade física e mental e à convivência familiar, além da violação a um dos fundamentos primordiais da República Brasileira, qual seja, a dignidade da pessoa humana, inserta no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna. O artigo 227 da Constituição Federal dispõe que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Embora não haja exigência legal para a concessão da prisão domiciliar, insta consignar que a paciente possui residência fixa, militando em seu favor o princípio constitucional da presunção de inocência, conforme documentação


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acostada aos autos. Demais disso, embora controversa a concessão de liberdade provisória aos acusados pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei n.º 11.343/06, ressalta-se, todavia, que esta não é a hipótese aqui tratada. O que ocorre in casu é a manutenção da prisão preventiva, que pode ser cumprida em prisão domiciliar. Nesse sentido, o escólio de Guilherme de Souza Nucci: “Ademais, não vemos com acerto a redação formulada no art. 318, caput, do CPP: “poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar” (grifamos). Afinal, inexiste, como ente autônomo, no prisma das medidas cautelares, a prisão domiciliar. O que, realmente, há é a prisão preventiva, que pode ser cumprida em domicílio. Logo, não é o caso de substituir uma pela outra, mas de inserir o indiciado ou réu em local diverso do presídio fechado para cumprir prisão cautelar, advinda dos requisitos do art. 312 do CPP, logo, preventiva.” (Prisão e Liberdade: as reformas processuais penais introduzidas pela Lei 12.403, de 4 de maio de 2011. São Paulo: RT, 2011). Ressalta-se, ainda, que a nova Lei n.º 12.403/2011, em especial o artigo 318, inciso III, do CPP, aplicado ao presente, nada dispõem a respeito de qualquer vedação legal à concessão da prisão domiciliar aos acusados pela prática de crimes hediondos ou equiparados, de modo que não há óbice no cumprimento da prisão preventiva em domicílio pela paciente. No mais, espera-se que a inserção em prisão domiciliar, inspire essa mãe a adotar novos valores morais, para que possa melhor gerir suas vidas, e proporcionar a sua pequena filha uma vida digna. Ante o exposto, concedo parcialmente a ordem, para determinar a transferência da paciente A. A. G. a prisão domiciliar, observado o disposto no artigo 317, do CPP, sob pena de revogação.

Mandados de Segurança ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do Mandado de Segurança nº 0128757-61.2013.8.26.0000, da Comarca de Araçatuba, em que é impetrante MAURO LUCIO MACIEL, é impetrado MM. JUIZ DE DIREITO DA PRIMEIRA VARA DE EXECUÇÕES CRIMINAIS DA COMARCA DE ARAÇATUBA /SP. (Voto nº 19.076) Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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ACORDAM, em 6ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Denegaram o mandado de segurança. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores MARCO ANTONIO MARQUES DA SILVA (Presidente) e MACHADO DE ANDRADE. São Paulo, 12 de setembro de 2013. JOSÉ RAUL GAVIÃO DE ALMEIDA, Relator Ementa: Mandado de segurança. Ilegitimidade ativa ad causam. O preso não está legitimado a pleitear em juízo pela via do mandado de segurança a retirada da proibição (decorrente de ato ilícito por ela praticado) feita à respectiva mulher, de ingressar em estabelecimentos prisionais. Descabe mandado de segurança para postulação baseada em fato dependente de dilação probatória. É lícito proibir o ingresso a presídio de quem praticou ilegalidade em visita anterior. O ingresso de criança em estabelecimento prisional depende do exame da conveniência, para a formação do infante, da frequência a cárcere. Execução penal Inexistência do direito à visita íntima. Prisão perpétua O artigo 5º, inciso XLVV, alínea b, da Constituição Federal trata de sanção de natureza penal, não de regra a ser aplicada a todos os ramos do Direito. Writ denegado.

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VOTO Vistos. I - Mauro Lúcio Maciel valendo-se da capacidade postulatória do defensor público Júlio César Valese, impetrou mandado de segurança contra decisão proferida na 1ª vara das execuções criminais de Araçatuba, consistente em não atribuir ilegalidade à decisão do diretor do presídio, que indeferiu o pedido do impetrante de que a ele se assegure o direito de receber a visita da respectiva esposa, inclusive “com a permissão de contato físico”. O impetrante, que requereu a concessão da segurança para que o Tribunal assegure-lhe o direito de receber a visita da respectiva cônjuge na penitenciária onde está encarcerado e em outra qualquer, sustentou, em apertada síntese, que o diretor do presídio


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obstou a visita por ato (prática de crime doloso ocorrido na penitenciária de Bauru) ocorrido em 27 de fevereiro de 2007, o que caracterizaria violação ao texto constitucional que proíbe a pena perpétua, que o artigo 41, inciso X da Lei de Execução Penal assegura-lhe o direito à visita do cônjuge e parentes, que a medida adotada pela administração penitenciária priva seu filho, de 04 anos de idade, da convivência familiar, pois ele depende da mãe para visitar o pai, e que a negativa da visita fere o princípio da dignidade humana. Processado sem liminar (fls. 97), vieram aos autos as informações da autoridade impetrada (fls. 101) e o parecer da ilustrada Procuradoria de Justiça, que propôs a denegação do writ (fls. 103/105). Relatado. II - A denegação do mandamus decorre, inicialmente, da incapacidade do impetrante para proteger direito de Luciana de Cássia Silvério Maciel. Como bem observou o culto procurador de justiça Carlos Eduardo Fonseca da Matta este mandado de segurança busca, em última análise, assegurar que Luciana de Cássia Silvério Maciel ingresse nos estabelecimentos prisionais para visitar o impetrante, pois ela é que está impedida de entrar, não as demais pessoas que pretendam visitar o preso Mauro Lúcio Maciel. A informação de fls. 38 é clara a esse respeito. Há na espécie, portanto, ilegitimidade ativa ad causam. A condição da ação atinente à legitimidade ad causam diz respeito à pertinência subjetiva da ação. Assim, é parte ativa aquele em favor de quem incidirão as consequências do julgado. Nesse sentido é a doutrina de Eurico Túlio Liebman: “legitimação para agir (legitimatio ad causam) é a titularidade (ativa e passiva) da ação. O problema da legitimação consiste em individualizar a pessoa a quem pertence o interesse de agir (e, pois, a ação) e a pessoa com referência à qual [Nei cui confronti] ele existe; em outras palavras, é um problema que decorre da distinção entre a existência objetiva do interesse de agir e a sua pertinência subjetiva. Ao dispor que “para formular um pedido em juízo é necessário ter interesse”, o art. 100 do Código de Processo Civil indica claramente que o interesse de agir não apenas deve existir, mas deve também existir precisamente na pessoa na pessoa que formula do pedido: um estranho não pode validamente invocar [far valere] o interesse de agir alheio. Também quanto à ação, prevalece o elementar princípio segundo o qual apenas o seu titular pode exercê-la; e, tratando-se de direito a ser exercido necessariamente com referência a uma parte contrária, também esta deve ser precisamente a pessoa que, para os fins do provimento pedido, aparece como titular de um interesse oposto, ou seja, aquele em cuja esfera jurídica deverá produzir efeitos o provimento pedido. A legitimação, como requisito da ação, é uma condição para o pronunciamento sobre o mérito do pedido; indica, pois, para cada Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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1 Art. 19. A sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais.

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processo, as justas partes, as partes legítimas, isto é, as pessoas que devem estar presentes para que o juiz possa julgar sobre determinado objeto” (Manual de Direito Processual Civil, pág. 157, ed. Forense, São Paulo, 1984). III - Não bastasse, é lícita a proibição a determinada pessoa de ingressar em estabelecimento prisional como visitante em decorrência da prática de crime doloso, nos termos da Portaria Conjunta nº 1/2007. Eventual discussão sobre a prática da conduta ilícita e o mérito à reinserção (nos termos do parágrafo único do artigo 13 da mencionada portaria) impõe digressão no plano dos fatos, para o que o mandado de segurança é inadequado. O processo da Lei nº 12.016/09 só é adequado à hipótese de fato certo (“direito líquido e certo”), não ensejando digressão instrutória. Líquido e certo, malgrado o texto legal, não é o direito, sim o fato sobre o qual se assenta a pretensão. Este, não aquele, é que deve ter prova pré-constituída para ensejar a impetração do mandado de segurança. A expressão da norma (“direito líquido e certo”) tem por objetivo obstar a digressão probatória no writ, tornar apta a pronta decisão, favorecer a celeridade que se coaduna com o remédio constitucional utilizado. Por essa razão decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “descabe mandado de segurança para postulação baseada em fato a demandar dilação probatória” (RSTJ 55/325). Aliás, essa é a posição assentada há tempos (RSTJ 27/140, RTJ 124/948, RT 676/187 etc.). Essa orientação alinha-se ao disposto no artigo 19 da Lei nº 12.016/091, que prevê restrição à coisa julgada do provimento jurisdicional final do processo de mandado de segurança, permitindo que se renove a pretensão se o mérito não for apreciado (R. Esp. 4157-0 RJ, RTJ 75/633, RTJ 75/508, entre outros). IV - Acresça-se, em face do alegado na petição de impetração, que é desproposital a tese de que o ingresso do filho ao estabelecimento prisional depende da presença materna, como se siameses fossem. O ingresso da criança, que poderia ocorrer com terceiros, depende, sim, da conveniência da frequência a cárcere, para a formação da criança. O relevante é a segurança física e mental da criança, não a vontade do pai preso. V - A tudo se some que o direito à visita íntima não existe. Aliás, é reduzir o homem à irracionalidade pressupor que a restrição à liberdade não pode acarretar a limitação à atividade sexual. Não há se falar em abalo à integridade moral pelo só fato do condenado ser afastado do contato físico com as demais pessoas, ou submeter-se a isolamento por tempo razoável. A clausura acarreta naturalmente a separação entre o preso e as pessoas livres, sendo absolutamente dispensável à ressocialização a chamada visita íntima. Mesmo fora do cárcere muitos vivem períodos de abstinência


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sexual, sem que disso advenha danos à sua formação. É reduzir em muito a dignidade humana condicioná-la ao prazer sexual. VI - Por último e ainda em consideração ao afirmado na petição inicial, observa-se que ao proibir a pena de caráter perpétuo o artigo 5º, inciso XLVV, alínea b, da Constituição Federal trata de sanção de natureza penal, não de regra a ser aplicada a todos os ramos do Direito. Ante o exposto, denega-se o mandado de segurança.

Recursos em Sentido Estrito

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito nº 0003836-16.2008.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que é recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é recorrido FELIX HENRIK PAHL. (Voto nº 15.949) ACORDAM, em 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Prejudicado o exame do recurso em sentido estrito, concederam, de ofício, ordem de habeas corpus em favor de Felix Hendrik Pahl, para declarar extinta a sua punibilidade em relação ao fato narrado na Denúncia, trancando-se a ação penal por falta de justa causa e, por via de consequência, nulificado o processo criminal.V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RUY ALBERTO LEME CAVALHEIRO (Presidente sem voto), GERALDO WOHLERS E LUIZ ANTONIO CARDOSO. São Paulo, 17 de setembro de 2013. AMADO DE FARIA, Relator Ementa: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CRIME AMBIENTAL – DENÚNCIA - REJEIÇÃO – CABIMENTO – SENTENÇA – ABSOLUTÓRIA – IMPROPRIEDADE - Impossibilidade de coexistência da rejeição da denúncia e da absolvição por força da aplicação do princípio da insignificância - Momentos diferentes Julgamento antecipado da lide que não se coaduna com a simultânea rejeição da denúncia Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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VOTO Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pela JUSTIÇA PÚBLICA, em face da decisão que rejeitou a Denúncia oferecida contra FELIX HENRIK PAHL, com fundamento no art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal (fls. 171/172). Na minuta recursal, a Justiça Pública sustenta a presença de justa causa para a ação penal e a inaplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes ambientais (fls. 175/184). O recurso foi regularmente processado. A Defesa do acusado apresentou contrarrazões, pugnando a manutenção da decisão (fls. 188/192). O MM. Juízo de Primeiro Grau manteve seu Decisório, ordenando o

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- AÇÃO PENAL - JUSTA CAUSA – AUSÊNCIA - Fato que havia ensejado a transação penal proposta pelo Ministério Público, aceita e cumprida pelo acusado, com homologação por Juiz de Direito Extinção de Punibilidade Oferecimento de Denúncia descrevendo o mesmo fato com outra classificação jurídica Inviabilidade - Mutação da classificação apresentada pela mesma Promotora de Justiça que antes alvitrara de outra, dando azo à instauração de procedimento junto ao Jecrim - Arguição tardia de incompetência do Juizado Especial - Impossibilidade de se proceder duas vezes pelo mesmo fato (ne bis in idem) – Inexistência de revisão criminal “pro societate” - Impossibilidade da parte alegar nulidade de que deu causa - Decisão homologatória que fez coisa julgada formal e material - Concessão de habeas corpus de ofício, para declarar extinta a punibilidade do agente, trancar a ação penal e nulificar o processo a partir do recebimento da Denúncia, prejudicado o exame de mérito do recurso - EXAME RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PREJUDICADO. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO PARA, DECLARAR EXTINTA A PUNIBILIDADE DO AGENTE, NULIFICAR O PROCESSO A PARTIR DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E TRANCAR A AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA.


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envio dos autos a esta Colenda Corte. O Parecer da Douta Procuradoria de Justiça propõe o provimento do recurso (fls. 168/201). É este o relatório. O recurso não comporta provimento. Há uma sucessão de equívocos no caso que agora se submete a esta Corte de Justiça. A Promotoria de Justiça de Urbanismo e Meio Ambiente da Comarca de Guarujá instaurou inquérito civil público, com base em representação da Polícia Ambiental Militar, para apurar o fato que constitui o cerne da imputação mais tarde lançada contra Felix Hendrik Pahl, ou seja, o desmatamento de vegetação nativa em Iporanga (área de preservação permanente). Esse desmate atingiu área comum e o lote de sua propriedade. A respectiva Portaria, datada de 27 de julho de 2007, está firmada pela Doutora Juliana de Sousa Andrade, aspecto que, como se verá no desenvolver dos eventos, assumirá relevância para o deslinde da questão controvertida trazida a lume nesta medida recursal, fls. 7/8. O expediente foi encaminhado à Segunda Promotoria de Justiça de Guarujá, conforme o ofício de 16 de janeiro de 2008, fls. 6, para que se procedesse à apuração do fato diante das infrações (em tese) previstas nos artigos 50 e 68 da Lei nº. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998. Este ofício foi subscrito pela mesma Promotora de Justiça, Doutora Juliana de Sousa Andrade. Acolhendo essa manifestação, a Segunda Promotoria de Justiça de Guarujá requisitou, então, aos 31 de janeiro de 2008, ao Delegado de Polícia Titular do Guarujá a instauração de Termo Circunstanciado, nos moldes do alvitre já referido, fl. 5. Encerrada a fase investigatória, por ofício de 6 de maio de 2008, o Doutor Delegado de Polícia remeteu ao MM Juizado de Direito Especial Criminal o Termo Circunstanciado Indireto de nº. 122/08 referente ao fato em tela, fl. 3. Abriu-se “Termo de Vista” ao Ministério Público de Primeiro Grau oficiando perante aquele MM Juízo de Direito; em 16 de maio de 2008, manifestando-se o Doutor Amélio Pasini Junior para requerer a designação de audiência preliminar, fl. 43. Volveram os autos ao DD Promotor de Justiça, ante o informe de que o autor dos fatos residiria na Capital e não naquela Comarca do Guarujá. Em 5 de junho de 2008, nova Cota do ilustre membro do ‘Parquet’, requerendo expedição de carta precatória para a realização da audiência preliminar, “devendo a proposta de transação penal ficar a critério do Promotor de Justiça que oficia(r) perante o Juízo deprecado”, fl. 44. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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E assim se fez, atendendo-se ao postulado pelo Ministério Público de Primeiro Grau. Na audiência realizada em 4 de setembro de 2008, foi formulada a proposta de transação, pelo Doutor Otavio Luiz Martins Leite, DD Promotor de Justiça, o autor do fato, Felix Hendrik Pahl, assistido por seus advogados, aceitou a transação penal, com a homologação judicial, fl. 72. Felix Hendrik Pahl, em seguida, deu cumprimento integral à condição imposta pela Promotoria de Justiça para a transação penal, efetuando o depósito de R$ 415,00 em favor da GRAAC na data de 16 de outubro de 2008, cujo comprovante foi então apresentado ao MM. Juízo deprecado e juntado aos autos, com a imediata devolução da carta precatória ao MM. Juízo Deprecante. Surpreendentemente, aos 22 de maio de 2009, a mesma Promotora de Justiça, Doutora Juliana de Sousa Andrade, que oficiara anteriormente, entendendo que o fato em tese punível se amoldava ao tipo das infrações descritas nos artigos 50 e 68 da Lei nº. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, atravessa petição nos autos, para reclamar que não teria ocorrido a prévia composição do dano ambiental e, portanto, descaberia a apresentação da proposta de transação e que “a capitulação dada ao fato praticado é errônea”. Passa a cogitar do crime previsto no art. 38 da mesma Lei nº. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, requerendo em suma que “o autor seja intimado a recolher o dinheiro por ele depositado e a remessa deste expediente a uma das varas criminais desta comarca, já que o crime apurado não é daqueles sujeitos ao Jecrim” (SIC), fl. 77/78. E a partir daí, se instaurou enorme confusão. Os autos seguiram para a Terceira Vara Criminal, onde, aos 23 de julho de 2009, se reiterou a manifestação da Doutora Juliana de Sousa Andrade, para que o autor levantasse o dinheiro depositado. Olvidou-se, com a devida vênia, que a Transação Penal havia sido homologada e para desconstituir aquele ato judicial seria imprescindível nulificar todo o procedimento anterior, providência defesa ao MM Juízo de Primeiro Grau. Olvidou-se que o depósito feito mais de nove meses antes não poderia ser simplesmente “levantado” pelo autor, porque realizado em favor de terceiro, não se confundindo com depósito judicial. Olvidou-se que, bem ou mal, certo ou errado, a Decisão homologatória da transação penal possui natureza de declaratória e produz efeitos dentro e fora do procedimento. Primeiro declara a situação de fato sob a ótica criminal e torna certa a sua autoria. Cria ainda uma nova situação jurídica ao impor uma obrigação (sanção) ao autor do fato, que deve ser executada. Esqueceu-se que a homologação da proposta desafia medida recursal


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prevista na legislação de regência, a Lei nº. 9.099, de 26.09.1995. Deste modo, produz efeitos processuais e materiais, inclusive ‘ex nunc’, ao encerrar o procedimento. Faz, por conseguinte, coisa julgada formal e material, impedindo nova perquirição sobre os mesmos fatos. Assim, sem que houvesse sido rescindida aquela Decisão homologatória nem se houvesse nulificado o correspondente procedimento judicial, dos quais se fez tábula rasa por conta da mutação de entendimento da DD Promotora de Justiça oficiante na área de Urbanismo e Meio Ambiente da Comarca de Guarujá, a Promotoria de Justiça apresentou, aos 23 de julho de 2010, Denúncia contra Felix Hendrik Pahl, versando sobre os mesmos fatos agora classificados no art. 38-A da Lei nº. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, (grafada por engano como sendo 9.605). Surge, em seguida, nova proposta por parte do Ministério Público de Primeiro Grau, formulada aos 6 de junho de 2011, desta feita para a suspensão condicional do processo por dois anos. Nessa manifestação, estipulam-se as condições a serem impostas ao denunciado Felix Hendrik Pahl, fl. 131 verso. Sobreveio o recebimento da Denúncia, fl. 132, determinada a citação e intimação do acusado; a intimação para se pronunciar quanto à proposta. A defesa prévia do acusado, em preliminar, reportando os fatos anteriores, anota a extinção da punibilidade em decorrência da oferta da transação, a sua aceitação pelo réu e a homologação judicial. Salienta o cumprimento da condição imposta pelo próprio Ministério Público. Realça a impossibilidade de o réu reaver o ‘quantum’ depositado a título de sanção em prol de terceiro. Seguiram-se manifestações do Ministério Público, insistindo na tese de inexistência de homologação judicial daquela transação penal anterior, e da Defesa, esclarecendo a recusa à proposta atual de transação. Por fim, editou-se a sentença que, simultaneamente, rejeitou a Denúncia e julgou improcedente a ação penal, literalmente: “com base no princípio da insignificância, rejeitou a Denúncia, absolvendo o réu sumariamente, conforme o artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal”, fl. 172 verso. Vale analisar, de antemão, a inviabilidade de, concomitantemente, se rejeitar a preambular da Justiça Pública e absolver o acusado com o exame do mérito da causa, meio necessário para se alcançar a aplicação do principio da insignificância. Anota-se, incialmente, que, em função da nova e confusa redação do artigo 399 do Código de Processo Penal, poder-se- ia entender, erroneamente, ser possível receber a Denúncia duas vezes, como se infere da r. Decisão combatida. Entretanto, não obstante o viés enganoso da letra da Lei, o certo é que, nos Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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moldes do artigo 395 e seguintes do Código de Processo Penal, a Denúncia já havia sido recebida e a hipótese somente admitiria absolvição sumária em virtude de se encontrar extinta a punibilidade do agente. A sentença, entretanto, acabar por ingressar no mérito, ‘conditio sine qua non’, para aplicar a teoria da insignificância, prevista apenas na órbita doutrinária, sem amparo legal entre as circunstâncias que autorizam a absolvição liminar. No caso em comento, a Denúncia deveria mesmo ter sido rejeitada, ‘ab initio litis’, por falta de justa causa para a ação penal, de acordo com o artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal. É evidente que houve sim a homologação da transação. Aliás, em momento algum, a Promotoria de Justiça ousou asseverar a nulidade do procedimento anterior. Em momento algum, se buscou declarar a invalidade da proposta formulada ou da sua aceitação pelo agora réu Felix Hendrik Pahl. Ademais, não se sabe bem ao certo os motivos que levaram a Doutora Juliana de Sousa Andrade a modificar sua ‘opinio’ quanto à classificação dos fatos, desconsiderando o procedimento desencadeado por outros membros do Ministério Público de Primeiro Grau. A tipificação dos fatos, aquela que Sua Excelência entendeu equivocada na sua manifestação de 22 de maio de 2009, é exatamente a que indicara a mesma Promotora de Justiça no ofício de encaminhamento do Inquérito Civil Público. A ilustre Promotora de Justiça deu azo à instauração do procedimento criminal, para apurar a conduta punível do réu à luz dos artigos 50 e 68 da Lei nº. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998. Depois de encerrado o procedimento sob a égide da Lei nº. 9.099, de 26.09.1995, meses depois de executada a condição imposta pela Promotoria de Justiça com atribuição e devolvida a carta precatória à origem, surge, do nada, nova intervenção da referida integrante do Ministério Público de Primeiro Grau, em esfera de atuação funcional estranha a suas atribuições, reclamando da incorreta classificação da conduta em tese punível, a qual seria, em sua revisada opinião, a correspondente ao artigo 38-A da Lei nº. 9.608, de 18 de fevereiro de 1998. Tal alteração de entendimento quanto à classificação, repita-se, é irrelevante porque o tema extrapola da atribuição funcional da Doutora Juliana de Sousa Andrade, pois se insere na esfera de atuação discricionária da Promotoria de Justiça Criminal. A intervenção da Promotoria de Justiça de Urbanismo e Meio Ambiente invade a seara criminal e, por via obliqua, afronta o princípio do Promotor Natural, ao atropelar as providências afetas à Promotoria de Justiça Criminal e tornar absolutamente inócua a atuação ministerial anterior e a prestação


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jurisdicional. Registra-se que ficou sem objeção a atribuição da Promotoria de Justiça do Jecrim e remanesceu sem impugnação a competência do Juizado Especial Criminal e a validade dos atos processuais então praticados. Sintomaticamente, a Promotoria de Justiça se esquivou de do exame da questão principal, suscitada na preliminar ofertada pela Defesa, qual seja a existência de procedimento anterior versando sobre o mesmo fato, o qual culminara com a extinção de punibilidade do agente por força do cumprimento da obrigação decorrente de transação penal. De qualquer modo, o certo é que a Promotoria de Justiça com atribuição para tanto, instada pela própria Doutora Juliana de Sousa Andrade, fez instaurar o procedimento próprio perante o MM. Juizado Especial Criminal. O acusado foi citado e intimado, nos moldes do requerido pela Promotoria de Justiça do Juizado Especial Criminal, a comparecer à audiência preliminar a cargo do MM. Juízo de Direito Criminal da Capital. Na ocasião em que requerida a expedição da carta precatória também se postulou ao MM. Juiz de Direito a anotação de que a sua devolução pelo Juízo deprecado somente se efetivasse acaso aceita a proposta pelo acusado, após a execução das condições fixadas na transação. E assim se fez. Apresentada a proposta nos termos definidos pelo Promotor de Justiça, com a aceitação pelo agora réu e sua homologação representada pela aposição da firma do MM. Juízo Deprecado, seguiu-se a execução dos termos da transação e a restituição da carta precatória ao Juízo de origem. Vê-se que todos os atos foram praticados em estrita conformidade com os requerimentos formulados pelo Ministério Público de Primeiro Grau, na pessoa do Promotor de Justiça com a correspondente atribuição funcional. Não há como rescindir a proposta homologada em juízo e já executada tão somente porque a ilustre Promotora que a tudo deu ensejo mudou de opinião quanto à classificação jurídica. O Ministério Público provocou a instauração da instância, na forma e na oportunidade que lhe pareceram convenientes, não pode reclamar de sua própria erronia quanto ao desacerto da via eleita ou do conteúdo dos fatos descritos em juízo. É curial a inexistência de revisão criminal “pro societate”. O mesmo se diga quanto à impossibilidade de rescisão de julgado por juízo de igual grau, nem quanto à cognição de causa já apreciada (res judicata). Tampouco se pode perder de vista a inviabilidade da arguição de nulidade, para a qual se deu causa ou para ela se concorreu. E por fim, ninguém pode ser processado duas vezes pelo mesmo fato (ne bis in idem). Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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A acusação deduzida na Denúncia relata o mesmo fato antes imputado ao acusado, o qual dele se defende, não importando qual seja a classificação jurídica que se lhe tenha dado. À luz do exposto, prejudicado o recurso, é de se conceder ‘ex officio’ a ordem de habeas corpus, para declarar extinta a punibilidade do acusado Felix Hendrik Pahl, reconhecida a coisa julgada, anulando o processo criminal ‘ab initio litis’, ou seja, a partir do recebimento da Denúncia, inclusive, e trancando a ação penal. Prejudicado o exame do recurso em sentido estrito, concedese, de ofício, ordem de habeas corpus em favor de Felix Hendrik Pahl, para declarar extinta a sua punibilidade em relação ao fato narrado na Denúncia, trancando-se a ação penal por falta de justa causa e, por via de consequência, nulificado o processo criminal.

ACÓRDÃO

Ementa: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO Preliminares de nulidade por cerceamento de defesa ante o indeferimento de diligências – Inocorrência Atos justificadamente indeferidos pelo magistrado no exercício de seu livre convencimento motivado Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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Vistos, relatados e discutidos estes autos do Recurso Em Sentido Estrito nº 0007887-32.2010.8.26.0019, da Comarca de Americana, em que são recorrentes GILVANIR JOSÉ FERREIRA, VALDOMIRA FERREIRA CARONI DELTREGGIA, MARCIO APARECIDO DOURADO, ROSELAINE PESSINA e BRUNA CAROLINE CONCORDIA, é recorrido MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. (Voto nº 7.241) ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “POR V.U. REJEITARAM AS PRELIMINARES E QUANTO AO MÉRITO, TAMBÉM POR V.U., NEGARAM PROVIMENTO AOS RECURSOS”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MOREIRA DA SILVA (Presidente) e MARCO ANTÔNIO COGAN. São Paulo, 12 de setembro de 2013 CAMILO LÉLLIS, Relator


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- Preliminar de nulidade por ofensa ao princípio da identidade física do juiz – Descabimento - Magistrado titular, que presidiu a instrução, encontrava-se de férias quando da prolação da sentença - Incidência de exceção à regra estabelecida pelo indigitado princípio - Decisum proferido por juíza substituta à luz da celeridade processual, sobretudo por se tratar de réus presos - Preliminar de nulidade da decisão por não enfrentamento de questão suscitada em sede de memoriais escritos - Inobservância Decisão que, ainda que implicitamente, decidiu sobre o assunto - Desnecessidade de o juiz alinhavar ponto a ponto as alegações defensivas - Preliminar de nulidade da sentença sob o pretenso argumento de não fundamentação acerca da manutenção da prisão preventiva – Inexistência - Decisão que julgou, satisfatoriamente, pela necessidade da segregação cautelar - Preliminares rejeitadas – Mérito - Pleitos de absolvição sumária, impronúncia e desclassificação – Impossibilidade - Provada a materialidade e havendo indícios de autoria e participação, impende sejam os agentes submetidos a julgamento pelo Conselho de Sentença, juiz natural da causa - Havendo dúvidas, decide-se a favor da sociedade, para que as celeumas sejam dirimidas em plenário - Qualificadoras não manifestamente improcedentes que devem ser mantidas. Preliminares rejeitadas e recursos desprovidos. VOTO Vistos, Trata-se de Recursos em Sentido Estrito interpostos por Gilvanir José Ferreira, Valdomira Ferreira Caroni Deltreggia, Márcio Aparecido Dourado, Roselaine Pessina e Bruna Caroline Concórdia contra decisão que pronunciou o primeiro como incurso no art. 121, §2.º, I, III, e IV, do Código Penal; e os demais como incursos no 121, §2.º, I, III, e IV, c.c. o art. 29, ambos do codex (fls. 876/878). Inconformados, recorrem os réus. Alega Gilvanir, preliminarmente, a nulidade do feito por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento pela magistrada sentenciante de Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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requerimento relativo à realização de exame de sanidade mental, o qual reitera nesta oportunidade. No mérito, objetiva a “impronúncia até a realização do exame” (sic) (fls. 906/910). Valdomira, ao seu turno, postula a absolvição sumária, argumentando que “foi induzida à prática do crime; desistiu voluntariamente e foi ameaçada” (sic) (fls. 958/961). Também em busca da absolvição sumária, Márcio sustenta não haver provas concretas para a pronúncia. Subsidiariamente, objetiva a desclassificação para o crime de lesão corporal seguida de morte (fls. 964/968). Roselaine alega, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento em razão do indeferimento de acareação por ela requerida, o que renova em segundo grau. Ainda em sede preliminar, sustenta nulidade da sentença por ofensa ao princípio da identidade física do juiz, devendo o feito retornar ao primeiro grau para prolação de decisão pelo magistrado que presidiu a instrução; ato até o qual lhe conferiria o direito de aguardar em liberdade. No mérito, busca a absolvição, pois não haveria nos autos provas de sua participação (fls. 970/982). Por fim, Bruna suscita, preliminarmente, nulidade por ofensa ao princípio da identidade física do juiz, uma vez que o magistrado que presidiu a instrução não foi o mesmo que sentenciou, salientando que o gozo de férias não excepciona a regra insculpida no art. 399, §2.º, do Código de Processo Penal. Requer, assim, que os autos tornem à origem para que o juiz que presidiu a instrução profira sentença e, como corolário, o relaxamento da prisão por excesso de prazo. Também preliminarmente, sustenta a nulidade do decisum em razão de ausência de enfrentamento de preliminar suscitada em sede de alegações finais, devendo a prisão ser relaxada por excesso de prazo. Como última questão prejudicial, assevera que a decisão ora objurgada carece de fundamentação quanto ao pedido defensivo de revogação da prisão preventiva, sobretudo porque não mais subsiste a prisão por pronúncia. Nessa conformidade, sendo ilegal a prisão, deve ser relaxada ou, subsidiariamente, revogada com a imposição de cautelares menos gravosas. Quanto ao mérito, pugna pela impronúncia em razão da insuficiência de indícios de autoria (fls. 984/1.004). Contrariados os recursos (fls. 1.009/1.021), a decisão foi mantida (fls. 1.022). Subiram os autos, tendo a Douta Procuradoria Geral de Justiça opinado pelo não provimento dos reclamos (fls. 1.031/1.041). É o relatório. Inicialmente, convém analisar as preliminares suscitadas. E, de antemão, já se pode afastar a alegação de cerceamento de defesa sustentada por Gilvanir quanto não realização de incidente de sanidade mental, bem como a preliminar suscitada por Roselaine no que diz respeito à acareação. Explica-se.


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Requerida a realização de incidente de sanidade mental pela defesa do indigitado recorrente, o magistrado indeferiu o pedido, fundamentando que não houve, em audiência, qualquer motivação expressada por Gilvanir que pudesse justificar a realização da diligência pretendida (fls. 714). Semelhantemente, requerida pela defesa de Roselaine a acareação entre ela própria, os corréus Valdomira e Gilvanir, bem como a testemunha Roger, o juiz indeferiu o pedido, asseverando que a defesa não apontou as eventuais contradições que justificariam a acareação e, que, caso existentes, poderiam ser dirimidas na avaliação do mérito do julgamento (fls. 810v). De fato, verificando a desnecessidade dos atos pleiteados, cabia ao juiz de primeiro grau indeferi-los, como de fato o fez. Aliás, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, se as diligências requeridas pela defesa não contribuírem para o deslinde da controvérsia seja por considerá-las desnecessárias, protelatórias ou inconvenientes pode o magistrado indeferir a realização desde que fundamente sua decisão. Nesse sentido: “A jurisprudência desta Corte fixou-se no sentido de que não constitui cerceamento de defesa o indeferimento de diligências requeridas pela defesa, se foram elas consideradas desnecessárias pelo órgão julgador a quem compete a avaliação da necessidade ou conveniência do procedimento então proposto’ [HC nº 76.614, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 12.06.1998].” (STF, HC 99.015, Rel. Min.Eros Grau, 2ª Turma, j. em 23.06.2009). “O deferimento de diligências é ato que se inclui na esfera de discricionariedade regrada do Magistrado processante, que poderá indeferi-las de forma fundamentada, quando as julgar protelatórias ou desnecessárias e sem pertinência com a instrução do processo, não caracterizando, tal ato, cerceamento de defesa (Precedentes do STF e do STJ).” (STJ, HC nº 106.890, Rel. Min. Felix Fischer, j. em 02.12.2008). Insubsistentes, nessa medida, as preliminares acima analisadas, bem assim a pretensão de Gilvanir no sentido de ser impronunciado “até a realização do exame”. Demais disso, não vinga a preliminar aventada pelos defensores das rés Roselaine e Bruna, com vistas à nulidade da sentença por afronta ao princípio da identidade física do juiz. Isso porque, tendo em vista o silêncio da Lei Processual Penal a respeito, têm os Tribunais aplicado analogicamente a regra contida no art. 132, do Código de Processo Civil, segundo o qual: “Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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os autos ao seu sucessor.” Há, pois, exceções legalmente previstas ao princípio supracitado, uma das quais se verifica in casu. Aqui, o magistrado titular, que havia presidido e encerrado a instrução, estava em gozo de férias quando da prolação da sentença, conforme certidão de fls. 954, razão pela qual a decisão foi proferida por juíza substituta, incidindo a hipótese assegurada pelo indigitado art. 132 positivada na expressão “afastado por qualquer motivo”. Não há, pois, mácula ao princípio em questão, mesmo porque, com a prolação da sentença por outro juiz, primou-se pela celeridade processual, sobretudo por se tratar de réus presos, inexistindo, destarte, prejuízo às partes. A propósito do tema, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “De acordo com o princípio da identidade física do juiz, que passou a ser aplicado também no âmbito do processo penal após o advento da Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, o magistrado que presidir a instrução criminal deverá proferir a sentença no feito, nos termos do § 2º do artigo 399 do Código de Processo Penal. 2. Em razão da ausência de outras normas específicas regulamentando o referido princípio, nos casos de convocação, licença, promoção ou de outro motivo que impeça o juiz que tiver presidido a instrução de sentenciar o feito, por analogia permitida pelo artigo 3º da Lei Adjetiva Penal -, deverá ser aplicada a regra contida no artigo 132 do Código de Processo Civil, que dispõe que os autos passarão ao sucessor do magistrado. Doutrina. Precedente. 3. No caso em apreço, demonstrou-se que à época na qual foi prolatado o édito condenatório o magistrado responsável pela colheita da prova no curso da instrução criminal se encontrava em uma das aludidas situações excepcionais - estava no gozo de recesso forense -, razão pela qual não se vislumbra qualquer mácula na atuação do Juiz Substituto ao proferir a sentença condenatória. (...) 2. Ordem denegada.” (HC n.º 206465/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5.ª Turma, DJe 17.10.2011). Também carente de apoio fático-jurídico a alegação de nulidade pelo não enfrentamento, na decisão, acerca de preliminar suscitada por Bruna em sede de alegações finais. Isso porque, a despeito de não haver enfrentado na sentença como matéria preliminar, ao referir-se às interceptações telefônicas, cuja constitucionalidade havia sido questionada nos memoriais defensivos, e valorá-las como indícios, que, aliados a outros elementos, formaram arcabouço suficiente para a pronúncia, a magistrada, ao menos implicitamente, entendeu pela consonância daquele meio de prova com a ordem constitucional vigente. Nessa medida, não há que se falar em nulidade, mormente porque, ao


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proferir a sentença, o julgador não se vê obrigado a esmiuçar ponto a ponto as alegações das partes, desde que se possa extrair de sua fundamentação, ainda que implicitamente, o afastamento ou acolhimento das teses apresentadas, como no caso dos autos. Sobre o tema, aliás, confira-se o seguinte trecho de julgado emanado deste E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “É pacífico o entendimento de que, ao expor sua convicção e os fundamentos da decisão, as teses antagônicas apresentadas pelas partes estão, por óbvio, afastadas. Não se exige, pois, o exame pormenorizado e pontual das teses de defesa que são contrárias à conclusão da sentença devidamente motivada.” (Ap. n.º 0000399-58.2011.8.26.0288, Rel. Marco Nahum, 1.ª Câm., j. em 18.06.2012). Rejeita-se, portanto, também esta preliminar. Finalmente, não prospera o pleito de relaxamento da prisão preventiva ou o pleito subsidiário de substituição da segregação por cautelar menos gravosa. Isso porque, diferente do que assevera o defensor de Bruna, a manutenção da prisão preventiva não decorreu pura e simplesmente da sentença de pronúncia. O que se verifica, em verdade, é que a magistrada sentenciante considerou a extrema gravidade dos eventos, bem como o fato de se tratar de crime hediondo e de a agente ter respondido presa durante todo o trâmite do processo, não havendo alteração fática que justificasse a revogação da prisão preventiva, necessária para o resguardo da ordem pública e aplicação da lei penal. Assim, malgrado não mais subsista a prisão como corolário da sentença de pronúncia, deve o juiz, quando de sua prolação, verificar se a segregação ainda se mostra imperiosa, o que, como se viu, foi adotado no caso dos autos, razão pela qual, não se pode falar em eiva na manutenção do cárcere processual. Aliás, já havia se manifestado esta Colenda 8.ª Câmara de Direito Criminal no julgamento do habeas corpus n.º 0179429-44.2011.8.26.0000, da relatoria do Eminente Desembargador Amado de Faria, conforme se verifica da ementa a seguir transcrita: “HABEAS CORPUS - HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO - DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE - POSSIBILIDADE - Paciente que respondeu à fase de sumário de culpa custodiada, não sendo viável, justamente quando pronunciada, conceder-lhe a liberdade provisória - Ausência de alteração do quadro que ensejou a decretação da custódia cautelar - A Decisão de Pronúncia confere ainda maior respaldo ao decreto de prisão preventiva, eis que proferida após a colheita de vasto conjunto probatório acerca dos indícios de autoria e participação - Manutenção da ordem pública reclama a conservação da custódia, por se tratar de crime hediondo, praticado com extrema crueldade - Ausência Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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de comprovação da primariedade da paciente, ou de seu vínculo com o distrito da culpa - DECISÃO - FUNDAMENTAÇÃO - SUFICIÊNCIA A Lei 11.689/2008, que aboliu o instituto da prisão por pronúncia, não vedou a possibilidade de decretação da prisão preventiva por ocasião da Decisão de pronúncia - Decisão que bem fundamenta a necessidade da custódia cautelar, em razão da gravidade do delito cometido e para resguardar a garantia da ordem pública - Decisão que não viola art. 93, IX, da Constituição da República - CONSTRANGIMENTO ILEGAL - INEXISTÊNCIA - Indeferimento mantido - ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.” (HC n.º 0179429-44.2011.8.26.0000, Rel. Amado de Faria, j, em 15.09.2011). Uma vez bem justificada a necessidade da prisão preventiva, descabia mesmo falar-se em aplicação de cautelares menos gravosas. Enfim, rejeitadas todas as preliminares arguidas, impende a análise do mérito, ponto no qual melhor sorte não assiste aos recorrentes. Gilvanir foi pronunciado porque, no dia 25 de março de 2010, por volta de 22h40m, em um matagal situado na Rua Silvino Bonassi, próximo à Rua Aimorés, em Americana, juntamente com Samuel Santos Lima, em relação ao qual o processo foi desmembrado (fls. 949), agindo com animus necandi, por motivo torpe, mediante paga, meio cruel, valendo- se de dissimulação e utilizando recurso que dificultou a defesa da vítima, mataram Geraldo Antônio Deltreggia, mediante inúmeros e sucessivos golpes de faca, causando-lhe lesões corporais que foram causa efetiva de sua morte. Valdomira, Márcio, Roselaine, e Bruna foram pronunciados porque concorreram, de qualquer modo, para o crime acima descrito. Narra a denúncia que Valdomira era casada com a vítima, porém, a sociedade conjugal não era mais harmônica, inclusive mantinha ela relacionamento extraconjugal. Valdomira, intentando apossar-se do valor do seguro de vida de Geraldo, avaliado em R$133,560,00, bem como possibilitar a continuidade do relacionamento extraconjugal, passou a planejar a morte de seu esposo. Para conseguir seu intento, Valdomira procurou pelo “pai de santo” Márcio, o qual lhe apresentou Gilvanir, o qual, por sua vez, contatou Samuel. Para o planejamento e execução do crime, Valdomira, Márcio, Gilvanir e Samuel associaram-se também a Bruna e Roselaine. Valdomira contratou a morte de Geraldo mediante a promessa de pagamento consistente em aproximadamente R$30.000,00. Os agentes acertaram que Valdomira atrairia o ofendido, seu esposo, ao local dos fatos, onde já estariam esperando Gilvanir e Samuel. Ali, estes matariam Geraldo durante uma simulação de assalto.


