Verdade ou consequência

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Matheus Frizon

Verdade ou Consequência ? 1ª Edição São Paulo 2015

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Copyright © 2015 Matheus Frizon Copyright © 2015 Métrica O selo de entretenimento da Editora Tribo das Letras Revisão: Revisão: Jefferson Bastos Editora e Diagramadora : Cristiane Spezzaferro Capa Arte Capa: Marina Avila Imagens: Marina Avila

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Ficha Catalográfica feita pela Editora.) ___________________________________________________ F921 Frizon, Matheus Verdade ou Consequência? /Frizon, Matheus 1ª ed. - São Paulo: Editora Tribo das Letras, selo Métrica - 2015 343p. ISBN: 978-85-67208-35-0 1. Literatura Brasileira 2.Romance I CDD B869.3 CDU 821.134.3(81) _____________________________________________________ Índice Catálogo Sistemático 1.Romance Brasileiro B869.3 É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem permissão expressa da Editora Tribo das Letras, na pessoa de seu editor (Lei 9.610 de 19/02/1998). Todos os direitos desta edição reservados pela.

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Agradecimentos Descobri que escrever um livro não é uma coisa que se faz sozinho. No fim, você sempre precisa de alguém para ler os primeiros parágrafos, comentar; alguém para te dar uma força e nunca te deixar esmorecer. E sou muito grato, pois o VxC me proporcionou muito disso. Então, o meu OBRIGADO vai para: Natany Fernandes, por ter estado comigo desde que a Alice era só uma ideia; Carol Teles, por ter sido meu presente pós-VxC e aturar todas as minhas crises idiotas; Carol Gomes, mysweet, por simplesmente enfeitar a minha vida com as suas birras; Jessica Andrade, Caroline Yamashita, Gisa Maciel, Fernanda Moura, Fátima Nunes e Rafa Almeida, por sempre acreditarem que um dia eu chegaria lá (aqui)! Liziany Santos, por aperfeiçoar minhas sinopses e a primeira pessoa que disse que, bem, eu deveria tentar escrever. Jeferson Bastos, por ter arrumado a bagunça de todos os pontos e reticências. Stephanie São Pedro, por me fazer acreditar em um mundo melhor, pessoas como você são tipo: raras. Thay Reis, Silvia Buraen, Jessika Mariane, Acacia Morais, Thâmara Miranda, Jhones Ferreira, Isabel Pereira e toda a minha turma de faculdade: vocês são as peças que faltavam para a minha loucura. Sério, eu não poderia esquecer de vocês. Melissa Santana, Pablo Lobo, Kamylle Avaristo, Thalia Gomes, Thainá Henriqueta [...], simplesmente por existirem; Natalia Moura, Maracy Novais, Tatiane Bacelar e Carla Jaqueline: que bom que tenho de conviver com vocês todos os dias. Aos meus pais, por sempre me proporcionarem as melhores coisas do mundo; às minhas irmãs: não existe ninguém melhor do que vocês (só não sei se foi eu mesmo quem disse isso). Uffa! Se esqueci de alguém, sinta-se mencionado, pois sou grato a todos os meus amigos: do passado, do presente e, claro, do futuro. É das melhores amizades que surgem os melhores momentos, prontos para serem postos no papel... Um dia. E a você, querido leitor: um OBRIGADO por ler a história desse escritor de meia tigela. Espero que vocês amem, riem, chorem e às vezes queiram matar a Alice e companhia, pois assim acredito ter chegado ao meu objetivo. Afinal, escrever não é simplesmente encher um bloco de folhas repletas de letras bonitinhas, e sim fazer com que o leitor sinta na pele cada sentimento ali escrito. Então, verdade ou consequência?

Matheus Frizon 5



Para Natany Fernandes, por acreditar em mim mesmo quando n達o me sinto capaz.

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-Primeiro RoundNão era uma tentativa de beijo. Nada de beijos de primeiro encontro. Era o tipo de beijo que queria ir até o fim, ainda que alguém se machucasse, o tipo de beijo que dizia “quero devorar cada pedaço seu e ouvir você gritar meu nome”.

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— Richelle Mead, Filha da Tempestade.

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Capítulo Um

Atropelada pelo destino Olho-me no espelho e não gosto do que vejo. Primeiro, o meu rosto está marcado por ter dormido com a cara em cima da calça jeans de miçangas. Segundo, meu cabelo castanho-claro, liso e encaracolado nas pontas está tão bagunçado que parece que milhões de gatos brincaram com ele, como se de repente ele tivesse se transformado numa gigante bola de lã. Mordo meus lábios vermelhos e finos decidindo que, definitivamente, estou destruída por ter ido dormir tarde lendo alguma coisa sobre DNA que agora desapareceu da minha mente. Resolvo deitar na cama. Quero dormir. Mais do que isso: quero hibernar. Bem, não fecho os meus olhos e, em vez disso, varro o antro em que moro. Um pequeno recinto com pôsteres espalhados, roupas, copos, meias, livros e muitos papéis. Tudo bem, tudo bem, tudo bem. Dou um grunhido. Sou uma fracassada. A prova disso é que a minha mãe me abandonou quando eu tinha sete anos. Levou a minha casa; a minha felicidade; a minha irmã gêmea Belle. Fico imaginando se ela se parece comigo e se tem esse cabelo cor de merda que chega ao pescoço. Só tem uma coisa que gosto no meu rosto: o nariz, pequeno e com uma pontinha angulada. Meu celular toca e com o susto acabo caindo da minha pequena cama. Dou um gemido e minhas mãos varrem o chão até encontrar a foto do Derek piscando na tela do meu celular. Então o celular para de tocar e eu me rendo. Durmo. Cinco minutos depois — ou pelo menos tenho a vaga sensação de que foram cinco minutos —, Derek empurra minha cabeça no chão com a ponta do pé. Sei que é ele por que conheço aquele Converse surrado em qualquer lugar. — Ah, Alice, não acredito que você está drogada! Ele se agacha e pega uma mecha do meu cabelo rebelde e cretino. Os olhos de Derek se encolhem como se quisessem ver a minha alma ou, quem sabe, esteja à procura de um segredo. Não. Talvez seja algo que eu tenha feito de muito errado na noite passada. Mas é óbvio que eu não fiz nada, sou uma planta vegetativa (planta vegetativa é muito, muito legal mesmo!) — Drogada é a sua mãe! — Sussurro quando ele dá um muxoxo. — 11


Oquei, desculpe, não quis ofender! E, ah, eu não sou uma drogada! — Pode até não ser, mas tenho certeza que é uma aspirante à atriz fracassada! — Ele quase berra. É ai que decido levantar o meu tronco e a minha pele por cima das clavículas estão brilhando fora da camisola preta de bolinhas brancas. — Cara, definitivamente, você não se enxerga. Somos dois fracassados. — Passo a língua nos lábios. — Pelo menos não sou eu quem está apaixonado por uma garota nem aí para você. E é isso mesmo. O Derek está apaixonado por uma garota que ele conheceu no cinema. Na verdade eu não sei o que ele viu nela, tecnicamente eles não trocaram nem cem palavras naquela noite. Aliás, eles não se viram desde aquela noite. Na verdade, o único contato que eles têm é pelo Facebook, onde ele tratou de procurar no mesmo dia em que voltou do cinema. O nome dela é Lena, de cabelos com luzes e de rosto pequeno e fino. Sim, ela é uma fadinha. — Tudo bem, acho que por hoje chega de ofensas. Ele roda a chave prateada nos dedos e se levanta. É aí que me arrependo de um dia ter confiado à chave do meu moquifo ao Derek. De repente ele acha que aqui é a casa da mãe Joana e que ele pode entrar e sair sempre que desejar. Eu fui bem clara no dia em que lhe dei a chave e quase escrevi na minha testa “APENAS EMERGÊNCIAS”. A porta da geladeira é aberta e enfim me levanto. Tiro a minha calcinha daquele lugar me perguntando como ela foi parar lá dentro e rezando para que o Derek não tenha visto o meu traseiro. Não que eu me importe. Somos irmãos de almas. Conhecemo-nos desde que me entendo por gente. As pessoas da minha rua até achavam que um dia a gente se casaria, mas é óbvio que isso nunca irá acontecer (ainda existiam outros boatos). Que nojento! Quer dizer, não que ele seja feio, ele é até lindinho. Fofinho demais. Cabelo a escovinha, pele morena e olhos negros feitos breu e, ah, quando ele sorri, as covinhas nascem em seu rosto. Nunca nos separamos desde então. Não imagino a minha vida sem o Derek... É como se de repente eu não fosse eu se ele não existisse. — A Silvia me enviou o slide do nosso seminário e também pediu para que a gente estude todo o assunto, e não apenas leia a nossa parte, oquei? — Isso é uma indireta. — E nada de esquecer o jaleco, como sempre. Concordo com a cabeça e sopro o ar sentindo o gosto de cabo de guarda chuva em minha boca. Preciso escovar os dentes. Enquanto alegro a minha boca, penso que a Silvia é uma vaca! Eu estudo sempre para os seminários. A última vez foi um contratempo, quer dizer, foi uma tragédia. Li todos os slides e tirei nota baixa! Por que mesmo? Porque 12


