Daspu A moda sem vergonha
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Daspu A moda sem vergonha Flavio Lenz
PatrocĂnio
Copyright © 2008 Flavio Lenz COLEÇÃO TRAMAS URBANAS curadoria HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA consultoria ECIO SALLES projeto gráfico CUBÍCULO DASPU – A MODA SEM VERGONHA produção editorial ROBSON CÂMARA revisão CAMILA KONDER revisão tipográfica ROBSON CÂMARA
L59d Lenz, Flavio Daspu : a moda sem vergonha / Flavio Lenz. - Rio de Janeiro : Aeroplano, 2008. (Tramas urbanas) ISBN 978-85-7820-005-3 1. Daspu (Marca) - História. 2. Prostitutas - Vestuário. 3. Moda Estilo - Aspectos sociais. 4. Moda - Aspectos sociais. I. Título. II. Título: A moda sem vergonha. III. Série. 08-2093.
CDD: 391
27.05.08
28.05.08
CDU: 391 006823
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AEROPLANO EDITORA E CONSULTORIA LTDA Av. Ataulfo de Paiva, 658 / sala 401 Leblon – Rio de Janeiro – RJ CEP: 22440 030 TEL: 21 2529 6974 Telefax: 21 2239 7399 aeroplano@aeroplanoeditora.com.br www.aeroplanoeditora.com.br
Nas tantas periferias brasileiras – periferia urbana, periferia social – se reforçam cada vez mais movimentos culturais de todos os tipos. Os mais visíveis talvez sejam os de alguns segmentos específicos: grupos musicais, grupos cênicos, grupos dedicados às artes visuais. Mas de idêntica importância, embora com menos visibilidade, é a produção intelectual que cuida, além de questões artísticas, de temas históricos, sociais ou políticos. A coleção Tramas Urbanas faz, em seus dez volumes, um consistente e instigante apanhado dessa produção amplificada. E, ao mesmo tempo, abre janelas, estende pontes, para um diálogo com artistas e intelectuais que não são originários de favelas ou regiões periféricas dos grandes centros urbanos. Seus organizadores se propõem a divulgar o trabalho de intelectuais dessas comunidades e que “pela primeira vez na nossa história, interpelam, a partir de um ponto de vista local, alguns consensos questionáveis das elites intelectuais”. A Petrobras, maior empresa brasileira e maior patrocinadora das artes e da cultura em nosso país, apóia essa coleção de livros. Entendemos que é de nossa responsabilidade social contribuir para a inclusão cultural e o fortalecimento da cidadania que esse debate pode propiciar. Desde a nossa criação, há pouco mais de meio século, cumprimos rigorosamente nossa missão primordial, que é a de contribuir para o desenvolvimento do Brasil. E lutar para diminuir as distâncias sociais é um esforço imprescindível a qualquer país que se pretenda desenvolvido.
Renego a santidade. Sonho com a puta inteira, grandiosa e fundamental. Gabriela Leite O desejo de vestir Daspu vai muito além da vontade de consumir a marca. Há um desejo de compartilhar a linguagem dos gestos pornográficos, as fantasias, o erotismo, os prazeres da noite. Moda como gesto e não como discurso. Elaine Bortolanza
Eu sou o único presidente das putas. Waldo Cesar, em memória
Sumário 10
Prefácio – André Villas-Boas
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Apresentação – O preconceito pelo avesso
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Cap.01
Até Puta!?
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Cap.02
Grana, Política e Cultura
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Cap.03
De Bar em Bar
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Cap.04
O Tempo é o Tempo
68
Cap.05
Fim de Ano de Doido
84
Cap.06
Periferia Central
102
Cap.07
Vendendo e Aprendendo
108
Cap.08
Rock, Samba e Funk
126
Cap.09
Um Passo Adiante
140
Cap.10
Daspu na Pista
156
Cap.11
Show no Glória e Sedução Daslu
170
Cap.12
Os Europeus, o Comércio e o Vestido de Noiva
186
Cap.13
O Trem, a Atriz e uma Puta Arte com a Lingerie
196
Cap.14
As Mulheres Perdidas são as Mais Procuradas
210
Cap.15
Consultores, Estudantes e Cooperativados
218
Cap.16
Imagem e Público
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Cap.17
A coleção Fantasma
232
Cap.18
De Dentro para fora e de fora para dentro
238
Cap.19
Na Medida do impossível
244
Cap.20
Sem choro nem vela, com Marias e Rosas
250
Linha da vida
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Legendas e créditos de imagens
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Sobre o autor
Agradecimentos
Agradeço a todas as pessoas que pacientemente deram entrevistas ao autor, contribuindo para a montagem de uma história viva de tantas protagonistas. Algumas delas – especialmente as queridas dasputinhas, que põem a cara e a coragem nas passarelas e passeatas – foram assediadas repetidas vezes, gravador à frente, sempre demonstrando boa vontade. O leitor identificará por nome e sobrenome os entrevistados. Adianto apenas um, o da arquivista Maria José Lessa, porque também ajudou na busca e seleção de documentos e reportagens que animaram as recordações. Aos fotógrafos amadores e profissionais que cederam as imagens, também agradeço. Elas contribuem, e muito, para ampliar os esforços textuais do autor. André Villas-Boas, o prefaciador e atento leitor, deu valiosas sugestões. A ele também sou agradecido por encontrar subversões na minha “prática”, surpreendentes para quem não se dava conta delas.
Heloisa Buarque de Hollanda, que pelos destinos é a minha primeira editora em livro, como foi de minha irmã, Ana Cristina Cesar, acreditou e incentivou sempre (até com exagerados elogios), mesmo quando os ponteiros do tempo giravam no sentido anti-horário. Robson Câmara, também da Aeroplano Editora, brindou-me com um cuidadoso acompanhamento e com paciência zen, entremeada pelo tom aflito da urgência industrial. Agradeço também a meu filho, Rafael Cesar, que presenciou boa parte do esforço desta escritura, sempre estimulando minha teimosia. Ele esteve presente em muitos dos momentos descritos no livro e aparece em algumas páginas dele. E pela memória extraordinária, que preencheu as lacunas da minha, ordinária, das reportagens, documentos e até de lembranças de outros protagonistas, devo um especialíssimo agradecimento a minha companheira, Gabriela. Obrigada (não por acaso) a conviver com um atormentado e obsessivo autor de primeira viagem, teve uma incrível paciência para me ajudar a montar o quebra-cabeça (que felizmente ela adora), mesmo quando crochetava, jogava ao computador ou lia seus policiais preferidos. A meu crédito, acredito que nunca a interrompi enquanto escrevia o seu próprio livro. A você, Gabi, também agradeço por ter me levado para esta vida de verdade e paixão.
Prefácio
O trabalho com o qual você está prestes a entrar em contato não é nem uma obra formal de análise da original experiência de militância política representada pela Daspu nem um festivo desenrolar dos êxitos de uma marca que, pelas bênçãos de uma mídia fundamentalmente interessada em vender seus jornais, revistas e programas, caiu nas graças de parte considerável da população urbana. Ele é, no fim das contas, um livro de memórias em formato jornalístico. O que Flavio assumidamente faz é como que tomar um chope com o leitor, desfiando passagens de uma história que de cara desperta curiosidade em qualquer um. E, que ao ser pormenorizada, não decepciona. De saída, ela trafega entre cenários que partem da rua Imperatriz Leopoldina, na Praça Tiradentes – a principal área de prostituição na qual atuam os protagonistas –, até o gabinete do Secretário-Geral da ONU (ra-rã: não há exagero algum nisso, e está logo no início do livro). E que passa ainda por Veneza e por Liubliana, nos cafundós da Eslovênia (é a capital de lá).
Também está logo no início: as putas da Praça Tiradentes – em nome das quais fala Gabriela Silva Leite, a líder da ONG Davida (que está por trás da Daspu) – acabaram sendo as responsáveis por decisões de Estado justificadas pela soberania nacional e que significaram a recusa formal (portanto, explícita) do governo brasileiro em adotar a doutrina moral de Bush. De novo, sem qualquer exagero no episódio, e Flavio o relata ao lado de outros, como o da puta que se assumiu soropositiva e desistiu de entregar-se ao definhamento depois de ver sua foto estampada em quase página inteira de jornal lado a lado à de Gisele Bündchen. E não há pieguice alguma no relato, há vida. Ou o do vestido de noiva (branco!) formado por lençóis de hotéis de programa e que acabou correndo o mundo exposto em bienais e mais bienais de arte. Ou o da famosíssima estilista francesa (rodrigueanamente chamada Fifi; isto mesmo: o nome da estilista é Fifi. Fifi!!!) que entrou e saiu de uma parceira comercial com as putas porque (gringamente) não entendeu nada do que se passava, e subiu nos tamancos (obviamente, se os usasse) quando finalmente percebeu que as roupas da Daspu não pretendiam desputar as putas, mas afirmar sua cidadania como putas. Ou do músico que, sem conhecer ninguém, compôs um funk em homenagem à Daspu trancado no banheiro numa madrugada, suando às bicas, e, para comemorar a conclusão da obra, masturbou-se freneticamente pensando nas putas mais gostosas que havia comido na vida. Esta história, obviamente, o autor não viu nem viveu, mas ouviu do próprio músico, que com ela quis mostrar seu respeito e carinho pelas meninas. E efetivamente mostrou. Os ingredientes da narrativa de Flavio parecem de uma ficção desvairada, mas não são – assim como, embora perfilados aqui possam parecer, também não o são de uma descompromissada crônica sobre esquisitices tropicais. Ao contrário disso, trata-se mesmo de um chope, no que de mais sério ele efetivamente é: aquela ocasião em que, reunidos em torno de uma mesa e
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fingindo que estamos jogando conversa fora, nos sentimos livres para beber nossos sucessos e fracassos e, africanamente, nos renovarmos impregnando-nos deles. A comparação com o chope – e a compreensão de que, ao contrário do que parece, ele está entre os momentos mais decisivos de nossas vidas – não é mera retórica. Flavio é um narrador privilegiado dessa história por razões múltiplas. Como ativista, esteve presente em praticamente todos os momentos importantes (e, na maior parte das vezes, foi um dos sujeitos deles). Como assessor de imprensa do Davida, foi (e é) o principal interlocutor com a mídia (o deuteragonista do fenômeno Daspu). Como marido de Gabriela, teve conversas de travesseiro que atuaram decisivamente nos rumos dos acontecimentos. Mas também se credencia como narrador porque é um bom bebedor, e foi nessa condição que continuamente refez cada episódio dessa jornada, reelaborando criticamente a experiência vivida, em conjunto com os demais personagens. Certamente soa estranho – e talvez folcloricamente carioca – avalizar um autor por sua condição de bom bebedor. Ou assumir a legitimidade dos bares como alguns dos principais espaços das reuniões, avaliações, criações, decisões e conflitos que se desenrolam ao longo das páginas. E é mesmo estranho, porque estranhas são estas estratégias com que tem trabalhado parte dos movimentos sociais nas últimas décadas – e que acadêmicos localizados na trincheira dos estudos culturais (na qual estou) volta e meia chamam de políticas estéticas. Ou seja: estratégias políticas de afirmação de identidades e de direitos à cidadania que não se limitam às formas tradicionais do ativismo político (ou mesmo as substituem de todo, em certos casos), desgastadas com os poucos êxitos e as sucessivas derrotas da esquerda no terço final do século passado. Outro movimento – também ligado à sexualidade, como o das putas – é freqüentemente apontado como modelo desta nova configuração: o dos homossexuais. É na estética de suas
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passeatas coloridas, fantasiosas, financiadas pela iniciativa privada na área do lazer (isto é, do prazer), que se impõe a forte afirmação identitária que elas objetivam. Mas esta afirmação também se impõe – e, na realidade, fundamentalmente – na própria expressão da sexualidade em praça pública. E estou falando bonito para referir-me a questões muito (e literalmente) palpáveis: a exposição de corpos, volumes e pegações. A própria substituição do termo passeata por parada (herança do movimento gay norte-americano) indica esta alteração – seja ela interpretada como uma ofensiva conservadora (uma forma de despolitização do indespolitizável) ou, ao contrário, como opção expressa por novas formas de avanço da politização. Um dos aspectos do fenômeno Daspu é justamente este, no qual ele se configura num inusitado ativismo político, viabilizado por meio de uma marca de roupas e de desfiles de moda de caráter espetacular. Os desfiles da Daspu têm o mesmo sentido que tinham aquilo que nos anos 1960 e 1970 eram chamados de “manifestações”. Porém, a comparação termina aí, como Flavio sinaliza numa passagem de seu texto. O público presente nessas novas manifs as percebe e as vivencia de maneira bem diversa: “as pessoas saíam do teatro [no qual se realizara um desfile] direto para as compras [das roupas da Daspu], mobilizadas e pegas de surpresa por uma forma de ação distanciada dos usos e costumes da militância social”. Não há novidade alguma na realização de espetáculos ou atividades artísticas e de lazer por movimentos políticos. Esquerda e direita utilizaram tal tática corriqueiramente: basta lembrar os construtivistas russos dos primeiros anos da Revolução de Outubro e a exuberância dos comícios do III Reich, que até hoje impressionam (e atraem) por si mesmos. Ou, no Brasil, a promoção da seleção canarinho pela ditadura militar ou os CPCs organizados pela UNE e pelo PCB. A novidade não reside na ocorrência destas táticas, mas na sua transformação em estratégia. A conformação estética não é mais um “braço cultural” do
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movimento, mas tornou-se o próprio movimento. Gays não organizam paradas para atrair massa para assembléias políticas, nem putas fazem desfiles para arregimentar abaixo-assinados. Dançar ou desfilar, seja de tanguinha prateada ou de vestido de noiva com logotipos desbotados de hotéis de encontro é a própria ação política. Há ainda um outro dado instigante no livro: um encadeamento de instâncias tradicionalmente estanques e refratárias, que se imbricam umas às outras de forma tal que é impossível compreender umas sem as outras e mesmo delimitá-las entre si. Política, sobrevivência, prazer, sexo e família formam um todo que perpassa a narrativa do início ao fim e também a ação dos personagens – e isso toma maior relevância porque, afinal, estamos falando de putas, e de putas de rua. Ainda que alguns momentos importantes do percurso da Daspu ocorram em gabinetes de secretário-geral e refrigeradíssimos estúdios de televisão, é mesmo pela Rua Imperatriz Leopoldina que eles se justificam e dela não se desvinculam, pelo próprio posicionamento político de seus protagonistas. Isto significa que estamos falando de um ativismo político que se dá em meio a hotéis de programa e seus lençóis manchados, lufadas mal-cheirosas que escapam de bueiros, pés-sujos e seus copos volta e meia marcados de batom, porres que chegam a varar madrugadas e decotes tão generosos quanto suados. É com estes dados em vista que se deve levar em conta a imbricação destas instâncias. E que é demonstrado pela observação final da ativista – remunerada em nome da ONG – ao contar como alguns hotéis de programa a receberam bem quando foi pedir colaboração para a confecção do vestido de noiva: “Só não rolou uma cortesia, eu estava sozinha”, ela lamenta. Se pintasse alguém que valesse a pena, talvez até desse para aproveitar a ocasião e dar uma rapidinha sem pagar o quarto. Por que não? A primeira destas sobreposições é, obviamente, a de sexo e sobrevivência. Num ambiente de putas, come-se a carne
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justamente onde se ganha o pão – e isto faz a enorme diferença que as torna socialmente um grupo à parte. Mas a primeira delas que me chamou a atenção no texto de Flavio é a imbricação da política e da sobrevivência (ou seja, o trabalho): Flavio se “localiza” como ativista político nas mesmas situações nas quais fala como assessor de imprensa do Davida, e vice-versa. A separação entre as duas esferas está na gênese da sociedade burguesa – desde o Kant de O que é o Esclarecimento e seu “uso público da razão” – e está no nosso dia-a-dia: não cabe a um taxista afirmar-se politicamente quando na posição de taxista (ou seja, no exercício de seu trabalho), sob pena de pôr para fora do carro o passageiro que, segundo suas convicções, defende posições que contrariam o bem comum. Uma vez, tive o azar de me deparar com um motorista que não devia saber dessa regra básica e, por conta de sua defesa das privatizações das teles, me vi com três sacolas repletas de livros na beira do Canal do Mangue, onde não passa táxi vazio e muito menos há pontos de ônibus. “Ser profissional” é, então, executar plenamente as tarefas do trabalho ao qual alguém se propõe, independentemente de suas convicções pessoais (sejam políticas, morais, religiosas etc). No caso do Autor, isso chama mais a atenção por ele ser um jornalista e apresentar-se como tal: “seja profissional” é um imperativo freqüente no dia-a-dia das redações, e não há qualquer estranhamento nisso no ambiente jornalístico. Um bom jornalista é antes de tudo um profissional – ou seja, aquele cujo “profissionalismo” pressupõe o descomprometimento para com as conseqüências da própria ação, pois em nome de tal mérito a ação é desvinculada de qualquer instância externa à tarefa, seja ela política, ética, moral e por aí vai. Vivi os últimos momentos de minha carreira como jornalista quando Lula disputava com Collor a presidência da República. Nessa época, convivia na redação do jornal com um personagem que lembro com carinho, dada a condição absurda que ele vivia como subeditor da editoria de política. Até as 16h, ele era um militante petista.
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Mas, a partir deste horário, todos os dias, ao iniciar sua jornada de trabalho, ele fazia campanha para Collor, à qual o jornal se dedicava quase abertamente. Tal contradição, obviamente, não é exclusividade de jornalistas. Sei de uma engenheira química que forja sabores, odores e cores para alimentos industriais, mas que em casa provê a família apenas de produtos dados como naturais. E eu mesmo, como professor, já tive momentos em que omiti dadas convicções justamente por estar na posição de professor. Talvez a diferença esteja no alcance desse profissionalismo – o que, em outros tempos, chamávamos rotineiramente de alienação do trabalho. A prática de Flavio subverte esse pressuposto da esfera produtiva ao sobrepor as duas instâncias como uma só – e refiro-me exclusivamente a ele porque, sendo o Autor, a ele coube tornar esta subversão permanente para o leitor. Mas sua prática também subverte outra dilaceração básica da sociedade burguesa: a do sexo e da família. Flavio é marido da puta aposentada que lidera putas que gostam de ser putas. É filho do homem que presidiu a ONG até sua morte, ocorrida recentemente. E é pai de Rafael, que, embora não seja propriamente um ativista, é figura fácil nas atividades do Davida e nos eventos da Daspu. Não há qualquer contradição entre o ambiente da putaria e o marido Flavio, o pai Flavio ou o filho Flavio – como aliás, não há também entre os outros personagens desta história. A primeira vez que tive um contato direto com o movimento social das prostitutas foi por meio do próprio Davida, quando funcionava numa casa quase ao pé do morro de São Carlos, no bairro carioca do Estácio. Era um pagode (semanal, se não estou enganado) que a ONG organizava, dentro de sua política de unir militância e prazer. Além do papo regado a cerveja por um bom preço, fui atraído pela curiosidade de beber ao lado de putas num momento em que não estariam trabalhando, o que me dava a oportunidade de conviver com o Outro em seu próprio ambiente sem que eu mesmo fosse formalmente apresentado
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como o seu Outro – e isto é uma das coisas mais gostosas (e produtivas) do mundo. Por mais ingênuo que possa parecer, fiquei espantado: estavam lá as putas, alguns de seus clientes que se tornaram também amigos, os funcionários e militantes da ONG mas, também, os maridos daquelas mulheres, alguns filhos e até netos, que corriam entre as mesas de boteco como irritantemente fazem em qualquer bar ou restaurante. O ambiente era quase familiar – e só não o era porque, afinal, eu estava no meio de putas. E creio não haver nada mais ofensivo à identidade de uma puta do que qualificá-la como uma puta de família. Esta lembrança me veio insistentemente à mente ao ler o trabalho de Flavio, porque, tal como naquele pagode, a putaria e a família estão lado a lado, sem que uma se sobreponha, negue ou atenue a outra. Assim como o prazer não está desvinculado do trabalho (que, no caso dos ativistas da Daspu, se estende e se renova no bar), o trabalho não está desvinculado das convicções políticas (diferentemente, se justifica por elas mesmas), a política não está desvinculada do sexo (porque se exprime por meio dele) e o sexo não está desvinculado do prazer e viceversa (e ai de quem disser para Gabriela que é solidário às prostitutas porque elas são vítimas da sociedade que não lhes deu opções!), na história da Daspu a família também não está desvinculada de nenhuma destas instâncias. Se Gabriela não está mais exercendo a putaria ou se o pai ou o filho não foram ou são michês, é porque suas vidas profissionais têm outros rumos, e apenas por isso. Nenhum deles também é engenheiro. Afinal, nem todos nascemos para a engenharia, tal como nem todos nascemos para a putaria. Remunerada, bem-entendido. André Villas-Boas, maio de 2008
Apresentação: O preconceito pelo avesso A multidão aplaude, grita e sorri, oferece palavras de incentivo e apoio: “Lin...da!”. Os artistas correm e pulam, viram-se em vozes e gestos. Percussionistas navegam ondas sonoras. Profissionais de mídia e cinema se esbarram de aperto, tensão e excitação. Parangolés de todas as cores forram a rua de pétalas de rosas vermelhas. E as putas, majestosas, desfilam a dignidade da batalha do tempo. Por último, a estilista da auto-estima percorre os paralelepípedos de flor ao encontro das colegas que acabam de mostrar a moda da vida, a moda da puta para quem quisesse ver, sentir e se unir. Choro e pranto, alegria e êxtase reinauguram a noite do desfile de lançamento da grife Daspu. Noite que gozou lentamente no tesão desse encontro. “É um evento de liberdade. Putas se vendo como grupo social e mostrando a moda delas para todos, em vez de usar a moda de todos para elas”, diz o jornalista Alexandre Gabeira. “Daspu é histórica, antropofágica – pelo nome, pelo contraste entre alta burguesia e a realidade do país”, afirma a educadora Carla. “Golaço. Brilhante. Pode revolucionar mentes e corações, porque questiona valores, toca na moda, na cultura, no astral da cidade. Viva a Daspu”, arremata o sociólogo Orlando Júnior, acompanhado pela estudante Isabela Cantoi: “Este país precisava de um remelexo. E isso foi mais que um remelexo. Foi uma revolução. Parabéns”.
Exultantes e apaixonadas pelo próprio espetáculo e pela receptividade, as protagonistas confirmam as impressões. “Agora as pessoas estão apoiando muito, aceitando mais a gente, sem aquele preconceito bobo”, decreta a dasputinha Jane Eloy. “Estou muito bem, fui muito aplaudida. Verdadeiros ou falsos, os aplausos eu aceito”, bem-trata as palavras Valéria, primeira página de jornal no dia seguinte. À meia-distância, a professora Ana Maria Faria percebe o fundamental: “Começa agora outra fase, muito evidente, para as prostitutas. As pessoas não têm mais como ignorar. Tá na rua”. Essa rua, terra de todos, onde “o preconceito foi virado pelo avesso”, nas palavras de Gabriela Leite, a estilista da auto-estima, ainda cercada por admiradores. “Quando minhas amigas putas desfilam lindas e altivas, sem vergonha de ser puta, estão falando por si mesmas e sendo políticas, extremamente políticas e revolucionárias”. E conclui: “O caminho está aberto para a puta cidadã”.
Sacanagem, como só elas Era 16 de dezembro de 2005, rua de batalha Imperatriz Leopoldina, Praça Tiradentes, centro histórico e boêmio do Rio. Com apoio de artistas e um empresário da noite, assistidas por outros profissionais e apreciadas por gente de toda parte, profissão e origem, seis prostitutas da ONG Davida e uma convidada autônoma lançavam a grife Daspu. Concebida em julho e descoberta em novembro, a iniciativa pretendia, pela moda, sacanear o estereótipo da puta, dar visibilidade aos desafios e conquistas do movimento organizado da categoria, destruir o preconceito e a caretice e, claro, vender roupas para gerar recursos. Um negócio social. Desde então, dezenas de desfiles em ruas, boates, espaços culturais, de moda e de arte, em colégios, congressos e até em
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vagões de trem, presenciados por milhares de pessoas e retratados em centenas de reportagens mundo afora, consolidaram o desejo e a esperança das fundadoras, que também venderam milhares de produtos. Este livro pretende contar a história – ainda curta e já robusta – da grife Daspu, de sua concepção em noite de festa ao último minuto do deadline da editora. O desafio é relatar quatro aspectos essenciais da iniciativa, que evoluem separadamente, paralelamente ou em um harmonioso e inseparável conjunto: o político, o cultural, o erótico e o empresarial. É evidente, no primeiro aspecto, que a grife Daspu jamais teria frutificado se não estivesse no contexto de uma luta política, da militância de mais de duas décadas do movimento de prostitutas. O brilhante e oportuno nome da marca não teria feito sentido, ou ultrapassado o contorno de uma divertida brincadeira – acusação brandida pela Daslu contra a Daspu, – se tivesse surgido de outro ambiente, seja na própria sociedade civil, seja na iniciativa privada. A potência do nome e do empreendimento está definitivamente ligada a um ativismo político já conhecido por parte da sociedade na época em que a Daspu se tornou pública. Quem acompanhava o movimento das prostitutas entendeu tudo, de imediato. Outros se “lembraram” do ativismo das mulheres da vida e também compreenderam o sentido da proposta, passando inclusive a estabelecer relações com nomes de pessoas e organizações. Finalmente, quem nunca tinha ouvido falar da luta política das prostitutas passou a conhecê-la como nunca antes havia sido conseguido por qualquer outra iniciativa das próprias ativistas. O aspecto cultural é o segundo. A moda, considerada um sistema a partir do final da Idade Média e impulsionada no século XVII por Luís XIV, sempre agregou influências sociais, históricas e culturais. Mas muito tempo decorreu para que ela começasse a ser compreendida para além do estereótipo da futilidade ou do componente estético. Hoje, já se percebe a moda também
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como uma manifestação cultural e artística, que envolve profissionais e artistas de outras áreas, como cenógrafos e músicos, além dos especialistas da área, como estilistas, modelistas, costureiras, modelos. Os desfiles, eventos de maior visibilidade da indústria, tentam, cada vez mais, tornarem-se acontecimentos culturais (mesmo mantendo os outros aspectos), e as próprias roupas muitas vezes são produzidas a partir de temas e conceitos da cultura e da arte, ou de temáticas sociais. Aliado a tudo isso, trata-se de um mercado de enorme importância em todo o mundo, que abrange todos os seres humanos que se vestem – e até alguns animais domésticos –, emprega milhões de pessoas e gera bilhões por ano. Esse é justamente o terceiro aspecto de Daspu: o empreendimento empresarial, o negócio que busca superávit, mesmo que para utilização social. E é nesse ponto que se encontra o maior desafio da grife até o momento. Nascida numa organização não-governamental de prostitutas ativistas e aliados de outras profissões – a ONG Davida – Prostituição, Direitos Civis, Saúde, formalizada no Rio em 1992 e fundadora da Rede Brasileira de Prostitutas –, a Daspu começou a crescer em um ambiente não-empresarial, embora empreendedor. Mesmo a qualificada e diversificada equipe, composta de prostitutas (tradicionalmente negociantes), profissionais de administração e formuladores e executores de projetos, não tinha experiência em negociar produtos. (Vale lembrar que prostitutas prestam serviços e as ONGs normalmente também oferecem serviços em troca de doações). A complexidade e a especialização do mercado, e também do setor de moda, aliadas à explosão prematura de visibilidade da Daspu, pegaram todos nós despreparados para as preliminares do prazer. Palavras que levam ao quarto aspecto, o erótico. Neste, as putas podem se considerar imbatíveis. Especialistas em fantasias, abrem-se ao inconsciente e nele viajam, com profissionalismo e/ou paixão, às vezes encontrando até semelhança – ou
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diferença – a provocar um acidente de trabalho. A liberdade de que elas dispõem para a sexualidade, ou pelos menos a fantasia dessa liberdade no outro, é suficiente para que uma puta anunciada, ao surgir numa passarela – espaço glamuroso e erotizado do modelo de elite –, tire qualquer um do sério. Daí surgem risos, aplausos, espanto, adesão, admiração, apoio, fantasias. Os distintos cenários dos desfiles, dos ambientes da baixa prostituição aos ricos eventos de moda, e a mistura de modelos prostitutas e não-prostitutas contribuem ainda mais para confundir o estigma e o preconceito: quem é puta, quem não é, o que é a puta, o que ela não é? Esse conjunto político-cultural-erótico-empresarial muitas vezes se une e faz gozo na passarela. Ou é preliminar do prazer e da fantasia na hora do consumo. “O desejo de vestir Daspu vai muito além da vontade de consumir a marca. Há um desejo de compartilhar a linguagem dos gestos pornográficos, as fantasias, o erotismo, os prazeres da noite. Moda como gesto e não como discurso”, nas palavras da psicóloga e modelo exclusiva Elaine Bortolanza. O resumo da ópera: uma inusitada ação política e lúdica, embaralhando sentidos culturais e eróticos e confundindo modelos sociais e empresariais. A ponto de atrair e afastar, ao mesmo tempo, empresas que investem em responsabilidade social, agências privadas e governamentais, destinadas exclusivamente ao financiamento social, ou os Sistemas S da vida. A ponto de, enquanto a imensa maioria saca o movimento, haver quem insista em compreender a iniciativa como uma forma de tirar mulheres da prostituição. Finalmente, e essa não pode passar em branco, puta faz moda, puta sempre fez moda. Pra seduzir e batalhar. A jornalista Iesa Rodrigues foi a primeira especialista brasileira a escrever, com todas as letras, há muitos anos atrás, que as patricinhas andavam imitando o modo de vestir das prostitutas. A sedução, neste caso, andou para o lado.
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Tudo isso é a Daspu, confirmando o que sempre buscou o movimento de prostitutas: a puta falar por si mesma. E ousando ainda mais: seduzir o restante da sociedade para a sua causa e o seu novo negócio. Desafio grande retratar tanta complexidade. O leitor que me ajude, acompanhando a história – relatada de forma diversa desta apresentação – que vai começar.
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O jornal liga para a ONG. A secretária avisa que vai transferir para o assessor de imprensa. Antes de teclar o ramal, ela escuta o colunista dizer a um coleguinha: “Porra, agora até puta tem assessoria de imprensa!?”. A cena é de 2002, exatamente dez anos após a fundação da ONG Davida. Do lado de cá, quem enfrentava este e outros telefonemas de imprensa era o autor destas e das próximas linhas, que espero atraentes. Fazia poucos meses que eu me dedicava de forma integral à Davida, finalmente liberto do que uma pessoa muito especial (cuja identidade logo será revelada) chamava de “escravidão”. E que era, simplesmente, uma banca de redator em um jornal carioca, o Brasil. Foi a demissão, daquelas bem sacanas numa volta de férias, que me estimulou a tomar a decisão que há tempos me aguardava. Batalhar – ou voltar a batalhar – direto no movimento de prostitutas, dentro da organização que eu havia batizado e que era liderada, como hoje, por Gabriela Leite (pronto, revelado). Com a minha presença constante na ONG e diante das eventuais demandas jornalísticas – ainda pensávamos pouco em ser pró-ativos com a mídia –, decidimos instituir, já na primeira metade de 2002, uma assessoria de imprensa. O esquema, para começar, era bem simples. Quando algum jornalista telefonasse pedindo para falar com Gabriela – o que acontecia em dez a cada dez ligações –, que fosse passada para mim a ligação. Era para saber a pauta, o deadline, esclarecer alguma coisa e dar o briefing para a futura entrevistada, que ainda poderia negar-se a falar, uma verdadeira raridade. Ou seja, nada que já não se fizesse nos quatro cantos do país, mesmo com a má-vontade histórica dos coleguinhas das redações. Mas aquela era uma ONG de puta. Demais para a cabeça do colunista. O que nem ele, nem eu, nem ela e nem ninguém sabia era o que iria suceder apenas três anos depois, com a criação da Daspu.
