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Mecanismos Incorporadores Lanterna (auxiliares)
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COLECIONAR
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reivindicar o mundo; reivindicar o mundo; resignificar; resignificar; trapeiro-colecionador. trapeiro-colecionador.
mecanismos incorporadores mecanismos incorporadores lanterna (auxiliadores) lanterna (auxiliadores)
COLECIONAR COLECIONAR
Trapeiro-Colecionador, uma persona Colecionar é verbo, ação, conceito, promessa, estratégia, método, estrutura, gesto, obsessão, fio condutor desta tese. O ato de colecionar está explícito em alguns fragmentos, é premissa conceitual em outros, reforça ou qualifica algumas intenções estruturais em outros tantos, serve de argumentação científica para algumas escolhas, serve de método de pesquisa, construção e estruturação do material pesquisado, da montagem dos fragmentos e aparece, inclusive, no convite feito ao leitor. Além disso, o ato de colecionar é uma das qualidades fundamentais da persona presente na proposta de experiência urbana investida nessa tese: o Trapeiro coleciona os trapos urbanos, sociais e materiais que encontra enquanto caminha pela cidade. Trapeiro-colecionador. Num mundo que está bem adiantado em seu caminho para tornar-se um vasto garimpo a céu aberto, o colecionador se transforma em alguém engajado num consciencioso trabalho de salvamento. (SONTAG, 2004, p. 91)
Como conceito, colecionar é parte integrante de formulações humanas como a Memória, a transformação das palavras em linguagem, o desenvolvimento e aproximação da criança com o mundo. Colecionar é ato de rememoração, produção do conhecimento histórico, descontextualização de objetos no espaço e no tempo. Colecionar é reivindicar para si a possibilidade de possuir o mundo, mesmo apenas uma parte insignificante dele, ou até me relacionar distantemente com o Outro, no caso de coleções de objetos antigos ou encontrados e recolhidos. Colecionar é catalogar, inventariar, organizar, descontextualizar, resignificar, recriar, reexistir. Colecionar é “desinvestir” o objeto de seu sentido utilitário, é dar-lhe outro lugar no mundo dos objetos. Colecionar é ativar gavetas, arcas, baús, caixas. Colecionar é caminhar, frustrar-se, insatisfazer-se, continuar. Colecionar é um gesto filosófico, um portar-se perante, um exercício de memória prenhe de porvir, um olhar para o passado e para o futuro simultaneamente. Nesse campo encontra-se o Colecionador, o ser sensível aos objetos exilados (via Trapeiro), o fisiognomonista do mundo dos objetos. O agente de pensamentos de potencialidades, de bifurcações possíveis, que aciona a “memória involuntária” (BENJAMIN, 2012c) e suas associações selvagens de ideias no ato de colecionar; mas também aciona a “memória voluntária” (BENJAMIN, 2012c), com suas organizações e ordenamentos de ideias, ao estabelecer e executar a catalogação da coleção. Desordem e desregramento dos objetos na coleção; ordem e estabilidade dos objetos no catálogo. O colecionador, aquele intelectual de orientação diferente da do Erudito (BENJAMIN, 2012a), o indivíduo de “caráter destrutivo” (BENJAMIN, 2012a), o escritor literário de “testamentos”, o envolvido e “amaldiçoado”, assim como Sísifo, que foi castigado por ofender os deuses a empurrar uma pedra até o ponto mais alto de uma montanha, na terra dos mortos, de onde a pedra rolava montanha abaixo todas as vezes, fazendo-o repetir eternamente o esforço, em vão. Crítica ao conceito, uma postura
Um dos sistemas estabelecidos é “O Sistema não-funcional ou o Discurso Subjetivo”, no qual encontra-se a classe dos objetos de “coleção”. Dentre as características pontuadas
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O filósofo semiótico Jean Baudrillard, em seu trabalho intitulado “O sistema dos objetos” (2012), de 1968, arriscou uma tentativa, considerada inviável pelo próprio autor, de pensamento para estabelecer uma sistematização dos objetos. Baudrillard investiga os objetos produzidos pelo homem e os organiza, categoriza em possíveis sistemas e classes.