deixei de estudar para o seminário e decidi estudar as falas de Julieta. Estava tentando o papel numa peça ridícula, mas que alavancaria a minha carreira. Não que eu já tenha uma carreira. Sou uma fracassada. Bem, atualmente estou estudando Biomedicina. De início, foi só uma tentativa, uma maneira de não abandonar o Derek. Gosto dele de verdade! Ah, estou gostando muito do curso, mas nunca abandonarei a minha carreira de atriz - que ainda não começou. Até já sei o meu futuro: primeiro, uma peça vagabunda. Depois, a Globo e, enfim, Hollywood. Pode apostar! Enxáguo a boca. — Alice, sua meretriz! Essa geladeira está tão vazia! Que diabos! Você anda passando fome? É isso?! — É claro que não, seu idiota! Só não tive tempo de fazer compras. Estive ocupada, ensaiando as falas do meu novo teste. Dessa vez é serio. Pegarei esse papel! — E eu estarei lá na primeira fileira com um buquê de rosas e, depois que acabar a peça, vamos ao pub e beber muito para comemorar. Depois vamos ter uma noite louca de sexo. Não. Uma orgia louca até o amanhecer! — Derek, você é totalmente nojento! Sinto meu hálito de pasta de dente fluir. Pego uma maçã e me sento de frente ao Derek, colocando meu pé branquelo e pequeno em seu colo. Ele me faz massagens enquanto dou guinchos porque não tem nada melhor do que uma massagem. Deve até ser melhor do que sexo, fala sério! — Derek? — Ele olha pra mim e, sim, estou com aquele olhar de cachorro molhado. — Se daqui a três anos eu não me casar, você se casa comigo? Ele sabe que eu estou falando sério por que tenho passado os dias amargurada, sonhando com um príncipe encantado... Mas não existe um príncipe encantado de verdade, nem mesmo um Shrek! — Acho que sim... Se daqui pra lá você não estiver famosa e mais gostosa e... — Eu não sou gostosa?! — Eu abro a boca num escandaloso “O”. É tudo encenação. Estou apenas testando um novo drama. — Ah, isso só prova que você é, de fato, gay! — Faço um sinal esnobe com a mão e uma careta de patricinha mimada. Derek empurra o meu pé. Sim, ele se ofendeu. — Eu não sou gay! — protesta. — É claro que sim. — Continuo encarnando a Patrícia, minha personagem mental — Você não tem uma namorada, se veste bem, não gosta de beber, ama filmes e diz que eu não sou gostosa. Fala sério! Sem 13


falar... — Oquei, meretriz, pode sair do seu mundinho. Você não é a Angelina Jolie e eu não sou gay. Você que não quis provar da fruta aqui. — Nem faço questão... — Isso, continue BV e torça muito para que consiga esse papel, assim você vai fazer uma encenação romântica e beijar um estranho. Desejo-lhe sorte, querida. Não digo nada. A ideia me estremece. Sim, sinto vontade de beijar outro cara, mas a ideia é devastadora e começo a imaginar coisas como, por exemplo, que o meu beijo é ruim e, bem, como vou saber qual à hora de colocar a minha língua na boca de outro cara? A gente se beija e lentamente empurro a minha língua... Ou enfio a língua assim que os lábios dele toquem os meus? Sim, devo parar de pensar essas coisas porque está ficando muito nojento. — Onde está o meu vestido? Pergunto enquanto jogo o miolo da maçã no lixo. Quanto ao vestido, é o da Alice do País das Maravilhas que pedi ao Derek para ir buscar na loja. Achei que seria perfeito se eu encarnasse a personagem por completo no meu teste hoje! Oh, meu Deus! Mal dá para acreditar! Desta vez estou tão confiante de que o papel será meu! Interpretarei uma Alice do século 21, com gírias e tudo mais. Sem falar que eu já sou uma Alice, tirando as gírias! — Está perdurada atrás da porta! — Ele me olha com aqueles olhos reprovativos. — Ainda não sei porque diabos você tem de ir fantasiada. As pessoas vão falar! Ninguém faz um teste vestindo fantasias! — Cala a boca, Derek! Já conversamos sobre isso. Sem falar que eu não sei qual é a graça de querer sabotar todos os meus testes! Sinto-me bem, fantasiada... Sinto-me livre, entende? É como se existisse apenas a cena e eu! Derek concorda com a cabeça e eu me levanto dando pulinhos. Vou até a porta, pego o vestido azul e penso que, dessa vez, dei uma resposta merecida, mas ele começa a falar de novo. — Sim, claro! E quantas testes você fez? — Faço as contas mentalmente — Quinze, dezesseis... Ah, perdi as contas! E em quantas peças você ganhou um papel? Ah sim, lembrei-me daquela no ensino médio em que você estava vestida de árvore e no fim dizia “viva a primavera!” Oquei. Aperto o vestido em meu corpo e faço cara de dor. Não sei exatamente se estou encarnando algum personagem, mas a vontade que tenho é de acabar com a vida do Derek! Eu o odeio, hoje e sempre. Talvez porque ele sempre fala a verdade e nem sempre gosto de ouvir a verdade. 14


E mais uma vez sou uma fracassada. Sento-me no chão com as pernas abertas. — Então, é isso. Eu sou um fracasso total. — Meus olhos ardem. Deve ser por isso que a minha mãe me abandonou. A Belle sempre foi melhor do que eu... Ela conseguia tudo (não sei por que). — Alice, eu não quis dizer o que disse... — O problema é esse, Derek. Você sempre diz uma coisa e eu acabo interpretando errado ou, quer dizer, interpretando o que você realmente quis dizer, mas não diz com todas as letras. Ele caminha na minha direção, se ajoelha e me abraça. É um abraço fraternal e ele nem se importa se estou cheirando a lençóis. — Você não é uma fracassada, tá legal? Eu nem sei por que digo essas coisas. A verdade é que eu tenho medo dessas suas fantasias; tenho medo de que um dia quebre a cara. Então... É isso. Também estou confiante. Algo me diz que hoje a sua vida vai mudar para sempre. — Controverso, penso. Sorrio desanimada e lembro-me da aula de Anatomia, do meu músculo risonho se esticando por baixo da pele. — Derek? — chamo. Não quero parar de ouvir o som do seu coração batendo ritmado. Tum. Tum. Tum. — Hum? — Você vai comigo hoje? Isso me dá uma força, sabe? — Não dá. Preciso ir ao laboratório e, bem, eu já deveria estar a caminho. — E eu quero desaparecer. Ele nunca vai comigo aos testes, a não ser para aquele das Chiquititas. Isso porque eu prometi beijá-lo e eu o beijei, quer dizer, dei um selinho. Não podemos esquecer que não sei quando usar a língua. — Muito bem, eu sou sozinha mesmo neste mundo e só me resta ir sozinha, como sempre. Mas eu te prometo que darei o melhor de mim. — E eu dou um riso nervoso. — Sabe, seu desgraçado arrogante, espero sinceramente que você nunca consiga beijar a Lena. Ele apenas ri, pois até eu sei que estou falando disso da boca para fora. Espero realmente que ele consiga tudo com a Lena, porque não conheço nenhum outro cara melhor do que o Derek. Ele sim sabe como tratar uma mulher, embora algumas idiotas não percebam isso. Se bem que o Derek não é muito de se mostrar, sentimentalmente falando — pelo menos por enquanto. — Eu te amo, Alice. No silêncio do meu antro, eu sorrio imaginando que eu poderia me casar com o Derek, com exceção dessa coisa de sexo e blá, blá, blá. 15


— Eu também te amo, você sabe disso. Então eu dou um selinho nele e sorrimos. Sempre trocamos selinhos, eu mesma quem teve essa ideia. Foi logo depois que a minha mãe foi embora e eu passei uma temporada na casa dele e, sim, sei que um dia isso vai terminar. Cedo ou tarde ele vai arranjar uma namorada e me abandonar. — Agora vá, seu calhota, e me deixe sozinha. Preciso de um tempo sozinha. — Quem sabe eu não apareça por lá quando terminar tudo no laboratório? Prometo que vou fazer o máximo para estar lá. — Ele se levanta e parece que se esqueceu de algo. Olha pra mim. — Vá lá e mostre para todos quem é que manda, minha adorável meretriz! Quebre a perna! Sim. Sinto-me poderosa! Vesti o meu vestido da sorte, um de marca que comprei numa liquidação, mas não deixa de ser caro e nem todo mundo precisa saber que eu comprei pela metade do preço. Enfim, estou com os monólogos na ponta da língua e com o pressentimento de que, se eu e a Anne Hathaway disputarmos esse papel, eu, literalmente, ganharei de lavada! Apanho a minha bolsa e o vestido azul e branco. Suspiro. Pego a minha pasta com os scripts (a gente nunca sabe quando será preciso revisar as falas). Suspiro de novo porque agora estou com medo. Prometi a mim mesma que, se eu não passar no teste, abandonarei tudo e, bom, se eu passar — E SEI QUE IREI PASSAR -, nunca mais colocarei um só grama de chocolate na boca! Fecho porta do meu cubículo, antro ou sei lá o quê, e saio. O meu sapato alto desliza um pouco, mas nada que eu não possa resolver. Meu cabelo castanho cor de merda voa contra o vento. Eu queria tê-lo pintado de loiro, mas sei que irei me arrepender, não quero parecer uma vadia — não que as loiras sejam uma vadia, eu é que iria parecer uma vadia. Aí o Derek teria um bom argumento para me chamar de meretriz. Falando em meretriz, vou explicar bem rápido de onde saiu esse apelido. Foi numa festa a fantasia do ensino médio em que eu insisti ir de dançarina de cabaré comportada. A questão é que eu não fiquei muito comportada, tão pouco uma dançarina de cabaré, e sim a cara de uma meretriz. Pensando melhor, existe mesmo uma diferença entre dançarina de cabaré e meretriz? De repente algo chama a minha atenção. Parece que tenho um vizinho de verdade! Faz algum tempo em que eu e o Derek estamos apostando que tenho um vizinho. Eu nunca o vejo, para falar a verdade. Às vezes vejo sombras quando chego tarde, refletidas na janela. Ah, nem mesmo 16