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O ano de 2005 foi excepcional para a Davida. Em pauta, temas locais, nacionais e até internacionais. Tudo isso numa boa maré financeira, com diversos projetos aprovados junto a financiadores, entre eles uma agência norte-americana que decidiríamos mais tarde denunciar, provocando uma reação inédita do governo brasileiro. E foi no meio e no fim deste incrível ano que a Daspu foi concebida (julho) e nasceu (novembro). Para começar 2005, logo em janeiro, lideramos uma caravana de prostitutas e ativistas rumo ao Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, viajando 24 horas de ônibus desde o Rio. Lá, unidos a militantes de outros estados e até da Argentina, promovemos dois seminários que tiveram grande público e repercussão – o maior deles lotou um dos armazéns do Cais do Rio Guaíba, mesmo com a “concorrência”, no armazém vizinho, do Nobel de Literatura, José Saramago. Bem pertinho, o estande da Rede Brasileira de Prostitutas bombava, atraindo centenas de visitantes durante os seis dias do Fórum e servindo de base para as sessenta representantes do movimento nacional que mostravam a cara e a coragem em Porto Alegre. Esse estande seria muito importante para a futura Daspu. Nele, foram vendidos tapetes de crochê (by Gabriela) e mais de cem unidades da única camiseta até então produzida por Davida:
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uma gravura de Lasar Segall retratando uma prostituta e um cliente, cedida por Mauricio Segall, peça que também divulgava o Beijo da rua, jornal da ONG e do movimento de prostitutas, editado por mim. O estande provocou desejos de futuros negócios nas muitas mulheres que nele venderam produtos e distribuíram informativos das associações da Rede e preservativos doados pelo Ministério da Saúde. Além disso, direto da sala de imprensa do FSM, publicávamos noticiário diário no site do Beijo da rua, que tinha lançado, em dezembro, sua versão eletrônica. A primeira das reportagens gaúchas registrou a participação das prostitutas na famosa Caminhada de Abertura do FSM, pelas ruas de Porto Alegre. A partir de abril, Davida investiu firme na seara cultural, em busca de visibilidade, alegria e integração social. Primeiro, com o grupo Mulheres Seresteiras, de prostitutas que “cantam e encantam”. Em agosto, com a reestréia para a terceira temporada da peça Cabaré Davida, “um espetáculo para profissionais e amadores do sexo que ensina tudo sobre Aids”. Os dois eventos em ruas e praças do Rio e de outras cidades do estado. Finalmente, em novembro, começaram os ensaios do Bloco Carnavalesco Prazeres Davida, na boêmia Praça Tiradentes, nosso ponto maior de ação e reação e local de batalha da maioria das prostitutas da ONG. Enquanto isso, na área literária (ê chiqueza), a historiadora Anna Marina Barbará preparava um livro de história oral de oito – depois nove – prostitutas, num “encontro entre dois universos femininos, unidos pelo respeito às diferenças e pelo desejo mútuo de conhecimento”, como definiu a acadêmica. Intitulada então Histórias da vida: prostituição e memória, a obra seria lançada em 2006 com outro nome: As meninas da Daspu. E não era só. Além-estado, boa parte da equipe participou do 13º Encontro Nacional de ONG/Aids (Enong), em Curitiba; outra parte, depois de uma década de confrontos, de um encontro feminista latino-americano, em Serra Negra (SP); e, o mais importante,
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comemoramos a criação da primeira organização de prostitutas de Corumbá (DASSC), na fronteira do Mato Grosso do Sul com a Bolívia, resultado de um bem-sucedido projeto de dois anos. Também em âmbito nacional – e internacional, principalmente –, decidimos denunciar a principal agência norte-americana de ajuda externa, a Usaid, que dava apoio a nós e a outras dezenas de organizações no Brasil. Em 2004, por meio de uma organização chamada Pact, com sede em São Paulo, a Usaid havia aberto licitação para apoiar projetos de ONGs na área de prevenção e assistência de Aids. Davida foi uma das aprovadas, assumindo contrato até junho de 2006. Em maio de 2005, porém, descobrimos que a agência passaria a exigir, em futuros contratos, que as organizações brasileiras apoiadas assinassem uma cláusula de condenação formal da prostituição. Pra quê?! Fomos os primeiros a denunciar a tentativa de imposição da política Bush ao Brasil, com adesão total de outras organizações da sociedade civil e do próprio governo, que recusou, formalmente, a bagatela de 48 milhões de dólares. O mundo todo tremeu com a firme e soberana decisão brasileira e a poderosa Usaid – quem diria – saiu de rabo entre as pernas. Deu (até) no New York Times. O episódio mal havia se concluído e uma reunião em Nova York, já prevista, voltou a elevar a temperatura daquele ano. Pela primeira vez na história, o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, recebia em seu gabinete uma prostituta, Gabriela Leite, participante de uma comitiva do movimento internacional de luta contra a Aids. O inédito encontro aconteceu na véspera do Dia Internacional da Prostituta, o 2 de junho, quando lançávamos, festivamente, no Rio, o site da Rede Brasileira de Prostitutas. Bem que tentamos fazer Gabriela entrar ao vivo na festa carioca, por um link de Internet, mas não deu certo. De todo modo, o Beijo da rua seguinte cobriu os dois eventos e estampou na capa a foto da puta com o secretário-geral da ONU. Tudo isso sem falar na atuação em dezenas de áreas de prostituição do Rio e Região Metropolitana. Encontros formais e informais
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sobre direitos humanos, cidadania e saúde, o incentivo à organização da categoria, a distribuição de camisinhas e materiais educativos estavam na pauta das visitas às colegas por um plantel de 12 prostitutas, as mesmas que também cantavam no espetáculo Mulheres Seresteiras. Dessas atividades, também fazia parte o controle social sobre o programa Monumenta de revitalização, do Ministério da Cultura, identificado, desde 2002, como uma possível ameaça à permanência das prostitutas na Praça Tiradentes. Naquele ano, ao promover o I Encontro Fluminense de Profissionais do Sexo, Davida convidou formalmente representantes do Monumenta para dialogar sobre o processo, demonstrando estar atenta aos eventuais efeitos negativos sobre a categoria. Essa articulação prosseguiu desde então, inclusive em 2005, já com o compromisso formal dos responsáveis pelo programa de respeitar a história da região. Mas, para não dizer que tudo foram flores naquele incrível 2005, parte da equipe técnica havia deixado a ONG, depois de um bafafá cretino e anunciado em Porto Alegre, nos estertores do Fórum Social Mundial. O resultado dessa mexida, no entanto, também acabou sendo positivo, com a contratação de pessoas qualificadas e comprometidas, assumindo funções num período de tanto vento a favor. Foi assim, nesse clima de verão, em pleno outono-inverno, que Daspu floresceu.
A festa No dia 15 de julho de 2005, uma comemoração agitou a sede de Davida. A ONG completava 13 anos vivendo um ótimo período, com dinheiro, idéias e realizações. A partir do fim da tarde, 39 pessoas – confirmadas por memórias, fotos e texto da época – circularam pela sala de reunião e pelas áreas externas da casa da Glória para beber, petiscar, conversar, dançar e até cantar. Discursos informais também animaram a noite.
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Além de 21 membros da equipe, vários deles recém-contratados, havia convidados. Entre eles, uma atriz global, Sheron Menezes. Ela acompanhava o então namorado, Erol Cichowski, professor voluntário de inglês de algumas das prostitutas da ONG. Um colega jornalista, Carlos Nobre, fazia o registro social para publicação no Beijo da rua. Aquelas notas, dois anos depois, vieram a calhar. Acabaram não sendo publicadas, mas, ao lado das fotos digitais, trazem importantes lembranças e informações. Nobre cita, por exemplo, a arquivista Maria José Lessa: “Estou adorando trabalhar aqui. Era tudo o que eu queria, ter esse contato com o mundo das ONGs”. Ela não falava da boca pra fora. Contratada um mês antes, dava um enorme e sorridente “boa-tarde” para cada um no escritório todos os dias. Outros registros do repórter mostram o alto astral da comemoração. A secretária Ana Maria Cerqueira: “Nesses quatros meses aqui, percebi que as profissionais do sexo são mulheres muito especiais”. A prostituta Jane Eloy, também recente na ONG: “Estou gostando muito de trabalhar na Davida. Eu não sabia que era legal fazer essa conscientização (ações de prevenção e cidadania com colegas)”. E Sheron Menezes, que “riu, fez brincadeiras e posou descontraída para fotos”, ainda curtindo o sucesso da Rosário na novela Como uma onda: “Estou adorando a festa”. Ou Erol, o namorado da atriz: “As aulas de inglês também me permitem aprender bastante a língua portuguesa. Tem sido uma troca muito gratificante, você não imagina”. Mas é Kátia Monteiro, coordenadora de projeto e futura produtora Daspu, quem melhor descreve, dois anos depois, o clima da festa: “Foi um momento lúdico e de confirmação de laços. Havia um clima de ousadia, de conquista, as coisas estavam acontecendo e o belo estava misturado nisso: as meninas, principalmente, estavam mais bonitas e soltas, trouxeram namorados, parentes, amigos. Só vieram as pessoas que acreditavam”.
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O prenúncio do que estava por vir também surgiu nas palavras da líder da organização, Gabriela Leite, ao repórter: “A criação da ONG foi um ato de grande coragem das prostitutas militantes daquele período. E a Davida continua fazendo história”.
Na mesa, a palavra A noite estava só começando e já prometia. Muita gente alegre, um simpático bufê de pão a metro e mini-sanduíches – para todos os gostos, como se vê – e cerveja à vontade. Gabriela se lembra da surpresa que teve ao entrar na sala de reunião, no segundo andar da casa, e se deparar com uma seleção de fotos históricas da ONG afixadas em um quadro branco. Foi uma iniciativa daquela nova e feliz arquivista, Maria José, empenhada em catalogar documentos e conhecer melhor a organização. As duas conversaram um pouco e Gabriela sentou-se na mesa mais próxima, com melhor visão das fotos, bebendo sua cervejinha e fumando seus cigarrinhos. Daqui para frente, as versões divergem um pouco, mas não se contradizem no essencial. Segundo Gabriela, chegaram várias colegas prostitutas e, logo depois, o designer Sylvio de Oliveira, que prestava serviços à ONG fazia poucos meses. Ex-companheiro do falecido militante da luta contra a Aids Paulo Longo, ele estava criando as páginas web de Davida e da Rede Brasileira de Prostitutas. De cabelos curtos (uma raridade) e vestindo camiseta (pela eternidade), Sylvio ocupou o segundo lugar à mesa para um papo inspirado nas fotos. Depois de algumas lembranças, Gabriela diz a ele: “As meninas, a Lina, principalmente, andam falando muito de a gente ter uma confecção. Acho que seria melhor uma história de grife, de moda mesmo, que podia até levantar dinheiro para
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a Davida”. Daí, continua a lembrar, “o Sylvio ficou me olhando e disse assim: ‘Ah, já sei o nome: Daspu’”. Ainda na versão de Gabi, foi só depois desse momento que outras pessoas se aproximaram, chamadas por ela e Sylvio ou atraídas pelas risadas dos dois. Daí rolou “um baita papo”, inclusive sobre a Daslu, que estava em todos os jornais, sites, emissoras de rádio e TV. Dois dias antes, no 13 de julho, a dona da loja mais cara do Brasil havia sido presa pela Polícia Federal, na suntuosa sede paulistana, acusada de sonegação. Um escândalo no mundo dos ricos, que causou revolta e escárnio em todo o país. Para piorar, houve até condenação pública da ação policial por parte de empresários e políticos. Apontada por Gabriela como uma das idealizadoras do que seria uma confecção, Imperalina Piedade da Silva, a Lina, não lembra disso. Na verdade, pouco também se recorda da festa de 15 de julho, porque chegou “depois das oito” e foi embora “antes das onze”. Quem sabe o namorado novo, a tiracolo, ajudou na distração. Mas Gabriela reafirma sua versão, lembrando que na volta do Fórum Social Mundial, de Porto Alegre, o entusiasmo com o estande da Rede Brasileira de Prostitutas era tamanho que ela chegou a comprar “linhas baratinhas” e um estojo de agulhas de crochê (que tem até hoje) para ensinar às colegas a arte com a qual havia feito sucesso na capital gaúcha. Quem acabou assumindo a tarefa foi outra ativista de então, Doroth de Castro, mas o curso não passou de duas aulas. E disso, a Lina e todas as outras mulheres, lembram. “Tudo começou no Fórum Social Mundial, onde o estande foi muito importante”, insiste a coordenadora da ONG Davida. De qualquer modo, a conversa daquela noite de festa sobre a Daslu, citada por Gabriela, certamente aconteceu. Se antes ou depois de surgir a Daspu, as versões variam. Como também é distinto, para os personagens da festa, quem estava na mesa e o que disse Gabi logo de início.
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Para Jane Eloy, grávida e “muito apaixonada” – chegou a cantar “Eu sei que vou te amar” para o namorado –, foi assim: “A Gabriela virou para mim e elogiou o meu vestido. ‘Nossa, Jane,que vestido bonito. Vamos criar uma grife de moda, a gente puta leva jeito pra roupa’. De acordo com Jane, foi daí que surgiu a conversa sobre a Daslu e que, em seguida, o Sylvio “soltou o nome Daspu”. Também para Denise Reis, professora de canto das prostitutas, o papo Daslu veio antes da descoberta do nome Daspu. Segundo ela, tudo aconteceu numa mesa repleta de pessoas, inclusive ela própria, e Gabriela disse coisa diferente do que lembra hoje. “Surgiu o assunto da Daslu, que estava em todos os jornais. A Gabriela falou do sonho antigo de fazer uma grife, retratando a moda das prostitutas. E aí o Sylvio disse que já tinha o nome, Daspu, e todo mundo começou a rir. Daí já começamos a falar sobre a grife, quem costura, as meninas costuram, fulana de tal costura!”. Sylvio, o abençoado pela palavra, tem lembrança conciliadora. “A Gabi voltou a me falar de uma idéia que ela já havia me falado. Tinha muita vontade de fazer um pequeno negócio com roupa, que não só ajudasse as meninas a se vestirem um pouco melhor, como gerasse recursos para a Davida financiar projetos. ‘Vamos fazer umas roupinhas para o ano que vem, estruturar isso’, disse ela. Como a história da Daslu estava muito presente na cabeça de todo mundo, eu falei: ‘ótimo, já temos até o nome.’ Qual? Daspu. Todo mundo riu [para ele havia outras pessoas à mesa], porque não existe, ninguém podia imaginar que fosse à frente.” De cara, a festa foi em frente. E chegou ao discurso do presidente da ONG, Waldo Cesar, que bradou irônico e orgulhoso: “Sou o único homem presidente das putas”. A certa altura, fomos expulsos pelo caseiro, mas prosseguimos em algum botequim. Neste aspecto, todas as versões coincidem. Ninguém sabe qual.
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Se Daspu foi concebida em clima de alegria e cerveja, também assim foi descoberta. Não naquela madrugada, mas em alguma outra noitada entre a segunda metade de julho e a de novembro. Quase certamente, em novembro. Ao longo dos quatro meses de gestação da Daspu, trabalho intenso ocupou a equipe da ONG. Poucos dias depois da festa, por exemplo, recebemos, em plena Praça Tiradentes, o diretor do Programa Conjunto das Nações Unidas para HIV/Aids (Unaids), Peter Piot. Ele estava no Rio para uma conferência de Aids e tomou a iniciativa de pedir o encontro. Queria ver de perto o trabalho liderado por Gabriela, então conselheira da Unaids, que conhecera na reunião com Kofi Annan. Piot, um médico e professor belga premiado por pesquisas científicas e dono do título de barão, concedido pelo Rei Alberto II, havia apoiado a posição brasileira de rejeitar recursos americanos condicionados à condenação da prostituição. Este, aliás, fora um dos temas do encontro com o secretário-geral da ONU. Embora impossibilitada de interferir numa política nacional, a ONU sempre deixou clara a insatisfação diante de ações contra a Aids, como a adotada pelo governo americano, que privilegiam abstinência, fidelidade e, apenas em último caso, a camisinha (a política do ABC – Abstinence, Be Faithful and Condom, if necessary). O governo brasileiro, num processo iniciado pelo movimento de prostitutas, vinha de recusar, com grande repercussão, 44
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os 48 milhões de dólares da Usaid. E fizera isso em nome de uma política de Estado para Aids, da “parceria histórica” com as prostitutas e da “soberania nacional” – na primeira vez, em décadas, que essa expressão fazia sentido. Nesse contexto, nada mais natural – e político – do que ver in loco as mulheres que haviam desdenhado e peitado o império. Foi assim, na Praça Tiradentes, que a comitiva da Unaids, ladeada pelo alto escalão do Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde, conviveu e conversou, por duas horas, com as ativistas prostitutas brasileiras. E, de quebra, Piot levou para o chefe a edição do alternativo Beijo da rua, com manchete e foto do histórico encontro de 1º de junho. Os contornos dessa visita não estariam aqui relatados se não contribuíssem para mostrar o que representou 2005 para Davida e porque a gestação de Daspu era acompanhada sem formalidades e raramente no escritório. Mas, nos bares... Nos bares, continuamos a nos reunir e nos divertir. Muitas vezes, falamos da grife – “pô, e a Daspu, hein...” –, planejamos alguma coisa, mas logo voltávamos ao cotidiano de tantas atividades. Entre elas, muito nos entusiasmava a criação de um bloco de carnaval. O fato é que, numa dessas conversas de bar, um ouvido alheio se espichou e registrou algumas palavras. O fotógrafo Marcos Silva, do Beijo da rua, acredita que isso aconteceu na Taberna da Glória (embora não saiba precisar quando), bar e restaurante que freqüentávamos bastante, como ainda hoje. Perto do escritório, com bom chope e confortáveis cadeiras num amplo calçadão, o local incentiva a expansão. Outro bar é citado por dois ex-funcionários da ONG, a secretária Ana Maria Cerqueira e o administrador Luciano Alves. O Caçador, chamado pelos freqüentadores de Varanda’s, pelo espaço externo na calçada, fica na mesma rua do escritório, a Santo Amaro, no bairro da Glória. Tem cerveja em garrafa, ótimos
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petiscos, a carinhosa assistência de Marisa e Sol e o inconveniente de elas adorarem a TV ligada bem alto. Daí, a varanda ser o melhor lugar e merecer dar apelido ao botequim. A situação teria sido a mesma, um encontro de fim de tarde em que vários de nós tinham voltado a falar animadamente da Daspu. Essa hipótese ganha força por conta de a calçada ser bem mais exígua que a da Taberna, facilitando o vazamento de palavras para outras mesas. Palavras que foram, pelo menos e não mais, “Daspu”, “grife e confecção”, “prostitutas”, “ONG”, “Praça Tiradentes” e até um tempo verbal do anglicismo “escanear”, como se verá adiante. No penúltimo domingo de novembro, véspera do signo de escorpião, o telefone toca lá em casa. Preocupada, Kátia Monteiro avisa que Elio Gaspari estava noticiando, em sua coluna em O Globo, o nascimento de uma grife de prostitutas chamada Daspu. A nota, disse ela, não mencionava o nome de Davida e citava o apoio de uma ONG estrangeira. O jornalão dominical, ainda fechado pela preguiça, se abriu na página exata em segundos. No alto da coluna de página ímpar, à direita, estava escrito assim: Uma nova grife As moças que batalham à noite nos arredores da Praça Tiradentes, no Rio, tiveram a ajuda de uma ONG escandinava para montar uma pequena confecção onde costurassem suas roupas de trabalho. A grife das moças vai se chamar Daspu. Em casa, Gabriela e eu, companheiros de vida e trabalho, entramos em pânico. Roubaram nossa idéia! Deixamos de lado a Daspu, os idiotas, e alguém saiu na frente, sabe-se lá como. ONG escandinava... Que raio de ONG é essa? Vários telefonemas para os colegas, ninguém havia falado nada. Essa era, inclusive, a estratégia institucional. Só iríamos abrir a história quando ela pudesse ser contada, ou seja, quando tivéssemos iniciado de
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fato a grife, seja em planejamento ou produção. Além do mais, a responsabilidade maior era minha, como assessor de imprensa. E de Gabriela, claro, como dirigente da instituição. E não sabíamos de nada. O susto não durou uma hora. Toca de novo o telefone, dessa vez o celular de trabalho, e um jornalista do Dia pergunta: “Você sabe de alguma coisa sobre essa grife Daspu? Quem está fazendo isso, que ONG é essa? Queremos fazer matéria”. Era uma ligação de quem busca uma fonte, ou seja, alguém que possa dar uma informação que leve a um destino, e não de quem chegou ao destino. Como Davida já era muito conhecida por seu trabalho com prostitutas, era óbvio fazer este contato. Aliviado, leve, lindo e solto, eu disse ao coleguinha que a Daspu era uma criação de Davida e que tampouco sabíamos de nenhuma ONG escandinava. O profissional quis então mais detalhes para a matéria. Quem faz as roupas, desde quando, que roupas são essas, onde estão, dá pra fotografar? Pedi a ele que voltasse a ligar em uma hora. Só uma puta poderia resolver isso. E aí Gabriela entra em cena. No telefonema seguinte, já havia uma linha completa: “Folia, com roupas de festa; Básica, para o visual do dia-a-dia, e Lingerie, direcionada às prostitutas que trabalham em locais fechados, com direito a peças apimentadas”, como publicou o jornal. Enquanto isso, no celular, eu pedia ao Sylvio para criar imediatamente uma marca, com símbolo e logotipo, como deve ser. Em tempo recorde, estava pronta. Aprovada, ilustrou a reportagem de Marcelo Bastos, na página 4 de segunda-feira, 21 de novembro de 2005, do O Dia. Pronto. O parto estava feito. Nascida sem pai nem mãe, no susto, mas identificada um dia depois, a grife já podia crescer e ganhar o mundo. Bem depois de tudo isso, surgiu uma jornalista a dizer que tinha sido a autora do vazamento para a imprensa. Estaria no bar na noite fatídica, teria contado a um colega e este passado a
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informação ao Elio Gaspari. Como jornalistas não costumam fazer revelações do tipo (isto é, revelar ter passado informação em off), como a pessoa em questão tinha acesso à Davida e bem poderia ter consultado a equipe, e como jamais tomaríamos a iniciativa de inquirir o Gaspari – profissionais de mídia também não revelam suas fontes e têm até proteção constitucional para isso –, a versão careceu de credibilidade e ficou, no máximo, se verdadeira, na conta da vaidade. Mas uma divertida hipótese sobre a aparição da “ONG escandinava” no texto de Gaspari foi, ainda mais tarde, cunhada pelo imaginativo Sylvio de Oliveira: alguém teria dito, na noite das grandes orelhas, que conhecera uma pessoa que “escaneava” de tudo. Samba na segunda A semana começou fervendo. À noite, haveria o segundo ensaio do bloco Prazeres Davida, lançado há três semanas pela ONG, com apresentações justamente às segundas-feiras. Decidimos aproveitar a ocasião para disseminar pelas ruas a criação da grife, até porque a camiseta do bloco, com arte-final pronta, poderia ganhar a etiqueta Daspu rapidamente, ao lado da peça com a marca de véspera já estampada no jornal daquele dia. E foi só mesmo o desenho da estampa do bloco reproduzido em papel (o da marca da grife não apareceu) que os espantados freqüentadores viram de Daspu. Bem, e o recorte do Dia, que passava de mão em mão e já tinha sido lido por muita gente. Ao mesmo tempo, com muitos foliões na principal rua de batalha da Praça Tiradentes, a Imperatriz Leopoldina (a coluna de Ancelmo Góis, do Globo, havia descoberto o bloco e publicado nota sobre o ensaio), tentamos traçar, em meio a samba, suor e cerveja, uma estratégia-foguete para a grife. Já tínhamos nome, boa repercussão e apenas desenhos de duas (futuras) peças. Era preciso produzir, até porque a imprensa continuava interessada na Daspu, o bloco também estava se tornando conhecido e os carnavalescos já queriam comprar suas camisetas.
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A única decisão tomada, lembra o então administrador de Davida, Luciano Alves, foi de investir na produção de camisetas do bloco, que teriam boa saída. Mas não havia dinheiro na instituição para este fim, e a grana foi adiantada por Gabriela: 500 reais. “O dinheiro das primeiras vendas foi reaplicado em novas camisetas e algum tempo depois acertamos a dívida com ela”, conta. O problema era encontrar um bom e ágil fornecedor, já que, em finais de ano, há muita demanda por camisetas promocionais e as estamparias estavam lotadas de serviço. “A gente estava envolvido com os outros projetos da ONG, não tinha tempo, não tinha fornecedor, não tinha equipe especializada e já pressentia uma enorme demanda”, recorda Luciano. Naquela mesma segunda-feira, pela manhã, tínhamos recebido ligações da Folha e da IstoÉ. O repórter Francisco Alves Filho, da revista semanal, veio à sede da ONG na terça-feira. O fotógrafo Renato Velasco clicou e a revista publicou, no fim-de-semana seguinte, a única foto possível. Gabriela segurando dois papéis A4, um com a imagem da marca e outro com a arte-final da camiseta do bloco, já oficializada como peça da grife. A reportagem da Folha, apurada por telefone, não destacava a Daspu, e sim a participação das prostitutas no processo de revitalização do Centro histórico do Rio. Mas citava a nova grife e se tornaria fonte importante para a Daslu atacar a suposta concorrente. Isso porque o repórter escreveu, de punho próprio e sem citar ninguém, que “o nome é uma brincadeira com a milionária loja de São Paulo”. Ainda era quarta-feira 23, e o bebê Daspu, com apenas três dias, já recebia muitas visitas e não tinha sequer uma peça de roupa para recebê-las, já que a decisão tomada no samba não frutificara tão rápido. Decidimos então produzir em transfer (método rápido de impressão) uma camiseta preta com a marca. Ficou pronta no dia seguinte e virou objeto de adoração entre nós.
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Dos jornais à TV Nisso chega um e-mail do Fantástico, programa assistido por 40 milhões de pessoas. No contato seguinte, por telefone, a produtora Bia Rónai me disse que estava pautada para fazer matéria sobre a Daspu com um desfile exclusivo. Contei toda a história, disse que ainda estávamos produzindo peças e consegui adiar a reportagem para a semana seguinte. Agora não tinha mais jeito. Depois de tanto esconder a gravidez, o nascimento nos obrigava a tomar outras providências além da primeira roupinha. Convocamos – a iniciativa é atribuída a mim – todas as mulheres de Davida, e os homens também, pedindo que trouxessem idéias e modelitos inspiradores de casa. Na base do mutirão esperávamos ter, alguns dias após esse encontro de sexta 25, algumas peças de roupa. Imperalina Piedade da Silva, a nossa Lina, foi fundamental nessa hora. De todas as prostitutas, era a única que sabia costurar. Em casa, ela produziu uma minissaia coral com top preto, um vestido lilás colado no corpo com o símbolo da grife pintado na frente, dois vestidos decotados e uma comportada camisolinha vermelha com fru-fru no decote e na bainha. Esta peça foi inspirada num presente de cliente em 1976, quando Lina estava grávida, batalhando na rua Machado Coelho, antiga Zona do Mangue. “Eu estava de barriga e trabalhei os nove meses com ela”, lembra. A maior diferença entre uma camisola e a outra era que, na dos anos 70, estava escrito na frente: “Toda hora é hora”. Essas peças-piloto nunca foram produzidas em série e se tornaram acervo museológico da ONG.
Daslu x Daspu Terminamos aquela semana e começamos a outra só pensando em moda. Mas Gabriela e eu tínhamos compromisso em Curitiba,
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um seminário de prostitutas promovido pela associação local, o grupo Liberdade. Por isso, na segunda-feira 28, chegamos ao escritório de mala e cuia, para embarcar à tarde. Antes de sairmos para o aeroporto, um cidadão de algum cartório, bem arrumado, mas sem paletó e gravata, adentrou o longo corredor da casa perguntando se a ONG Davida era ali. Diante da afirmativa, sacou da pasta uma notificação extrajudicial, datada de 24/11 e assinada pelos advogados da Daslu. Eles escreviam, em resumo, que se Davida não desistisse de usar o nome Daspu em dez dias, seria processada pelas sonegadoras paulistanas (claro, essa última parte não estava lá). Também se referiam à “brincadeira” publicada pela Folha e nos acusavam de – atenção ao verbo – denegrir o nome da multimarcas. Levamos outro susto, mas sacamos, imediatamente, o que aquilo poderia significar. E, de novo, sorrimos. Em seguida, contatamos nosso advogado. Conta, Gabriela: A notificação dizia que a gente estava “denegrindo” – era esta a palavra que eles usavam – o nome da Daslu. Porra, eles que sonegam e a gente que denigre eles? Aí fiquei muito brava, estava de mala, porque ia viajar para Curitiba, e pedi ao Flavio para ligar para o nosso advogado. Mas todo advogado é muito prudente num primeiro momento, e o Marcelo Turra – fiquei com uma raiva... – falou que a gente devia parar de usar o nome. Fui para o aeroporto, estava muito brava, não vamos parar de usar, não vamos, não vamos. Aí, em Curitiba, eu e Flavio decidimos passar a notificação para a imprensa. Poucos dias depois saiu a nota “Daslu X Daspu” na coluna Gente Boa, do Globo, e foi um pandemônio. Toda a imprensa ficou do nosso lado na história.
A nota de jornal saiu em 1º de dezembro, quinta-feira, dia em que voltamos ao Rio. Na própria quinta, o Fantástico voltou a ligar. Depois da ameaça da Daslu, a pauta estava mais firme do que nunca, com mais tempo, seriam vários minutos de matéria. E era para domingo, dali a três dias, com gravação já na sexta-feira. Avaliamos a situação. Imperalina havia levado uma máquina de costura para o Davida, a fim de acertar no corpo das manequins
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as peças que havia montado em casa, sem as medidas das colegas. Havia também uma segunda máquina, transportada gentilmente pelo pai da secretária Ana Maria, que lembra da dificuldade dele para cruzar o corredor de sete metros da porta da casa às salas de Davida, por conta do congestionamento de jornalistas. O fato é que, estimulados por todo aquele auê, tomamos coragem. Decidimos apresentar na Globo os já famosos, mas desconhecidos, modelitos Daspu. Na sexta, nos Arcos da Lapa, debaixo de chuva fina, as imagens foram produzidas. As prostitutas Val Pereira, Jane Eloy, Maria Nilce e Juliana de Freitas, uma bela paranaense que decidira conhecer o Rio e a Daspu depois do evento em Curitiba, mostraram o que todo mundo queria ver. Muito feliz, Imperalina apenas acompanhou a produção, recompensada pelo esforço. Mais cedo, no escritório, o Fantástico gravara as dasputinhas sendo maquiadas e penteadas amadoristicamente, entre estantes, livros e mesas, e Gabriela dera entrevista com a primeira e única camiseta. Na mesma sexta, outro produto – e não era peça de roupa – havia ficado pronto: o site www.daspu.com.br, com loja virtual para venda de roupas. Entrou no ar recebendo milhares de visitas, enquanto, ao e-mail daspu@daspu.com.br, chegavam 400 mensagens por dia. O site foi criado a toque de caixa, de novo, pelo Sylvio – voltando afinal a sua função original, de web designer. Ainda neste dia de louco, O Globo ligou para saber se íamos ou não manter o nome. A decisão estava tomada – depois de outras conversas com o advogado –, e o diário deu este título num alto de página no sábado: “Grife de prostitutas Daspu não abrirá mão do nome”. No domingo, bom, no domingo, ninguém é de ferro, combinamos uma festinha para assistir ao Fantástico, na casa do Sylvio, em Copacabana. Com imagens do desfile Daspu nos Arcos da Lapa e do prédio-monstro da Daslu, a reportagem, além de lembrar o
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imbróglio jurídico e policial da megaloja paulistana, cortava de Gabriela para o advogado VIP das grã-finas e vice-versa, com os respectivos argumentos contra e a favor do nome Daspu. Mas a última tomada foi com ela, e definitiva: “Quero deixar bem claro que a palavra DAS é uma palavra da língua portuguesa, não é de propriedade de ninguém. O PU é nosso, é da nossa profissão”.
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Cap.04
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Já era segunda-feira de novo, e mais uma vez se iniciava uma semana de fervo. Esta, agora, com milhões de pessoas sabendo da nova grife. Orgulhosíssimos e extasiados, decidimos mostrar as poucas peças apresentadas na TV, durante o ensaio do bloco, ainda nas segundas-feiras. Como as primeiras agências internacionais batiam à porta, marquei na Tiradentes com a Reuters, de texto e TV, e a World News Pictures, além da Folha. Seis prostitutas se cansaram de fazer caras e bocas, ainda de dia, para as câmeras. À noite, já acompanhadas pelos ritmistas do Prazeres Davida, as dasputinhas evoluíram pela pequena rua Imperatriz Leopoldina, numa espécie de ensaio público de desfile. O site do Beijo da rua registrou as evoluções e os comentários entusiasmados das futuras modelos, que já revelavam a contribuição da grife para a auto-estima e o combate ao preconceito. “Foi vir ao Rio e já chegar como estrela. Agora, a Gisele e a Naomi Campbell que desçam do salto que nós estamos subindo”, disse a marota paranaense Juliana, usando aquela única camiseta Daspu disponível, a de transfer. “Muito legal. Hoje me soltei mais do que na gravação para a TV. Estou quase me acostumando com as câmeras, e as pessoas me reconhecem na rua. Um conhecido me disse: ‘Você é tudo aquilo?’”, revelou Val, que vestia o top preto com saiote coral.