por Baudrillard como definição e argumentação desta classe de objetos, temos a “posse do objeto”, substituindo o “uso do objeto”, como condição estruturante do discurso e das demais características: A posse jamais é a de um utensílio, pois este me devolve ao mundo, é sempre a de um objeto abstraído de sua função e relacionado ao indivíduo. (p. 94) [os objetos colecionados] Constituem-se pois em sistema graças ao qual o indivíduo tenta reconstruir um mundo, uma totalidade privada. (p. 94) Todo objeto tem desta forma duas funções: uma que é a de ser utilizado, a outra a de ser possuído. A primeira depende do campo de totalização prática do mundo pelo indivíduo. A outra um empreendimento de totalização abstrata realizada pelo indivíduo sem a participação do mundo. (p. 94) Ao contrário [do objeto prático como máquina], o objeto puro, privado de função ou abstraído de seu uso, toma um estatuto estritamente subjetivo: torna-se objeto de coleção. Cessa de ser tapete, mesa, bússola ou bibelô para se tornar <objeto>. Um <belo objeto> dirá o colecionador e não uma bela estatueta. (p. 94) Por isso a posse de um objeto, qualquer que seja, é sempre a um só tempo tão satisfatória e tão decepcionante: toda uma série a prolonga e a perturba. (p. 95) A coleção pode nos servir de modelo pois é nela que triunfa este empreendimento apaixonado de posse, nela que a prosa cotidiana dos objetos se torna poesia, discurso inconsciente e triunfal. (p. 95) Com a criança [a coleção] é o modo mais rudimentar de domínio do mundo exterior: arranjo, classificação, manipulação. (p. 95) O colecionador não é sublime portanto pela natureza dos objetos que coleciona, mas pelo seu fanatismo. Fanatismo idêntico tanto no rico amador de miniaturas persas como no colecionador de caixas de fósforos. (p. 96) Se a posse é feita da confusão dos sentidos (mão, olho), de intimidade com um objeto privilegiado, é igualmente toda feita de procura, de ordem, de jogo e de agrupamento. (p. 96) A coleção é feita de uma sucessão de termos, mas seu termo final é a pessoa do colecionador. Reciprocamente, este se constitui como tal somente ao ser sucessivamente substituído por cada termo da coleção. (p. 99) Sua soberania [da coleção] é frágil, a soberania do mundo real ergue-se por trás dela e a ameaça continuamente. (p. 106) É preciso constatar que o conceito de coleção (colligere: escolher e reunir) distingue-se do de acumulação. O estado inferior é o da acumulação de materiais (...), depois a acumulação serial de objetos idênticos. A coleção emerge para a cultura: visa objetos diferenciados. (p. 111)
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Tanto quanto por sua complexidade cultural, é pela falta, pelo inacabado que a coleção se separa da pura acumulação. (p. 112)
Apesar de iniciar o trabalho de caracterização dos objetos dignos de serem chamados “de coleção” apresentando um olhar conceitual e “imparcial”, Baudrillard finaliza seu discurso com uma dura crítica ao ato de colecionar. Por conta da “posse” dos objetos, se configura no colecionador um processo de fetichização do mundo, que, segundo