sei se é homem, mulher ou, quem sabe, uma família. Hum... Não é uma família, senão o movimento seria grande. Mas eu não vou me apegar a esses pormenores; não me importa de verdade quem mora ali. Começo a andar me perguntando quando eu tinha parado. Uma das vantagens de morar no antro/cubículo é que ele fica perto de tudo, ou seja, não preciso gastar um dinheiro que não tenho para pegar um táxi e, na pior das hipóteses, um ônibus lotado de pessoas chatas que acham que as coisas devem ser do seu jeito — não que eu esteja generalizando mas, às vezes, é bom encontrar alguém no ônibus para bater um papo. E, ainda voltando ao antro/cubículo, vamos chamar só de antro, porque combina mais comigo. Ando devagar por que tenho medo de borrar a minha maquiagem. Não sou nem um pouco fútil, mas é preciso ter uma boa aparecia quando o lance é ser atriz. Estou muito feliz porque até o meu cabelo resolveu cooperar e, das duas, uma: ou eu estou começando a achá-lo lindo, ou acho que merda tem uma cor linda. Oquei, essa é a última vez em que faço essa analogia. É só nesse instante, quando finalmente acho que tudo está lindo, que sinto o baque. O pneu da bicicleta empurra as minhas pernas, algo atinge a minha cintura e o meu vestido escapa das minhas mãos. Apoio o meu braço com força no chão e a dor toma conta do meu corpo. Logo eu percebo que estou caída no asfalto negro com milhões de pessoas me observando. Estou totalmente à deriva. Não gosto que sintam pena de mim! E, por favor, eu acabei de ser atropelada por uma bicicleta, é isso?! — Deus! Desculpe, eu realmente não vi você! Eu devo ter batido a cabeça com muita força — não me lembro de ter batido a cabeça -, porque estou vendo o rosto do Ashton Kutcher preso no corpo do Chris Evans. Quero gritar! O cara se agacha e olha pra mim, as sobrancelhas formando um arco. Ele ergue a mão e o sangue escorre do meu braço direito latejando de dor, manchando o meu vestido da sorte. Arruinando a minha vida. Não sei quando, mas tenho a impressão que quebrei muitos espelhos quando criança. — Você está bem? — ele pergunta. Não. É óbvio que não estou bem. Estou derrotada no chão, fui atropelada, meu corpo está urrando de dor e ele ainda pergunta se estou bem? Fala sério! E me esqueço totalmente da sua beleza... — É claro que não estou bem. — Tiro o cabelo da boca. — Você não olha por onde anda?! — Grito, histérica. 17


— Ei, foi você quem atravessou a rua e, além do mais, isso é uma via para ciclistas, e não para pedestres — ele faz um muxoxo. — Não importa, você me atropelou! — Eu não fiz isso! — É claro que fez, seu babaca! Ele encolhe os olhos em tom escuro e seu cabelo está totalmente desgrenhado. Tenho a impressão que ele vai me bater. Sorri e diz: — Tecnicamente, eu fiz isso. Eu parei pra ver se você estava precisando de ajuda - ele se levanta -, mas parece que está muito bem. E ele se vira, me deixando no chão. Eu quero gritar. Preciso muito gritar. E é isso que faço, não por que eu quero, mas por que sinto dores horríveis em meu braço, como se milhares de espinhos estejam me espetando. O cara se vira pra mim. — Tudo bem, vai. — Ele estende a mão, mas sou ordinária demais para me levantar sozinha. Olho para o meu vestido de Alice no chão, vou até ele e, quando levanto o tecido, não sei se choro, se rio ou se faço os dois, por que o meu lindo vestido está sujo de cocô de cachorro! — Não! — Sim! — Não! — Sim! — Claro que não! — grito. Sim, ele está com um sorrisinho nos lábios e se diverte com a minha desgraça. Se pelo menos ele soubesse como isso é, era, importante pra mim, com certeza não estaria sorrindo. O sangue pinga do meu braço. — Tudo bem, parece que foi sério. Acho que vou te levar para dá uma olhada nisso. É a única coisa que posso fazer para me redimir. Tem um postinho de saúde aqui perto. Eu sei que tem um posto de saúde perto, mas isso não importa. A minha vida acabou para sempre. Estou morta, podem me enterrar viva! Adeus ao meu papel de Alice do século 21. — Você não tem ideia do quanto arruinou a minha vida! E começo a chorar porque é só isso que consigo fazer enquanto o homem me olha, as mãos na cintura e os olhos cerrados por conta do Sol. O suor escorre do seu rosto, molha a camisa colada no corpo e, quando me pego observando aquele corpo, digo a mim mesma que “ele não”. Desse eu só quero uma coisa: a sua morte. Imagino-me correndo atrás dele com uma peixeira e enfiando-a no seu 18


coração enquanto dou macabros sorrisos e espero que ele morra. Mas não faço nada disso. — Ei, eu realmente sinto muito... Posso te pagar um novo? Ou quem sabe levar para a lavandeira, mesmo que eu não seja o culpado, enfim. — Acho que ele tem um sotaque meio estranho. Limpo a garganta. Mas as mãos dele tocam o meu braço ferido. Mãos quentes que provocam uma explosão em meu corpo. Lambo meus lábios e paro de chorar e tenho a impressão que quero me perder naquele galã de tevê... — Acho que não foi fundo; você deve ter se arranhado no asfalto. Mesmo assim é melhor irmos ao postinho e depois resolvemos a nossa pendenga, combinado? Não concordo, mas, mesmo assim me deixo levar. O que está feito, está feito. Estamos esperando a enfermeira me dar alta. Estou sentada em um banco ao lado dele, lado a lado, olhando para algum ponto qualquer, pois ele está com vergonha de olhar para mim depois de tudo que eu disse. Eu estou com muita raiva para olhá-lo porque sou capaz de começar outra briga e, Jesus! Perdi as contas de quantas vezes eu o chamei de idiota! Oquei. Não me pergunte por que ele aturou tudo calado e também nem sei por que ele não foi embora, mas estranhamente ele está aqui, me aturando e, bom, talvez seja a culpa. A culpa deixa as pessoas solidárias, mas pessoas solidárias com culpa geralmente olham para o relógio e dá muxoxos a cada segundo e ele não fez nada disso a não ser cruzar os braços e me ouvir porque, de repente, parece que engoli dez mil pílulas falantes. Mas agora estou calma e conformada que a minha carreira de atriz foi para o beleléu e tenho que aceitar o destino cretino. Por sorte ainda posso ser uma Biomédica renomeada, não posso, Deus?! — Então, vamos ficar nesse silêncio? — Não ouse falar comigo, seu idiota. Sei que a idiota nessa história sou eu, mas gosto muito de chamá-lo de idiota, por que ele realmente se comporta como um e não revida. Irritame. Cinco minutos depois fico curiosa sobre o que ele vai falar. — Qual o seu nome, hein? — ele pergunta como se estivesse ouvindo os meus pensamentos e, de súbito, olho para ele e deixo meu hálito quente escapar. Olho-o porquê ele olha para mim. Respondo ou não respondo? Decido responder, já que não tenho muito a perder. Eu também quero saber o seu nome ao invés de ficar me referindo a ele de “ele” a toda hora. 19


— Alice. — Digo e lembro-me da minha Alice do século 21. — Hum. Isso é sério ou você está curtindo com a minha cara? Vi a fantasia, é óbvio que você está brincando. Faço cara de entediada e ao mesmo tempo a careta do Dexter, o assassino em série, aquele mesmo que o Derek ama. — Tudo bem, já entendi Alice. — Ele passa as mãos pelo cabelo desgrenhando e eu engulo seco. Me pergunto se ele sabe o quanto aquilo é sexy. — Me chamo Alec, a propósito. Repito o nome milhares de vezes em minha mente. Com certeza esse é o nome em que jamais me esquecerei, em hipótese alguma. Não me esquecerei de registrá-lo na minha lista negra. Esse realmente merece morrer. Mesmo. — Gosto do seu nome. Alice. Ele me lembra ingenuidade. Aham. Reviro os olhos e faço tudo o que posso para não me perder no sorriso dele. Não me perderei. Nunca. Ele é um cretino filho da mãe! — E eu gosto do seu nome... Não me lembra a nada. — Já tive essa impressão também. Mas tudo bem, não me importo se quer saber. Na verdade, se quiser me chamar de “nada”, não tem problema, por que você... Meu celular toca. Alarme. Droga! — O que você ia dizer mesmo? — pergunto curiosa. — Nada. — Ele limpa a garganta e só Deus sabe o quanto as minhas células correm desesperadas em meu corpo. — Acha que um dia vai me perdoar? — Sério mesmo? — Alec concorda com a cabeça. — Eu nunca vou te perdoar. E me prometa uma coisa? — O que você quiser. — Ótimo. Prometa-me que depois que sairmos desse lugar nunca mais, nunca mais mesmo vamos nos encontrar? Digo isso, quando na verdade quero pedi seu número de telefone. Estou meio a meio. Dividida entre a raiva e o sorriso dele, o Alec. — Se é assim que você quer, tudo bem, Alice. — Mas ele faz cara de quem está pensando. Olha para o teto e depois para mim. — E se nos encontrarmos por acaso, o que vamos fazer? Sério, não dá para lutar contra o destino. Engraçadinho. — Nesse caso você vai embora, muda de calçada ou, quem sabe, até melhor: desaparece. — Faço a minha cara de psicopata, mas Alec não se intimida. — Ou você pode mudar de calçada. Sabe como é. “Os incomodados 20