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Assim, no dia dos fatos, Valdomira aguardou a vítima chegar do trabalho e, fazendo com que o marido acreditasse que iriam apenas colher folhas de amora pra fazer chá, atraiu-o ao local previamente escolhido pra o crime, conforme o planejado com os comparsas. Ao sair de casa, Valdomira comunicou-se por meio de celular com Gilvanir e Samuel, anunciando que para lá se dirigiam, alertando-os para que se preparassem para o crime. Como planejado, Roselaine levou e deixou Gilvanir e Samuel no sítio dos eventos, onde eles se ocultaram atrás das palmeiras existentes na rua. Ao avistarem o casa, os executores saltaram e sua frente e renderam a vítima com uma faca, anunciando o suposto assalto. Geraldo, crendo estar sendo vítima de roubo, entregou a eles os valores que portava. O ofendido foi levado ao matagal existente na lateral da rua, enquanto Valdomira assegurava que não estavam sendo observados por terceiros e apressava os executores. Samuel, então, estando a vítima completamente rendida sob o seu poder, golpeou Geraldo com uma faca, atingindo seu abdômen, derrubando-o. Não satisfeito, passou a golpear a vítima inúmeras e reiteradas vezes, atingindo seu corpo em diversas regiões e causando- lhe desnecessário sofrimento. Gilvanir e Valdomira permaneceram no local assistindo ao crime e assegurando que o mesmo fosse executado. Após, Valdomira entregou aos executores o seu aparelho celular e certa quantia em dinheiro, de modo a embasar sua versão de que Geraldo fora vítima de assalto. Em seguida, todos se evadiram, deixando a vítima se esvair em sangue no local. Apurou-se que a participação de Valdomira consistiu em planejar o crime e contratar os executores mediante pagamento, bem como combinar o local para a execução do homicídio e incumbir-se de atrair Geraldo até aquele sítio. Márcio incumbiu-se de apresentar o executor Givanildo à Valdomira. Roselaine e Bruna, por sua vez, intermediaram as negociações de Valdomira com Gilvanir e Samuel, tomaram parte no planejamento do crime e, ainda, ficaram incumbidas de cobrar o pagamento dos valores acertados por Valdomira, de modo a não levantar suspeitas. Coube ainda a Roselaine levar os executores ao local do crime. Coube, ainda, a Márcio e Bruna abrigarem Gilvanir após o homicídio até o recebimento do pagamento. O crime foi praticado por motivo torpe, uma vez que Valdomira planejou a morte de seu marido tão somente para possibilitar o recebimento do valor do seguro de vida e ainda a continuidade do relacionamento extraconjugal que mantinha. Ademais, o crime foi perpetrado mediante promessa de recompensa, tendo Valdomira acertado com os comparsas que pagaria a quantia de R$30.000,00 pela morte da vítima. Os agentes agiram, ainda, com emprego de meio cruel uma vez que os executores ceifaram a vida da vítima mediante inúmeros e desnecessários golpes com faca, atingindo diversas regiões do corpo, de modo a prolongar o sofrimento de Geraldo. O crime foi cometido Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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mediante dissimulação, uma vez que Valdomira iludiu Geraldo para que ele concordasse se dirigir ao local do delito, sob a alegação de colher folhas de amora, dissimulando suas reais intenções. Por fim, agiram valeram-se também de recurso que dificultou a defesa da vítima, pois, sendo ela rendida de inopino e crendo estar diante de um assalto, não teve como defender-se dos golpes desferidos com a faca. Pois bem, é sabido que a pronúncia é sentença de conteúdo declaratório em que o Juiz proclama admissível a acusação para que o merito causae seja decidido no plenário do Júri, pelo Conselho de Sentença, juiz natural da causa. Dessa forma, exige-se apenas a convicção sobre a existência do crime e indícios de autoria, nos termos do art. 413 do Código de Processo Penal. É o quanto basta para sujeitar o réu a julgamento pelo Júri. Nesse sentido: TJSP: “Sentença criminal. Pronúncia. Requisitos. Prova de materialidade da infração e indícios de autoria. Negativa desta que deverá ser apreciada pelo Júri. Sentença de caráter nitidamente processual. Mero juízo de admissibilidade da Acusação. Recurso não provido.” (JTJ 198/294). In casu, a realidade do crime vem estampada no laudo de exame necroscópico, segundo o qual a morte da vítima se deu em razão de anemia aguda devido à ação vulnerante de agente corto contundente (fls. 236/237). Os indícios bastantes de autoria e participação também se fazem presentes e permitem, com segurança, seja admitida a acusação dos réus e a consequente submissão ao julgamento pelo Tribunal do Júri. Em juízo, Valdomira relatou ter procurado o corréu Márcio, pai de santo, no intuito de se separar da vítima, seu marido. Márcio lhe disse que a única forma seria matar o ofendido, do que foi convencida, sendo-lhe apresentado Gilvanir, com o qual acertou a morte de Geraldo. Gilvanir, por sua vez, negociou a prática do homicídio com Samuel. A certa altura, desistiu da ação, mas foi ameaçada por Gilvanir, de modo que se viu obrigada a prosseguir. No dia dos fatos, pediu que os executores apenas dessem um susto na vítima, mas eles a esfaquearam e mataram. Esclareceu que Roselaine ficou encarregada de receber o dinheiro e entregar a Gilvanir (mídia de fls. 614). Ademais, extrai-se do relatório de fls. 84/85, que Valdomira, perante a Autoridade Policial, confessou ter mandado matar seu marido e apontou os corréus Gilvanir, Samuel, Roselaine, Bruna e Márcio como seus comparsas. Samuel, corréu em relação ao qual o processo foi desmembrado, confirmou que Gilvanir foi quem lhe propôs a prática do homicídio, pelo qual receberia R$80.000,00. Acrescento que Valdomira se mostrava desesperada para ver logo a vítima morta. No dia fatídico, Gilvanir segurou o ofendido, enquanto ele (Samuel) a golpeava com a faca. Valdomira os apressava para que


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matassem logo Geraldo (fls. 949) (mídia de fls. 614). Márcio negou a imputação. Disse que Valdomira o procurou para um “trabalho” de cunho espiritual envolvendo seu amante. Esclareceu que Valdomira conheceu Gilvanir em sua casa. Acredita que Valdomira o acusou porque a aconselhou a se separar judicialmente do ofendido, mas ela disse que seria até capaz de matar Geraldo (mídia de fls. 614). Roselaine também negou a prática dos fatos a ela imputados. Disse que conheceu Gilvanir na casa de Bruna. Valdomira lhe confessou o crime, e acrescentou que pagaria os executores com o dinheiro do seguro que receberia. Gilvanir ameaçou Valdomira. Ajudou a entregar dinheiro a este último, no que foi acompanhada, em uma das oportunidades, por Bruna (mídia de fls. 614). Bruna, ao seu turno, negou qualquer envolvimento nos fatos. Disse que ficou sabendo, por intermédio de seu irmão, que o executor do crime foi Gilvanir, o qual frequentava festas em sua casa (mídia de fls. 614). Gilvanir disse que conheceu Márcio por intermédio de Bruna. Alegou que Márcio o teria obrigado a perpetrar o crime, por meio de rituais de magia negra. Esteve na casa de Bruna, onde se encontrou com Márcio e Valdomira, ocasião na qual esta propôs que matasse o ofendido Geraldo. Dias depois, Márcio fez um ritual em seu corpo, afirmando que deveria procurar por Samuel, senão morreria. Então, na companhia de Márcio, procurou por Samuel e lhe propuseram praticar o crime, tendo Márcio dito que pagaria R$80.000,00. Márcio acordou com Valdomira que Roselaine levaria o dinheiro para Samuel. No dia dos fatos, Roger e Roselaine o levou, juntamente com Samuel, ao local do crime. Acrescentou que Roselaine sabia que a vítima seria morta. Desceu com Samuel e logo surgiu Valdomira com o ofendido. Samuel rendeu Geraldo com uma gravata e o esfaqueou. Valdomira ignorou os apelos do marido e mandava Samuel continuar a desferir golpes com a faca. Em seguida, Roger e Roselaine o obrigaram a entrar no carro. Posteriormente, Roger e Roselaine ameaçaram Valdomira para receber o pagamento. Valdomira disse que o seguro da vítima era de R$300.000,00. Roselaine receberia R$100.000,00; ele, Gilvanir, R$80.000,00; Roger R$30.000,00 (mídia de fls. 698). Os investigadores de polícia Valdir Carvalho da Silva e Carlos André Caires da Silva relataram, em linhas gerais, que, por intermédio das interceptações telefônicas, verificou que Valdomira tinha um amante e que estava envolvida na morte da vítima. Ao ser presa, ela confirmou os fatos e a participação dos corréus Márcio, Roselaine, Gilvanir, Bruna e Samuel (mídia de fls. 531). Ataíde Santos Rodrigues relatou que Roselaine compareceu na Delegacia de Polícia, onde disse, inicialmente, que seu marido foi morto em um assalto. Contudo, apurou-se, posteriormente, que Geraldo foi vítima de homicídio, do Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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qual participaram os corréus (mídia de fls. 531). O irmão da vítima, Reginaldo Deltreggia, acrescentou que Roselaine havia pedido o divórcio ao ofendido, mas ele não aceitou, de modo que ela saiu de casa, retornando dias depois, certamente porque já havia premeditado o homicídio (mídia de fls. 531). Roger Maiami Concórdia disse que estava na casa de Márcio, onde também se faziam presentes Valdomira e Gilvanir. Na ocasião, acertaram a prática do crime, pelo qual Gilvanir receberia certa quantia em dinheiro. Confirmou que foi com Roselaine na casa de Valdomira buscar dinheiro para levar a Gilvanir. Bruna já conhecia Roselaine e Márcio e conheceu Valdomira na casa deste último (7mídia de fls. 531). As testemunhas arroladas pelos réus nada esclareceram ou trouxeram de relevo acerca dos fatos (mídia de fls. 600). No mais, as interceptações telefônicas sintetizadas no relatório de fls. 48/72, revelam que Valdomira manteve contato com os corréus e demonstram que ela se preocupava em obter o valor do seguro de vida da vítima para pagar os demais agentes, bem como em obter um bom álibi. Nota-se, ainda, que Roselaine temia que Bruna não repassasse o dinheiro aos demais corréus e aquela, além disso, instruiu Valdomira a mentir para a Autoridade Policial e não reconhecer Samuel como um dos executores, caso contrário prejudicaria a todos. Também se extrai a desconfiança de Valdomira no sentido de que poderia ter sido delatada à polícia por Bruna e Gilvanir. Em discussão interceptada, a namorada de Bruna ameaça entregar todos os réus à polícia. Valdomira fazia planos com seu amante relativamente ao dinheiro que receberia pelo seguro do ofendido. Como se vê, os elementos colididos apontam a presença de suficientes indícios acerca da autoria e participação. As condutas aos recorrentes imputadas não foram rechaçadas pelas provas colhidas; nelas, ao revés, encontram substrato mínimo necessário para a submissão dos agentes a julgamento pelo Tribunal do Júri. Mais do que isso não é necessário nesse momento processual, sob pena de censurável incursão meritória, de maneira que os pleitos de desclassificação, absolvição e impronúncia não podem ser acolhidos, mesmo porque, eventuais dúvidas somente podem ser sanadas pelo Conselho de Sentença, que é o juiz natural da causa. Aliás, diferente do que sustenta a combativa defesa de Bruna, havendo dúvidas, não cabe a esta Corte solucioná-la, mas permitir que o juiz natural da causa o faça, mesmo porque, nessa fase, decide-se a favor da sociedade in dubio pro societate e não do réu. A propósito, trecho de julgado do Superior Tribunal de Justiça:


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“A Corte Popular é o único competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, sendo certo que, na fase do judicium accusationis, existindo dúvidas acerca da existência do crime e da autoria delitiva, ocorre a inversão da regra procedimental, ou seja, in dubio pro societate, devendo, pois, serem os réus submetidos a julgamento perante o Conselho de Sentença a quem cabe o juízo de certeza quanto à ocorrência do fato delitivo e de sua respectiva autoria.” (AgRg no REsp n.º 1082003/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, 5.ª Turma, DJe 19.05.2011). Finalmente, as qualificadoras não restaram infirmadas pelos elementos de convicção constantes dos autos. Ao contrário, tais circunstâncias se afiguram harmoniosas com a prova coligida, devendo ser submetidas à apreciação do juiz natural da causa. Em pertinência: STJ: “Não há falar em exclusão das qualificadoras pela sentença de pronúncia, exceto quando manifestamente improcedentes, que não se confunde com a de mérito, pois examina os indícios da autoria, a existência do fato e a materialidade, caracterizando o juízo de probabilidade, observado o princípio in dubio pro societatis, enquanto aquela aplica o juízo de certeza, exigido á condenação.” (762/571). Enfim, mantém-se a decisão tal como lançada. Ante o exposto, pelo meu voto, rejeito as preliminares e nego provimento aos recursos.

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Em Sentido Estrito nº 0003289-23.2009.8.26.0196, da Comarca de Franca, em que são recorrentes RICARDO RIBEIRO NASCIMENTO, ORLANDO CARDOSO GOMES JÚNIOR e DANILO MARTINS BORGES, é recorrido MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Após a sustentação oral da Ilma. Dra. Flávia Elaine Remiro Goulart Ferreira, e uso da palavra pelo Exmo. Sr. Procurador de Justiça, Dr. Paulo Juricic, rejeitada a preliminar, negaram provimento aos recursos, nos termos que constarão do acórdão. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 20525) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEDRO MENIN (Presidente) E OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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São Paulo, 22 de outubro de 2013. NEWTON NEVES, Relator

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Ementa: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Homicídio qualificado - Alegação de nulidade por ofensa ao princípio da correlação - Decisão que atende o art. 413, do CPP - Princípio da correlação observado - Nulidade não verificada - Presentes a materialidade do fato e indícios suficientes de autoria - Materialidade do fato comprovada pelo exame necroscópico e prova testemunhal - Negativa de autoria e alegação de que não agiram os réus com intenção de matar - Dúvida sobre a prática do fato e o dolo dos agentes que há de ser dirimida pelo E. Conselho de Sentença - Impossibilidade de reconhecimento de plano - Ausência de prova cabal e inconteste das hipóteses de absolvição sumária - Prova que não indica estreme de dúvidas a ocorrência de delito outro que não o descrito na denúncia - Inviável a pretendida absolvição sumária ou desclassificação - Debate sobre valoração da prova de exclusiva competência do Tribunal do Júri - Manutenção da qualificadora Decisão mantida - Recursos não providos.

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VOTO Trata-se de recurso em sentido estrito contra a r. decisão de fls. 707/714, que pronunciou RICARDO RIBEIRO NASCIMENTO, ORLANDO CARDOSO GOMES JÚNIOR e DANILO MARTINS BORGES como incursos no artigo 121, §2º, inciso IV, do CP. Por razões de fls. 724/731 recorre Ricardo sustentando, preliminarmente, a nulidade por ofensa ao princípio da correlação entre a acusação e a decisão de pronúncia. Ainda preliminarmente defende nulidade por não comprovar o laudo de exame necroscópico que a morte da vítima foi provocada por espancamento, não havendo prova de ter Ricardo agido com dolo homicida. No mérito sustenta ser o recorrente inocente, “posto que apenas há indícios de possível participação no delito, e não, a sua autoria”. Alega que das agressões cuja autoria se imputa ao recorrente não seriam capazes de causar a lesão cerebral que acometeu a vítima, em busca da impronúncia. Subsidiariamente, defende a desclassificação para o delito de lesão corporal seguida de morte. Orlando recorre em busca da impronúncia. Defende ser necessária a


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prova da autoria e materialidade para a pronúncia, o que não se verifica no caso dos autos diante da dúvida sobre a causa da morte da vítima. Sustenta que, além de não ter restado claro qual o momento da morte da vítima - se antes, durante ou após o acidente - o local estava escuro e a vítima ocular disse que não enxerga bem à distância. Alternativamente, pugna pela absolvição sumária defendendo que restou comprovado não ter o recorrente em momento algum agredido a vítima, com fundamento no art. 415, I, do CPP. Subsidiariamente bate-se pelo afastamento da qualificadora do emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima porque a vítima “estava inconsciente em razão da colisão entre os veículos, provocada por ela própria” quando supostamente agredida pelo recorrente (fls. 732/744). Danilo recorre em busca da impronúncia sustentando que o laudo de exame necroscópico não comprova a materialidade do delito bem como que não há menor indício de ter o recorrente agredido a vítima. Subsidiariamente sustenta não ter Danilo agido com dolo direto ou o dolo eventual, este como sustentado subsidiariamente pela acusação em alegações finais, em busca da desclassificação para o crime do art. 129, § 3º, do CP. Bate-se ainda pelo afastamento da qualificadora, defendendo não ser a circunstância compatível com o dolo eventual (fls. 749/757). Contraminuta às fls. 759/763. A decisão foi mantida (fls. 764). A d. Procuradoria Geral de Justiça propõe que seja negado provimento aos recursos (fls. 770/792). É o relatório. As preliminares não prosperam e, no mérito, o recurso não comporta provimento. Defende Ricardo a nulidade da decisão por ofensa ao princípio da correlação entre a acusação e a decisão de pronúncia. Alega, para tanto, que a acusação não cuidou de comprovar que o recorrente agiu com vontade de “causar a morte por arma branca ou ainda que tivesse corrido o risco de provoca-la” (fls. 724). Sem razão, contudo. Primeiramente porque a denúncia narra de maneira específica que Ricardo, Orlando e Danilo, após a colisão entre os veículos conforme narrada na inicial, “aproximaram-se do veículo VW/Parati, abriram sua porta e passaram a agredir fisicamente Paulo Sérgio da Silva, somente parando após constatarem que o mesmo encontrava-se desfalecido e ferido mortalmente.” Prossegue a inicial narrando que “Paulo foi socorrido pelo São Francisco Resgate e levado desfalecido para o hospital (Santa Casa de Franca), onde veio Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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a falecer dois dias depois, constatando de seu prontuário ter sido ‘vítima de espancamento com traumatismo crânio-encefálico grave’”. Não há, portanto, acusação de ter Ricardo agredido a vítima com emprego de arma branca. E obedecido foi o princípio da correlação entre a denúncia e a pronúncia ao passo que da leitura da decisão de pronúncia constata-se ter o Juízo, nos limites da apreciação da admissibilidade da submissão dos denunciados a julgamento perante o Tribunal do Júri (art. 413, do CPP), findo o sumário da culpa, concluído pela presença da materialidade do fato e de indícios suficientes de autoria ou de participação, adstrito na decisão interlocutória mista ao fato criminoso conforme as circunstâncias descritas na denúncia e com base na prova colhida durante a primeira fase do procedimento escalonado do Tribunal do Júri. A assertiva de Ricardo apontando nulidade porque o laudo de exame necroscópico não comprova que a morte da vítima foi provocada por espancamento é matéria de mérito. Superada a preliminar, no mérito, o recurso não comporta provimento. O artigo 413 do Código de Processo Penal dispõe que “O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação”. A pronúncia, por se tratar de decisão interlocutória mista, julga apenas a admissibilidade da acusação, sem ingressar em questões de mérito, buscando submeter o denunciado a julgamento pelo Tribunal do Júri, se presentes os requisitos do artigo 413 do CPP e desde que não haja excludente a ser acolhida de plano. No caso dos autos, o exame das provas produzidas dá conta do acerto da r. decisão impugnada. A materialidade delitiva restou comprovada pelo laudo de exame necroscópico de fls. 59/61, concluindo que a causa da morte de Paulo Sérgio da Silva se deu por traumatismo crânio-encefálico, provocado por agente contundente. Como mecanismo de morte concluiu o perito oficial ter se dado através de “contusão e edema cerebral”. As defesas pontualmente atacam o laudo de exame necroscópico, sustentando não existir prova da materialidade do delito. Ricardo alega que o exame necroscópico não concluiu ter a vítima falecido por espancamento, aduzindo que as lesões sofridas não são compatíveis com as agressões cuja autoria a Ricardo se imputa. Orlando defende não ter restado clara a causa da morte da vítima, sobretudo o momento em que veio a óbito, se antes, durante ou após o acidente. E Danilo alega que o laudo de exame necroscópico não comprova a


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materialidade do delito. As razões defensivas, porém, embora bem articuladas, não levam à conclusão da inexistência de prova da materialidade do fato. Ao contrário, comprovada e suficiente a prova da materialidade do fato à admissão do julgamento perante os senhores Jurados. Buscam, na realidade, exame aprofundado do mérito das acusações com relação à materialidade sob o enfoque do nexo causal do delito, providência estranha e inadmitida na decisão pertinente ao final do sumário da culpa que, repisa-se, apenas decide se admissível é a submissão do denunciado a julgamento perante o Tribunal do Júri. No caso dos autos verifica-se a presença da “materialidade do fato”, suficiente à decisão de pronúncia. Antes da reforma trazida pela Lei nº 11.689/2008, previa o comando do art. 408 que “Se o juiz se convencer da existência do crime e de indícios de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento” (destaquei). Com a reforma promovida pela mencionada lei, o artigo 413, do CPP, dispondo sobre a decisão de pronúncia prevê, no tocante à materialidade, que o acusado será pronunciado se presente a “materialidade do fato”. Não é mais necessária a comprovação, para a decisão de pronúncia, de que houve um fato típico. Basta, para que seja o acusado submetido a julgamento perante os senhores Jurados, que se comprove a ocorrência da morte para que então, se presentes indícios suficientes de ser o acusado o autor ou partícipe da ação ou omissão dolosa causadora do resultado morte, seja proferida a decisão de pronúncia, admitido, ainda, a complementação da prova da materialidade por outras provas, nos termos do art. 167, do CPP1. De toda propriedade a lição de Souza Nucci a respeito da materialidade do fato para a decisão de pronúncia, definindo-a como a “...prova da existência de fato penalmente relevante.” Prossegue, lecionando que “deve-se, pois, demonstrar que houve um fato típico (ex.: ‘A’ matou ‘B’). Anteriormente, mencionava-se a prova de existência do crime. Tecnicamente, melhor está a atual nomenclatura, pois é viável ocorrer um fato-homicídio que, no entanto, não se constitua em crime de homicídio (ex.: praticado em estado de necessidade). Atinge-se essa certeza, no contexto dos delitos contra a vida, em regra, através do laudo pericial, demonstrando a ocorrência de morte (homicídio, aborto, infanticídio, participação em suicídio). Entretanto, é possível formar a materialidade também com o auxílio de outras 1 “Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.” Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. SP:RT, 2011, 10ª ed.

3 “Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado.” Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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provas, especialmente a testemunhal (art. 167, CPP).2” Comprovada a ocorrência da morte por traumatismo crânio-encefálico, provocado por agente contundente, não há que se exigir que o laudo pericial comprove qual foi o agente contundente ou qual o mecanismo empregado, ou por quem empregado. Mesmo porque a discussão diz respeito ao nexo causal, cujo debate é pertinente ao juízo de mérito (“judicium causae”), comprovada a materialidade do fato e presentes indícios suficientes de autoria do delito narrado na denúncia. De todo modo, preservado o exauriente debate acerca do mérito das imputações a ser realizado em Sessão Plenária, nota-se do testemunho prestado pelo Dr. Adriano Moura Denúbila às fls. 504, autor do exame necroscópico realizado na vítima, conteúdo esclarecedor acerca da materialidade do fato. Comprovada a materialidade do fato, há indícios suficientes de autoria. Por um lado os pronunciados negaram a prática do delito descrito na denúncia, admitido por eles que estavam no local dos fatos (Danilo - fls. 476/479; Ricardo - fls. 570/570v; e Orlando às fls. 571/571v). Ouvidas também as testemunhas arroladas pela defesa: Danilo Mendes (fls. 399/399v); Osvaldo Rocha Neto (fls. 425); José Lourenço da Silva Júnior (fls. 451); Rangel Bori (fls. 462/464); Sebastiana de Paula Silva (fls. 473); Ana Maria (fls. 474); Carlito Pereira dos Santos (fls. 475); Ana Paula Abi Jaudi (fls. 493); Murilo Leôncio Secco (fls. 500); Tiago Vinícius da Silva (fls. 501); Joana D´Arc Ribeiro (fls. 502); Willian Rogério da Silva (fls. 503); Ricardo Alexandre Ferrarezi (fls. 505); Celso Guilherme Berdu Bortoleto (fls. 506); Antônio Waldyr Medezani (fls. 507); Luís Antônio Cordeiro (fls. 508); Jandyra Duarte Teixeira (fls. 509); José Maria Jacinto Pereira (fls. 510); Alexandre Augusto Costa (fls. 532/537). Porém, a versão dos recorrentes conflita com os depoimentos da testemunha ocular Gilberto Machado Vieira e dos testemunhos prestados pelo policial militar Lucas Duarte Alonso, pelo técnico em inspeção de tráfego Emerson Cristino e pela socorrista Andréia Ribeiro Chula (fls. 368/368v, 369/369v, 370/370v e 431/435), a indicar a presença de indícios de ter o delito sido perpetrado conforme descrito na inicial. Presentes, portanto, os requisitos do art. 413, do CPP, não há que se falar em impronúncia (art. 414, do CPP3), como sustentado por Ricardo e Danilo. Não prosperam, ademais, os pleitos subsidiários de absolvição sumária, defendida por Orlando, e de desclassificação para o delito de lesões corporais seguida de morte, como alegado subsidiariamente por Ricardo e Danilo.


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Não restou comprovado, de modo nítido e inconteste nos autos, nenhuma das hipóteses autorizadoras da absolvição sumária, como previstas nos incisos do art. 415, do CPP4. Da prova amealhada, mais vezes preservado o aprofundado exame do mérito das imputações aos senhores Jurados, não se verifica comprovado de modo cristalino a certeza quanto à existência de crime diverso daqueles sujeitos a julgamento pelo Tribunal do Júri (art. 419, do CPP5), não prosperando, portanto, o pleito de desclassificação nesta fase processual, preservado, repisase, o acurado exame da prova perante os senhores Jurados, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da soberania dos veredictos e da competência constitucional do Júri para a apreciação dos delitos dolosos contra a vida. Assim, a pronúncia revelava-se imprescindível, haja vista a presença da materialidade e dos indícios de autoria. Observa-se, por oportuno que, a existência de eventual dúvida nesta etapa do procedimento, não exsurge em benefício do recorrente, máxime porque vigora a orientação in dubio pro societate. Nesse sentido: “A expressão ‘in dubio pro societate’ não consiste, propriamente, em um princípio do processo penal, mas em eficiente orientação ao magistrado que, ao decidir sobre a pronúncia, deve analisar, de forma fundamentada e limitada, a presença dos elementos mínimos de autoria e materialidade, resguardando o mérito ao juiz natural da causa. 4. O Tribunal do Júri, no momento de fundamentar seu veredicto, deve promover a devida valoração das circunstâncias processuais, considerando, ainda, o princípio do in dubio pro reo. 5. As dúvidas razoáveis quanto às linhas de argumentação traçadas entre acusação e defesa, devem, por ordem constitucional, serem dirimidas pelo Tribunal do Júri, órgão competente para julgar o mérito das ações que versam sobre crimes dolosos contra a vida. 6. In casu, a presença de elementos mínimos de materialidade e autoria exige a submissão da controvérsia à Corte Popular.” (STJ, AgRg no ARESP 216829/ES, 5ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 21/03/2013). No mesmo sentido: STJ, AgRg no RESP 1368790/MG, 6ª Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 02/05/2013. 4 “Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: I - provada a inexistência do fato; II - provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III - o fato não constituir infração penal; IV - demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.” 5 “Art. 419. Quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1º do art. 74 deste Código e não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja”. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Incumbirá aos senhores Jurados, após os debates, decidir sobre a materialidade do fato, autoria ou participação, se os recorrentes devem ser absolvidos e, se negada a absolvição, acerca de eventual causa de diminuição de pena eventualmente alegada pelas defesas. Nesse passo anota-se que, preservada a perícia técnica dos advogados incumbidos da defesa dos recorrentes, relega-se aos senhores Jurados decidir acerca da materialidade e nexo causal do delito, nos termos do art. 13 e §§, do CP. Também aos senhores Jurados incumbirá decidir acerca da autoria do delito, nos moldes do art. 29, e §§, do CP e ainda se estavam ou não imbuídos da intenção homicida ou finalmente se sobre eventuais outras teses defensivas, cabendo ao Tribunal Popular analisar a prova e exarar o veredicto. Convém anotar, a lição de Júlio Fabbrini Mirabete, de que: “Como juízo de admissibilidade, não é necessário à pronúncia que exista a certeza sobre a autoria que se exige para a condenação. Daí que não vige o princípio do in dubio pro reo, mas se resolvem em favor da sociedade as eventuais incertezas propiciadas pela prova (in dubio pro societate)” (Código de Processo Penal, 9ª ed., pág. 1084). O C. Superior Tribunal de Justiça também já decidiu que: “Na fase da pronúncia (iudicium accusationis), reconhecida a materialidade do delito, qualquer questionamento ou ambigüidade faz incidir a regra do brocardo in dubio pro societate” (RSTJ 115/462). E de acordo com o E. Supremo Tribunal Federal: “Por ser a pronúncia mero juízo de admissibilidade da acusação, não é necessário prova incontroversa do crime, para que o réu seja pronunciado. As dúvidas quanto à certeza do crime e da autoria deverão ser dirimidas durante o julgamento pelo Tribunal do Júri. Precedentes do STF” (RT 730/463). Tocante à qualificadora, certo é que somente pode ser excluída quando manifestamente improcedente, sem qualquer fundamento nos autos, vigorando nesta parte também o princípio “in dubio pro societate”, presentes indícios de sua ocorrência conforme o testemunho de Gilberto Machado (fls. 368/368v). Portanto, ainda que haja dúvida sobre a qualificadora arrolada na denúncia e inserida na pronúncia é inadmissível seu afastamento nesta fase, cabendo ao Júri sua apreciação. Deste modo, de rigor que se negue provimento aos recursos, observandose que incumbirá aos Jurados a apreciação acerca da materialidade, nexo causal, autoria, elemento subjetivo, eventuais excludentes, bem como o estudo sobre a ocorrência da qualificadora, caso queiram assim sustentar as doutas defesas em Sessão Plenária, observada a plenitude de Defesa inerente ao procedimento constitucionalmente previsto.


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Ante o exposto, e pelo meu voto, afasto a preliminar arguida e, no mérito, nego provimento aos recursos.

