Aeroportos e companhias aĂŠreas redesenham parcerias estratĂŠgicas
FĂĄtima Rodrigues
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Título: Aeroportos e companhias aéreas redesenham parcerias estratégicas Autor: Fátima Rodrigues Coordenação editorial: Transportes & Negócios / Riscos Editora Imagem da capa: Aeroporto Francisco Sá Carneiro
escreva sobre transportes NÓS PUBLICAMOS é uma iniciativa da ADFERSIT, com a colaboração do Transportes & Negócios como media partner
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Setembro 2013 2
Aeroportos e companhias aĂŠreas redesenham parcerias estratĂŠgicas
FĂĄtima Rodrigues
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Os aeroportos e as companhias aéreas corporizam dois dos mais importantes parceiros do sistema de transporte aéreo a que se associa a vantagem/inconveniência de serem os atores de maior visibilidade junto dos clientes finais: passageiros e operadores da carga aérea. As condições da própria operação do transporte aéreo implicam uma interação, entre ambos os protagonistas, não dispensável, nas fases inicial e terminal de cada voo, isto é, no decurso das operações em terra, onde os respetivos papéis são, não raro, confundidos pelos destinatários do serviço. Os movimentos de liberalização do transporte aéreo, iniciados nos Estados Unidos na década de 80, posteriormente alargados à Europa, ditaram, numa fase inicial, diferentes níveis de pressão económica sobre estes dois parceiros de negócio. As Companhias Aéreas, mesmo as que beneficiavam de fortes apoios estatais, foram forçadas a iniciar processos de reestruturação que visavam, não raras vezes, a luta pela sobrevivência, face a um mercado que se havia tornado muito mais competitivo. Muitas sucumbiram. Algumas novas surgiram, sendo que estas beneficiavam, à partida, da possibilidade de poderem construir um modelo de negócio que nascia ajustado às novas características do mercado da aviação. O paradigma neste novo ambiente viria a ser protagonizado pelas companhias de baixo custo (LCC). Num mercado agora liberalizado passou a ser possível aos novos operadores ter acesso a aeroportos onde, no passado, os direitos de tráfego protegiam as companhias tradicionais da concorrência indesejável, principalmente no que respeita ao tráfego regular. Os novos preços de transporte do modo aéreo abriram o acesso a novas camadas da população, sobretudo em viagens de lazer, por contraponto do que acontecia na fase anterior, em que apenas os segmentos mais elevados da população utili5
zavam regularmente as viagens aéreas nas suas deslocações. Os elevados volumes de procura que resultaram dos movimentos anteriormente identificados iriam colocar uma enorme pressão sobre os prestadores de serviços de controle de tráfego aéreo e sobre os gestores aeroportuários, estes últimos condicionados pela rigidez que caracteriza o dimensionamento e a gestão das infraestruturas. Uma outra dimensão destes movimentos de reorganização do mercado do transporte aéreo está relacionada com o incremento da operação “ hub”, possibilitando às companhias aéreas a concentração de tráfego em aeroportos com condições adequadas para assegurar o papel de “concentrador”. As duplas de sucesso na criação dos grandes hubs, constituídas por aeroportos e companhias nacionais surgiram em diversas partes do globo, preponderantemente na Europa: (Londres/ Heathrow – British Airways; Paris / Charles de Gaulle Air France; Frankfurt- Lufthansa; Schiphol - KLM; Madrid/ Barajas – Ibéria, etc.). As economias conseguidas por este modelo de estruturação das redes das companhias aéreas, por potenciarem load factors1 mais elevados, constituíram novas alavancas para incrementar a procura deste modo de transporte Os diversos impulsos sobre a procura vieram a constituir-se como novas fontes de pressão sobre a capacidade existente ao nível das infra estruturas e até da capacidade do espaço aéreo. Nem mesmo a crise securitária provocada pelos acontecimentos do 11 de Setembro nem as crescentes restrições ambientais sobre a operação de alguns aeroportos, foram suficientes para refrear este ímpeto de expansão da procura. Como tentativa de resposta, multiplicaram-se os projetos de investimento na construção e remodelação das infraestruturas aeroportuárias e estudou-se a aplicação de novas tecnologias 6
na operação em terra, na construção das aeronaves e mesmo na prestação dos serviços de tráfego aéreo para, conjugadamente, poder acomodar os novos patamares de tráfego que a pressão da procura fazia disparar. Para ilustrar estas afirmações está o facto de, mesmo após as reduções ditadas pelo ambiente depressivo e pelos acréscimos de custo do capital, segundo a ACI Europa, os aeroportos europeus se proporem investir valores significativos nos próximos anos, conforme tabela que a seguir se insere.