Baudrillard, aliena e isola o colecionador, destruindo o próprio ato de colecionar e inviabilizando todas as possíveis potencialidades que o ato proporcionaria. Não só Baudrillard investiu suas reflexões nessa desvalorização do colecionar, via fetiche. Nietzsche fala desse conflito do colecionador em “Considerações Extemporâneas: dos usos e desvantagens da história para a vida” (1874). Gustave Flaubert apresenta duas personagens confusas e instáveis, por serem colecionadoras, no romance “Bouvard e Pécuchet” (1881). Joseph Conrad vulgariza e ridiculariza sua personagem Stein, o “colecionador erudito”, no romance “Lord Jim” (1899). Jorge Luis Borges conta sobre seu fascínio, misturado com desdém e pena, ao encontrar o jovem acidentado Irineu “Funes, o memorioso” (1942), que começa, após uma queda de cavalo, a memorizar e colecionar todo e qualquer gesto e acontecimento que se passa perante seus olhos. Theodor Adorno critica, em “Minima Moralia” (1951), na seção “Leilão”, o fetichismo empobrecedor do acúmulo colecionístico na modernidade, causado pela “indústria cultural”. Para todos esses, e muitos outros pensadores modernos, existe uma oposição entre a Arte, a experiência e a coleção, oposição construída e reforçada pelo fetiche da mercadoria, principalmente a partir da segunda metade do século XX. Mas para um pensador em especial, esse envolvimento “fetichizado” é, na verdade, o que dá sentido e consolida o ato de colecionar como elemento fundante da constituição do sujeito e sua individuação perante o mundo. É Walter Benjamin que constrói esse elogio ao colecionador. Para Benjamin existe lá uma potência de ambiguidade: simultaneamente a coleção anula a experiência, via fetiche, mas também confronta e provoca a experiência, via memória, rastro e narração. A figura do colecionador, que se torna tanto mais atraente quanto mais tempo nos ocupamos dela, não foi até agora suficientemente valorizada. Pensar-se-ia que ninguém, mais do que ela, deveria ter tentado os contadores de histórias Românticos. Mas é em vão que procuramos esse tipo humano movido por paixões perigosas, apesar de domesticadas, entre as figuras de um Hoffmann, de um De Quincey, de um Nerval. (BENJAMIN, 2012a, p. 150)
O Colecionador para Benjamin, um conceito Coleção, para Benjamin, não é apenas um conceito a ser estudado e formulado. O gesto da coleção não se reduz a um mero tema de análise entre muitos outros no seu campo de investigação, o ato de colecionar agenciado pelo Colecionador toma, para ele, a proporção de uma impressão do caráter de sua própria filosofia, contaminada pela experiência vivida. Benjamin colecionou citações, cartões postais, livros, brinquedos de criança.
O Colecionador em Benjamin é um conceito incorporado, uma postura impressa e evidente nos conteúdos e estruturações apresentados nos livros/textos/projetos “Rua de mão única”, uma coleção de memórias de infância na cidade, assim como “Infância em Berlim por volta de 1900”, e o “Passagens parisienses”, projeto inacabado mas magistral sobre as “passages couverts” do final do século XIX em Paris; projeto formulado, não se sabe se provisoriamente, única e exclusivamente com fragmentos
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Benjamin, um colecionador! Assim como, por exemplo, Deleuze, um alquimista; Spinoza, um bordador; Nietzsche, um agricultor; Heidegger, um guarda florestal; Bachelard, um poeta; Parménides, um fotógrafo; Derrida, um inventor; Foucault, um vidente.