Revisões Criminais ACÓRDÃO

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Vistos, relatados e discutidos estes autos do Revisão Criminal nº 013757825.2011.8.26.0000, da Comarca de Tietê, em que é peticionário CARLOS ALBERTO GOMES DA SILVA. (Voto nº 12.349) ACORDAM, em 6º Grupo de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deferiram parcialmente o pedido revisional, para reduzir a pena com relação ao delito previsto no artigo 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal à 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, mantidos os demais termos da r. sentença confirmada pelo v. acórdão. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores XAVIER DE SOUZA (Presidente), VICO MAÑAS, JOÃO MORENGHI, ANGÉLICA DE ALMEIDA, BRENO GUIMARÃES, GUILHERME G.STRENGER, MARIA TEREZA DO AMARAL, SALLES ABREU E PAIVA COUTINHO. São Paulo, 11 de setembro de 2013. PAULO ROSSI, Relator Ementa: REVISÃO CRIMINAL – HOMICIDIO QUALIFICADO – ALMEJADO – AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS - DOSIMETRIA DA PENA – IMPOSSIBILIDADE - ALTERAÇÃO DA PENA DO DELITO CONEXO – ERRO TÉCNICO - POSSIBILIDADE. Revisão conhecida e parcialmente deferida. VOTO Vistos. 1 - O peticionário Carlos Alberto Gomes da Silva, foi submetido a julgamento perante a 1ª Vara Judicial da Comarca de Tietê e foi condenado Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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como incurso nos artigos 121, § 2º, incisos II, III e IV, à pena de 13 (treze) anos e 06 (seis) meses de reclusão em regime inicial fechado, bem como a pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e ao pagamento de 11 (onze) diasmulta, como incurso no artigo 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal (fls.530/532 autos principais). A sentença penal condenatória foi confirmada pela Egrégia 10ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fls.572/578 - autos principais). O acórdão transitou em julgado em 16 de setembro de 2010, para o Ministério Público e, em 16 de setembro de 2010, para a defesa (fls.619vº autos principais). Na presente ação de revisão criminal, requer o afastamento das qualificadoras do motivo fútil e do emprego do recurso que dificultou a defesa das vítimas, com consequência redução das penas (fls.29/34). Requisitados e apensados os autos da ação penal. A d. Procuradoria de Justiça opinou pelo indeferimento da Revisão (fls.52/57). É o relatório. 2 - Conforme o Código de Processo Penal disciplina as hipóteses de cabimento da Revisão Criminal da seguinte forma: “Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.” Não obstante o art. 621, do CPP, dispor de hipóteses de cabimento bastante restritivas, é certo que a jurisprudência já se posicionou favorável à possibilidade de conhecimento da revisional, quando se observa que a decisão condenatória se funda em erro técnico ou injustiça evidente. “Impõe-se o conhecimento do pedido revisional fundado no artigo 621, incisos I e III, do Código de Processo Penal, se a alegação é de julgamento contrário a texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos, assim como de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.” (TJMS. Revisão Criminal 2010.010310-1. Rel. Juiz Manoel Mendes Carli. Seção Criminal. j. 21/07/2010. DJ 26/07/2010). “Não é o caso de não-conhecimento do pedido, só porque a pretensão


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encerra mera reapreciação de tema já examinado em apelação, havendo necessidade de análise do pedido, para que fique evidenciada a inocorrência ou não de injustiça e também para que o requerente entenda as razões do indeferimento.” (TJMS. Revisão Criminal 2005.017954-4. Rel. Des. Carlos Stephanini. Seção Criminal. j. 20/03/2006. DJ 31/03/2006) Desta forma, somente com o conhecimento da ação é que será possível analisar se a condenação contraria (ou não) a evidência dos autos. O revisionando foi condenado pela conduta assim descrita na denúncia: Segundo consta da inicial, na noite dos fatos, a vítima Aparecido Pereira de Camargo estava consumindo bebida alcoólica com os acusados Carlos Alberto Gomes da Silva, David da Silva Santos e Antônio Carlos dos Santos, na residência daqueles. Iniciou-se entre eles uma discussão em razão de ofensas verbais proferidas pela vítima à companheira de Antônio Carlos, culminando com agressões físicas que causaram em Aparecido os ferimentos que foram a causa de sua morte. Consta, ainda, que os acusados subtraíram da vítima o veículo VW-Fusca, um telefone celular, e um relógio de pulso. Improcedente é a presente pretensão revisional. O peticionário interrogado em Juízo, negou a prática dos crimes, alegando: “Desconhece os fatos narrados na denúncia. Na dato dos fatos estava no sítio juntamente com Davi, Antonio, que são trabalhadores que residem no sitio vizinho onde estava. Saiu sozinho e apá para ir á casa da mãe de sua filha na cidade, Dá uns três Km atd a casa da mãe de sua fiIho No diu do., finos teve contato com Davi e Antonio apenas a tarde. Não conhecia Aparecido Pereira de Canargo. Somente depois ficou sabendo desse BO’. Insiste que desconhece os fatos. Não sofre perseguição. Desconhece os fatos em torno do veículo Fusca. Vez ou outra bebia com Antonio Carlos e David. Jacira é parente e vizinha dos co-réus No dia dos falas não ingeriu bebida alcoólica com Antonio e David Desconhece que Aparecido Pereira tenhaa xingado Jacira. Desconhece se Antonio Carlos e David tinham indferenças com Aparecido. É amasiado e possui uma filha. Das testemunhas arroladas somente conhece apenas Jacira. Já foi processado por tráfico” (fls.128/129). Em plenário, declarou que: “No dia seguinte aos chegou em casa, na companhua de Davi estavam Antonio e Aparecido. Aparecido começou a falar para Antonio que “já tinha feito com a filha e iria fazer com ela”, referindo-se a Jacira, que é uma senhora idosa. Em seguida, Antonio e Aparecido começaram a discutir. Aparecido estava bêbado e caiu no barranco sozinho. Não houve espancamento. Ele se matou. Pegou as chaves do carro dele e o relógio e foi embora” (fls.516). A testemunha Francisco Bens de Oliveira, narrou que: “reside no mesmo imóvel ocupado por três famílias. Trata-se de uma única residência, que é Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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ocupada por três famílias. Inicialmente pode perceber que os acusados e a vítima estavam bebendo no fundo da casa. Em principio não notou nada de estranho, nem confusão alguma. Enquanto os réus e a vítima estavam bebendo o depoente pode ouvi-los do outro lado da parede, no cômodo onde estava. Em determinado momento todos começaram a bater boca em tom elevado de voz e não pode perceber qual o motivo que teria levado ao início da discussão. Algum tempo depois os ânimos se apaziguaram e o ambiente se acalmou. Nesse momento Carlos e Davi sairam do local por alguns instantes e depois voltaram para dormir. Esclareceu que quando começou a ouvir a discussão também ouviu barulho de espancamento. A vítima estava embriagada. Antes de iniciar a discussão ouviu de onde estava a vitima se dirigir até a cozinha onde estava beira e pedir café. Depois disso ouviu o início da discussão e o barulho de espancamento da vítima. Depois da discussão e do barulho das agressões a vitima não deixou a casa e não mais ouviu sua voz. Na manhã seguinte, um sábado, o filho da vitima chegou ao local e encontrou-a do lado de fora da casa desacordada e toda ensangüentada. O filho da vítima levou-a para o hospital. Esclareceu que por morar no local já conhecia Antonio e seu sobrinho Davi, nunca tinha presenciado nada igual antes no local. Não conhecia Carlos Alberto. Declarou que Davi e Antonio não eram pessoas briguentas. Quando começou a ouvir o barulho da discussão e do espancamento estavam no local os três réus e a vítima. A vítima não conseguia gritrar, pois estava em estado de embriaguez. Disse que não tem conto esclarecer corno a vitima chegou até a porta do imóvel. Não sabe se ela se deslocou sozinha ou se foi levada por algum dos réus ou por outra pessoa. A vítima estava caída abaixo da porta de entrada da casa. Afirmou que ouviu o barulho do Fusca da vítima deixando o local, não viu quem estava dirigindo o carro nesse momento, mas acredita que possa ter sido Davi ou Carlos. No dia seguinte viu o veículo a aproximadamente um quilômetro do local dos fatos incendiado. Afirmou que apenas deduziu que o veículo tivesse sido levado por um dos dois citados pois ouviu quando pediram carona para a vitima para irem à cidade, Presencior, na manhã seguinte o corréu Carlão colocando no bolso da vítima o documento do carro e a chave do veículo. O depoente reconheceu a chave do Fusca. Esclareceu que apesar de ter ficado preocupado com a vítima não pode pedir socorro, pois não tem telefone em sua residência e os vizinhos não possuem veículos, mas apenas tratores. O local se situa na zona rural da cidade, distante do centro de Tietê. O depoente preferiu não se envolver demais ao ponto de tentar comunicar os fatos à polícia ou chamar por socorro com receio dos acusados, que também estavam embriagados como a vitima. Pelo que ouviu pode perceber que a vítima sofreu fortes pancadas. Ouviu o barulho tanto das pancadas quanto dos gemidos da vítima. Acredita que o espancamento à vitima tenha durado cerca de quinze minutos. Esclareceu que a testemunha Jacira é analfabeta e faz uso


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de medicamentos e aparenta ter uma certa perturbação, sendo ela diabética. Afirmou que não conhecia o corréu Carlos anteriormente aos fatos, não podendo dizer se ele é pessoa violenta ou não. Conhece Antonio Carlos há quinze anos. Nunca soube de nenhum envolvimento de Antonio Carlos com atos violentos ou com prática de delito. Antonio Carlos trabalha no sítio onde morava. Pelo que pode perceber do outro lado do muro, acredita que uma única pessoa tivesse sido o autor dos espancamentos na vitima, O depoente percebeu isso pela voz agressor. O depoente reconheceu que a voz do agressor era do corréu Carlos. Esclarece, que próximo ao local dos fatos há uma mina d’água onde as pessoas costumam tomar banho. Afirmou que viu quando Davi deixou o imóvel antes do início da discussão e do espancamento para tomar banho nessa mina d’água. Esclareceu que no inicio da discussão e do espancamento Davi estava presente, mas em seguida saiu do local para ir tomar banho na mina d’água. Esclareceu que quando Carlos começou a demonstrar intenção de agredir a vitima Davi deixou o local e foi tomar, banho na mina d’água. Afirmou que Jacira estava na cozinha próximo à varanda onde estavam os réus e a vítima. No dia seguinte conversou com Antonio e Dona Jacira, mas estes não esclareceram em detalhes o que teria ocorrido e levado ao espancamento da vítima” (fls. 196/197). Em plenário: “estava sozinho em casa quando a vítima foi espancada. Ouvi que Aparecido, Carlos e Antonio estavam conversando e tomando pinga. Aparecido saiu para tomar um café e quando ele voltou para o quarto, o depoente ouviu o barulho de dois tapas. Antes disso não ouviu nenhuma discussão. Carlão foi quem agrediu a vítima. Antonio estava muito alcoolizado e acredita que não tivesse condições de espancar a vítima. David não estava no local; ele tinha descido até a mina para tomar um banho, tendo pedido o carro de Aparecido. A confusão durou cerca de meia hora. Ouviu os gemidos da vitima. Não sabe o motivo da agressão. Não conhecia Carlos Alberto. Conhecia David, que é parente de dona Jacira. REP. DO M.P.: Os espancamentos começaram por volta de 19h00 ou l9h3Omin. O depoente, David e Carlão foram pescar e a vítima já estava no local, bebendo pinga. O depoente não ficou no local, pois não bebe. Saiu do local e foi até a mina que fica cerca de cinqüenta metros do local dos fatos, onde limpou os peixes que pescou e voltou para casa. Aparecido saiu para pegar um café na casa de dona Jacira e quando ele voltou ouviu dois tapas. A briga começou do nada. Ouviu muitas pancadas, por cerca de quinze a vinte minutos. Não foi até lá, pois não havia como ajudar, pois achava perigoso. Melhor esclarecendo, conhece Carlos Alberto de vista. Carlão colocou a vítima no terreiro. Não viu, mas foi ele porque foi ele quem a espancou. Não socorreu porque teve medo de Carlão. Não ouviu a vitima pedindo socorro. Antonio Carlos pedia para Carlão parar de bater. Não viu se quebraram os dentes da vítima. Viu a vítima ensangüentada no dia seguinte, com a calça ensangüentada. Os filhos da vítima socorreram a vitima no dia seguinte. Ela ainda estava viva e Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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agonizando. Escutou na noite anterior um barulho, mas não imaginava que era a vitima caindo. Davi e Carlão sairam com o carro e após as 2h00 da manhã voltaram. O depoente viu quando Carlão colocou as chaves e o documento do veiculo no bolso da vítima no dia seguinte. Os réus correram quando os filhos da vítima chegaram. Lavaram lamparina de óleo diesel quando sairam com o carro. Reconhece o relógio que a vítima usava no dia dos fatos, mostrado nesta ocasião ao depoente. No momento do espancamento David não esyva no local, estava tomando banho na mina (...)” (fls.514/vº). A testemunha Jacira da Silva, disse: “Na época dos fatos era companheira do corréu Antonio Carlos, como ainda é atualmente. Na época dos fatos estava temporariamente separada de fato de Antonio Carlos, sendo que morava num dos cômodos da casa enquanto ele residia em outro. Esclareceu que no dia dos fatos os três réus tinham ido pescar e voltaram para casa para beber. A vítima também chegou na residência e todos começaram a beber e comer peixe. Inicialmente eles estavam conversando tranquilamente. Em determinado momento, quando estava em seu cômodo começou a ouvir gritarias e palavrões vindo do local onde estavam os réus e a vítima Eles estavam no terreno e em certo momento a vitima começou a proferir xingamentos contra a depoente também. Antonia Carlos e Carlos Alberto não gostaram e começaram a discutir com a vítima. Esclareceu que quando a vitima começou a ofendê-la na porta da cozinha Antonio Carlos interveio e deu-lhe um empurrão. Nesse momento o co-réu Carlos irnerveio e começou a agredir a vítima. Afirmou qzw a vítima não reagil4 pois eslavo embriagada. Esclareceu que Antonio Carlos, com exceção do empurrão, não agrediu a vítima. Afirmou que Davi também não ajudou a agredir a vítima. Ele tinha ido tomar banho na ‘io e não ajudou a espancar a vítima. Afirmou que a vítima caiu no chão onde permaneceu toda machucada. A vítima estava bastante machucada. Nenhum dos três réus resolveu. chamar a polícia ou auxílio para a vítim., Algum tempo depois o filho da vitima chegou e levou seu pai. Esclareceu que a vítima, de vez em quando, freqüentava a casa para beber com os réus. Esclareceu que é mãe da ex-mulher do vítima Aparecido. Esclareceu que o corréu Davi á seu sobrinho. Reafirma que viu apenas o corréu Carlos agredindo a vitima. Reafirmou que Antonio Carlos apenas empurrou a vítima, sendo que apenas Carlos Alberto espancu. Esclareceu que a discussão e bate-boca entre os réus e a vítima começou por volta das vinte e duas horas. Logo depois do bate-boca começou a briga, que durou até por volta da meia noite. Afirmou que viu o corréu Carlos Alberto retirando a vítima que estava machucada de dentro do terreno de Antonio Carlos e colocando do lado de fora do imóvel. A vitima estava bastante ferida e desacordada. Não sabe dizer quem levou o carro da vítima para outro local. Afirmou que escutou apenas o ronco do moto; do carro da vítima, mas não viu quem estava dirigindo. Afirmou que não quis adentrar no meio do mato para ir chamar socorro, o que foifeito


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por outra pessoa. Afirmou que não tem receio de nenhum dos réus presentes. Conhecia apenas seu sobrinho Dav4 podendo dizer que não se trata de pessoa violenta. Esclareceu que Antonio Carlos, seu companheiro, é boa pessoa e não é violento. Afirmou que Antonio Carlos empurrou a vítima porque estava proferindo palavrões contra a depoente. Esclareceu que a vitima começou a xingar a depoente porque esta, em razão do estado de embriaguez daquela, tinha a mandado ir embora da casa. Esclareceu que os réus e a vítima estavam bebendo em uma varanda defronte da residência. Havia claridade lunar, Havia lamparina acesa na casa. Esclareceu que antes de se trancar em seu cômodo chegou a ver o corréu Carlos bater na vítima. Esclareceu que não conhecia o corréu Carlos antes dos fatos, nada tendo contra ele. Esclareceu que quando se trancou na cozinha deu para ouvir o barulho das agressões, pois a varanda onde estavam todos é ao l ado da cozinha. Reconsiderou seu depoimento anterior e afirmou que na verdade não viu quem teria transportado e colocado a vítima para fora do terreno. Quando se trancou no quarto a vítima fá estava caída no chão” (fls.194/195). Em plenário: Conhece David e Antonio Carlos, que morava próximo da depoente. Não presenciou os fatos. Ouviu de longe que Carlão e a vitima Aparecido estavam discutindo. Estavam na casa de Antonio Carlos bebendo. Estavam todos bêbados, pois viu que estavam tomando pinga. Aparecido chegou ao local por volta das seis horas da tarde. Aparecido não foi pescar com os outros. Quando chegaram da pescaria, Aparecido já estava lá. Saiu na porta e viu Aparecido jogado no barranco. REP. DO M.P.: Não viu o espancamento. Ouvia que alguém estava apanhando. A vítima gritava para que a largasse e parecia que a pessoa continuava batendo. Não sabe dizer com o que estava batendo, se era com soco, chute, faca ou outro instrumento. A vitima começou a falar palavrão para a depoente e os réus acharam ruim. Não lembra a que horas i o espancamento. Meia noite escutou o ronco do carro da vítima, tendo saído do local David e Carlão. Depois não foi se deitar e não escutou mais nada. Não teve curiosidade em ver como estava a vitima. A vítima estava caída. Foi Carlão que jogou a vítima para fora da casa de Antonio Carlos, Nessa época já estava separada de Antonio Carlos. David é parente seu. Não tem medo dos réus. Antonio Carlos e David não são violentos. Escutava a voz de David e de Antonio Carlos durante o espancamento. Não sabe quando durou o espancamento. Não socorreu a vítima porque não tinha condições, pois mora “no meio do mato”. Viu Carlão colocando a chave e os documentos do veículo no bolso da vitima quando ela já estava ferida e deitada no barranco. Escutou David e Antonio Carlos dizendo que não era para fazer aquilo com a vítima. A vítima era boa pessoa. REP. DA DEFESA: Não presenciou o espancamento. Estava com medo e por isso ficou em casa. A discussão não era em voz alta. Seu vizinho Francisco, Carlão e David foram pescar. Viu depois de longe quando estavam comendo peixe e bebendo pinga. Havia um garrafão de quatro litros Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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no local. Estavam bebados quando começou uma discussão. Quem agrediu a vítima foi Carlos. Não sabe dize quem ajudou a agredir a vpítima” (fls.514/vº). Carlos Alberto de Oliveira disse: “É policial miIitar’tomou conhecimento dos fatos quando recebeu comunicado pela Santa Casa local da entrada de uma pessoa ferida, vitima de agressões fisicas. Foi até a Santa Casa onde o filho da vítima disse que o pai foi espancado na casa da dona Jacira e Antonio Carlos. Não conversaram com a vitima, pois esta estava inconsciente e prestes a ser transferida para o Hospital de Sorocaba. Fábio foi até o local onde encontrou seu pai ferido e caído ao chão. O filho da vitima soube que quem teriam sido os autores das agressões seriam os réus, informação que teria obtido de Dona Jacira. O veículo Fusca da vítima foi encontrado incendiado cerca de um quilómetro dos fatos. No sábado a tarde os corréus Davi e Carlos Alberto foram detidos na Rodovia Marechal Rondon, próximo ao condomínio Terras de Santa Maria. Esses dois réus negaram qualquer participação na morte da vítima. Revistados Davi e Carlos Alberto, encontrou em poder deste último um relógio, que ficou sabendo que posteriortnente já reconhecido como sendo de propriedade da vítima por seu filho e pela testemunha Ademir. O depoente desconfiou de estar Carlos em poder do relógio que estava com a pulseira estourada, solicitando via CADI que houvesse o reconhecimento do relógio pelo filho da vítima. Posteriormente não acompanhou o depoimento dos acusados perante a autoridade policial. Esclareceu que Carlos era foragido da Justiça. Recorda-se que quanto a Davi o sistema acusava conto sendo procurado, mas após constatou que tal informação não havia sido baixada do sistema” (fls. 198/199) em Plenário: “No dia seguinte aos fatos, teve informação de que havia um veículo pegando fogo. Posteriormente, a vítima deu entrada na Santa Casa local. O filho da vítima compareceu informando que seu pai havia sido vitima de espancamento. Aí, recebeu a informação anônima de que havia dois suspeitos na Rodovia Marechal Rondon, próximo ao posto JUMA, vindo em direção a Tietê. Abordou os suspeitos Carlos e David. Carlos constava no sistema como foragido. Carlos estava com relógio de pulso no bolso. O filho da vitima reconheceu o relógio como sendo de seu pai. David já era conhecido dos meios policiais. Não sabe se David tinha amizade com a vitima. O carro pegando fogo pertencia à vitima. Tratava-se de um Fusca. O local onde se deram os fatos é de difícil acesso e a vitima morava num quarto dos fundos do sítio. REP. DO M.P.: O filho da vítima contou ao depoente na santa casa que a vítima foi espancada por três pessoas. Reconhece o relógio da vitima nesta oportunidade a ele mostrado. O relógio estava quebrado. Estava no bolso do réu Carlos. RP. DA DEFESA: Da santa casa foi até delegacia, não tendo realizado diligências. Reconhece Carlos nesta oportunida Afirma que o relógio estava no bolso de Carlos” (fls.510). Carlos Alberto da Silva alegou em juízo: “É policial militar e foi


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chamado para comparecer na santa casa local onde a vitima estava gravemente ferida em razão de agressões. Na Santa Casa o filho da vítima, chamado Fábio disse que Davi, Antonio Carlos e Carlos Alberto teriam sido os autores das agressões, informação que teria sido dada por sua avó Jacira. Não esteve no local do crime. Posteriormenie receberam informação dc que os réus Davi e Carlos Alberto eyjariam ca,ninhando pela rodovia marechal Rondon, sentido bairro são roque. Os dois Jàramn detidos e na revista pesso ai foi encontrado uni relógio com Carlos que pos teriormente foi reconhecido como sendo de propriedade da vítima, por seu filho. Davi e Carlos negaram qualquer participação nas agressões e no homicídio da vitima, O carro da vitima foi encontrado completamente incendiado” (fls. 200). Fábio da Silva Camargo disse em juízo: “É filho da vítima. Na época dos fatos o depoente residia na cidade de Iïezé e trabalhava em urna empresa de segurança juntamente com seu pai. Seus pais são separados. Na época a vítima estava afastada do trabalho por causa de um início de /,neumonia, A vítima ia escondida ao local dos fatos para beber com os réus. David e Antonio Carlos são parentes da mãe do depoente. O local onde os fatos ocorreram também era residência da avó materna do depoente. A víttma residia sozinha. No dia dos fatos o depoente eslava em sua casa e seu irmão lhe disse que havia um Fusca pegando fogo no bairro onde ocorreram os fatos. O depoente e seu irmão foram à casa de sua avó. Inicialmente sua avó não queria dizer o que havia acontecido até que apontou o local onde estava a vítima, a vítima não estava ensangüentada pois os réus o limparam. Sua avó presenciou os fatos. Não conseguiu compreender o que ocorreu pela narrativa de sua avó pois ela tem certa diculdade em falar. O depoente perguntou para sua avó por que ela não havia socorrido a vítima e ela disse que o réu Carlos Alberto a mandou não socorré-lo. Ele disse que se ela o ajudasse também seria agredida. Levaram a vitima para o Hospital e ela faleceu cerca de três ou quatro dias depois. Os réus também furtaram o veículo, celular e relógio da vítima. Somente o relógio foi recuperado. Não soube posteriormente corno os fatos ocorreram” (fis. 219). Os depoimentos das testemunhas José Agnaldo dos Santos, Ademir Nunes Oliveira e André Aparecido dos Santos são de pouco valor probatório para a elucidação dos fatos, já que nenhuma delas presenciou o ocorrido, apenas declarando em juízo o que souberam por terceiros. Postula o peticionário em seu pedido de decote das qualificadoras do motivo fútil e do recurso que dificultou a defesa da vítima. Da prova testemunhal coligida e já mencionada, extrai-se que o crime foi cometido por motivo torpe, haja vista as ofensas proferidas à companheira do recorrente - emprego de meio cruel - espancamento brutal da vítima e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima - atacada de inopino, e também por superioridade numérica. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Dessa feita, amparada está a decisão do Tribunal do Júri que considerou presentes, por maioria de votos (fls. 522), as qualificadoras do motivo torpe e recurso que impossibilitou a defesa da vítima e meio cruel. Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência: APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE E MEDIANTE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA (ART. 121, § 2°, I E IV, DO CÓDIGO PENAL E ART. 16, PARÁGRAFO ÚNICO, IV, DA LEI 10.826/2003). TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO DEFENSIVO. PLEITO PELO AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS. ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. QUALIFICADORAS QUE ENCONTRAM AMPARO NO CONJUNTO PROBATÓRIO. INTERPRETAÇÃO DA PROVA QUE CABE AO CONSELHO DE SENTENÇA. RÉU QUE, POR CONTA DAS DIVERGÊNCIAS RELATIVAS AO TRÁFICO DE DROGAS, DESFERE TIRO CONTRA A VÍTIMA, QUE, CHEGANDO NA RESIDÊNCIA CAI AO CHÃO, RECEBENDO MAIS TIROS DO RÉU E DE OUTROS AGENTES. EVIDENCIADA A TORPEZA E O RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DO OFENDIDO. CONTRARIEDADE AOS ELEMENTOS DOS AUTOS NÃO VERIFICADA. (Apelação Criminal 2012.012909-1, de Tubarão, rel. Des. Paulo Roberto Sartorato, j. em 5-2-2013). E: APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. JULGAMENTO CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA DE AMBOS OS CRIMES DEVIDAMENTE COMPROVADAS. RECONHECIMENTO DA MINORANTE DO HOMICÍDIO PRIVILEGIADO. INVIABILIDADE. RECONHECIMENTO, PELO CONSELHO DE SENTENÇA, DA INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. DECISÃO AMPARADA NO CONJUNTO PROBATÓRIO. AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS. IMPOSSIBILIDADE. ACOLHIMENTO PELOS JURADOS, EM DECISÃO ESCORADA NA PROVA DOS AUTOS [...]. (Apelação Criminal n. 2011.078991-1, de Joinville, rel. Des. Sérgio Izidoro Heil, j. em 19-6-2012). Verifica-se que as qualificadoras imputadas ao condenado foram devidamente analisadas e motivadamente reconhecidas pelo Conselho de Sentença, restando correta a decisão do Júri que se encontra em conformidade com as evidências dos autos.


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A saber: “REVISÃO CRIMINAL - HOMICÍDIO QUALIFICADO - LEGÍTIMA DEFESA - DECOTE DA QUALIFICADORA RELATIVA AO MOTIVO FÚTIL - DESCABIMENTO - SOBERANIA DOS VEREDICTOS DO TRIBUNAL DO JÚRI - EXISTÊNCIA NOS AUTOS DE VERSÃO QUE JUSTIFICA A INCIDÊNCIA DAS QUALIFICADORAS - DECISÃO CONSENTÂNEA COM AS PROVAS CARREADASAOS AUTOS - REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA - INTEGRALMENTE FECHADO MODIFICAÇÃO - POSSIBILIDADE - ART. 2º, §1º, DA LEI 8.072/90 DECLARADO INCONSTITUCIONAL PELO STF - DEFERIMENTO PARCIAL DO PEDIDO”. (TJMG, RC 1.0000.05.417960-1/000, Des. Rel. Márcia Milanez, j: 09/10/06). Da dosimetria das penas. Firmou-se entendimento no sentido de que em situações de evidente injustiça e erro técnico de dosimetria da pena, é possível a correção da reprimenda por meio da revisão. A respeito, colhe-se da jurisprudência: “A redução da pena em revisão criminal está condicionada ao comprovado erro técnico ou à injustiça explícita do julgado, caracterizadores sempre, ainda que indiretamente, de violação do texto e/ou vontade da lei. Inexistindo violação da lei e não demonstrada antecedente nulidade ou ilegalidade, não se pode, não tem cabimento, deferir revisão criminal para rever critérios de individualização da reprimenda. Apenas decisão contra legem autoriza redução da pena em sede revisional” (RJDTACRIM 6/250). O MM. Juiz sentenciante fixou a pena acima do mínimo legal, tendo em vista que o crime ter sido cometido mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido, conforme decidido pelos jurados, haja vista que tal circunstância demonstrou maior reprovabilidade da conduta e personalidade desvirtuada do agente. Além disso, é reincidente, o que também demonstra personalidade voltada ao cometimento de crimes, fixando a pena em 13 (treze) anos de reclusão. Incidiu a agravante prevista no artigo 61, II, “a”, do CP, agravando a pena em 06 (seis) meses de reclusão, tornando-a definitiva em 13 (treze) anos e 06 (seis) meses de reclusão em regime inicial fechado, no entanto, à pena com relação ao delito do furto qualificado, entendo que deva ser modificada, isto porque a mesma foi aumentada em 06 (seis) meses pela reincidência. No caso, analisando o aumento face à reincidência no crime de homicídio, chega-se a conclusão que a sentença confirmada pelo v. Acórdão de fls.572/578 autor principais, fixou a pena-base do crime qualificado no mínimo de 12 anos de reclusão, aumentou em 1/12 (um doze avos) pela reincidência (12 anos + 1 ano) e mais 06 meses de reclusão, face o previsto como agravante no artigo 61, II, do Código Penal, perfazendo a pena de 13 (treze) anos e 06 (seis) meses de Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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reclusão. Se considerarmos que na fixação da pena, relativa ao crime conexo o furto qualificado (artigo 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal) o aumento relativo a reincidência, uma vez que inexiste outras causas de aumento ou diminuição, foi de 06 meses de reclusão, ou seja, na fração de ¼ (um quarto), entendo que por equidade, deva ser aplicada a mesma fração do crime mais grave 1/12 (um doze avos), reduzindo a pena para 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa. 3 Ante o exposto, defere-se parcialmente o pedido revisional, para reduzir a pena com relação ao delito previsto no artigo 155, § 4º, inciso IV, do Código Penal à 02 (dois) anos e 02 (dois) meses de reclusão e ao pagamento de 10 (dez) dias- multa, mantidos os demais termos da r. sentença confirmada pelo v. acórdão.

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Ementa: REVISÃO CRIMINAL ALEGAÇÃO DE NULIDADE ABSOLUTA DO JULGAMENTO AUSÊNCIA DOS QUESITOS VOTADOS NULIDADE RECONHECIDA ANULAÇÃO DO JULGAMENTO NECESSIDADE. PEDIDO REVISIONAL DEFERIDO PARA ANULAR Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Revisão Criminal nº 028503532.2009.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é peticionário JOSÉ JORLANGE DA SILVA. (Voto nº 13.924) ACORDAM, em 6º Grupo de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deferiram o pedido revisional para anular o julgamento do peticionário e determinar que o réu seja submetido a novo Júri, prejudicada a análise dos demais argumentos, mantida sua custódia, nos termos do acórdão. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores XAVIER DE SOUZA (Presidente), SALLES ABREU, PAIVA COUTINHO, PAULO ROSSI, JOÃO MORENGHI, ANGÉLICA DE ALMEIDA, BRENO GUIMARÃES E GUILHERME G.STRENGER. São Paulo, 28 de agosto de 2013. MARIA TEREZA DO AMARAL, Relator


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O JULGAMENTO E DETERMINAR QUE O RÉU SEJA SUBMETIDO A OUTRO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI LOCAL. VOTO JOSÉ JORLANGE DA SILVA ingressa com o presente pedido revisional contra a r. sentença proferida pela Juíza Presidente do Egrégio 5º Tribunal do Júri da Comarca de São Paulo que o condenou ao cumprimento de 18 anos e 08 meses de reclusão em regime inicial fechado por infração ao artigo 121, § 2º, incisos I e IV e artigo 121, § 2º, incisos I e IV, c.c o art. 14, inciso II, combinados com art. 69, todos do Código Penal. Ao réu não foi concedido o direito de apelar em liberdade, mantida a custódia preventiva decretada às fls. 153 dos autos principais, para preservação da ordem pública, garantia da instrução criminal e aplicação da lei penal, considerando que o peticionário ostenta antecedentes criminais reveladores de sua personalidade perigosa e vocação para o crime. O acusado renunciou ao direito de recorrer e a r. decisão transitou em julgado em 10/05/1999 (fls. 500 dos autos principais). Através da Defensoria Pública, com fulcro no artigo 621, I, do Código de Processo Penal, pleiteia o peticionário a nulidade absoluta do julgamento pela falta dos quesitos submetidos à votação. No mérito, busca a absolvição, alegando que a r. decisão contraria a evidência dos autos. Requisitados e apensados os autos originais, a douta Procuradoria Geral de Justiça requereu, preliminarmente, a conversão do julgamento em diligência para a juntada dos quesitos que foram votados e que não se encontram encartados nos autos. No mérito, manifestou-se pelo indeferimento. O julgamento foi convertido em diligência, nos termos do parecer do Il Procurador de Justiça. De volta os autos, estes foram remetidos novamente à douta Procuradoria Geral de Justiça que se manifestou pelo reconhecimento da nulidade absoluta do processo a partir do julgamento, prejudicado o exame de mérito. É o relatório. Com efeito, verifica-se que na volta dos autos informou o cartório que os quesitos votados no julgamento realizado no dia 03/05/1999 não foram localizados (fls. 43). Assim, conforme observou o douto Procurador de Justiça, há nulidade absoluta a macular o processo a partir do julgamento do réu pelo Conselho de Sentença, pois falta elemento essencial para o exercício do direito de defesa, ainda que em sede revisão criminal. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Assim, é a revisão criminal meio idôneo para rescindir o julgamento feito pelo Júri caso constatada ilegalidade e, via de consequência, determinar que outro seja realizado. Deve ser mantida a custódia preventiva do peticionário, nos termos da fundamentação da r. sentença de pronúncia, pois se trata de réu que ostenta antecedentes criminais, reveladores de personalidade perigosa e com vocação para o crime. Defere-se, pois, pedido revisional para anular o julgamento do peticionário e determinar que o réu seja submetido a novo Júri, prejudicada a análise dos demais argumentos, mantida sua custódia, nos termos do acórdão.

ACÓRDÃO

Ementa: “Revisão criminal - Homicídio simples (artigo 121, ‘caput’, do Código Penal) - Condenação decretada em primeiro grau - Absolvição pretendida - Julgamento contrário à evidência dos autos Procedência - Decisão baseada exclusivamente na confissão extrajudicial do acusado - Elemento colhido na fase investigativa que sequer foi corroborado em juízo - Inadmissibilidade da condenação com base Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Revisão Criminal nº 029016702.2011.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é peticionário ALECIO COSTA DE AGUIAR. ACORDAM, em 6º Grupo de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deferiram o pedido revisional formulado por Alécio Costa de Aguiar, para absolvê-lo da imputação de prática do crime previsto no art. 121, ‘caput’, do Código Penal, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Expeça-se alvará de soltura. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 27.523) O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores XAVIER DE SOUZA (Presidente), PAIVA COUTINHO, PAULO ROSSI, VICO MAÑAS, GUILHERME G.STRENGER E MARIA TEREZA DO AMARAL. São Paulo, 23 de outubro de 2013. SALLES ABREU, Relator


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em dados obtidos exclusivamente em elementos colhidos na fase inquisitorial, nos termos do art. 155 do CPP - Fundada dúvida acerca do envolvimento do peticionário na empreitada criminosa - Absolvição de rigor, com fulcro no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal - Pedido revisional deferido”. VOTO Trata-se de revisão criminal proposta por Alécio Costa de Aguiar contra a r. sentença de fls. 473/480 dos autos em apenso, que o condenou ao cumprimento da pena de 06 (seis) anos de reclusão, no regime inicial fechado, por infração ao artigo 121, ‘caput’, do Código Penal. Inconformado, o peticionário move a presente ação revisional, pretendendo sua absolvição, alegando para tanto que o quadro probatório se mostra frágil e insuficiente a sustentar o édito condenatório. Argumenta, ainda, que sua condenação foi baseada exclusivamente em elementos colhidos na fase inquisitiva, reputando-se a sentença de primeiro grau contrária à evidência dos autos e à lei penal (fls. 11/23). A ação foi bem processada, com parecer da douta Procuradoria de Justiça, que pugna pela procedência do pedido revisional formulado (fls. 25/29). Este, em apertada síntese, é o relatório, acrescido ao da r. sentença proferida pela juíza de direito Michelle Porto de Medeiros Cunha. A revisão criminal proposta é de ser deferida. Consta da denúncia que, no dia 02 de maio de 2001, por volta de 21h58min, na Rua Calil Jorge Francisco, nº 150, Parque Santo Antônio, nesta Capital, o réu Alécio Costa de Aguiar, utilizando-se de arma de fogo, matou Roberto Francisco do Nascimento, consoante laudo de exame necroscópico juntado às fls. 31/32. Segundo apurado, o acusado encontrava-se no “Bar do Jonas”, quando surgiu a vítima, sendo que Alécio a convidou a dar uma volta. Em dado momento, por motivos que serão melhor apurados no curso da instrução criminal, o réu sacou um revólver, que trazia consigo, e efetuou disparos contra o ofendido, matando-o e evadindo-se, a seguir. Inicialmente, ressalte-se que a materialidade e a autoria delitiva não são aptas a evidenciar a responsabilidade penal do acusado, senão vejamos: Na fase policial, o réu Alécio Costa de Aguiar confessou os fatos descritos na denúncia (fls. 63/64). Entretanto, em plenário, Alécio retratou-se, negando a autoria do crime (fls. 469). Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Em juízo, a testemunha Francisco Sales Nóbrega, policial civil, não se recordou do interrogatório policial do revisionando e afirmou que a assinatura constante nesse interrogatório, como testemunha de leitura, não era sua. Em outras palavras, desmentiu o que consta às fls. 64 e, assim, comprometeu todo o teor do interrogatório policial (fls. 204). Por seu turno, a testemunha Marco Antônio Bernardo, policial civil, afirmou ter presenciado a confissão ofertada pelo réu na delegacia. Indagado pela juíza a respeito da existência de outros elementos de convicção, respondeu que um indivíduo que estaria com o réu no momento do ocorrido, Alexandre Aparecido, teria se eximido da culpa e apontado o ora peticionário como o autor do homicídio (fls. 158). Porém, paradoxalmente às declarações da testemunha supra, Alexandre Aparecido de Sena foi ouvido em juízo e não comprometeu o peticionário como autor do homicídio, afirmando que nem mesmo leu o que assinou na delegacia (fls. 270). No mais, a testemunha Maria Amara do Nascimento, mãe da vítima, além de não ter presenciado os fatos, entrou em contradição por diversas vezes, porque em um primeiro momento afirmou que um tal de “Bira” teria praticado o crime, e, após, disse que o autor do homicídio foi um tal de “Laércio”, e prosseguiu com informações que, a nosso ver, não podem ser consideradas minimamente seguras (fls. 150/153). De acordo com tais provas, o Egrégio Tribunal do Júri entendeu por bem absolver o peticionário, com fulcro no art. 386, inciso IV, do Código de Processo Penal (fls. 344/346). Contudo, o Ministério Público recorreu e a 9ª Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça deu provimento ao seu recurso, para anular a decisão do Conselho de Sentença, determinando a realização de novo julgamento (fls. 389/395). No segundo Júri, o peticionário foi condenado, com base em sua confissão que, repisa-se, foi ofertada na Delegacia de Polícia (fls. 474/476). A defesa apelou da decisão, mas a 9ª Câmara Criminal não conheceu o recurso, porque, nos termos do art. 593, § 3º, do Código de Processo Penal, é defeso à parte interpor novo recurso de apelação pelo mesmo fundamento, qual seja, decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos (fls. 530/534). A esse respeito, confira-se: “JÚRI - Segunda apelação pelo mérito - Não conhecimento. Vedação legal de apelação pelo mesmo motivo, mesmo que o primeiro recurso tenha sido manifestado pela outra parte - Inteligência do artigo 593, parágrafo 3º, in fine, do CPP.” (TJMG - ACr nº 253.587-0/00 - 3ª C.


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Crim. - Rel. Des. Kelsen Carneiro - J. 16.04.2002). Insta salientar que o veredito do segundo júri foi dado em contrariedade às evidências dos autos, porque embasado exclusivamente na confissão extrajudicial ofertada pelo increpado, elemento de convicção que, aliás, encontra-se isolado nos autos. Destarte, depreende-se que não houve nenhuma prova em juízo apta a evidenciar a responsabilidade penal de Alécio Costa de Aguiar. Em suma, inexistem nos autos elementos robustos o suficiente para condenar o acusado pela prática delitiva, sendo que sua condenação pautou-se exclusivamente na confissão dada na fase inquisitiva, sem contraditório nem ampla defesa. Frise-se que o art. 155 do Código de Processo Penal veda de forma expressa a condenação fundada exclusivamente em elementos informativos colhidos na fase investigatória. Diferente não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “A prova, para que tenha valor, deve ser feita perante juiz competente, com as garantias de direito conferidas aos indiciados e de acordo com as prescrições estabelecidas na lei. É trabalho da acusação transformar os elementos do inquérito em elementos de convicção do juiz. O processo é judicial, e não é policial. Isso significa que a sentença condenatória há, sobretudo, de se fundar nos elementos de convicção da fase judicial.” (STJ, HC 148140/RS, Rel.: Min. Celso Limongi, Sexta Turma, DJ: 07/04/2011). Logo, diante da insuficiência de provas a demonstrar a responsabilidade penal de Alécio Costa de Aguiar, de rigor a sua absolvição, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Por derradeiro, cumpre salientar que entendemos plenamente possível, em sede de revisão criminal, a absolvição, por parte deste Tribunal de Justiça, de réu condenado pelo Tribunal do Júri. Isso porque o direito de liberdade, garantia individual assegurada não só pela Carta Magna de 1988, mas também por diversos tratados, acordos e convenções internacionais, como, por exemplo, pelo Pacto de São José da Costa Rica, deve prevalecer sobre os princípios da soberania dos vereditos e da coisa julgada. Este, inclusive, é o posicionamento do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. TRIBUNAL DO JÚRI. CONDENAÇÃO. REVISÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO. POSSIBILIDADE. DIREITO DE LIBERDADE. PREVALÊNCIA SOBRE A SOBERANIA DOS VEREDICTOS E COISA JULGADA. RECURSO MINISTERIAL A QUE Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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SE NEGA PROVIMENTO. 1. É possível, em sede de revisão criminal, a absolvição, por parte do Tribunal de Justiça, de réu condenado pelo Tribunal do Júri. 2. Em homenagem ao princípio hermenêutico da unidade da Constituição, as normas constitucionais não podem ser interpretadas de forma isolada, mas como preceitos integrados num sistema unitário, de modo a garantir a convivência de valores colidentes, não existindo princípios absolutos no ordenamento jurídico vigente. 3. Diante do conflito entre a garantia da soberania dos veredictos e o direito de liberdade, ambos sujeitos à tutela constitucional, cabe conferir prevalência a este, considerando-se a repugnância que causa a condenação de um inocente por erro judiciário. 4. Não há falar em violação à garantia constitucional da soberania dos veredictos por uma ação revisional que existe, exclusivamente, para flexibilizar uma outra garantia de mesma solidez, qual seja, a segurança jurídica da Coisa Julgada. 5. Em uma análise sistemática do instituto da revisão criminal, observa-se que entre as prerrogativas oferecidas ao Juízo de Revisão está expressamente colocada a possibilidade de absolvição do réu, enquanto a determinação de novo julgamento seria consectário lógico da anulação do processo. 6. Recurso a que se nega provimento” (STJ - Ministro Adilson Vieira Macabu - 5ª Turma - REsp nº 964978/SP - j. 14/08/2012). Isto posto, pelo meu voto, defere-se o pedido revisional formulado por Alécio Costa de Aguiar, para absolvê-lo da imputação de prática do crime previsto no art. 121, ‘caput’, do Código Penal, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Expeça-se alvará de soltura.