que se mudem”, não é isso, Alice? — Tá certo, tem toda a razão. Vou preferir acreditar que nunca mais iremos nos ver como até horas atrás. — Sei não, mas tenho a impressão de que isso não vai dar muito certo, Alice. Fuzilo-o com os meus olhos por que o Alec está, de fato, querendo me irritar. Ora, onde já se viu? Como pode alguém ser tão lindo e tão antipático? — Vai à merda, cara! — Murmuro afetadamente. — E, por favor, será que poderia parar de dizer o meu nome a cada frase que você diz? — Como quiser, Alice. E o desgraçado sorri para mim. Eu me contenho a não sorrir para ele. E, nossa, agradeço pelos anos em que passei controlando a vontade de ri porque eu tenho medo de ri em uma cena que é engraçada, mas eu não posso ri. Me entende? Acho que não... E não mais, gosto quando ele pronúncia o meu nome, sabe Deus por quê! Há uma enfermeira jovem — não aquela que me atendeu -, parada na minha frente com uma prancheta nas mãos, mas ela não olha pra mim. Ela olha para o Alec e ele olha para ela trocando olhares ora amedrontado, da parte dela, ora sarcástico da parte dele. Argh! Simplesmente eu o odeio! — Oi? — chamo a mulher e agora quero matá-la também. — Ah sim. Você é a Alice, não é? É claro que sim. Então ela me conduz até uma mesa onde eu assino papéis e depois desapareço pela saída. Estou bastante indignada porque o Alec está atrás de mim, caminhando silenciosamente e sei que posso sentir os olhos dele mirando a minha bunda! Paro abruptamente. — Dá pra você parar? Que diabos! Alec faz cara de quem não tem culpa alguma e a louca sou eu. Então trocamos olhares e os anos parecem passar depressa porque estou perdida naqueles olhos! Definitivamente ele é o filho da mãe mais lindo que já vi em toda essa minha vida medíocre. Mas, vamos, a companhia dele não é uma das melhores. São nos melhores frascos que estão os piores perfumes, já dizia alguém que não me lembro. Ele me entrega o vestido sujo de cocô de cachorro e tenho vontade de atirar essa porcaria no lixo! — Então, Alice, tem certeza que você está bem? Posso te acompanhar até em casa, pedir um táxi, sei lá. Já estamos fora do posto de saúde e ele pega a sua bicicleta. Encolho os olhos por conta do Sol e o meu cabelo voa interrompendo a minha visão 21


por um tempo. Não quero pedir um táxi, moro bem perto daqui... — Não preciso mais da sua ajuda. Agora você pode ir e não vale esquecer a promessa que me fez, tá legal? Mas o Alec está na minha frente com a sua bicicleta, seu rosto próximo do meu e, pela primeira vez, ele não está com aquele sorriso de deboche. Eu acho que ele vai me beijar. Quer dizer, se isso fosse uma cena de filme, com certeza ele me beijaria. É o que todo mundo certamente esperaria. É o que eu esperaria. Mas a ideia me deixa completamente amedrontada porque olhar esse rosto tão de perto me dá náuseas, sei lá. Afasto-me. Nunca que eu beijaria um desconhecido que arruinou a minha vida para todo o sempre. — O que você pensa que está fazendo? — as palavras fogem da minha boca. — Eu, nada. — E o meu cabelo rebelde voa e os dedos de Alec se aproximam tão rápido que todo o meu corpo treme como se mil navalhas estivessem prontas para perfurar o meu pobre corpo. — Bem, acho que ela gostou de você. Oquei. Suspiro quando vejo uma folha seca em sua mão. Não sei se estou triste ou feliz por que ele não me beijou, como esperei. — Já que não quer minha ajuda, vou indo, hein? Aquele “hein” no final da frase é uma tentativa frustrante de me fazer voltar atrás. Não sei por que, mas acho que ele acha que eu acho que preciso dele e não é verdade. Virei-me todos esses anos sozinha, não será agora que vai ser diferente. Não é por que estou com um pequeno curativo no braço que me tornei uma inválida. — Neste caso, tchau e muito, muito obrigada por ter arruinado a minha carreira. Nunca mais esquecerei desse dia. — Pode apostar que sim. E eu o assisto ir, lentamente. Tento imaginar os músculos se contraído por baixo daquela pele. Cristo, eu adoraria me afogar nesse corpo! — Alec? — chamo-o. Por um tempo não sei por que fiz isso, mas parte de mim diz que não fui uma boa garota e ele não teve mesmo culpa do que aconteceu, quer dizer, ele teve sim, cinquenta por cento. A culpa é dele e minha. Pronto, está decidido. — Obrigada. Ele fica parado por um tempo, talvez esperando que eu diga mais alguma coisa, mas não falo nada. Alec bate continência como se eu fosse um sargento carrasco e depois ele sorri, monta na sua bicicleta e curva na mesma esquina em que irei curvar. Talvez a gente pudesse caminhar 22


juntos até lá, se eu não tivesse sido tão insolente. Agora é tarde. Começo a caminhar sentindo meu corpo todo moído. Suspiro. A minha vida voltará à rotina normal. Nunca mais em minha vida verei o Alec de novo. Nunca mais.

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Capítulo Dois Perseguida Quando aquele dia que você julga ser o dia que vai mudar a sua vida para sempre é ironicamente sabotado por um malfeitor com rosto de galã, qual a probabilidade do resto do seu dia descer para a fossa de vez? Não. Realmente, não sei. Resolvo que não vou mais me apegar à manhã fatídica porque acabei de desligar o celular com uma ótima noticia: fui lembrada da festa hoje à noite. Quer dizer, é uma fogueira fora de época na casa do Adrick onde irá rolar de tudo como, por exemplo, cerveja, vinho e vodca, ou seja, muita cachaça. Não, não me entenda mal. Nem gosto de beber. Porém, gosto de assistir os bebuns se afogarem no concreto e, bem, não sou uma pessoa tão ruim assim. Mas a noite cai e eu ainda não sei o que vestir. Talvez eu deva ir de calcinha e sutiã. Talvez assim todos os holofotes que perdi essa manhã estarão voltados em minha direção. E, qual é? Quem nunca se imaginou sendo o centro das atenções ao menos uma vez? Se bem que em minhas imaginações sempre tem um fundo musical bem, bem... Deixa pra lá. Essas coisas me lembram a minha carreira de atriz e a minha carreira de atriz me deixa depressiva por mais que eu diga, implore a mim mesma que não ficarei deprimida. Apanho meu vestido azul com uma machinha preta, jogo na pequena banheira, depois jogo na água de tintol azul em que eu havia preparado. Logo, logo meu vestido lindo estará são e salvo e ninguém vai perceber que eu o pintei de corante! Vou até a despensa e apanho o frasco de Aspirina e digo mentalmente me leve para longe desse mundo enquanto engulo dois comprimidos e, de repente, passo minha mão pelo meu cabelo que faz com que o meu brinco de ouro — que ganhei da minha mãe — caia no ralo da pia! Oh, não. Oh, não. Oh, não! Deixo o pote de Aspirina cair das minhas mãos e cápsulas brancas pulam no banheiro. Abaixo-me nervosa e olho para debaixo da pia, para os canos e, sem nem ao menos perceber, faço cara de nojo! Levo minhas mãos até o cano e começo a desatarraxar aquela joça. Uma água suja

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escorre lá de dentro, molha o chão, as minhas meias e o meu joelho. Quero vomitar! Quero muito vomitar! Sei que a minha mãe não merece o meu sacrifício de procurar o brinco nos canos onde a água suja da pia escorre, mas não consigo conter essa minha parte boa de preservar a memória dessa mulher que me abandonou! Mesmo assim varro com meus olhos a água enegrecida e não encontro o maldito brinco. Que diabos! Com certeza ele deve ter ficado preso no cano. Dou dois tapas naquela coisa que deixa meus dedos sujos de poeira e nada cai. Agacho-me mais um pouco a modo de olhar dentro do cano. Está escuro demais para enxergar alguma coisa lá dentro. Afasto meu rosto e acabo sentando-me no chão, na água suja e, oquei, o brinco é mais importante para mim. Dou mais dois tabefes no cano e, do nada, mais água suja, bolo de cabelo e, ah, o brinco cai diretamente no meu rosto! Dou um grunhido porque a água fria e nojenta escorre por todo o meu corpo. Sinto o vômito preso em minha garganta. Tudo morrinha! Pego o brinco e me levanto o mais depressa possível. Porém, a minha cabeça bate com força na pia e eu grito, cambaleando e cambaleando para trás até que... Caio dentro da banheira com água azul. Por sorte estou com o braço estirado segurando o brinco impossibilitando-o de cair dentro da banheira. O melhor: faço o máximo para que o meu curativo não molhe! Bem, agora estou dentro da banheira com água limpa e quente, e o Derek está de joelhos com uma bucha esfregando as minhas costas, pois milhões de patacas azuis mancharam a minha pele pálida. — Não acredito que tudo isso aconteceu em apenas um dia! — Ele ri, zombando da minha desgraça. Tudo bem, talvez tenha sido castigo de Deus por eu ter desejado rir das desgraças alheias que nem ao menos aconteceram ainda. — Ah, Alice, você com certeza nasceu para ser estabanada! — Eu não tenho culpa se o cara me atropelou! Não pedi para ser atropelada! — Mas pediu para cair na banheira e se transformar num Avatar — mais zombaria. — Onde já se viu olhar para dentro do cano da pia? É como pedir para beber água suja! — Tá legal. Chamei você aqui para me ajudar com essa coisa na minha pele e não para zombar de mim. Continue esfregando e de boca piu. E é isso que ele faz. Esfrega as minhas costas com tanta força que chego a achar que ela pode está em carne viva. Como pode uma tragédia acontecer comigo assim? O pior: duas vezes no mesmo dia. E olha que 26