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“As outras mulheres não estão tendo nem um pouquinho de preconceito em relação à moda Daspu. A cabeleireira me disse: ‘Vi você no Fantástico. Gostei muito e dou o maior apoio’. E as colegas adoraram, estão perguntando direto como se faz para comprar as roupas”, contou Jane, de vestido vermelho decotado. “Algumas pessoas já estão me abordando na rua. Uma delas foi um cobrador de ônibus que me viu no jornal”, disse Cida Silva, que não havia participado da gravação do “Fantástico” e usava a camisolinha das fantasias do freguês da Lina. “Aparecer assim é bom para a gente, porque ainda tem muita discriminação, inclusive entre as próprias prostitutas. Se as mulheres nunca falam, não tem como exigir os seus direitos. Falando, acaba a discriminação”. Maria Nilce, de tubinho, confirmou as palavras de Cida: “Acho que esse preconceito vai acabar. Quando? Daqui a alguns anos. O tempo é o tempo”. Lena, outra das modelos, tinha avaliação semelhante: “Foi magnífico para mostrar que temos várias atividades, fazemos de tudo, somos como as outras mulheres. Prostituta gosta de carinho, gosta de andar bem vestida, gosta de moda e gosta de dinheiro. E também é muito bom para diminuir o preconceito, com certeza”. Também radiante estava Imperalina, a prostituta costureira. “Achei ótimo. Me sinto feliz e orgulhosa, porque as meninas estão gostando da roupa, se sentindo bem. A Jane, por exemplo, não quer devolver o vestido que usou para desfilar. Não pensei que ia fazer tanto sucesso assim”. Gabriela, com anos de ativismo, avalizou: “Finalmente as pessoas não estão com medo de mostrar a cara. Não vi prostitutas da área correndo e se escondendo das câmeras. É um grande começo para um número maior de mulheres”.
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Marca registrada e viagem de avião No final daquela segunda-feira, apenas 15 dias haviam se passado desde o surgimento público da Daspu. Começamos a pensar no valor da mídia espontânea e no potencial da marca, que ainda não tinha registro. Com a experiência de já ter registrado o título do jornal Beijo da rua, resolvi correr atrás. Entre consultas pessoais e virtuais ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial, o INPI da Praça Mauá, demos entrada ao processo. Os e-mails não paravam de chegar. A maioria absoluta era de apoio às prostitutas e à manutenção do nome, quase exigindo que Davida não desistisse da marca. Entre os poucos que davam outra solução, dois chamaram a atenção. Um que, ironicamente, achava melhor abandonarmos a palavra Daspu, para evitar o efeito de que nos acusava a Daslu – ficar sujo por causa do nome da outra. A outra sugestão, na mesma linha, também era muito divertida: trocar o nome para “Putique”. Esta foi adotada no site, para denominar a loja virtual: www.daspu.com.br/putique. A imprensa também não sossegava. Veio o jornalismo nacional da Band, de novo com imagens de rua das dasputinhas em seus modelitos, acompanhadas de enquete popular favorável. Depois, a coluna de Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo. A proposta era uma página inteira, a de domingo, com entrevistas das prostitutas e fotos de modelos profissionais vestindo as peçaspiloto. Repórter, fotógrafa e duas modelos desembarcaram na sede. Kaya Korabila e Hada Luz adoraram as roupas e posaram felizes da vida para Ana Ottoni. O jornalista Daniel Bergamasco quis relatar os momentos de relax e nos acompanhou a um bar – a Taberna, pra variar do Varanda’s. Lá, duas mulheres reconheceram as prostitutas e vieram à mesa fazer elogios. No jornal, Bergamasco detalhou a abordagem e escreveu: “Virou rotina”. Com a página inteira na Ilustrada da Folha, chamada com foto na capa, outro convite levou cinco prostitutas, pela primeira vez, aos céus do país. Val Pereira, prostituta e ativista do Davida, e agora dasputinha, lembra bem da emoção da viagem e da gravação no
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SBT, em São Paulo. “Nunca vou esquecer do programa da Adriane Galisteu, porque eu sabia que todo mundo ia estar me vendo. Eu tremia igual vara verde, o nervosismo, aquela coisa de perna bamba. Pior ainda quando fiquei na ponta da fila, porque eu ia ser a última a entrar e de repente me botaram como a primeira a desfilar no estúdio. E foi também a primeira viagem de avião, estava com calafrio.” Curioso que Val não tivesse vivido emoção semelhante na gravação para o “Fantástico”, assistido por muito mais gente. Mas, ou porque estava no Rio e fora de estúdio, ou por conta de tudo ser tão recente, a ficha ainda não tinha caído: “Nos Arcos da Lapa, pra mim, eu não estava nem sendo filmada”. Os bastidores da gravação no SBT, contados por quem lá esteve, foram mesmo esfuziantes. Todas as prostitutas deram um jeito de posar com a apresentadora, e a própria Val trouxe foto em que aparece abraçada a uma Adriane que está vestindo Daspu. Acontece que, após a matéria com a grife, ela pediu uma das peças-piloto – a camisolinha vermelha – e continuou o programa de dasputinha, entrevistando outros convidados. Nos créditos finais, Daspu estava entre as marcas que Galisteu “veste”. Línguas experientes asseguram que foi um sufoco trazer a camisola de volta. Dessa vez, a festinha para assistir ao programa seria lá em casa. Àquela altura, vários outros jornais (como Estado de S. Paulo e Zero Hora), revistas (IstoÉ Dinheiro e Época), rádios (da CBN nacional a uma emissora gaúcha de Capão da Canoa) e sites (Terra, UOL, Yahoo, IG) haviam publicado matérias sobre Daspu.
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Enquanto nos virávamos em vinte para atender jornalistas mobilizados pela ótima história e super simpáticos a nós, três situações nos preocupavam. A criação de peças, a produção delas e o atendimento aos ávidos clientes, na sede e pelo site. “Eu não entendia nada de roupa, sou designer gráfico. Aí, decidimos começar com camisetas, a da marca da Daspu e a do bloco Prazeres Davida, além da peça com a gravura do Segall, que, felizmente, tínhamos no estoque. Botamos logo no site, imaginando vender duas ou três por semana. No primeiro mês, foram mil e poucas”, lembra Sylvio. “As pessoas queriam para dar de presente no Natal e o fornecedor de silk não dava conta, atrasava. Os que moravam no Rio vinham ao escritório, ficavam bravos, queriam levar logo”, complementa Gabriela. A visibilidade cobrava o seu preço. O Natal apertava o cerco. A secretária Ana Maria, transformada em vendedora, quase foi à loucura. Educadíssima, paciente e eficiente, começou atendendo por telefone. A demanda foi violenta. As pessoas foram descobrindo a gente, só havia três modelos de camisetas – Lasar Segall, marca Daspu e bloco – e o fornecedor não dava conta. Os paulistas, principalmente, abraçaram a causa, pegaram a bandeira e os
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telefonemas não paravam – bateu no gancho, tocava de novo, as duas linhas ao mesmo tempo sem parar. Para aumentar ainda mais a temperatura das vendas, algumas pessoas descobriram o endereço da ONG e, aos poucos, o site passou a ser muito usado para compras. “Eu acabava de atender um cliente virtual e, logo em seguida, ele já postava um comentário, quase sempre de elogio à grife e de apoio à causa”, lembra Ana. Na época, o envio das peças era por correio simples e demorava muito, principalmente por conta da proximidade do Natal. Incluímos um prazo de entrega na loja virtual, de dez dias após o depósito em conta corrente. Mesmo assim, Ana Maria tinha de dar mil explicações sobre a dificuldade – ou impossibilidade – de despachar logo a mercadoria, por falta total de estoque ou do tamanho pedido. Ainda havia casos de troca, como o de um cliente afortunado que comprou pelo site e recebeu logo a camiseta. “Comprei uma baby-look, mas não dá”, disse. “Esse modelo é feminino. Eu posso trocar pela unissex pequena e você faz um ajuste, se for necessário”, chegou a dizer a secretária-vendedora. “E eles topavam, na maior boa vontade”, conta ela. Mas também havia as inevitáveis reclamações, pela ansiedade e pelo desespero das pessoas. Uma delas, por e-mail, nos ameaçava até com “outra briga judicial” por conta do atraso na entrega. Mas a mensagem terminava com um “grato”. “Eu não dormia, sonhava com camisetas”, lembra Ana, que ainda era ajudada pela arquivista Maria José, também deslocada de função, e por quem mais bobeasse no quartel. Havia mutirões de gente atendendo pedidos pelo telefone, pelo site e pessoalmente; encomendando peças; reclamando dos atrasos do fornecedor e abrindo caixas de camisetas; verificando depósitos; contando dinheiro; empacotando, endereçando e indo aos correios. Tudo isso distribuído pelas quatro pequenas
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salas do escritório, com as caixas empilhadas no hall e no corredor e todos se trombando. Pelo menos já havia pacotes apropriados para despacho, que seguiam com um adesivo da Daspu indicando o remetente e diversos folhetos sobre a ONG e a grife embalados junto da(s) camiseta(s), num conjunto recebido com entusiasmo pelos clientes, que ligavam agradecidos. Para mim, sobrou o pedido da redação inteira do “Fantástico”. Bia Rónai, produtora que tinha feito a matéria, me ligou. Gritava na redação “quem quer camiseta Daspu?”. Eu ouvia gente dizendo “eu, eu, eu”, “quantas, qual o número?”, “Zeca [Camargo], você quer?”, “quero!”. Foi uma loucura, eu suava frio no telefone, porque sabia que não tinha tudo aquilo. Fiz o oposto de um bom vendedor: negociei a redução dos pedidos. E pouco antes do Natal, veio ao Davida um motoqueiro, com um monte de cheques e dinheiro, e levou as camisetas. O entregador fui eu mesmo, na calçada diante do escritório.
Proposta paulista A turbulência já era de grau 3, numa escala de 5, quando surgiu um empresário de São Paulo propondo negócio. Ele percebeu, mais rapidamente do que qualquer um, o valor da marca e a oportunidade de faturar. Por e-mail e telefone, insistiu muito num encontro pessoal, na época em que chegavam aquelas quatrocentas mensagens por dia. Tanto fez que conseguiu. Foi recebido no escritório por Gabriela, na sexta-feira, 23, festa de Natal de Davida. Objetivo e gentil, na faixa dos quarenta anos, falou de sua carreira e da “marca forte” que tínhamos em mãos, confirmando o que havia escrito num e-mail: “Posso ser um bom parceiro para ajudar a transformar a grife Daspu em um grande sucesso. Creio que não só as prostitutas, mas muitas outras pessoas simpatizantes teriam interesse em comprar os produtos da Daspu. Tenho condições de investir num projeto como esse”. E apresentou a proposta, que era pra lá de tentadora: uma loja exclusiva Daspu em São Paulo, com sala equipada para
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escritório institucional de Davida; outra loja no Rio (contraproposta que ele topou); o desenvolvimento e a fabricação dos produtos, em caráter não exclusivo (mantida nossa própria produção) e com nossa aprovação prévia de layout; a comercialização dos produtos, garantido o direito de Davida fazer negócios na sede e pelo site; a venda a preço de custo de peças exclusivas para a ONG revender; o pagamento mensal de royalties de 10% sobre a venda no varejo (nas duas lojas) e no atacado. No pacote estavam incluídas festas de inauguração das lojas, primeiro no Rio, a nosso pedido. Além da cessão de uso da marca, nossas obrigações se limitavam a não interferir nas relações comerciais entre a empresa dele e seus fornecedores e não se manifestar sobre os negócios dele sem autorização. Do bolso, não precisaríamos tirar nada. Ele mencionou um investimento inicial na casa dos 300 mil reais. A proposta não estava assim detalhada e consolidada naquele dia 23, mas alguns dos pontos tratados, como o da loja em São Paulo, foram suficientes para que Gabriela, após se despedir do empresário, adentrasse a festa de Natal entusiasmadíssima. As negociações duraram mais dois meses, por e-mail, telefone e pessoalmente, já com minutas de contrato. Gabriela e eu estivemos em São Paulo em janeiro, onde fomos recebidos na elegante e despojada loja de tapetes artesanais da mulher do empresário, nos Jardins. No mesmo dia, estreei na avenida Paulista a camiseta Daspu, que foi reconhecida por uma espantadíssima e boquiaberta jovem. Em fevereiro, o empresário voltou ao Rio para um encontro definitivo. Havia duas pendências para nós: queríamos royalties mais elevados, na faixa de 30%. Ele topou 20%, mas recuou depois para os mesmos 10% iniciais, tentando retroceder ainda mais, para 8%. O segundo ponto era o risco de perder, ainda que parcialmente, o controle da marca. Mas a conversa acendeu outro sinal de alerta: o empresário reclamou de termos negociado, sem avisá-lo, peças no atacado para uma multimarcas do Rio, a Parceria Carioca (que ainda
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vai dar o que falar neste livro), num momento em que sequer havíamos assinado contrato com ele. Antes do carnaval, tomamos a decisão de não fechar o negócio, conversando com Deus e Davida, com o presidente, o advogado e colegas. A reação do empresário foi muito elegante, com desejo de boa sorte para nós e um pedido para ser avisado do desfile do Bloco Prazeres Davida no carnaval. Não fiz isso e me arrependo. Quanto ao negócio, ainda não sabemos (ou jamais saberemos) se a decisão foi acertada.
O desfile inaugural Esta viagem comercial ao futuro, penetrando 2006, não significava que 2005 tivesse acabado. Muito pelo contrário! Naquela metade final de dezembro em que tudo acontecia, ainda haveria um desfile, o primeiro da grife Daspu. A data marcada para atingirmos o grau 5 dos turbilhões foi 16 de dezembro, uma sextafeira, dois dias depois de o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher da Presidência da República ter aprovado moção de apoio à iniciativa das prostitutas (mas não por isso). O local escolhido para o lançamento da grife foi a Praça Tiradentes. Planície alagadiça no século XVII; sede da primeira igreja da comunidade negra carioca e de um cemitério de escravos no século XVIII; local de moradia e trabalho (venda de cavalos) dos rejeitados ciganos no mesmo século; a região começou a ganhar ares boêmios e artísticos com as festas de canto e dança dos negros em busca de dinheiro para custear os cultos e com a inauguração do terceiro teatro da cidade, em 1813, numa iniciativa privada apoiada por Dom João VI. No século XIX, a crescente ocupação e o perfil da área, já embalada pelo teatro de revista, atraíram prostitutas e também homossexuais (pejorativamente chamados de “os 24”). Ponto de encontro de escritores, de músicos em busca de trabalho, dos artistas e dos espectadores, não faltavam clientes por ali. Pelo menos uma profissional ficou famosa, a francesa Aimée, descrita por Machado de Assis como “um demoninho louro”.
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A jornalista Roberta Oliveira conta, em seu livro Praça Tiradentes, histórias deliciosas sobre o impacto da diabinha. Entre elas, a comemoração por sua despedida do Brasil, quando “as senhoras mais respeitáveis de Botafogo” foram “à praia soltar fogos de artifício”. Aimée teria levado na bagagem mais de um milhão e meio de francos, vendido por fortunas alguns dos objetos de sua casa na antiga rua dos Ciganos (atual Constituição) e, principalmente, mudado os costumes e introduzido a cidade ao prazer. No relato da pesquisadora Maria Helena Martinez Corrêa à jornalista: “Se, por um lado, ela deixou o carioca mais pobre, porque tinha o hábito de depenar seus clientes, por outro, incentivou a abertura de restaurantes, cabeleireiros e até de lojas de departamentos”. A Praça Tiradentes, propriamente, tem ainda uma peculiaridade. Uma imponente estátua, a primeira construída em uma área pública, de... Dom Pedro I. A explicação é que o batismo contemporâneo da praça, de 1890, foi dado após a inauguração do monumento, em 1862. O herói da Independência foi enforcado bem perto dali, mas não na praça. Hoje, de volta ao futuro, a Tiradentes ainda agrega centenas de prostitutas em diversas ruas, hotéis e termas. O movimento é diurno e noturno, e as mulheres circulam à vontade, escolhendo – à exceção das que trabalham nas termas – o hotel para o programa com os clientes. Além da especialização sexual, há péssujos e pés-limpos modernosos; centros culturais; galerias de arte e restaurantes; bancos; salão de sinuca com o que restou dos malandros, mas em plena modernização; lojas especializadas em produtos para ambulantes e carnaval; dois famosos teatros (João Caetano e Carlos Gomes); uma tradicional gafieira (Estudantina) e escritórios em prédios comerciais. Boa parte dos imóveis é tombada (numa das casas em reforma morou a cantora lírica Bidu Sayão) e aquele projeto de revitalização está em franco andamento, com muitos novos empreendimentos, como hotéis para executivos. O resultado desse novo perfil
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ainda não está claro para as prostitutas. Potentes lâmpadas instaladas por um banco na principal rua de prostituição, a Imperatriz Leopoldina, já vêm tentando prejudicar, intencionalmente, a batalha. E é a partir, justamente, dessa rua que Davida promove e incentiva projetos culturais, políticos, de cidadania e saúde, pelo menos desde 2002. Também é nela – com cerca de duzentos metros de paralelepípedos, calçadas altas ocupadas por mesas de bar e iluminadas por diminutos e antigos postes – que batalham diversas das prostitutas ligadas à Davida, fazendo daquele ponto o nosso canto mais boêmio. E põe boêmio nisso! Por isso, não havia lugar melhor para o primeiro desfile da grife Daspu. Ademais, diversos artistas se interessaram por uma parceria, atraídos pelo agito que fazíamos ali e pelo anunciado lançamento da badalada grife. A ponte foi o dono dos hotéis de programa Nicácio e Paris, Edvan Miranda, herdeiro do negócio do pai e empresário atento ao entorno comercial, histórico e cultural. Edvan já vinha sendo um parceiro constante nos outros eventos culturais e providenciaria quartos de hotel para camarins e segurança para o desfile. A primeira reunião com os artistas – ligados ao vizinho Centro de Arte Hélio Oiticica e a outros grupos – foi no próprio Centro. De fato, alguns de nós já tínhamos papeado com alguns deles, assim como com os assíduos (dos bares da Tiradentes) estudantes do tradicional IFCS, o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, que fica ali pertinho, no Largo de São Francisco. Éramos quase vinte pessoas, entre 15 artistas, o Edvan e quatro integrantes de Davida: Gabriela, Jane, Sylvio e este autor. Entre papos-cabeça diversos (e eu já tinha cinqüenta anos...), acertamos uma parceria para o desfile inaugural da Daspu. Cesar Oiticica Filho, sobrinho e curador da obra do tio, reativaria por uma noite um projeto em que prostitutas vestem e agitam os parangolés do Hélio. As mesmas mulheres (isso surgiu mais
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tarde) jogariam pétalas de rosas sobre os paralelepípedos em que as dasputinhas iriam desfilar, na rua Imperatriz Leopoldina. O grupo Hapax, liderado por Ericson Pires, tocaria na noite do evento com o bloco Prazeres Davida. Imagens sobre Hélio Oiticica seriam projetadas num grande telão, na verdade, lençóis colocados entre dois prédios, no final da rua. Haveria fotógrafos cobrindo o evento e cinegrafistas, inclusive o cineasta Neville de Almeida, filmando as bonitinhas ordinárias. Outros artistas, como Helio Branco e Ronald Duarte, também iriam colaborar. Fomos convencidos a chamar o evento de Parangolé Daspu. Davida-Daspu, no primeiro desfile de nossas vidas, tinha que obter autorização da prefeitura para a interdição da rua; escolher as peças de roupa e montar os looks; organizar os camarins; selecionar, maquiar e pentear as modelos; coordenar a entrada e a passagem delas; contratar e ensaiar os ritmistas do bloco, que tocaria antes, durante e depois do evento, em parceria com o Hapax; determinar horário e ritmo para toda a festa; divulgar o evento e fazer a assessoria de imprensa; e, principalmente, dominar os nervos. O controle da ansiedade e da situação foi uma das partes mais difíceis. A excitação nos camarins era tão maior quanto mais se faziam cabelos e maquiagens. A rua lotava, repórteres e fotógrafos subiam ao hotel para entrevistas e o horário previsto para o desfile, 20h, se aproximava. Tudo atrasou um pouco, como natural, inclusive a primeira batida da bateria do bloco e a entrada do grupo Hapax, que anunciaria o início do desfile. Acontece que, às 20h30, o fotógrafo do Globo André Teixeira abriu o segredo: a primeira página do jornal estava aberta para uma foto do desfile e o fechamento se aproximava. Enlouqueci. Eu já tinha alertado todo mundo sobre os atrasos, por conta do público e dos horários de imprensa, e a reação geral – especialmente de alguns artistas – era de desdenho e superioridade. A imprensa que espere. Mas quando soube da primeira página, aí não dava mais: voei para o fim da rua, onde
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estava o Hapax, e insisti na entrada do som. Em poucos minutos, prostitutas vestindo parangolés espalharam pétalas de rosa vermelha sobre a rua para a entrada triunfal das colegas. As manequins dasputinhas começaram a surgir pela porta do Hotel Nicácio, arrancando os primeiros aplausos, torcendo pescoços e provocando o tumulto das câmeras. Uma a uma, ou em pares, e alternando três camisetas e as peças-piloto (três vestidos, o top com saiote e a camisolinha vermelha prestigiada por Adriane Galisteu), as seis mulheres percorreram a rua de pétalas em direção oposta à Praça, ao encontro do Hapax. Ladeadas por uma multidão que, mesmo entusiasmada, respeitou o espaço do desfile, acompanhadas na passarela-passeata por Neville, pelas câmeras e luzes do GNT, por fotógrafos de outros veículos e agências, elas arrasaram! Cabeça erguida, peito empinado, sorridentes e sensuais, malemolentes, emocionadas, vibrantes. Em rápidas trocas de roupa, mostraram tudo e, ao final, carinhosamente amparadas pelas colegas em parangolés, ainda se apresentaram juntas. Eram elas, as modelos dasputinhas Jane Eloy, Val Pereira, Lena dos Santos, Maria Nilce, Cida Silva e Valeria. Mulheres dos vinte aos cinqüenta. A sétima mulher foi Gabriela Leite, que, na sua entrada em prantos acompanhada pelo artista Ronald Duarte, arrancou de minha inspiração e do meu amor a definição de “estilista da auto-estima”. No dia seguinte, para confirmar o mais-que-sonho, lá estava: a primeira página do Globo ocupou 14,7 X 22 centímetros com a foto de uma jovem e atrevida Valéria, intitulada “Daspu na passarela”, que remetia a uma página interna com a reportagem completa contendo outra foto, de Maria Nilce exibindo o charme dos seus 58 anos. Na noite daquele sábado, 17 de dezembro, a festa foi em casa. Além de todas as recentíssimas emoções, era a data de exibição do programa da Galisteu. O domingo foi uma deliciosa ressaca geral.
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Mais uma semana iria começar. Aquela em que o empresário paulista desembarcaria no escritório e faríamos a festa de fim de ano de 2005. O ano estava terminando para nós. Exaustos e muito felizes, entramos de férias para Natal e Ano-Novo. Sabíamos todos que nunca havíamos conseguido tanto na batalha contra o estigma e o preconceito. E era certo que ainda havia muito a conquistar.
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Uma multidão adere à periferia. Lá é grande e, mesmo assim, todos se espremem. Não é fácil de entrar, precisa de convite – disputadíssimo. Mas é um espaço democrático: tem gente rica e remediada, tem artista, músico, DJ, jornalista, garçom, puta, gente de moda e até socialite. Roda de samba, botequim e, nesta semana especial, comes e bebes de grátis. Que perifa boa! E ainda tem o luxo de roupas transadas, objetos de arte, imensos painéis sobre gente que importa, textos e frases geniais. Melhor ainda: está bem no Centro do Rio. E é janeiro, verão. Esse espaço é, na verdade, a sala VIP do Sebrae-RJ no 8º Fashion Rio, instalado naquele início de 2006, no Museu de Arte Moderna, o MAM. A idéia é mostrar, interpretar e valorizar a periferia, num ambiente projetado pelo diretor de arte Gringo Cardia. É ali que, ao lado de outras grifes nascidas periféricas, a Daspu atrai boa parte da multidão. Mostra apenas camisetas, cada dia de uma a duas, durante cinco dias, vestidas num busto de manequim complementado por saia ou calça e acessórios de outras marcas. É um dos cinco looks apresentados na entrada do salão. E é certamente o mais admirado, fotografado e comentado. Depois desse momento de mirar, a busca é por carne e osso e algo mais. Lá no fundo, meio escondidos (até para quebrar regras e fumar), num dos poucos bancos disponíveis e juntinhos do bar e do telão a mostrar desfiles, uma dúzia de mulheres e dois ou três homens são atração. Trata-se de um grupo de prostitutas e
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aliados, revezando-se ao longo da semana e sempre respirando alegria, orgulho e deslumbramento de estar ali, ainda mais com o simpático assédio de tantos admiradores e curiosos. Entre as centenas de pessoas que visitam diariamente essa periferia, a empresária socialite Vera Loyola (“Daspu é coisa nossa, do Rio”), as atrizes Rosamaria Murtinho e Sheron Menezes, a rainha Adriana Bombom (uma das muitas fotografadas abraçando o manequim Daspu), o cineasta Neville de Almeida, a jornalista e amiga Leilane Neubarth e a também coleguinha Cora Rónai, que já desejara “sorte” para a grife em sua coluna. Também está lá, claro, o anfitrião e superintendente do Sebrae-RJ, Sergio Malta – mais de uma vez recebendo o chefão da Firjan, Eduardo Eugenio Gouveia Veira –, além de francesas diversas, artistas plásticos, estilistas, designers, estudantes de moda, modelos, inclusive uma das que posaram para a Folha com modelitos da grife, Kaya Korabila. É gente que não acaba mais para conhecer, apoiar, conversar e fotografar (-se com) aquela turma de periféricos que arrombou até festa VIP. De repente. Muito de repente. Aliás, férias, quem foi mesmo aí que falou em férias? Quem? Antes mesmo do Ano-Novo de 2005 – foi só passar o Natal de presentes Daspu –, os telefones já tocavam e os e-mails, apitavam. Dessa vez era o Sebrae-RJ, interessado em levar a grife para esse espaço que tinha no Fashion Rio. O segundo e definitivo encontro aconteceu apenas 48 horas antes da abertura do evento, na segunda 9. Era um sábado, no calçadão da Taberna da Glória. O representante do Sebrae, Beto Bruno, trouxe um sofisticado vestido da Coopa-Roca para tentar provar que Daspu só devia mostrar camisetas no Fashion Rio. Aqueles vestidos, saias, top e camisola que vira dias antes não estavam no ponto. Causou revolta. Afinal, o prestígio e a visibilidade da Daspu eram tamanhos que rebaixar peças tão especiais era mesmo revoltante! Mas ele insistiu muito e, por grande sorte, trouxe também a modelista Talita Martins, que cuidaria da montagem e troca do
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nosso look dia a dia. Simpatia em pessoa, a doce e profissional Talita foi decisiva nesse encontro e durante a nossa primeira semana fashion, pelo entusiasmo, pelas idéias e a dedicação. Também suavizou aquela tarde a repórter do Globo que chegou depois ao mesmo bar para entrevistar Gabriela. Heloisa Marra, do Caderno Ela, conversou longamente, dando extrema atenção, leveza e profundidade à entrevista. No sábado seguinte, a matéria com fotos na capa do primeiro caderno e do Ela (esta em admirável arte sobre a camiseta “PU Davida”) causaram sensação no Fashion Rio. Em outra página, uma reportagem anunciava o que ocorrera na véspera, uma sexta-feira 13: “Daspu volta a brilhar na passarela”. Mas seria maldade voltar às ruas tão pronto, sem mais fuxicar aqueles poucos dias no MAM, que antecederam o segundo desfile da marca. Fora da sala VIP, por exemplo, nos corredores externos da estrutura montada para o Fashion Rio, as prostitutas de camiseta Daspu também eram admiradas, abordadas, elogiadas, fotografadas. “Daspu. Aí está a camiseta mais cult do momento” foi uma das legendas para foto publicada no caderno especial do Ela para o Fashion Rio, sacada de uma das mulheres em trânsito pelo espaço do Sebrae. Lá dentro, a curiosidade era tamanha que, depois de a modelista Talita mostrar dezenas de vezes a camiseta que havia sido exposta no dia anterior ou a que seria no seguinte, chegamos a expor diversas delas no grande banco do fundo. Só faltava vender, e propostas não faltaram, mas isso não era permitido na sala VIP. Até produtos alheios eram cortejados como se fossem Daspu, dos acessórios e complementos do nosso look aos jeans expostos em outro lado da sala. Se tanta gente estava surpresa e encantada, nós estávamos ainda mais. Um dos encantamentos se deu quando adentrou a sala, logo no primeiro dia, um dos DJs contratados para animar o pedaço. Valério (Correa Soares) havia sido aluno numa iniciativa pioneira de Davida, o curso Carnaval de Negócios, para profissionalizar jovens na indústria do carnaval, quando a
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sede era no Estácio, berço do samba, e a ONG atuava também com adolescentes, no início dos anos 90. Agora um adulto de 22 anos, trabalhando com áudio, vídeo e sonoplastia, Valério teve um reencontro emocionante com a “madrinha” Gabi. “A partir do curso no Davida, comecei a andar”, contou. “Corri muito, suei e hoje estou colhendo os frutos”. As palavras do Valério DJ foram publicadas na mesma edição do Beijo da rua que estampou, na capa, uma imagem simbólica de nossa participação no estande: o perfil de um fotógrafo clicando Gabriela abraçada ao look da grife. Ou seja, um fotógrafo (fora do quadro) congelando a imagem do colega que captura outra, esta, a tão intensamente buscada. O cartunista Aliedo, autor de tiras para o Beijo reproduzidas em camisetas, também foi clicado com uma de suas obras, a divertida “Daspu no inverno”. Nela, uma prostituta encasacada desenrola um banner em que aparece de biquíni, para satisfação dos motoristas que passam em seus carros diante da calçada boêmia. Esta seqüência tornou-se depois um filmete de trinta segundos, exibido no Festival Internacional de Animação Erótica de 2007, no Rio. Outro grande momento daqueles dias foi o passeio pelo Fashion Business, a feira de negócios do evento. A turma de prostitutas circulando com cicerone particular para apreciar criações em dezenas de estandes. O clímax da semana se aproximava. A presença na sala VIP e a espetacular receptividade à grife nos haviam estimulado a promover o segundo desfile, mostrando agora as peças que só quem tinha acesso ao MAM podia ver. Novas estampas haviam sido impressas a toque de caixa para atender ao convite do Sebrae. Com repercussão ainda maior que o primeiro, o segundo desfile acabou coroando a semana Daspu no Fashion Rio. Por coincidência (nem calendário de moda conhecíamos ainda), ele foi marcado para o mesmo dia e hora do desfile de Gisele Bündchen no MAM, o que provocou ironias e brincadeiras da imprensa, sempre incrédula por ofício (“Daspu disputa com Bündchen”,
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por exemplo, foi título na coluna Gente Boa do Globo antes dos dois desfiles). Ao lado dessa inusitada e excitante concorrência fashion, havia o noticiário diário do evento de moda carioca, com a grife das putas sempre nas páginas, assim como Gi, e uma atração especial em nossa passarela boêmia da Tiradentes: a atriz e ex-modelo Betty Lago, que se oferecera gentilmente para desfilar (“decidi me doar para a causa”) e a gravar tudo para o programa de TV “Saia Justa”, do GNT . A mistura desses ingredientes deu no que deu. A sexta-feira de lua cheia levou outra multidão para ver as putas desfilarem na rua de programa do Centro. Além de curiosos, admiradores e amigos, muitos jornalistas e profissionais de moda, que largaram Bündchen pra lá, até por obrigação. O JB foi o que melhor destacou esse feito: emplacou na primeira página uma enorme foto de Gisele, sob o titulo “Atenção dividida”, com a seguinte legenda: “A platéia hesitou entre ver a top model no MAM ou ir até a Praça Tiradentes conferir a coleção da Daspu no desfile prestigiado pela atriz Betty Lago”. Na matéria interna, titulou “Daspu, a grife que parou o Centro do Rio”, linha acompanhada em “Passarela democrática” (O Dia) e por “A grife Daspu leva irreverência para a Praça Tiradentes” (Extra), ambos também citando a disputa da noite. No Globo, além de estarmos na capa do jornal, na capa e página 2 do Caderno Ela e em matéria sobre o desfile da véspera, fomos citados até por Gisele, na reportagem “Eu jamais seria prostituta”. A frase foi dita “ao saber da existência da grife Daspu e do desfile”, embora a modelo afirmasse que “o trabalho delas deve ser respeitado”. O que não foi publicado é que o jornal propôs a ela um encontro com Gabriela para um bate-papo, mas la Gi recusou. Do lado de cá das páginas, não houve tempo nem dinheiro para criar um espaço demarcado para as dezenas de jornalistas e profissionais de imagem, entre eles os da BBC e TV5 francesa. Mesmo assim, todos se postaram ordenadamente num dos extremos do longo carpete lilás colocado sobre os
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paralelepípedos e coberto de rosas, em novo oferecimento dos parceiros da arte. Era lógico. Como o carpete evidenciava uma passarela com ponto de entrada e retorno das modelos, organizaram-se nesse último – como na maioria dos desfiles – para não prejudicar uns aos outros e garantir as imagens. O inesperado, porém, aconteceu. A performance dos artistas que abriram o evento se alongou demais, provocando confusão e ansiedade. Foi preciso muito esforço para que alguns deles abrissem espaço para o desfile, mais querendo aparecer do que outra arte qualquer, renegando assim o desprezo de um mês atrás pela imprensa. Aí virou zona, no mau sentido. Quando as meninas começaram a sair pela porta do hotel, ainda havia muita gente na pista, impedindo o campo de visão de fotógrafos e cinegrafistas. O único jeito foi se movimentar em busca das imagens, com os inevitáveis atropelos dessas horas. Uma foto digital tornou-se a prova dos nove de que os jornalistas haviam feito a coisa certa, usando o instinto de sobrevivência. A demora e desorganização da primeira performance fora mesmo decisiva para a confusão, atribuída, por alguns, aos atribulados coleguinhas. Já na coluna da Hilde, do JB, a descrição foi esta: A banda Hapax tocava molas de elevador e latas de lixo, calotas e ferragens, fazendo um som super diferente e dançante para o povo se divertir. O pessoal do Centro Hélio Oiticica – César Oiticica, sobrinho do homem à frente – apareceu com seus parangolés. Não adianta: ficou na moda, sempre tem gente querendo pegar carona na idéia, o que parece ter sido o caso do bloco Imaginário Periférico, de artistas plásticos, que invadiu a passarela e deixou o público sem saber o que era aquilo, bagunçando o coreto. Da próxima vez, Daspu, cordão de isolamento neles. É o preço do sucesso.
