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O “complexo” da Bobadela
No final de abril, o Governo aprovou em Conselho de Ministros um conjunto de medidas para preparar as Jornadas Mundiais da Juventude de 2023 onde se inclui o estabelecimento de um calendário para a relocalização definitiva do principal terminal rodoferroviário do país: o Complexo Logístico e Multimodal da Bobadela. Desde que foi anunciado o local da realização das JMJ - o Parque Tejo - a Câmara de Loures viu, finalmente, uma janela de oportunidade para conseguir alcançar uma das suas grandes ambições, isto é, retirar todos os contentores da Bobadela e passar os cerca de 30 hectares de terrenos com vista privilegiada para o Tejo para o domínio municipal.
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O calendário definido pelo Governo estabelece que até 31 de dezembro de 2022, o terminal sul do complexo (concessionado à Medway) tem de estar desimpedido, assim como o terminal central (pertencente à IP). A desocupação definitiva da parcela central deve concretizar-se até 25 de abril de 2024, enquanto o terminal norte (que esteve concessionado à ALB) deve ficar livre até 31 de dezembro de 2026. Entretanto, o Governo deu ainda indicações à IP para começar “de imediato todos os trabalhos, diligências e procedimentos necessários à relocalização do Complexo Logístico da Bobadela”, tendo definido para o efeito um orçamento de 6 milhões de euros.
No entanto, esta decisão, que é perfeitamente legítima por parte da Tutela, foi tomada sem que primeiro se estudasse ou fosse assegurada uma alternativa real e viável à Bobadela, que como se sabe é essencial à Economia nacional e que serve diretamente os principais portos portugueses.
E essa situação, além de ser contrária a tudo aquilo que tem sido defendido pelo Governo, nomeadamente a aposta na ferrovia e na intermodalidade das cadeias de abastecimento, poderá significar um enorme e complexo problema para todo o sistema logístico nacional. Por outro lado, a decisão de ter apenas um terminal a funcionar até 2026 está a fazer com que o mercado esteja expectante e a definir estratégias, tal como num jogo de xadrez, onde alguns estão à espera da jogada certa para fazer um “xeque” à concorrência e ao mercado. O que não significa que seja “xeque-mate”.
Mas vamos por partes. É verdade que o contexto mudou, mas não nos podemos esquecer de que, em 2019, o presidente da IP tinha dito publicamente que a deslocalização de um parque como a Bobadela nunca se iria desenvolver num prazo “inferior a oito anos e com um custo muito significativo”. Adiantou ainda que a interrupção da atividade na Bobadela, mesmo que temporária, “prejudicaria severamente o transporte ferroviário de mercadorias, contrariando tudo o que tem vindo continuadamente a ser defendido pela União Europeia e pelo Governo para este setor”. António Laranjo sabia muito bem do que estava a falar e também sabe que a IP terá pela frente um trabalho gigantesco que irá implicar análises da viabilidade técnica, económico-financeira e ambiental das localizações alternativas, estudos de mercado para a definição geográfica das origens e destinos das mercadorias, estudos de compatibilização das infraestruturas rodo e ferroviária, etc.. Ao que parece, a IP só não sabia qual seria o rumo das negociações políticas entre o Governo e a Câmara de Loures.
Uma das preocupações do setor é a futura localização do Complexo e os custos adicionais que daí poderão advir, tal como a APAT tão bem explica na carta que enviou ao Governo (e que pode ler na última edição). Falou-se na Plataforma de Castanheira do Ribatejo, mas o proprietário, a espanhola Merlin, já afirmou que não quer contentores na sua plataforma. A norte da Bobadela é praticamente impossível, uma vez que os terrenos pertencem à Reserva Agrícola de Lisboa e Vale do Tejo… portanto, uma nova localização nunca ficará a menos de 50 quilómetros de Lisboa. No entanto, mais do que a futura localização, o que preocupa mesmo os agentes que trabalham no setor, sejam eles armadores, carregadores, transitários, agentes de navegação ou operadores de transporte e de logística, é a indefinição sobre todo este processo. E no mundo dos negócios, não existe tempo para indefinições.
Outra questão em todo este processo é saber quem vai ficar a operar o terminal norte do Complexo da Bobadela até 2026. Depois de ter retirado a concessão à ALB, por alegada falta de pagamento, a IP lançou um novo concurso para o parque norte há cerca de um ano. Só que o concurso ficou deserto. Ninguém mostrou interesse na concessão deste terminal, nem mesmo a Medway, que opera o terminal sul e que, inclusive, garantiu que “não apresentou qualquer proposta no recente concurso aberto pela IP, por não estar interessada no mesmo” e mantém-se “sem qualquer interesse no parque norte”. Mas é legítimo perguntar: um ano depois, o “desinteresse” mantém-se?
Mas há muitas mais questões a fazer. A IP irá lançar um novo concurso ou fará uma adjudicação direta, tal como já admitiu poder vir a fazer? E essa adjudicação direta será feita com que pressupostos? Haverá alguma auscultação ao mercado? Quanto irá custar a saída do concessionário do terminal sul? Em toda esta questão, qual é a posição dos armadores nacionais e internacionais que escalam os principais portos portugueses e dos principais operadores de terminais portuários? E os outros agentes do setor não se ouvem porquê? E se, hipoteticamente, a IP fizer uma adjudicação direta, estará em risco a concorrência, uma vez que passa a ser um único operador a utilizar um terminal na Bobadela e que é concessionado por uma entidade pública?
Convenhamos, se alguém, que não seja a IP, conseguir ficar com a concessão do terminal norte, seja através de concurso público ou de adjudicação direta, fará uma “jogada de mestre” no tabuleiro logístico e do transporte de mercadorias, passando a ter uma posição mais dominante no contexto nacional e ibérico. E se mais ninguém se apresentar a “jogo”, significa que essa entidade viu mais longe que todos os outros e que tem uma estratégia bem delineada e planeada. E isso… nunca poderá ser motivo de crítica.