eu nem beijei ninguém para roubarem a minha sorte como naquele filme Sorte no Amor. Não beijei, mas trombei! Oh, se eu encontrar esse Alec de novo, eu juro por Deus que arrancarei todos os seus bofes e deixarei o rosto dele tão marcado quanto essas manchas azuis em minha pele. Mudo de assunto. — Então, convidou a Lena? — Sim — ele responde sem está mais rindo. — Ela vai então? — Vai, como nos outros trezentos e vinte convites que já fiz. Sério, estou começando a querer abrir mão dela. Nós nos vimos apenas uma vez. Não é possível que eu esteja tão assim louco por ela. — Você ao menos ligou para ela, Derek? — Não, deixei recado no Facebook. Mandei dois recados: um na semana passada e um ontem, lembrando-a da festa. Ela disse que iria. Ela sempre diz que vai e nunca vai. Concordo com a cabeça, afinal não sou uma profissional em matéria de relacionamento, mas acho que o Derek está fazendo tudo errado. Ele devia ligar para a Lena, ainda mais por que ela faz a linha romântica. Ele precisava ligar... — Você precisa ligar para ela, e não ficar mandando recados em redes sociais. — Eu sei, mas a questão é que eu nunca estou sozinho e não quero ligar para ela enquanto as pessoas ficam ouvindo a minha conversa e a única hora que eu tenho é lá pela madrugada e, é óbvio, ela já deve estar dormindo nessas horas. Faço uma careta. — Literalmente, você é muito gay. — Eu sei. Eu é que sei que a coisa tá seria. Geralmente, quando eu o insulto e ele concorda comigo, é porque ele está bastante chateado. Então é a hora em que tenho de bancar a profissional. — Hum, talvez você deva esquecer essa idiota. Ela não te merece, Derek. Você está tentando oferecer uma coisa em que 90% das mulheres se matam para conseguir: amor. Amor de verdade. A Lena literalmente não te merece. — Ou eu não a mereça. Confesse, ela é muito linda para mim, não é verdade? Pensando bem... não. A Lena não é tããão linda assim. Tem a sua beleza, parece uma fadinha — como eu disse -, mas não acho que seja digna de ficar escolhendo muito porque, no fim, quando aquela beleza exterior 27


não existir mais, o que vale é a beleza interior, o amor e, se não existe beleza interior, então não existe nada, não é verdade? — Não é verdade. Você é lindo, por dentro e por fora, e não é a sua melhor amiga quem diz isso, é uma mulher que, na prática, não entende muito dessas coisas mas, na teoria, compensa. Você é tão lindo que às vezes penso que, de verdade, nenhuma garota merece todo esse amor que você está disposto a oferecer. Ele para de esfregar as minhas costas e senta-se no chão em minha direção. Não me importo se estou nua dentro de uma banheira a mercê dos olhos dele, se bem que tem espuma suficiente para tampar as minhas partes que não devem ser mostradas assim. — Está falando isso só para aumentar a minha autoestima. Não tem problema, vamos esquecer a Lena. — Isso, vamos esquecer a Lena. Temos uma festa maravilhosa para ir e estou sentindo que você vai encontrar uma garota bem legal. Você precisa sair mais, Derek. Ficar enfurnado dentro de casa esperando essa garota acessar a internet para vocês conversarem — isso quando ela quer conversar com ele — não vai adiantar nada. Ele sorri para mim e eu franzo a testa porque a Lena é uma idiota e a coisa funciona exatamente assim: quando ele some da internet, ela diz que está com saudades e, quando ele está ativo nas redes sociais e manda recados para ela, ela dificilmente responde. Das duas, uma: ou a Lena está querendo curtir com a cara dele, ou ela não sabe o que quer da vida! — Acho melhor passar álcool no seu rosto. Se a gente continuar esfregando é capaz da sua pele começar a sair na bucha. E ele tem razão. Quer dizer, o Derek tem quase sempre razão porque, quando passei álcool em minha pele, esta ardeu tanto que não parei de gritar e pular. Mas, o que uma garota não faz para ficar totalmente glamorosa? Ou, no meu caso, pelo menos apresentável? Depois de ter a minha pele pinicada e limpa — pelo menos eu acho que estou limpa, livre das manchas azuis -, visto o meu vestido curto prateado de alça, frio ao toque, e calço um salto alto preto. Meu cabelo cor de merda (sei que prometi não chamá-lo mais assim, mas algumas promessas são destinadas a serem quebradas) está lindo e seco pendurado na minha cabeça em contrastes com meu rosto fino e angelical. — A gente vai a uma festa normal, e não a uma danceteria! — O que não deixa de ser uma festa privada. Você não entende as mulheres. Aposto que estão todas mais elegantes do que eu — dou um sorriso. - Pelo menos até ficarem chapadas, não é? O som da festa está alto e as pessoas que estão aqui parecem ter regredido 28


aos 15 anos. Tem uma fogueira acesa e um lago como plano de fundo. Não entrei na casa, mas de certo modo me parece exuberante ser tudo no quintal dela e, antes que me perguntem, também não sei quem é o dono da festa. Só sei que fui convidada. Aliás, todos foram convidados pelo Adrick, então de suma esta deve ser a casa dele. Tanto faz. Avisto Melanie atracada com um cara que nunca vi na vida e também vejo o João tentando flertar com a Babi, que nem está dando tanta importância a ele, e isso me faz ri. Ela sempre me pareceu muito seletiva. Caminho ao lado do Derek e exibo o meu sorriso de atriz porque tudo o que quero é chorar por causa da minha pele que não para de arder. Tem um grupo de amigos bebendo cerveja ali perto e logo todos aqueles pares de olhos masculinos migram para mim fazendo-me me a maior gostosa de todos os tempos. Também me sinto exposta, pois uma coisa é olhar para admirar e outra, completamente diferente, é olharem para mim como se eu fosse um bife sendo vendido pelo açougueiro careiro. Seguro as mãos do Derek para os idiotas pensarem quem ele é o meu namorado, o que, na maioria das vezes, funciona e, na outra grande maioria, não. Afinal, a gente nunca se beija e que tipo de casal nunca se beija em público? Enfim avisto uma multidão de garotas bem vestidas como supus e agora exponho meu sorriso de miss porque é assim que me sinto quando visto este vestido. A esta altura eu já esqueci os garotos. Adrick vem em nossa direção com uma bandeja de cerveja e refrigerante. — Que bom que vocês vieram — ele sorri para a gente -, a casa está liberada, só não usem o quarto dos meus pais, por favor. — Adrick diz com a sua voz de troça que oscila com a voz de um cafajeste-gigolô. Sorrio e sorrio. Nossa, tem muita gente aqui, pessoas que eu também nunca vi na vida e nem na faculdade. O som não para de retumbar alto demais e a festa não me parece que tem hora para acabar, pelo menos não até que dê o horário e os vizinhos loucos comecem a surtar e a ameaçar chamar a polícia. Apanho um copo com refrigerante, e Derek um copo de cerveja. Nós dois sorrimos como forma de agradecimento. — A festa está ótima! — Grito investindo contra a música. Isso é uma meia verdade porque acabei de chegar e não tenho uma opinião verdadeiramente formada sobre o que acabei de dizer. — Pois é, está mesmo ótima. As meninas estão por ai e, se precisar que eu apresente alguém para você, é só falar comigo, beleza? E ele dá de ombros com a bandeja enquanto mais pessoas chegam para a festa. A fogueira crepita e eu bebo todo o refrigerante. Derek procura 29


pela Lena, eu sei, assim como sei que ela não veio. Olho mais uma vez ao meu redor e encontro o Diogo, um cara legal em que as meninas insistem dizer que ele está afim de mim, apesar de eu discordar. Não quero alimentar falsas esperanças. Às vezes, a gente está sendo legal com uma pessoa e ela já pensa outra coisa. Bem, talvez esse seja o problema do Derek — é óbvio que não revelo meus pensamentos. Finjo não ver o Diogo e resolvo procurar pela Laura e Ana. Elas moram juntas desde que começou o semestre e, se não são as minhas melhores amigas, então eu prefiro fingir, me enganar... Não que eu me sinta enganada. Encontro-as afastadas da fogueira conversando com dois rapazes lindos e vou em suas direções, ainda acompanhada pelo Derek. Somos apresentados aos rapazes Marcelo - o de cabelo cacheado e baixo - e Duan — o loiro e alto — que me fez suspirar rapidamente. Então Ana me puxa e assim deixo Derek com seus novos amigos. Bem, ele é ótimo para fazer novas amizades e eu não deveria me preocupar. — O que achou deles? — Laura vem logo atrás. Dou uma nova olhada para trás. Eles são lindos, óbvio. O que ela queria saber? — Legais. — Só? — Ela me faz olhar ao redor com seus longos dedos preso ao meu queixo. — Tá vendo só isso? Todas essas garotas estão loucas para ficarem com eles e você pode ficar com qualquer um deles. É só escolher! Trouxe-os especialmente para você. Não pode me fazer uma desfeita. E Laura ri, pois é isso que ela faz na maioria das vezes quando me sinto totalmente assustada e exposta. Marcelo olha para mim e sorri ao mesmo tempo em que Duan levanta o copo de refrigerante na minha direção — uma forma de cumprimento — e enfim olho para Derek que revira os olhos, sacando tudo. — Não acho isso uma boa ideia. Você deveria ter trazido apenas um! Mentira, estou bastante grata por ela ter trazido dois. Assim tenho uma desculpa razoável porque a ideia de beijá-los ainda me deixa sem saber o que fazer —não que eu não queira beijá-los... Preciso experimentar com uma pessoa de confiança. Este sim vai me dizer se beijo mal ou ruim. — Bem, se você não quiser nenhum, ao pior deixe escolher um para mim — disse Laura com aquele riso de deboche quando fala a verdade. — Pode ficar com os dois, se quiser. — Alice, você não vai fazer isso comigo! — protesta Ana, arrasada, como se eu tivesse me recusando a ficar com ela e não com aqueles caras. — Eu já fiz! — Dou de ombros. Não quero brigar com elas por conta 30