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Jurisprudência - Órgão Espercial

ÓRGÃO ESPECIAL Ações Diretas de Inconstitucionalidade ACÓRDÃO

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de inconstitucionalidade 0268686-46.2012.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é autor PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, são réus PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTANA DE PARNAÍBA e PRESIDENTE DA CÁMARA MUNICIPAL DE SANTANA DE PARNAÍBA: (Voto nº 29.372 - Órgão Especial) ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE, COM MODULAÇÃO. v.u. SUSTENTOU ORALMENTE O ADV. DR. EDUARDO KANASHIRO YOSHIKAI.”, de conformidade com o voto do (a) Relator (a), que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, GUERRIERI REZENDE, XAVIER DE AQUINO, ELLIOT AKEL, ANTONIO LUIZ PIRES NETO, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, ANTONIO VILENILSON, FERREIRA RODRIGUES, PÉRICLES PIZA, CAUDURO PADINROBERTO MAC CRACKEN, KIOITSI CHICUTA, ENIO ZULIANI, LUIS SOARES DE MELLO, GRAVA BRAZIL, PAULO DIMAS MASCARETTI, LUIS GANZERLA, ITAMAR GAINO, VANDERCI ÁLVARES, LUIZ ANTONIO DE GOOOY e MÁRCIO BÁRTOLI. São Paulo, 24 de julho de 2013. CAETANO LAGRASTA, Relator Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 14, § 4°, da Lei Municipal nº 899/1975, com redação dada pela Lei Municipal nº 2.499/2003, de Santana de Parnaíba, que altera a base de cálculo do ISSQN na prestação dos serviços que determina, elegendo-a como sendo 37% do valor bruto do faturamento. Impossibilidade jurídica do pedido e Incompetência do TJSP para exercer o controle concentrado de lei municipal Crente a lei constitucional federal. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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VOTO Vistos. Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito do Município de São Paulo em face do art. 14, § 4°, da Lei n° 899 do Município de Santana de Parnaíba, com a redação que lhe foi dada pela Lei Municipal n° 2.499/03, o qual dispõe sobre a base de cálculo do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN). Aduz, em síntese, que o artigo 14, § 4°, da Lei impugnada desnatura a base de cálculo do ISSQN a ser apurado naquele município, além de levar à redução da alíquota efetiva da tributação praticada naquele ente federativo. Sustenta que a base de cálculo do Município de Santana de Parnaíba não é o preço do serviço, mas sim um percentual aleatório da receita bruta do faturamento, o que incentiva a guerra fiscal, ocasionando à Municipalidade de São Paulo, que integra a mesma região metropolitana do Município de Santana de Parnaíba, perda de receitas necessárias para a consecução de políticas públicas. Alega, por isso, ser inconstitucional a norma que altera a base de cálculo do ISSQN, em afronta aos princípios da legalidade, razoabilidade e moralidade, bem como aos artigos 111 a 114 da Constituição do Estado de São Paulo, especialmente porque este último é norma limitadora da autonomia municipal. Determinada a emenda da inicial (fl. 21), o que foi cumprido pelo autor (fls. 24/40), processada sem a liminar (fls. 41/42), com informações do Município de Santana de Parnaíba (fls. 60/116) e da Câmara Municipal de Santana de Parnaíba (fls. 126/190). O d. Procurador Geral do Estado manifestou desinteresse na defesa do ato impugnado (fls. 55/58). Parecer da d. Procuradoria

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Preliminares rejeitadas ante a contrariedade da legislação municipal com os artigos 111 e 144 da Constituição Estadual. Mérito. Base de cálculo. Alteração. Inconstitucionalidade. Base de cálculo que deve ser considerada como sendo o preço do serviço, nos termos da Lei Complementar n• 116/2003, editada para regular o art. 146, 111, “a”, da CF. Não observância de princípios estabelecidos na CF, em evidente violação aos artigos 111 e 144, da Constituição do Estado de São Paulo. Inconstitucionalidade reconhecida do artigo 14, § 4°, da Lei Municipal D0 899/1975, com redação dada pela Lei Municipal n° 2.499/2003. Modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Art. 27, da Lei n° 9.868/99. Ação procedente, com modulação dos efeitos.


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Geral de Justiça pela procedência da ação (fls. 119/124). É o relatório. A Lei n° 899/1975, com a redação dada pela Lei n° 2.499/2003, que instituiu o Código Tributário do Município de Santana de Parnaíba, dispõe no artigo impugnado: Art. 14. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço, ao qual se aplica em cada caso, de acordo com a alíquota ou o respectivo valor anual constante da Lista de Serviços de que trata o artigo 7°. (...) § 4° Na prestação dos serviços de que trata os itens 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 11, 13, 15, 16, 35, 36, 72, 74, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 87, 89, 97, 102, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 115, 116, 143, 144, 145, 146, 147,148, 149,150, 151, 152, 153, 157, 158, 159, 160, 161, 163, 164, 165, 166, 168, 169, 170, 179, 181, 184, 185 e 188, a base de cálculo do imposto será correspondente a 37% (trinta e sete por cento) do valor bruto do faturamento. De início, restam afastadas as preliminares arguidas pelo Prefeito do Município de Santana de Parnaíba, pois a norma impugnada viola os artigos 111 e 144 da Constituição Estadual, de forma que o pedido é juridicamente possível, especialmente porque a inicial traz elementos que demonstram a existência da prejudicial “guerra fiscal” entre os Municípios de São Paulo e Santana de Parnaíba. No mérito, a ação é procedente. O art. 14, § 4°, da Lei n° 899/1975, com a redação dada pela Lei no 2.499/2003, do município de Santana de Parnaíba, viola os artigos 111 e 144, da CE, por descumprir preceitos constitucionais. É certo que compete aos Municípios instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza, nos termos do art. 156, lll, da CF. Contudo, a própria Carta Magna estabeleceu que, em relação a tais impostos, cabe à lei complementar fixar suas alíquotas máximas e mínimas, bem como regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados, nos termos do § 3°, I e lll. Assim, editada a Lei Complementar Federal n° 116/2003, que dispõe “sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências”, é certo que a base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço (art. 7°). Tal dispositivo deixa de especificar a respeito de possíveis deduções, deixando margem ao entendimento de que a base de cálculo do ISSQN se confunde com a receita bruta do serviço prestado. A Lei Complementar acima referida também deixou de estipular a Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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alíquota mínima do ISSQN, dispondo apenas que 5% é a alíquota máxima de tal imposto. Em razão da falta de previsão da alíquota m1mma do Imposto Sobre Serviços de Qualquer natureza, deve se observar o quanto disposto no art. 88, com as alterações da Emenda Constitucional n. 37, de 12.6.2002, do ADCT, que reza: Art. 88. Enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e m do § 3° do art. 156 da Constituição Federal, o imposto a que se refere o inciso m do caput do mesmo artigo: I - terá alíquota mínima de dois por cento, exceto para os serviços a que se referem os itens 32, 33 e 34 da Lista de Serviços anexa ao Decreto-Lei n° 406, de 31 de dezembro de 1968; II – não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima estabelecida no inciso I. Destarte, o ato normativo impugnado, violando os preceitos da Constituição Federal acima referidos, acabou por ofender os princípios da legalidade e da moralidade, preconizados no art. 111, bem como desatendeu princípios da Constituição Estadual e Constituição Federal, violando o art. 144, ambos da Constituição do Estado de São Paulo, porquanto alterou a base de cálculo do ISSQN dos serviços referidos nos itens 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 11, 13, 15, 16, 35, 36, 72, 74, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 87, 89, 97, 102, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 115, 116, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 157, 158, 159, 160, 161, 163, 164, 165, 166, 168, 169, 170, 179, 181, 184, 185 e 188, estabelecendo esta como correspondente a 37% (trinta e sete por cento) do valor bruto do faturamento. O artigo 144 da CE é norma limitadora da autonomia municipal, determinando o respeito ao disposto pela CF. Ora, o Município não pode, a pretexto de legislar sobre matéria de interesse local (art. 30, I, da CF), criar norma contrária ao estipulado pela Constituição Federal. Pode, sim, criar impostos, desde que não contrarie norma constitucional. Portanto, se a base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço, sem previsão de quaisquer deduções, não poderia o município de Santana de Parnaíba estipular que, para os serviços discriminados no § 4, do art. 14 do ato impugnado, a base de cálculo do imposto será de 37% do valor bruto do faturamento, pois tal estipulação desvirtua a base de cálculo do referido imposto, que é a prestação do serv1ço, ou seja, seu valor bruto, sem qualquer dedução. Na lição de MARILENE TALARICO MARTINS RODRIGUES: “O ISS, portanto, recai sobre a receita bruta decorrente da prestação de serviços, sem dedução de nenhuma parcela componente, nem despesas, custos ou material


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empregado na prestação de serviços” (in Tratado de Direito Tributário, IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, CARLOS VALDER DO NASCIMENTO e ROGÉRIO GANDRA DA SILVA MARTINS, 2011, Editora Saraiva) - grifei. Ainda, não há como se aferir, pelo texto do dispositivo atacado, que 37% do valor bruto do faturamento não seja inferior à alíquota mínima de 2% sobre o preço do serviço, prevista pelo art. 88, do ADCT, porque a lei municipal alterou a base de cálculo do imposto para percentual sobre o valor bruto do faturamento. Tampouco se pode concluir, com clareza, que, na forma como prevista a base de cálculo na lei, o ISSQN no município de Santana de Parnaíba não tenha sido objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, resultando, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima de 2% sobre o preço do serviço. Alterar a base de cálculo do ISSQN para percentual sobre valor bruto do faturamento é inconstitucional. Tal ato, como exposto na inicial, realmente pode incentivar a denominada “guerra fiscal”, especialmente por atrair empresas para o município com o incentivo fiscal do ISSQN, com possível redução da carga tributária, em evidente prejuízo para a autora. Neste ponto, a d. Procuradoria Geral de Justiça bem delineou que: “Por isso, os municípios podem legislar suplementarmente e naquilo que constitui seu interesse local (CF, art. 30, I e II), mas sem ofensa aos parâmetros constitucionais. Aliás, o grande objetivo da lei complementar a que alude o art. 156, III, da Constituição Federal, é justamente o de evitar conflitos entre os municípios. E como demonstrou o autor da ação, o ISSQN, pela regulamentação da Lei Complementar n. 116/03, tem alíquota mínima de 2%” (fl. 124). Por último, tendo a lei vigorado por muito tempo e, declarada a sua inconstitucionalidade, necessário se faz modular seus efeitos para preservar a segurança jurídica e o interesse social dela decorrentes. Para isso, com fundamento no art. 27, da Lei nº 9.868/99, declara se que a eficácia desta decisão produzirá efeitos ex nunc, a partir da publicação deste acórdão. Ante o exposto, JULGA-SE PROCEDENTE a ação para declarar a inconstitucionalidade do art. 14, § 4°, da Lei no 899/1975, com a redação dada pela Lei nº 2.499/03, do município e Santana de Parnaíba, com efeito modular, nos termos supra determinados .

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade 0275889-59.2012.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é autor PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Município de Tupã - Expressões contidas na Lei nº 177/2010 e Lei Complementar nº 198/2011 que concederam revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos do Poder Executivo Municipal (Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários) - Nova Lei Complementar nº 228/2012 que fixou subsídio a partir de 01/01/2013, após a propositura da ação, e manteve a forma de reajuste anual - Preliminar de perda de objeto rejeitada Possibilidade de apreciação nestes autos da alegação de inconstitucionalidade por fundamento não apontado na inicial da ação direta, artigo 2° da Lei Complementar n° 228, de 30 de novembro de 2012 e, por arrastamento, dos diplomas legais inicialmente impugnados - Inconstitucionalidade da revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos do Poder Executivo Municipal - Revisão conferida exclusivamente aos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo - Violação aos artigos 111, 115, XI e XV, e 144, todos da Constituição do

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PAULO, são réus PREFEITO DO MUNICÍPIO DE TUPÃ e PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE TUPÃ. (Voto nº 27.582) ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “INDEFERIRAM O PEDIDO DE SUSTENTAÇÃO ORAL E JULGARAM AAÇÃO PROCEDENTE. V. U. FARÁ DECLARAÇÃO DE VOTO O EXMO. SR. DES. WALTER DE ALMEIDA GUILHERME.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, WALTERDE ALMEIDA GUILHERME (com declaração), XAVIER DE AQOINO, ELLIOT AKEL, CASTILHO BARBOSA, ANTONIO LUIZ PIRES NETO, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, PÉRICLES PIZA, EVARISTO DOS SANTOS, CAUDURO PADIN, RENATO NALINI, ROBERTO MAC CRACKEN,KIOITSI CHICUTA, ENIO ZULIANI, LUIS SOARES DE MELLO, GRAVA BRAZIL, PAULO DIMAS MASCARETTI, ITAMAR GAINO, VANDERCI ÁLVARES, MÁRCIO BÁRTOLI e RUY COPPOLA. São Paulo, 14 de agosto de 2013. SAMUEL JÚNIOR, Relator


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Estado São Paulo, correlatos ao artigo 37, “caput”, X e XIII, e 39, §3º, ambos da Constituição Federal Inconstitucionalidade decretada. VOTO Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo para declarar a inconstitucionalidade das expressões “agentes políticos e detentores de cargos eletivos do Poder Executivo”, contida na Lei n° 177, de 13 de abril de 2010 e “agentes políticos do Poder Executivo”, contida na Lei Complementar n° 198, de 26 de abril de 2011, ambas do Município de Tupã. Sustenta o autor, em apertada síntese, a inconstitucionalidade do direito à revisão geral anual dos subsidias dos agentes políticos do Poder Executivo Municipal (Prefeito, Vice Prefeito e Secretários), porquanto exclusivamente conferido aos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. Alega que as disposições municipais teriam violado os artigos 111, 115, XI e XV, e 144, todos da Constituição do Estado São Paulo, correlatos ao artigo 37, “caput”, X e XIII, e 39, §3°, ambos da Constituição Federal. A liminar foi deferida. Manifestação da Fazenda Estadual às fls. 33/34 . Informações da Câmara Municipal e do Sr. Prefeito às fls. 38/69 e 71/86. A DD. Procuradoria de Justiça se manifestou pela rejeição da preliminar e procedência da ação (fls. 90/106). É o relatório. Afasta-se desde logo a preliminar de perda de objeto arguida pelo Prefeito Municipal (fls. 74). As leis em discussão concederam a revisão geral anual aos agentes políticos e detentores de cargos eletivos do Poder Executivo Municipal nos índices de 3,5%, a partir de 01° de abril de 2010 (Lei n° 177/2010), e 4,5% a partir de 01° de abril de 2011, in verbis: “Art. 1º Ao quadro de servidores públicos do Município de Tupã, inclusive aos inativos e pensionistas, comissionados, agentes políticos e detentores de cargos eletivos do Poder Executivo Municipal, nos termos do art. 39, § 4 c e 37, incisos X e XI, da Constituição Federal, é concedida revisão geral anual em igual índice, de 3,5% (três vírgula cinco por cento), de forma linear, incidente sobre os valores dos Anexos V, VI, VII e VIII, todos da Lei Complementar nº 140, de 04.04.2008, com suas alterações posteriores, e na Lei Complementar nº 137, de 04.03.2008. Art. 2º Constitui parte integrante desta Lei Complementar o Anexo Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Único, explicitando os valores da remuneração advinda da revisão ora autorizada. Art. 3º As despesas decorrentes da Complementar onerarão dotações execução desta consignadas Lei no Orçamento vigente, suplementadas, oportunamente, se necessário. Art. 4° Esta Lei Complementar entrará em vigor na data de sua publicação, e produzirá efeitos a partir de 1º de abril de 2.01 O, revogadas as disposições em contrário” (Lei n° 177/2010); “Art. 1º Ao quadro de servidores públicos do Município de Tupã, inclusive aos inativos e pensionistas, comissionados e agentes políticos do Poder Executivo Municipal, nos termos do art. 39, § 4°, e 37, incisos X e XI, da Constituição Federal, é concedida revisão geral anual de 4,5 % (quatro vírgula cinco por cento), em igual índice e de forma linear, incidente sobre os valores dos Anexos V, VI, VII e VIII, todos da Lei Complementar n° 140, de 4 de abril de 2.008, com suas alterações posteriores, e na Lei Complementar no 137, de 04.03.2.008. Art. 2º Constitui parte integrante desta Lei Complementar o Anexo Único, explicitando os valores da remuneração advinda da revisão ora autorizada (...). Art. 6° Esta Lei Complementar entrará em vigor na data de sua publicação, e produzirá efeitos a partir de 1º de abril de 2.011” (Lei Complementar nº 198/2011). Por sua vez, a exordial distribuída em 19 de dezembro de 2012 não trouxe os fundamentos da inconstitucionalidade do artigo 2° da Lei Complementar n° 228, editada em 30 novembro de 2012, cujo teor é o seguinte: “Art. 1° Nos termos do disposto nos incisos V, do art. 29, da Constituição Federal, são fixados os seguintes valores, a serem pagos mensalmente aos detentores de mandato eletivo e agentes políticos, a partir de 01/01/2013: I - R$ 17.900,00 (dezessete mil e novecentos reais) para o subsidio do Prefeito Municipal; II- R$ 9.900,00 (nove mil e novecentos reais) para o subsidio do VicePrefeito Municipal; III - R$ 6. 900,00 (seis mil e novecentos reais) para os subsídios dos Secretários Municipais. Parágrafo único. Os subsidias serão pagos mensalmente, até o quinto dia útil do mês subsequente, sendo vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória. Art. 2° Os subsídios e todos os valores previstos nesta Lei, relativos à


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remuneração do Prefeito Municipal, do Vice Prefeito e dos Secretários Municipais, serão reajustados anualmente, no mês de abril, na forma do art. 37, inciso X, da Constituição Federal, e do art. 3º da Lei Complementar Municipal nº 14, de 27 de março de 2002, nos mesmos índices utilizados para o reajuste dos servidores do Executivo. Art. 3° As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta de dotação orçamentária própria prevista no Orçamento-Programa para o exercício de 2013 e subsequentes, suplementados, se necessário. Art. 4o Esta Lei entrará em vigor a partir de 1º de janeiro de 2013”. Constata-se que a nova lei fixou subsídios aos detentores de mandato eletivo e agentes políticos a partir do dia 01°/01/2013, após a propositura da ação, mantendo, aos futuros pagamentos, o reajuste no mês de abril nos mesmos índices utilizados para o reajuste dos servidores do Executivo. Assim, persiste a revisão geral anual, a qual o Ministério Público quer ver reconhecida a inconstitucionalidade, sem se olvidar que as anteriores normas produziram seus efeitos enquanto vigiam. Passa-se, portanto, a apreciar, nestes autos, a alegação de inconstitucionalidade por fundamento não apontado na inicial da ação direta, artigo 2° da Lei Complementar n° 228, de 30 de novembro de 2012 e, por arrastamento, dos diplomas legais inicialmente impugnados, nos moldes do requerido no Parecer da Douta Procuradoria Geral de Justiça (fls. 92). Ensina Luís Roberto Barroso que “prevaleceu por longo tempo, na jurisprudência do STF, ponto de vista diverso, tendo a Corte se manifestado diversas vezes no sentido de que ‘a revogação superveniente de lei acoimada de inconstitucional não tem o condão, só por si, de fazer extinguir o processo de controle concentrado de inconstitucionalidade’ (RTJ, 54:710, 1970, 55:662, 1971, 87:758, 1979). Esse entendimento, todavia, foi superado. Mais recentemente, voltou a ser defendido pelo Min. Gilmar Mendes, sob o fundamento de que a remessa de controvérsia constitucional já instaurada perante o STF para as vias ordinárias é incompatível com os principias da máxima efetividade e da força normativa da Constituição (Inf. STF 305:2, 2003, Adin (QO-QO) 1.244-SP) (O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 2ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 159, nota n. 78)”. Quanto à teoria da inconstitucionalidade por “arrastamento” ou “atração”, ou “inconstitucionalidade consequente de preceitos não impugnados”, ou inconstitucionalidade consequencial ou inconstitucionalidade consequente ou derivada, ensina Pedro Lenza (in: Direito Constitucional esquematizado, 13. ed., SP, Saraiva, 2009, pp. 208/209): “...se em determinado processo de controle concentrado de constitucionalidade for julgada inconstitucional a norma principal, em futuro processo, outra Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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norma dependente daquela que foi declarada inconstitucional em processo anterior - tendo em vista a relação de instrumentalidade que entre elas existe - também estará eivada pelo vício de inconstitucionalidade “consequente”, ou por “arrastamento” ou “atração”. Poder-se-ia pensar, nesse ponto, que a consequência prática da coisa julgada material, que se projeta para fora do processo, impediria não só que a mesma pretensão fosse julgada novamente, como também, sob essa interessante perspectiva, que a norma consequente e dependente ficasse vinculada tanto ao dispositivo da sentença (principal) quanto à “ratio decidendi” invocando, aqui, a “teoria dos motivos determinantes”. Esses dois temas no âmbito do controle de constitucionalidade vislumbram uma perspectiva “erga omnes” para os limites objetivos da coisa julgada, em importante avanço em relação à teoria clássica. Naturalmente, essa técnica da declaração de inconstitucionalidade por arrastamento pode ser aplicada tanto em processos distintos como em um mesmo processo, situação que vem sendo verificada com mais frequência. Ou seja, já na própria decisão, o STF define quais normas são atingidas, e no dispositivo, por “arrastamento”, também reconhece a invalidade das nornas que estão “contaminadas”. Essa contaminação ou perda de validade pode ser reconhecida, também, em relação a decreto que se fundava em lei declarada inconstitucional. Então, o STF vem falando em inconstitucionalidade por arrastamento do decreto que se fundava na lei (cf, por exemplo, ADI 2.995/PE, Rel. Min. Celso de Mello, 13.12.2006). Nesse sentido, como anotam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, “com efeito, se as normas legais guardam interconexão e mantêm, entre si, vínculo de dependência jurídica, formando-se uma incindível unidade estrutural, não poderá o Poder Judiciário proclamar a inconstitucionalidade de apenas algumas das disposições, mantendo as outras no ordenamento jurídico, sob pena de redundar na desagregação do próprio sistema normativo a que se acham incorporadas”. Trata-se, sem dúvida, de exceção à regra de que o juiz deve ater-se aos limites da lide fixados na exordial, especialmente em razão da correlação, conexão ou interdependência dos dispositivos legais e do caráter político do controle de constitucionalidade realizado pelo STF”. No mérito, razão assiste ao Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo. Busca o autor a declaração de inconstitucionalidade do artigo 2° da Lei Complementar n° 228/2012, bem como, por arrastamento, das expressões “agentes políticos e detentores de cargos eletivos do Poder Executivo” e “agentes políticos do Poder Executivo”, contidas na Lei n°177/2010 e na Lei Complementar n°198j2011, respectivamente, todas do Município de Tupã, acima transcrita. Conforme sustentado pelo Exmo. Procurador Geral de Justiça, “insta observar que o atrelamento automático da revisão dos subsídios dos agentes


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políticos municipais aos vencimentos dos servidores públicos municipais é inconstitucional, pois a alteração dos valores devidos a estes implica a automática modificação dos subsidias dos agentes políticos, desconsiderando a diversidade do regime jurídico da remuneração dos agentes políticos municipais detentores de mandato eletivo e investidos em cargos comissionados, perceptível em seu perfil constante na Constituição Federal” (fls. 10) . Defeso, portanto, a vinculação do reajuste dos subsídios do Prefeito, Vice e Secretários Municipais à revisão geral anual do funcionalismo público municipal. Segundo entendimento pacífico no E. STF, “a A Lei Maior impôs tratamento jurídico diferenciado entre a classe dos servidores públicos em geral e o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais. Estes agentes públicos, que se situam no topo da estrutura funcional de cada poder orgânico da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, são remunerados exclusivamente por subsídios, cuja fixação ou alteração é matéria reservada à lei específica, observada, em cada caso, a respectiva iniciativa {incisos X e XI do art. 37 da CF/88). - O dispositivo legal impugnado, ao vincular a alteração dos subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de refixação dos vencimentos dos servidores públicos em geral ofendeu o inciso XIII do art. 37 e o inciso VIII do art. 49 da Constituição Federal de 1988. Sobremais, desconsiderou que todos os dispositivos constitucionais versantes do tema do reajuste estipendiário dos agentes públicos são manifestação do magno princípio da Separação de Poderes. Ação direta de inconstitucionalidade procedente” (ADI 3491 /RS, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, j. em 27/09/2006, Pleno). Esse entendimento, aliás, é o que tem prevalecido, conforme jurisprudência desta Corte trazida â colação: “Ementa: INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. Artigo 3º da Lei nº. 5 357, de 31 de maio de 2000 e artigo 1º da Lei n” 5 960, de 05 de junho de 2003, ambos do Município de Franca. Leis Municipais que dispõem sobre a majoração dos subsídios de vereadores durante a própria legislatura. Aumentos variáveis no tempo. Incidente de inconstitucionalidade suscitado por uma das Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, em recurso de apelação contra sentença que julgou ação civil publica em face do referido Município e de todos os seus vereadores. Dispositivos que violam a “regra da legislatura” e o principio da moralidade administrativa. Reajuste anual que não é aplicável aos vereadores. Ofensa aos artigos 29, VI, e 37, ambos da Constituição Federal e 144 da Constituição do Estado. Arguição acolhida para declarara inconstitucionalidade dos dispositivos objunjados” Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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(Incidente de Inconstitucionalidade de Lei 9301760-74.2008.8.26.0000, Relator(a): Mário Devienne Ferraz, Comarca: Franca, Órgão julgador: Órgão Especial, Data do julgamento: 13/08/2008); “Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade sustentada inconstitucionalidade dos artigos 4º e 5º, caput, §§ 1º, 4º e 5º, da Lei n° 11.600, de 09 de abril de 2008, em sua redação original e na que foi dada pelo artigo 1º, I e II, da Lei n° 11.622, de 05 de maio de 2008, do Município de Ribeirão Preto, que “Fixa os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários e Vereadores para a legislatura a iniciar-se em 1º de janeiro de 2009 e dá outras providências”, e “Dá nova redação ao parágrafo 4º e acrescenta o parágrafo 5º ao artigo 5º da Lei no 11.600, de 09/04/08”, respectivamente - vedada é a vinculação do reajuste dos subsídios do Chefe do Poder Executivo, do Vice, e de seus auxiliares diretos à revisão geral anual do funcionalismo público municipal - é vedada a fixação dos subsídios dos Vereadores em percentual dos subsídios dos Deputados Estaduais - é vedada, ainda, a vinculação do reajuste dos subsídios dos Vereadores à revisão geral anual do funcionalismo público municipal ou à alteração dos subsídios dos Deputados Estaduais, eis que inalterável o valor daqueles durante legislatura, por força da reintrodução pela EC 23/2000, da chamada “regra da legislatura” aos parlamentares municipais - (...) ação procedente, assentando-se, ademais a fim de que os Vereadores da atual Legislatura de Ribeirão Preto não fiquem sem remuneração, que, a este título, na corrente receberão o subsídio que vigorou na Legislatura anterior, obviamente que sem a revisão anual e observados os limites estabelecidos no inciso VI, do art. 29 da Constituição Federal (ADIN 0002644- 04.2009.8.26.0000, Relator(a): Palma Bisson, Data do julgamento: 10/02/2010). Sobre o tema, dispõe a Constituição Estadual do Estado de São Paulo:

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“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência”; “Artigo 115, XI - a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data e por lei especifica, observada a iniciativa privativa em cada caso(...) XV - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, observado o disposto na Constituição Federal.”


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Dessa forma, houve clara ofensa ao que dispõe a Carta Constitucional Bandeirante nos artigos 111, 115, XI e XV, ambos da Constituição do Estado São Paulo, bem como aos artigos 37, “caput”, X e XIII, e 39, §3°, ambos da Constituição Federal, os quais devem ser observados, consoante determina o artigo 144 da Constituição de São Paulo. Em face de tais razões, declara-se inconstitucional o artigo 2° da Lei Complementar n° 228/2012, bem como, por arrastamento, das expressões “agentes políticos e detentores de cargos eletivos do Poder Executivo” e “agentes políticos do Poder Executivo”, contidas na Lei n°177f2010 e na Lei Complementar n°198/2011, respectivamente, todas do Município de Tupã, com efeitos ‘ex tunc’. Comunique-se o resultado deste julgamento, com urgência, ao Exmo. Des. Relator da ação direta de inconstitucionalidade (autos n° 0078161-73.2013) proposta pelo Procurador Geral de Justiça referente à Lei Complementar n° 228/2012.

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DECLARAÇÃO DE VOTO (Voto nº 15.283) I - O Procurador-Geral de Justiça, autor desta Ação Direta de Inconstitucionalidade, objetiva a declaração de inconstitucionalidade do artigo 2° da Lei Complementar no 228/2012 e, por arrastamento, das expressões “agentes políticos e detentores de cargos eletivos do Poder Executivo” e “agentes políticos do Poder Executivo”, contidas na Lei n° 177/20I O e na Lei Complementar n° 198/2011, respectivamente, todas do Município de Tupã II- O relator, eminente Desembargador Samuel Júnior, julga procedente a ação, em acórdão encimado pela seguinte ementa: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE- Município de Tupã Nova Lei Complementar nº 228/2012 que fixou subsídio a partir de 01/01/2013, após a propositura da ação, e manteve a forma de reajuste anual - Preliminar de perda de objeto rejeitada - Possibilidade de apreciação nestes autos da alegada inconstitucionalidade por fundamento não apontado na inicial da ação direta, artigo 2” da Lei Complementar nº 228, de 30 de novembro de 2012, e, por arrastamento, dos diplomas legais inicialmente impugnados - Inconstitucionalidade da revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos do Poder Executivo Municipal - Revisão conferida exclusivamente aos servidores públicos titulares de provimento efetivo - Violação aos artigos 111, 115, XI e XV, e 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo, correlatos aos artigos 3 7, “caput”, X e XIII, e 39, § 3º, ambos da Constituição Federal - Inconstitucionalidade decretada.”. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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III - Meu voto. 1. Atente-se, de plano, para o fato de o objurgado artigo 2° da Lei Complementar n° 228, de 30 de novembro de 2012, bem como as expressões contidas na Lei n° 177/2010 e Lei Complementar n° 198/2011, dizerem respeito à concessão de revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos do Poder Executivo Municipal, ou seja, Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários, excluídos, portanto, os Vereadores, não cabendo falar, portanto, em “regra da legislatura”, que se aplica somente aos integrantes do Poder Legislativo municipal. 2. A Constituição Federal, ao tratar dos Municípios, no intuito de lhes garantir autonomia enquanto entes federativos, determina, no artigo 29, inciso V: “subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõe os artigos 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, §2º, I;”. Mas é também cânone constitucional que - “a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4° do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei especifica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual. sempre na mesma data e sem distinção de índices.” (artigo 37, X, da CF). Note-se que citado dispositivo assegura a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos e do subsídio de que trata o § 4º do art. 39 da CR (‘O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.’). 3. Pois bem. Dispusessem o artigo 2º da Lei Complementar nº 228/2012 e as Leis nº 177/2010 nº 198/2011, do Município de Tupã, que os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais seriam reajustados, anualmente em índice equivalente à correção monetária, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro da Estatística e Geografia, alvo das metas de inflação no Brasil e, a partir de 30 de junho, estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional como índice oficial da inflação no Brasil, não se detectaria inconstitucionalidade, pois estariam simplesmente procedendo à revisão anual da remuneração de servidores públicos municipais, como autoriza a Constituição da República, no artigo 37, inciso X. Mas não é o que ocorre, pois os referidos diplomas legislativos determinam que a atualização e revisão dos subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais se façam pelos mesmos índices aplicados aos servidores municipais.


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Ora, e se os servidores públicos municipais vieram a ter reajustada a remuneração não apenas em acordo com a corrosão do poder de compra da moeda, isto é, pelo IPCA, mas em função de outro percentual? Ou seja, se não houver meramente uma atualização monetária, mas aumento real da remuneração? Os subsídios do Prefeito e do Vice Prefeito e dos Secretários Municipais, então, estariam sendo majorados exatamente na mesma proporção do aumento da remuneração dos demais servidores, em vedada equiparação ou vinculação de remuneração, conforme disposto no artigo 37, XIII, da Constituição Federal, e artigo 115, XV, da Constituição do Estado. Uma coisa é o reajuste anual de subsídios de conformidade com o índice inflacionário, consubstanciando permitida revisão anual, bem outra é a determinação de que o reajuste dos subsídios siga sempre o mesmo percentual de aumento do funcionalismo em geral. Os dispositivos legais, ao vincularem a alteração dos subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais às propostas de refixação dos vencimentos dos servidores públicos municipais em geral afrontaram o inciso XIII do artigo 37 e o inciso VIII do artigo 49 da Constituição Federal - como, dessa forma, decidiu o Supremo Tribunal Federal na ADI 3.491/RS, relator Ministro Carlos Britto, Pleno, julgamento em 27/09/2006- e, por consequência, o artigo 144 da Constituição do Estado. Mutatis mutandis, foi o que decidiu este Órgão Especial na Arguição de Inconstitucionalidade n° 0091451-58.2013. 8.26.0000, da qual fui relator, em acórdão que contém a seguinte ementa: “Arguição de inconstitucionalidade Artigos de leis municipais que fixam os valores dos subsídios do Prefeito, VicePrefeito e Vereadores, estabelecendo que deverão ser os mesmos atualizados e revistos anualmente na mesma data e índices aplicados aos servidores municipais - Dispusessem referidos dispositivos que mencionados reajustes se verificariam, anualmente, em índice equivalente à correção monetária, não haveria inconstitucionalidade, pois se estaria simplesmente procedendo à revisão anual da remuneração de servidores públicos municipais, como autoriza a Constituição da República, no artigo 37, X Inconstitucionais, todavia, são eles, pois a determinação de que o reajuste dos subsídios siga sempre o mesmo percentual de aumento do funcionalismo em geral viola a regra de vedação de equiparação ou vinculação de remuneração, e, ainda, no tocante aos Vereadores, a de proibição de que assim se faça na mesma legislatura, de acordo, respectivamente, com os artigos 37, XIII, da Constituição Federal, e artigo 115, XV, da Constituição do Estado, e o artigo 29, VI, da Constituição da República. Arguição julgada procedente”. 4. Pelas razões expostas, meu voto acompanha o do Relator para declarar, com efeito ex tunc, a inconstitucionalidade do artigo 2° da Lei Complementar n° 228/2012, assim como, por arrastamento, as expressões “agentes políticos de Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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detentores de cargos eletivos do Poder Executivo” e “agentes políticos do Poder Executivo”, contidas na Lei nº 177/2010 e na Lei Complementar n° 198/2011, respectivamente, do Município de Tupã. WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, Desembargador

ACÓRDÃO

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Arts. 1º, §§ 1º e 2º, 4º, §§ 1º e 2º e 6º, da Lei nº 1.052, de 26 de novembro de 1992, do Município de Rincão que dispõem sobre o direito à complementação dos proventos de aposentadoria e de pensão aos servidores públicos municipais inativos e pensionistas - Autonomia legislativa e auto-organização que devem ser Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de Inconstitucionalidade nº 0047615-35.2013.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é autor PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA, são réus PREFEITO DO MUNICÍPIO DE RINCÃO e PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE RINCÃO. (Voto nº 17.340 – Órgão Especial) ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE, COM MODULAÇÃO DOS EFEITOS. V.U. SUSTENTOU ORALMENTE O ADV. DR. ESDRAS IGINO DA SILVA.”, de conformidade com o voto do (a) Relator (a), que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, XAVIER DE AQUIN0, ELLIOT AKEL, CASTILHO BARBOSA, ANTONIO LUIZ PIRES NETO, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, ANTONIO VILENILSON, FERREIRA RODRIGUES, PÉRICLES PIZA, EVARISTO DOS SANTOS, SAMUEL JUNIOR, CAUDURO PADIN, RENATO NALINI, ROBERTO MAC CRACKEN, KIOITSI CHICUTA, ENIO ZULIANI, LUIS SOARES DE MELLO, GRAVA BRAZIL, ITAMAR GAINO, VANDERCI ÁLVARES, MÁRCIO BÁRTOLI e RUY COPPOLA. São Paulo, 21 de agosto de 2013. PAULO DIMAS MASCARETTI, Relator


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e-JTJ - 00 exercidas pelo ente público local em consonância com as regras e princípios das Leis Maiores, na forma dos arts. 29 da CF e 144 da CE - Comando legal questionado que, conquanto discipline questão atinente a direitos e deveres dos servidores municipais, matéria administrativa de interesse local, deixou de observar o preceito do art. 218 da Constituição Estadual, aplicável aos entes públicos municipais por força da regra contida no art. 144 da mesma Carta - Disposição constitucional estadual que impõe a observância dos princípios previstos nos arts. 194 e 195 da Constituição Federal para instituição de benefícios da seguridade social - Ato normativo municipal questionado, no entanto, que instituiu vantagem aos inativos e pensionistas, sem a indicação da respectiva fonte de custeio e sem observar, a partir da vigência das Emendas Constitucionais nºs 03/93 e 20/98, o caráter contributivo da previdência social - Inobservância dessas regras basilares, que acabou por implicar na alardeada inconstitucionalidade das disposições legais municipais impugnadas nos autos - Precedentes desta Corte - Grande parte dos beneficiados com a disposição legal questionada, contudo, que obtiveram suas complementações de pensões e aposentadorias antes da vigência das aludidas Emendas Constitucionais e, até mesmo, antes da promulgação da CF/88 - Presença, destarte, de relevante interesse social na espécie, que recomenda atribuição de eficácia ex nunc à presente declaração de inconstitucionalidade, para que passe a produzir efeitos a partir da concessão da medida liminar nestes autos, por aplicação da regra contida no art. 27 da Lei Federal n° 9868/99 - Providência que preserva a situação jurídica de todos os servidores aposentados e pensionistas que tenham obtido ou requerido seus benefícios até aquela data Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, com modulação dos efeitos.