de pensamento do autor e citações. Não à toa, são nesses três trabalhos que Benjamin debruça-se, ocupa o tempo para elogiar a figura do Colecionador – colocando-o, inclusive, sob a mesma luz oferecida ao Flâneur. O Colecionador em Benjamin, uma seleção No caso de uma coleção – já sinalizado por Victor Stoichita – (de qualquer coleção) o objeto que a reflete e que, ao fim e ao cabo, mostra a consciência de seu ser, é o catálogo. O catálogo tem algo de espelho, e intelectualmente é superior à própria coleção. Possui um grau de coesão e coerência que a coleção pode apenas alcançar no sonho do colecionador. O catálogo (...) é a coleção como conceito puro. (SAMANIEGO, 2011, p. 12) Fazer um catálogo não é um mero e sensível saber dos objetos colocados logicamente: pois sempre existe a eleição entre dez maneiras de saber, dez lógicas de montagens, e cada catálogo particular resulta de uma opção – implícita ou não, consciente ou não, ideológica em todo caso – por um tipo particular de categorias classificatórias. Por trás do catálogo, a atribuição e a datação carregam toda uma “filosofia” - a saber, a maneira de entender o que é uma “mão”, a paternidade de uma “invenção”, a regularidade ou a maturidade de um “estilo”, e tantas outras categorias mais que têm sua própria história, que foram inventadas, que nem sempre existiram portanto, é a ordem do discurso que leva, na história da arte, todo o jogo da prática. (Georges Didi-Huberman em “Ante la imagen: pregunta formulada a lós finales de una historia del arte”. CENDEAC: Murcia, 2010, p. 51. In: SAMANIEGO, 2011, p. 12-3. Tradução do autor)
“Bem-aventurado o colecionador!” (BENJAMIN, 2012c, p. 241)1 “Tudo o que é recordado, pensado, conscientizado, torna-se alicerce, moldura, pedestal, fecho de seus pertences. A época, a região, a arte, o dono anterior – para o verdadeiro colecionador todos esses detalhes se somam para formar uma enciclopédia mágica, cuja quintessência é o destino de seu objeto.” (2012c, p. 234) “Basta observar um colecionador manuseando os objetos em seu mostruário de vidro. Mal os segura em suas mãos. Parece inspirado a olhar através deles para os seus passados remotos.” (2012c, p. 234) “Pois quem lhes fala é um deles e, no fundo, está falando só de si.” (2012c, p. 233) “Em todo caso, com as palavras seguintes, tive em vista algo menos oculto, algo mais palpável. Tenho a intenção de dar uma ideia sobre o relacionamento de um colecionador com os seus pertences, uma ideia sobre o ato de colecionar mais do que sobre a coleção em si.” (2012c, p. 233)
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“Pode-se partir do fato de que o verdadeiro colecionador retira o objeto de suas relações funcionais. Esse olhar, porém, não explica a fundo esse comportamento singular. Pois não é esta a base sobre a qual se constrói uma contemplação “desinteressada” no sentido de Kant e de Schopenhauer, de tal modo que o colecionador consegue lançar um olhar incomparável sobre o objeto, um olhar que vê mais e enxerga diferentes coisas
1 Todas as citações deste ponto em diante foram retirados de textos de Walter Benjamin, sinalizados apenas pelos anos das edições consultadas e suas respectivas páginas que as contêm.
do que o olhar do proprietário profano, e o qual deveria ser melhor comparado ao olhar de um grande fisiognomonista. Entretanto, o modo como este olhar se depara com o objeto deve ser presentificado de maneira ainda mais aguda através de uma outra consideração. Pois é preciso saber: para o colecionador, o mundo está presente em cada um de seus objetos e, ademais, de modo organizado. Organizado, porém, segundo um arranjo surpreendente, incompreensível para uma mente profana. (...) Basta que nos lembremos quão importante é para cada colecionador não só o seu objeto, mas também todo o passado deste, tanto aquele que faz parte de sua gênese e qualificação objetiva, quanto os detalhes de sua história aparentemente exterior: proprietários anteriores, preço de aquisição, valor etc. [H 2, 7; H 2a, 1]” (2007, p. 241) “De fato, toda paixão faz fronteira com o caos, mas a de colecionar a faz com o das recordações.” (2012c, p. 233) “É decisivo na arte de colecionar que o objeto seja desligado de todas as suas funções primitivas, a fim de travar a relação mais íntima que se pode imaginar com aquilo que lhe é semelhante. Esta relação é diametralmente oposta à utilidade e situa-se sob a categoria singular da completude. O que é essa “completude” <?