A balbúrdia quase desandou a noite. Mas as cinco dasputinhas, acompanhadas de Betty Lago e de Rafaela Monteiro, uma estilista que havíamos conhecido no Fashion Rio, apropriaram-se da pista apoiadas pelos ansiosos espectadores e fizeram um desfile eletrizante. Com as novas camisetas complementadas por saiotes pretos e chapéu panamá ou chapéu roxo em cone,
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imitando o dos cardeais, acompanhado pela capa cardinálicia – alusão à estampa “Pecado é não usar” com imagem de uma camisinha –, elas foram aclamadas aos gritos de “Daspu, Daspu, Daspu”. E ainda distribuíram preservativos, embaladas pelo Hapax e pela bateria do bloco Prazeres Davida. Era a recompensa pelo trabalho intenso e concentrado do prédesfile. O carpete e todos os acessórios – chapéus, capas e saiotes – haviam sido comprados no mesmo dia, por iniciativa do designer Sylvio de Oliveira, que ia se qualificando também na concepção e direção de desfile. Os bastidores, para não sair da rotina, foram agitadíssimos. Era imprensa pra todo lado, com a própria Betty Lago entrevistando e sendo entrevistada, maquiagem e cabelos feitos por voluntários nos quartos e corredores do hotel Nicácio e até na calcada da rua Imperatriz Leopoldina. Estas e as cenas mais públicas do evento divertiram e emocionaram as debatedoras do programa de TV “Saia Justa” e, claro, os espectadores-atores da festa, como descreveu o sociólogo Orlando Junior, pela segunda vez diante de um desfile da grife: A idéia mostra audácia, criatividade e compromisso, trabalha com a dimensão do público e do privado, enfrenta estigma e preconceito, aposta em valores da liberdade e democracia. A Daspu também expressa uma forma de engajamento das putas na organização de um novo sujeito social. O público é transformado de espectador em ator, porque é chamado a se engajar, a sentir, a se posicionar. Vestir uma camiseta da Daspu é isso, é tomar posição.
O jornalista Andreas Behn complementou: Ninguém teve a impressão de que precisa ajudar ou aconselhar essas mulheres da vida. Ao contrário, as protagonistas falam do que é interesse delas: a luta contra a discriminação, o reconhecimento de sua profissão, os sonhos de cada uma. A Daspu ainda tem muito que desfilar para avançar na luta contra os estigmas. O caminho é este.
Nascia o sábado, com aqueles tantos jornais e testemunhas noticiando o desfile para quem foi ver Gi ou ficou de bobeira.
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Na chegada à tarde para o último dia de Fashion Rio, o assédio ganhou novos contornos. Para começar, um espumante com a editora Ana Cristina Reis e a repórter Heloisa, no espaço do Ela, seguido de convites para diversos outros lounges, até a volta festiva à sala do Sebrae. Nos corredores, mais do que nunca, o buxixo e as câmeras. A dasputinha Val Pereira foi cercada pelo GNT para um flash exibido horas depois. À noite, a mesma TV levou Gabriela para o programa “GNT Fashion”, transmitido ao vivo do estúdio instalado no MAM. A descontraída entrevista foi apresentada por Chris Nicklas e contou com a participação da simpática atriz Guta Stresser, do seriado “A grande família”. Ambas se derramaram em elogios e interesse sobre a grife e a performance da véspera, que teve cenas exibidas durante o programa. “Soube que bombou. Adoro, sou fã da Daspu”, disse Guta. “Estou curiosa, como foi o impacto do desfile?”, perguntou Chris. Uma questão sobre o “desenvolvimento da marca” teve como resposta de Gabriela o que seria e nunca foi, por uma nunca explicada desistência do proponente: “Acabando o Fashion Rio, vamos fazer uma parceria com o Sebrae, para fazer um plano de negócios”. Se tudo isso não era reconhecimento, o que seria?
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Cap.07
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As semanas seguintes, ainda de euforia, trouxeram novos e importantes desafios. Uma rede de três lojas, a Parceira Carioca, fez uma boa encomenda de camisetas (130 peças). Embora tão recente, a Daspu ia finalmente vender no atacado. Esse era o salto comercial essencial, pois, até então, os negócios, embora volumosos, eram todos no varejo – na sede, pela loja virtual, nos ensaios do bloco ou em desfiles da grife. Com lojas em shoppings, a Parceira Carioca revende produtos de ONGs e tem perfil descolado. Fixamos um preço de atacado, que ainda nem tínhamos, e fizemos a entrega, em consignação. Enquanto isso, as paulistanas também abriam caminho, com a Maison Z, revenda chique de produtos eróticos. Uma das sócias usou uma camiseta Daspu customizada na inauguração de uma loja em São Paulo, foi entrevistada por Amaury Jr. e, feliz, enviou as imagens para iniciar o negócio, fechado um mês depois. Tudo parecia ir muito bem até que, no comecinho de fevereiro (dia 4), uma nota na coluna Front, do Caderno Ela do Globo, dava conta de que nossas camisetas eram vendidas por 65 reais na Parceria Carioca. No dia seguinte, outra nota no mesmo jornal, desta vez na coluna do Ancelmo Góis, destilava maldade. Intitulada “Coisa Chique”, publicou o seguinte: As roupas da Daspu, espécie de Armani das prostitutas da Praça Tiradentes, no Rio, são vendidas nas lojas Parceira Carioca do Shopping da Gávea, do Fórum de Ipanema e do Jardim Botânico.
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Sei não. A Daspu parece que deixou de ser marginal – coisa do andar de baixo, como diria Elio Gaspari. Foi adotada pela classe dominante. Algo parecido houve com Che Guevara. O guerrilheiro virou fashion, com direito a foto em camisetas e boinas usadas até por Xuxa. Dia desses, tomara, até a Daslu passa a vender Daspu.
Tudo isso junto, aliado a nossa inexperiência comercial, provocou estragos. Primeiro, a venda por 342% sobre o valor de atacado, então em 19 reais, criou uma sensação de estupidez: ou nosso preço era demasiado baixo, ou éramos mesmo ignorantes dos meandros de mercado. Em segundo lugar, a nota, repleta de ambigüidade, tentava, no fim das contas, desqualificar o esforço e o sucesso das prostitutas (no máximo, o lugar de marginal-herói), trazendo de volta os preconceitos que achávamos estar demolindo. Os resultados desse imbróglio começaram a surgir uma semana depois, na noite do programa “Jogando Conversa Dentro”, de Scarlet Moon, gravado na livraria Armazém Digital do Leblon, no shopping Rio Design. Falando a um repórter depois de uma divertida entrevista com a presença de modelos e diante da platéia lotada, Gabriela fez o desabafo (“uma besteira que mostrou nossa inexperiência”) transformado em nota na coluna de Márcia Peltier, no Jornal do Brasil: Inflação Presidente da ONG Davida [sic], Gabriela Leite está às turras com Flavia Torres, da Parceria Carioca. Tudo porque a loja vende cada t-shirt Daspu por R$ 65, quando o limite estabelecido era de até R$ 39. Na sede da ONG, as camisetas são encontradas por R$ 19,90.
Já no dia seguinte à publicação, a loja avisou por e-mail que não queria mais negócio, mesmo assegurando que mantinha “admiração” pelo trabalho, depois de pedido de desculpas de Gabriela. Ainda insistimos numa revisão pública da “besteira”, estampada dessa forma na mesma coluna: Não é bem assim Gabriela Leite, da ONG Davida, nega conflito entre sua grife de camisetas e a rede Parceria Carioca. “Não controlamos”, disse
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Gabriela, “nem há como controlar o mercado. Temos um preço de atacado, com revenda a valores livres pelas lojas” Aliás, ninguém melhor que Gabriela para entender a lei da oferta e da procura.
Nada disso adiantou. A rede pagou o que devia e devolveu 21 peças. Assim, o primeiro negócio da Daspu no atacado se interrompeu. Chegamos a enfiar o orgulho na bolsa e a retomar o contato meses adiante, mas a loja carioca não quis mais parceria. Para compensar a perda, vieram a MaisonZ, revendendo a 58 reais, Mig’s & Boni’s, de Niterói, Speranza, do Recreio do Bandeirantes, no Rio, e mais tarde muitas outras: Berliner, Hilda Boutique e Doc Dog, de São Paulo, Nunca Fui Santa, de Brasília, Tulipa de Holambra (SP), Bianca Betiollo, de Caxias Do Sul (RS), BPO BPO, de João Pessoa, Baoba Café, de Salvador... Nessa trajetória, perdermos nós e a Parceria. Mas as sócias da Carioca perderam também o posto de mais cara revenda Daspu. A Doc Dog chegou a 85 reais. Quanto ao Ancelmo, voltou a publicar notas sem maus humores conosco pouquíssimo tempo depois. No fim das contas, este trecho reconhece o conhecido: a imprensa anima e desanima, eleva e rebaixa, atrai e repele, trai e traduz. Viver com ela é muito melhor, mas pode ser doloroso.
Cap.08
Rock, Samba e Funk.
Mick Jagger e carnaval de bloco Os ecos do Fashion Rio não cessavam. Também lá, aproximou-se de nós a enxuta equipe de uma organização franco-brasileira. Andréa Fasanello e a jornalista francesa Nadine Gonzalez, da ModaFusion, buscavam parcerias de moda engajada. Encontros. Propostas. Reciprocidade. Em meio a tantas conversas, chegavam ao Rio, para o show de 1,2 milhão de pessoas em Copacabana, nada menos que os Rolling Stones. Da turma de cima, ao contrário daquele andar de baixo aí de riba, Andréa tinha acesso, por meio do empresário Olavo Monteiro de Carvalho, a Mick Jagger. A história é conhecida, como diriam os que a conhecem. Foi numa das famosas recepções na mansão do empresário e também marquês, em Santa Teresa, que Luciana Gimenez conheceu o roqueiro. O que vem depois é público mesmo: Lucas, o filho. Amiga de Olavo e também moradora de Santa, Andréa conseguiu entregar, nas mãos do pai Jagger, acredite o leitor, uma camiseta Daspu. E foi, sabe onde? Na passarela que ligava o Copacabana Palace ao palco na praia, minutos antes do show. Episódio que eu jamais poderia inventar, ficcionista que não sou. Jagger ouviu algumas palavras, divertiu-se com a história e, a bem da arte ou da vida, disse que gostaria de usar a camiseta no palco, diante da multidão. O relato dá conta de que a produção
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alertou para os contratos e impediu a graça. Graça, pra não dizer bênção. Só de imaginar, dá pra se arrepiar e acreditar em ficção. De todo jeito, Mick Jagger carregou a blusa estampada Daspu. Se jogou fora, deu, usou pra dormir, vale tudo, só não vale desperdiçar esse conto. Nem aquele show, que o Spielberg... desprezou. Trabalho e emoção, era assim, viviam o mesmo tempo e hora. Do rock ao samba, como os ecos, nada parava. O bloco Prazeres Davida, catapultado pela Daspu, estava cada vez mais freqüentado. Ensaios às sextas, com o carnaval bem pertinho, davam ainda mais ritmo ao inesperado. Sem aviso, até o rei Momo, Alex de Oliveira, apareceu com rainha e princesa, numa noite de temporal que transbordou a pequena rua Imperatriz Leopoldina e obrigou quem pôde a se refugiar em marquises e bares, o maior deles com a bateria e os foliões sambando e cantando sem parar – mesmo quando a água ultrapassou todos os limites e chegou aos nossos pés: Berço do carnaval e do teatro A Tiradentes é de fato Lenda viva pra contar Palco das mais lindas fantasias Das mais loucas alegrias Dos doces prazeres da vida Ontem, as vedetes do teatro rebolado Hoje, outras meninas vão lembrando esse passado Rebolando na avenida Vão fazendo a sua vida Como em qualquer profissão É a mulher na batalha, consciente, cidadã Plantando o mundo que vai florescer amanhã Rebola-bola, você diz que dá que dá, Mas só dá de camisinha, Que é pro bicho não pegar
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Daspu! Daspu! Você diz que dá que dá, Mas só dá de camiseta, Que é pro bicho não pegar Breque: Pode apostar...
Assim cantávamos, entusiasmados, o samba composto e letrado pela jornalista e professora de canto das meninas, Denise Reis, que conseguiu reunir história, ativismo, propaganda e bom-humor. Nesse clima, duas semanas antes do Carnaval, a Caprichosos de Pilares convida as dasputinhas para sair num carro alegórico. O enredo “Na folia com o Espírito Santo, o Espírito Santo caprichou!” incluía homenagem à prostituta espanhola Maria Ortiz, por ter ajudado a rechaçar uma tentativa de invasão holandesa no estado, em 1625. Alguém sabia disso? Nem nós. A história era melhor que a encomenda: Maria Ortiz e as colegas, de seios nus, atraíam os abusados à colina onde ficava o bordel em Vitória, para despejar tonéis de água fervente sobre eles, que sequer podiam reclamar de frieza comercial das mulheres. Por essa engenhosa artimanha de sedução e guerra, a prostituta estrangeira, que adotou o Brasil para o que desse e viesse, ganhou o segundo carro da escola, “Devorando a terra”. Era representada por uma enorme escultura de pé e nua, com visão privilegiada das plataformas onde as colegas de hoje seriam as amigas de ontem, vestindo apenas saias de espanhola e balangandãs e, claro, de seios nus. A notícia causou sensação. Três minutos depois, o convite estava aceito. No ano de inauguração da Cidade do Samba, uma bela e devida obra, o primeiro passo foi conhecer os anfitriões e provar as fantasias. No barracão, recebida pelo carnavalesco Chico Spinosa e pelo presidente da escola Paulo de Almeida, a mulherada deu entrevistas à balde e ganhou fotos nos jornais. Antes da avenida, houve tempo de ir a um ensaio na quadra para sentir o clima e aprender o samba. O CD oficial das escolas teve
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também serventia, tocado exaustivamente num encontro de putas na parte diurna da data do desfile. A programação de carnaval ficou, então, assim: no sábado, desfile do Prazeres Davida na Praça Tiradentes; domingo, Caprichosos de Pilares na Marques de Sapucaí. Ah, e ainda uma tarde no Imprensa que eu Gamo, a convite do bloco de jornalistas. Com o upgrade carnavalesco para a festa oficial, a brincadeira no bloco ficou ainda mais animada e atraiu mais de trezentas pessoas para o sábado à tarde na Tiradentes, aquele “palco das mais lindas fantasias, das mais loucas alegrias, dos doces prazeres da vida”. Depois de duas horas de esquenta, a saída da estreita rua para a pista larga diante da praça foi de ganhar o mundo. Abrindo espaço entre ônibus e carros – a guarda não apareceu e voluntários experientes deram conta do ofício –, os foliões logo passaram pelo Teatro João Caetano, alcançaram o lado oposto admirados pelo Carlos Gomes e fizeram outra virada quase em frente à Gafieira Estudantina, chegando de novo à rua das putas, para retomar o circuito. Esquerda, direita, direita-direitadireita, no sentido dos carros, circundando as grades que retiam o aflito imperador no centro da praça. Uma velhíssima Kombi improvisada com caixas de som e fios de microfones ajudava a amplificar as vozes de Denise e do puxador oficial, Douglas, de todo e qualquer modo acompanhados por uma alegria cantante estimulada pela bateria de vinte ritmistas da Cidade Alta, subúrbio de Cordovil. As putas iam liderando, de vestidinhos e camisetas Daspu adaptados para o carnaval, seguidas ou ladeadas por muitas outras estampas ambulantes, com destaque para a preta, amarela e vermelha do bloco. A porta-bandeira e artesã do pavilhão concluído na véspera Geísa sambava entre todos de penacho vermelho na cabeça. Até um vira-lata entrou na festa.
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E o tempo era bom, depois de tanta chuva. Observação e conversas revelavam quem éramos nós: prostitutas, comerciantes e boêmios do Centro e de outras áreas, colegas do bloco das Carmelitas e do Cordão da Bola Preta, que acabara de desfilar, ativistas diversos, com destaque para a turma da ONG Koinonia, atrizes, estudantes, admiradores e clientes da grife e das mulheres. Muitos registraram opiniões no gravador do folião-repórter: “O samba é ótimo, tem espaço, sambamos à vontade. E está muito democrático, todo mundo no samba”, disse a sambista juramentada Bárbara, destacando as vantagens da estréia de um bloco, com mais pista para evoluir. “É um bloco família”, decretou seriamente o Bola Preta Jorge Bastos, que só parou “um pouquinho para ajudar com o trânsito”. “Essa área já se tornou um ponto de encontro. Aparecem turistas para apreciar todo esse movimento cultural”, comemorou o empresário Edvan Miranda, dos hotéis Paris e Nicácio. “Não sou profissional, mas estou com toda a garra. É um prazer e uma honra levar o pavilhão do Bloco Prazeres Davida”, disse a porta-bandeira Geisa. “Estamos aqui para acabar com o preconceito contra as prostitutas. Por que elas não podem ter o bloco delas?”, arrematou André Miranda, da Federação dos Blocos. Pra lá de entusiasmada, a prostituta e dasputinha Maria Nilce dizia: “O Davida é a empolgação que anima o povão do Brasil”. Reclamação, só uma, da atriz Cristiane Ferreira: “Adorei, amei, mas tinha que dar mais voltas na praça”. De fato, foram só duas voltas na Tiradentes. Mas, com o antes e o depois, quase três horas de samba, que encheram de orgulho as putas e a compositora: “Nunca tinha passado por uma experiência dessas. Um monte de gente cantando uma coisa que eu escrevi. Foi uma catarse, uma festa, foi tudo, tudo, tudo”, vibrou. “Valeu a pena insistir e não esfriar por causa das chuvas nos ensaios”, lembrou ela, para se liberar do trauma das águas de rua invadindo o bar.
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Opinião querida sobre o bloco-família também veio do meu pai e presidente da ONG, Waldo Cesar, vivendo aos 83 anos o que merece pra sempre: “Está uma bagunça celestial”. Agora é na avenida Ainda estávamos bebemorando na praça, fim do dia, e já era mais do que hora de buscar as fantasias. As mulheres mais destemidas se encarregaram de ir para a Cidade do Samba, voltando com uma dúzia de sacões amarelos. Foram todos guardados no hotel do Edvan, para a noite seguinte. Antes disso, na tarde domingueira, almoço e ensaio do samba com a presença em casa de quase todas as destaques. Já de retorno ao hotel, a prova definitiva e a maquiagem em mesa de bar, com a ajuda de colegas que veriam o espetáculo pela TV. Uma delas tinha sido convidada em cima da hora para desfilar, depois que uma ativista australiana sumira de vista, certamente por ter negado a um jornal que era prostituta, como saíra em matéria feita no barracão da Caprichosos. Mas reapareceu insistente e recuperou a fantasia, deixando a verdadeira colega na mão. Contornada a tristeza, partimos para a avenida. Na concentração, as prostitutas, assim como Maria Ortiz, atraíram muitos olhos-compridos. Nenhum vindo da Holanda, que não é mais boba e até legalizou a prostituição no país. Elas retribuíram o assédio com calor, dessa vez, o das palavras: “Me sinto uma deusa. Estamos mostrando a nossa cara e muito mais para as colegas criarem vergonha” (Val); “As pessoas já estão respeitando a gente na rua e vão respeitar muito mais agora” (Jane); “Estou muito emocionada com a repercussão do nosso trabalho também no mundo do samba” (Gabriela); ou “Tudo pela escola, tudo pela Daspu, tudo por nós e pra todo mundo que se assumiu”, por Doroth, que também virou frasista de jornal quando respondeu pergunta sobre os vastíssimos seios: “Vergonha dos meus peitos? Nunca; é nós!”. O carro também era ocupado por mulheres de outras profissões, igualmente de seios à mostra, e por artistas vestidas na parte
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da frente. A cantora Sandra de Sá estava inspirada: “Me sinto honrada e orgulhosa de estar desfilando ao lado das meninas da Daspu. Elas fazem um trabalho social da maior importância, sem falar da enorme função social da sua profissão”. Na passagem pela avenida, foram recebidas por flashes, aplausos, gritos e acenos, como o sinal de positivo da jornalista Glória Maria e os pedidos pra “sacudir o peito”, como relatou Valeria, 22 anos, de Copacabana: “O público dá moral, a gente sente quando empolga”. Sambando e cantando sem parar – “o povo da harmonia estava feliz com a gente”, contou Gabriela –, “as meninas da Daspu” foram citadas duas vezes durante a transmissão da Globo, embora a telinha as mostrasse de longe. A escola teve muitas falhas e acabou rebaixada, mas elas ganharam textos e fotos nas páginas dos jornais. Muitos dando força às sem-silicone de 20 a 59 anos, em plena era artificial. Foram elogiadas até pelo carnavalesco: “Parabéns, vocês foram lindas”. A frasista Doroth resumiu: “Se a Caprichosos não fez sucesso, a Daspu fez. O grande PU foi a Daspu”. Uma parada de puta O rock e o samba do início do ano tinham deixado à espera um outro e ainda distante ritmo para a maioria de nós: funk. É que numa noite de ensaio do bloco, encarapitados no 19º andar de um estúdio na Praça Tiradentes, três amigos ouviram a percussão e se ligaram: deve ser o bloco das prostitutas que criaram a Daspu, vamos lá conferir. Desceram conversando sobre a “genialidade” do nome, já sabendo dos burburinhos dos desfiles e outros agitos, e tiveram certeza de que eram elas mesmas por causa de outro nome, o do bloco Prazeres Davida. No bar do Hotel Nicácio, rodeados de garrafas, mulheres e boêmios em geral, levaram o papo adiante. De repente, as palavras falaram: “Daspu é uma puta parada”. E a outra boca: “Nada, Daspu é uma parada de puta”. O terceiro emendou, literalmente: “Daspu é uma puta parada porque Daspu é uma parada de puta”.
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Os amigos se entusiasmaram e decidiram fazer um samba. “Samba não, um funk”, disse o baterista, DJ e letrista Gutz para Gimene e Kjá, dois especialistas em marketing de guerrilha. Já com ritmo e dois versos na cabeça, Gutz voltou só ao estúdio Música para Meia Dúzia: Peguei todos os sons que tenho de funk, comecei a montar. Já gravei o refrão, fiz a batidinha, a estrutura da música, introdução, a viradinha, com espaço para letra. E, porra, puta é uma coisa que eu me amarro, a sagacidade, a inteligência emocional que elas têm com quem está do outro lado, a raça de curtir a vida, de ganhar o dinheiro. Pensei: vou fazer uma música enaltecendo, cresci, fui iniciado no meio, fiquei amigo de muitas, amigo de ir na casa beber cerveja, já entrava no puteiro porque era amigo. Porra, tem uns caras que fazem funk e esculacham a mulherada mesmo, pra eles é tudo devassa, mas esse funk tem que ser uma homenagem, são pessoas magníficas.
Com experiência e sentimento de sobra, Gutz, chamado por inteiro Gutemberg de Souza Além Neto, passou então para as palavras-chave, criando os versos que o leitor conhecerá por completo logo adiante: Shortinho, peitinho de fora, que também é o “peito aberto para a vida”, de correr atrás e meter bronca, “aqui o meu respeito, que não tem ninguém de bob”, uma gíria que elas também usam na rua e nos puteiros, “a cabeça tá erguida, o peito aberto por esporte”, porque além de ser um esporte, o sexo é uma profissão, um ganha-pão, um prazer. E aí comecei a juntar, a separar por estrofes. Espetei um microfone, fiz uma demo, gravada ali mesmo, na mesma noite, e mandei por MP3 para os dois com a letra no próprio e-mail. “Aí, se vocês não tiverem tempo, eu vou fazer do mesmo jeito, se ninguém me responder, está pronto”. O Kjá respondeu: “Se você quiser um cat não se esqueça do dindim”, botei lá e tirei umas coisas que eu tinha colocado, acrescentei “porque a parada é profissa, e princesa são as mina”, tem essa linguagem toda, junto com o respeito, a consideração.
Mesmo excitado com a obra, Gutz sentiu que precisava de algo mais, algo mais... sexual:
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Quando veio o verso do Kjá, levei o notebook pro banheiro, tudo travado, sem barulho de nada, “vou gravar no banheiro e tocar uma punhetinha pra ficar enturmado’”. Um calor do caralho, era verão, “vou suar a camisa aqui pra terminar a obra”, pensei em todas as minas que tinha conhecido, ‘Daspu é uma puta parada’, saí, peguei um vento, voltei, seis garrafas de cerveja, trancado no banheiro, suando pra caralho, isso já era papo de madruga mesmo, peladão, amarradão, berrando pelado, já relaxado, depois da punhetinha, gravando o funk da Daspu com todas essas histórias dessas meninas.
Só faltava embalar pra presente, mas não naquela hora. Gutz falou com os amigos, que têm escritório de design: “Vamos fazer um CD mesmo, como se fosse uma gravadora, e entregar”. Fizeram capa e deram o título geral de Pornô Promo Pop. Ele gravou o segundo CD, Dar um só é sacanagem, e acrescentou outras músicas, uma delas a deliciosa “Uau! Uau!, Oral, vaginal, anal!”, dele mesmo e inspirada na leitura de Bruna Surfistinha. Ficou assim: DASPU – Uma puta parada (Gutz, Gimene e Kjá) Daspu é uma puta parada Daspu é uma parada de puta Daspu é uma puta parada Daspu é uma parada de puta No lazer, na folia, na pista ou na luta Trepa zen, veste bem, goza bem na costura E sempre agüenta uma dura, Duracell, pilha forte Güenta o tranco, corre atrás de peitinho lindo e short Daspu é uma puta parada Daspu é uma parada de puta Daspu é uma puta parada Daspu é uma parada de puta Som e sexo para o povo!
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A cabeça tá erguida, o peito aberto por esporte Aqui o meu respeito, que não tem ninguém de bob Se vc quiser um ‘cat’, não se esqueça do din-din Porque a parada é profissa e princesa são as mina. Daspu é uma puta parada Daspu é uma parada de puta Daspu é uma puta parada Daspu é uma parada de puta Som e sexo para o povo!
Na sexta-feira seguinte, eles se apresentaram e entregaram o CD à Gabriela, durante o ensaio do bloco: “Uma porrada de gente em cima dela, eu tinha que ser mais um mesmo, me apresentei, ‘fizemos um funk’, foi entregue já com capa”, conta Gutz. Ninguém lembra se tocou na mesma noite; é provável. Mas certamente teve estréia pública em março, depois de um show das Mulheres Seresteiras, quando caiu no gosto total das prostitutas e freqüentadores da Tiradentes. Entre os desfiles, batizou-se curiosamente em São Paulo, no primeiro a se realizar desde a noite do show. Nunca mais deixou de abrir e fechar nossos desfiles, virando o “hino da Daspu”, como era a intenção da rapaziada. Música com tesão é isso aí! Né, Gutz!?
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Cap.09
Um passo adiante.
A estilista, o programa do Jô e o chão de São Paulo
A grife já cantava até hino próprio (alguma outra no mundo faz isso?), mas não tinha estilista. Ninguém da equipe passara por formação na área, mínima que fosse, e as expectativas externas e internas aumentavam na mesma proporção que a visibilidade. Além disso, conforme conhecíamos melhor o universo da moda, ficava evidente o elevadíssimo nível profissional do meio. O esforço de inventar e costurar algumas peças em tecido, logo no início, havia demonstrado que era preciso muito mais do que boas idéias e simpatia do público. Se a pretensão fosse ser apenas uma grife de camisetas, tudo (quase) bem. O talento e as frases sacadas por Sylvio, o designer, como “PU Davida” ou “Somos más, podemos ser piores”, as tiras do Aliedo, mensagens históricas ou contemporâneas da luta das prostitutas (tipo “Pecado é não usar”), tudo isso ajudaria bastante, mas era necessário vasculhar muito mais fornecedores e modelagens (até essa uma palavrinha nova para nós), para dizer o mínimo. Gabriela lembrou então da jovem estilista que havia se apresentado a ela no Fashion Rio e desfilado com Betty Lago e as dasputinhas. Tinha chamado a atenção o portfólio com desenhos inspirados em motivos de bar que ela havia mostrado no MAM, assim como a disposição de aceitar na última hora o
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convite para desfilar no evento a que tinha ido apenas assistir, na Praça Tiradentes. Um contato via orkut surtiu rápido efeito. Em poucos dias, as duas mais eu sentamos para um papo no botequim, onde o convite foi feito e aceito. Na manhã seguinte, ela comunicou que já havia se demitido da Gang, onde era apenas uma das estilistas, e que começaria a trabalhar conosco nos próximos dias. Nada disso foi resultado de uma incrível proposta financeira. Ao contrário, Rafaela enxergou uma oportunidade de visibilidade e crescimento profissional (“Foi a melhor coisa que fiz na minha vida, não me arrependo um minuto”), e nós, pressionados pela urgência e avalanche de acontecimentos, apostamos na única pessoa da área que demonstrara tão rapidamente interesse em trabalhar na Daspu e aceitara o cacife da mesa. Todos gostaram da iniciativa, inclusive Sylvio, que não se cansava de dizer que não entendia “nada de moda”. Rafaela, 26 anos, havia também conhecido as meninas no segundo desfile da Tiradentes. Divertiram-se e entenderam-se bem, principalmente ela e Val, que passaria a brincar com Rafaela sobre a besteira de ser 0800 no sexo. Num gesto simbólico e de generosidade, Gabriela cedeu a sua pequena e exclusiva sala para a estilista, que, de outro lado, trouxe o próprio computador. Era metade de março e estávamos muito empolgados com aquele passo na direção certa. “Cheguei na sede achando que fosse uma coisa muito maior pelo nome Daspu que estava na mídia. Depois percebi que era uma ONG com pouco apoio por tratar de prostituição. De cara, gostei muito da equipe e me senti em casa, num ambiente em que todo mundo fica à vontade”, conta Rafaela, dois anos depois. A primeira atribuição da estilista foi desenvolver uma coleção para lançamento em junho, a mais completa possível. Passado poucos dias, porém, surgiu uma outra urgência, urgentíssima:
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“Você [Flavio] chegou pra mim e disse: ‘Daqui a duas semanas nós vamos pro Jô Soares e precisamos de roupa’”. Embora Gabriela já tivesse sido entrevistada por ele duas vezes (em 1991 no SBT e em 2000 na Globo), agora era diferente. Haveria um desfile no estúdio. Já na estrada para tornar a Daspu uma grife de verdade, avaliamos que era uma ótima oportunidade para mostrar um upgrade em rede nacional de TV. Na correria, Rafaela desenhou e um fornecedor produziu dois vestidos coloridos de verão, um tubinho tomara-que-caia preto com o logotipo Daspu na vertical e mais uma camiseta inspirada na Copa, que seria disputada na Alemanha dali a três meses. As peças já conhecidas seriam a da marca Daspu, a “Somos más” e a Lasar Segall, esta na entrevistada. Preparamos também duas enormes camisetas para o Jô. No 5 de abril desembarcamos uma turma em Congonhas: Gabriela, as dasputinhas Jane, Maria, Val, Cida e Lena, Rafaela, Sylvio e eu (nós dois por conta da ONG). A van nos levou direto à Globo, para uma espécie de ensaio ainda de manhã. Ofereci o funk da Daspu, mas foi sumariamente rejeitado. “Música suave para o desfile”, decretou o diretor Willem van Weerelt. Depois do almoço, na emissora, vieram maquiagem e cabelo, camarim para a prova final de roupa, numa excitação danada, e gravação, que seria exibida na noite seguinte, ou madrugada do dia 7. Gabriela papeou com o apresentador por 15 minutos, tratando de prostituição, ativismo, violência e discriminação, Aids, família, marido (ganhei um take) e, claro, Daspu. O breve histórico incluiu o imbróglio Daslu e logo veio o desfile de três minutos, comentado pela entrevistada sobre a música suave. Com flores no cabelo, sapatilha, tênis, botas e sandálias de salto cedidas pela Sexy Shoe, as cinco dasputinhas, uma a uma, cruzaram a frente do público e posaram num piso ligeiramente elevado. A própria estilista veio por último, no tubinho sobre jeans e de sapatilha. A pedido de Jô, Gabriela contou onde cada mulher batalhava (Tiradentes, Mauá, Central do Brasil...) e, quando chegou na
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Rafaela, revelou: “E a nossa estilista é estilista, não é prostituta. Ela me pediu, gente, pra dizer que é estilista e que outras pessoas podem trabalhar com as prostitutas na boa, não é verdade?”, enquanto a profissional da moda sorria meio sem jeito. A caminho do aeroporto, o simpático motorista da emissora fez questão de mostrar o prédio monumental da vizinha Daslu, que provocou espanto e a sensação do poder da miudinha Daspu ao balançar tal estrutura física e, sobretudo, simbólica. Na semana seguinte, já estaríamos de volta à São Paulo da Daslu, mas também da Daspu, que conquistava cada vez mais clientes e admiradores na cidade dos gigantes e dos davis. Esse novo convite não podia ser melhor: tocar o chão de São Paulo, na zona do michê. Desfile no clube Vegas, em plena Augusta, com passagem gloriosa pela histórica rua das putas. A produção foi sensacional, com as mãos encantadas da equipe do top stylist Daniel Uêda e do salão Mundorama. Tudo feito num hotel estrategicamente escolhido, justo em frente do clube. Assim, seria preciso atravessar a rua para penetrar no Vegas. Este desfile ganhou as linhas seguintes em nosso jornal: “Estou amando fazer essa produção fora do cotidiano. Absurdo!”, exclama Uêda num salão do hotel, diante de plumas, paetês, sobreposições e plataformas que enfeitarão três modelos do Rio e sete de São Paulo, convidadas pela equipe. “Prefiro coroa. Conversa, faz carinho e massagem”, revela, enquanto isso, a paulista Laysla, vinte anos, apoiada pelas outras. “Ai, tá doendo meu pau”, entrega Giovana, que acha legal as pessoas verem uma travesti desfilando, mesmo que tenham de ser avisadas sobre o detalhe macho nesse jovem corpinho de fêmea. João Cury, que convidou Daspu com o sócio Facundo Guerra, do Vegas, dá o grito de guerra: “Entrem como as lindas pessoas que vocês são”. “Lá vêm elas, lá vêm elas”, grita um dos fotógrafos que esperam na porta do hotel, quando a calçada mais boêmia de São Paulo é ocupada pelas modelos. Elas caminham até a esquina de cima, gingam em torno de um poste, arrancam gritos e provocam fla-
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shes e cotoveladas entre os jornalistas. Daí voltam e cruzam a Augusta, interrompendo o intenso trânsito das onze da noite, para finalmente penetrar no Vegas. Centenas de pagantes e convidados abrem a roda, embalados pela energia do funk estreante “Daspu é uma puta parada/Daspu é uma parada de puta”. As meninas desfilam animadas por gritos e sussurros. O show é de Val, Jane e Maria, modelos Daspu que vieram do Rio, e das outras sete manequins da Augusta escolhidas pela estilista Rafaela Monteiro. Só Valessa, dona de um bar na rua, não é profissional do sexo. Depois de jurar que entrou de gaiata no navio, ela diz, às gargalhadas e com o mais vigoroso sotaque paulistês: “Tão pensando que eu sou puta. Não acredito, meu!”. O desfile dançante rola solto e vira um festão comunitário, integrando amadores e profissionais. Todo mundo cai no funk. Maria é agarrada e sai rodopiando e beijando. Jane enlouquece agora com o som em pessoa de Deize Tigrona. “Tô ensinando os paulistas a dançar”, grita. “As pessoas estão comprando e vestindo direto as camisetas, olha só”, arremata antes de desaparecer na multidão pululante. Acompanhadas de fãs e jornalistas, as mariposas saem voejando do clube e voltam para o meio da Augusta, onde pousam e posam sobre a faixa amarela, estancando novamente os espantados motoristas. Gabriela se agarra à cintura da xará, também paulista, Gabi, 23 anos e 1 metro e 84 mais salto 10. Com 54 anos e um metro e 50, Gabriela nem de longe chega ao pescoço da colega. O contraste fica por aí: “A gente sempre batalhou. Sabe o que é estar aqui na Augusta, sendo respeitada?”, brada a Gabi veterana, aos prantos. “É um barato expressar o que a gente pensa, ocupar espaço na sociedade e enfrentar o preconceito”, diz a Gabi jovem. No bar vizinho ao Vegas, Laysla está radiante: “Foi tudo maravilhoso, fotos, roupas, maquiagem, o público”. E Maria? “Me pediram beijos e lambidinhas e deram muitos parabéns pra nós. Dancei com vários lá dentro”, diz a veterana. “As meninas daqui aceitaram bem”, elogia Jane, “Não fizeram doce como no Rio e disseram que vão desfilar de novo”. A estilista Rafaela concorda: “Foi um ótimo intercâmbio com prostitutas de São Paulo”. Entusiasmada, a socióloga Nina Laurindo já imagina o próximo desfile. “Agora pode ser na Praça da República ou na Praça da Luz”, sugere.