VOTO Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo ProcuradorRevista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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“Artigo 1° - Fica assegurado aos servidores municipais inativos a revisão e complementação de proventos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade sendo estendida aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade. Parágrafo 1º- A complementação será calculada na proporção

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Geral de Justiça do Estado de São Paulo em face dos arts. 1º, §§ 1º e 2°, 4°, §§ 1º e 2°, e 6°, da Lei n° 1.052, de 26 de novembro de 1992, do Município de Rincão, que dispõem sobre o direito à complementação dos proventos de aposentadoria e de pensão aos servidores públicos municipais inativos e pensionistas. Alega o autor, em essência, que: as disposições legais impugnadas são incompatíveis com os preceitos dos arts. 111, 128, 144 e, especialmente, 218 da Constituição Estadual, pois outorgam a complementação de benefícios previdenciários a despeito da inexistência de fonte de custeio, sendo paga exclusiva e integralmente por recursos oriundos do erário; os servidores beneficiários não gozam de direito à integralidade ou paridade de seus proventos ou pensões com a remuneração do pessoal ativo, razão pela qual falece interesse público e razoabilidade na instituição da vantagem; ademais, tratando-se de servidores celetista e seus pensionistas, por força do art. 1º da Lei Complementar Municipal nº 1.886/12, estão sujeitos ao regime geral de previdência social, que não contempla qualquer providência semelhante; o art. 201, § 5°, da Constituição Federal nem sequer admite a participação em dois regimes previdenciários distintos, assentando a jurisprudência do Pretório Excelso que descabe a instituição de complementação de aposentadoria em favor de servidor público do regime celetista. Deferida a medida liminar postulada, com efeitos ex nunc, para suspender a vigência e eficácia das normas questionadas nos autos (v. fls. 15/17), a Procuradoria Geral do Estado foi citada para a demanda (v. fls. 34), afirmando seu desinteresse em realizar a defesa da lei (v. fls. 36/37). O Presidente da Câmara e o Prefeito do Município de Rincão prestaram as informações requisitadas, defendendo a constitucionalidade da legislação impugnada ou, ao menos, a modulação dos efeitos de eventual declaração de sua inconstitucionalidade (v. fls. 39/42, 44/79). A Procuradoria Geral de Justiça opinou “pela procedência da ação, atribuindo efeito ex nunc à declaração de inconstitucionalidade em relação aos benefícios implantados até a concessão da liminar” (v. fls. 85/93). É o relatório. A ação merece acolhida. Os dispositivos da Lei n° 1.052, de 26 de novembro de 1992, do Município de Rincão, impugnados nos autos, preconizam, in verbis:


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ao tempo de serviço prestado ao Município e sobre a remuneração paga pela Previdência Social Nacional e mediante o comprovante de pagamento desta pelos interessados. Parágrafo 2° - A complementação máxima paga pelo Município não poderá ultrapassar o teto limite de seis salários mínimos vigentes à época do pagamento. (...) Artigo 4° - A viúva ou o dependente do servidor falecido terá a sua pensão revista e calculada, na mesma data, de acordo com o provento, salário ou vencimento percebido pelo mesmo servidor, e acompanhará as revisões e atualizações de remuneração dos servidores em atividade. Parágrafo 1• - A viúva ou dependente de servidor aposentado proporcionalmente ao tempo de serviço terá a sua pensão calculada sobre o mesmo provento proporcional e acompanhará as revisões e atualizações de remuneração dos servidores em atividade. Parágrafo 2• - A viúva e dependentes farão jus ao beneficio de revisão e complementação da pensão até quando perdurar as suas respectivas condições. (...) Artigo 6º - A complementação desta Lei será devida aos aposentados, viúva e dependentes que já venham percebendo a respectiva aposentadoria ou pensão, porém será devida apenas a partir da vigência desta Lei”.

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Antes da edição dessa legislação, esse mesmo tema já era parcialmente disciplinado na Lei Municipal n• 553, de 31 de março de 1978, com a seguinte redação: “Artigo 1º - Os servidores estatutários municipais, que se aposentarem através do Instituto Nacional de Previdência Social, e, que não receberem vencimentos ou remuneração idênticos àquelas que receberiam de acordo com os termos do Estatuto dos funcionários municipais, farão jus à complementação de aposentadoria, desde que não sejam optantes pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. Artigo 2º - A referida complementação será de valor idêntico à diferença da aposentadoria não paga pelo I.N.P.S. e, reajustável na mesma proporção e de acordo com o reajuste concedido aos servidores da ativa. Artigo 3º - A complementação será paga mensalmente pela Prefeitura Municipal, através de verba própria constante do orçamento vigente. Artigo 4º - O servidor municipal aposentado pelo I.N.P.S. receberá esta complementação a partir da data da exibição e conferência do respectivo documento fornecido pelo Instituto. Artigo 5º - A presente Lei entrará em vigor na data de sua Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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publicação”.

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E como bem realçado pelo autor, “apesar de a Lei nº 553/78 ter sido revogada expressamente pela Lei Complementar n’ 1.886, de 6 de junho de 2012 (fls. 144/153), em verdade ela não tinha sido recepcionada pela Constituição da República de 1988 em razão de seu contraste com o art. 195, § 5’” (v. fls. 6). Pois bem. É certo que a Constituição Federal de 1988 ampliou a autonomia dos entes municipais nos aspectos político, administrativo e financeiro, outorgandolhes o poder de se auto-organizarem, conferindo-lhes, à evidência, especial direito à edição de normas relativas ao regime jurídico e previdenciário de seus servidores. O artigo 144 da Carta Paulista, no entanto, praticamente repetindo os termos do artigo 29 da Constituição da República, dispõe textualmente que: “Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Bem de ver, então, que a competência outorgada aos entes municipais para editarem leis e diretrizes relativas à organização administrativa, financeira e demais matérias de interesse local não é irrestrita, estando os limites e contornos dessa legislação previamente definidos nos preceitos e princípios estabelecidos na Carta Magna e na Constituição do respectivo Estado-membro. Neste sentido, já deixou assentado o Colendo Supremo Tribunal Federal que:

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“A competência do Município para organizar seu quadro de pessoal é consectária da autonomia administrativa de que dispõe. Atendidas as normas constitucionais aplicáveis ao servidor público, bem como aos preceitos das leis de caráter complementar, pode o Município elaborar o estatuto de seus servidores, segundo as conveniências e peculiaridades locais. Nesse campo é inadmissível a extensão das normas estatutárias federais ou estaduais aos servidores municipais no que tange ao regime de trabalho e de remuneração, e somente será possível a aplicação do estatuto da União ou do Estado-membro se a lei municipal assim o determinar expressamente. Todavia, embora em razão da autonomia constitucional as entidades estatais sejam competentes para organizar e manter seu funcionalismo, criando cargos e funções, instituindo carreiras e classes, fazendo provimento e lotações, estabelecendo vencimentos e vantagens, delimitando os deveres e direitos dos servidores e fixando regras disciplinares, as disposições estatutárias dos entes federados não podem contrariar o estabelecido na Constituição da República, porque normas gerais de observância obrigatória pela federação” (v. RE n° 120.133/MG, 2ª Turma, relator Ministro MAURÍCIO CORRÊA, j.


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A propósito, também já decidiu este Colendo Órgão Especial que: “Não obstante a autonomia conferida aos Municípios (art. 30, da CF e 144, da CE), sua atuação legislativa não pode ser desarmônica e diametralmente contrária às leis maiores” (v. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 905545953.2008.8.26.0000, relator Desembargador JOSÉ ROBERTO BEDRAN, j. 7/10/2009). No caso vertente, os dispositivos da legislação municipal objurgados nos autos reafirmaram o direito dos servidores à percepção da complementação de aposentadoria, previsto na citada Lei Municipal no 553/78, e estenderam a vantagem aos pensionistas, garantindo-lhes, ainda, o direito à paridade de remuneração com os servidores em atividade, mediante a revisão de seus benefícios na mesma proporção e data destes. Não obstante, o art. 218 da Constituição do Estado de São Paulo prevê expressamente que: “Art. 218. O Estado garantirá, em seu território, o planejamento e desenvolvimento de ações que viabilizem, no âmbito de sua competência, os princípios de seguridade social previstos nos artigos 194 e 195 da Constituição Federal”.

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Tal disposição ostenta a condição de princípio constitucional, sendo, como tal, de observância obrigatória por todos os entes municipais, na edição de leis de organização do funcionalismo, conforme assinalado precedentemente. Bem de ver, porém, que o art. 195 da Constituição Federal, ao qual esse dispositivo constitucional paulista faz remissão, especialmente em seu inciso 11 e § 5°, já desde a sua redação original, prescreve que: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...) II - dos trabalhadores: (...) § 5°. Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”.

A Lei n° 1.052/1992, do Município de Rincão, no entanto, estabeleceu beneficio de natureza previdenciária aos servidores inativos e pensionistas municipais, sem que, a qualquer tempo, tivesse cuidado de apontar a fonte de custeio das vantagens que instituiu. Ora, em consonância com o princípio contido no art. 194, parágrafo Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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único, inciso VI, da Constituição Federal, o subsequente art. 195 definiu que “a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta”, estabelecendo as diversas fontes de custeio de benefícios e serviços desse sistema, a partir de recursos provenientes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além das contribuições sociais do empregador, empresas e entidades equiparadas, do trabalhador, da receita de prognósticos e do importador de bens ou serviços do Exterior. Releva notar, no entanto, que a legislação municipal aqui atacada não cuidou de apontar qual dessas fontes prestar-se-ia a financiar o benefício nela previsto, nem sequer de forma genérica; ou seja, a contrario sensu, restou definido que os cofres municipais suportariam o custeio integral e exclusivo das complementações de aposentadorias e pensões previstas no ato normativo local em causa, em manifesta desconsideração dos preceitos constitucionais aludidos precedentemente. De outra banda, a partir da edição das Emendas Constitucionais n’ 03, de 17 de março de 1993, e nº 20, de 15 de dezembro de 1998, o sistema de previdência social dos servidores públicos concebido na Carta Magna de 1988 foi substancialmente modificado; com a EC nº 03/93, o § 6º, do artigo 40, passou a dispor que as aposentadorias e pensões dos servidores públicos federais serão custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei; a partir da EC n’ 20/98, o custeio da previdência pelos servidores públicos tomou-se regra obrigatória, a todos imposta; o regime peculiar destes passou então a ser de caráter contributivo e solidário, devendo observar critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial dos benefícios (CF, arts. 40 e 201); adotou-se, portanto, a prévia contribuição do servidor como requisito essencial para a concessão de qualquer beneficio da Seguridade Social, o que, claramente, não foi observado na hipótese em causa, na qual não houve qualquer participação dos instituidores ou pensionistas para o custeio da complementação instituída na legislação municipal impugnada. Outra questão que igualmente merece destaque é o fato da exposição de motivos da Lei Municipal n• 1.052/1992, do Município de Rincão, expressamente afirmar que “o projeto em pauta tem por objetivo conceder aos servidores municipais inativos e pensionistas, regidos pelo regime da CLT, as mesmas vantagens atualmente concedidas aos funcionários municipais, inativos e pensionistas regidos pelo Estatuto Municipal” (g.n.) (v. fls. 93 dos autos em apenso). Nessa linha de raciocínio, porém, bem destacou o autor que já se pacificou no Colendo Supremo Tribunal Federal o entendimento de que descabe conceder complementação de aposentadoria a servidores que se submetiam, na ativa, ao regime da CLT, haja vista que a estes “são inaplicáveis os arts. 40, III, ‘a’, e § 5° da Constituição, cuja disciplina se refere apenas aos servidores públicos” (v. RE


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nº 197793/RS, 1ª Turma, relator Ministro MOREIRA ALVES, j. 13/03/2001, DJU 18/05/2001). No mesmo sentido, também, dentre outros: AgR no RE nº 370.423/RS, 2ª Turma, relator Ministro EROS GRAU, j. 16/05/2006, DJU 23/06/2006; e, AgR no RE n• 218.999/SP, 1ª Turma, relator Ministro ILMAR GALVÃO, J. 27/06/2000, DJU 20/10/2000. Não bastassem os vícios de inconstitucionalidade anteriormente apontados em relação ao ato normativo municipal atacado na presente ação, ainda realçou corretamente o autor na exordial que “se os servidores beneficiários não gozam de direito à integralidade ou paridade de seus proventos com a remuneração do pessoal ativo, assim como os pensionistas, falece interesse público e razoabilidade na instituição da complementação desses benefícios previdenciários” (v. fls. 08). Na verdade, a inconstitucionalidade das disposições legais municipais questionadas nos autos restou bem delimitada no parecer da douta Procuradoria de Justiça, ao destacar, precisamente, que: “Os preceitos normativos impugnados contrastam com o art. 195, § 5°, da Constituição Federal, incorporado pelo art. 218 da Constituição Estadual, impositivo do caráter contributivo da previdência social. Esse preceito é norma remissiva que incorpora à Constituição do Estado os principies da seguridade social contidos na Constituição da República, entre eles o caráter contributivo e a impossibilidade de criação, majoração ou extensão de beneficio sem a correspondente fonte de custeio social, previstos no art. 195, 11, § s•, da Constituição Federal. O art. 218 da Constituição Estadual é norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal’, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rei 10.406-GO, rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09- 2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010), pelo contraste das normas locais com o art. 218 da Constituição Estadual e aos dispositivos da Constituição Federal nele referidos. Não vinga a alegação de suporte das despesas nela previstas por conta de dotações orçamentárias. Com efeito, ela não resiste ao citado art. 195, II, § 5°, da Constituição da República, remetido pelo art. 218 da Constituição do Estado, que veda a cobertura do beneficio previdenciário exclusivamente pelo erário. Por isso, não basta à lei impugnada prever dotações orçamentárias do erário para atendimento da complementação de proventos e pensões, uma vez que se exige também o financiamento por recursos oriundos dos empregados públicos, já que diferentemente dos servidores públicos não são aquinhoados com a paridade e a integralidade” (v. fls. 87/88). Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Em suma, restou mesmo evidenciada a alardeada inconstitucionalidade da legislação municipal impugnada nos autos. Tem lugar, no entanto, a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do ato normativo questionado, na forma do art. 27 da Lei Federal n° 9.868, de 10 de novembro de 1999. A propósito, anotam Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins, precisamente, que: Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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“Ação direta de inconstitucionalidade – Lei nº 685, de 03.06.92 e Decreto 816, de 09.06.92, do Município de Santa Lúcia - Instituição de benefício previdenciário de complementação de aposentadoria para ex-servidores públicos municipais e pensionistas, sem a correspondente fonte de custeio - Afronta ao artigo 195, § 5°, da Constituição Federal e artigos 128, 111, 218 e 144 da Constituição Estadual - Precedentes deste Colendo Órgão Especial - Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei e decreto impugnados, modulados os seus efeitos (efeito ex tunc, excluída a incorporação ou apostilamento, ressalvados os direitos patrimoniais auferidos, não ressarcíveis diante da boa-fé dos beneficiados)” (v. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 0039795-62.2013.8.26.0000, relator Desembargador ENIO ZULIANI, j. 12/06/2013); “Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei Municipal n° 351, de 22 de julho de 1997 e Lei n° 500, de 06 de dezembro de 1999, do Município de Alumínio, que dispõem sobre concessão de complementação de aposentadoria e de pensão por morte de servidores públicos - Ausência de indicação da fonte de custeio - Inconstitucionalidade reconhecida Ação procedente” (v. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 018686435.2012.8.26.0000, relator Desembargador CAUDURO PADIN, j. 8/05/2013); “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal nº 6.673 de 2007, de Araraquara, que cria complementação de proventos de aposentadoria e pensões -Ausência de fonte de custeio - Inadmissibilidade - Ofensa aos 111, 128, 218 da Constituição Bandeirante - Modulação de efeitos - Princípios da boa-fé e do interesse público – Verbas de caráter alimentar - Inconstitucionalidade declarada, com efeitos ex nunc” (v. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0179980-87.2012.8.26.0000, relator Desembargador XAVIER DE AQUINO, j. 8/05/2013).

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Nesse contexto, fica claro que os arts. 1º, §§ 1º e 2°, 4°, §§ 1º e 2°, e 6°, da Lei n° 1.052, de 26 de novembro de 1992, do Município de Rincão, desconsideram realmente as disposições dos arts. 144 e 218, da Constituição do Estado de São Paulo, evidenciando o vício de inconstitucionalidade aduzido na exordial da ação. Este, por sinal, o entendimento firmado em inúmeros precedentes deste Órgão Especial, lançados em casos análogos ao dos autos:


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“... a técnica da modulação dos efeitos temporais da decisão. prevista no artigo 27 da Lei Federal nº 9.868/99, qualifica-se como exceção ao princípio da nulidade da lei inconstitucional - segundo o qual a exclusão do ato normativo contrário à Constituição do cenário jurídico deve retroagir até a data de sua entrada em vigor-, e, em razão disso, demanda, para sua correta aplicação, além da observância dos pressupostos legalmente exigidos (razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social), um juízo de ponderação, à luz do postulado da proporcionalidade, entre os interesses afetados pela lei inconstitucional e aqueles que seriam eventualmente sacrificados em consequência da declaração de inconstitucionalidade’” (v. “Controle Concentrado de Constitucionalidade: Comentários à Lei n. 9.868, de 10-111999”, 3’ ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 27). No caso vertente, a medida liminar deferida nos autos para suspender a vigência e eficácia dos arts. 1º, §§ 1° e 2º, 4°, §§ 1º e 2°, e 6°, da Lei nº 1.052, de 26 de novembro de 1992, do Município de Rincão, destacou, claramente, que: “... a legislação municipal impugnada vigora já há mais de vinte anos, existindo, possivelmente, inúmeros servidores e pensionistas que percebem seus benefícios previdenciários com fundamento no dispositivo legal em tela, cujas situações encontram-se consolidadas pelo decurso do tempo” (v. fls. 16).

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Diante disso, determinou-se que nenhum outro beneficio fosse concedido com fundamento no dispositivo legal impugnado a contar da concessão daquele provimento antecipatório, preservando os benefícios concedidos a servidores inativos e pensionistas ao longo de todo o tempo de vigência da legislação municipal. E, a esta altura, essa solução merece subsistir. Como bem pondera a própria Procuradoria-Geral de Justiça às fls. 88: “Em face do requerimento de modulação de efeitos, tenho como razoável, na espécie, a eficácia da pronúncia da inconstitucionalidade a partir da concessão da liminar, assegurando a complementação de proventos e pensões deferidos até esse marco temporal, nos termos do art. 27 da Lei n• 9.868/99. Observo, no ponto, que não há como vislumbrar-se irredutibilidade de vencimentos em benefício inconstitucionalmente implantado. Há, nos autos, relação de beneficiários (fl. 81), sendo razoável o acolhimento desse pedido para manutenção dos benefícios anteriormente deferidos e os requerimentos apresentados até a concessão da liminar, em homenagem à boa-fé e à confiança legítima valores constitucionalmente assegurados. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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A procedência da ação sem a ressalva inculcada produziria efeitos nocivos a terceiros, como, por exemplo, a restituição de valores recebidos, apesar do impedimento oposto a esse resultado pelo caráter alimentar do benefício. E é justamente por esse predicado que se aparenta conforme o ordenamento jurídico consentir àqueles que gozam a aposentadoria planejada, segundo regras unilateralmente estabelecidas, a manutenção do benefício já adquirido.” (v. fls. 88/89).

Realmente, como se pode inferir da lista de beneficiários acostada aos autos pela Municipalidade de Rincão (v. fls. 81), apenas quatro servidores ou pensionistas passaram a perceber suas complementações previstas na Lei Municipal n° 1.052/1992 depois da vigência da Emenda Constitucional no 20/1998; todos os demais (vinte e um) obtiveram seus benefícios antes da edição dessa Emenda, dentre os quais, cinco deles já gozavam desse direito antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988; assim, a retroação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da legislação objurgada, a partir de sua edição, certamente acabaria por atingir a esfera jurídica de parte dos beneficiários de forma indevida. Deve-se, então, reconhecer a presença de excepcional interesse social na espécie, de molde a recomendar que a declaração de inconstitucionalidade da legislação municipal ora atacada tenha eficácia ex nunc, a partir a concessão da medida liminar nestes autos, de modo a preservar a situação jurídica de todos os servidores aposentados e pensionistas que tenham obtido ou requerido seus benefícios até aquela data. Aliás, tal providência também foi expressamente requerida pela Presidência da Câmara (v. fls. 41/42) e pelo Prefeito do Município de Rincão (v. fls. 49/79). Ante o exposto, julga-se procedente a presente ação, para o fim de declarar a inconstitucionalidade dos arts. 1º, §§ 1º e 2°, 4°, §§ 1º e 2°, e 6°, da Lei n° 1.052, de 26 de novembro de 1992, do Município de Rincão, com a modulação dos efeitos dessa declaração.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0074653-22.2013.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é autor PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA, são réus PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE VALINHOS e PREFEITO DO MUNICÍPIO DE VALINHOS: (Voto nº OE 0216) Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO IMPROCEDENTE. V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, XAVIER DE AQUINO, ELLIOT AKEL, CASTILHO BARBOSA, ANTONIO LUIZ PIRES NETO, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, ANTONIO VILENILSON, FERREIRA RODRIGUES, PÉRICLES PIZA, EVARISTO DOS SANTOS, SAMUEL JUNIOR, CAUDURO PADIN, RENATO NALINI, ROBERTO MAC CRACKEN, KIOITSI CHICUTA, ENIO ZULIANI, LUIS SOARES DE MELLO, PAULO DIMAS MASCARETTI, ITAMAR GAINO, VANDERCI ÁLVARES, MÁRCIO BÁRTOLI e RUY COPPOLA. São Paulo, 21 de agosto de 2013. GRAVA BRAZIL, Relator Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade - Art. 17, da Lei n. 4.186, de 10/10/07, do Município de Valinhos - Ordenação do uso e ocupação do solo Estabelecimento de locais prioritários para instalação de Estações Rádio-Base - Matéria que não adentra na competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações e radiodifusão (art. 22, IV, da CF), tampouco que interfere na competência da União de explorar aludidos serviços (art. 21, XI e XII. a, da CF) - Regulamentação municipal que possui estrita finalidade de dispor sobre o uso e ocupação do solo no território municipal, nos termos do art. 30, VIII, da CF - Presença de peculiar interesse do Município - Inconstitucionalidade formal não caracterizada -Ação improcedente. VOTO I - Relatório Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, objetivando a declaração de inconstitucionalidade do art. 17, da Lei n. 4.186, de 10/10/07, do Município de Valinhos, que “Dispõe sobre a ordenação do uso e ocupação do solo no Município e dá outras providências”, dispositivo que traz a seguinte redação: Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Sustenta o requerente, em síntese, a inconstitucionalidade do referido artigo, em razão da violação à repartição de competência dos entes federativos, haja vista que, nos termos dos arts. 21, incs. XI e XII, “a”, e 22, inc. IV, ambos da CF, compete privativamente à União legislar sobre serviços de telecomunicações e radiodifusão, bem explorar aludidos serviços. Com esse enfoque, pede liminar, para suspender a aplicabilidade da lei que acredita inquinada de inconstitucionalidade. Por decisão do Relator, a liminar foi indeferida (fls. 15). O Prefeito Municipal de Valinhos prestou informações (fls. 31/43), ocasião em que pugnou pela intimação da Agência Nacional de Telecomunicações ANATEL, bem como dos permissionários de espaços públicos municipais para se manifestarem nos autos, dada a relevância da matéria. Noticiou que a iniciativa sobre a questão jurisdicionalizada deve-se à atuação do Promotor de Justiça de Valinhos, que entendeu que a instalação de Estações de RádioBase em áreas de lazer ou áreas verdes caracterizaria verdadeiro atentado à ordem urbanística, ressaltando que tal matéria não foi aventada na exordial. Assevera que, no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade, movida perante o Tribunal de Justiça, a Constituição Estadual é parâmetro exclusivo de confronto, de modo que a lei municipal não ofende os arts. 1º e 144, da Constituição Bandeirante. No mais, defende a ausência de inconstitucionalidade. A Câmara Municipal de Valinhos prestou informações (fls. 334/346). A D. Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da indigitada lei (fls. 28/29). A E. Procuradoria Geral de Justiça opinou pela procedência da ação (fls. 324/332). É o relatório do necessário. II - Fundamentação. Por primeiro, afasta-se o pedido de intimação da Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL, bem como dos permissionários de espaço público municipal para manifestação na demanda, pois, em que pese a intenção de enriquecimento do debate, a hipótese de participação de terceiros no processo

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“Art. 17. Para a implantação de Estações Rádio-Base, E.R.Bs., os logradouros analisados deverão priorizar a disponibilidade de áreas existentes próximo ao local necessário, na seguinte ordem: I. Compartilhamento de ERB existente; II. Áreas públicas, com recursos privados destinados ao fundo de urbanização ou execução de obra de interesse público; III. Não existindo outra possibilidade, poderá ser ace a instalação em imóvel particular, a critério do Poder Público municipal, obedecendo legislação especifica.”


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objetivo de constitucionalidade é reduzida ao deferimento da manifestação de órgãos e entidades na qualidade de amicus curiae, o que, entretanto, não se vislumbra nos autos. Quanto à questão de fundo, o autor busca o reconhecimento da inconstitucionalidade de dispositivo legal de lei municipal, ao fundamento central de que houve violação à repartição constitucional de competência, uma vez que o Município teria se imiscuído em matéria de atuação exclusiva da União. Pontue-se, inicialmente, a possibilidade de se aferir se lei municipal afronta a repartição de competência legislativa privativa à União para legislar sobre telecomunicações e radiodifusão (art. 22, IV, da CF1), tampouco que lhe foi atribuída a competência para exploração dos mencionados serviços (art. 21, XI e XII, a, da CF2). No entanto, o dispositivo impugnado está inserido na Lei Municipal n. 4.186, de 10/10/07, que dispõe sobre a ordenação do uso e ocupação do solo no Município de Valinhos, e cuida da previsão de áreas prioritárias para implantação de Estações Rádio-Base no território municipal. Ao disciplinar a ordem de preferência dos locais para a instalação da infra-estrutura para radiodifusão e telecomunicação, a lei não interfere direta ou indiretamente na prestação dos serviços, tampouco busca conferir tratamento legal para tais matérias. Extrai-se de sua leitura, que o comando emitido pelo ato normativo atacado possui estrita finalidade de dispor sobre o uso e ocupação do solo no território municipal, sendo que não cuida de regras atinentes a serviços de telecomunicações ou serviços de radiodifusão, estes sim de competência exclusiva da União. Repise-se que o Município não está invadindo a competência da União porque a ele assiste o direito de regular sobre o uso e ocupação do solo, em atenção ao art. 30, VIII, da Constituição Federal, aplicável por força do art. 144, da Constituição Estadual. Ademais, estabelecer critérios para identificar o local de melhor viabilidade para instalação de Estações Rádio-Base no Município constitui matéria de peculiar interesse municipal, sobre o qual é possível o tratamento legislativo. 1 “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: ... IV águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;” 2 “Art. 21 -Compete a União: ... XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos tennos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens” Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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4 Art. 28. A instalação dos equipamentos e demais componentes da rede do Serviço Móvel Celular requer a elaboração, por profissional habilitado, de projeto de instalação compatível com as normas pertinentes baixadas pelo Ministério das Comunicações, e demais condições previstas no edital e no contrato de concessão, devendo permanecer sob a posse da concessionária, que deverá tomá-lo disponível, a qualquer tempo, ao Ministério das Comunicações. Parágrafo único. A instalação do sistema, com as correspondentes edificações, torres e antenas, bem como a instalação de linhas físicas em logradouros públicos, ficará condicionada ao cumprimento pela concessionária das posturas municipais e outras exigências legais pertinentes a cada local. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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3 Art. 74. A concessão, permissão ou autorização de serviço de telecomunicações não isenta a prestadora do atendimento às normas de engenharia e às leis municipais, estaduais ou do Distrito Federal relativas à construção civil e à instalação de cabos e equipamentos em logradouros públicos.

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Vale ressaltar que leis federais salientam a necessidade de observância do disposto em leis municipais por parte daqueles que venham a prestar e explorar os serviços de telecomunicação e de radiodifusão. Nesse sentido, ainda que não cuidem especificamente do local para instalação das Estações Rádio Base, confira-se o art. 74, da Lei Geral das Comunicações (Lei n. 9.472/973), bem como o art. 28, do Decreto n. 2.056/96 (Aprova o Regulamento do Serviço Móvel Celular4). De outro lado, não passa despercebido que o procedimento que gerou a representação à Procuradoria Geral, para propositura da ação direta de inconstitucionalidade, apontava, em síntese, que o Município, ao permitir a instalação de ERB em áreas públicas, que consistiam em área verde ou em área de lazer, estaria violando direitos constitucionais. No entanto, é certo que a previsão legal geral e abstrata de possibilidade de se utilizar áreas públicas para a implantação de Estações Rádio-Base, por si só, não implica em qualquer inconstitucionalidade, mesmo porque a instalação da infraestrutura passa pelo crivo dos órgãos ambientais competentes, como se verifica a fls. 99/100 e 215, dos autos apensos. Nada obsta, entretanto, caso se verifique pontual ofensa ao meio ambiente ou a outros direitos de natureza difusa ou coletiva, o competente órgão do Ministério Público não está impedido de adotar as providências cabíveis para a tutela transindividual. Concluindo, por não vislumbrar vício hábil a inquinar a higidez do diploma legislativo municipal, o pedido de declaração de inconstitucionalidade não comporta acolhimento. III - Dispositivo. Ante ao exposto, por meu voto, julga-se improcedente a ação direta de inconstitucionalidade.


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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Direta de Inconstitucionalidade 0017102-84.2013.8.26.0000 e Agravo Regimental n° 001710284.2013.8.26.0000/50000, da Comarca de São Paulo, em que é autor/agravado PREFEITO DO MUNICÍPIO DE ALUMÍNIO, e réu/agravante PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE ALUMÍNIO (Voto nº 23.070 – Órgão Especial). ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO IMPROCEDENTE, CASSADA A LIMINAR, PREJUDICADO O AGRAVO REGIMENTAL. V.U. SUSTENTOU ORALMENTE O ADV. DR. JOSÉ AUGUSTO PINTO DO AMARAL.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, XAVIER DE AQUINO, ELLIOT AKEL, CASTILHO BARBOSA, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, ANTONIO VILENILSON, FERREIRA RODRIGUES, PÉRICLES PIZA, EVARISTO DOS SANTOS, SAMUEL JUNIOR, CAUDURO PADIN, RENATO NALINI, ROBERTO MAC CRACKEN, KIOITSI CHICUTA, ENIO ZULIANI, LUIS SOARES DE MELLO, GRAVA BRAZIL, PAULO DIMAS MASCARETTI, ITAMAR GAINO, VANDERCI ÁLVARES, MÁRCIO BÁRTOLI e RUY COPPOLA. São Paulo, 21 de agosto de 2013. ANTONIO LUIZ PIRES NETO, Relator Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Complementar nº 01/2011, do município de Alumínio, que dispõe sobre a implantação do plano de cargos, salários e carreira dos profissionais da área de educação daquele município. Ação apoiada em três fundamentos principais: (I) falta de dotação orçamentária suficiente para suportar o impacto financeiro (considerando a imprecisão do demonstrativo de impacto orçamentário anexado à lei), (II) ofensa ao princípio da isonomia e (III) queda de receita e aumento das despesas com pessoal (acima do limite permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal). Exame da lei impugnada, entretanto, que em Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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VOTO Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Sr. PREFEITO DO MUNICIPIO DE ALUMINIO, com pedido de liminar, tendo por objeto a declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal no 01/2011, que dispõe sobre a implantação do plano de cargos, salários e carreira dos profissionais da área de educação daquele município. Em resumo, o autor alega que (I) a lei impugnada “criou despesas de caráter continuado sem dotação orçamentária suficiente para suportar o impacto financeiro para o

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razão dos fundamentos expostos - depende de prévia análise sobre a alegada impropriedade do demonstrativo de impacto financeiro e sobre a “geração de despesas públicas ao arrepio da lei de Responsabilidade Fiscal (fls. 05/08), o que, por si só, afasta a possibilidade do controle concentrado. A ação direta de inconstitucionalidade, enquanto instrumento de controle normativo abstrato, exercido mediante processo objetivo, não se presta ao exame de circunstâncias fáticas e nem sobre eventual violação de normas infraconstitucionais. Precedentes do STF. “O Supremo Tribunal Federal tem orientação assentada no sentido da impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei quando para o deslinde da questão se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais ou de matéria de fato” (ADI ADI 1286/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 07/02/1996). Reconhecida, nessa parte, a inadequação da via eleita. O Supremo Tribunal Federal também já consolidou entendimento no sentido de que “a ausência de dotação orçamentária prévia em legislação específica não autoriza a declaração de inconstitucionalidade da lei. impedindo tão-somente a sua aplicação” (ADIN 3.599-1, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 21/05/2007), constando, dessa mesma decisão ainda, que a concessão de determinadas vantagens a um grupo determinado de funcionários públicos não implica necessariamente, em ofensa ao princípio da isonomia. Inexistência de vícios de inconstitucionalidade. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE, prejudicado o Agravo Regimental.


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período de 2010/2013, causando desequilíbrio financeiro ao município’’; (II) que o demonstrativo de impacto orçamentário-financeiro que serviu de base à edição da lei impugnada (para atender ao que vem disposto no art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal) contém valores genéricos e imprecisos, que estão distantes da realidade financeira do Município, tratando-se, portanto, de documento fictício; (III) que “merece relevo a queda constante da receita municipal, acarretando déficit tanto orçamentário como financeiro, proveniente da variação negativa do índice de participação dos municípios, gerado pelo valor adicionado decrescente de uma forma acentuada, projetando para o ano de 2013, uma variação negativa de 38,08% sobre o exercício de 2012” (fl. 04); (IV) que com essa variação negativa no crescimento da receita, o cumprimento dos parâmetros relativos às despesas com pessoal, previstos pela Lei 101/2000, ficaram prejudicados a partir da lei impugnada, daí porque alega ter ocorrido violação às disposições do art. 169, parágrafo único, e art. 176, inciso II, ambos da Constituição Paulista, além de ofensa ao principio da isonomia, considerando que as vantagens - destinadas a uma determinada categoria de servidores. Inicialmente o pedido de liminar foi indeferido (fls. 46/48), mas, posteriormente, houve reconsideração dessa decisão, com concessão da liminar “para suspender a eficácia da Lei Complementar nº 01/2011” (fls. 72/73), mantida esse último posicionamento pela decisão de fl. 108, dai porque a Câmara Municipal interpôs Agravo Regimental a fls. 190/202. A Câmara Municipal de Alumínio prestou informações a fls. 113/123. O Procurador Geral do Estado foi citado (fls. 54/55) e apresentou manifestação a fls. 110/111, alegando que os dispositivos da lei impugnada versam sobre matéria exclusivamente local, motivo por que não tem interesse na causa. A douta Procuradoria Geral de Justiça, representada pelo Dr. Sérgio Turra Sobrane, optou pela improcedência da ação (fls. 264/ 270). O SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS DE ALUMINIO requereu sua admissão nos autos como “amicus curiae”, nos termos do art. 7°, § 2°, da Lei n° 9.868, de 10 de novembro de 1999 (fls. 272/293), o que foi deferido a fl. 437. É o relatório. A lei acoimada de inconstitucional é aquela constante do documento de fls. 15/23, redigida da seguinte forma: CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES. Art. 1º. Esta Lei Complementar estabelece o Plano de Salários dos Profissionais da Área de Educação em consonância com os princípios da Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, da Lei Municipal 711, Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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de 13 de dezembro de 2002 e demais legislações correlatas. Parágrafo único. Não poderá ser fixado vencimento inicial da carreira dos Profissionais da Área de Educação, valor inferior ao piso salarial profissional nacional. Art. 2º. O regime jurídico dos Profissionais da Área de Educação é o mesmo dos demais servidores do Município, observadas as disposições específicas desta Lei. CAPÍTULO II DA PROGRESSAO FUNCIONAL E EVOLUÇÃO SALARIAL. Art. 3º. A carreira do integrante dos Profissionais da Área de Educação Municipal far-se-á através de Progressão Funcional e Evolução Salarial. § 1º. A Progressão Funcional e evolução salarial dos Profissionais da Área de Educação Municipal dar-se-á com observância dos critérios mencionados nesta Lei Complementar, assiduidade e avaliação de desempenho e através de títulos, respectivamente, constante do Anexo I, II e art. 4º do Capítulo III, desta Lei. § 2º. A cada obtenção e apresentação de títulos e cumprindo a carga horária para seu aperfeiçoamento, o servidor perceberá adicionais de acordo com o estipulado nesta Lei Complementar. § 3º. Os vencimentos dos Servidores, com os adicionais previstos para progressão funcional e evolução salarial nesta Lei Complementar ficam limitados em, no máximo, ao valor estipulado para a referência do cargo de Diretor de Departamento da Prefeitura Munic1pal de Alumínio. § 4°. Não farão jus à progressão funcional e evolução salarial os Profissionais da Área de Educação que estiverem afastados junto a órgãos da Administração exercendo atividades não correlatas ou não inerentes ao magistério, e ou exercendo cargos de provimento em comissão ou função gratificada na área da educação, salvo o disposto no art. 26, desta Lei Complementar. CAPÍTULO III DA EVOLUÇAO SALARIAL POR TÍTULOS Art. 4°. A evolução salarial por títulos dos Profissionais da Área de Educação tem por objetivo reconhecer a formação acadêmica do profissional, no respectivo campo de atuação, como um dos fatores relevantes para a melhoria da qualidade de seu trabalho e se dará pelo acréscimo de percentuais ao seu salário-base, na forma estipulada neste artigo e mediante apresentação dos documentos de escolaridade aqui refendos, devidamente registrados e expedidos por entidades educacionais reconhecidas.


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e-JTJ - 00 § 1º. Não será concedida a evolução salarial ao título considerado requisito para o acesso ao emprego, caso em que, se reconhecerá a segunda graduação, desde que na área da Educação. § 2º. A porcentagem específica para a evolução salarial por títulos será definida da seguinte forma: I - Certificado de Habilitação em Cursos de Licenciatura Plena na área da Educação e/ ou habilitação em Curso Normal Superior- 10% (dez por cento) sobre o salário-base; II - Certificado de conclusão de cursos lato sensu com duração de 360 (trezentas e sessenta) horas na área da Educação- 15% (quin2e por cento) sobre o salário-base; III - Certificado de conclusão de Curso de Pós-graduação stricto sensu, com título de Mestre na área da Educação- 20% (vinte por cento) sobre seu salário-base. IV- Título de Doutor na área de Educação, com ou sem título de mestre 20% (vinte por cento) sobre seu salário-base. V - Cursos de Aprofundamento, Aperfeiçoamento, Especialização ou Cursos de Extensão, terão acréscimos, sobre o salário base, conforme tabela. § 3°. Os percentuais aplicados a cada interstício não serão acumulados para fins de evolução de que trata o inciso V. § 4°. Caso o número de horas do curso apresentado exceda o necessário solicitado no interstício, o excedente será acrescido para a evolução próxima. § 5º. Poderão ser considerados até 3 (três) cursos de especialização, desde que distintos, sendo que o primeiro se enquadra no inciso II e os demais para evolução constante do inciso V. § 6°. Os títulos e cursos previstos nos incisos I, II, III, IV e V deste artigo, serão para efeito de evolução salarial, considerados apenas uma vez. § 7º. Os títulos poderão ser datados de qualquer período. § 8°. A cada interstício, constante do inciso V, será considerado o período de 4 (quatro anos, sendo que o profissional poderá solicitar no mês de vencimento de seu interstício requerimento com documentação comprobatória ao Departamento de Educação sendo decidido no prazo de 60 (sessenta) dias, fazendo jus aos adicionais a partir da data de aprovação. Art. 5º. Os servidores ocupantes de dois empregos permanentes na área de Educação Municipal terão seus certificados e títulos considerados nos dois empregos. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Art. 10. Para efeitos da progressão funcional por assiduidade e desempenho, a primeira avaliação do Profissional da Área de Educação, compreendem o período de 1º de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2012. Art. 11. A cada interstício de 3 (três) anos, o Profissional da Área de Educação poderá fazer jus ao percentual de 30% (três por cento) sobre seu salário base, a titulo de progressão funcional por desempenho e assiduidade, respeitado o limite previsto no§ 3º do art. 3°, desta Lei Complementar e como estabelecido no Anexo I.