Fonte: ACI Economic Survey 2012
Convém referir que estes investimentos são confirmados num contexto em que as margens do negócio aeroportuário, no atual clima de crise sofrem redução significativa, com 42,5% dos aeroportos europeus a apresentar perdas em 2012. Num ambiente que poderemos classificar de progressivo aumento da compreensão dos papéis de cada um dos protagonistas da história de sucesso representada pelos aeroportos e pelas companhias, em nome do transporte aéreo, parece-nos útil e oportuno analisar as recentes propostas do Diretor Geral da IATA para uma agenda conjunta, com vista ao futuro. No passado dia 12 de Julho, em Istambul, Tony Tyler, 7
diretor-geral e CEO da IATA, sugeriu uma agenda unificada entre as companhias aéreas e os aeroportos para enfrentar os desafios mútuos de crescimento e sustentabilidade. Este representante das companhias aéreas afirmou: “os aeroportos são os parceiros mais próximos das companhias aéreas. Nenhum de nós poderia existir sem o outro”. Esta proposta de nova agenda unificada e parceria entre as companhias aéreas e os aeroportos está materializada em seis pontos: 1. A compreensão mútua de que a sustentabilidade, a longo prazo, é um problema para ser abordado conjuntamente pelas companhias aéreas e pelos aeroportos; 2. O reconhecimento de que a solução para os desafios comuns é não colocar o outro numa situação em que não possa obter os meios mínimos indispensáveis para se desenvolver, sob pena de o efeito de retorno ser desfavorável para ambos; 3. Trabalhar em conjunto para ajudar os aeroportos a encontrar novos patamares de eficiência operacional, mutuamente benéficos; 4. Remover as restrições de capacidade, particularmente na Europa, onde 98 aeroportos têm capacidade insuficiente e exigem coordenação muito estreita da capacidade disponível; 5. Encontrar oportunidades de cooperação para permitir melhorias do processo aeroportuário e incrementar o valor acrescentado nas oportunidades comerciais, como forma de ajudar a financiar projetos de expansão da capacidade; 6. Encontrar potencial para o desenvolvimento de negócios conjuntos. Para finalizar Tony Tyler refere: “Uma agenda de cooperação não significa que tenhamos de concordar em cada caso específico. Antes significa que reconhecemos que vamos conseguir muito mais juntos do que 8
cada um poderia conseguir isoladamente”. Numa tentativa de construção do mesmo tipo de agenda, a partir da visão da ACI (Airports Council International) não se encontrariam pontos muito diferentes mas acredito que seriam pontuados aspetos complementares aos que foram referidos por Tony Tyler . No que se refere aos “novos patamares de eficiência” (ponto 3 da agenda de Tony Tyler) trata-se de uma questão que é hoje reconhecida como central não só para melhorar a eficiência económica dos aeroportos e das companhias aéreas, mas igualmente para otimizar a utilização das infraestruturas disponíveis. O caminho a percorrer pressupõe a corresponsabilização de ambos. Se é certo que se espera dos aeroportos a capacidade para redesenhar processos, à guisa de uma revisitação ao taylorismo, não menos importante será que as companhias aéreas comprometam os seus subcontratados – as empresas de handling – no mesmo objetivo de ajustamento dos meios disponíveis, aos volumes de tráfego esperados, sobretudo nos períodos de picos de atividade. Por outro lado, a questão da escassez de capacidade em alguns dos aeroportos europeus, particularmente nos que disponibilizam uma operação hub (ponto 4 da agenda de Tony Tyler), deverá ser encarada em momentos e patamares diferenciados. No curto prazo, apenas os ganhos de eficiência poderão ajudar a atenuar o problema. Para este acréscimo de eficiência todos têm de ser chamados. Para além dos aeroportos e das companhias aéreas, como atrás referido, também outras entidades como os prestadores de serviços de tráfego aéreo e até as autoridades (de fronteira, aduaneiras, etc.) são convocadas a alinhar as suas práticas e objetivos com as necessidades da procura, na operação em terra. O papel do Regulador precisa de ser mais interventivo. Através deste parceiro, conhecedor e empenhado, 9