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José Carlos Veloso, presidente do Grupo de Apoio e Prevenção à Aids (Gapa-SP), dá força para a República. É outro capítulo na história das PU, o da ponte Rio-Sampa. De corpo e alma. Na tarde seguinte, as meninas ainda gravaram entrevista com Otávio Mesquita, na Band, antes mesmo de chegarem às bancas os jornais paulistanos, com matérias ilustradas por fotos e títulos assim: A moda das moças da rua (na capa) e Moda, estilo e deboche: A Daspu chega a São Paulo (Jornal da Tarde) Daspu faz calçada fashion na Augusta – grife carioca criada por prostitutas leva deboche e originalidade ao Club Vegas. (O Estado de S. Paulo) A noite daspu na rua Augusta (Folha de S. Paulo, coluna Mônica Bergamo)
Ainda ganhamos um ensaio do craque Roberto Pompeu de Toledo na Veja, intitulado “Sem vergonha de dizer quem é – A Daspu é a marca das pessoas que não escondem nem sua condição, nem o melhor nome da atividade que abraçaram”.
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Cap.10
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De volta à prancheta que o tempo ruge
Apresentar-se a São Paulo, “jogando sua petulante altivez na cara da cidade”, como escreveu Pompeu, foi pra lá de importante e ampliou ainda mais a clientela e a admiração local pela Daspu e pelas putas políticas fashion. Mas era hora de voltar à prancheta eletrônica, pois o tempo rugia para junho, data já anunciada da coleção. Em conversa com prostitutas, Rafaela encontrou um ótimo personagem-tema: os caminhoneiros, considerados por muitas mulheres os melhores clientes – solitários, carentes, sempre indo embora... e voltando. O batismo pela estilista também funcionou: Daspu na Pista – BR 69. Isso feito, criar... “Fiquei muito apreensiva na hora de apresentar os croquis na ONG, não queria que a coleção se desviasse do foco do preconceito e da vida das prostitutas. E a receptividade foi maravilhosa”, lembra Rafaela. … E produzir... “Dei muita sorte porque o nome Daspu é muito forte, muito forte! Para todos os fornecedores e facções que eu ligava pedindo as
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peças-piloto para ontem, quando eu dizia o nome Daspu, todo mundo topava fazer de graça”, conta a estilista. Enquanto as peças eram criadas, recriadas, produzidas e avaliadas, também se desenvolviam conversas entre Davida e Moda Fusion, aquela organização franco-brasileira em busca de parcerias no Brasil. A proposta era uma coleção de lingerie, criada pela Daspu e finalizada por Fifi Chachnil, estilista francesa das lingeries de Madonna e de outras estrelas. As peças seriam produzidas no Brasil, por ser mais barato, e para isso era necessário encontrar bons fornecedores de tecidos e confecções apropriadas. Seriam lançadas em outubro, em Paris, e no Rio, no mês seguinte, num evento que Paulo Borges, o criador da São Paulo Fashion Week, planejava fazer para entrar de vez na cidade e desbancar – ou deslocar – a arqui-rival e todapoderosa Heloisa Simão, chefona do Fashion Rio. Fifi Chachnil, uma loura e rechonchuda senhora de sessenta anos, lembrando uma Barbie francesa dos anos 50 com suas roupinhas de boneca, desembarcou no Rio em junho para o lançamento formal da parceria, que incluía apoio ao desfile de nossa nova coleção. Além disso, Moda Fusion conseguiu tempo e espaço no lounge do Sebrae-RJ durante o Fashion Rio de primavera/verão. Em mais dois enquantos entre tantos passos simultâneos, quatro das Mulheres Seresteiras ainda tiveram fôlego para apresentar o espetáculo Daspu in Concert, no bar Desacato do chique bairro do Leblon, e todas elas receberam entusiasmadas o rapper MV Bill na sede da ONG. Festejado como a travessia do Centro para a Zona Sul endinheirada, o convite para desacatarmos o Leblon veio de Nelson Corrêa, o dono de bar que viu as prostitutas cantando na Praça Tiradentes. Além da casa, ele ofereceu couvert artístico e estande para venda de roupas. Hilde, do JB, relatou a noite:
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A classe média vai ao paraíso (...). O Daspúblico animadérrimo lotou a casa, cantando junto com as meninas: Lena, a suingada, Doroth, a dona do carão, e Gabriela Leite, que dirige a ONG Davida e arrasou no blues. As camisetas da grife venderam mais do que o chope gelado e o caldinho de piranha – com todo o respeito às dasputinhas – uma especialidade da casa. (...) O negócio é cantar e soltar a voz, viver e não ter a vergonha de ser feliz.
Só faltou citar a Jane, que emocionou cantando um lindo ponto de macumba dedicado a Oxum, vestida a caráter, e declarou amor à vida e ao trabalho na ONG. Está tudo gravado. Menos a proposta de uma grande gravadora para um projeto futuro, tratado com relutância porque havia outra empresa interessada em parceria desde o desfile no Vegas. Depois eu conto. Já o “autoconvite” de MV Bill, como ele mesmo definiu, foi puramente social e político, sem tons musicais. Queria lançar o livro Falcão – Meninos do tráfico e debater com prostitutas e convidados a situação social do Brasil. Semanas antes, havia promovido evento semelhante na Daslu, e certamente queria um contraponto para aquela visita à toca do leão – disse que tinha ido arrancar dinheiro dos empresários, no “maior assalto que a favela já fez sem usar qualquer arma”. Na toca das tigresas, fez diferente. Compartilhou a vivência e a identidade da periferia, deu livros, autógrafos e tirou fotos com as fãs, que soltaram a voz no debate sem perder a oportunidade de apreciar o febril (era gripe mesmo) homenzarrão. A iniciativa, de grande repercussão, voltou a mostrar que as prostitutas estavam ocupando um lugar político no cenário nacional. Esses aparentes desvios eram, na verdade, a própria estrada principal. Reforçavam a luta das prostitutas, encetada agora pela moda, por um mundo de maior igualdade e liberdade, sem tanta – ou nenhuma, se possível – violência física e moral, tão conhecida pelas mulheres da vida. E foi criando e aproveitando as oportunidades, que o caminho para o desfile de junho começou a surgir no mapa. A primeira
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idéia era se apresentar na Praça Tiradentes, dessa vez na praça mesmo, ao invés de na pequena rua da Imperatriz. Pensávamos num evento mega, com potente equipamento de som para a trilha sonora, grandes camarins, espaço reservado para a imprensa e o público e, principalmente, passarela e cenário pra valer. Como a coleção tinha como tema o encontro de prostitutas com caminhoneiros nas estradas, o cenário deveria ter essas referências. Tivemos então um encontro com Gringo Cardia, que se ofereceu para conceber a cenografia e chegou a rabiscar o cenário durante uma visita ao centro da praça. Mas os complicados trâmites de liberação do local público, somados às constantes chuvas do período e a um outro oferecimento, nos levaram para a Lapa, também um importante centro histórico de boemia e prostituição. O Circo Voador, com todo o agito em torno da Daspu e simpático ao nosso barulho, decidira ceder o seu espaço por uma noite. Melhor, impossível. Com infra-estrutura de som, palco, passarela e camarins, acomodação para público e imprensa, cobertura espantando o risco das chuvas, e identificado com a juventude, a cultura e a vanguarda, o Circo ainda oferecia entrada franca para o público. Houve queixas de prostitutas e comerciantes da praça, mas era preciso entender aquele passo. Não apenas pelo lado operacional e financeiro – teríamos que alugar quase tudo e a montagem do cenário, pra citar só ele, seria muito mais complicada ao ar livre –, mas também para ocupar cada vez mais espaços físicos e simbólicos da cidade. As roupas da nova coleção iam chegando aos poucos na sede. Dessa vez, além de camisetas, tínhamos um macacão lilás e macaquinhos em tons suaves, regatas com imagens de vaca ou do número 69 dentro de losangos imitando placas de estrada, blusas com estampa traseira reproduzindo pára-choques de caminhão com frases do tipo “me aprecie sem moderação”, um original vestido de malha com marcas de pneu em várias cores. As modelagens eram justas e curtas, e havia alguns
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modelos plissados mais soltos. Sim, voilà, apresentaríamos também biquínis com a marca Daspu e lingeries cedidas pela Fifi Chachil. Como acessórios, peças em acrílico oferecidas pelo admirado artista Sobral. E ainda chaveiros com penduricalhos tipo pé de coelho, crucifixo e chupeta, reunidos por Rafaela e pendurados nas roupas, imitando os enfeites que os caminhoneiros dependuram no retrovisor. Para o cenário, a peça de resistência seriam pneus (a bagatela de trezentos!), conseguidos por nossa produtora com a Comlurb. Pendurados no fundo do palco e espalhados sobre ele e a passarela em forma de T, que avançava em direção à platéia, os pneus criaram o efeito de uma borracharia gigante, onde homens de macacão ou bermudas e camisas abertas no peito, sujos de graxa, interrompiam seu “ofício” para receber as modelos, também com manchas de graxa. Elas desfilavam até a ponta do T, cercadas de grades para demarcar o espaço do público, dos fotógrafos e dos cinegrafistas. Ao longo do desfile de vinte minutos, com 21 looks femininos apresentados por prostitutas e simpatizantes voluntários, alguns dos “borracheiros” também percorreram a passarela, acionando potentes buzinas de caminhão, ostensivamente empunhadas. Um deles, o modelo e professor de Educação Física Edson Silva, negão de 1,90m, arrancou suspiros femininos e masculinos. Entre os que ficaram no palco, foi citado pela imprensa o cineasta Neville D’Almeida, que vinha registrando os eventos da grife. “O desfile foi uma coisa mágica, os deuses todos a favor da Daspu”, conta a estilista Rafaela. “Houve apenas uma prova de roupa, no dia anterior, mas nem todo mundo estava lá. Eu não sabia quantas modelos teria, porque além das prostitutas convidei várias amigas, que iam chegando na hora e vestindo roupas que davam perfeitamente. Teve só uma passagem no palco, minutos antes do desfile, sem o som. Meu primo Laerte [Castanha Júnior] fez a trilha sonora de músicas brasileiras de estrada, xis minutos, sem combinar nada, e quando a última música acabou estava todo mundo no palco”.
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De pé ou sentado na arquibancada em forma de meia-lua, o público, superior a setecentas pessoas, mais uma vez vibrou, aplaudindo, gritando e acompanhando as canções estradeiras e românticas mais conhecidas, como “Caminhonheiro”, de Erasmo e Roberto Carlos: “Todo dia quando eu pego a estrada/ quase sempre é madrugada/ e o meu amor aumenta mais/ o que eu penso nela no caminho/ imagino o seu carinho/ e todo o bem que ela me faz”. Muitos também aprenderam rápido o refrão do funk Daspu, que finalmente estreava num desfile carioca. E todo mundo vivia o encanto e a confusão de não saber quem era quem na passarela. “O interessante é misturar, confundir as pessoas. Assim acaba o preconceito”, explicava para os ansiosos repórteres a modelo – esta sim - prostituta Jane. Colaborava para o climão a mística (embora real) de a grife sempre se apresentar na mesma noite em que Gisele Bündchen desfilava no Fashion Rio. Ao contrário da coincidência da primeira vez, agora, nesta primavera/verão, Daspu tinha todas as intenções do mundo de concorrer com o mainstream fashionista – mesmo assim, estaríamos nele na noite seguinte, abusados como só. Ao final, com todos no palco, Gabriela, Rafaela e o ator caminhoneiro Zunk, que vinha atuando em nossa peça “Cabaré Davida”, comemoraram na ponta do T, fotografados e filmados até pela recém-criada rede de TV Al-Jazeera de língua inglesa, ao lado de outras TVs, agências, jornais e sites do Brasil e do exterior. Muita coisa? Tinha mais: o evento foi transmitido ao vivo na internet pelo amigo cibernético Rafael Prata, que, no entanto, jamais reencontrou essas imagens entre os milhares de DVDs de suas estantes. O dono da grife Cavalera, Alberto “Turco Louco” Hiar, preferiu dispensar a internet e ver o desfile pessoalmente. Veio de São Paulo, mesmo muito gripado (mais uma vítima dos vírus daquele inverno), graças ao incentivo do jornalista Marcelo Spinelli, que nos apoiava voluntariamente na assessoria de comunicação.
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“Eu quero levar vocês para o meu clube”, avisou ele, também deputado estadual, logo após o desfile. Juntinho da arena vazada do Circo, visível mesmo de certa distância, nosso estande vendia sem parar. Até durante o desfile, algumas pessoas corriam para ver as roupas, espichando o olho ou voltando rápido para apreciar a próxima modelo. “Quando acabou, foi aquela confusão, todo mundo queria comprar as peças apresentadas”, lembra Maria José, que não tinha como atender esse pedido. No fim da noite, lotamos um dos andares de um grande bar da Lapa, incluindo quase vinte parentes de Rafaela vindos de sua terra natal, Monte Sião (MG). Nessa comemoração, estavam também as duas executivas de Moda Fusion, Andréa e Nadine, já sem a companhia de Fifi Chachnil, que cedera lingeries, assistira ao desfile no Circo e até dissera algumas palavras protocolares no final, ao lado da equipe Daspu, no palco. Na verdade, tínhamos conhecido Fifi apenas horas antes, no início da tarde, durante o lançamento da parceria Daspu-Moda Fusion, numa casa de eventos chique do bairro cult de Santa Teresa. Lá, algumas peças da mesma coleção que seria apresentada no Circo, já adornadas pelas lingeries da francesa, foram desfiladas para convidados e jornalistas de moda por jovens manequins da ONG Lente dos Sonhos, outra parceria das francesas. Na noite seguinte a essa dupla jornada em Santa Teresa e no Circo, essas mesmas modelos voltaram a vestir uma combinação de modelitos Daspu com lingeries Fifi, no tal lounge do Sebrae no Fashion Rio, que havia trocado o MAM pelo espaço maior e mais impessoal da Marina da Glória. Numa espécie de palco-vitrine alguns centímetros acima do piso VIP, as modelos se exibiram dançando funk para os convidados especiais. Fifi estava lá novamente, é claro. Eu mesmo conversei um pouco com ela em inglês, já tentando explicar nossa missão, ou, pelo menos, explicar o que não era nossa missão – tirar prostitutas da vida. Afinal, se alguns brasileiros ainda se confundiam com
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isso (até pra não entender mesmo), por que uma européia da França católica entenderia? Todas as mulheres do mundo O mais importante desta segunda participação Daspu no Fashion Rio, porém, não seria nada disso. Mas o momento em que a prostituta Jane Eloy viu uma enorme foto dela ao lado de outra enorme foto da modelo Gisele Bündchen, numa página dupla de jornal sobre a semana de moda. Isso salvou a sua vida. Pensei que o desfile no Circo fosse o último da minha vida. Eu estava mal, muito magrinha, enganando todo mundo, dizendo que estava fazendo regime, mas estava muito ruinzinha mesmo. Sabia que tinha uma infecção muito forte, não estava tomando a medicação, estava com a carga viral muito alta, o CD 4 muito baixo, cheia de complicações por causa da Aids. Era minha despedida, achei que ia morrer. Quando vi a minha foto ao lado da Gisele, lá no Fashion Rio, cercada por vocês, decidi: “Agora não quero mais morrer. Uma estrela não pode morrer. Eu vou pedir socorro”. Para mim, o importante não é a Gisele Bündchen, a modelo. Mas a matéria mostrar, de um lado, as meninas da Daspu, de outro lado, a modelo mais bem paga. Cara, eu sou uma prostituta, e dentre todas as meninas bonitas que estavam no desfile do Circo, a jornalista me escolheu para aparecer ao lado dela, e tenho várias imperfeições. Achei fantástico, lindo, foi maravilhoso, um incentivo para eu desistir de morrer. Então, a Daspu resgatou a minha vida e me salvou. Eu desisti de morrer por causa da Daspu.
Jane vivia com Aids e nem para as colegas prostitutas e ativistas tinha revelado o fato. O motivo estava na pior doença oportunista da humanidade: o preconceito. “Não é que eu não tivesse coragem. O problema era o medo do preconceito, porque eu não tenho como me sustentar só com a minha aposentadoria. Então tinha medo de não fazer mais programa por causa do preconceito”. Decidida e salvar a própria vida e, dessa vez, a enfrentar o preconceito, Jane viria a se tornar a primeira prostituta, no Brasil, a revelar publicamente que vive com Aids. Fez isso, primeiro,
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em uma entrevista ao jornal Beijo da rua, publicada quatro meses depois daquela noite. Em seguida, deixou de esconder a soropositividade de outros veículos de comunicação, quando considerava que isso fazia sentido e ainda levantou e debateu o tema da prostituta vivendo com HIV/Aids no VI Congresso de Prevenção de DST/Aids, no mesmo 2006. Pagou o preço que imaginava, com discriminação de algumas colegas e de clientes nas áreas de prostituição. Mas percebeu o outro lado da história: “Quando todo mundo na ONG ficou sabendo, recebi um grande apoio e carinho, até nas broncas por nunca ter contado e por ter abandonado o tratamento. Pensei: ‘Gente, eles gostam mesmo de mim’. E isso faz toda a diferença. Se eu encontrei uma família, pra que eu vou morrer?”. Um mês depois, Jane voltaria às passarelas-passeatas seis quilos mais gorda, sentindo-se bem, pra cima, e irradiando vida. Primeiro, por coincidência, num evento relacionado à Aids, a Consulta Global sobre HIV e Trabalho Sexual, promovida pela ONU no Rio, em que as dasputinhas fizeram uma apresentação especial para os participantes de trinta países, a pedido da organização. Em seguida, ela e as colegas voltariam a São Paulo, dessa vez para encarar de frente os fashionistas da terra da garoa. Ah, sim: aquela página dupla de jornal que contribuiu para salvar Jane, publicada no Ela Fashion, trazia o título: “Todas as mulheres do mundo. A top Gisele Bündchen e as moças da Daspu. Praianas, românticas, ousadas e multicoloridas: elas apostam no charme da diversidade”. E a última frase da reportagem, assinada por Jô Hallack, era esta: “E o desfile paralelo da Daspu. Esse, já entrou no calendário da moda carioca”.
Apresentação: O preconceito pelo avesso
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Cap.11
Show no glória e sedução DASLU.
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O chamado de Turco Louco para a apresentação no Clube Glória era pra valer. Surgiu também um novo convite do Vegas, que abrira as portas da cidade para nós. A decisão foi difícil, inclusive porque envolvia uma relação amistosa já estabelecida e a concorrência entre as casas. Afinal, o risco maior foi assumido: conviver com o desconhecido estilo Glória de ser, certamente mais rico e, aparentemente, mais impessoal e ligado ao mundo da moda. A data prevista contribuiu para a decisão: 15 de julho de 2006, exatamente um ano da criação da marca Daspu. O pessoal do Glória, com o sócio André Hidalgo na liderança, conseguiu ótimos resultados na cenografia, no styling de Valério Araújo – “não existe submundo, só na cabeça das pessoas” –, na mídia, passando pelo registro ao vivo da apresentação em telão, sem falar nas setecentas pessoas que lotaram a casa, entre pagantes e convidados, e na gentileza dos espumantes para a equipe – ou seja, barba, cabelo e bigode. O cenário foi um capítulo à parte. Inspirado naquele criado por Gringo no Rio, teve outras soluções e maior variedade de equipamentos: além dos pneus colocados sobre o palco, havia calotas, rodas e câmaras nas paredes e teto espelhados, uma poltrona de caminhão e até um macaco de borracharia, instalado bem no centro do palco, sobre um praticável em que as modelos posavam para fotógrafos e cinegrafistas.
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“Eu tinha estagiado na Cavalera e não gostava muito do estilo marqueteiro do Turco Louco. Daí fui para São Paulo com um pé atrás”, conta Rafaela. “Mas foi uma grande surpresa para mim, tanto a recepção, quanto a infra-estrutura, o lindo cenário, o carinho com que trataram a gente, tudo maravilhoso”. Além disso, lembra ainda Rafaela, “o Glória pegou mais o pessoal de moda mesmo, até porque o evento aconteceu durante o São Paulo Fashion Week, enquanto o Vegas foi mais diversificado”. Foi, por sinal, na semana de moda paulistana que a miss Brasil 1996, Anuska Prado, aceitou o convite para desfilar, feito sem grandes esperanças por Rafaela. E foi da boca de Anuska que saiu um dos mais certeiros pensamentos da noite: “As pessoas ficam falando da prostituição, mas acho que o preconceito de miss é maior ainda. Aceitei o convite até como uma sátira para essa coisa de miss. Não ao preconceito de todos os lados”, decretou. A historiadora Margareth Rago, que havia se encontrado por acaso com a amiga Gabriela Leite em pleno trânsito paulistano, horas antes do desfile, falou de cátedra sobre o evento: “Você podia imaginar a paulistana Gabriela com todos esses holofotes, luzes, badalação total, a classe média paulistana fashion se rendendo aos pés das putas? É vingança do destino, todas as mulheres brasileiras vestidas de camiseta ‘sou má’, virando filhas-da-puta com o maior prazer, dizendo ‘é isso aí que eu queria para a minha vida’.” De fato, o curiosíssimo público chique aderiu ao “manifesto fashion”, nas palavras de um freqüentador, aplaudindo e incentivando, mesmo quando percebeu o tropeção da artista plástica Simone Rocha, que também se voluntariou na passarela, ao lado de amigas paulistanas da grife e de prostitutas do Rio e de São Paulo. O segundo casting feito na Augusta foi recebido com empolgação por mulheres que já tinham desfilado no Vegas e pelas novatas ansiosas por participar.
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Da moda à política, no final de julho, os manifestos fashion ecoaram na campanha eleitoral. O primeiro político a procurar as prostitutas – depois de Fernando Gabeira, um aliado de sempre – foi a candidata a vice-governadora do Estado do Rio pelo PSDB, Maristela Kubitschek, filha de JK. O cabeça de chapa era Eduardo Paes e a iniciativa ganhou a nota de jornal “Elas estão em todas”. Por coincidência, um dos eventos programados para poucos dias depois seria na capital política do país. A convite do BSB MIX, montamos um rendoso estande e promovemos um desfile, com voluntárias locais e com a adesão da atriz Marisa Orth, que havia coordenado um debate sobre moda social no evento e se apresentou na passarela usando a blusa com o pára-choque “Me aprecie sem moderação”. Na mesma noite, no Rio, as dasputinhas originais se exibiam nos corredores do Shopping da Gávea, no saguão, entre as poltronas e no palco do Teatro da Gávea, na estréia da peça “Curtas”, protagonizada pela atriz Samantha Schmutz, na primeira vez em que a grife participou de eventos simultâneos. Mas o episódio emblemático daqueles dias foi a blitz da Receita do Distrito Federal, para verificar a documentação das mercadorias. Depois de constatar que estava tudo em ordem no estande da Daspu, um dos fiscais disse, saboreando as palavras: “É, vocês não são a Daslu”. Nem antes, nem depois, apesar de confundidas por uma distraída cliente em outra feira, a Achados do Batel, em Curitiba. Entusiasmada, a senhora dirigiu-se ao estande Daspu apontando para o banner e falando bem alto para a sua acompanhante de compras: “Olha, olha, olha, Daslu, Daslu, Daslu!”. E completou: “Ai, ai, não acredito que vocês vieram de São Paulo!”. Ana Maria e Maria José, as vendedoras de plantão, se olharam espantadas, sem reação. Até que a primeira virou-se para a freguesa desorientada e disse, enquanto a segunda apontava ostensivamente para o banner: “Senhora, não, é Daspu”. O final
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da história é hilário, nas palavras de Maria José: “A mulher baixou a cabeça e saiu encurvada do estande, a 120 por hora, tipo ‘a sociedade não pode me ver aqui’. E nós duas tivemos que sentar para rir”. Risadas para desopilar o fígado, também. Na véspera, diante de observações sobre a fria receptividade do público, o organizador da feira tinha contado a elas que um jornal da cidade publicara que duas prostitutas estariam no estande da Daspu. Mesmo sem ser, as duas Marias se deram conta de que estavam “sentindo na pele o que as prostitutas sentem: dar um bom dia e um boa tarde, e as pessoas não responderem, olharem de rabo de olho, é uma sensação horrível”. Era o público Daslu, e a feira errada. Curioso que esses flashes de Daslu tivessem pipocado muito próximos entre si e não tão distantes da segunda iniciativa da multimarcas paulistana em relação à prima pobre carioca – e o que se vai contar aqui é do conhecimento, até a distribuição deste livro, de não mais que meia dúzia de pessoas. Foi numa tarde de junho, possivelmente, que a secretária me perguntou se eu atenderia em lugar de Gabriela, que estava viajando, a um telefonema da... Daslu. Antes de cair pra trás, e depois de confirmar três vezes a informação, atendi. Era Donata Meirelles, uma das diretoras da empresa e mulher do publicitário Nizan Guanaes, como informou. Muito cordial, disse desde logo que estava ciente do “mal-entendido” e que tinha uma proposta para a Daspu. Diante de minha surpresa e relutância relacionada ao passado recente, detalhou o “mal-entendido”. Garantiu ser fruto de uma iniciativa isolada do escritório de advocacia, que sempre adotava o procedimento de questionar qualquer marca que parecesse semelhante, sem comunicação prévia ao cliente, no caso, a própria Daslu. Se tivéssemos sido informadas, disse, não teríamos autorizado a medida, não fazia sentido, não somos preconceituosas, não concorremos entre nós etc. etc. Ouvi a historinha pontuando algo aqui e ali, ao menos para não assinar atestado de bobo, mas queria mesmo é
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que a diretora fosse adiante. E foi. Oferecia um “armário” para a Daspu na sede da Daslu, explicando que a multimarcas estava abrindo suas portas – talvez portões – para empreendimentos sociais de moda e gostaria de incluir a Daspu. Pensei muitas coisas ao mesmo tempo. Claro que a estratégia visava melhorar a imagem da empresa e ter a Daspu lá dentro representava um elegante, generoso e superior mea culpa, que teria uma extraordinária repercussão – talvez a volta por cima. MV Bill também havia sido recebido pelas milionárias, evidentemente para demonstrar o compromisso, ou pelo menos a atenção da extravagente, carérrima e sonegadora loja aos problemas sociais do país. Para a Daspu, também me passou pela cabeça, a eventual aceitação daquela oferta tinha um enorme potencial destrutivo da imagem positiva tão rápida e solidamente construída. E, cá pra nós, era de uma cara-de-pau tão gigantesca quanto o palácio do luxo paulistano, embutindo ainda uma elevada dose de subestimação de nossa inteligência e o princípio capitalista perverso de que, afinal, o dinheiro pode comprar tudo e todos (pouca gente sabe que prostitutas têm critérios para escolher ou dispensar clientes). Mantive o tom de cordialidade, disse que não tinha poder para dar resposta positiva ou negativa, como de fato o era, e escutei o pedido de Donata de que, independente da decisão, a empresa fosse comunicada. Não tenho nenhuma lembrança do restante do dia, exceto que mantive fechada a boca aberta de espanto. Se bebi cervejas ou algo mais forte, tampouco sei. Forçando a memória, posso lembrar que desejava desesperadamente a volta de Gabriela e que, mesmo com toda a ansiedade, decidi nada contar por telefone, muito menos por e-mail. Alguns dias depois, o presidente do Davida, Waldo César, também meu pai, como sabe o leitor, veio de Resende, onde morava, para tratamento médico e ficou em minha casa. Gabriela já
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estava de volta e analisamos o caso os três. Ele, lembro bem, soltou suas gostosas gargalhadas com a história. A decisão foi tomada, mais ou menos na linha dos pensamentos de alguns parágrafos atrás. Mas nunca, apesar da recomendação do presidente, comunicada em palavras. Não poderia essa comunicação ser de alguma forma utilizada, servindo a algum propósito? Paranóia? Pode ser. De todo modo, como encarregado de finalizar a missão já cumprida, eu não sentia a menor vontade de dar aquele passo inútil (o silêncio seria mais do que eloqüente) e talvez desgastante, cujo valor maior seria a cordialidade – em certas situações, compreensivelmente dispensável. Por outro lado, divulgar o que ocorrera tampouco parecia fazer sentido, ao menos imediatamente, porque também podia servir a algum propósito, mesmo que na paranóia. E, assim, esse episódio jamais foi publicamente revelado, até agora.