> É uma grandiosa tentativa de superar o caráter totalmente irracional de sua mera existência através da integração em um sistema histórico novo, criado especialmente para este fim: a coleção. E para o verdadeiro colecionador, cada uma das coisas torna-se neste sistema uma enciclopédia de toda a ciência da época. Da paisagem, da indústria, do proprietário do qual provém. O mais profundo encantamento do colecionador consiste em inscrever a coisa particular em um círculo mágico no qual ela se imobiliza, enquanto a percorre um último estremecimento (o estremecimento de ser adquirida). Tudo o que é lembrado, pensado, consciente torna-se suporte, pedestal, moldura, fecho de sua posse. (...) Colecionar é uma forma de recordação prática e de todas as manifestações profanas da “proximidade”, a mais resumida. Portanto, o ato mais diminuto de reflexão política faz, de certa maneira, época no comércio antiquário. Construímos aqui um despertador, que sacode o kitsch do século anterior, chamando-o à “reunião”. [H 1a, 2]” (2007, p. 239) “O maior fascínio do colecionador é encerrar cada peça num círculo mágico, onde ela se fixa quando passa por ela a última excitação – a excitação da aquisição.” (2012c, p. 234) “(...) a posse seja a mais íntima relação que se pode ter com as coisas.” (2012c, p. 241) “Para o colecionador autêntico a aquisição de um objeto [no original consta ‘livro’] velho representa o seu renascimento.” (2012c, p. 234) “Renovar o mundo velho – eis o impulso mais enraizado no desejo do colecionador ao adquirir algo novo, e por isso o colecionador de objetos [no original consta ‘livros’] velhos está mais próximo da fonte do colecionar que o interessado em novas edições luxuosas.” (2012c, p. 235)
“Cada pedra que ela encontra, cada flor colhida e cada borboleta capturada já é para ela princípio de uma coleção, e tudo que ela possui, em geral, constitui para ela uma única coleção. Nela [na criança] essa paixão mostra sua verdadeira face, o rigoroso olhar índio, que, nos antiquários, pesquisadores, bibliômanos, só continua ainda a arder turvado e maníaco. Mal entra na vida, ela é caçador, caça os espíritos cujo rastro fareja nas coisas. (...) Suas gavetas têm de tornar-se arsenal e zoológico, museu
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“Todas essas velharias tem um valor moral.” Charles Baudelaire em carta de 30 de dezembro de 1857 à sua mãe. (2007, p. 237)
criminal e cripta. <Arrumar> significaria aniquilar uma construção cheia de castanhas espinhosas que são manguais, papéis de estanho que são um tesouro de prata, cubos de madeira que são ataúdes, cactos que são totens e tostões de cobre que são escudos.” Texto “Ampliações” do conjunto “Rua de mão única”, o fragmento “Criança desordeira” (2012c, p. 39) “Para elas [crianças] colecionar é apenas um processo de renovação; outros seriam a pintura de objetos, o recorte de figuras e ainda o decalque e assim toda a gama de modos de apropriação infantil, desde tocar até o dar nome às coisas.” (2012c, p. 234) “O colecionador vive um fragmento de vida onírica” (2007, p. 240) “Mas meu propósito não era conservar o novo e sim renovar o velho. Renovar o velho de modo que eu, neófito, me tornasse seu dono – eis a função das coleções amontoadas em minhas gavetas. (...) Era assim que cresciam e se mascaravam os haveres da infância, em gavetas, arcas e caixas.” Texto “Armários” do conjunto “Infância em Berlim por volta de 1900” (2012c, p. 125-6) “Possuir e ter estão relacionados ao caráter tátil e se opõem em certa