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Parágrafo único. Os cursos constantes do inciso V, serão aceitos uma única vez, especificamente relacionado a cada área de atuação. Art. 6º. Os percentuais referidos no Art. 4º serão computados a partir da estabilização do profissional no cargo, com a aprovação no estágio probatório. Parágrafo único. Decorrido o período do estágio probatório e sendo estabilizado o profissional no cargo, os percentuais poderão ser requeridos pelo interessado a qualquer tempo, mediante requerimento devidamente instruído. Art. 7º. A avaliação dos certificados de capacitação nos cursos de Aprofundamento, Aperfeiçoamento, Especialização ou de Extensão, terá como base o número mínimo de horas exigidas, bem como o programa desenvolvido e se for o caso, a respectiva anotação da avaliação positiva. § 1º. Não serão aceitos cursos de extensão, cuja carga horária seja inferior a trinta horas, salvo quando desenvolvidos pelo Departamento Municipal de Educação ou de outro Departamento da Administração Pública Municipal, Estadual ou Federal. § 2º. A avaliação de sua capacitação considerará a frequência e avaliação positiva, se esta existir, nos Cursos de Aprofundamento, Aperfeiçoamento, Especialização ou Cursos de Extensão. Art. 8°. Os efeitos dos acréscimos a titulo de progressão funcional adquiridos pelos Profissionais da Área de Educação serão mantidos em seu cargo de origem, caso o profissional em virtude de nomeação vier a ocupar emprego em Comissão no Quadro do Magistério Municipal. Art. 9°. O Departamento Municipal de Educação manterá registros individuais e permanentes ao controle e acompanhamento da progressão funcional dos profissionais do Magistério. CAPÍTULO IV DAPROGRESSÃOFUNCIONALPORDESEMPENHOEASSIDUIDADE


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e-JTJ - 00 § 1 °. A progressão funcional por desempenho e assiduidade tem por objetivo reconhecer o crescimento da qualidade e da produtividade do trabalho do Profissional da Área de educação. § 2º. Suspende-se a contagem do interstício no caso de afastamento do servidor e quaisquer circunstâncias, desde que com prejuízo dos vencimentos e vantagens funcionais, exceto para o exercício de cargo em comissão do Magistério. Art. 12. A avaliação de desempenho e assiduidade dos Profissionais da Área de Educação será feita por Comissão de Avaliação de Progressão, que será criada por Decreto do Executivo, com composição de 5 (cinco) membros, sendo 2 (dois) titulares e 3 (três) suplentes por meio de eleição pelos profissionais da educação, sendo o presidente indicado pelo Diretor do Departamento Municipal de Educação. Parágrafo único. A Comissão de Avaliação de Progressão exercerá as suas funções pelo prazo de 2 anos, sendo possível uma única recondução, obedecendo aos critérios de sua nomeação. Art. 13. A avaliação pelo desempenho levará em consideração a avaliação feita pelo seu superior imediato, seguindo os critérios descritos na tabela do Anexo II. Parágrafo único. Os pontos somados nos critérios do Anexo II de desempenho seguirá a seguinte tabela: .......................................... Art. 14. Para efeito de verificação do desempenho e assiduidade serão computados: desempenho peso 4 (quatro), assiduidade peso 6 (seis). Parágrafo único. O profissional deverá obter o mínimo de 7 (sete) pontos igual a soma do desempenho e assiduidade para obter a progressão, e com a reprovação, o profissional não fará jus à progressão funcional. Art. 15. No caso de reprovação em um dos critérios, o processo de avaliação do profissional será retomado no ano seguinte ao da avaliação. Parágrafo único. Para retomada da nova avaliação serão considerados os três últimos anos, incluindo o ano da última avaliação. Art. 16. No caso de reprovação o servidor poderá apresentar requerimento solicitando nova avaliação, tendo a administração 60 (sessenta) dias para a sua análise e decisão cabendo ao titular do Departamento Municipal de Educação o reconhecimento do direito ou não da progressão do servidor. CAPÍTULO V DA PROGRESSÃO FUNCIONAL POR ASSIDUIDADE Art. 17. A apuração da assiduidade será feita anualmente, considerado o período do dia 1º (primeiro) de janeiro a 31 (trinta e um) de dezembro Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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de cada ano. Art. 18. A avaliação de assiduidade levará em consideração o efetivo exercício do profissional em pelo menos 94% (noventa e quatro por cento) do ano letivo, que terá a avaliação conforme tabela. ..................................... Art. 19. O formulário para apuração da assiduidade será preenchido pelo Diretor da Escola, que lhe dará ciência do resultado. § 1º. O profissional que se sentir prejudicado poderá pedir reconsideração da decisão no prazo de 5 (cinco) dias úteis após a ciência, em requerimento simples dirigido ao seu superior imediato. § 2º. Não havendo reconsideração ou não sendo o pedido apreciado em 5 (cinco) dias, o interessado poderá interpor recurso à Comissão de Avaliação de Progressão, no prazo de 5 (cinco) dias úteis da ciência da reconsideração ou do final do prazo do seu superior imediato. CAPÍTULO VI DA AVALIAÇÀO DE DESEMPENHO Art. 20. A avaliação de desempenho será feita pelo seu superior imediato, mediante preenchimento do Anexo II da presente Lei. §1º. O profissional que se sentir prejudicado poderá pedir reconsideração da avaliação, no prazo de 5 (cinco) dias úteis após a ciência, em requerimento simples dirigido ao superior imediato. §2°. Não havendo reconsideração ou não sendo o pedido apreciado em 5 (cinco) dias, o interessado poderá interpor recurso à Comissão de Avaliação de Progressão, no prazo de 5 (cinco) dias úteis da ciência da reconsideração ou do final do prazo do seu superior imediato. Art. 21. Recebidas as avaliações, a Comissão de Avaliação de Progressão preencherá ficha individual do profissional, enviando-a ao Diretor do Departamento Municipal de Educação. CAPÍTULO VII DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS. Art. 22. Será formada uma Comissão Especial para avaliação da evolução salarial por certificados, títulos e cursos, constante do art. 4º, I, II, III, IV e V, desta Lei Complementar, retroagindo seus efeitos a 1º de junho de 2011. Art. 23. As horas correspondentes aos cursos realizados anteriormente a esta Lei Complementar, serão consideradas apenas um total de 300 (trezentas) horas, não podendo ser utilizado eventual excesso para o próximo interstício. §1º. Para essa avaliação somente serão considerados os cursos realizados


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até o dia 31 de maio de 2011, e passará a ter o direito de receber os adicionais a partir de 1º de junho de 2011. §2º. Não atingindo as horas exigidas, as mesmas serão aproveitadas e deverão ser completadas até o dia 30 de novembro de 2011 e eventual excesso apurado não será computado para o próximo interstício. Art. 24. A Comissão Especial fará o reenquadramento dos Profissionais da Área de Educação, considerando para efeitos de ascensão funcional aquele que tem de 1.000 (mil) a 3.000 (três mil) dias, inclusive, de efetivo exercício, do nível I para o nível II e para os que têm acima de 3.000 (três mil) dias do nível I para o nível III, até 31 de dezembro de 2009. Parágrafo único. Os efeitos financeiros deste reenquadramento serão considerados a parttr de 1º de janeiro de 2013. Art. 25. O presidente, a ser escolhido pelo Diretor do Departamento de Educação, poderá se dedicar a esta função sem prejuízo de seus vencimentos e vantagens decorrentes de sua função originária. Parágrafo Único. O membro nomeado para a presidência terá o mandato de 2 (dois) anos, com direito a uma única recondução. Art. 26. O profissional que vier exercer outro Emprego ou Comissão, na área da Educação, poderá optar pela sua remuneração do Emprego Efetivo. Art. 27. Esta lei será regulamentada no que couber por Decreto do Executivo. Art. 28. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 29. Revogam-se as disposições em contrário. O autor alega que essa lei “criou despesas de caráter continuado sem dotação orçamentária suficiente para suportar o impacto financeiro para o período de 2010/2013, causando desequilíbrio financeiro ao município” (fl. 03). Isso porque o demonstrativo de impacto orçamentário-financeiro que serviu de base à edição daquela lei (para atender ao que vem disposto no art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal) contêm valores genéricos e imprecisos, que estão distantes da realidade financeira do Município, tratando-se, portanto, de documento fictício, daí porque teria ocorrido violação às disposições do art.

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2 Art. 176. São vedados: II – a realização de despesas ou assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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1 Art. 169. A despesa de pessoal ativo e inativo ficará sujeita aos limites estabelecidos na lei complementar a que se refere o artigo 169 da Constituição Federal. Parágrafo único. A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos ou a alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, só poderão ser feitas: 1 – se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; 2 – se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

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169, parágrafo único1, e art. 176, inciso II2, ambos da Constituição Paulista, além de ofensa ao princípio da isonomia (art. 5°, “caput”, da CF), considerando que as vantagens estão destinadas a uma determinada categoria de servidores, em detrimento das demais categorias. A presente ação direta de inconstitucionalidade, portanto, está apoiada em três fundamentos principais: (i) falta de dotação orçamentária suficiente para suportar o impacto financeiro (art. 169, parágrafo único, n° 1, c.c. art. 172, inciso II, ambos da Constituição Estadual), observando-se, nessa parte, que o demonstrativo que serviu de base à edição daquela lei (para atender ao que vem disposto no art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal) teria indicado valores genéricos e imprecisos, que estão distantes da realidade financeira do Município; (ii) ofensa ao princípio da isonomia; e (iii) queda de receita e aumento das despesas com pessoal (acima do limite permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal). Quanto ao primeiro fundamento (alegação de criação de despesas sem dotação orçamentária suficiente), é importante considerar, desde logo, que esse questionamento não se refere, na verdade, à falta de demonstrativo de impacto financeiro, e sim à idoneidade desse demonstrativo (que teria sido elaborado à época da edição da lei impugnada com valores genéricos e imprecisos, distantes da realidade financeira do Município). Sob esse aspecto, confira-se a alegação da petição inicial (fl. 03): “Na ocasião, o Prefeito Municipal em exercício declarou que existia dotação orçamentária e recursos financeiros para atender o aumento decorrente da lei, amparado pelo demonstrativo do impacto orçamentário-financeiro (doc. Anexo), para fins de atendimento do disposto no art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Todavia, o Município de Alumínio vem enfrentando graves problemas financeiros, especialmente com a redução de repasse de


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verbas de ICMS pelo governo de Estado, onerando sobremaneira sua folha de pagamento nos últimos anos, tendo ultrapasso o limite legal de 54% nos anos de 2011 (53,6394) e 2012 (61,35%).” Entretanto, a ação direta de inconstitucionalidade, enquanto instrumento de controle normativo abstrato, exercido mediante processo objetivo, não se presta ao exame de circunstâncias fáticas ou de eventual violação de normas infraconstitucionais, senão ao simples cotejo com o parâmetro constitucional de controle. De fato, “o Supremo Tribunal Federal tem orientação assentada no sentido da impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais ou de matéria de fato” (ADI 1286/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 07/02/1996), daí porque não teria sentido, aqui, alguma consideração sobre interesses subjetivos (como, por exemplo, “déficit” orçamentário, queda de receita e desequilíbrio financeiro no município, nessa parte incluídos os “graves problemas financeiros, especialmente com a redução de repasse de verbas do ICMS pelo governo do Estado, onerando sobremaneira sua folha de pagamento nos últimos anos, tendo ultrapassado o limite legal de 54% nos anos de 2011 (53,6394) e 2012 (61,35%)” - fl. 03 ou sobre a incompatibilidade entre o demonstrativo de impacto orçamentáriofinanceiro apresentado à época da criação da lei e aquele mencionado pelo autor na petição inicial. Em julgado mais recente, aliás, o STF deixou expresso que “esse cotejo não é admissível em sede de controle abstrato, pois exige análise casuística e documental-orçamentária incompatível com o juízo que se faz nesse tipo de controle” (ADI 3599-1/DF. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 21/05/2007). E no presente caso, parece evidente que o exame da lei impugnada, pelos fundamentos expostos na petição inicial, não pode ser realizado sem prévio exame sobre a alegação erro ou inadequação do demonstrativo de impacto financeiro e sobre a “geração de despesas públicas ao arrepio da lei de Responsabilidade Fiscal” (fls. 05/08), o que afasta a possibilidade de controle normativo abstrato. Nesse particular, é elucidativo o fundamento invocado pelo Min. CELSO DE MELLO no julgamento da ADI n° 842. “Não se legitima a instauração do controle normativo abstrato quando o juízo de constitucionalidade depende, para efeito de sua prolação, do prévio cotejo entre o ato estatal impugnado e o conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais editadas pelo Poder Público. A ação direta não pode ser deflagrada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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exige que o exame in abstrato do ato estatal impugnado seja realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e um desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato questionado”. É certo que este C. Órgão Especial, em julgado recente, decidiu pela inconstitucionalidade de lei (do mesmo município de Alumínio), que instituiu gratificação natalícia a servidores públicos em caso aparentemente (apenas aparentemente) parecido com o presente (ADIN 0017100-17.2013.8.26.0000, Rel. Des. Enio Zuliani, j. 31/07/2013). É que naquele caso não houve indicação dos recursos disponíveis para suportar os novos encargos, senão uma simples e genérica menção à existência de “dotações próprias”, sem alguma outra referência específica à fonte de custeio, razão pela qual, por votação unânime, decidiu-se pela procedência daquela ADIN pelo fundamento referente à violação do art. 169 da Constituição Estadual, conforme segue: “Ora, ainda que conste da norma impugnada a previsão de que ‘as despesas decorrentes da execução da presente lei correrão à conta de dotações próprias a serem previstas em Lei Orçamentária Anual’, a referida previsão não supre a necessidade de definição específica da fonte de custeio total da benesse, o que não se indicou, estando patente a afronta às regras estabelecidas na CF e na Constituição Estadual, como esposado”. Aqui, entretanto, a situação é diferente, pois, o então Prefeito Municipal de Alumínio, ao apresentar o Projeto de Lei Complementar, instituindo o plano de cargos, salários e carreira dos profissionais da área de educação daquele município, cumpriu, naquela oportunidade, os requisitos legais (para validade do processo legislativo), declarando, por exemplo, existir “dotação orçamentária e recursos financeiros para atender o Projeto de Lei Complementar nº 01, de 19/09/2011” (fl. 367). E, embora não tenha constado expressamente do texto da lei a origem desses recursos, seu impacto financeiro deixou claro que os novos encargos suportados com recursos repassados pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB (fl. 368). Aliás, a Lei Federal nº 11.494, de 20 de junho de 2007, dispõe expressamente em seu artigo 2° que o mencionado fundo (FUNDEB) destina-se “à manutenção e ao desenvolvimento da educação básica pública e à valorização


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dos trabalhadores em educação, incluindo sua condigna remuneração”, significando que a fonte de custeio, neste caso, é indicada pela própria lei: Art. 1°. É instituído, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de natureza contábil, nos termos do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias- ADCT. Parágrafo único. A instituição dos Fundos previstos no caput deste artigo e a aplicação de seus recursos não isentam os Estados, o Distrito Federal e os Municípios da obrigatoriedade da aplicação na manutenção e no desenvolvimento do ensino, na forma prevista no art. 212 da Constituição Federal e no inciso VI do caput e parágrafo único do art. 10 e no inciso I do caput do art. 11 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, de: I - pelo menos 5% (cinco por cento) do montante dos impostos e transferências que compõem a cesta de recursos do Fundeb, a que se referem os incisos I a IX do caput e o § 1º do art. 3º desta Lei, de modo que os recursos previstos no art. 3° desta Lei somados aos referidos neste inciso garantam a aplicação do mínimo de 25% (vinte e cinco por cento) desses impostos e transferências em favor da manutenção e desenvolvimento do ensino; II – pelo menos 25% (vinte e cinco por cento) dos demais impostos e transferências”. Dessa forma, independentemente de alguma consideração a respeito da idoneidade ou adequação do demonstrativo de impacto financeiro, a verdade é que o requisito exigido para validade do processo legislativo, sob esse aspecto, foi devidamente cumprido. Com relação aos demais fundamentos a ação também é improcedente. Anota-se, antes de tudo, que a falta de prévia autorização na Lei de DiretrizesOrçamentáriasnãofoiinvocadacomoparâmetroparareconhecimento da alegada inconstitucionalidade (talvez porque não tenha ocorrido essa falha legislativa, já que não existe alguma informação nesse sentido nos autos), mas, ainda que se considere também esse fundamento (o que é possível porque a ação direta de inconstitucionalidade tem causa de pedir aberta), ainda assim não se justificaria o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei. É que o Supremo Tribunal Federal também já consolidou entendimento no sentido de que “a ausência de dotação orçamentária prévia em legislação específica não autoriza a declaração de inconstitucionalidade da lei, impedindo tão-somente a sua aplicação” (ADIN 3.599-1, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 21/05/2007). E mais: Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI CATARINENSE Nº 9.901, DE 31.07.95: CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EFETIVO DE FISCAIS DE TRIBUTOS ESTADUAIS E DE AUDITORES INTERNOS. ALEGAÇÃO DE QUE A EDIÇÃO DA LEI NAO FOI PRECEDIDA DE PRÉVIA DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA NEM DE AUTORIZAÇÃO ESPECÍFICA NA LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS (ART. 169, PAR. ÚNICO, I E II, DA CONSTITUIÇÃO). Eventual irregularidade formal da lei impugnada só pode ser examinada diante dos textos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei do Orçamento Anual catarinense: não se está, pois, diante de matéria constitucional que possa ser questionada em ação direta. Interpretação dos incisos I e II do par. Único do art. 169 da Constituição, atenuando o seu rigor literal: é a execução da lei que cria cargos que está condicionada às restrições previstas, e não o seu processo legislativo. A falta de autorização nas leis orçamentárias toma inexequível o cumprimento da Lei no mesmo exercício em que editada, mas não no subsequente. Precedentes: Medidas Liminares nas ADIS n°s. 484-PR (RTJ 137/1.067) e 1.243-MT (DJU de 27.10.95). “Ação Direta de Inconstitucionalidade não conhecida, ficando prejudicado o pedido de medida cautelar” (ADI n° 1.428-5/SC, Rel. Min. Mauricio Corrêa, j. 01/04/1996). “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR Nº 33 DE 7 DE DEZEMBRO DE 1994, DO ESTADO DE MATO GROSSO. ALEGADA INCOMPATIBILIDADE COM O ART. 169, CAPUT, PARÁGRAFO ÚNICO E INCISOS, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR DE SUSPENSAO DE SUA VIGÊNCIA. Impossibilidade do confronto da norma em apreço com o caput do art. 169 da Constituição, sem apreciação de matéria de fato, circunstância bastante para inviabilizar, nesse ponto, a ação direta de inconstitucionalidade. De outra parte, a ausência de autorização específica, na lei de diretrizes orçamentárias, de despesa alusiva a nova vantagem funcional, não acarreta a inconstitucionalidade da Lei que a instituiu, face à norma do art. 169, parágrafo único, inc. II, da CF, impedindo tão-somente a sua aplicação. Ação declaratória de inconstitucionalidade não conhecida” (ADI 1292-4/MT, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 23/08/1995). No corpo do voto, o eminente relator, referindo-se, especificamente ao art. 169, § 1°, inciso II, da Constituição Federal, deixou claro os motivos de


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seu convencimento, mencionando, inclusive, precedentes do STF no mesmo sentido: “Obviamente, essas exigências não constituem pressupostos de validade. em si, da lei concessória da vantagem funcional, mas tãosomente da legitimidade do pagamento desta. Do contrário, haver-seia de acrescentar o instinto premonitório às qualidades que devem ser exibidas pelos encarregados da elaboração da LDO e do orçamento, para que se pudesse assegurar, na LDO alusiva a determinado exercício, de ordinário editada em julho, autorização prévia para leis da espécie, eventualmente elaboradas no curso do segundo semestre do ano em causa. Nesse sentido, o voto do eminente Ministro Célio Borja, na ADI 484 (cautelar), onde foi observado ‘que a inexistência de autorização na lei de Diretrizes Orçamentárias toma inexequíveis no exercício em que ela vige, as providências não autorizadas. Mas não as invalida, nem nulifica’. Na verdade, o objetivo da norma é prevenir a efetivação de despesas não autorizadas, capazes de impossibilitarem a execução do orçamento aprovado, nada impedindo que uma despesa não autorizada para um determinado exercício venha a sê-lo para exercício posterior. Por outro lado, parece fora de dúvida que, uma vez autorizada para determinado exercício, a vantagem incorpora-se definitivamente à despesa pública, dispensando-se nova autorização para os exercícios futuros. Ainda sob esse aspecto, destaca-se o fundamento adotado pelo Ministro Maurício Corrêa no julgamento da ADI ll0 1.428-5: “Há precedentes desta Corte, em situações semelhantes, que interpretaram as disposições dos incisos I e II do par. Único do art. 169 da Constituição, atenuando o seu rigor literal, ao entenderem que é, tão-somente, a aplicação da lei que está condicionada às restrições constitucionais nele previstas, e não o processo legislativo”. Este C. Órgão Especial, em julgado recente, por votação unânime, também decidiu nesse sentido, proclamando que “a inobservância da regra orçamentária prevista no art. 169, § 1°, da Constituição Federal não acarreta a inconstitucionalidade de lei que concede aumento de remuneração aos servidores públicos, importando, porém, em sua ineficácia para o correspondente exercício orçamentário” (Arguição de Inconstitucionalidade n. 0240631-85.2012.8.26.0000, Rei. Des. Artur Marques, j 23/01/2013). Por fim, não há falar-se em ofensa ao princípio da isonomia, porque “revela-se constitucional a norma que concede aumentos para determinados grupos, desde que tais reajustes sejam devidamente compensados, em caso de Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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3 Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: ............... V – valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso de provas e títulos.”

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eventual revisão geral anual” (ADI nº 2.726, Rel. Min. Mauricio Corrêa, DJ 29/08/2003). Ademais, a norma impugnada, no presente caso, embora contemple vantagens econômicas em favor dos servidores, não foi editada para o fim de conceder aumento salarial, e sim para instituir plano de carreira dos profissionais da área da educação, em conformidade, aliás, com a disposição do art. 206, inciso V, da Constituição Federal3, daí porque - em se tratando de lei que visa garantir direitos constitucionais de determinada categoria profissional não poderia, obviamente, beneficiar profissionais de outras áreas, o que afasta, por si só, a alegação de ofensa ao princípio da isonomia. Todas essas questões foram abordadas com propriedade no parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça: “Não se pode trazer ao debate a questão acerca de eventual violação da Lei Complementar Federal no 1 O1I 2000, pelo impacto orçamentário financeiro que foi anexado a lei impugnada, pois, na ação direta de inconstitucionalidade só se admite o cotejo da lei impugnada, no caso a Lei Complementar n° 01/2011, do Município de Alumínio, com o parâmetro constitucional de controle. Não se permite, em outras palavras, a verificação de circunstância fática ou a análise conjugada de espécies normativas infraconstitucionais. No restrito âmbito do controle abstrato de normas que se desenvolve perante o Tribunal com fundamento no art. 125, § 2°, da Constituição Federal não existe espaço para o que a jurisprudência denomina de inconstitucionalidade reflexa ou indireta. ................................. De resto, justifica-se a distinção em relação aos demais servidores públicos em face das características da carreira da área de educação. A evolução salarial implantada pelo ato normativo impugnado representa, ao mesmo tempo, incentivo e prêmio aos servidores que buscam aperfeiçoamento e atualização profissional. Servidor melhor capacitado importa em melhoria na qualidade dos serviços educacionais, Não se pode, portanto, afirmar violação do princípio da isonomia” (fls. 269 /270). Assim sendo, existindo posicionamento consolidado no Supremo Tribunal Federal no sentido de que os fatos alegados na petição inicial não acarretam a inconstitucionalidade das normas, é caso de julgar-se improcedente a ação,


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com apoio no principio da presunção de constitucionalidade que milita em favor das leis, em conformidade, aliás, com o ensinamento de LUÍS ROBERTO BARROSO, no sentido de que “havendo alguma interpretação possível que permita afirmar-se a compatibilidade da norma com a Constituição, em meio a outras que carreavam para ela um juízo de invalidade, deve o intérprete optar pela interpretação legitimadora, mantendo o preceito em vigor” (“Interpretação e Aplicação da Constituição”. Ed. Saraiva/SP, 1998, p. 164- 165). Pelo exposto e em suma, cassada a liminar de fls. 72/73, JULGA-SE IMPROCEDENTE a ação, ficando prejudicado o Agravo Regimental.

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0019417-85.2013.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é autor PREFEITO DO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO, é réu PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE RIBEIRÃO PRETO. ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 37.323) O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, XAVIER DE AQUINO, ELLIOT AKEL, CASTILHO BARBOSA, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, ANTONIO VILENILSON, FERREIRA RODRIGUES, PÉRICLES PIZA, EVARISTO DOS SANTOS, RENATO NALINI, ROBERTO MAC CRACKEN, LUIS SOARES DE MELLO, GRAVA BRAZIL, PAULO DIMAS MASCARETTI, LUIS GANZERLA, ARANTES THEODORO, TRISTÃO RIBEIRO, MÁRCIO BÁRTOLI, JOÃO CARLOS SALETTI e RUY COPPOLA. São Paulo, 2 de outubro de 2013. GUERRIERI REZENDE, Relator Ementa: “Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta contra a Lei Municipal n. 12.920, de 30 de novembro de 2012, de Ribeirão Preto. Inversão, em âmbito municipal, da ordem das fases de habilitação dos concorrentes e da abertura dos envelopes contendo as propostas. Inadmissibilidade. Regras previstas pela Lei Nacional n. 8.666/93. Se é privativa Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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VOTO l. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Prefeita Municipal de Ribeirão Preto, contra os dispositivos da Lei Municipal n. 12.920, de 30 de novembro de 2012, promulgada pela Câmara Municipal após rejeição do veto integral ao projeto de Lei nº 1.128/12 pela requerente. Referida norma dispõe “sobre a inversão das fases [da licitação] e quanto à publicidade das licitações públicas realizadas no Município de Ribeirão Preto”. A demandante alega, em síntese, que o Poder Legislativo local usurpou competência privativa do Chefe do Poder Executivo ao legislar sobre tema relacionado à direção superior da administração e orçamento, criando despesas sem indicar os recursos disponíveis para fazer frente aos novos encargos, ferindo de morte o princípio da independência e separação dos Poderes. Pede liminarmente a suspensão da lei. Foi concedida liminar suspendendo a eficácia da Lei Municipal n. 12.920/12 (fls. 32/33). Citada, a Câmara Municipal de Ribeirão Preto, representada por seu Presidente, apresentou suas informações defendendo a constitucionalidade da norma (fls.48/50). Instado a se manifestar para os fins do artigo 90, § 2º, da Constituição Bandeirante, o Procurador Geral do Estado externou desinteresse na defesa dos dispositivos impugnados, pois tratam de matéria exclusivamente local (fls. 44/46). A D. Procuradoria de Justiça opinou pela procedência da demanda (fls. 53/65). 2. De proêmio, observa-se que relevante questão que poderia surgir no presente caso já foi enfrentada por este col. Órgão Especial ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 130.227-0/0, ocasião em que fixou o entendimento de que não constitui em usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal pelo Tribunal de Justiça o controle de constitucionalidade de

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a competência da União para legislar sobre normas gerais de licitação, violenta o sistema jurídicoconstitucional federal e federado a norma municipal que contraria o artigo 144 da Constituição Paulista, na medida em que referida norma feriu o princípio federativo, ao desrespeitar os princípios de repartição constitucional de competências. Inconstitucionalidade material configurada. Ofensa ao artigo 144. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade da norma municipal”.


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lei municipal em face do artigo 144 da Constituição Bandeirante, norma de repetição, resultante do princípio da simetria. Dessarte, podendo conhecer da matéria, passa-se ao mérito. 3. O pedido é procedente. Diz a lei impugnada: “Artigo 1º - As licitações no âmbito do Município de Ribeirão Preto sujeitar-se-ão à legislação federal e às normas específicas desta lei. § 1º - Subordinam-se ao regime desta lei os órgãos da administração municipal direta, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta e ou indiretamente pelo Município. § 2º - Aplica-se o procedimento especial da presente legislação também para a Câmara Municipal de Ribeirão Preto. Artigo 2º - A licitação será processada e julgada, observadas as seguintes etapas consecutivas: I - realização de sessão pública em dia, hora e local designados para recebimento dos envelopes contendo as propostas e os documentos relativos à habilitação, bem como da declaração dando ciência de que o licitante cumpre plenamente os requisitos de habilitação; II - abertura dos envelopes contendo as propostas dos concorrentes; III - verificação da conformidade e compatibilidade de cada proposta com os requisitos e as especificações do edital ou convite e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou os fixados pela Administração ou pelo órgão oficial competente ou, ainda, com os preços constantes do sistema de registro de preços, quando houver, promovendose a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis; IV - julgamento e classificação das propostas, de acordo com os critérios de avaliação do ato convocatório; V - devolução dos envelopes fechados aos concorrentes desclassificados, com a respectiva documentação de habilitação, desde que não tenha havido recurso ou após a sua denegação; VI - abertura dos envelopes e apreciação da documentação relativa à habilitação do concorrente cuja proposta tenha sido a classificada como primeira colocada na fase de propostas; VII - deliberação da Comissão de Licitação sobre a habilitação da primeira colocada da fase de propostas; VIII - se a oferta não for aceitável ou se o licitante desatender às exigências habilitatórias, a Comissão examinará as ofertas subsequentes e a qualificação dos licitantes, na ordem de classificação, e assim Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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sucessivamente, até a apuração de uma que atenda ao edital, sendo o respectivo licitante declarado vencedor; IX - deliberação final da autoridade competente quanto à homologação do procedimento licitatório e adjudicação do objeto da licitação ao licitante vencedor, no prazo de até 10 (dez) dias úteis após o julgamento. § 1º - As licitações do tipo melhor técnica e técnica e preço terão início com a abertura das propostas técnicas, as quais serão analisadas e julgadas pela Comissão de Licitação. § 2º - A autoridade competente poderá, por decisão fundamentada, determinar que o processamento da licitação obedeça a ordem prevista na legislação federal. § 3º - Todos os documentos e propostas serão rubricados pelos licitantes presentes e pela Comissão. § 4º - É facultado à Comissão ou autoridade superior, em qualquer fase da licitação, promover diligência destinada a esclarecer ou complementar a instrução do processo licitatório, vedada a criação de exigência não prevista no edital. § 5º - Para os efeitos do disposto no inciso VI deste artigo, admitir-se-á o saneamento de falhas, desde que, a critério da Comissão de Licitação, os elementos faltantes possam ser apresentados no prazo máximo de 3 (três) dias, sob pena de inabilitação do licitante e aplicação da multa prevista no edital. § 6º - Os erros materiais irrelevantes serão objeto de saneamento, mediante ato motivado da Comissão de Licitação. § 7º - É vedada a participação de uma única pessoa como representante de mais de um licitante. § 8º - O disposto neste artigo aplica-se à concorrência e, no que couber, às demais modalidades de licitação. § 9º - Não cabe desistência de proposta durante o processo licitatório, salvo por motivo justo decorrente de fato superveniente e aceito pela Comissão ou pelo pregoeiro. § 10º - Ultrapassada a fase de habilitação dos concorrentes e abertas as propostas, não cabe desclassificá-los por motivo relacionado com a habilitação, salvo em razão de fatos supervenientes ou só conhecidos após o julgamento. § 11º - Poderá a autoridade competente, até a assinatura do contrato, excluir o licitante ou o adjudicatário, por despacho motivado, se, após a fase de habilitação, tiver ciência de fato ou circunstância,


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e-JTJ - 00 anterior ou posterior ao julgamento da licitação, que revele inidoneidade ou falta de capacidade técnica ou financeira. § 12º - O licitante que ensejar o retardamento do certame, não mantiver a proposta ou fizer declaração falsa, inclusive aquela prevista no inciso I deste artigo, garantido o direito prévio de citação e ampla defesa, ficará impedido de licitar e contratar com a Administração, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais. § 13º - As licitações processadas por meio de sistema eletrônico observarão procedimento próprio quanto ao recebimento de documentação e propostas, sessões de apreciação e julgamento e arquivamento dos documentos. Artigo 3º - As formas e prazos de publicidade de atos convocatórios são aqueles a seguir definidos: I - editais de concorrência serão publicados, ao menos uma vez, no Diário Oficial do Município e em jornal de grande circulação local, com antecedência mínima de 30 (trinta) dias entre a primeira publicação e a data para recebimento de documentação e propostas ou para recebimento dos trabalhos; II - editais de tomada de preços serão publicados, por uma vez, no Diário Oficial do Município, observando-se o prazo mínimo de 15 (quinze) dias entre a publicação e a data de recebimento de documentação e propostas; III - instrumentos convocatórios de convite serão encaminhados diretamente a, pelo menos, 3 (três) potenciais interessados, cadastrados ou não, com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis entre a data de entrega e a designada para recebimento de propostas; § 1º - As publicações serão feitas resumidamente, contendo os dados essenciais à identificação do certame, por modalidade e número de registro; do órgão licitante; objeto licitado; data, hora e local designados para o recebimento de documentos e propostas, e endereço e telefone do local onde os interessados poderão obter a íntegra do edital e esclarecimentos suplementares. § 2º - Os atos convocatórios, sem distinção de modalidade, serão sempre disponibilizados para consulta nas repartições e divulgados seus extratos pela Internet. § 3º - Publicar-se-á no mesmo prazo fixado nos incisos deste artigo, o edital ou carta-convite em sítio oficial do órgão que promova o Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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certame, de modo que seja possibilitado o acesso gratuito do inteiro teor do instrumento convocatório por meio de mídia eletrônica. § 4º - Deverá o órgão promotor do certame, observar os prazos estabelecidos nas legislações federais quando o mesmo for superior ao estabelecido neste artigo. § 5º - Também poderão ser utilizadas as modalidades de licitação que possam ser processadas por meio eletrônico, observada a legislação federal pertinente. Artigo 4º - As modificações no edital exigem divulgação pela mesma forma dada ao texto original, reabrindo-se o prazo inicialmente estabelecido. § 1º - Quando a alteração não afetar de forma substancial a formulação da proposta, o prazo de divulgação poderá ser reaberto pela metade, por deliberação da Comissão de Licitação. § 2º - Quando a mudança não implicar alterações ou reformulação da proposta, ou o cumprimento de novas exigências, não haverá necessidade de reabertura de prazo. Artigo 5º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”. 4. Examinada a questão a fundo, a inconstitucionalidade da norma municipal é incontornável. A violência ao sistema jurídico-constitucional federal e federado consubstanciou-se na contrariedade da lei municipal em face do artigo 144 da Constituição Paulista, na medida em que referida norma feriu o conceito de Federação, ao desrespeitar os princípios de repartição constitucional de competências, violando o princípio federativo. Como a lei impugnada subverteu, no âmbito municipal, a ordem das fases de habilitação dos concorrentes e de abertura dos envelopes contendo as propostas, previstas pela Lei Nacional n. 8.666/93, é patente a ocorrência de vício material, pois compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação, nos termos previstos pelo inciso XXVII do artigo 22 da Constituição Federal. 5. Pelo exposto, julga-se procedente a ação, declarando a inconstitucionalidade da Lei n. 12.920, de 30 de novembro de 2012, do Município de Ribeirão Preto.


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Inconstitucionalidade nº 0107583-93.2013.8.26.0 000, da Comarca de São Paulo, em que é autor FEDERAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS MUNICIPAIS DO ESTADO DE SÃO PAULO FUPESP, são réus PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTANA DE PARNAÍBA e PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE SANTANA DE PARNAÍBA. ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “AFASTARAM A PRELIMINAR E JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 29.529) O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, GUERRIERI REZENDE, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, XAVIER DE AQUINO, CASTILHO BARBOSA, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, ANTONIO VILENILSON, FERREIRA RODRIGUES, PÉRICLES PIZA, RENATO NALINI, ROBERTO MAC CRACKEN, LUIS SOARES DE MELLO, GRAVA BRAZIL, PAULO DIMAS MASCARETTI, LUIS GANZERLA, ARANTES THEODORO, TRISTÃO RIBEIRO, MÁRCIO BÁRTOLI, JOÃO CARLOS SALETTI e RUY COPPOLA. São Paulo, 2 de outubro de 2013. EVARISTO DOS SANTOS, Relator Ementa: IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO Inconstitucionalidade de norma municipal em face da Constituição Estadual. Possível apreciação por esta Corte Estadual. Preliminar afastada. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Art. 112, incisos I, II e III da Lei Complementar nº 034, de 25.05.11 do Município de Santana de Parnaíba. Licença para desempenho de mandato classista. Norma local que condiciona o afastamento de servidores para desempenho de mandato classista ao número de associados da respectiva associação/ sindicato. Restrição que inviabiliza a livre associação e organização sindical. Violação ao art. 125 da Constituição Estadual. Precedentes. Ação procedente.

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VOTO l. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, proposta pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo, do art. 112, caput e incisos I, II e III, da Lei Complementar nº 034, promulgada em 25.05.11, do Município de Santana de Parnaíba, sob a alegação de instituir requisitos para o afastamento de servidor efetivo investido em mandato de dirigente sindical ou de associação de classe. Sustentou, em resumo, sua legitimidade ativa e a inconstitucionalidade das restrições impostas. Violados art. 8º, I, da CF e arts. 125, §§ 1º e 2º e 144 da CE. Condicionar o afastamento ao número de associados impede o livre exercício da liberdade sindical. Mencionou jurisprudência. Daí o reconhecimento da inconstitucionalidade (fls. 02/13). A Câmara Municipal de Santana de Parnaíba encaminhou cópia, na íntegra, do Processo Legislativo (fls. 124/305). O Município de Santana de Parnaíba prestando informações, preliminarmente arguiu a impossibilidade jurídica do pedido. Possível aos Tribunais Estaduais, julgarem apenas ADI de leis ou atos normativos estaduais e municipais em face da CE e não da CF. No mérito, Município possui autonomia e competência para legislar sobre interesse local. Inocorreu afronta a CE ou CF. Inexiste qualquer restrição ao servidor municipal para exercício de cargo de direção ou representação classista. Daí a improcedência da ação (fls. 311/326). A Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, citada (fls. 308/309), manifestou seu desinteresse na ação (fls. 328/330). Manifestou-se a Douta Procuradoria de Justiça pela improcedência da ação (fls. 332/341). É o relatório. 2. a) Quanto à impossibilidade jurídica do pedido. Funda-se o pleito na inconstitucionalidade do art. 112, caput e os incisos I, II e III da Lei Complementar nº 034 de 25.05.11 do Município de Santana de Parnaíba diante do disposto nos arts. 125 e §§ 1º e 2º e 144 da Constituição Estadual. O Município sustenta a impossibilidade jurídica do pedido uma vez que a esta Corte Estadual não é possível apreciar suposta inconstitucionalidade de norma municipal em face da Constituição Federal. Ora, como bem observou a Douta Procuradoria de Justiça: “embora tenha a autora mencionado a violação do princípio da liberdade sindical (art. 8º, I, da Constituição Federal), deixou claro na inicial que o parâmetro de controle de constitucionalidade seria o art. 125, §§ 1º e 2º, da Constituição Estadual.” (fls. 334).