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cap.12
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Embora a mídia européia estivesse nos acompanhando de perto – especialmente com a divulgação e reprodução de matérias das agências internacionais, com destaque para a Reuters –, uma reportagem de duas páginas no prestigiado jornal francês Libération reavivou o interesse na Daspu. Além de a própria mídia nacional repercutir o “feito”, correspondente ao famoso “deu no New York Times” (“Daspu em Paris”, na coluna do Ancelmo no Globo em 25/6, e “Daspu ganha os franceses”, no Dia de 27/6), estudantes e profissionais free-lancers começaram a prestar mais atenção na grife. Por aqui, já convivíamos diariamente com a fotógrafa italiana Roberta Valerio, que preparava uma reportagem sobre a Daspu para ser vendida na Europa, e acabara de registrar brilhantemente o desfile no Glória. Em seguida, apareceu a também italiana Viola Berlanda, uma amiga de Roberta, a tempo de se encontrarem para fazer a festa, Viola estreando sua cobertura no Circo Voador. Logo, logo, desembarcaria um grupo de estudantes francesas para realizar um documentário. Depois, a fotógrafa canadense Nathalie Daoust, com nus artísticos em quartos do hotel Nicácio, na Tiradentes. Os alemães Daniel Seiffert e Mirian Mueller, produzindo portraits e dando máquinas às prostitutas para que elas mesmas registrassem o seu cotidiano, com exposição no mesmo hotel. O artista esloveno Tadej Pogacar, as equipes da TV anglo-germânica Arte e da
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produtora italiana Mestiere Cinema, aos quais serão dedicadas outras linhas. Nós, tadinhos mas contentes, é que nos virávamos em quarenta para atender à fome de informações, imagens e produções. Junto disso, duas outras iniciativas marcaram o período. Primeiro, nossa colega e voluntária Friederike Strack voltava brevemente para a Alemanha, onde vendeu camisetas num encontro de prostitutas e iniciou levantamentos sobre potenciais clientes de atacado. Depois, a parceria que dava sinais de progredir com Moda Fusion emplacou exposição de peças no tradicional prêt-à-porter Paris, no espaço “So Ethic”, dedicado a iniciativas de “moda ética e comércio justo”. Alguns modelos seguiram também para a vanguardista loja Colette, de modo a despertar interesse nas clientes e, conseqüentemente, nas donas do negócio. Todo esse remelexo, porém, não era acompanhado pela produção eficiente das peças da coleção Daspu na Pista, lançada no Circo Voador. Um dos modelos que mais encantava a mulherada, as blusas com frase de pára-choque, desembarcava em caixas e caixas na sede, sempre com problemas de acerto no encontro da imagem entre frente e verso da peça. Os vestidos tampouco desencantaram, ora por problemas de escolha de fornecedor, ora por dificuldades no acompanhamento da produção, funções também a cargo da estilista. As peças realmente produzidas, todas com sucesso de venda, foram dois modelos de regata, uma camiseta com a silhueta feminina do símbolo Daspu pedindo carona – o redesenho da silhueta foi uma feliz idéia, modestamente, deste autor – e dois tipos de boné. Parecia então que a gente nadava e não chegava à praia. O fato era que não tínhamos uma estrutura profissional de gestão do empreendimento. No desespero, Sylvio tentou atuar como gerente comercial, cargo que ele insistia ser vital para ampliarmos as vendas a lojistas. Mas isso tampouco funcionou. No Rio, a situação era curiosamente pior. Depois
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da Parceria Carioca, nenhuma outra loja nos havia procurado. Nossa atuação pró-ativa era tímida e um dos poucos contatos que pareceu ter possibilidades de deslanchar, com a multimarcas de Ipanema Contemporânea, não foi à frente: de um lado, pelas dificuldades de produção e, portanto, de entrega de peças; de outro, pela possível influência dos tortuosos caminhos do preconceito, jamais admitido por ninguém. A ausência dos produtos em lojas – drama comum à grife e a seus potenciais clientes – mereceria o desabafo de um “austero senhor”, na definição da produtora Kátia, em conversa durante um desfile, já em 2007, no Rio. — Minha filha, me diga onde eu compro Daspu. — Compra no site ou em nossa sede, na Glória. — Não, não é isso! Estou falando loja! Loja na rua, loja no shopping! Onde eu chego, olho, escolho e levo. A minha neta pagou 100 reais por uma camiseta, porque ela parou uma pessoa na rua que estava de Daspu e ofereceu 100 reais. A pessoa foi com ela a uma loja, comprou uma camiseta vagabunda, botou e vendeu. Eu quero passar num lugar, encontrar e comprar. Em nossa própria cidade, estávamos limitados a comercializar pelo site – prática ainda pouco adotada pela maioria das pessoas – ou na sede que, embora perto do Centro, fica numa rua residencial, fora do circuito comercial. A vendagem no varejo era boa, impulsionada pela produção constante de novas camisetas desenhadas por Sylvio, mas insuficiente para a grife deslanchar economicamente e até contratar outros profissionais. “Se parar para pensar que a Daspu é genuinamente carioca e não tem uma loja em Copacabana com uma roupa nossa, isso é falta de uma pessoa que ponha na loja”, repetia o designer que tentara a gerência comercial. Além da necessidade de produzir e pôr no mercado a variedade de peças apresentada na coleção – o que não conseguíamos –, também se tornava evidente que era preciso atender às naturais
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expectativas, em relação à grife de prostitutas, por peças sensuais. Até a famosa Galleries Lafayette, de Paris, havia manifestado interesse em comercializar lingeries Daspu. Para isso, contávamos com a parceria da estilista francesa Fifi, intermediada pela Moda Fusion. Mas a senhorinha, saberíamos pouco depois, não estava entendendo muito o aspecto político de nosso trabalho. Esses impasses eram vividos simultaneamente ao interminável assédio da mídia nacional e internacional, dos free-lancers, de estudantes e pesquisadores que haviam ampliado o interesse pela luta das prostitutas. Sem falar nas diversas outras atividades e ações políticas da ONG, que prosseguiam independentemente de Daspu. Surgiu então um convite inesperado: participar da exposição do artista esloveno Tadej Pogacar na Bienal de São Paulo, a ser inaugurada em outubro. Pesquisador do trabalho informal, Tadej (pronuncia-se Tadei) já havia atuado em parceira com organizações de prostitutas européias, como o Comitê pelos Direitos Civis das Prostitutas italiano, e erguido um monumento à prostituta desconhecida em Liubliana, esta a capital da Eslovênia (sabia disso o leitor? nem nós). A proposta, de compartilhar com ele o grande espaço que teria na Bienal, chegou ao seguinte formato: expor roupas e uma linha de vida da Daspu, exibir entrevista sobre nosso trabalho num telão e, o auge, fazer um desfile dentro do Ibirapuera na inauguração da Bienal, com registro em filme para apresentação no telão do estande durante os dois meses seguintes da mostra. Antes de chegar a esse formato, definido a partir de conversas com Tadej no Rio, as linhas trocadas por e-mail e as boas referências das colegas italianas nos convenceram de que a proposta era ousada e vigorosa, abrindo por demais os espaços sagrados do circuito de arte. E o tema da Bienal tinha tudo a ver: “Como viver junto”.
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Com mais esse barulho na cabeça, fomos para o botequim. Dessa vez, na Lapa, no episódio relatado por Kátia, Gabriela, Jane e Rafaela: Kátia Daniel Tucci, namorado de Rafaela, sugeriu que fizéssemos um vestido de noiva com lençóis de motel. Foi um delírio geral, e eu já saí do botequim com a tarefa de conseguir os lençóis, achando que ia ser muito fácil. A primeira idéia eram cem lençóis, porque a gente ia fazer uma cauda enorme com eles. Pensei logo nos hotéis de prostituição, tinha muito mais a ver, e foi nesses que a gente teve muito mais dificuldade. As meninas e eu saíamos para a rua com ofício. Quem melhor recebeu a gente foi o VIPs, a mulher de lá me deu dois lençóis, feliz da vida. E o Bambina, onde fui recebida com café, chá e biscoitos amanteigados. Só não rolou uma cortesia, eu estava sozinha. Os outros 18 hotéis foi um parto para conseguir. Um me perguntou se eu queria sujo, eu falei: “Melhor não, né?” Vieram lençóis castigados, castigadíssimos, não sujos, mas depende do que você chama de lavagem. Gabriela E depois teve a novela, capítulos e capítulos, para a Rafaela montar o vestido. Kátia E foi chegando o prazo, 15 dias antes eu me internei no escritório com a Jane, que ia ser a noiva, não fiz mais nada, porque estava vendo que não ia sair o vestido. Não foi fácil. Eu ficava monitorando (“você vai aonde, não, volta aqui, tem que comprar.... eu vou”). E foi a máquina de costura da Lina para lá, e a Rafaela costurou, costura, acabamento, ficou pronto três dias antes. E aí faltava o véu. Eu tinha pedido ao Ministério da Saúde três caixas de preservativos vencidos, para aplicar na cauda, mas eles não enviaram. E demorou tanto para o vestido ficar pronto, que eu pensei em usar os preservativos no véu. Finalmente, encontrei duas caixas vencidas no depósito, 288 unidades. E ao longo da confecção do vestido a Jane foi engordando, porque tinha voltado ao tratamento e estava se recuperando. Por isso é que optamos por espartilho aberto, porque ela não parava de
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engordar e o vestido não ia dar nela. Na primeira prova, o manequim dela era um, depois outro, quando o vestido ficou pronto estava dois números a mais que o dela, e a Jane estava três número além. Entre outras coisas, esse vestido fez muito bem para a Jane, porque apareceu exatamente na virada dela, quando ela resolveu se cuidar, quando se achou querida, depois de falar que tinha abandonado o tratamento. Mas a trajetória, entre a idéia do vestido e a confecção, fez um bem danado para ela. Jane O vestido foi feito sob medida pra mim, mas como eu estava numa fase de engordar, engordando toda semana, cada dia que passava tinha de ajustar uma coisa ali, outra aqui (rindo), e eu fiquei me sentindo enorme. Mas foi uma satisfação ter desfilado lá na Bienal, me senti maravilhosa.
Esses primeiros capítulos da novela quase rodriguiana do vestido de noiva Daspu chegaram ao clímax minutos antes das modelos desfilarem na Bienal. A tsunami já vinha se formando desde as dificuldades de produção da coleção, que, somadas ao desgaste provocado pela demora na montagem da peça nubente, afetaram a relação profissional com Rafaela. O fato é que o clima já não era bom quando ela, três dias antes da Bienal, comunicou sua demissão. Disse a mim e a Gabriela que estava ganhando pouco e sabia que, naquele momento, a Daspu não podia dar aumento. Gabriela aceitou na hora, rápida como um raio. “Eu ainda disse que queria ficar até Belo Horizonte [onde haveria desfile em novembro], até vocês acharem outra pessoa, mas ela disse não: ‘Se você quer ir embora, vai agora’”, lembra Rafaela. Do agora fazia parte a apresentação no Ibirapuera, onde nos reencontramos horas antes da abertura da exposição e do desfile. Um barraco estava armado. Rafaela tinha exigido da organização da Bienal uma placa de acrílico dando a ela o crédito pelo vestido, a ser exposta aos pés do manequim artificial em que a roupa seria exibida. Nem a coordenação da Daspu, nem o artista tinham sido comunicados e ambos recusamos a oferta.
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Tadej retirou a placa assim que a viu, antes mesmo de saber de maiores detalhes. Quando soube, ainda gastou tempo dizendo que, dessa perspectiva, cada produto deveria ser identificado com os nomes dos autores, como as camisetas de Sylvio ou a linha de vida escrita por mim, quando a própria instalação tinha como título CODE RED Brasil: Daspu, além de um texto relatando a colaboração entre os parceiros. E afinal o espaço era dele, era ele o artista contratado pela Bienal, que nos tinha convidado para compartilhar a instalação. Muito nervosa com a placa deletada, Rafaela acabou assinando a barra do vestido quando as modelos se preparavam para o desfile num banheiro feminino reservado pela Bienal, nos bastidores mais tensos da história da arte e da moda – ou alguém que conte outro, e darei mais detalhes. Gabriela Quando cheguei, ela estava fazendo um barraco com a curadora, porque o Tadej tinha tirado a plaquinha com o nome dela que a própria Rafaela tinha obrigado a curadora a fazer. A mulher – eu morri de vergonha – falou assim para ela: “Eu vou ser obrigada a tirar você deste lugar”, e a Rafaela berrava, berrava, berrava. E lá dentro ela não arrumou as modelos, a Kátia ficou sozinha fazendo tudo, ela só queria saber do vestido de noiva. E depois a história de dizer que o vestido era só dela, mas foi uma obra coletiva, que se pensou junto naquele bar da Lapa, a Kátia trabalhou um montão para aquele vestido ser realidade, a Jane ficou à disposição, a Lina levou a máquina e deu apoio, junto com a Rita, todo mundo se estressou e acompanhou passo a passo a novela, até o Tadej, lá de longe, na expectativa.
Um ano e meio depois, na entrevista para este livro, a estilista finalmente deu uma visão mais clara, dela, sobre aqueles acontecimentos: Eu fiquei muito triste que o Tadej não quis que colocasse nome nenhum. Fiquei triste com ele, e por vocês não entenderem que ia parecer que ele é que tinha feito. Acho que as pessoas iam pensar
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que a peça era dele, porque era uma peça diferente, a única coisa mais arte era o vestido, ia gerar confusão.
A realidade, porém, era outra. Quase todo mundo entrava na espaço da instalação já falando de Daspu, queriam ver a grife, alguns se referiam à “instalação da Daspu”. É mais provável, até por ser um artista estreante no Brasil, que o nome de Tadej é que tenha ficado em segundo plano. O mais incrível é que, mesmo com esses tensos e complicados episódios, o desfile foi um absoluto sucesso, prestigiado por artistas, galeristas, pelo então presidente da Fundação Bienal, Manoel Pires da Costa, pela mídia e muito mais. Última a percorrer o corredor-passarela junto à instalação, Jane roubou a cena, brilhando na função de noiva-puta e convidando o artista-noivo para dançar funk com ela ao final. Entusiasmada, ela ainda construiu a frase lapidar da noite: “Puta agora também é arte”. “Estou radiante, chorando, muito feliz de colaborar, de saber que estamos na Bienal, que puta agora virou arte, e que vamos conseguir nosso objetivo de acabar com o preconceito”, foi a frase completa, repetida com algumas diferenças para os jornalistas. A co-curadora da Bienal, Cristina Freire, que passou por toda a tensão, estava aliviada: “Muito legal o desfile, teve grande receptividade, mexeu com as pessoas por estar no espaço da arte contemporânea”. Sem estar envolvida e nada saber, Orly Benzacar, da galeria Ruth Benzacar, de Buenos Aires, fez outra avaliação positiva: “Uma obra irônica, crítica, transgressora, que está muito bem no âmbito da Bienal”. Nos dois meses seguintes em que a Bienal esteve de portas aberta, gratuitamente, a instalação foi tão freqüentada quanto a loja que vendeu horrores de peças da grife na entrada do prédio do Ibirapuera. A exibição seguiu – e ainda segue – uma brilhante carreira internacional, pelas mãos de Tadej. Exibiu-se em São Francisco,
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na Bienal de Istambul, na Áustria, sempre incluindo as imagens daquele primeiro desfile de arte no Ibirapuera. Acompanhado da coleção Daspu Na Pista, como em São Paulo, o vestido foi desfilado por Jane mais uma vez, em novembro, durante o VI Congresso Brasileiro de Prevenção das DST e Aids, em Belo Horizonte, ao som da emocionante interpretação de “Rebento” por Elis Regina. Ainda no Teatro Topázio do Centro de Convenções Minas Centro, lotado de 1.700 arrepiados seres humanos, o desfile arrancou de uma assessora do Programa Nacional de Aids, Ângela Donini, essas palavras: “A Daspu libera a sociedade para discutir e conviver com a prostituição. É uma declaração da existência das prostitutas que as pessoas sentem nas veias, como aconteceu nesse teatro”. Os verbos não poderiam ter sido mais bem escolhidos: liberar, discutir, conviver, declarar (aos outros e a si mesmo), sentir e fazer sentir (nas veias) são mesmo os ideais da Daspu. Quando atinge todos, assim, juntos, é impactante. E, em conseqüência, vende o produto tão pleno de sentidos. Lá, no estande patrocinado pela divisão Professionnel da L’Oréal, também foram oferecidos maquiagem, cabelo e peças de divulgação. As pessoas saíam do teatro direto para as compras, mobilizadas e pegadas de surpresa por uma forma de ação distanciada dos usos e costumes da militância social. “BH foi além da estética, foi um trabalho com uma linguagem diferente, para um público viciado em coisas padronizadas”, avaliou Katia. E Gabriela: “No mundo da Aids, todo mundo diz que tem de fazer palestra. A gente fez uma linguagem completamente diferente, falando do mesmo tema. E atingiu um público muito maior”. Na mesma BH, prostitutas e simpatizantes se apresentaram ainda na Zona Boêmia, sem o vestido de noiva, por impossibilidade operacional, mas sempre com o incansável apoio do Gapa-MG, liderado por Roberto Chateaubriand, parceiro e assessor de muitos anos da Rede Brasileira de Prostitutas.
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No segundo semestre de 2008, e pela primeira vez solitariamente, o vestido de noiva chega à exposição Trópicos, em Berlim. Ganhou vida própria, independente, viajando entre os países sem voltar ao Brasil. Não é visto por aqui desde fevereiro de 2007. Temos saudades!
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Cap.13
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Antes que o fim de ano voltasse a trazer as atribulações de uma nova coleção, ainda haveria dois bons momentos. No primeiro, dias após a bienal, as dasputinhas se apresentaram dentro de vagões de um trem desativado, na antiga Estação Barão de Mauá, durante o festival Riocenacontemporânea. A proximidade física de modelos e espectadores, elas desfilando diante dos bancos laterais lotados por eles, a ponto de uns e outros se tocarem, criou um clima quente e de intimidade. “Com as pessoas mais pertinho, pude brincar mais, mexer com os homens acompanhados para ver a reação deles e delas”, contou rindo a veterana Val, que aproveitou os canos do trem para dar belas rodadas. Caras coladas nos vidros embaçados dos três vagões pelos quais se desenrolou a apresentação revelavam ainda a presença nas plataformas do público que não conseguiu sequer ficar na entrada das portas abertas. O compositor Francisco Bosco elogiou o duplo movimento que viu no desfile: as meninas “rebolando como num inferninho e, ao mesmo tempo, fazendo um escracho, uma crítica a essa coisa glamurosa dos desfiles”. Ele parecia adivinhar o que vinha por aí: as reboladas e os escrachos de Bebel, que começou a nascer em Camila Pitanga quando ela surgiu na vida das prostitutas, e elas, na alma da atriz que faria a prostituta na novela “Paraíso Tropical”. Ela veio para uma visita, no final de novembro, de coração aberto sobre os próprios preconceitos e buscando a personagem que
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faria. Falou e ouviu bastante, teve até cervejinha. Camila-Bebel honrou as colegas da vida real, tanto na novela quanto em declarações de apoio à categoria – ou seria catiguria?! Camila superou seus preconceitos e ajudou parte da sociedade a fazer o mesmo. Impagável. Sem preço. Viver aqueles momentos com ela – mais intensos agora, depois de Bebel – ajudou a esquecer os compromissos do nascente 2007. Dessa vez, estavam prometidas as lingeries, a serem lançadas em janeiro, na tal parceria com Fifi Chachnil. Mas, entre os vários problemas, havia a falta de contato direto com a estilista, já que a intermediação de Moda Fusion não abria oportunidades para uma conversa formal. Na verdade, fora os três rápidos encontros nos eventos de moda em junho, nunca havia ocorrido uma reunião dela com os representantes de Davida a respeito da parceria. O que houve foi um encontro entre Fifi e Rafaela, promovido pela Moda Fusion, após o desfile de junho. A estilista da Daspu, porém, não respondia pela instituição do ponto de vista formal ou político. Tampouco falava francês ou um inglês que permitisse um diálogo razoável e que pretensamente justificasse a escolha, sequer comunicada. Quando soube, Gabriela reclamou vigorosamente com Nadine, deixando claro o que era óbvio, ou seja, os papéis de cada um na organização. A própria Rafaela revela hoje o problema que estava por vir: “Fifi achou que o trabalho era tirar as mulheres da prostituição, e, quando soube que era dar mais dignidade ao próprio trabalho, ficou muito brava. Falha de comunicação, falei isso para ela logo depois do desfile no Circo”. Essa relação privilegiada com Rafaela, a sua “promoção” ao cargo de interlocutora formal, à revelia de Daspu, foi um erro grave de Moda Fusion e da estilista, que aceitou a atribuição. E chegou a um ponto crítico quando, mesmo após a demissão de Rafaela, Moda Fusion tentou esconder isso de Fifi Chachnil, como admite a brasileira, em 2008, trabalhando no empreendimento francês:
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Vou te contar uma coisa: quando eu saí, a Nadine veio me procurar desesperada, dizendo que precisava dessa parceria com a Daspu, mas que eu não estava mais lá e não tinha quem desenhasse as lingeries, e que se a Fifi soubesse que não tinha nenhuma estilista na Daspu, ela não ia fazer a coleção. Eu disse para ela que a Gabriela não ia aceitar que eu desenhasse, e ela então me pediu sigilo, disse que não falaria que o desenho era meu. Eu concordei em fazer uma coleção fantasma, pensando que isso podia ajudar a Daspu e a Moda Fusion. Entreguei uns dez desenhos para a Nadine e fui trabalhar na Record. Mas acabou não acontecendo mesmo.
Gabriela suspeitou, de fato, que isso podia estar acontecendo. Mas, como nada deu em nada... E a situação seguia deste jeito. Por um lado, nada era dito claramente para ou sobre Fifi; por outro, errávamos por manter, nessas circunstâncias, alguma confiança e, principalmente, esperança na parceria. Avisos não faltaram: a fotógrafa Viola Berlanda, que de volta à Europa emplacara matéria sobre Daspu na Marie Claire italiana e estava acompanhando atentamente tudo o que se dizia respeito à grife, já havia comunicado a nós o desconforto da equipe de Fifi com os telefonemas que ela dava para indagar sobre a parceria. Afinal, roncou a previsível tormenta, com a comunicação, por parte de Moda Fusion, de que Fifi Chachnil não levaria adiante a parceria que nunca existiu – uma comunicação possivelmente retardada. Ao conteúdo literal do e-mail da estilista só tivemos acesso, bem mais adiante, pela equipe italiana que produzia um documentário sobre Daspu e entrevistava todos os que tivessem alguma relação com a grife. No registro em filme, o seguinte trecho é lido para a câmera: Prezada Nadine, obrigado por seu e-mail. Após cuidadosa análise da documentação, concluímos que não está de acordo com o espírito da Maison Fifi Chachnil. O conceito da Maison sobre a mulher é o de uma pessoa séria e de caráter, uma mulher que encontrou o seu lugar na sociedade ou que está buscando esse lugar com dignidade e elegância. Uma mulher que representa a beleza em
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todas as suas formas. Conseqüentemente, somos o exato oposto do que vocês apresentam em suas imagens e do conceito de sua (sic) coleção de lingerie. Assim, devemos nos dissociar de fazer negócio com vocês. Mademoiselle Fifi Chachnil
O virulento e nauseante preconceito salivado nas palavras selecionadas talvez tivesse motivo maior do que a odiosa discriminação, já evidente em si: a demora para deixar claro à mademoiselle (ou para ela entender) os propósitos de igualdade, liberdade e fraternidade perseguidos por Daspu. Mesmo assim, por incrível que pareça, embarcamos em uma nova tentativa de desenvolver a coleção de lingerie, dessa vez sem a estilista francesa, mas com as antigas intermediárias dela. Aguardamos os resultados de visitas a São Paulo e Friburgo, em busca de estamparias e confecções de lingerie, enquanto Sylvio produzia desenhos para as peças. Nada feito, havia obstáculos de preços e prazo com os fornecedores. No desespero, ainda foi feita uma tentativa com a Duloren. Andréa Fasanello conseguiu um encontro com o dono e presidente da empresa, Roni Argalji, que demonstrou interesse por uma parceria com Daspu em lingerie. Mas ele não entendeu, e foi bem claro quanto a isso, o papel de Moda Fusion. E a época era a pior possível, como já se havia verificado, por conta das tradicionais férias coletivas do setor, conforme o próprio Roni alertou. Houve então mais um movimento de busca de fornecedor, já na prorrogação, também sem resultado. Finalmente, no meio de dezembro, a um mês do lançamento da coleção, tudo marcado e anunciado nos jornais, veio o apito final: “Até que em dezembro, um mês antes, elas comunicaram que não iam fazer mais. E a gente já estava com data marcada para o desfile, na Praça Tiradentes. Aí a Gabriela e o Flavio foram tomar um chope comigo em Copacabana... Eu falei, é, tá bom, eu tento. E era coleção de inverno. Peguei camiseta, botei manga comprida em todo, estiquei para fazer vestido, pensando nessa história
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da arte, de artistas famosos que enfocaram as prostitutas, no cinema, na música e nas artes plásticas. E usando a seguinte frase: ‘A arte Daspu inspirou fulano’,” resume Sylvio. Enquanto Sylvio pesquisava essas obras e desenvolvia as estampas e os modelos, Gabriela e eu nos refugiamos fora da cidade, tentando curar o estresse dos últimos tempos, com o Natal já tocando os sinos. Por e-mail, nos correspondíamos diariamente sobre a coleção, comentando o que ele enviava, dando sugestões, lembrando de artistas... Tivemos um breve debate sobre a frase a ser estampada nas peças da coleção. Seria “Fulano inspirou a arte Daspu” ou o contrário, como ele queria. Sylvio conquistou o apoio de Waldo, presidente da ONG, e assim foi. O nome da coleção também se revestia de um outro sentido, com as mesmas palavras, sem sequer precisar da inversão – o da puta arte que havia sido feita com a lingerie, para uma Puta Arte. E ajudava a criar expectativas para o 19 de janeiro de 2007.
O trem, a atriz. E uma Puta Arte com a lingerie
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Quem trabalha no setor da moda, sabe que janeiro é mês de trabalho, e muito, porque é hora de apresentar resultados. Uma trégua durante o Natal, meia parada no revéillon, e pronto. De volta à batalha. A pausa só acontece, porém, se o caminho estiver bem pavimentado. No caso crítico de se começar a pensar – pensar, repito – uma coleção um mês antes de apresentá-la, fica um pouquinho mais difícil. Pelo menos para empreendimentos pequenos e recentes. Era essa a situação de Daspu nos primeiros dias de janeiro, com desfile marcado para duas semanas depois. Sylvio – que trabalhou até em suas férias capixabas – terminava o desenho das peças, o fornecedor petropolitano iniciava a fabricação delas, acessórios eram garimpados, o casting de uma parte das modelos nem tinha começado, e o tempo corria, corria, corria... Ao mesmo tempo, estávamos às voltas com um duplo “Big Brother.” De um lado, a equipe do canal franco-germânico Arte, produzindo um programa de cinqüenta minutos para apresentação em setembro; de outro, a produtora italiana Mestiere Cinema, desenvolvendo um documentário de longa metragem para exibição dali a dois anos. Viver e conciliar as duas equipes, e na reta final da coleção, foi complicado. Havia uma potente oferta e demanda diária de
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fatos e versões, um grande frenesi de acompanhar cada um daqueles momentos, já bem tensos, e que podiam anteceder a desgraça. As equipes estavam devidamente avisadas de que teriam que se suportar e negociar conosco e entre elas. O canal Arte optou por ter um personagem conduzindo e protagonizando o documentário, o que reduziu a freqüência da equipe na sede, mas, por outro lado, ocupou Jane Eloy completamente, registrada durante 45 dias em todas as situações possíveis: “Foi maravilhoso, você vive um sonho, eles relatam sua vida, sua casa, seus filhos, trabalho, mas você não tem tempo para nada, acorda de manhã, grava, tem que repetir tudo de novo”. Na verdade, talvez tenha havido algum excesso nesse tão cuidadoso acompanhamento, afastando e garantindo exclusividade sobre a ótima personagem. O pessoal da Mestiere Cinema, conduzido pelo dono em pessoa, o veneziano Guido Cerasuolo, ainda estava criando estratégias para o documentário, no qual investia recursos próprios a fim de produzir um trailer consistente e conquistar co-produtores. Com uma visão de prazo mais longo, a equipe explorou os problemas ligados à produção da coleção – registrando conversas e tensões em tempo real e produzindo revivals de acontecimentos recentes – e buscou uma maior amplitude e variedade de personagens. Conseguiram até uma breve entrevista com Jane. Um dos momentos de maior tensão ocorreu quando a disputa se centrou em Gabriela, que optou por dar mais atenção à equipe da produtora de Veneza, com a qual havia maior empatia, identidade cultural e até conhecimento prévio, já que a fotógrafa Viola Berlanda estava no grupo. Tentando manter relações distensionadas entre todos, menti para a Arte ao dizer que Gabriela não poderia atendê-los num determinado dia porque tinha problemas pessoais a resolver. Mas as pernas curtas se denunciaram, quando a van dos italianos passou diante do escritório, com Gabi a bordo, justo quando a equipe alemã estava na rua fazendo tomadas.
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Vencido este percalço, porém, ainda tivemos outros e convivemos todos por três semanas. Lado a lado, ou frente a frente, as duas equipes registraram um desfile no Rio e outro em São Paulo, além da tarde em que desembarcaram em nossa sede as roupas que seriam desfiladas na noite seguinte.
Prova Estavam lá as modelos, prontas para a prova de roupas. Estavam lá as duas equipes de filmagem. Estava lá o cabeleireiro Erni Garcia, para conhecer as modelos que iria maquiar e pentear voluntariamente com a sua equipe da ONG Ciseg. Também aportaria na casa a atriz Elke Maravilha, convidada especial da TV alemã a participar do documentário e do desfile. Até uma repórter do Caderno Ela, do Globo, apareceu para dar uma conferida. E, finalmente, o empresário Marcos Baptista, da Falca, que desceu a serra de Petrópolis trazendo as peças de malha que acabara de produzir. Das caixas, foram saindo vestidos e camisetas de mangas curtas e longas em viscose, com reproduções em silk-screen de pinturas, xilogravuras, desenhos, fotos, filmes e até letras de canções que interpretam as prostitutas e a prostituição. Obras do francês Toulouse-Lautrec e do gravurista brasileiro J. Borges, passando por Gauguin, Picasso, Otto Dix, Lasar Segall e pelo amigo esloveno Tadej Pogacar, nas artes plásticas; de Chico Buarque e Raimundos, Madonna e Sting, na música; do cartunista Aliedo e do funkeiro Gutz; de Marlene Dietrich em “O Anjo Azul”, Greta Garbo em “Mata Hari”, Liza Minelli em “Cabaret”, Nicole Kidman em “Moulin Rouge”, no cinema. A alegria de Sylvio, de Gabriela e da turma toda era cativante. As peças circulavam de mãos em mãos e eram exibidas para as tantas câmeras, inclusive a pequena digital que me transporta para o outro lado da comemoração, eu, que também sou dessa turma, e tantas vezes estou diante desses momentos.
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“A responsabilidade que caiu na minha cabeça, de fazer uma coleção em duas semanas, foi uma barra”, desabafa Sylvio. “Ver as peças prontas, um dia antes do desfile, já é pra comemorar”. “Que sufoco, meu Deus. Até a última hora essas roupas não chegavam, a produtora esticando as férias, eu tentando uns dias de folga para descansar do ano todo, a troca de e-mails com Sylvio, as decisões tomadas sem tempo... Foi terrível. Mas valeu a pena”, também desabafa Gabriela, que chegou a finalizar algumas peças de tecido da coleção. “Eu ainda fiz acabamentos, enquanto a Imperalina, nossa costureira de plantão, terminava as minissaias”. Mas o tempo era curto até para celebrar. Logo começou a prova de roupas, seguida de ensaios, já com a trilha geléia geral montada por Sylvio, com ópera, samba, funk, boleros, serestas, tango, baladas, canções dos músicos citados na coleção. Elke Maravilha ajuda a relaxar. Conta que na noite anterior, levadas pela equipe do canal Arte para circular pelo Fashion Rio, ela e a dasputinha Jane propagandearam o desfile na Tiradentes fazendo graça com o ambiente boêmio da praça e o nome do entra-e-sai Nicácio. “Vai ser em frente ao hotel Picácio”, diziam.