medida à percepção visual. Colecionadores são pessoas com instinto tátil. (...) Flâneur óptico, colecionador tátil. [H 2, 5]” (2007, p. 241) “Conta-se que um dia, passando pelo Stachus, ele [Pachinger] se abaixou para pegar alguma coisa no chão. Era algo que estava procurando há semanas: uma passagem de bonde com erros de impressão, que circulara apenas por algumas poucas horas. [H 2a, 2]” (2007, p. 241-2) “Ora, é exatamente isso que se passa com o grande colecionador em relação às coisas. Elas vão de encontro a ele. Como ele as persegue e as encontra, e que tipo de modificação é provocada no conjunto das peças por uma nova peça que se acrescenta, tudo isto lhe mostra suas coisas em um fluxo contínuo. [H 1a, 5]” (2007, p. 240) “Rastro e aura. O rastro é a aparição de uma proximidade, por mais longínquo esteja aquilo que o deixou. A aura é a aparição de algo longínquo, por mais próximo esteja aquilo que a evoca. No rastro, apoderamo-nos da coisa; na aura, ela se apodera de nós. [M (O Flâneur) 16a, 4]” (2007, p. 490) “Para o homem privado, o espaço em que vive se opõe pela primeira vez ao local de trabalho. O primeiro constitui-se como o intérieur. O escritório é seu complemento. O homem privado, que no escritório presta contas à realidade, exige que o intérieur o sustente em suas ilusões. (...) Disso originam-se as fantasmagorias do intérieur. Este representa para o homem privado o universo. Aí ele reúne o longínquo e o passado. Seu salão é um camarote no teatro do mundo.” Exposé de 1935 (2007, p. 45)
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“O intérieur é o refúgio da arte. O colecionador é o verdadeiro habitante do intérieur. Ele se incumbe de transfigurar as coisas. Sobre ele recai a tarefa de Sísifo de despir as coisas de seu caráter de mercadoria, uma vez que as possui. No entanto, ele lhes confere apenas um valor afetivo, em vez de um valor de uso. O colecionador sonha em alcançar não apenas um mundo longínquo ou passado – porém, ao mesmo tempo melhor, no qual os homens, na verdade, estão tão pouco providos daquilo de que necessitam como no mundo cotidiano -, mas também um mundo em que as coisas estão liberadas da obrigação/servidão de serem úteis.” Exposé de 1935 (2007, p. 46) “O intérieur não apenas é o universo; mas também o invólucro do homem privado. Habitar significa deixar rastros. No intérieur esses rastros são acentuados. Inventam-se colchas e protetores, caixas e estojos em profusão, nos quais se imprimem os rastros
dos objetos de uso mais cotidiano.” Exposé de 1935 (2007, p. 46) “O colecionador – para quem as coisas se enriquecem através do conhecimento de sua gênese e sua duração na história – estabelece com elas [formas de produção] uma relação semelhante que agora parece arcaica. [H 4, 4]” (2007, p. 245) “O colecionador utiliza latentes representações arcaicas da propriedade. Estas representações poderiam de fato ter relação com o tabu. [H 3a, 6]” (2007, p. 244) “Apropriar-se de um objeto é torná-lo sagrado e temível para qualquer outra pessoa, é torná-lo <participante> de si mesmo.” H. Lefebvre, 1936 (2007, p. 244) “Talvez o motivo mais recôndito do colecionador possa ser circunscrito da seguinte forma: ele empreende a luta contra a dispersão. O grande colecionador é tocado bem na origem pela confusão, pela dispersão em que se encontram as coisas no mundo. [H 4a, 1]” (2007, p. 245) “Os estojos, as capas protetoras, as caixinhas – com os quais se recobrem os pertences domésticos burgueses do século anterior – eram outros tantos dispositivos para registrar e conservar rastros. [I (O intérieur, o rastro) 7, 6]” (2007, p. 261) “O alegorista é por assim dizer o polo oposto ao colecionador. Ele desistiu de elucidar as coisas através da pesquisa do que lhes é afim e do que lhes é próprio. Ele as desliga de seu contexto e desde o princípio confia na sua meditação para elucidar seu significado. O colecionador, ao contrário, reúne as coisas que são afins; consegue, deste modo, informar a respeito