dessa coisa fútil. Atiro meu copo de refrigerante na lixeira e migro em direção ao píer para ficar afastada delas porque odeio levar sermões, ainda mais por uma coisa que não quero fazer. Paro de braços cruzados e observo a água sem me importar com a algazarra ao meu redor. Babi chama o meu nome e eu me viro, ainda sentada na cadeira. Ela acena para mim e, se não estou enganada, pede para que eu vá até ela porque, parece, ela está bêbada. Ela não para de rir e tem em suas mãos uma garrafa de champanha. Animo-me com a ideia de ouvir suas baboseiras por conta do álcool. Respiro fundo e fecho os olhos ao mesmo tempo em que dou o primeiro passo, e quando volto a enxergar meu corpo vai de encontro a outro. Sinto o líquido gelado escorrer dos meus seios até a barriga. Reprimo o grito. Olho para a mancha de vinho no meu vestido prateado. Desvio o olhar para o desgraçado que derramou vinho em mim e... Acho que vou surtar! — Só pode estar de brincadeira! Cristo, na outra vida, com certeza, eu ajudei chicotear o seu corpo! — Esbravejo. E Alec está com os olhos cerrados, coça a nuca e percebe que acabou de entrar numa encrenca sem tamanho. — Ih, foi mal. Sério. Ainda estou olhando-o com o meu olhar assassino quando ele deixa o copo vazio escapar de sua mão, tira sua camisa e, de repente, me perco pelas curvas de seu corpo. Ah, que corpo! E, no segundo depois, Alec aperta com delicadeza a camisa contra o meu vestido molhado, limpa o meu colo e, por fim, decido retomar o controle. — Tira essa mão de mim, seu merda! — Digo, arrependendo-me por sair alto demais. Ele lambe os lábios — nervoso? — e eu me encolho por dentro quando sinto o toque das suas mãos contra as minhas. Mãos finas quentes como se ele nunca tivesse pegado no pesado antes. Oh, Deus, se não fosse essa mania dele de querer sabotar a minha vida, com toda a certeza o Alec seria perfeito! — Qual é a sua, hein? Anda me seguindo agora? Atiro sua camisa em seu rosto e dou um passo para trás. O estrago em meu vestido é quase surreal. — Eu não sabia que você estaria aqui... Alice. Oh, meu Deus, cale a boca! Ele lembra o meu nome! Enrubesço por que ainda não me acostumei com meu nome na boca dele, na voz aveludadamáscula dele. Alec. 31


— Aham. — Reviro os olhos. — Acho que isso deveria ser um caso de policia! Talvez eu tenha que ir pedir na justiça que você não se aproxime de mim ou coisa do tipo. Todas as vezes que nos encontramos sempre acontece uma tragédia. — Todas as vezes? — Ele ri. — Só nos vimos duas vezes e, tecnicamente, não foi um encontro. Ele está me irritando, sei que sim! Odeio o sorriso sarcástico lindo dele. Odeio aquele rosto, aquele corpo, aquele nome. Tudo no Alec, agora, me é repulsivo. — Você entendeu o que eu quis dizer, seu idiota! Alec muda o peso do corpo de uma perna para outra e veste a sua camisa, agora com manchas de vinho. Ele cerra os olhos de novo e finge pensar em algo para me dizer. — Já passou pela sua cabeça de vento que talvez seja você quem está me seguindo, se jogando o tempo todo em mim? Agora ele foi longe demais. Sinto a raiva dominar o meu corpo com uma calúnia dessas. Respiro fundo... — Talvez você esteja apaixonada por mim, oras, e resolveu me seguir! — Alec sorri de novo. Ele nunca para de sorrir? — Eu nunca me apaixonaria por um ordinário e ridículo como você, Alec! Você é um idiota repulsivo e acha que o mundo gira ao seu redor! — Então estamos quites, sereia. Oquei. Chupo as minhas bochechas. Melhor: mordo a minha língua para não me rebaixar. Alec não merece nem um fio do meu cabelo. Cruzo os braços e sinto o meu corpo pegajoso. Ele aproxima a sua cabeça perto da minha. Quando a sua respiração toca o meu rosto, estremeço. Imagino que talvez ele vá me beijar. Alec se afasta e faz uma careta. Enquanto isso, Adrick se aproxima de nós carregando uma bandeja... — Por acaso você andou transando com a Mística? Tem uma mancha azul no seu rosto, bem aqui. — Ele aponta para o meu rosto. Fico possessa da vida e, aproveitando a presença de Adrick, apanho um copo de refrigerante e atiro no rosto do Alec, o qual dá um passo para trás. Exibo um sorriso convincente e ele limpa o seu rosto molhado. Do nada, ele pega um copo de refrigerante e atira em mim. Ótimo. Reprimo o grito. — Seu babaca, cretino, ordinário, vagabundo e miserável! — Disparo — Você vai me pagar por isso! Olha o que fez! Nunca vou conseguir limpar todo esse grude em meu vestido! Você estraga tudo, cara! — Berro. Ele sorri daquele jeito malicioso. 32


— É pouco pedaço de pano para tamanho escândalo. - Abro a boca e arregalo os olhos. — Mas, já que está tão preocupada com isso, por que não o lava? Franzo o cenho. Então todo o meu sistema nervoso entra em ação. Meus neurônios sensoriais, motores e de associação devem emitir desesperados impulsos nervosos quando sinto o toque dele em mim. Como um alerta, agarrome ao seu braço no mesmo instante em que perco o equilibro por causa do empurrão que o Alec me deu e, num piscar de mágica, nós dois mergulhamos na escuridão gelada. Sinto bolhas escaparem da minha boca e o meu vestido pesar assim como sinto braços se movendo ao meu redor. É tudo tão lento e frio! Fixo meu pé e consigo emergir enquanto ele já está colocando seu cabelo para trás. — Por que você fez isso? — Porque você precisava limpar a terrível mancha em seu vestido. Não era com isso que você estava tão preocupada? Pronto, limpe o grude, sua... — E então ele exibe aquele sorriso ordinário. — Aproveita e limpa essa mancha azul do seu rosto, Mística. Dou um grunhido e avanço em sua direção a fim de afogá-lo até a morte, porém ele segura os meus pulsos, me imobilizando. E o mundo para. Sinto seu hálito de vinho em meu rosto que está tão perto do meu. Os seus olhos mirando-me como quem deseja invadir descobrir todos os meus segredos. Eu quero muito me perder naquela beleza, quero muito que ele me beije. Não. Fecho os olhos e escapo de suas mãos, atirando água em seu rosto. — O que pensa que está fazendo? — Achei que você quisesse que eu te beijasse. Se isso fosse realmente acontecer, essa seria a hora, não é? Claro que sim não. — Prefiro beijar um sem teto a ter seus lábios nos meus... E eu não quero que você me beije. — Olho para o meu curativo. — Veja o que você fez! Posso pegar uma infecção ou... sei lá. — Desculpe — ele não está rindo, o que é um milagre divino. — Esqueci-me completamente disso. Você tem razão. Eu sou um idiota, Alice! Lambo meus lábios. Será que peguei pesado demais? Ele está me aparentando tão sem dono! — Ei! Está tudo bem aí, Alice? — grita uma voz e eu me viro para ver quem é. 33