Produção Era a maior produção Daspu desde o nascimento da grife. Passarela montada na rua, espaço reservado para repórteres e outro para fotógrafos e cinegrafistas (que haviam sofrido horrores um ano antes, no mesmo local), telão exibindo slides das estampas e ainda - e pela primeira vez -, modelos desfilando com uma coreografia. O número de desfilantes era recorde, 32, assim como a duração do desfile: 37 minutos. Boa parte da estrutura se deveu ao Sylvio, que, depois de ter ficado parcialmente de fora da festa de junho passado, liderada pela estilista Rafaela Monteiro, veio com tudo, no susto
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e a pedidos. Idealizou e desenhou a coleção, com os apoios já relatados, montou a trilha sonora, elaborou as coreografias com ajuda dos amigos Rafael Prata e Denise Reis, ensaiou todo mundo e estava lá, ao pé da escada da passarela, orientando a entrada de modelos de acordo com a trilha sonora e os clipes musicais. Na porta do hotel, era a mesma Denise quem liberava as modelos para alongar a fila diante dos poucos degraus. Pouco antes, atuando na organização dos camarins, os já conhecidos quartos do Nicácio, ela tinha dado outra contribuição – vital – para garantir o desfile. “Quase tocamos fogo no hotel. Eram muitos secadores de cabelo, ligados nas poucas tomadas em vários benjamins, e a toda hora eu ficava tomando a temperatura dos benjamins. Quando estava quente, eu desligava e esperava esfriar, para desespero de todo mundo. Ou seja, um caso inédito de enfermeira de benjamim – com minúscula, por favor”. Sem fogo no hotel, mas com a pista incendiada pelas modelos e pelo clima da rua tomada de gente, o desfile foi aberto por Maria Nilce, a decana dasputinha, e encerrado por Jane Eloy, ladeada por Elke Maravilha carregando um portentoso caralho cenográfico. A cantora Watusi foi reconhecida no público e convidada a subir à passarela para o abraço final, também com Sylvio e Gabriela. “A coragem de colocar a cara é o mais importante”, diz Watusi. Entre a passagem de Maria e a de Jane com Elke, os outros 29 modelos mostraram mesmo as caras – de prostituta ou atriz, de editor ou estudante. Dessa vez, haviam vários homens, como Victor Barreto desfilando com a noiva “O Casal do Mangue”, de Lasar Segall; Rafael Cesar e Sheila Regina da Silva de paletas nas mãos exibindo as “Demoiselles d’Avignon” de Picasso no peito; o videasta Rafael Prata encenando o diabo de J. Borges, que tenta impedir a “A Chegada da Prostituta no Céu”; o dono de hotel Edvan Miranda pegando no colo, de surpresa, a garçonete e também desfilante Formiguinha. Representando Marlene Dietrich, as simpatizantes Mônica e Ângela fumavam longas e delicadas
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piteiras, mirando sorridentes o público de ambos os lados da passarela, enquanto Andréia, atriz, dançava a Garota Materialista de Madonna. E a travesti Natalie, sucesso de irreverência e carisma, e as putas Lena, Cida, Jéssica, Nilza, Michele... Duas dasputinhas especiais também se apresentaram nesta noite. Simpatizantes e admiradoras que vão aonde a grife está, gastando do próprio bolso quando precisam: a socióloga carioca Verônica Machado e a cientista política americana Laura Murray, as duas já com vários desfiles pela Daspu e morando, na época, em São Paulo. Com a psicóloga Elaine Bortolanza, elas formam o Trio Maravilha das Aliadas Daspu, o Trazpu – que desfilaria completo na capital paulista, uma semana depois, inclusive com a quarta mosqueteira Fabiane Borges. Entre um e outro desfile, Laura contou por que adorou entrar na passarela representando Roxanne, mesmo considerando um desafio a coreografia, já que “só havia desfilado descontraída”, até então. O que mais me inspirou foi o conceito do desfile. Faz séculos que as prostitutas inspiram arte – desde os quadros mais antigos até a arte contemporânea. A mulher prostituta é uma inspiração de criação. Para mim, americana, me inspira viajar para conhecer a luta delas em diversos países, como faço há seis anos, me inspira largar tudo e viajar para desfilar. Uma sensação indescritível... não só como mulher, mas como oportunidade para participar de algo em que acredito e que me inspira, pois essa coleção mostra o que as prostitutas têm feito dentro de toda a história humana.
Verônica também tratou do conceito e das palavras. “Foi uma passarela única, que não necessita de descrição, e sim de sensação, de desejo, de realização... A Puta Arte de Ser Puta, descrita na Puta Arte da Daspu! Quais são as semelhanças e as diferenças entre Puta Arte e Arte Puta? Será que depende de quem pronuncia? Será que depende de quem lê? Será que depende de como se lê? Será que depende do significado que se quer dar a cada uma dessas palavras? Ou será que é uma
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simples troca da posição das palavras? Simples assim, como cada um exercer o seu desejo!” Mais uma vez, era noite de Giselle Bündchen no Fashion Rio – que coincidência – e, mais uma vez, jornalistas vieram cobrir as prostitutas, à distância e de graça, lotando os novos reservados. Entre os veículos de Internet, só o portal G1, da TV Globo, publicou 18 fotos, mais do que o dedicado à maioria das grifes que se apresentaram no evento oficial de moda. No final, a bateria do Bloco Prazeres Davida ainda subiu à passarela para anunciar o enredo de 2007. O homenageado, Zózimo Bulbul, foi convocado por Gabriela, dirigente do bloco. Muito aplaudido, o ator e diretor levou sua empolgação até a ponta da passarela, seguido por ela. Voltaram abraçados para se juntar aos intérpretes e ritmistas. O samba rolou até tarde, para fechar a noite de festa. “Gostei. Foi tudo ótimo, legal”, comentou Zózimo. “Eu me diverti com o desfile e também na passarela. Clima bom, sem nenhum atropelo, nenhuma sacanagem. E ainda me senti homenageado. É isso mesmo. Se complicar, fica feio”. Zózimo foi profético sobre a complicação. Faltava menos de um mês para o Carnaval e, apesar de eu já ter feito uma longa entrevista com ele, não deu tempo de lançar a sinopse do samba-enredo para os vários compositores de plantão, o que ainda iria exigir um concurso para escolher o vencedor. Mesmo assim, desfilamos com o samba do ano anterior, de louvor à Tiradentes, e estendemos nossas lindas perninhas ao delicioso carnaval de Olinda. Lá, amigos do Rio e prostitutas pernambucanas formaram a ala SuperPU no bloco Enquanto Isso na Sala da Justiça, que homenageia super-heróis. “Era possível ver um pouco de tudo, misturando os clássicos super heróis – Homem- aranha, Super-homem e Os Incríveis – e os novos anti-heróis: a máfia das ambulâncias, políticos e policiais. No meio de tudo isso, nós da SuperPu. Foi demais”, contou Orlando Júnior, um dos foliões cariocas.
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De volta ao Glória Uma semana depois de apresentarmos nossa Puta Arte no Rio, desembarcamos em São Paulo para lançar, pela segunda vez, uma coleção no Glória. Com grafiteiros decorando uma parede do clube enquanto mulheres, homens e travestis desfilavam, a casa lotou novamente. A fórmula de levar dasputinhas do Rio e convocar outras da Augusta voltou a funcionar. E dois famosos – além de vários de nós – entraram na pista. O cantor Supla, conhecido dos donos da casa, e a escritora e tímida Raquel Pacheco, que por dois anos foi a garota de programa Bruna Surfistinha, convocada no susto. “Eu vim só para assistir. Fui pega de surpresa pela Gabriela Leite, que me chamou na hora para desfilar. Nervosa, já entrei tropeçando. Mas foi uma honra, admiro muito esse trabalho de luta contra o preconceito”, disse ela. Outra atração paulistana foi a fotógrafa e ex-modelo de cabelos da L’Oreal Viola Berlanda, integrante da equipe do documentário veneziano. Viola desfilou e tirou fotos ao mesmo tempo, empunhando a máquina como um acessório cenográfico. “Me senti uma modelo muito potente com a máquina na mão”, brincou ela, que pode ter feito uma performance inédita. “A foto que fiz da passarela ficou linda, com todos os fotógrafos olhando para mim. Eu fotografando os fotógrafos e servindo de espelho para eles, ou seja, fotografando os fotógrafos que estão fotografando a fotógrafa que está...” O psicólogo Leandro Feitosa viu assim aquela noite: “A apresentação foi fascinante, esse trabalho é um caminho para mudar a sociedade”.
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Uma oportunidade de qualificação em gestão e planejamento havia surgido em 2006, com o Prêmio Empreendedor Social Ashoka-McKinsey. Davida foi uma das vinte (entre mais de trezentas) organizações selecionadas para desenvolver um plano de negócio para a Daspu, com apoio de profissionais da renomada consultoria internacional McKinsey. Os participantes seriam Gabriela e eu, mas ela, por compromissos de viagem, achou melhor passar o encargo ao administrador Luciano Alves. De maio a outubro, estivemos três vezes em São Paulo para cursos de três dias e trabalhamos centenas de horas na montagem do plano, em três etapas, com ajuda de colegas e apoio dos consultores do Prêmio, por correio eletrônico. Das vinte organizações, dez seriam finalistas e as três primeiras receberiam um total de 90 mil reais em prêmios. Entre as ONGs participantes, éramos de longe a que tinha a marca mais conhecida – Daspu – e uma das poucas que estava com o negócio em pleno funcionamento, mesmo precisando de ajustes. Nossa expectativa era elevada, não só por um eventual prêmio em dinheiro, mas pelo desenvolvimento do plano de negócio em si, especialmente pelo aprimoramento que ele teria com a classificação entres os dez finalistas, porque isso resultaria em apoio presencial de um consultor para a apresentação final de dezembro, na Fundação Getúlio Vargas paulistana. 212
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Quem trabalhava com produtos, e não serviços como microcréditos, teve aberta a possibilidade de levá-los para exposição e até venda durante os dias de curso no hotel dos Jardins paulistanos. Numa dessas ocasiões, recusei trocar uma camiseta Daspu por uma peça de artesanato de uma organização do Tocantins, que tinha como cursandas uma teóloga e uma prostituta, eventualmente arrependida. Na verdade, era uma entidade que atuava com “mulheres em situação de vulnerabilidade social”, algumas delas prostitutas, com apoio da Pastoral da Mulher Marginalizada, braço da Igreja Católica voltado à redenção das pobres vítimas do machismo, da violência e da desigualdade de gênero. Definitivamente, o oposto de nosso trabalho e terreno fértil para a geração de conflitos, que ambos os lados iam evitando em prol das suas metas no curso. Mas a minha atitude, no fundo política, mas também grosseira e arrogante – como trocar um artesanato bobo por um produto da famosa marca Daspu? –, disparou o gatilho. Uma participante de uma terceira organização, possivelmente convocada para isso, questionou-me numa roda formal de conversa entre alunos e facilitadores, “denunciando” o tratamento desigual entre semelhantes. Tentou desqualificar e retirar a legitimidade da conhecida e ousada Davida – onde as vítimas não tem vez – diante do povo pobre e sofrido do Tocantins. A teóloga também se manifestou, na mesma linha, e mais uma ou duas pessoas, até o ponto em que precisei me defender. Tentei explicar, mais uma vez na vida e sabendo que não o fazia para inocentes, as diferentes políticas sobre a prostituição, particularmente a protagonizada por um movimento que vem se organizando desde os anos 70 do século passado, a partir da França. De um lado, ainda majoritário na sociedade, os que atribuem a prostituição à pobreza e ao machismo, à violência e à exploração, à falta de opção, às famílias desagregadas, às drogas, à ausência da religião e até à pura e simples safadeza,
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e que tentam resgatar as mulheres forçadas a essa escravidão. De outro lado, a prostituição como profissão e direito sexual, como opção (entre muitas ou poucas, mas sempre opção), como desejo, ligada à sexualidade livre das fantasias ou à reprimida dos interditos morais, religiosos e pessoais, visão que, ao final, reúne prostitutas e aliados que não assumem a vitimização do senso comum e da hipocrisia, mas o protagonismo e a luta por melhores condições de trabalho. Difícil evitar, restaram ruídos, rumores e antipatias. Não de todos, claro, mas dos que têm posições claras para dentro, mas ambíguas para fora, que militam o tradicional usando modelitos fashion, que nivelam por baixo, como os políticos, para garantir manobra e poder, e deslegitimam o rompimento de lógicas estabelecidas por um setor já ultrapassado do movimento social. No cafezinho, lá fora, dei uma camiseta à colega de Tocantins, para me redimir da grosseria e não criar questões pessoais, mantendo, então, só as políticas. Fui saudado pelo gesto. Uma facilitadora qualificou o “debate” de “esclarecedor e fascinante”. Era o último encontro presencial dos representantes das vinte organizações. Não fomos classificados entre as dez finalistas. E aquele plano de negócio, teoricamente concluído na terceira fase, com o apoio daqueles excelentes consultores, jamais teve utilidade para nós. Ao contrário do projeto de graduação de cinco estudantes da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP), feito um ano depois. Jovens da classe média e alta paulistana, desvinculados de qualquer militância social, Cassiano Ricardo Coimbra Rezende, Luiz Carlos Conde Gaspar, Marco Aurélio Centenaro Junior, Renata de Luna Freire Maciel e Vivian Barbosa Grieco surgiram de surpresa. Um telefonema com a proposta, a visita de um fim de semana, dezenas de e-mails e telefonemas trocados com diversas pessoas da equipe, pesquisa com os clientes da putique e com revendedores da grife, alguns dias vendendo
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camisetas em um estande na capital paulista, e muito, muito mais, resultaram num livro de 270 páginas, resumidamente apresentado em novembro, diante da banca, de pais, colegas e amigos. Eu assisti à objetiva e bem-humorada apresentação na ESPM, num ambiente em que os pais estavam, orgulhosos de seus filhos, mesmo que falem de “putas, zonas, cafetões e várias outras expressões relacionadas à ocupação da prostituta”, como advertem os autores na apresentação do trabalho. “Essas palavras fazem parte do mundo da Daspu e, portanto, fazem parte do nosso PGE – Projeto de Graduação ESPM”. A nota 9 os deixou quase furiosos, mas, bem, foram consolados e aplaudidos pelo orientador, Ricardo Poli, que decidiria meses depois resumir o trabalho como um case de destaque da faculdade. Com uma minuciosa análise do mercado de moda, dos concorrentes e do posicionamento da marca, das oportunidades, ameaças, fortalezas e fraquezas, de produto, preço, canais de venda e comunicação, dos clientes e de tudo o que constitui um negócio, “os meninos”, como nos acostumamos a chamá-los, apresentaram um consistente e utilíssimo trabalho, cujas recomendações já vêm sendo utilizadas pela grife. O projeto de graduação só foi recebido com certo estranhamento em curiosas circunstâncias, as do cooperativismo. Movida pelo desejo de estreitar o laço entre os integrantes da equipe, responsabilizar cada um pelo conjunto da obra e por sua área específica, Gabriela fez o gesto de candidatar a grife a uma seleção na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares, a premiada ITCP da Coope UFRJ. Iniciado em dezembro de 2007, o processo de três anos visa “o crescimento de uma cooperativa como empreendimento econômico e a emancipação política e social dos seus associados”. Ocorre que, pelo menos na parte inicial do processo, parece haver muito mais investimento na emancipação política e social do que no crescimento como empreendimento econômico
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– enquanto, para as integrantes da Daspu, a mais urgente é a segunda parte, pois a primeira já vem se consolidando há tempos. Uma relativa ideologização tende a subestimar os participantes, ao mesmo tempo que exige deles mais do que o necessário, como refazer diagnósticos e buscar alternativas já apontadas, por exemplo, pelos estudantes da ESPM-SP, numa certa desvalorização desse valioso instrumento. Perigo ainda maior está em imaginar a existência de um “mercado sujo”, definido por produtos caros demais vendidos para os ricos. Nós, nada contra. Nem contra a terceirização, outra prática aparentemente desgostada pelo cooperativismo popular. Divulgar idéias, produzir, fortalecer-se, gerar recursos: este é o objetivo. Na verdade, parece ser o mesmo que o do cooperativismo, mas, isso só a continuidade do processo irá demonstrar. Ou não.
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Imagem e pĂşblico.
Cap.16
Com vendas ascendentes até novembro de 2006, a grife iniciou uma trajetória declinante em dezembro, que se prolongou por todo o ano de 2007, especialmente a partir de março e, depois, junho, coincidindo aproximadamente com o ciclo tradicional de uma coleção, de seis meses. As peças lançadas em janeiro só começaram a ser vendidas em abril, melhorando o faturamento até maio, quando já se criava a expectativa de um novo lançamento, em junho. Duas situações contribuíram para o declínio até junho – e mais outras para os meses seguintes. Por um lado, uma queda de exposição na mídia, considerando a avalanche de reportagens ao longo de 2006. Por outro, a coleção Puta Arte, embora muito apreciada pelos clientes, era de peças de inverno, com mangas ¾ e vestidos de viscolycra de mangas compridas. No Rio, principalmente, onde “todo mundo gosta de shortinho, camisetinha, sainha”, conforme a vendedora Maria José, era freqüente a desistência de clientes da loja, assim como de lojistas, de levar as peças, com receio do calor brasileiro. O preço também contribuiu, já que as camisetas tradicionais, em malha de algodão, eram vendidas por 30 ou 35 reais, enquanto as de viscolycra chegavam a 45. E os vestidos, a 65. Essa combinação de preço maior com roupas de inverno causou outro efeito. Por conta própria, os responsáveis pela seleção
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de peças para venda em eventos deixaram de levar a coleção a diversos deles, algumas vezes com razão, em se tratando de um público de estudantes, por exemplo, outras com meia razão, como na Parada Gay carioca, onde Daspu montou estande na Avenida Atlântica a convite da organização – neste caso, um grupo de maior poder aquisitivo, mas já no calor de outubro. A demora em disponibilizar as novas coleções foi outro fator apontado por lojistas para o desinteresse do consumidor, de acordo com levantamento realizado pela equipe da ESPM-SP na capital paulista. De fato, entre apresentação e venda de peças, decorria mais tempo do que o razoável, em virtude de falta de planejamento e, por vezes, de recursos. Os revendedores também indicaram outro elemento negativo, este crucial para o futuro desenvolvimento da grife. Camisetas “básicas demais” feitas em “um processo de fabricação muito simples”, conforme um representante da Berliner, na Rua Augusta, em São Paulo, que concluiu: “O preço acaba não se justificando”. Este fator é crucial porque “a Daspu transmite irreverência, sensualidade e bom-humor e se encaixa perfeitamente no perfil de produtos da Doc Dog”, segundo um representante desta outra loja conceito paulistana. A equação fica mais clara quando se considera a presença dos produtos em lojas com público-alvo de classe AB, como é o caso das duas citadas, que praticam preços muito elevados. Ou seja: a imagem da grife, percebida como ousada e irreverente, além de sensual e corajosa – e por isso presente em tais revendedores –, choca-se com o produto “básico demais”. Assim, no estudo dos meninos e meninas paulistanos, uma das recomendações é “a modernização da linha quanto à produção, corte, estampa e acabamento para maior percepção de qualidade do consumidor e para ganhar consistência e relevância na disputa pela preferência desse consumidor no grupo estratégico em que estará inserida”. E que, para eles, é o grupo “inovador/irreverente” (em oposição aos perfis de grifes “básico”
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e “moderno/sofisticado”), o mesmo de nomes como Cavalera, Sommer, Doc Dog e Colcci – a prova, querida Gisele, de que existe mesmo uma identidade entre nós! Se não é do ramo de moda, ou dos negócios, o leitor pode estar considerando este capítulo um tanto técnico. Mas, para além disso, pode compartihar aqui o desafio enfrentado por um grupo de pessoas que pretendiam “apenas” reforçar seu ativismo social, sem imaginar as conseqüências de penetrar neste desconhecido universo fashion. No caminho, nos deparamos com esse potencial público das classes AB, composto de homens e mulheres de 18 a 35 anos, de estilo despojado e próprio, antenados em moda e tendências, e fiéis a um grupo de marcas. Hoje, segundo pesquisa quantitativa realizada pelos empenhados estudantes com 500 dos 4.800 consumidores cadastrados no site Daspu, a maioria deles (62%) é composta de mulheres de 26 a 45 anos, das classes B1 e B2, com renda de R$ 3.480 e R$ 2.013, respectivamente (dados do IBGE), vivendo em São Paulo, Rio, Brasília e Belo Horizonte, das áreas de educação e saúde (professoras, assistentes sociais, psicólogas), 67,4% com faculdade completa. Predominam heterossexuais (79,8%), seguidos de homossexuais (13,2%) e bissexuais (7%). E mais: compram motivados pela temática irreverente (60,8%), pela causa da prostituição (58%) e pelo design das estampas (43,8%); consideram a grife irreverente (58,8%), autêntica (56,9%), bem-humorada (49,7%), defensora de causas sociais (48,7%) e ousada (42,3%); querem a legalização do aborto (79%) e da maconha (71,5%); e, por fim, mas não menos importante, 99,1% são a favor do sexo antes do casamento. O desafio, garantem nossos bravos estudantes, é definir o público primário da Daspu e nele investir, sem abandonar os clientes de hoje.
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Mas não é tudo. Além de melhorar a qualidade do produto, valorizando o que já é valorizado e alinhando preço com imagem, também é preciso superar a distribuição passiva, ampliar as vendas a multimarcas e jamais apresentar uma coleção sem produzi-la, como fizemos em junho de 2007.
Cap.17
Coleção fantasma.
A coleção fantasma
Como em tantos outros setores, inclusive o terceiro, o de moda vive de nascer, crescer, morrer e renascer. É assim com governos, carros, gastronomia, jornalismo, vinhos, cervejas e cachaças, carnaval e por aí vai. Enquanto as grifes tradicionais se reinventam a cada seis meses, empreendimentos mais acessíveis e cadeias de lojas renovam seus estoques muito mais rapidamente, às vezes em seis semanas ou até menos. A estratégia de Daspu sempre foi a de se manter no calendário tradicional e, a qualquer ocasião, ter a liberdade de lançar modelos da linha ativismo de camisetas. Mas com a aproximação de mais uma temporada, a de lançamento de primavera/ verão, em junho, continuávamos sem estilista e sem fôlego para contratar um. Pela altura de maio, porém, veio visitar-nos Franklin Melo, um carioca e modelista que vive em Corumbá (MS), onde desenvolve uma oficina de moda com a associação local de prostitutas, que reaproveitam tecidos e outros materiais e promovem também desfiles. As meninas da DASSC – Dignidade, Ação, Saúde, Sexualidade, Cidadania fazem ainda sabonetes e chocolates eróticos. Gabriela e eu já o havíamos conhecido em Corumbá. Franklin passaria alguns meses no Rio e, entusiasmado com a repercussão da Daspu, ofereceu seus serviços voluntariamente. Em pouco tempo, nos decidimos pelo tema da coleção,
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que faria referência a uma operação policial denominada Copa Bacana, de repressão a prostitutas e outros seres urbanos, e, sobretudo, à Bebel de Camila Pitanga, que bagunçava a cabeça do país na novela “Paraíso Tropical”. Nascia, assim, a coleção Copa Sacana. Com apoio na concepção de vários componentes de Davida, especialmente Gabriela, Sylvio e Jane, Franklin reabriu seu ateliê no subúrbio de Campo Grande, Zona Oeste do Rio, onde costureiras e bordadeiras amigas, voluntárias como ele, puseram a mão na massa. Pela primeira vez, tínhamos uma equipe desenvolvendo em conjunto uma coleção, em que a maior parte das peças era de tecido e umas poucas de malha, com toques artesanais. Eram vestidos, saias, tops e calças em algodão cru, chita e fuxico, muitos com paetês desenhando ondas, ou com aplicação de conchas marinhas, além de sutiãs de biquíni com aplicação de fuxicos ou paetês, num clima bem praiano, destacado ainda pelas cores branco, azul e areia. Um dos vestidos, este em malha, tinha 30 mil paetês! Para complementar o astral marítimo, Sylvio silkou pipas em calcinhas de biquínis e as charmosas ondas do calçadão de Copacabana, em cangas. E criou sete camisetas inspiradas no bairro, com estampas de fachadas de boates de prostituição, do tradicional Matte Leão (“matte o preconceito”) e outras mais. A trilha sonora, também do designer, era pura alegria e leveza, com todas – todas – as canções citando “Copacabana”, nas vozes, por exemplo, de Carmen Miranda, do Caetano Veloso de Tropicália, do Ney Matogrosso das Muchachas, de Chico Buarque, da Maria Bethânia de Sábado em Copacabana de Dorival Caymmi, o tema de abertura da novela de Bebel. Esse lançamento coincidiu com outro, o do livro As meninas da Daspu, um conjunto de entrevistas de nove prostitutas coletadas e contextualizadas pela socióloga e pesquisadora Anna Marina Barbará, que havia trabalhado a história oral das protagonistas durante meses. Juntando fome com vontade, o evento
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aconteceu na espaçosa livraria Saraiva, do shopping Rio-Sul, obtida pelo publisher da Editora Novas Idéias, Victor Barreto, que publicou a obra. O desfile entre estantes, guarda-sóis e convidados foi incomum e tão alegre e animado quanto a trilha sonora. O grand finale veio quando quatro das prostitutas e a autora sentaram-se para autografar os livros, cercadas de leitores, fotógrafos e cinegrafistas. As prostitutas-modelos, agora também autoras, estavam no céu: “Estou muito feliz e emocionada. Tinha muitas histórias guardadas no meu coração e não imaginava que faria até um livro”, disse Cida. “Dei muito autógrafo, o que vier, vou dando”, brincou Maria, a sério. A historiadora Anna Marina também comemorava: “É maravilhoso estar aqui com elas, foram longas horas, elas resistindo, fitas apagadas, a família inteira aqui, estou super orgulhosa”. Já Victor Barreto avaliou o investimento da editora como “de um potencial institucional muito grande, com uma ONG que todo mundo conhece e muita gente comprando”. Ativista da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), Luciana Kamel considerou o conjunto moda-literatura “uma idéia de valorização e reconhecimento das meninas”. O autor fashion, Franklin, estava aliviado: “Pari a coleção. Acho que são peças que podem ser comercializadas em escala, fora as mais artesanais e exclusivas, que vão ser direcionadas, como o vestido com 30 mil paetês”. Franklin talvez estivesse certo. Mas a maioria dos integrantes da ONG, como Gabriela e eu mesmo, entre as poucas exceções, não apreciou as peças criadas por ele. Esses narizes torcidos, adicionados à demora na apresentação do orçamento para confecção em escala dos produtos, à volta do modelista para Corumbá e, de novo, à falta de capital de giro, fizeram com que esta se tornasse uma coleção fantasma. Até mesmo as camisetas tiveram uma limitadíssima produção, toda ela comprada pela charmosa Baobá Café Social, uma loja soteropolitana – fruto de parceria entre a ONG Gapa-BA e a Associação Salvador Negro
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Amor – onde desfilamos no fim de agosto, em nossa estréia nordestina. Afora o festivo lançamento, mesmo sem a futura produção da coleção, e, principalmente, a boa carreira do livro “As meninas da Daspu”, aquele mês de junho foi marcado por uma grande revolta coletiva e uma enorme tristeza pessoal. No fim do mês, na Barra da Tijuca, Rio, cinco rapazes roubaram e espancaram uma empregada doméstica, Sirlei Dias de Carvalho Pinto, porque acharam que era uma prostituta, conforme alegaram. “Mas, mesmo que eu fosse, cada um faz o quer de sua vida. Ninguém merece uma agressão dessas”, diria ela depois. A condenação geral ao ataque demonstrou um passo à frente da sociedade em relação à violência e também à discriminação contra as prostitutas. Além das mensagens publicadas na imprensa, chegaram a nós muitas manifestações de indignação, como essas: Tal alegacão é crime de discriminação, pois eles deixam clara a pregação do ódio e violência contra as prostitutas, que ser prostituta é um bom motivo para justificar espancamento. Esse crime foi uma violência física contra a Sirlei, mas também foi uma grande violência moral contra todas as mulheres brasileiras. E eu acho que as prostitutas devem encabeçar essa luta, a fim de que a sociedade as trate com mais dignidade Por acaso prostituta é lixo? Não tem direitos, nem cidadania? Estou indignada, a mensagem passada foi que uma cidadã não pode ser espancada, mas uma prostituta pode. Puta não é uma pessoa igual a mim e às mães deles? Batendo nesta mulher, eles agrediram todas nós. Onde iremos parar se na sociedade onde vivemos existem pessoas como essas, com esses valores equivocados, que acham que o fato de alguém ser profissional do sexo lhes dá o direito de agredir?
Em fevereiro de 2008, os cinco rapazes foram condenados a penas de prisão e multa. Quatro permaneceram presos, um respondendo em liberdade.
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A enorme tristeza de junho veio bem no começo do mês. No dia 3 de junho, falecia no Rio meu pai, Waldo Cesar, depois de um derradeiro e difícil mês do agravamento de um câncer. Só consegui chorar sua morte pra valer dois meses depois, no ombro do amigo Andreas, que suportou um pranto interminável entrecortado por palavras incompreensíveis, durante a própria festa de aniversário. Obrigado, Andreas. Muito obrigado, meu pai, por compartilhar comigo sua vibrante e amorosa vida. Acredito que continuo aprendendo com você.
Cap.18
De dentro pra fora e de fora pra dentro.
À menor presença na mídia nacional, acirrada no segundo semestre de 2007, contrapôs-se um interesse crescente da imprensa internacional, especialmente revistas de moda, comportamento ou design, como a inglesa Marie Claire, a espanhola Magazine, do diário El Mundo, as alemãs Brigitte e Hekmag, a canadense Urbania, a argentina Barzón, o tablóide diário de moda WWD, de Nova York, a grega E, e até o site japonês asobist.com – nestes dois veículos, é divertido brincar de caçar palavras, nomes ou siglas em português (na lígua de Platão, encontramos Davida, Daspu, Daslu e, nos ideogramas, Daspu, puta, pu). Todos enviaram jornalistas ao Rio, à exceção da grega, que fez matéria por e-mail e telefone, enquanto Urbania produziu um editorial de moda em Montreal, com prostitutas da ONG Stella vestidas de modelitos enviados do Brasil. A repercussão no exterior – ampliada em setembro com a exibição do programa de TV da Arte – também fazia crescer os pedidos de fora. Com isso, a cooperante alemã da ONG, Friederike Strack, assumiu de vez a função de “exportadora”. Falando e escrevendo também inglês e espanhol, Freddy criou um e-mail específico e começou a estudar os trâmites para envio de mercadorias ao exterior, pesquisando nos correios, com traders e até na Câmara de Comércio Brasil-Alemanha. A tarefa representou um ganho para a Daspu e para ela própria, que havia chegado ao Brasil em julho de 2005, época da criação da grife,
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mas viveu durante algum tempo “uma sensação de não poder apoiar, sem saber costurar, desenhar e sem ter contatos”. Embora contribuísse tirando boas fotos de eventos, não se sentia à vontade, por exemplo, para fazer perguntas sobre pessoas que se convidavam ou eram convidadas para desfiles, que não conhecia, ou sobre a relevância de reportagens em veículos que tampouco podia avaliar (embora jamais, ou pouquíssimas vezes, tenhamos negado uma história à imprensa). Antes de investir na exportação, sua principal contribuição havia sido a de manter contato com Tadej Pogacar, a respeito da proposta do artista para a Bienal de São Paulo. Mas, com a nova tarefa, sentiu-se muito mais “útil”. Certamente alguma modéstia de Freddy, a quem, brincando, chegamos a ameaçar dar o título de “vendedora do mês”, por conhecer e receber muitos estrangeiros e sempre levá-los ao Davida, garantindo bons negócios. Na nova fase, além de atender pedidos de pessoas físicas, mais complicados de concluir devido ao custo de envio proporcionalmente muito elevado para apenas uma ou mesmo poucas peças, Freddy emplacou uma ótima venda no atacado, para a rede de lojas suíça Jamarico. Mas a sua experiência reaviva um importante elemento da cultura européia em relação aos países mais pobres. Os comerciantes acham que o Brasil é um país que produz baratíssimo, como Indonésia ou Tailândia, porque estão muito acostumados com a exploração de mão-de-obra, gente trabalhando muitas horas por dia baratinho. Mas, na verdade, o Brasil tem uma qualidade tão boa de tecidos e também de produção, e por isso um custo mais elevado, que não dá para comparar com esses países, especialmente os asiáticos. Junto disso, o real muito forte tampouco ajuda a venda no atacado.
Um lado mais moderno da visão européia demonstra “mais um clichê sobre o Brasil” e é, na verdade, o reverso da mesma moeda. “São as pessoas que perguntam se a matéria-prima é ecologicamente correta, se os fornecedores não exploram o
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trabalho infantil, se as condições de trabalho são boas e éticas. É a consciência do consumidor que está crescendo cada vez mais”. Mas a experiência de Freddy não é composta apenas de dificuldades, desconfianças e pechinchas. Quando pergunto qual venda a deixou mais feliz – “você acha que vou dizer Jamarico”, reage com toda a razão –, ela conta uma história significativa: “Foi a compra de um suíço que pediu camisetas para toda a família e queria um postal da Jane, que ele havia visto num programa de TV. Achei lindo porque esse cliente estava interessado também na vida das meninas”. Sempre internacional, Freddy sonha agora com a coleção Daspu no Mundo, que “pode integrar prostitutas de outros países, tornar-se um espelho que reflete muitas culturas”. Danada essa alemã.
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Cap.19
Na medida do impossĂvel.