das coisas através de suas afinidades ou de sua sucessão no tempo. [H 4a, 1]” (2007, p. 245) “A uma relação com as coisas que não põe em primeiro plano o seu valor funcional, portanto sua utilidade, a sua serventia, mas que as estuda e as ama como o cenário, como o teatro de seu destino.” (2012c, p. 234) “No fundo, é um fato bastante estranho que objetos de coleção sejam fabricados como tais de maneira industrial. Desde quando? (...) a mania das xícaras (...). [H 2, 4]” (2007, p. 240) “No que se refere ao colecionador, sua coleção nunca está completa; e se lhe falta uma única peça, tudo que colecionou não passará de uma obra fragmentária. [H 4a, 1]” (2007, p. 245) “Assim, a existência do colecionador é uma tensão dialética entre os polos da ordem e da desordem.” (2012c, p. 233) “Uma espécie de desordem produtiva é o cânone da <memória involuntária> [que surge a partir da experiência!] assim como do colecionador. [H 5, 1]” (2007, p. 246) “A <memória voluntária> [ativada pela vivência!], ao contrário, é um fichário que fornece um número de ordem ao objeto, atrás do qual ele desaparece. [H 5, 1]” (2007, p. 246) “O verdadeiro método de tornar as coisas presentes é representá-las em nosso espaço (e não nos representar no espaço delas). (...) Não somos nós que nos transportamos para dentro delas, elas é que adentram a nossa vida. [H 2, 3]” (2007, p. 240)
“Animais (pássaros, formigas), crianças e velhos como colecionadores. [H 4a, 2]” (2007, p. 246)
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“(...) tudo o que se diz do ponto de vista de um colecionador autêntico é esquisito.” (2012c, p. 235)
“Há muitos tipos de colecionadores, e em cada um deles atua um feixe de impulsos.” (2012a, p. 126) “Colecionar é um fenômeno primevo do estudo: o estudante coleciona saber. [H 4, 3]” (2007, p. 245) “Os grandes colecionadores distinguem-se quase sempre pela originalidade da sua escolha dos objetos.” (2012a, p. 161) “A sua força [Eduard Fuchs] reside precisamente no olhar que lança aos objetos desprezíveis e apócrifos [caricaturas da massa e quadros de costumes urbanos]. E o caminho para lá chegar, (...) abriu-o ele por si próprio, como colecionador, com uma paixão a raiar os limites do maníaco.” (2012a, p. 164) “Só quando extinto é que o colecionador será compreendido.” (2012c, p. 241) Colecionadores na Arte, um instante Assumindo o conceito do Colecionador proposto e elogiado por Benjamin, é possível constatar sua incorporação e apropriação em vários dos fragmentos dessa tese. É possível retornar a eles e estabelecer uma relação inversa, encontrar nos fragmentos vestígios de um rastro deixado pelo conceito, por exemplo, em Eugène Atget e Charles Marville, Georges Perec, Vestígios em Baudelaire, nAs coisas de Carelman, em Persona(gens) Urbana(s), etc. etc. Além desses instantes “rastreáveis” nos vários fragmentos da tese, é possível ainda lançar um olhar, instantâneo e descompromissado, em outros recantos das especulações artísticas que “circulo” e “convivo”: alguns, dentre inúmeros, artistascolecionadores:
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• Rosângela Rennó com a obra “Bibliotheca” (1992-2002): 100 álbuns de famílias desconhecidas comprados em feiras de antiguidade, reeditados, catalogados;
• Élida Tessler com a obra “Você me dá sua palavra?” (2004-2014): 5.500 grampos de roupa com palavras escritas pelos visitantes;
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• Madelon Vriesendorp com a obra “Object Archive The City” (1976-2016): coleção de sulvenirs dos pontos turísticos e arquitetônicos das principais cidades do mundo;
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• Christian Boltanski com a obra “Boîtes à biscuits datées contenant des petits objets de la vie de Christian Boltanski” (1970), objetos dispostos em latas de metal para biscoitos como um arquivo arqueológico, geológico, mas sendo tudo, latas e objetos, novos e “não-colecionados”.
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