todas as entidades licenciadas para prestar serviços nos aeroportos podem ser “pressionadas” para obter ganhos de eficiência. O regulador está ainda numa posição privilegiada para sensibilizar os próprios serviços do “ Estado prestador” para as necessidades e condicionantes da eficiência aeroportuária. Ainda no curto prazo, as novas tecnologias aplicadas ao processo aeroportuário têm operado verdadeiros milagres nos tempos unitários de processamento dos passageiros e carga. O papel pioneiro da IATA, materializado no Programa “simplifying the business “, tem permitido obter ganhos de eficiência operacional e económica para ambos os parceiros do negócio. Infelizmente também é possível identificar movimentos em sentido inverso, como sejam as crescentes exigências colocadas sobre os controlos de security, que têm obrigado a investimentos volumosos e custos de operação que não param de crescer. A médio e longo prazo, para os aeroportos onde o tráfego “teima” em crescer, a ampliação das infraestruturas existentes e/ou mesmo a construção de novas infraestruturas irá ocupar a agenda dos decisores. O que mudou no paradigma atual dos grandes projetos aeroportuários? Muitas das variáveis do investimento são hoje tratadas de modo diferente daquele que serviu de referência nas decisões passadas. A saber: - o timing para a realização do investimento é encontrado, em conjunto, entre o gestor aeroportuário e os principais operadores (companhias aéreas) do aeroporto; - as soluções são estudadas, dimensionadas, validadas e suportadas em sólidas análises custo/benefício em que ambas as partes acreditam; - os terminais “golden plated” tendem a ser afastados das soluções adotadas, mormente nos casos em que o decisor 10
público não participa do financiamento; - os impactos económicos sobre os custos de exploração são medidos, na fase de projeto; - a flexibilidade, associada ao uso futuro das infraestruturas, é um dado de base para o processo de planeamento e integra as soluções escolhidas. Em suma, a análise do risco estendeu-se desde a avaliação do risco operacional, sempre tratado com particular cuidado na aviação, até uma abordagem mais abrangente, que passou a englobar o risco empresarial e o risco de cada negócio, de per se. A garantia de sustentabilidade que os investidores perseguem só pode ser dada pela construção de estratégias conjuntas entre aeroportos e companhias aéreas, fundadas numa abordagem win win, sob pena de o médio prazo incluir surpresas desagradáveis para todos. Os aeroportos e as companhias aéreas sabem-no e praticam.
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Fátima Rodrigues Licenciada em Organização e Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de Economia - Universidade Técnica de Lisboa (1980) Assessora do CA da ANA, S.A., com a especialização em infraestruturas aeroportuárias. Consultora em projectos no sector do transporte aéreo e aeroportos. Docente das cadeiras de Planeamento de Aeroportos e Internacionalização de Aeroportos na Licenciatura e Mestrado na Universidade Lusófona. Membro da Direcção da ADFERSIT.
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Títulos publicados: * JUP - Janela Única Portuária, o Simplex do Mar Fernanda Nunes Ferreira * O sucesso financeiro dos Caminhos de Ferro da Índia Luís Manuel Lopes Ascensão * Sines como ativo geoestratégico nacional Paulo Jorge Pires Moreira * A economia do transporte público na acessibilidade urbana Carlos Gaivoto * O desempenho do terminal de contentores: modelo conceptual Vítor Caldeirinha * A governação das autoridades portuárias em Portugal e Espanha Abílio Marques Afonso * Regulação do Serviço Público de transportes Cristina Caetano * O “caso” do Metro Sul do Tejo António Vila Verde Ribeiro * Um risco histórico: Rede ferroviária europeia e competitividade da economia Mário Lopes * Flexibilização do sistema ferroviário europeu: modelos integrados vs. modelos separados Nuno Marques
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