Diogo. Ele tirou o sapato e está com a boca da calça jeans levantada. Volto meu olhar para Alec e ele está de novo com seu riso diabólico. — Não! — Grito. — Este idiota me jogou aqui! Que raiva! Em seguida decido me afastar do Alec. Começo a andar e o salto fica atolado na terra. Amaldiçoo a minha vida enquanto arranco meu sapato alto e enfio os pés na terra cheia de limo. Puxo o curativo e, quando me dou por mim, Alec já está na beira do rio apertando a sua calça jeans para tirar o excesso de água, além de estar sem camisas e descalço. Diogo me ajuda. — Qual foi, cara? Por que jogou ela na água? - Replica Diogo, indo na direção do Alec, o qual não move nem um músculo da face. Desgraçado! — Não se mete, cara. Esse é um problema meu e dela, não seu! — Claro que é meu! Você chega na nossa área, joga a garota na água, se acha o tal e ainda quer estar certo? Isso não vai prestar. Alec faz cara de mal e intima Diogo apenas com o olhar. Em seguida ele dá um empurrão em Diogo, o qual se encontrava na sua frente. Diogo cambaleia para trás e, após se recuperar, avança na direção do Alec, enviando-lhe um soco. Tarde demais. Diogo leva um soco no olho e logo cai no chão, sangrando. Ops! É tudo culpa minha. Agacho-me e olho para o Diogo, sem saber o que fazer. Enquanto isso a multidão vai se aglomerando para assistir o desenrolar da confusão. Diogo geme. — Você está bem? Ai, meu Deus! Está sangrando muito! Chega mais gente para socorrê-lo e, por causa disso, decido enfrentar o Alec. Levanto-me do chão e vou ao seu encontro. Dou-lhe um tapa no rosto. O estalo do tapa foi tão alto que murmúrios começaram a ecoar no ar. — Você é completamente maluco! — Grito, minha voz fina demais. Não me arrependo de ter gritado. Os músculos da face dele se enrijecem e posso sentir que Alec está com muita raiva e, se eu fosse homem, com certeza, já estaria no chão fazendo companhia ao Diogo. — Isso foi para você aprender a não ficar me chamando de idiota o tempo todo! Eu não tenho culpa em nada do que está acontecendo, tá legal? E o soco foi por ele ter se metido. Vocês, riquinhos, têm de aprender a terem modos. — Agora ele está sendo sarcástico. — Se tem carne nova no pedaço, é obrigação de vocês serem hospitaleiros, tá legal? Eu fui convidado, porra! 34


— Vai se ferrar! Estou com tanta raiva que dou socos em seu peito molhado e nu. Alec me domina mais uma vez e abre caminho na multidão. Puxa o meu braço, corre, leva-me como uma folha sendo arrastada pelo vento e, ao mesmo tempo em que isso é interessante, também é completamente abominável. Onde está o Derek quando eu mais preciso dele? Quando estamos longe das pessoas, da confusão, da água e de tudo, nós paramos. Ele lambe os lábios, seu rosto com gotículas d’água sendo banhado pela luz prateada da Lua. Deus, ele é tão... Tremo com a possibilidade do que está prestes a acontecer e decido me entregar. Não pode ser tão ruim assim, pode? Um beijo não pode matar uma pessoa se ele for ruim, não é verdade? E, depois, se meu beijo for ruim, nunca mais verei o Alec de novo, o que é um bônus e um ônus pois, se for bom, irei querer repetir a dose, com certeza. — Só queria te dizer, antes de ir embora, que você deveria mesmo ver essa mancha azul em seu rosto. Está horrível! Quero muito gritar, mas sei que não posso ficar mais queimada do que já estou com ele, com todos e, principalmente, comigo. — Você é um desgraçado petulante! Quero que morra, Alec! Quero que você se foda e nunca mais apareça em minha vida. Desta vez estou falando sério! Ele sorri, coça a cabeça e, enfim, me beija. Quer dizer, toca os seus lábios nos meus por dois segundos, dá de ombro e vai para a saída como se nada estivesse acontecido. Um papel cai do bolso dele. Não tenho reação para gritar e dizer o quanto o odeio. Em vez disso, sozinha naquela parte da casa, eu simplesmente sorrio. Não sei por que, mas eu sorrio. Dá para acreditar?

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Capítulo Três O primeiro beijo

Depois que o Alec foi embora e me deixou sozinha, com o vestido manchado, molhado e com a maquiagem borrada, senti que nunca mais o veria. Essa não é a pior parte de tudo. A parte mais humilhante vem agora: eu desejo queria muito vê-lo de novo. Por que será que o meu ser diz que desta vez ele se foi para sempre? Oquei. Talvez eu esteja enganada, não quero mais vê-lo. Isso. Tudo o que ele me ofereceu até agora foi azar e um vale extra de humilhação pública. Meus lábios tremem. Estou com frio. Começo a caminhar como um robô enferrujado e paro abruptamente. Viro-me. Meu cabelo cor de merda pinga água sem parar. Olho para o treco que caiu do bolso do Alec e decido apanhá-lo. É um cartão (molhado). E tem seu nome. O cartão está riscado, impossibilitando que eu leia o que está embaixo do nome Alec, em letras de forma. Migro meus olhos para o número. Não apenas um, mas três números. Desgraçado! Aposto que ele deixou o cartão cair só para que eu o ligue. Mas é óbvio que eu não ligarei. Não mesmo! Mas, e se eu não vê-lo nunca mais? Suspiro e aperto o cartão em meus dedos porque, como dizia a minha mãe, a desnaturada que me abandonou: é melhor prevenir do que remediar. Aperto meus braços contras os meus seios porque o vestido molhado está fazendo uma exposição da minha figura, ou melhor, dos meus seios, como se dois faróis estivessem sido acendidos. Oh, Cristo! Eu nunca fui tão humilhada em toda a minha vida! — Ei! Ei, Alice! Aqui está você! Fuzilo Derek com o olhar. — Ora, seu cretino! Você sempre aparece depois do show. Onde você estava, hein? Era pra ter me defendido daquele brutamonte! Pensando bem, foi melhor ele nem ter aparecido, pois iria acabar com o nariz quebrado. É claro que Alec destruiria o frangote do meu melhor amigo num piscar de olhos. Argh! — Bem, eu estava conversando com um amigo dentro da casa, não aqui fora. Por isso não vi o que aconteceu. Mas ouvi uns comentários...

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Escancaro a boca. — Não acredito que você resolveu sair do armário! Derek revira os olhos. — Pois é. Já estava cansando, e então ele decidiu me dizer quanto mede o seu pênis. Oh, nossa! Eu quase me melei todinho — ele diz de um jeito afetado. — É claro que não — volta a voz ao normal -, ele é amigo da Lena e, quer saber? Ele disse que ela ainda vem para a festa. Começo a caminhar porque não paro de pingar água, sem falar que agora cheiro a ferrugem! — Sorte sua, pois, para mim, a festa acabou. — Você já vai? Mas... — Sem mais, Derek. Não posso ficar aqui. Olha o meu estado, caramba! E foi uma péssima ideia ter vindo a esta festa. Tem noção de quanto custou esse vestido? Não, ele não tem nenhuma noção e, só para salientar: ele não é gay de verdade. Acontece que eu gosto de tirar sarro do Derek e ele sempre sabe levar a brincadeira na esportiva e, falando em estragos de vestido, acho que o Alec de repente pode ser um desses maníacos por vestido porque, em um dia, ele conseguiu destruir dois dos meus. Sim, o Alec é um destruidor de vestidos e ele deve fazer isso com outras garotas. Ah, não posso ser a única perseguida! Voltando ao Derek... Não me importo de ir embora sozinha. — Tudo bem, pode ficar. Sei o quanto quer encontrar a Lena. — Não, eu vou com você e ela pode resolver não vir. E eu vou te confessar uma coisa: apesar de eu estar completamente louco pela Lena, mesmo que eu venha um dia me casar com ela ou qualquer outra mulher, acredite, Alice, você sempre estará em primeiro lugar. Eu não estou grávida e mesmo assim resolvo corar. Os meus olhos ardem porque, de um jeito ou de outro, acabei de receber uma declaração de amor e, por favor, não pensem coisas. É nojento a ideia de me apaixonar pelo meu melhor amigo e, além do mais, a gente recebe declarações dos nossos pais — quando temos -, irmãos e afins, e não única e exclusivamente de um namorado. Entendeu? Entendi. — Aham, você sempre estará em primeiro lugar para mim. Na verdade, você está até mesmo antes de Deus! — Ah, Alice, não diga blasfêmia. — Verdade. Perdão, Deus — rio -, e eu não estou sendo irônica apesar de estar rindo. O som ainda está alto e eu fico bastante grata de estar indo embora. 38


Ninguém merece ouvir a Britney em plena hora da noite. Passamos pelo jardim, atravessamos o portão aberto e não penso em nenhum momento em me despedir das minhas amigas. Quem precisa de amigas quando se tem um que vale por um milhão? — Ouvi dizer em algum lugar que água de rio deixa o cabelo uma palha! — Sei não. Alguma coisa me diz que você acabou de inventar isso, sua meretriz! — Que seja. A verdade é que vou precisar ir ao salão de beleza, mas estou tão dura que, se me virar de cabeça para baixo, nem meios seios despencam! Ele faz uma careta. — Aham. Foi você quem disse isso mesmo? — Ele ri. — Nossa, a minha menininha está com o vocabulário ampliado. Andou assistindo a filmes eróticos? — Vai pro inferno, Derek. — Digo, com a minha voz natural. — Tudo bem. Mesmo você não merecendo, vou te pagar o salão. Não quero que seu cabelo fique uma palha porque, se ele se transformar numa palha, é bem provável que você nunca mais consiga um namorado. Dou um empurrão nele e ele me abraça. Assim, caminhamos juntos até o seu carro e Derek parece não se importar em se molhar. Roupas secas sempre chupam água das roupas molhadas. Ele liga o aquecedor do carro, mas eu ainda estou tremendo muito. Derek tira sua camisa e pede para eu vesti-la. É isso que faço, pois estou com muito, muito frio, e ele não. Ele quase nunca sente frio, mesmo quando está chovendo forte. — Obrigada. — Disponha. E sei que você gosta de me ver sem camisa. — Ele ri e dá a partida. Depois que Derek me deixou no meu antro, tomei um banho para tirar aquele cheiro de ferrugem da pele e coloquei o cartão do Alec e o dinheiro que o meu melhor amigo me deu dentro da minha bolsa. Não sei exatamente por que estou guardando este cartão de visita, nem por que não o jogo fora e evito maiores problemas. Ops. Talvez seja isso: eu quero maiores problemas. Quando eu era criança e a minha mãe me levava para a igreja, ela sempre me dizia para ficar longe dos problemas, que Deus tem um propósito para minha vida, que Ele é a salvação e que eu não deveria adorar outra coisa a não ser Ele. Ela não me deixava ver desenhos animados, tampouco filmes. Minha mãe sempre disse para não falar palavrão porque ela quebraria a 39