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Ademais, como já se decidiu neste Colendo Órgão Especial: “... não se vislumbra a alegada usurpação da competência do STF e nem é caso de controle da constitucionalidade de lei municipal em face da Constituição Federal. Desse modo, o conhecimento e julgamento da presente ação declaratória de inconstitucionalidade não implica violação aos arts. 102, I, ‘a’ e 125, § 2º, da CF.” “Não se trata de hipótese em que a Constituição do Estado faz simples remissão à Constituição Federal. O artigo da lei municipal está sendo impugnado perante dispositivos específicos da Constituição do Estado de São Paulo, os quais, como é natural e exigível, muitas vezes são simétricos aos da Carta Magna.” “O parâmetro para o controle não é a Constituição Federal, mas sim a própria Constituição Bandeirante, já que a ação está sendo julgada com base em seus arts. 111; 115, XI, X e XV; 124, § 3º; 124, § 3º; 128; e, 144, sem olvidar que as regras tratadas são coincidentes por força do princípio da simetria que orienta o poder constituinte derivado decorrente.” “Além disso, é preciso ressaltar que a lei maior do Estado permite a interpretação de que não somente cabe ação direta no Tribunal Estadual quando há ofensa direta ao seu texto, mas, também quando ocorre lesão reflexão, o que justifica a procedibilidade.” (AgRg nº 0.014.607-04.2012.8.26.0000/50000 - p.m. de v. de 30.05.12 Rel. Des. ÊNIO ZULIANI) De impossibilidade jurídica do pedido, portanto, não há falar. Afasto a preliminar. b) Procedente a ação. O Município de Santana de Parnaíba ao dispor sobre o Estatuto de seus servidores - Lei Complementar nº 034, de 25.05.11, disciplinou a licença para desempenho de mandato classista nos seguintes termos: “Art. 112. O servidor ocupante de cargo em provimento efetivo investido em mandato de dirigente sindical ou de associação de classe, que congregue no mínimo, 300 associados, poderá requerer o afastamento de seu cargo, obedecidos os seguintes critérios:” “I - no caso de associação de classe ou sindical que congregue entre 301 e 500 servidores, é facultado o afastamento de um dirigente;” “II - no caso de associação de classe ou sindical que congregue entre 501 a 2000 servidores, é facultado o afastamento de até três dirigentes;” “III - no caso de associação de classe ou sindical que congregue mais de 2000 servidores, aplica-se o disposto no inciso anterior, facultado o Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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afastamento, para cada 2000 servidores além desse limite, de mais um dirigente, até no máximo de 12 (doze) afastamentos.” (fls. 87). Segundo a Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP, norma local condicionando o afastamento de servidores para desempenho de mandato sindical ou classista ao número de associados do respectivo sindicato ou associação padece de evidente inconstitucionalidade diante do disposto na Constituição Estadual: “Art. 125. O exercício do mandato eletivo por servidor público far-se-á com observância do art. 38 da Constituição Federal.” “§ 1º - Fica assegurado ao servidor público, eleito para ocupar cargo em sindicato de categoria o direito de afastar-se de suas funções, durante o tempo em que durar o mandato, recebendo seus vencimentos e vantagens. nos termos da lei.” “§ 2º - O tempo de mandato eletivo será computado para fins de aposentadoria especial.” Inequívoca a competência conferida pela Constituição Federal aos Municípios para legislarem sobre os seus servidores (“Art. 39 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.”). No mesmo sentido dispõe a Constituição Estadual (“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”). Segundo ensina HELY LOPES MEIRELLES: “... o Município goza de total liberdade na organização do seu pessoal para o melhor atendimento dos serviços de sua competência. Entretanto, há duas regras fundamentais que não pode preterir: a que exige que a organização se faça por lei e a que impõe a observância dos preceitos constitucionais federais pertinentes aos servidores públicos e das leis federais de caráter nacional. Atendidas essas duas regras, a seguir examinadas, ao Município compete criar, alterar e extinguir os cargos necessários à execução dos seus serviços, indicando quais os isolados e os de carreira, quais os de provimento efetivo ou em comissão, quais os requisitos exigidos para o provimento, bem como elaborar o regime jurídico dos seus servidores, tendo em vista, sempre, as peculiaridades, os interesses e as disponibilidades locais.” (“Direito Municipal Brasileiro” Ed. Malheiros - 17ª ed. - p. 622). A autonomia conferida aos Municípios deve necessariamente subordinação às normas constitucionais federais e estaduais, inclusive quanto a


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organização de sua estrutura funcional. Assim, a legislação local ao condicionar a quantidade de servidores que poderão se licenciar para desempenho de dirigente classista ou sindical ao número de associados da respectiva associação ou sindicato impôs restrições inviabilizando o pleno exercício da liberdade de organização sindical e, consequentemente, não encontra respaldo na Constituição Estadual. Assim já se decidiu neste Colendo Órgão Especial: “E foi precisamente isto o que fez o art. 169a da Lei Complementar Municipal impugnada, cujo ‘caput’ limita a concessão da licença ao servidor ‘eleito para o cargo de direção sindical (grifos no original) pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais’, negando o mesmo direito aos demais representantes classistas. (g.n.).” “De igual, representa inaceitável limitação àquele mandamento constitucional o disposto no parágrafo único do artigo 169a, que dita o rito de escolha do servidor a ser licenciado, salientando tratar-se de direito exercível por um único funcionário, escolhido para atuar na ‘representação de direção sindical’.” “A lei municipal, como se vê, restringiu considerável e substancialmente o direito assegurado pela Constituição Bandeirante, tolhendo sua real dimensão e amplitude - destinado que é a quaisquer servidores eleitos para o exercício de mandato classista.” “Assim fez, aliás, mediante ingerência indevida à liberdade de organização sindical, dificultando, senão inviabilizando, seu pleno exercício.” “Infringiu-se, assim, não apenas o disposto no art. 125, § 1º, da Constituição Estadual, como também seu art. 144, ao caracterizar evidente extrapolação dos limites da autonomia legislativa municipal.” “Necessária, portanto, a declaração de inconstitucionalidade do art. 169a do Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Artur Nogueira.” (grifei - ADIn nº 0.183.321-24.2012.8.26.0000 - v.u. j. de 23.01.13 - Rel. Des. LUIS SOARES DE MELLO). E ainda no mesmo sentido: “Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 151 e parágrafos 1º, 2º e 4º, da Lei Complementar n. 01, de 1º de abril de 1993, do Município de Itatinga, alterada pela Lei Complementar n. 112, de 19 de agosto de 2009. Servidor Público Municipal - Disposições que restringem o direito ao afastamento para exercício de mandato de representação sindical/classista. Violação à garantia prevista no § 1º, do art. 125 da Constituição do Estado. Regra de observância obrigatória. Precedentes deste Colendo Órgão Especial. Ação Procedente.” (grifei - ADIn nº Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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0.235.220-95.2011.8.26.0000 - v.u. j. de 25.04.12 - Rel. Des. CAUDURO PADIN). Nem há falar em inconstitucionalidade incidental do preceito (art. 125, § 1° da CE - fls. 338), em tese cabível (Rcl nº 526, Pleno, Rel. Min. MOREIRA ALVES - DJ de 04.04.97), como também aqui já considerado à luz do art. 29 da Constituição Federal (“O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal do respectivo Estado e os seguintes preceitos...”) combinado com o art. 144 da Constituição do Estado (“Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”), na medida em que ele: “... (é) um princípio desdobrado do princípio de liberdade sindical ou, dito de outra forma, um subprincípio que se impõe como limite à autonomia municipal, na forma dos já mencionados artigos 29, da Constituição Federal, e 144, da Constituição Estadual.” (ADIn nº 172.107-0-0 - Rel. Des. WALTER GUILHERME). Em que pese o parecer da Douta Procuradoria de Justiça, é caso de se julgar procedente a ação, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 112, incisos I, II e III da Lei Complementar nº 034, de 25.05.11, do Município de Santana de Parnaíba por afronta ao art. 125, parágrafo primeiro, da Constituição Estadual. 3. Afasto a preliminar. Julgo procedente a ação.

ACÓRDÃO

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0062541-21.2013.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é autor PREFEITO DO MUNICÍPIO DE ANDRADINA, é réu PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE ANDRADINA. ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE EM PARTE. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 15.825) O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, GUERRIERI REZENDE, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, XAVIER DE AQUINO, ELLIOT AKEL, CASTILHO BARBOSA, ANTONIO CARLOS MALHEIROS,


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ANTONIO VILENILSON, FERREIRA RODRIGUES, PÉRICLES PIZA, EVARISTO DOS SANTOS, CAUDURO PADIN, RENATO NALINI, LUIS SOARES DE MELLO, GRAVA BRAZIL, PAULO DIMAS MASCARETTI, LUIS GANZERLA, VANDERCI ÁLVARES, ARANTES THEODORO, TRISTÃO RIBEIRO, MÁRCIO BÁRTOLI, JOÃO CARLOS SALETTI e RUY COPPOLA. São Paulo, 9 de outubro de 2013. ROBERTO MAC CRACKEN, Relator Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Cuidase de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Nobre Prefeito do Município de Andradina/SP, visando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.830, de 24 de maio de 2012, que dispõe “sobre a política municipal de proteção aos mananciais de água destinados ao abastecimento público e dá outras providências, no Município de AndradinaSP” - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL - O argumento de que a matéria tratada na Lei Municipal nº 2.830/2012 seria reservada à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, em frontal violação ao princípio da separação dos Poderes, procede apenas no que tange ao inciso XI, do art. 4º, por ter estabelecido atribuição a órgão da Administração Pública - CONSTITUCIONALIDADE - No mais, a lei munícipe cuidou de matéria de interesse geral da população municipal, sem nenhuma relação com matéria estritamente administrativa, afeta exclusivamente ao Poder Executivo, razão pela qual foi legítima a iniciativa do Poder Legislativo Municipal no trâmite da norma impugnada. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. VOTO Cuida-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Nobre Prefeito do Município de Andradina/SP, visando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.830, de 24 de maio de 2012, que dispõe “sobre a política municipal de proteção aos mananciais de água Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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destinados ao abastecimento público e dá outras providências, no Município de Andradina-SP” (fls. 12). Segundo o Nobre Prefeito do Município de Andradina/SP, em síntese: A. há vício de inconstitucionalidade formal por defeito de iniciativa na norma impugnada, visto que a matéria de que trata seria de competência privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal; B. “já existe secretaria do meio ambiente com todas as responsabilidades e atribuições que estão muito além do que prevê dita lei, de forma que se mostra não só viciada na competência para a cognição legislativa, como do próprio mérito/teor.” (fls. 03); C. há afronta à Lei Orgânica do Município de Andradina-SP e à Lei de Responsabilidade Fiscal. Às fls. 35/36, foi negada a liminar requerida e determinado o processamento da presente ação direta de inconstitucionalidade. A Ilustre Presidência da Câmara Municipal de Andradina/SP manifestouse às fls. 48/51. Defendeu, em resumo, a constitucionalidade da norma impugnada. A Nobre Procuradoria Geral do Estado de São Paulo deixou de promover a defesa da lei, sob a alegação de que a norma trata de matéria exclusivamente local (45/46). A Douta Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo (fls. 82/98) pugnou pelo desprovimento da presente demanda. Do essencial, é o relatório. Desde logo, já se consigna que a representação processual do Nobre Prefeito do Município de Andradina/SP foi devidamente regularizada, conforme procuração anexada às fls. 114. In casu, impugna-se a constitucionalidade da Lei nº 2.830, de 24 de maio de 2012, do Município de Andradina, Estado de São Paulo, que possui a seguinte redação, a saber: “Art. 1º Esta lei tem por finalidade a proteção e a recuperação de qualidade ambiental dos mananciais de interesse municipal para abastecimento das populações atuais e futuras. Art. 2º Para efeito desta Lei, consideram-se mananciais de interesse municipal as águas interiores subterrâneas, superficiais, fluentes, emergentes ou em depósito, efetiva ou potencialmente utilizáveis para o abastecimento público. Art. 3º O Município de Andradina-SP declara como proprietária, as ações de preservação da água para o abastecimento público em detrimento de qualquer outro interesse. Art. 4º A regulamentação das áreas de interesse de proteção de manancial municipal será regida pelas disposições desta Lei e dos


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e-JTJ - 00 regulamentos dela decorrentes, observada a legislação Estadual e Federal para o atendimento dos seguintes objetivos: I - proteger e recuperar os mananciais de interesse do Município e regional; II - estabelecer condições para assegurar a disponibilidade de água em quantidade e qualidade adequadas para abastecimento da população atual e futura; III - adequar os programas e políticas setoriais, especialmente de habitação, transporte, saneamento e infra-estrutura, e estabelecer diretrizes e parâmetros de ordenamento territorial para assegurar a proteção dos mananciais de interesse municipal e regional; IV - compatibilizar as licenças municipais de parcelamento do solo, de edificações e de funcionamento de estabelecimentos comerciais e industriais com as exigências necessárias para a proteção, seja do aspecto quantitativo como qualitativo, dos recursos hídricos existentes e com os procedimentos de licenciamento ambiental e outorga de uso da água estabelecidos pelos órgãos estaduais competentes; V - proibir o lançamento de efluentes urbanos e industriais, sem o devido tratamento, em qualquer corpo de água, nos termos do artigo 208, da Constituição Estadual; VI - promover a adequada disposição de resíduos sólidos, de modo a evitar o comprometimento dos recursos hídricos; VII - disciplinar os movimentos de terra e a retirada da cobertura vegetal, para prevenir a erosão do solo, o assoreamento e a poluição dos corpos de água; VIII - zelar pela manutenção da capacidade de infiltração da água no solo, em consonância com as normas federais e estaduais de preservação dos depósitos hídricos naturais; IX - deverão os proprietários de imóveis urbanos e rurais, manter as divisas com vias públicas limpas, evitando a obstrução total ou parcial da drenagem e escoamento de águas pluviais; X - promover uma gestão participativa, integrando setores interessados, bem como a sociedade civil; XI- A concessionária dos serviços de abastecimento de água do Município que utilizando água subterrânea para atendimento da população ficará responsável pelo estabelecimento da Área de Proteção de Poços e Outras Captações, nos termos dos artigos 24 e 25 do Decreto Estadual nº 32.955, de 07/02/1991. Art. 5° Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, e será Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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1 “É a administração indireta. Em cada esfera de governo (federal, estadual, distrital e municipal) podem ser encontradas entidades públicas (autarquias e fundações públicas), governamentais (sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações privadas) e privadas (empresas mercantis e industriais), atuando como delegatárias, autorizatárias, permissionárias e concessionárias de serviços públicos.” (Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 369) (...) “Compõem a Administração Indireta, no direito positivo brasileiro, as autarquias, fundações instituídas pelo Poder Público, as sociedades de economia mista, as empresas públicas e os consórcios públicos. Tecnicamente falando, dever-se-iam incluir as empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, constituídas ou não com participação acionária do Estado.” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2011, p. 478)

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regulamentada por Decreto, se necessário, pelo Poder Executivo, revogadas as disposições em contrário.” (fls. 12/13 - destaque adicionado) Com a devida vênia, a presente demanda é parcialmente procedente. De plano, com o devido respeito, não há possibilidade de utilização da Lei Orgânica do Município de Andradina-SP ou da Lei de Responsabilidade Fiscal como parâmetros para averiguação da constitucionalidade da norma ora impugnada, porquanto o controle de constitucionalidade, no âmbito dos Estadosmembros, possui como paradigma a Constituição do respectivo ente político. Por sua vez, o argumento de que a matéria tratada na Lei Municipal nº 2.830/2012 seria reservada à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, em frontal violação ao princípio da separação dos Poderes, procede apenas no que tange ao inciso XI, do art. 4°. Isso porque, conforme escólio do saudoso Professor Hely Lopes Meirelles as “Leis de iniciativa exclusiva do prefeito são aquelas em que só a ele cabe o envio do projeto à Câmara. Nessa categoria estão as que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entidades da Administração Pública Municipal; a criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta e autárquica, fixação e aumento de sua remuneração; o regime jurídico dos servidores municipais; e o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, os orçamentos anuais, créditos suplementares e especiais.” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2006, p. 732/733 - destaque adicionado) Pois bem, embora o art. 4° da norma impugnada elenque diversos objetivos relacionados à proteção e recuperação ambiental, seu inciso XI padece de inconstitucionalidade formal, porquanto imputa atribuição (“estabelecimento da Área de Proteção de Poços e Outras Captações, nos termos dos artigos 24 e 25 do Decreto Estadual nº 32.955, de 07/02/1991”) à “concessionária dos serviços de abastecimento de água do Município”, órgão da Administração Pública1 Municipal, competência que é privativa do Chefe do Poder Executivo: “XI - A concessionária dos serviços de abastecimento de água do Município que utilizando água subterrânea para atendimento da população ficará responsável pelo estabelecimento da Área de


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Proteção de Poços e Outras Captações, nos termos dos artigos 24 e 25 do Decreto Estadual nº 32.955, de 07/02/1991.” (destaque adicionado) Outrossim, ao estipular tal incumbência à empresa concessionária, a Egrégia Câmara Municipal de Andradina/SP alterou o próprio regime de concessão de serviço público, matéria também de competência privativa do Poder Executivo Municipal. Com efeito, a modificação das condições da prestação do serviço público concedido cabe privativamente ao Poder Executivo, porquanto há necessidade de avaliar a conveniência e a oportunidade da alteração e sua repercussão na manutenção do equilíbrio econômico do contrato (art. 117, da Constituição Bandeirante). No mais, a lei munícipe cuidou de matéria de interesse geral da população municipal, sem nenhuma relação com matéria estritamente administrativa, afeta exclusivamente ao Poder Executivo, razão pela qual foi legítima a iniciativa do Poder Legislativo Municipal no trâmite da norma impugnada. Nessa senda, corretamente ponderou o Nobre Representante do Ministério Público: “Feito esse registro imprescindível, afigura-se possível a sindicância da constitucionalidade da lei tomando como base a alegação de vício de iniciativa que, todavia, não se sustenta. (...) A lei prescreve em traços abstratos e genéricos a proteção e a recuperação da qualidade ambiental dos mananciais de interesse municipal para abastecimento da população, sem tratar de aspectos concretos da gestão administrativa ou impor obrigações aos órgãos públicos da comuna. O objeto da lei municipal objurgada não se insere em qualquer das matérias arroladas taxativamente no art. 24, § 2°, da Constituição Estadual - que não reproduz o quanto contido no art. 61, § 1°, II, b, da Constituição da República. Aliás, é impossível invocar-se como parâmetro o art. 61, § 1°, II, b, da Constituição da República, por ser norma específica destinada exclusivamente à organização administrativa, serviços públicos e matéria tributária e orçamentária dos Territórios. Neste sentido, pronuncia o Supremo Tribunal Federal que: ‘(...) a reserva de lei de iniciativa do chefe do Executivo, prevista no art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, somente se aplica aos Territórios federais (...).’ (STF, ADI 2.447-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 04-032009, v.u., DJe 04-12-2009).” (fls.89 e 97/98 - destaque adicionado) Da mesma forma, com o devido respeito, também não há que se falar em criação de despesas ao erário público, pois a lei impugnada limitou-se a traçar Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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diretrizes à proteção e à recuperação ambiental dos mananciais do território do município de Andradina/SP, Mesmo que se entenda que os incisos IV, V, VI e IX, do art. 2°, exijam fiscalização, é certo que tal atuação decorre do próprio poder de polícia municipal, não acarretando despesas extras ao erário do ente político. Nesse sentido, já se manifestou este Colendo Órgão Especial, em voto da lavra do Nobre e Culto Des. Guerrieri Rezende: “Ação direta objetivando a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Municipal nº 4.471/2011. O ato normativo dispõe sobre a execução dos serviços de limpeza exterior nas fachadas e vidraças de edifícios no Município de Suzano. O dever de fiscalização do cumprimento das normas é conatural aos atos normativos e não tem, no caso, efeito de gerar despesas ao Município. Além disso, a matéria tratada na lei impugnada é de polícia administrativa, e as obrigações foram impostas aos particulares, exclusivamente. A lei não fere o princípio constitucional da separação de poderes porque é de iniciativa comum ou concorrente. Ação improcedente, cassada a liminar.” (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0006247-80.2012.8.26.0000, J. 22.08.2012 - destaque adicionado) Por outro lado, importante registrar, por ser de rigor, que a Lei nº 2.830, de 24 de maio de 2012, não tratou de matéria que supera a competência legislativa Municipal, não estando configurada hipótese de inconstitucionalidade formal orgânica: “No Brasil, a doutrina e a jurisprudência trabalham atualmente com três possíveis tipos de inconstitucionalidade formal à luz de nosso atual ordenamento constitucional: 1.Inconstitucionalidade formal orgânica: envolve o descumprimento de regras de competência previstas na CR/88 para a produção do ato. Como exemplo, podemos citar uma norma estadual que venha a legislar sobre direito penal e com isso descumprir o art. 22, I, da CR/88, que estabelece ser matéria de competência privativa da União a legislação sobre direito penal. Portanto, se uma Lei Estadual dispuser sobre essas matérias do art. 22, I (sem a necessária delegação prevista no art. 22, parágrafo único) haverá, então, inconstitucionalidade formal orgânica por descumprimento de regra de competência. 2. Inconstitucionalidade formal por descumprimento dos pressupostos objetivos do ato previstos na CR/88: conforme a doutrina de Gomes Canotilho, existem pressupostos definidos na Constituição que devem ser entendidos como elementos determinantes de competência para órgãos legislativos no exercício da função legiferante. Esses pressupostos são inarredáveis e de cunho objetivo. No ordenamento


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constitucional brasileiro, é mister salientar que também existem esses pressupostos a serem respeitados sob pena de inconstitucionalidade formal. Como exemplos, temos a edição de medidas provisórias sem a observância dos requisitos de relevância e urgência, descumprindo o art. 62 da CR/88, bem como a edição de Lei estadual criando novo município sem a observância dos pressupostos objetivos previstos no art. 18, § 4°, da CR/88. 3. Inconstitucionalidade formal propriamente dita: ocorre por inobservância das normas do processo legislativo previstas nos arts. 59 a 69 da CR/88. Nesse caso, irá ocorrer o descumprimento do devido processo legislativo constitucional.” (Bernardo Gonçalves Fernandes, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Lumen Juris, 2011, p. 637/638 - destaque adicionado) Por certo, de acordo com a redação do art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo, a autonomia legislativa dos Municípios deve observar tanto as normas da Constituição Bandeirante quanto as da Constituição Federal. Contudo, neste caso, em análise à Lei Municipal nº 2.830/2012, verifica-se que a norma impugnada visa à proteção e à recuperação do meio ambiente local, encontrando supedâneo na competência legislativa suplementar do município (art. 30, inciso II, da Constituição Federal). Nesse sentido, em caso análogo em que se debateu a competência legislativa municipal para proteção ambiental, já se manifestou este Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL QUE DISPÕE SOBRE O DESCARTE DE MEDICAMENTOS INSERVÍVEIS. RESÍDUOS SÓLIDOS. TITULARIDADE DO MUNICÍPIO DOS SERVIÇOS DE LIMPEZA URBANA E INCUMBÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA ORDENAR E CONTROLAR O USO DO SOLO, DE MODO A EVITAR A DEGRADAÇÃO AMBIENTAL. MEIO AMBIENTE. CRITÉRIO DA TERRITORIALIDADE. INTERESSE LOCAL CONFIGURADO. LEI QUE, ADEMAIS, SE AJUSTA À LEGISLAÇÃO FEDERAL SOBRE O TEMA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. (...) A municipalização de políticas de proteção ambiental, vê-se, é medida salutar, pois atende ao critério objetivo da territorialidade, ensejando ao Poder Público o estabelecimento de medidas de controle fundadas no conhecimento da realidade local e na proximidade das questões enfrentadas. 4. Deve-se acrescentar, por fim, que o poder de polícia ambiental do município, estabelecido pela Constituição Federal (art. 23) e disciplinado pela Lei Complementar nº 140/2011, não Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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poderia ser regularmente exercido sem que existisse correspondente competência para legislar sobre o tema, seja por relevante interesse local, seja como forma de suplementar as normas federais e estaduais sobre o tema, como é o caso. Neste sentido, convém lembrar voto divergente do E. Des. Gilberto Passos de Freitas, que, ao tratar da competência municipal para legislar sobre temas de direito ambiental neste Órgão Especial, realizou amplo levantamento doutrinário sobre o tema, ressaltando: ‘A Constituição brasileira de 1988 estabeleceu expressamente no artigo 225 que todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações’. Quando fala em Poder Público refere-se ao Governo Federal, Estadual e Municipal. Portanto, tem os municípios obrigação de agir na defesa do meio ambiente, combatendo a poluição. Tanto é, que no artigo 23 da Magna Carta incluiu entre as matérias de competência comum da União, dos Estados e dos Municípios, itens relativos à proteção do meio ambiente. E se deferiu esta competência de natureza administrativa às três esferas de poder, conforme bem anota Francisco Van Acker, ‘conferiu-lhes, implicitamente, competência para legislar sobre a mesma matéria sempre que for necessário’ (O Município e o Meio Ambiente na Constituição de 1988, in Revista de Direito Ambiental, n. l m p. 97-98). Aliás, na lição de Celso Antônio Pacheco Fiorillo, ‘não se deve oerder (sic) de vista que aos Municípios é atribuída a competência legislativa suplementar, determinando o art. 30, II, competir a eles suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Além disso, a competência concorrente dos Estados e supletiva dos Municípios revela-se importante porquanto aqueles e estes, em especial estes, encontram-se mais atentos e próximos aos interesses e peculiaridades de uma determinada região, estando mais aptos a efetivar a proteção ambiental reclamada pelo Texto Constitucional (Curso de Direito Ambiental Brasileiro, Saraiva, 2006, p. 277/278). No mesmo sentido anota Luís Paulo Sirvinskas: ‘Não há dúvidas que a competência dos Municípios, em matéria ambiental, faz-se necessária, especialmente por se tratar de seu peculiar interesse, não podendo ficar a mercê das normas estaduais e federais. Registre-se ainda que os Municípios poderão até restringir as normas estaduais e federais, tornando-as mais protetivas’ (Curso de Direito Ambiental Brasileiro, Saraiva, 2006, p. 277/278). Outro não é o entendimento de Paulo Bessa Antunes, para o qual


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‘Está claro que o meio ambiente está incluído entre o conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são os primeiros a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente’ (Direito Ambiental, Lumen Júris, RJ, 1996, p. 57). (...) Realmente, considerando-se que os Municípios detêm melhores condições para detectar as agressões ao meio ambiente e adotar com mais eficácia as medidas protetivas cabíveis, de inteira aplicação o princípio da subsidiariedade, pelo qual, segundo José de Oliveira Baracho, ‘as decisões serão tomadas ao nível político mais baixo, isto é, por aqueles que estão o mais próximo possível das decisões que são definidas, efetuadas e executadas’ (O princípio da subsidiariedade, conceito e evolução, in Revista de Direito Administrativo, vol. 200, abr/jun, RJ, Renovar, 1995). 5. Entendo que não subsistem, por fim, os argumentos de que a referida legislação ofenderia iniciativa ‘reservada ao Chefe do Poder Executivo Municipal, unicamente por gerar à Administração Pública ônus fiscalizatório, ou que aumentaria suas despesas sem que dispor sobre prévia dotação orçamentária. O exercício do poder de polícia é atividade típica do Poder Executivo e inerente à sua atuação, sendo lícito ao Poder Legislativo Municipal impor ao Executivo local o exercício dessa função, desde que não crie programas abrangentes de fiscalização ou submeta a Administração a prazos ou cronogramas rígidos. A obrigação criada dirige-se aos particulares, não sendo criada despesa para a Administração, cuja fiscalização já está abrangida pela polícia administrativa relativa ao comércio local; as sanções criadas, ademais, não configuram irracionalidade. Dessa forma, caberá ao Executivo, segundo critérios de oportunidade e conveniência, exarar normas administrativas que, ao dar cumprimento à referida Lei, se adequem a sua estrutura fiscalizatória preexistente.” (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0038909-63.2013.8.26.0000, Relator Designado Márcio Bártoli, J. 31.07.2013 - destaque adicionado) Por fim, com o devido respeito, o simples fato de já existir órgão municipal com atribuições que envolvem a proteção do meio ambiental local não implica a inconstitucionalidade material da norma ora impugnada, porquanto - como já ressaltado - a Lei nº 2.830, de 24 de maio de 2012, do Município de Andradina/ Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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SP, dispõe, principalmente, sobre objetivos para preservação ambiental, não extinguindo ou limitando eventuais atribuições de outros órgãos já existentes. Ante o exposto, julga-se parcialmente procedente a presente ação direta de inconstitucionalidade do inciso XI, do art. 4º, da Lei nº 2.830, de 24 de maio de 2012, do Município de Andradina/SP.

ACÓRDÃO

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Município de Barueri - artigo 41, §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º (e seus incisos I e II) da Lei Complementar nº 118/02 do Município de Barueri, com redação dada pela Lei Complementar nº 185/07 – Lei que instituiu benefícios na tributação de serviços pelo imposto sobre serviços Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0268691-68.2012.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é autor PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, são réus PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE BARUERI e PREFEITO DO MUNICÍPIO DE BARUERI. ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO IMPROCEDENTE. V.U. FARÁ DECLARAÇÃO DE VOTO O EXMO. SR. DES. XAVIER DE AQUINO. SUSTENTARAM ORALMENTE A ADVª. DRª. PRISCILLA OKAMOTO E O ADV. DR. JORGE HENRIQUE DE CAMPOS.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão (Voto nº 27.536) O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, GUERRIERI REZENDE, XAVIER DE AQUINO (com declaração), ELLIOT AKEL, CASTILHO BARBOSA, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, ANTONIO VILENILSON, FERREIRA RODRIGUES, PÉRICLES PIZA, EVARISTO DOS SANTOS, CAUDURO PADIN, RENATO NALINI, ROBERTO MAC CRACKEN, LUIS SOARES DE MELLO, PAULO DIMAS MASCARETTI, LUIS GANZERLA, ITAMAR GAINO, VANDERCI ÁLVARES, ARANTES THEODORO, TRISTÃO RIBEIRO, MÁRCIO BÁRTOLI e AMADO DE FARIA. São Paulo, 23 de outubro de 2013. SAMUEL JÚNIOR, Relator


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de qualquer natureza (ISSQN) - Violação aos artigos 111 e 114 da Constituição Estadual, 88 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF e Lei Complementar Federal nº 116/03 - Inocorrência - Inteligência dos arts. 111 e 144 da Constituição do Estado que não passa de mero pano de fundo para tentar caracterizar a competência do TJSP - Art. 88 do ADCT da CF. Regramento de caráter provisório que, com a edição da LC nº 116/03 que regulamentou o artigo 156, § 3º CF, deixou de produzir seus efeitos. - Arts. 146 e l56 CF - Regulamentações relegadas a normas infraconstitucionais - Impossibilidade de análise da inconstitucionalidade em face de norma infraconstitucional - LC federal, ademais, que não estabeleceu alíquotas mínimas ao Imposto Municipal. Não se insere no âmbito do controle concentrado discussão a respeito dos critérios informadores do preço do serviço, sobre o qual deve incidir o tributo Ação improcedente. VOTO Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito do Município de São Paulo para declarar a inconstitucionalidade do artigo 41, §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º (e seus incisos I e II) da Lei Complementar nº 118/02 do Município de Barueri, com redação que lhes foi dada pela Lei Complementar nº 185/07, que instituiu benefícios na tributação de serviços pelo imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN). Sustenta o autor, em apertada síntese, que a norma, ao incitar a guerra fiscal e desnaturar a base de cálculo e alíquotas previstas em lei complementar, teria afrontado os artigos 111 e 114 da Constituição Estadual e 88 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta Republicana, bem como a Lei Complementar Federal nº 116/03. A liminar foi indeferida. Informações do Sr. Prefeito às fls. 36/58. O Presidente da Câmara Municipal não apresentou informações (fls. 171). Manifestação da Fazenda Estadual às fls. 167/170. A DD. Procuradoria de Justiça se manifestou pela procedência da ação (fls. 173/179). É o relatório. O Prefeito do Munícipio de São Paulo pretende que seja declarada a Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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inconstitucionalidade do artigo 41, §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, e 9º, e seus incisos I e II, da Lei Complementar 118/02, do Município de Barueri, em face de redação dada pela Lei Complementar 185/07, sustentando que teria havido violação aos artigos 111 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo. Sustenta que o ISSQN, de competência constitucional, conta com sistemática assemelhada ao do ICMS, o que limitaria a autonomia dos Municípios a fim de evitar a prática, por parte de entes estatais, de medidas fiscais predatórias com o intuito de atrair para seu território a realização de investimentos privados, acarretando redução de receitas fiscais. Aduz que, exatamente por isso, haveria previsão de limitações na Constituição Federal (art. 146, III, “a”) e, ainda, de fixação de alíquotas máximas e mínimas, através de Lei Complementar (art. 156, § 3º, incisos I e III). Acrescenta que a Lei Complementar 116/2003, editada à luz do previsto no mencionado artigo 156, § 3º da Constituição Federal, teria fixado a alíquota máxima em 5% e que, para atender ao artigo 146, III, “a”, da mesma Carta, teria estabelecido que o cálculo do imposto seria o preço do serviço, “sem nada especificar quanto a possíveis deduções, pelo que se passou a entender, em outras palavras, que a base do cálculo do ISS se confunde com a receita bruta do serviço prestado.” Afirmando que, em face da omissão da citada Lei Complementar, prevaleceria o contido no artigo 88 do Ato das Disposições Transitórias que teria fixado, para alguns poucos serviços, a alíquota mínima de 2%, vedando a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais que poderiam importar, direta ou indiretamente, na redução de tal alíquota. O que se verifica, prima facie, é que pretende o Autor o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei do Município de Barueri, no tocante ao artigo e parágrafos mencionados, por violação ao artigo 88 da ADCT. A invocação aos artigos 111 e 144 da Constituição do Estado não passa de mero pano de fundo, para tentar caracterizar a competência deste Tribunal e a possibilidade de se apreciar, na forma concentrada, a tese esposada. O artigo 111 da Carta Paulista estabelece que “a administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer d os Poderes do Estado, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.” E não aponta a inicial no que teria especificamente a norma Municipal ferido tal dispositivo que, aliás, elenca princípios contidos no artigo 37 da Carta Federal, cuja função é a de dar unidade e coerência ao Direito Administrativo, ditando o comportamento a ser observado pelo administrador. De se ressaltar, que o objetivo é o de beneficiar os interesses da coletividade como um todo, desiderato principal de toda atividade administrativa, evitando que os agentes


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públicos ajam com liberdade irrestrita, sem observância das normas especificadas em lei, contra a coletividade, desviando-se do interesse coletivo. Por outro lado, o artigo 144 da Constituição deste Estado, estabelece que “os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”. Não se desconhece precedentes do Órgão Especial deste Tribunal, no sentido da possibilidade do exame de constitucionalidade de norma municipal tendo como parâmetro estritamente o artigo 144 da Constituição do Estado. Conquanto divirja de tal entendimento, uma vez que a regra em testilha se refere a princípios contidos na Constituição Federal e não a seus regramentos ou a dispositivos de natureza transitória, como é o caso dos autos, tal questão resta secundária, na medida em que o artigo 88 invocado não mais vigora. A Emenda Constitucional 37, de 12 de junho de 2002, introduziu no Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, o mencionado artigo 88, nos seguintes termos: “enquanto lei complementar não disciplinar o disposto nos incisos I e III, do § 3º, do artigo 156 da Constituição Federal, o imposto a que se refere o inciso III do caput do mesmo artigo: I - terá alíquota mínima de dois por cento, exceto para os serviços a que se refere os itens 32, 33 e 34 da lista de serviço anexa ao Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968; II - não será objeto de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resulte, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima estabelecida no inciso I”. Como a própria inicial reconhece e afirma que a Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, publicada no D.O.U. de 01.08.2003, que dispôs sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, regulamentou o artigo 156, § 3º, da Carta Magna, é óbvia a conclusão de que não mais prevalecem os provisórios regramentos do artigo 88 da ADCT. O Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, como ressalta WOLGRAN JUNQUEIRA FERREIRA, in COMENTÁRIOS À CONSTITUIÇÃO DE 1988, JULEX LIVROS, 1ª edição, 1989, 3º volume, pps. 1187: “(...) têm prazo certo de realização, ao contrário das normas constitucionais propriamente ditas, que são permanentes e inalteráveis até a reforma ou a emendabilidade. Nelas reúnem-se providências, decisões que não teriam, por sua espécie transitória, lugar e oportunidade entre os preceitos da Constituição. Fundamentalmente, o Ato das Disposições Transitórias contém normas de caráter não permanente, destinadas a conciliar, no período de transição, algumas regras respeitáveis do regime anterior com as do novo regime. As normas que compõem o Ato das Disposições Transitórias não Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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deveriam criar direitos posteriormente ao período de transição, nem devem ser invocadas na interpretação do texto propriamente dito. Realizados os fatos nelas previstos, essas normas são como se não mais existissem; não poderão ser aplicadas aos fatos supervenientes.” JOSÉ AFONSO DA SILVA, em APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, Malheiros Editores, São Paulo, 5ª edição, 1998, pps. 204 e ss., no mesmo sentido, realça que “as disposições transitórias reúnem conjunto de normas, em geral separado do corpo da Constituição (como na CF de 1946 e na vigente), com numeração própria de artigos, que é de melhor técnica, pois trata-se de “regular e resolver problemas e situações de caráter transitório, geralmente ligados à passagem de uma ordem constitucional a outra”. E prossegue: “As normas das disposições transitórias fazem parte integrante da Constituição. Tendo sido elaboradas e promulgadas pelo constituinte, revestem-se do mesmo valor jurídico da parte permanente da Constituição. Mas seu caráter transitório indica que regulam situações individuais e específicas, de sorte que, uma vez aplicadas e esgotados os interesses regulados, exaurem-se, perdendo a razão de ser, pelo desaparecimento do objeto cogitado, não tendo, pois, mais aplicação no futuro (...)” Na medida em que os artigos 146 e 156, da Constituição da República, mencionados na inicial, não são de eficácia plena, já que em ambos os constituintes relegaram as regulamentações a normas infraconstitucionais, não há como se falar em inconstitucionalidade, ainda mais porque não há qualquer indicação de que a lei municipal estivesse em desconformidade com os parâmetros constitucionais, devidamente regulamentados. Como já dito, o próprio autor afirma que a Lei que complementou a Carta da República, não estabeleceu alíquotas mínimas ao Imposto Municipal, e não se insere no âmbito do controle concentrado discussão a respeito dos critérios informadores do preço do serviço, sobre o qual deve incidir o tributo. Ademais, parece razoável entender-se, como lançado no Parecer colacionado aos autos, que “o conceito de preço do serviço não se confunde, nem pode compreender, todo o conjunto de entradas de caixa que venham a ocorrer no curso das atividades desempenhadas pelos contribuintes, na medida em que estas se revestem de distintos fundamentos de origem, cada qual sujeita a apreciação própria.” E é igualmente razoável, como bem anotado às fls. 98, sustentar-se que “(...) o precitado art. 41, com seus parágrafos, da Lei Complementar nº 118/2002 (com a redação dada pela Lei Complementar nº 185/2007), do Município de Barueri, não entra em testilha seja com o art. 146, III, a, da Constituição Federal, seja com o art. 7ª, da Lei Complementar nº 116/2003” ,


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tendo em vista que “positivamente, a base de cálculo do ISS não pode albergar todas as entradas em dinheiro nos cofres da empresa, mas, apenas, as parcelas correspondentes ao preço dos serviços propriamente ditos, por ela prestados. A matéria tributável do imposto em tela é, pois, a resultante da prestação de serviços, com a exclusão das demais entradas, ditas inorgânicas ou secundárias, originárias de atividades marginais (v.g. o valor das despesas reembolsadas), que não tipificam o resultado econômico da execução de nenhuma obrigação de fazer.” Desta forma, como a Lei Municipal estabeleceu a alíquota mínima de 2% dos serviços prestados, não há como se sustentar a alegada inconstitucionalidade. Em face de tais razões, pelo meu voto, julgo improcedente a presente ação direta de inconstitucionalidade.