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Depois de lançar uma coleção fantasma, mesmo que não fosse essa a intenção, daríamos um passo mais radical: pular uma temporada de lançamento, a de janeiro de 2008. Não que isso seja incomum no mundo da moda, por vezes é até estratégico, renova o fôlego de uma grife e atiça as expectativas do público. De fato, a decisão mostrou-se estratégica e apropriada para o futuro próximo, apesar de não ter sido, a princípio, planejada. Mas o que vinha atrás é que estávamos, de novo, assoberbados com os freqüentes convites para desfiles da grife e com outras políticas e atividades do movimento de prostitutas, que dificultavam um bom planejamento para a coleção (por essas e outras, na reta final deste livro, a editora Helô Buarque bronqueia, coberta de razão: “Larga essa militância por um tempo e acaba logo com isto”!). No final de outubro, por exemplo, recomeçou no Congresso a batalha em torno do projeto de lei do deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) que formaliza as relações de trabalho na prostituição. Ainda na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara, o PL 98-2003 teve parecer contrário de ACM Neto (DEM-BA), ganhou pedido de vistas e um voto em separado do deputado Sarney Filho (PV-MA), mantendo o essencial da proposta. A nossa mobilização incluiu mensagens aos membros da comissão, entrevistas à imprensa e a presença de Gabriela Leite no dia da votação do parecer, 7 de novembro. Um acordo
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esteve a ponto de ser feito, mas discursos emocionais e moralistas da deputada Maria do Rosário (PT-RS) e do próprio ACM Neto definiram os votos contra o projeto. Na sessão marcada pela hipocrisia, até o deputado Paulo Maluf falou em moral, para desespero de uma funcionária da Câmara, que acompanhava a votação: “Maluf falando em moralidade? Tirem os meus tubos!”. Antes de ser votado em plenário, o projeto seguiu para outra comissão, a de Trabalho, porque ACM Neto rejeitou o mérito, mas reconheceu que a proposta é constitucional, esta a verdadeira função daquela comissão. Dois assassinatos de prostitutas em menos de 15 dias, em Salvador e Belém, também mobilizaram a categoria, que já se dedicava às difíceis negociações políticas em torno de uma Consulta Nacional sobre Prostituição, Direitos Humanos e DST e Aids, em parceria com o governo federal e outros movimentos sociais. Em novembro, iniciávamos também o processo de incubação de cooperativa, com a UFRJ. No lado mais light da vida, o grupo das Mulheres Seresteiras da ONG voltou a cantar em praça pública, dessa vez com a canja da ótima Andrea Dutra; Daspu montou estande na Parada Gay carioca e desfilou mais três vezes, inclusive no Palácio do Catete, num histórico evento pré-parada, que pôs ativistas gays na passarela, e em Salvador. O outro desfile rolou durante a 2ª Bienal Favela Festa, em nova apresentação no já íntimo Circo Voador, quando a modelo Nilza, que batalha no Posto 13 da Rodovia RioSão Paulo, vibrou por ter “uma fotógrafa exclusiva”. Era ninguém menos que Nana Moraes, com centenas de celebrados cliques de moda, que desenvolvia o projeto Andorinhas da Dutra, de prostitutas de beira de estrada, e tornou-se nossa amiga, associada da ONG e futura fotógrafa do primeiro catálogo Daspu. Nos momentos em que podíamos nos dedicar à futura coleção de janeiro, havia apenas uma luz no fim do túnel. Era uma parceria com a grife de Vanessa Oliveira, uma ex-prostituta e também escritora do Balneário de Camboriú (SC), que havíamos
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Daspu – a moda sem vergonha
conhecido no lançamento do filme espanhol Princesas, em maio, quando ela foi uma das modelos de mais um desfile Daspu, a convite dos organizadores do evento, no Rio. Dona de uma loja virtual de lingeries, Vanessa propôs uma coleção conjunta. Quando finalmente aprofundamos as conversas, porém, tanto ela quanto nós concluímos que seria necessário mais tempo e, assim, adiamos a parceria. Já era final de novembro. Numa das boas conversas de botequim, ficou então decidido. Nunca mais iríamos tentar fazer – ou mesmo fazer – uma coleção em um mês. Bastava o estresse do ano anterior. “Resolvemos botar toda a força na parceria com a Fumec”, lembra Gabriela, mirando em junho de 2008. Pois também isso acontecera no período recente: os cursos de design de moda e design gráfico da universidade de Belo Horizonte haviam proposto apoiar o desenvolvimento da coleção de verão 2009 da grife Daspu.
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vela Cap.20
Sem choro nem vela, com marias e rosas.
Milão, 29 de dezembro de 2007. Num hotel vizinho à Stazione Centrale, o designer Antonio Cagianelli, 30 e poucos anos, mostra seu portofólio e algumas estampas que está criando para a Daspu. Descobriu a grife pela imprensa e identificou-se com a proposta de lutar contra o preconceito pela moda, especialmente porque batalhou como michê em Paris para custear os estudos, quando jovem. Três vestidos desenhados por ele e produzidos no Brasil serão apresentados numa instalação do artista durante o 30º Salone Internazionale del Móbile, em abril, na cidade que compartilha com Paris ao longo do ano. Os interlocutores de Antonio são Gabriela Leite e Flavio Lenz. Vínhamos de Veneza, por um gentil convite do produtor italiano Guido Cerasuolo, que tinha enviado ao Rio em dezembro, pela segunda vez em menos de um ano, um câmera e a nova diretora do documentário que produzia sobre a Daspu, Valentina Monti. Para comemorar os 15 anos de sua empresa, a Mestiere Cinema, o extrovertido e bem-humorado Guido, quase cinqûenta anos, cabelos brancos e o andar altivo dos genuínos venezianos, fechou o pequeno e charmoso Teatro Fondamenta Nuove, à beira do canal de mesmo nome. A festa foi formidável, com trezentos convidados, banda de rock, as delícias gastronômicas e etílicas da Itália, e a doce, vigorosa e dançante presença de meu filho, Rafael Cesar, comemorando sua estréia na Europa na noite de mais um aniversário do pai.
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Já os passeios do casal nos dias seguintes... ah, Veneza dos infindáveis caminhos, e sobretudo descaminhos, dos campos, piazzas e pontes, de vaporetos, canais e monumentos, dos simpáticos carrinhos de feira e dos camelôs africanos vendendo bolsas Gucci piratas diante da própria Gucci, com italianos garantindo que todas são produzidas na mesma indústria. De trem, ainda foi possível visitar um amigo em Genebra, que nos apresentou aos nevados Alpes suíços, e seguir para Liubliana, onde nos esperava Tadej, com sua calorosa amizade a compensar 3 graus negativos. Mas, das cidades visitadas, foi mesmo Milano a urbana por excelência – até as putas são mais visíveis. E, lá, moda é arte como arte, dá para se emocionar, tal qual Gabi diante de um vestido Prada na monumental e eclética Galleria Vittorio Emanuele. E o leitor com isso? Um pré-leitor opina que tem tudo a ver: “É a Gabriela, da Daspu!” Sorte dela, e minha, que tínhamos nos decidido pular uma temporada, tornando-se facim facim tomar outra decisão, a de aceitar ou não o convite para o Natal em Veneza. Meu amigo e irmão Armando Freitas Filho sugere que eu escreva um conto com este título, abusando-me, quem sou eu, da obra de Thomas Mann eternizada no cinema. Mesmo que pudesse, vários outros filmes do período, como o da ceia de 24 na casa do Lido da matriarca Norma, não cessam de passar e de reter as palavras. Hora de interromper a viagem e dar um pulo ao epílogo de 14 de março, em 2008. Sete jovens – uma professora e seis alunos e ex-alunos da Fumec – revelam desejos e fantasias com Daspu. Falam, se interrompem, perguntam, escutam, diante da equipe da grife. Compreendem o que escreveu Andreia Skackauskas Vaz de Mello, ao estudar “O caso da organização de prostitutas Davida”, na dissertação ao Programa de Pós-graduação em Sociologia, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais.
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Daspu – a moda sem vergonha
Há um limite muito estreito entre a ONG Davida e o movimento de prostitutas, ou seja, não se consegue estabelecer a fronteira exata entre a autonomia e a influência da ONG sobre a Rede Brasileira de Prostitutas ou o inverso, uma vez que esta ONG se tornou o foco estratégico de articulação da identidade do movimento, que não difere da identidade da ONG. Dessa forma, na medida em que a ONG Davida se torna mais legítima, estável, visível, eficiente, isto só pode representar benefícios para o movimento, que também se torna legítimo, estável, visível e eficiente. A Daspu, por exemplo, não surge para ser apenas uma novidade cultural, mas para tentar enfrentar e denunciar o estigma presente na sociedade, e, ainda, reforçar e expandir o protagonismo da prostituta, já defendido pelo movimento de prostitutas na luta contra a Aids. Há uma interpretação subjetiva do próprio papel desta multiplicadora [prostituta] que é transformada em artista, seja cantora, atriz ou manequim. Assim, a atividade de prevenção vai além da luta contra a epidemia, luta-se também contra o preconceito que está presente na sociedade e na própria prostituta.
Tão diferente do patrocinador de um programa de TV, que “não quis associar a marca ao assunto. Brigamos o quanto pudemos, falamos do trabalho social, mas não teve jeito”, escreve a produtora. Ou dos cafés e restaurantes que recusam fazer “Um Puta Natal com Leila Maria”, a cantora cult e generosa: “Tentei várias casas para fazermos nosso projeto de Natal... e... todas... todas... NEGARAM... adoraram a idéia, mas não querem linkar o nome à pessoa...”, relata outro produtor. Ou, ainda, a reportagem sobre a nova Praça Tiradentes que não é capaz de enxergar a contribuição vital de putas – personagens históricas do lugar – e dasputinhas para o revigoramento do entorno. No ambiente fashion, pode rolar “inveja pura, olho gordo pelas pessoas não ligadas em moda terem dado atenção e gostado do conceito”, segundo avaliação de uma profissional do setor – e, acrescente-se, mesmo a admiração do público de moda assusta o sistema e seus próceres.
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Já na sociedade civil, por vezes, há dificuldades de compreender o alcance de uma iniciativa de geração de recursos, em contraposição ao novo ícone social da “geração de trabalho e renda”, ou admitir um ativismo político que se intromete na cultura ou em estruturas de mercado apenas e supostamente elitizadas e excludentes. Papo brabo. Mas tem o outro lado (e mesmo o de cima já apresenta sintomas ambíguos, como em “...adoraram..., mas não querem...”). Muitos e muitos captam a idéia Daspu e a mídia compartilha e retrata esse movimento. Cada vez mais, jovens se acercam dos produtos e das tramas urbanas, culturais e fashion dessa coisa de puta, que já completou 29 apresentações públicas, fora programas de TV, em menos de três anos de vida. E assim, neste dia D, não tem choro nem vela. Dançando e cantando com os mineirinhos no botequim de tantas venturas, negociando a distribuição da coleção 2009 na Europa, vivendo e revivendo cada desafio e conquista desses três anos, o que se vê é um belo horizonte: marias, rosas e gabis sem vergonha vestindo e vendendo a moda da puta inteira, grandiosa e fundamental.
Linha Davida Daspu
2005 15-07
A idéia de criar uma grife de prostitutas ganha um nome: Daspu. 20-11 O nome aparece pela primeira vez na imprensa, na coluna dominical de Elio Gaspari, publicada nos jornais O Globo e Folha de S.Paulo. 21-11 A marca aparece pela primeira vez, no jornal carioca O Dia.
é ameaçada de processo pela Daslu, caso não desista da marca Daspu em 10 dias. A megaloja paulistana é a mais cara do Brasil e seus proprietários respondem na Justiça por sonegação, contrabando e outros crimes. 01-12 Coluna Gente Boa, do Globo, noticia a ameaça da “Daslu X Daspu”. 02-12 Entra no ar o site www.daspu.com. br, com loja virtual para venda de roupas.
23-11 A peça de número 1 da grife, uma camiseta com a marca, é produzida em transfer.
03-12
26-11 Chega às bancas edição da revista semanal Isto É com matéria
40 milhões de telespectadores assistem a um reportagem sobre a Daspu no programa dominical “Fantástico”, da Globo, com entrevistas e desfile de prostitutas usando a camiseta pioneira e peçaspiloto como saias e vestidos.
sobre Daspu. 28-11 Por meio de notificação extrajudicial datada de 24-11, a ONG Davida
O Globo publica que Daspu decidiu manter o nome. 04-12
Linha da vida
05-12 Durante o ensaio do Bloco Prazeres Davida, na Praça Tiradentes, dasputinhas fazem performance com modelitos da grife e são fotografadas por agências internacionais e pela Folha de S.Paulo. 11-12 Coluna de Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, publica página inteira sobre Daspu, com fotos de modelos profissionais vestindo as peças-piloto. 13-12 Primeira viagem aérea das modelos Daspu, a convite do programa de TV de Adriane Galisteu, gravado em São Paulo e exibido em 17-12 no SBT. 14-12 Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, da Presidência da Republica, aprova moção de apoio à Daspu. 16-12 O projeto Tampep, que atua em 25 países europeus na prevenção e promoção de saúde entre prostitutas migrantes, aprova moção de apoio à Daspu. 16-12 Primeiro desfile público da Daspu, em rua de prostituição da Praça Tiradentes, Centro Histórico do Rio. 17-12 Desfile ganha primeira página do jornal O Globo.
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2006 09 a 15-01 Daspu exibe camisetas no Fashion Rio outono/inverno, a convite do Sebrae-RJ. 13-01 O segundo desfile de rua Daspu, com a participação da atriz e exmodelo Betty Lago, é ovacionado por mais de 500 espectadores na Praça Tiradentes, Centro do Rio. 14-01 O programa GNT Fashion encerra a cobertura do Fashion Rio com entrevista ao vivo da fundadora da grife Daspu, Gabriela Leite. 08-02 Peças da grife começam a ser vendidas na multimarcas Parceria Carioca, do Rio. Logo após, chegam a lojistas de São Paulo, Niterói, Salvador e João Pessoa. 13-02 Prostitutas dão entrevista e mostram modelitos no programa piloto “Jogando Conversa Dentro”, de Scarlet Moon, no Armazém Digital do Leblon. 18-02 Mick Jagger ganha uma camiseta Daspu durante estada no Rio para o show dos Rolling Stones que reuniu 1,2 milhão de pessoas em Copacabana. 25-02 Sábado de carnaval: modelos prostitutas da grife desfilam no bloco Prazeres Davida.
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Daspu – a moda sem vergonha
26-02 Domingo de carnaval: prostitutas da grife desfilam de seios nus na escola de samba Caprichosos de Pilares, homenageando a colega Maria Ortiz, que ajudou a evitar a invasão holandesa no Espírito Santo.
17-05 O rapper MV Bill lança na sede da ONG Davida o livro Falcão – Meninos do tráfico e debate com prostitutas e convidados a situação social do Brasil. Semanas antes, havia feito o mesmo na Daslu.
01-03 com a cobertura jornalística do carnaval, Daspu e Davida contabilizam, apenas em jornais impressos do Rio e de São Paulo, mais de 50 notas, reportagens e entrevistas desde 20 de novembro, ou seja, em 102 dias. No dia 31 de março, duas colunas do jornal O Globo chegam a publicar nota sobre o mesmo evento DavidaDaspu (Mulheres Seresteiras).
09-06 Manhã: lançada a parceira DaspuModaFusion, em Santa Teresa, no Rio. Noite: lançamento da coleção primavera/verão 2006-2007, no Circo Voador, Rio, com cenografia de Gringo Cardia e participação do cineasta Neville de Almeida na passarela.
03-03 apresentação especial da grife no Cabaret Kalesa, na Praça Mauá, região portuária do Rio. 05-04 Gabriela Leite dá entrevista e prostitutas desfilam Daspu no “Programa do Jô”, da TV Globo, gravado em São Paulo e exibido na madrugada do dia 7. 10-04 primeiro desfile público em São Paulo, na rua Augusta e no Clube Vegas, com prostitutas do Rio e da capital paulista. No dia seguinte, gravação de entrevista para o programa de Otávio Mesquita, na Band. 04-05 prostitutas cantam na estréia do Daspu in Concert, no bar Desacato, Leblon, Zona Sul chique do Rio.
10-06 Daspu mostra coleção de primavera/verão no Fashion Rio, a convite do Sebrae-RJ e em parceira com ModaFusion. 16-06 Durante show do grupo Arranco de Varsóvia, todo vestido de Daspu, modelos da grife fazem performance no Teatro do Jockey, no Rio. 12-07 Daspu desfila para participantes de 30 países na Consulta Global sobre HIV e Trabalho Sexual, promovida pela ONU, em hotel do Rio. 15-07 Prostitutas e simpatizantes do Rio e de São Paulo desfilam coleção de primavera/verão no Clube Glória, em São Paulo. A miss Brasil 1996, Anuska, é uma das modelos.
Linha da vida
31-07 A candidata a vice-governadora do Estado do Rio Maristela Kubitschek faz visita política a prostitutas na Daspu. 03 > 06-08 Daspu monta estande e desfila no BSBMix, com a participação da atriz Marisa Orth na passarela. Na mesma noite do desfile em Brasília (5-8), dasputinhas fazem performance na estréia da peça “Curtas”, no Teatro da Gávea, Rio, protaganizada pela atriz Samantha Schmutz. É a primeira vez que a grife atua em eventos simultâneos. 25 a 27-08 Daspu ganha estande na feira de moda Achados no Batel, em Curitiba. 01 a 04-09 Em parceria com ModaFusion, a grife da ONG Davida apresenta a coleção de primavera/verão no Prêt à Porter Paris. 06-09 Chega ao Rio equipe de estudantes francesas da universidade Paris 2 para realizar documentário sobre a Daspu. 07-10 Em colaboração com o artista esloveno Tadej Pogacar, que desenvolve o projeto CODE:RED, sobre economia informal, Daspu faz desfile na 27ª Bienal de São Paulo e mostra suas peças e um vestido-conceito
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de noiva durante os dois meses do evento. No térreo do prédio do Ibirapuera, um comerciante vende centenas de camisetas da grife no período. 11-10 Modelos dasputinhas e simpatizantes desfilam em vagões de trem na Estação Barão de Mauá, Centro do Rio, durante o festival riocenacontemporanea, levando “passageiros” ao delírio. 05 + 06-11 Daspu desfila para 1.700 entusiasmados participantes do VI Congresso Brasileiro de Prevenção das DST e Aids, em Belo Horizonte (Teatro Topázio, no Minascentro), alcançando seu recorde de público. No dia seguinte, faz performance na Zona Boêmia de BH, desfilando em plena Rua Guaicurus, para emoção de clientes e colegas. 21-11 A atriz Camila Pitanga faz a primeira visita ao Davida, onde conversa com prostitutas para compor a personagem Bebel da novela “Paraíso Tropical”, da TV Globo.
2007 19-01 A coleção de outono-inverno Puta Arte é lançada no Rio, com desfile sobre passarela montada na principal rua de batalha da Praça Tiradentes. A atriz Elke Maravilha é uma dos 32 modelos, entre homens
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Daspu – a moda sem vergonha
e mulheres. 27-01 Coleção Puta Arte é lançada em São Paulo, no Clube Glória. Entre os simpatizantes, desfilam o cantor e compositor Supla e a ex-prostituta Bruna Surfistinha, que se tornou escritora com seu nome oficial, Raquel Pacheco. 17 + 18-02 No Sábado de Carnaval, no Rio, desfila o bloco Prazeres Davida, com participação de modelos e simpatizantes da Daspu. No Domingo, em Olinda, prostitutas e simpatizantes formam a ala SuperPU no Bloco Enquanto Isso na Sala da Justiça. 28-02 > 27-03 Em São Francisco (EUA), Daspu e Tadej Pogacar voltam a apresentar seu trabalho conjunto, dessa vez no World Factory, evento que reúne 30 artistas em torno do tema economia global de livre mercado, no San Francisco Art Institute. ABRIL Pontos de venda começam a ser abastecidos com as peças da coleção Puta Arte. 28-04 > 01-05 Na feira R-Design, no Circo Voador, roupas da Daspu são vendidas em estande e desfiladas por alunas dos cursos de modelo e manequim da Ação Comunitária do Brasil. 17-05 A convite do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet-RJ),
Daspu apresenta para alunos, pais e professores a coleção de inverno lançada em janeiro. A coordenadora da grife e da ONG Davida, Gabriela Leite, dá palestra. 22-05 Na pré-estréia do filme espanhol “Princesas”, um desfile no Espaço de Cinema, no Rio, apresenta um mix das coleções Daspu. Entre as desfilantes, a escritora e ex-prostituta Vanessa Oliveira. 06-06 Em programa duplo, Davida lança a coleção de primavera/verão 20072008, chamada Copa Sacana, e o livro “As meninas da Daspu”, de Anna Marina Barbará, com entrevistas de nove prostitutas. O evento lota uma grande livraria (Saraiva) em um shopping carioca (Rio-Sul). 1ªquinzena-06 prostitutas de Davida & Daspu dão assessoria para a peça Putas na Sarjeta, de Biá Napolitani, apresentada no Rio. 20 > 24-06 Estudantes da ESPM-SP que desenvolvem projeto de graduação sobre a Daspu trabalham em estande da grife e fazem pesquisa com os participantes da 11a edição do Educaids – Encontro Nacional de Educadores na Prevenção às DST/AIDS e Drogas, no Centro de Convenções Rebouças, em São Paulo. 19-07 Daspu desfila na 2ª Bienal Favela
Linha da vida
Festa, no Circo Voador, mostrando coleções a lideranças e artistas de 60 comunidades do Rio e Baixada Fluminense. 30-08: A capital baiana vê, pela primeira vez, um desfile Daspu. A grife atrai mais de 500 pessoas ao Baobá Café Social, loja-conceito freqüentada pelos descolados de Salvador e idealizada pelo Gapa-BA e pela Associação Salvador Negro Amor. Na passarela do Rio Vermelho, simpatizantes, estudantes de moda, integrantes Associação de Prostitutas da Bahia (Aprosba) e a transformista Divina Valéria. Entre o empolgado público, artistas como Jauperi e Virgínia Rodrigues. 15-09 > 04-11: Instalação da Daspu, em parceria com o artista esloveno Tadej Pogacar, volta a ser apresentada em uma bienal, desta vez na 10ª Bienal de Istambul, na Turquia. 13-10: Nos jardins do Museu da República, o antigo Palácio presidencial do Catete, ativistas gays desfilam modelitos Daspu, num evento histórico encerrado pelos mais antigos militantes dos homossexuais e das prostitutas, Luiz Mott e Gabriela Leite, ao lado do principal dirigente da ONG Arco-Íris, Cláudio Nascimento, promotor da Parada Gay carioca. 14-10: Daspu monta estande na Avenida
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Atlântica durante a Parada Gay. 19-10: No evento Eroticomia, em Santa Teresa, no Rio, a dasputinha Val faz performance, distribuindo beijos e preservativos. NOVEMBRO O Instituto Tecnológico de Cooperativas Populares (ITCP), ligado à Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, passa a assessorar a Daspu na montagem de uma cooperativa. 06 > 08-11 Daspu desenvolve a camiseta do FIAE 2007 - Festival Internacional de Animação Erótica, expõe produtos a apresenta desenho animado durante o evento no Cinema Odeon, Rio. 05-12 O prêmio anual Trend, organizado pelo jornalista de moda Jozica Brodaric e destinado a grandes realizações em cultura visual e design, é conferido ao projeto CODE:RED Brasil, Daspu, na capital da Eslovênia, Liubliana. 06-12 Estudantes apresentam na ESPMSP projeto de graduação sobre a Daspu. 2008 06 > 30-03 Treze fotos da reportagem da brasileira Isabela Pacini sobre Daspu, publicadas na revista berlinense
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Hekmag, são selecionadas pelo Lead Awards 2008 para a Exposição Visual Leader 2008, na Casa da Fotografia (haus der photographie), no Deichtorhallen, em Hamburgo. O Lead Awards é considerado o Oscar de mídia. 13-03 > 18-04: A instalação CODE:RED Brasil, Daspu é apresentada no Kunstraum Lakeside, na cidade austríaca de Klagenfurt. 14-03 Equipes de Daspu e dos cursos de design de moda e design gráfico da universidade Fumec, de Belo Horizonte, reúnem-se no Rio para iniciar o desenvolvimento da coleção de verão 2009 da grife. 11 > 13 | 18 > 20-04 Daspu participa com estande da Erotika Fair (Feira Erótica) 2008, em São Paulo. 16 > 21-04: No 30º Salone Internazionale del Móbile, em Milão, o designer Antonio Cagianelli expõe três modelos de vestidos que desenvolveu para a Daspu, produzidos no Brasil. O salão abriga dois mil expositores e recebe 270 mil visitantes, sendo mil brasileiros das áreas de arquitetura, design e decoração. 25-04: A fotógrafa Isabela Pacini é a premiada na categoria Moda do Sony World Photography Awards, em Cannes, com foto da modelo-
prostituta Jane Eloy. 07-05 O vestido de noiva Daspu embarca da Áustria para a Alemanha, onde será exposto na mostra Trópicos, no Museu Martin-Gropius-Bau, em Berlim, de 13 de setembro de 2008 a 12 de janeiro de 2009 JUNHO Rio, São Paulo, Florianópolis e Belo Horizonte têm desfiles agendados da coleção Daspu de primavera/ verão 2009. A QUALQUER MOMENTO Davida assina contrato para distribuir na Europa, em 2009, a coleção de primavera-verão.
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Imagens:
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O amigo Mauricio Toledo e o designer Sylvio de Oliveira, com Val, Lena, Gabriela e Rita, em noite festiva na Praça Tiradentes. Foto: Flavio Lenz. Foto: Nathalie Daoust. Prostitutas e simpatizantes na Caminhada de Abertura do Fórum Social Mundial de 2005, em Porto Alegre. Foto: Marcos Silva. Gabriela Leite (de óculos) entre os integrantes da comitiva internacional de ativistas recebida pelo secretário-geral da ONU, Kofi Annan. Foto: ONU – Eskinder Debebe/Divulgação. Prostitutas no espetáculo Mulheres Seresteiras, na Praça Tiradentes. Foto: Marcos Silva. Juliana, Imperalina, Maria, Val, Gabriela e Jane durante a gravação para o Fantástico, nos Arcos da Lapa. Foto: Friederike Strack. Imperalina, a única profissional de costura da equipe, segura a onda dos primeiros modelitos. Fotos: Jon Spaull. Val e Jane posam para fotos horas antes do ensaio do bloco Prazeres Davida, na rua de batalha Imperatriz Leopoldina. Foto: Marcos Silva.
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índice e créditos
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Foto: Flavio Lenz. Nos Arcos da Lapa e no ateliê improvisado, onde Kátia ajuda Jane na montagem do look. Foto: Jon Spaull. Maria e Jane no aeroporto Santos Dumont, pouco antes da primeira viagem de avião, a São Paulo, para gravar no programa de Adriane Galisteu. Foto: Marcos Silva. Acervo pessoal Gringo Cardia Colega dança de parangolé durante o desfile inaugural Daspu. Foto: Flavio Lenz. Acervo pessoal Gringo Cardia Gabriela Leite na sala VIP do Sebrae-RJ, durante o Fashion Rio do início de 2006. Fotos: Marcos Silva (alto) e Pedro Victor Brandão. Acervo pessoal Gringo Cardia O segundo desfile da grife voltou a lotar a pequena rua de batalha e teve até distribuição de camisinhas, por Val. Fotos: Renzo Gostoli (alto) e Beto Roma. Ainda no camarim, a dasputinha Patricia concentrada e atenta às orientações para o desfile. Foto: Beto Roma. Betty Lago ligada na câmera, pouco antes do desfile que o GNT exibiu durante a entrevista com Gabriela Leite e Guta Strasser. Fotos: Flavio Lenz. No agitado e lotado lounge no Fashion Rio, Gabriela Leite com Gringo Cardia, com o autor e Leilane Neubarth. A atriz Sheron Menezes também prestigiou a grife. Fotos: Paulo Jabur. Foto: Nathalie Daoust. O bloco Prazeres Davida arrastou foliões no seu primeiro desfile, impulsionado pelo sucesso da Daspu. Fotos: Marcos Silva (alto) e Januário Garcia. Na concentração da Sapucaí, Val e a cantora Sandra de Sá, que se disse “honrada e orgulhosa de estar desfilando ao lado das meninas da Daspu”. Foto: Flavio Lenz. Já na avenida, as destaques da Caprichosos de Pilares mexeram com o público. Fotos: Renzo Gostoli. MV Bill com Nilza, amiga e Val na Davida, onde lançou livro depois de fazer o mesmo na Daslu. Foto: Flavio Lenz. Estilista e modelos da grife se apresentam no Programa do Jô, que entrevistou Gabriela. Foto: Flavio Lenz. Na Augusta, antes e depois de se apresentar no clube Vegas. Fotos: Flavio Lenz.
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Fotos: Flavio Lenz. Trezentos pneus ajudaram a compor ambiente de borracharia criado por Gringo Cardia no Circo Voador, onde a grife lançou coleção em homenagem aos caminhoneiros. Foto de baixo: Flavio Lenz. Acervo pessoal Gringo Cardia Fotos: Marcos Silva. As simpatizantes de primeira hora Fabiane Borges (com cigarro), Laura Murray e Elaine Bortolanza no Clube Gloria, onde Turco Louco recebe Gabriela Leite. Fotos: Roberta Valério e Flavio Lenz. A atriz Marisa Orth dá show em Brasília, riscando a passarela Daspu no BSB Mix. Foto: Kátia Abreu. No Glória, a comprida dasputinha Gabi, desfilando pela segunda vez, e a veterana e provocante Val. Fotos: Roberta Valério. Foto: Roberta Valério. Rafaela, Kátia e Jane na prova do vestido de noiva, que iniciou viagem pelo mundo na Bienal de São Paulo. Fotos: Flavio Lenz. Jane desfila o vestido de noiva em Belo Horizonte, como já havia feito na Bienal de São Paulo (p. 185). Foto: M. Perez. Foto: Juan Guerra. Nos vagões de trem, Maria lidera o escracho e a crítica do glamour. Fotos: Marcos Silva. P.190 Foto: Marcos Silva. P.195 Foto: Marcos Silva. P.204-205 Desfile da coleção Puta Arte voltou a empolgar no Centro e a “roubar” jornalistas da apresentação de Gisele Bündchen no Fashion Rio. Fotos: Viola Berlanda. P.206 Jane e Elke Maravilha na passarela, puxando o final do desfile. Foto: Friederike Strack. P.209 A coleção Puta Arte também foi mostrada no Clube Glória, com participação de Bruna Surfistinha na passarela (alto). Fotos: Viola Berlanda. P.217 Perna a ser aplicada em cabideiros de pontos de venda, conforme estudo de graduandos da ESPM-SP. P.230 Maria Nilce desfilando peça da coleção Copa Sacana. Foto: Friederike Strack. P.231 Prostitutas com Camila Pitanga, a futura colega Bebel, que foi buscar inspiração e transpiração para a personagem de novela. Foto: Friederike Strack. P.138-139 P.144 P.147-149 P.155 P.160-161 P.162 P.164-165 P.168 P.176 P.182-183 P.185 P.189
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Alunos e professora da Fumec encontram-se com equipe Daspu para dar início ao desenvolvimento da coleção verão 2009. Fotos: Bruno Oliveira. Fotografia premiada na categoria Moda do Sony World Photography Awards, em Cannes, 2008. Foto: Isabela Pacini. “Sobre o autor” Foto: Marcelo Deodoro da Fonseca
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sobre o autor Trabalhou paralelamente na sociedade civil e na mídia privada nas décadas de 80 e 90 do século passado. De um lado, nos dois principais jornais do Rio de antão: O Globo (brevemente) e Jornal do Brasil (padecendo quase quinhentos pescoções, as maratonas de sexta-feira nas redações). No terceiro setor, foi secretário de redação do Iser, onde incorporou a função de editor do primeiro – e talvez único – jornal de prostitutas, Beijo da rua, hoje apresentado também em um site ponto com. Em 1992, tornou-se um dos fundadores da ONG Davida, para a qual o título editorial foi transferido. É autor de uma fotonovela e de uma peça de teatro sobre sexo mais seguro e direitos humanos na prostituição, consultor da Rede Brasileira de Prostitutas, assessor de comunicação da grife Daspu e secretário-executivo adjunto da ONG Davida, criadora da marca. Atuou também como correspondente da agência de notícias NPL, publicando artigos (traduzidos, naturalmente) em jornais diários e semanais de língua alemã, na Áustria, Suíça, Luxemburgo e Alemanha. Carioca, aprecia uma boa conversa no botequim, adora caminhar pela cidade e se aquecer ao sol antes ou depois do verão.
Este livro foi composto em Akkurat. O papel utilizado para a capa foi o cartão Suprema Alta-Alvura 250g/m2. Para o miolo foi utilizado o Pólen Bold 90g/m2
A impressão e o acabamento foram feitos pela gráfica Morada do Livro, em junho de 2008, no Rio de Janeiro. Todos os recursos foram empenhados para identificar e obter as autorizações dos fotógrafos e seus retratados. Qualquer falha nesta obtenção terá ocorrido por total desinformação ou por erro de identificação do próprio contato. A editora está à disposição para corrigir e conceder os créditos aos verdadeiros titulares.