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DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR (Voto nº 25.058) Sei que os Municípios não podem legislar em sentido diverso ao disposto no artigo l56, inciso III e § 3º, da Constituição Federal, prevendo ou alíquotas inferiores a 2% ou estipulando benefícios que, de forma direta ou indireta, acabem por, na prática, reduzir tal percentual. Sucede, porém, ainda que pareça, o presente caso não tem paradigma com a questão antefalada, no sentido de que, em tese, a lei em comento estaria concedendo beneficio direta ou indiretamente, frustrando a norma constitucional do artigo 156, inciso III e § 3º. Em abreviada síntese, o Município de Barueri, ao editar a Lei Complementar nº 118/2002, com redação que fora alterada pela Lei Complementar n.º 185/2007, não pretendeu, de forma alguma, reduzir a base de cálculo do ISS, mas na verdade houve por bem excluir especificidades de alguns serviços prestados. É que, a base de cálculo do ISS não pode albergar todas as entradas de dinheiro nos cofres da empresa, mas apenas parcelas correspondentes ao preço do serviço prestado propriamente dito. Nessa linha de raciocínio, as importâncias financeiras que, embora transitem pela contabilidade da empresa e não se incorporam ao seu patrimônio, devem ser excluídas da base de cálculo do aludido imposto municipal. A Procuradora do Município Réu, ou seja, Barueri, obtemperou: “...Toma-se como exemplo o serviço prestado por uma agência de turismo. Os valores pagos pelo turista para a aquisição de passagens aéreas não configuram receita. Apenas transitam pelo seu caixa, tendo como destinatário Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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1 Temas de Direito Tributário / Coordenador Kiyoshi Harada. - p. 16 - São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000. 2 Baleeiro, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças, Forense, Rio de Janeiro, 13ª Ed., 1981, p. 116.

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final a transportadora”. E concluiu: “Destarte, esses valores destinados a terceiros e que não incrementam o patrimônio do contribuinte não podem integrar a base de cálculo do ISS sob pena de se fugir ao arquétipo constitucional do ISS, vez que não são destinados a remunerar o esforço empregado pelo prestador, além de infringir o princípio da capacidade contributiva ao fazer com que a exação recaia sobre signos que não exteriorizam riqueza do contribuinte”. (vide memoriais) Como prelecionam os professores Roque Antônio Carrazza e Kiyoshi Harada: “Em apertada síntese, a base de cálculo do ISS é o preço da contrapartida auferida pelo prestador do serviço, que se define no momento em que a prestação se concretiza. Assim, valores estranhos a esta remuneração (como, por exemplo, o custo dos materiais empregados na prestação do serviço) não integram - nem podem integrar a base de cálculo do ISS, porque não fazem parte do preço do serviço prestado. Se a base de cálculo do ISS levar em conta elementos estranhos à prestação do serviço realizada, ocorrerá uma descaraterização do perfil constitucional deste tributo”1. No parecer encartado aos autos, o acima mencionado professor Carrazza assevera que a base de cálculo do ISS não pode albergar todas as entradas de dinheiro no estabelecimento comercial, mas apenas os serviços por eles prestados. E continua o mencionado professor: “A matéria tributável do imposto em tela é, pois, a resultante da prestação de serviços, com exclusão das demais entradas, ditas inorgânicas ou secundárias, originárias de atividades marginais (v.g., o valor das despesas reembolsadas), que não tipificam o resultado econômico da execução de nenhuma obrigação de fazer” (Fls. 60/108) No mesmo posicionamento ensina Aliomar Baleeiro em sua obra: “As quantias recebidas pelos cofres públicos são genericamente designadas como ‘entradas’ ou ‘ingressos’. Nem todos estes ingressos, porém, constituem receitas públicas, pois alguns deles não passam de ‘movimento de fundo’, sem qualquer incremento do patrimônio governamental, desde que estão condicionados à restituição posterior ou representam mera recuperação de valores emprestados ou cedidos pelo governo”2. Destarte, saliente-se que nem todo o ingresso de dinheiro significa elemento novo e positivo no patrimônio da empresa, o que vale dizer que a este não se incorpora, na medida em que possui destinação preordenada. Portanto, se não acresce ao patrimônio do estabelecimento empresarial, não merece ser tributado.


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E continua o professor Carrazza: “(...) andou bem a legislação de Barueri ao prescrever deverem ser excluídos da base de cálculo ‘in concreto’ do ISS, valores econômicos que, embora transitem pela contabilidade do prestador do serviço, não se incorporam ao seu patrimônio”. Como se vê, a Lei Complementar Municipal em análise não concedeu nenhuma isenção, incentivo ou benefício fiscal, em matéria de ISS, que pudesse, direta ou indiretamente, ofender o artigo 156, inciso III e parágrafo 3º, da Constituição Federal. Devemos ressaltar, outrossim, que a Lei Complementar n.º 116/03, que regulamentou o artigo 88, do ADCT e o artigo 156, da Carta Magna, não estabeleceu alíquotas mínimas ao ISSQN. Com efeito, não há que se falar em inconstitucionalidade, pois não há qualquer indicação que a lei municipal esteja em desconformidade com os parâmetros constitucionais vigentes. De outra parte, como já decidiu este d. Colegiado na ADIn de relatoria do e. Des. CAMPOS MELLO, em sede de julgamento que contou com a minha participação: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INCISOS I E II DO ART. 14 DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL N.º 17/2005 DO MUNICÍPIO DE CARAGUATATUBA, QUE INSTITUI HIPÓTESES DE DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA (ISSQN). INCIDENTE SOBRE OS SERVIÇOS RELATIVOS À CONSTRUÇÃO CIVIL. OFENSA AO PACTO FEDERATIVO E AO ART. 144 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL NÃO CONFIGURADA. INCONSTITUCIONALIDADE NÃO RECONHECIDA. AÇÃO IMPROCEDENTE.” (TJSP - ÓRGÃO ESPECIAL - ADI N.º 0520010-62.201 0.8.26.0000 - SÃO PAULO - REL. DES. CAMPOS MELLO) Por fim, se dermos uma vista d’olhos na legislação do Município de São Paulo, que, diga-se, é o Autor da presente demanda, verificamos que a Lei n.º 14.097/05, com redação alterada pela Lei n.º 15.406/11, também estabelece que o ISS tem como fato gerador a diferença entre os valores cobrados e os repasses decorrentes dos planos relacionados com a saúde. (vide artigo 18, da Lei n.º 15.406/11) Tal pleito exsurge contraditório, na medida em que num no sense “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, a Prefeitura de São Paulo critica a legislação do município vizinho, quando o seu próprio ordenamento jurídico recita na mesma direção. Nessa esteira, a meu aviso, o artigo 41 e seus parágrafos, da LC 118/2002, cuja redação fora alterada pela LC 185/2007, não podem ser taxados de inconstitucional. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Istoposto,julgoimprocedenteaaçãodiretadeinconstitucionalidade. XAVIER DE AQUINO, Desembargador

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0084458-96.2013.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é autor PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, são réus PREFEITO DO MUNICÍPIO DE JACAREÍ e PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE JACAREÍ. ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferira seguinte decisão: “JULGARAM A AÇÃO PROCEDENTE. V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. (Voto nº 28.793) O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, GUERRIERI REZENDE, XAVIER DE AQUINO, ELLIOT AKEL, CASTILHO BARBOSA, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, ANTONIO VILENILSON, FERREIRA RODRIGUES, PÉRICLES PIZA, EVARISTO DOS SANTOS, SAMUEL JUNIOR, CAUDURO PADIN, RENATO NALINI, ROBERTO MAC CRACKEN, PAULO DIMAS MASCARETTI, LUIS GANZERLA, ITAMAR GAINO, VANDERCI ÁLVARES, ARANTES THEODORO, TRISTÃO RIBEIRO, MÁRCIO BÁRTOLI e AMADO DE FARIA. São Paulo, 23 de outubro de 2013. LUIS SOARES DE MELLO, Relator

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Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal n.º 5.584/2011, de Jacareí, que fixa subsídios a Vereadores. Vício de objeto. Ocorrência. Matéria que não se submete ao princípio da reserva legal. Ato de competência exclusiva do Poder Legislativo, exercitável mediante resolução. Impossibilidade de participação do Chefe do Executivo Municipal na fixação de subsídios a membros do Legislativo, pena de ofensa ao princípio da separação de poderes. Art. 29, VI, da Constituição Federal e arts. 5º e 144, da Constituição Estadual. Precedentes do C. Órgão Especial e do Eg. Supremo Tribunal Federal. Ação julgada procedente.


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VOTO Visto. Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Procurador Geral de Justiça em face da Presidência da Câmara Municipal de Jacareí e do Prefeito Municipal de Jacareí, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 5.584, de 6 de julho de 2011 - que regulamenta o subsídio dos membros do Poder Legislativo Municipal. Alega-se, essencialmente, que o ato normativo combatido está eivado de inconstitucionalidade formal, por vício de objeto, já que não se teria obedecido o instrumento correto para a fixação de subsídio a Vereadores, a resolução. Distribuída, inicialmente, a inicial ao Exmo. Des. Alves Bevilacqua, a liminar foi indeferida, f. 16. Vieram informes tanto da Câmara Municipal de Jacareí, como do Prefeito do Município de Jacareí, ambos a sustentar a improcedência desta ação direta (f. 24/37 e 128/135). Após, a Procuradoria Geral do Estado manifestou desinteresse na defesa do ato impugnado (f. 189/190). Neste grau de jurisdição, registra-se parecer ministerial ilustre da douta Procuradoria Geral de Justiça, que conclui pela procedência da ação direta - f. 198/205. Autos conclusos em 24.set.20l3 – f. 206. É o relatório. A ação direta de inconstitucionalidade deve ser julgada procedente, para declarar inconstitucional a Lei Municipal n.º 5.584, de 6 de julho de 2011, do Município de Jacareí. Assim dispõe o ato normativo, litteris: “Art. 1º O subsídio de Vereador da Câmara Municipal de Jacareí a partir da legislatura subsequente será fixado nos termos do art. 29, VI, alínea “d”, da Constituição Federal. § 1º Em razão do estabelecido no caput deste artigo, o valor fixado para o subsídio de Vereador da próxima legislatura corresponde nesta data a R$ 10.021,18 (dez mil, vinte e um reais e dezoito centavos). § 2º O total da despesa com o subsídio dos vereadores não poderá ultrapassar o montante de 5% (cinco por cento) da receita do município, nos termos do art. 29, VII, da Constituição Federal. § 3º Sobre o subsídio incidirão o desconto previdenciário de 11% (onze por cento), calculado sobre o teto estabelecido pelo INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social, e o desconto de Imposto de Renda Retido Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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na Fonte. § 4º Caso qualquer dos percentuais previstos no parágrafo anterior vier a ser alterado, o desconto previsto será automaticamente aplicado. Art. 2º O Vereador fará jus ao subsídio total se comparecer às sessões e participar integralmente dos trabalhos da Ordem do Dia. Parágrafo único. O valor de cada sessão ordinária será obtido dividindo-se o valor do subsídio pelo número das sessões que forem realizadas mensalmente. Art. 3º O Vereador licenciado por moléstia devidamente comprovada ou para desempenhar missões temporárias de caráter cultural ou de interesse do Município terá direito ao subsídio integral. Parágrafo único. O Vereador licenciado para tratar de interesses particulares não terá direito ao recebimento do subsídio. Art. 4º O Vereador que não comparecer às sessões legalmente remuneradas sofrerá desconto correspondente às suas faltas. § 1º As faltas às sessões poderão ser justificadas e o subsídio deverá ser pago quando, comprovadamente, o Vereador deixar de comparecer por estar representando oficialmente o Legislativo em atos externos ou nos casos de doença, mediante apresentação de atestado médico que deverá instruir requerimento dirigido ao Presidente da Câmara, no prazo de 5 (cinco) dias. § 2º Quando o Vereador estiver representando oficialmente o Legislativo, sua ausência será justificada pelo Presidente da Câmara em sessão, constando da ata o seu registro. Art. 5º Na convocação da Câmara nos recessos legislativos regimentalmente previstos é vedado o pagamento de parcela indenizatória, em razão da convocação. Art. 6º As despesas decorrentes com a execução da presente Lei correrão por conta de dotação própria consignada no orçamento vigente, suplementada se necessário for. Art. 7º Esta Lei entrará em vigor a partir de 1º de janeiro de 2013, podendo ser prorrogada enquanto permanecer a regra constitucional prevista no Art. 1º. Art. 8º Revogam-se as disposições em contrário”. Inicialmente, é de se destacar que se está a tratar aqui de norma que fixa subsídio a Vereadores, não de lei que concede revisão geral anual a estes agentes políticos - e sobre a qual recaem substanciosas divergências neste C. Órgão Especial. Pois bem.


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Pretexta-se a inconstitucionalidade formal da norma de Jacareí, por vício de objeto/procedimento, já que a matéria tratada naquele ato normativo basicamente, fixação de subsídio a Vereadores -, deveria ser estabelecida por resolução, não por lei em sentido formal. Com plena razão, respeitosamente. A norma municipal de Jacareí, em verdade, está a contrariar os artigos 5º e 144, ambos da Constituição Estadual1. Isso porque foi ela criada por lei em sentido estrito, a partir de iniciativa parlamentar, com participação ativa do Executivo, quando, em verdade, competiria tão só ao Legislativo local, isoladamente e por meio de resolução, editar norma que viesse a tratar a questão, com total autonomia e independência. Desde a edição da Emenda Constitucional n.º 25/00, o subsídio dos Vereadores não mais é submetido ao princípio da reserva legal, posto que pode e deve ser alterado pela própria Câmara, por ato de competência exclusiva, via resolução. Tal conclusão é extraída a partir da análise comparativa entre o texto constitucional vigente e o anterior, cuja redação era da EC n.º 19/98. Veja-se. Assim estabelecia o art. 29, VI, em redação dada pela EC n.º 19/98: “subsídio dos Vereadores fixado por lei de iniciativa da Câmara Municipal, na razão de, no máximo, setenta e cinco por cento daquele estabelecido, em espécie, para os Deputados Estaduais, observado o que dispõe os arts. 29, § 4º, 57, § 7º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I”. A Constituição Federal foi alterada, no entanto e como se disse, pe1a EC n.º 25/00, que assim dispõe atualmente: “O subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites.” Ou seja. Conquanto antes se exigia lei, agora exige-se fixação pela própria Casa Legislativa, mediante ato oriundo de competência exclusiva, observado, no entanto, que tal ato será vigente apenas na legislatura subsequente.2 1 Art. 5º, da Constituição Estadual - “São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Art. 144, da Constituição Estadual - “Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”. 2 Neste sentido, voto n.º 21.985 do e. Des. Artur Marques da Silva Filho, ADI n.º 008647139.2011.8.26.0000. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Como se posiciona o eminente Desembargador Walter de Almeida Guilherme: “Há nítida ofensa à iniciativa das Câmaras Municipais estabelecer em lei subsídio dos Vereadores. A matéria não se enquadra no princípio da reserva legal, pois, havendo determinação constitucional de que a fixação do subsidio cabe à Câmara, esta o fará por resolução, espécie normativa integrante do processo legislativo, prevista no art. 59, VII, da Constituição Federal, descabendo delegação. Nas matérias de sua competência privativa - e esta é uma delas -, as Casas Legislativas deliberam por resolução. Não poderia, pois, lei fixar os subsídios dos Vereadores, sob pena de violação da autonomia do Poder Legislativo local e, por conseguinte, da independência e harmonia dos Poderes, vedada a delegação, princípio esse que se impõe à União, Estados, Distrito Federal e Municípios.” (Tribunal de Justiça de São Paulo, Órgão Especial, r. Des. Walter de Almeida Guilherme, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 0194030-55.2011.8.26.0000, j. 04.04.2012, por maioria). Usurpa-se invariavelmente, então, competência exclusiva do Legislativo Municipal, ao permitir que o Executivo invada atribuições que deveria tocar unicamente, por força constitucional estadual e federal, a esfera de Poder diverso. Dai a ofensa ao Princípio da separação dos poderes, a gerar, por aqui, a declaração de inconstitucionalidade da norma. Importa, esta a verdade e contrariamente ao sustentado pela Câmara Municipal de Jacareí, se há ou não previsão na Lei Orgânica determinando que a fixação de subsídios a Vereadores se dará através de lei. A uma porque o Município se submete às regras estabelecidas nas Constituições Federal e Estadual. A duas porque permitir a participação do Chefe do Executivo Municipal em ato de fixação de subsídios a Vereadores ocasionaria, em verdade e como se disse, ofensa ao princípio da separação e harmonia de poderes. Como, aliás, já decidiu a C. Corte Suprema: “DIREITO CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. VEREADORES. FIXAÇÃO DE SUBSÍDIOS. COMPETÊNCIA DA CÂMARA MUNICIPAL. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. OFENSA AO ART. 29, VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: INEXISTÊNCIA. 1. A norma municipal foi declarada inconstitucional pelo órgão especial do TJ/SP, por violação aos arts. 144 da Constituição do Estado de São Paulo. 2. A fixação


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dos subsídios de vereadores é de competência exclusiva da Câmara Municipal, a qual deve respeitar as prescrições estabelecidas na Lei Orgânica Municipal, na Constituição do respectivo Estado, bem como na Constituição Federal. 3. Permaneceu inatacado, nas razões recursais, fundamento suficiente para a manutenção do acórdão recorrido. 4. Agravo regimental a que se nega provimento”. (Supremo Tribunal Federal, Segunda Turma, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 494.253/SP, r. Min. Ellen Gracie, j. 22.02.2011). Na mesma esteira, este C. Órgão Especial: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal n. 4.033-A/2004, que dispõe sobre os subsídios dos agentes políticos dos Poderes Executivo e Legislativo do Município de Catanduva para legislatura 2005/2008 e dá outras providências - Impossibilidade de lei fixar os subsídios dos Vereadores, sob pena de violação da autonomia do Poder Legislativo local e, por conseguinte, da independência e harmonia dos Poderes, vedada a delegação - Fixação que deveria se dar por resolução do Legislativo - Afronta aos arts. 5º e 144 da CE - Ação procedente. (Tribunal de Justiça de São Paulo, Órgão Especial, r. Des. Paulo Travain, Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 165.637-0/100, j. 20.05.2009). Exatamente como aqui. Donde ser imperiosa a procedência desta ação direta de inconstitucionalidade. Respeitosamente. POSTO, julga-se procedente o pedido, para declarar a inconstitucionalidade da Lei n.º 5.584, de 6 de julho de 2011, do Município de Jacareí.

Incidentes de Inconstitucionalidade ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Arguição de Inconstitucionalidade nº 0057105- 81.2013.8.26.0000, da Comarca de Jundiaí, em que é suscitante 6ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO: (Voto nº 37.927) ACORDAM, em Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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Ementa: “ I - Arguição de inconstitucionalidade. Artigos 1182, § 1º, do Código de Processo Civil e artigo 1770, do Código Civil. Possibilidade ou não do Ministério Público atuar como defensor de interditando à luz das suas atribuições fixadas pela Constituição Federal. II - Artigo 1182, §1º, do CPC. Não conhecimento. O dispositivo legal é anterior à Constituição da República de 1988. Declaração de inconstitucionalidade. Impossibilidade. Incompatibilidade entre o direito préconstitucional e a Constituição vigente que deve ser dirimido à luz do princípio “lex posterior derrogat priori” . Precedentes deste colendo Órgão Especial. III - No que tange ao art. I 770. do CC. Apreciação. Não há dúvida de que o Ministério Público deve efetivamente atuar nos casos de interdição. Porém, não compete ao Ministério Público funcionar como curador especial em favor do interditando. A questão é objeto de enunciado pela Procuradoria de Justiça Cível do Ministério Público do Estado de São Paulo, bem como decisão da em sede de recusa de interdição. O dispositivo legal deve ser compreendido adequadamente. Inteligência do art. 4º inciso VI, da LC 80/94 e do art. 5 inciso VIII da LC 988/ 2006. IV - Improcede a arguição, na parte conhecida.”

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proferir a seguinte decisão: “CONHECERAM EM PARTE A ARGUIÇÃO E JULGARAM IMPROCEDENTE NA PARTE CONHECIDA. V.U .”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, XAVIER DE AQUINO, ELLIOT AKEL, ANTONIO LUIZ PIRES NETO, ANTONIO CARLOS MALHEIROS, ANTONIO VILENILSON, FERREIRA RODRIGUES, CAETANO LAGRASTA, PÉRICLES PIZA, CAUDURO PADIN, ROBERTO MAC CRACKEN, KIOITSI CHICUTA, ENIO ZULIANI, LUIS SOARES DE MELLO, GRAVA BRAZIL, PAULO DIMAS MASCARETTI, LUIS GANZERLA, ITAMAR GAINO, VANDERCI ÁLVARES, LUIZ ANTONIO DE GODOY e MÁRCIO BÁRTOLI. São Paulo, 24 de julho de 2013. GUERRIERI REZENDE, Relator


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VOTO 1. Trata-se de incidente de inconstitucionalidade do artigo 1.770 do Código Civil e art. 1.182, § 1º do Código de Processo Civil, suscitado pela colenda 6° Câmara de Direito Privado, por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento n° 0070916- 45.2012.8.26.0000, tirado nos autos de ação de interdição contra decisão que determinou a citação do interditando para impugnar o pedido e apresentar quesitos e não apresentada a impugnação, que a PGE nomeasse curador especial. A questão objeto do recurso cinge-se a questão na possibilidade ou não do Ministério Público atuar como defensor de interditando à luz das suas atribuições fixadas pela Constituição Federal. A d. Procuradoria Geral de Justiça opinou no sentido de não reconhecer a inconstitucionalidade da norma, mas sim dar a ela a correta interpretação, à luz dos artigos 129, IX e 134, da Constituição Federal. É o relatório. 2. De proemio, não se conhece do incidente de inconstitucionalidade quanto ao artigo 1182, § 1º’, do Código de Processo Civil. Isso porque, considerando que a Constituição Federal e a Constituição Bandeirante foram promulgadas após a vigência da norma ora combatida. A doutrina e jurisprudência pacificaram entendimento no sentido de não admitir o reconhecimento da inconstitucionalidade de lei anterior à Carta Magna, “o processo do controle abstrato de normas destina-se, fundamentalmente, à aferição da constitucionalidade de normas pós-constitucionais. Dessa forma, eventual colisão entre o direito pré-constitucional e a nova Constituição deveria ser simplesmente resolvida segundo os princípios de direito intertemporal. Assim, caberia à jurisdição ordinária, tanto quanto ao Supremo Tribunal Federal, examinar a vigência do direito pré-constitucional no âmbito do controle incidente de normas, uma vez que, nesse caso, cuidar-se-ia aplicação do princípio ‘Lex posterior derrogat priori’ e não de um exame de constitucionalidade” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, Controle concentrado de constitucionalidade, Saraiva, 2ª. Ed., 2005, p. 181-182). Ensina Luiz Roberto Barroso: “No direito brasileiro, as relações entre uma nova Constituição (ou uma emenda constitucional) e o direito infraconstitucional preexistente regem-se por duas regras. A primeira: toda a legislação ordinária anterior, naquilo em que for compatível com a nova ordem constitucional, subsiste validamente e continua em vigor, ainda que com um novo fundamento de validade. Segunda: toda a normatização infraconstitucional preexistente incompatível com a Constituição fica automaticamente revogada. Portanto, entre nós, o contraste entre a nova Constituição e o direito anterior se coloca no plano da vigência e não da validade das normas. Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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O controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 2011, p. 327 Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013

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À vista de tais premissas, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal estabeleceu, de longa data, o entendimento de que não cabe ação direta de inconstitucionalidade tendo por objeto o direito pré-constitucional. De fato a incompatibilidade conduz à revogação - isto é, à perda de vigência - e se a declaração abstrata de inconstitucionalidade visa a retirar norma impugnada do sistema jurídico, não haveria sentido admitir uma ação direta destinada a retirar do ordenamento uma norma que já não o integra”.1 Destarte, fica afastada a tese da inconstitucionalidade superveniente, sendo certo que as normas inferiores, anteriores e incompatíveis com a Constituição estão revogadas, não cabendo ação direta de inconstitucionalidade em face de leis anteriores à Constituição e os efeitos são de revogação, não havendo necessidade de ‘quorum’ especial para tanto (art. 97, CF). Assim, não cabendo a ação direta de inconstitucionalidade, consequentemente, descabe o incidente de inconstitucionalidade. Em tal sentido, já decidiu esta Colenda Corte de Justiça: “Incidente de inconstitucionalidade - Lei municipal anterior a emenda constitucional n. 20/98 - Declaração de inconstitucio inconstitucionalidade - Impossibilidade. Tratando-se de norma anterior à Constituição Federal, dirime-se a incompatibilidade por meio do principio “lex posterior derrogai prior”. Norma revogada. Determinação de retorno à Câmara suscitante. Incidente não conhecido.” (Arguição de inconstitucionalidade n. 0343592-75.2010.8.26.0000 - rel. Des. Roberto Mac Cracken- j. 23.02.11 ). “Incidente de inconstitucionalidade - Inadmissibilidade de reconhecimento de inconstitucionalidade de leis anteriores à Constituição Federal de 1988 - Normas legais incompatíveis estão revogadas - Doutrina e jurisprudência - Determinado o retorno à Câmara suscitante - Incidente não conhecido” (Incidente de inconstitucionalidade n. 990.10.098739-9rel. Des. Sousa Lima- j. 04.08.10) “Incidente de inconstitucionalidade. Lei complementar Estadual n. 180/78 em face da Constituição da República de 1988. Colisão entre o direito pré-constitucional e a atual Carta Magna – Análise da ocorrência da recepção da citada lei em face desta. Impossibilidade da declaração de inconstitucionalidade de leis anteriores à Constituição. Não conhecimento da arguição, determinando-se o retorno dos autos à Sétima Câmara de Direito Público para apreciação da causa, nos termos do artigo 658, parágrafo 1º do Regimento Interno do Tribunal de Justiça.” (Incidente de inconstitucionalidade n. 169.921-0/7-00- rel. Des. Reis Kuntz- j. 03.12.08)


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3.Deoutrabanda,nãocomportaacolhidaaarguiçãodeinconstitucionalidade do artigo 1770, do Código Civil que dispõe: “Nos casos em que a interdição for promovida pelo Ministério Público, o juiz nomeará defensor ao suporto incapaz: nos demais casos o Ministério Público será o defensor”. Quanto ao citado dispositivo ter sido recepcionado pela Constituição Federal, primeiramente, é de ser observado, que o Ministério Público tem suas atribuições constitucionais prefixadas nos artigos 127 e 129 e incisos da Carta Magna. O “parquet”, a teor do artigo 127, da Constituição daRepública, é incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, norma complementada e explicitada pelo artigo 129 da Carta Magna, com a inserção da atribuição da proteção de interesses difusos e coletivos. In casu, a fim de verificar se necessária a intervenção do Ministério Público, não basta a interpretação literal do Código de Processo Civil ou a legislação extravagante, e imprescindível verificar se presentes os interesses que legitimem a atuação, nos termos dos artigos 127 e 129, da Carta Federal e do artigo 82, do Código de Processo Civil, além de que se desenvolva em conformidade com o novo perfil institucional. Nesse sentido, acolho o ilustrado parecer da d. Procuradoria Geral de Justiça: “Essa é a adequada compreensão, em perspectiva moderna, da afirmação doutrinária de que a atuação do Ministério Público como custos legis é ditada pela lei (cf. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, O Ministério Público no processo civil e penal, 6ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p.l2), desde que identificado o interesse público qualificado pela natureza da lide ou qualidade das partes (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.559). Não há dúvida de que o Ministério Público deve efetivamente atuar nos casos de interdição. Contudo, o encargo de funcionar como curador especial em favor do interditando não lhe compete. A questão já foi inclusive objeto de Enunciado pela Procuradoria de Justiça Cível do Ministério Público do Estado de São Paulo, bem como de decisão pela Procuradoria Geral de Justiça, em sede de recusa de intervenção, a saber: Enunciado n° 1 “Nomeação de Curador Especial em favor de interditando. Encargo que não se insere dentre as atribuições do MP desde o advento da Constituição Federal de 1988. Atuação do Parquet que deve limitar-se à intervenção como custos legis.” “Recusa de intervenção. Processo de interdição. Determinação judicial no sentido de que o órgão ministerial interveniente assuma a Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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defesa do interditando. Promotor de Justiça que oficia como fiscal da lei, e se nega a assumir a representação judicial do requerido. Recusa da intervenção. Inexistência. Divergência que diz respeito à qualidade (modo de intervir) da intervenção, e não quanto a esta. Perfil constitucional do Ministério Público. Releitura dos dispositivos aplicáveis à espécie (art. 1770 do CC/02) e art. 1182, §1° do CPC). Atuação do parquet que deve limitar-se à intervenção como custos legis” (Processo n° 189.01.2008.009876-9 – 2ª Vara Cível de Fernandópolis- Pedido de Interdição). (.....) é oportuno recordar que o Código de Processo Civil prevê a nomeação de curador especial (curador ad litem) nos casos de incapaz sem representante legal, de colisão entre os interesses do incapaz e os de seu representante legal, bem como nos casos de réu preso e de revel citado com hora certa ou por edital (art. 9 e incisos). Além disso, o parágrafo único do referido art. 9° do Código de Processo Civil estabelece que “nas comarcas onde houver representante judicial de incapazes ou de ausentes, a este competirá a função de curador especial”. Ocorre que a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública (Lei Complementar Federal nº 80/94), que tratou não só de organizar a Defensoria Pública da União, mas também de estabelecer normas gerais de organização das Defensorias Públicas dos Estados (nos termos prescritos pelo art. 134, § 1º, da CR-88), outorgou aos defensores públicos a função de curador especial (ou seja, a substituição processual) naquelas hipóteses previstas no art. 9° do Código de Processo Civil, às quais se assemelha, por identidade de razões, a representação judicial dos interesses do requerido no processo de interdição. Nesse sentido, estabelece o art. 4°, inciso VI, da Lei Complementar n° 80/94 que é função do Defensor Público “atuar como Curador Especial, nos casos previstos em lei”. Do mesmo modo, no Estado de São Paulo a Lei Complementar 988/2006, Lei Orgânica Estadual da Defensoria Pública, prevê, entre suas funções institucionais, a de “atuar como Curador Especial nos casos previstos em lei” (art. 5°, inciso VIII).” 4. A matéria em questão foi enfrentada pelo C. Supremo Tribunal Federal, em decisão da lavra e. Ministro Joaquim Barbosa, na Reclamação n° 14094/SP, j. 14.09.2012: “A simples ausência de aplicação de uma dada norma jurídica ao caso sob exame não caracteriza violação da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal. Para caracterização da ofensa ao art. 97 da Constituição, que estabelece a reserva de Plenário (full bench) para declaração de inconstitucionalidade,


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é necessário que a causa seja decidida sob critérios diversos, alegadamente extraídos da Constituição, de modo a levar ao afastamento implícito ou explícito da norma por incompatibilidade com a Constituição. Transcrevo, nesse sentido, a ementa do acórdão proferido no julgamento da Rcl 6.944, rel. min. Cármen Lúcia, Pleno, DJe 13.08.2010 (grifei): RECLAMAÇÃO. SÚMULA VINCULANTE N. 10. REVISÃO DE BENEFÍCIO. LEI N. 9.032/95. DECISÃO DA SEXTA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PLENÁRIO. RESERVA DE PLENÁRIO. NÃO CONFIGURADO O DESCUMPRIMENTO DA SÚMULA VINCULANTE N. 10 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. A simples ausência de aplicação de uma dada norma jurídica ao caso sob exame não caracteriza, apenas por isso, violação da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal. 2. Para caracterização da contrariedade à súmula vinculante n. 10, do Supremo Tribunal Federal, é necessário que a decisão fundamente-se na incompatibilidade entre a norma legal tomada como base dos argumentos expostos na ação e a Constituição. 3. O Superior Tribunal de Justiça não declarou a inconstitucionalidade ou afastou a incidência dos arts. 273, § 2º e 475-o, do Código de Processo Civil e do art. 115, da Lei n. 8.213/91, restringindo-se a considerá-los inaplicáveis ao caso. 4. Reclamação julgada improcedente. No caso concreto, não me parece que tenha havido burla à reserva de Plenário. Em verdade, o voto proferido pelo desembargador relator do acórdão reclamado salientou a necessidade de observar de maneira satisfatória os direitos do interditando, especialmente o direito ao contraditório e à ampla defesa. Leio: Segundo o entendimento aqui manifestado, merece acolhimento o parecer da digna Procuradoria Geral de Justiça, sendo o caso de anular-se o processo. Inicialmente e apenas para tecer considerações sobre o tema, observase que, a teor do que dispõe o artigo 129, IX da Constituição da República, é vedado ao Ministério Público o exercício da representação processual, razão pela qual pode se considerar como não recepcionado o artigo 1.182, §1º, do Código de Processo Civil, pela Constituição Federal. Assim e em processos de interdição o órgão do parquet funciona como fiscal da lei, sendo de rigor a nomeação de advogado para defender o interditando, como seu curador especial. A esse respeito, valiosa a lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery: “A lei processual pressupõe que o interesse público preponderante, no caso, é o do interditando, no sentido de não ser privado da Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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regência de sua pessoa e bens (direitos fundamentais seus). O posicionamento do MP, como fiscal da lei, deve ser no sentido de produzir todas as provas necessárias para que se preserve esse interesse. Na medida em que vai formando convicção no decorrer do processo, nada impede que opine em favor da interdição. Deve o órgão do MP, contudo, ter a cautela de requerer ao juiz sempre a nomeação de defensor ao interditando, sob pena de nulidade, pelas razões a seguir expostas. Entendemos revogado o contido no CPC 1182 § 2º. O juiz dará advogado sempre ao interditando, quando este ou parente seu (CPC 1182 § 3°) não o tenha constituído. As razões são as que seguem: a) a CF 5° LV garante aos litigantes em processo judicial e administrativo ampla defesa: b) a nova fisionomia jurídica do MP (CF 127 e 129) impede que seus integrantes façam a representação judicial da parte ou do interessado (CF 129 IX): c) é indispensável a nomeação de advogado ao réu ou interessado como órgão essencial à administração da justiça (CF 133): d) é obrigatória a prestação de assistência jurídica (e não meramente judiciária) aos necessitados (CF 5 LXXIV e 134): e) é grave a medida que o procedimento visa impor ao interditando, limitando seus direitos fundamentais”. Desse entendimento não discrepa Antonio Carlos Marcato, para quem: “A primeira parte do§ 1º do artigo 1.182 do CPC foi derrogada. não sendo mais admissível ao Ministério Público, como já foi afirmado anteriormente, a representação judicial da parte ou do interessado (CF 129, IX, in fine). Consequentemente, a representação judicial do interditando caberá ao curador nomeado pelo juiz, sendo ele próprio advogado (v. art. 1.179): caso contrário, será necessária a constituição de patrono ao interditando, por iniciativa sua, de parente ou nomeação pelo juiz, seja porque o advogado é indispensável à administração da justiça (CF, art. 133), seja em atenção às garantias do contraditório e da ampla defesa (idem, art. 5º, LV)”. Nesse sentido, já se decidiu no Colendo Superior Tribunal de Justiça e neste Tribunal: “Incapaz - Curador especial - Ministério Público - Art. 9º parágrafo único do Código de Processo Civil. A representação judicial dos incapazes não é de ser exercida por membro do Ministério Público, salvo se existir norma local nesse sentido. Em processos em que figurem pessoas incapazes, a atuação do Ministério Público só é obrigatória como fiscal da lei (art. 82, II, do CPC) (REsp 67278 /SP Rei. Min. Eduardo Ribeiro 3ª Turma j. 30/09/1999 pub. DJ 17.12.1999 p. 350) INTERDIÇÃO. Curador especial. Nomeação. Necessidade Artigo 1.182, § 1º, primeira parte, do Código de Processo Civil, não recepcionado pela Constituição da República de 1988 Ilegitimidade do Ministério Público para e exercer a representação do interditando Inteligência dos artigos 127, e 129 da referida Carta Magna Recurso provido JTJ 252/298. Assim, de rigor a nomeação de curador ao interditando, o qual prestigiará


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seu interesse. Verifico, portanto, que o fundamento da decisão reclamada não foi a suposta inconstitucionalidade da norma prevista no § 1º do art. 1.182 do CPC, mas a conclusão de que os interesses do interditando só podem ser adequadamente contemplados com a designação de curador próprio, não cabendo afirmar a suficiência da atuação do Ministério Público para esse fim. Tal premissa integrou a fundamentação da decisão monocrática proferida pelo min. Eros Grau no RE 444.652, na qual Sua Excelência negou seguimento àquele recurso extraordinário (grifei): Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná contra a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, assim ementada (fls. 71): “AGRAVO DE INSTRUMENTO - INTERDIÇÃO FEITO - NULIDADE- DEFENSOR NOMEADO- MINISTÉRIO PÚBLICO INTERVENÇÃO - RECURSO- PROVIMENTO. Se a contestação não vier por parte do curador à lide deve o juiz substituí-lo através de nova nomeação, não podendo o processo de interdição dela prescindir. Cabe ao Ministério Público a atuação precípua de defender a ordem jurídica e o bem comum, sem compromisso com as partes envolvidas na relação processual. Observância dos arts. 1.182 e parágrafos do Código de Processo Civil. Recurso. Provimento.” 2. Aduz o recorrente violação dos artigos 127 e 129, IX. da Constituição do Brasil. 3. Verifica-se que a atribuição ora pleiteada pelo Ministério Público --- atuar como curador em processo de interdição --- não encontra previsão constitucional, estando elencada tão somente na Lei Orgânica daquela instituição (artigo 5º, III, “e”, da LC n. 75/93). 4. Observa-se, assim, que para dissentir do aresto recorrido seria necessária a análise da matéria infraconstitucional que disciplina a espécie. Eventual ofensa à Constituição somente se daria de forma indireta, circunstância que impede a admissão do extraordinário (RE n. 148.512, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ de 2.8. 96; AI n. 157. 906-AgR, Relator o Ministro Sydney Sanches, DJ de 9.12.94; AI n. 145.680-AgR, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 30.4.93). Ante o exposto, com fundamento no artigo 21, § 1º do RISTF, nego seguimento ao recurso. Ante o exposto, com fundamento no art. 21, § 1º, do RISTF, nego seguimento ao pedido. Fica prejudicada a análise do pedido de medida liminar.” (g.n.) 5. Deve, portanto, o Ministério Público intervir nos processos de interdição como fiscal de lei. 6. Com base em tais fundamentos, na parte conhecida, em julga-se improcedente a arguição de inconstitucionalidade.

Revista Eletrônica de Jurisprudência doTribunal de Justiça de São Paulo Novembro e Dezembro de 2013


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