minha boca. Ela sempre disse que eu nunca deveria beijar qualquer um e é bem provável que o meu medo venha daí, e não da língua. Ela também enfatizou o sexo e disse que, se eu perdesse a minha virgindade antes de me casar, eu seria banida do céu e arderia no inferno. Ela só esqueceu-se de dizer que abandonar os filhos também é pecado. Pelo menos, eu acho. Então pouco me importam as coisas que ela pregou para mim, visto que ela fez exatamente tudo errado. A verdade é que estou cansada de ser a garota comportada. Estou cansada dessa vida e eu quero, eu desejo muito fazer tudo o que foi privado por mim mesma. Eu quero deixar esse medo pra lá, quero beijar um cara de língua sem me importar e, quem sabe, quebrar o cinturão de castidade. Tudo bem, a minha vagina virgindade fica fora da discussão por enquanto. Sim, estou com muita raiva agora. Pelo Alec, por mim e, principalmente, por causa da minha mãe. — Que se fodam, tudo e todos! — grito e gosto de sentir o palavrão em minha boca. Não é a primeira vez que digo isso, mas é a primeira vez em que parece fazer sentido. Não sei por quê. Estou com tanta raiva porque o Derek não atende ao meu telefonema e agora sou obrigada a ir para casa a pé, com o Sol fustigando, derretendo o meu cabelo que no salão estava tão lindo quanto o de uma princesa. Tento ligar para ele mais uma vez e nada. Aperto o celular contra os dedos, fula da vida. Mas, tudo bem. Pelo menos ele pagou por essa beldade, então devo banir a raiva por ele. Mesmo assim não consigo e a minha vontade agora é de matar uma pessoa ou fazer o Sol desaparecer. O suor está pulando pelos meus poros. Enfio a droga do celular na minha bolsa pequena e suspiro. As coisas não podem piorar tanto assim. Não podem... — Passa a bolsa agora, moça! Eu me viro e dou de cara com um garoto. Não, ele deve ter uns dezoito anos, a barba não nega. Mas o corpo nega. Ah, que se dane. Vejo também que ele está sem arma e eu sem dinheiro, mas é óbvio que prefiro morrer a dar o meu celular. Praticamente a minha vida toda está dentro dessa pequena maravilha! — O quê?! — grito. — Eu disse para me dar a bolsa, patricinha! Ele puxa a alça da minha bolsa e eu a puxo de volta. Ele puxa e eu puxo. Fazemos isso mais umas cinco vezes porque, agora, não estou de 40


brincadeira. SÉRIO. Encolho os olhos e dou um soco no ladrãozinho, o qual cambaleia para trás com a minha bolsa. Ele corre. Desgraçado. Corro atrás dele, evitando os olhares alheios. Ninguém sabe o sacrifício que tive que fazer para comprar este celular. Peneirar fezes em laboratório não é uma tarefa que todos apreciam e esse sacrifício não será levado por esse meliante filho da mãe! (Na época eu ainda não trabalhava na recepção). Passo pelos carros em movimento e eles não param. Será que não percebem que acabei de ser assaltada? Oquei. Uma moto freia e, pelo susto, ofereço meu dedo do meio para o motorista da motocicleta. Continuo a correr e ouço os insultos ficarem cada vez mais longe. — Peguem esse desgraçado! Ele está com a minha bolsa! — grito e sinto dores de facão. Não paro de correr. Sorte que estou de sapatilha. Uma moto surge na frente do ladrãozinho e ele cambaleia para trás, parando por uns três segundos antes de decidir para que lado correr. Tarde demais para ele. Eu pulo em cima dele e nós dois nos atracamos, rolando no chão. Ele tenta tirar o meu corpo de cima do dele, mas começo a lhe dar socos porque estou com muita raiva. Não, estou puta da vida! — Seu desgraçado, filho de uma mãe! — Minhas unhas arranham a pele dele e deixa marcas que não demoram a sangrar. E ele me dá um tapa no rosto e me joga para o outro lado. Eu puxo a alça da minha bolsa. Estou ofegante. Recebo um chute. — Sua maluca! Finalmente um policial aparece e o segura antes dele escapar. Levantome do chão. Acho que mostrei a calcinha, não importa. Meu rosto arde e aposto que o dele arde cem vezes mais, mas pelo menos ele não foi chutado. — Você vem para a delegacia, garoto. — Diz o policial que desvia o olhar pra mim. — E você também, mocinha! Faço cara de vitima, já que sou uma boa atriz. Sei que sou. — Mas eu não fiz nada! Ele quem me roubou... Eu só quis recuperar o que é meu de fato! — Mesmo assim, precisa registrar queixa. Aham. E lá vou eu dentro de uma viatura! As coisas estão mesmo tomando uma proporção terrível... Com certeza estou precisando ser exorcizada. Quando, em minha vida, imaginei que entraria numa viatura? Nunca. Já faz uma hora que estou nessa maldita delegacia. Para piorar a minha situação, descobrimos que o ladrãozinho é menor de idade e eu não tinha 41


o direito de usar a violência. Mas ninguém estava levando a consideração de que ele também não tinha o direito de roubar a minha bolsa. Agora o meliante quer registrar uma queixa contra agressão. Ora, veja só! Liguei para o Derek, mas ele não atende. Agora, nem toda a fortuna do mundo vai fazer com que eu o perdoe. Também liguei para Ana e Laura, porém elas não estão na cidade. Ah, a Babi está trabalhando. O Adrick não atende, está de ressaca! Para terminar o dia, o Diogo, quando liguei, disse que não quer me ver pintada nem de Mulher-Maravilha e nem de ouro! Devo consumar que ficarei aqui presa. Tudo culpa de um ladrãozinho! Roo as unhas. A uma hora dessas, tudo o que fiz no salão foi de água abaixo porque soo que nem um cuscuz. Ligo mais uma vez para o Derek porque o pai do ladrãozinho está vindo para a delegacia e não sei se tenho forças para isso, tampouco para a argumentação, sendo que eu ter batido nele porque ele queria me roubar não estava contando muito. Abro a minha bolsa e advinha o que eu encontro? O cartão do Alec. Sequinho da silva. Será que se eu ligasse para o Alec, ele conseguiria me tirar da confusão? Tá, levando em consideração que ele me traz azar, e não sorte. Ele acharia isso ridículo? Nem nos conhecemos direito. Se eu não tivesse outra pessoa a recorrer, que mal tem nisso? Sem falar que quem tem boca vai a Roma e, se o Alec não aceitar a me ajudar, o que eu posso fazer? Nada. Disquei um dos números que estavam no cartão (foi difícil identificar as letras ali, nem sei do que se trata esse cartão, afinal) e, após o segundo toque, ele atende. — Alô? — ouço aquela voz e não respondo. Lambo os lábios porque agora estou nervosa de verdade. Aperto o celular. Ainda dá tempo de desligar? — Alô? — Mas se eu não falar nada vou ter de ficar sozinha nessa delegacia. — Ah, oi. Aqui é a Alice. — Digo porque não consigo pensar em uma coisa melhor para dizer. Silêncio. Ele está processando. — Alice? Argh! Ele não se lembra de mim. Canalha! Quantas Alice ele deve conhecer? Um milhão. Um cara como o Alec não passa despercebido. Nunca. — Nos conhecemos ontem. Você me atropelou e me levou ao postinho. Depois nos encontramos à noite e você me jogou no lago... Paro de falar. Eu ia dizer que ele tinha me beijado, mas ele não me 42


beijou de verdade. Foi apenas um selinho. Dois lábios encostados um no outro por dois segundos. Até os selinhos que dou no Derek demora muito mais tempo. — Eu sei quem é, Alice. Aliás, me lembro muito bem de você! — O que é isso? Ele está rindo enquanto fala? — Como... Como conseguiu meu telefone? Hum, então quer dizer que ele não deixou o cartão cair do seu bolso de propósito? Alec começa a me subestimar, mas não tenho tempo para pensar nessas coisas. — Você deixou um cartão de visita cair e eu peguei. — Hum... Então isso quer dizer... — Não tenho tempo para piadas agora, Alec. Estou em uma delegacia e juro que, se tivesse outra pessoa a recorrer, não ligaria para você. — Ah, falando assim parece que sou a pior pessoa do mundo. Tchau, Alice, sério. Não estou nem um pouco a fim de levar sermão uma hora dessas! Fala sério. Já se passam das dez e meia da manhã! Será que eu o acordei? Que vadio! Que tipo de pessoa adulta dorme até essa hora? — Tá, espera! Preciso que venha até a delegacia. — Por que eu faria isso? — Porque somos amigos? Ele não respondeu se viria, mas eu pude ouvir seu risinho irônico do outro lado da linha. Sei que foi errado da minha parte dizer que somos amigos, esse tipo de coisa acaba criando falsas expectativas e, falando em expectativas, ô, palavra miserável para acabar com uma pessoa! Respirei fundo porque tudo o que eu podia fazer era esperar e esperar. E, bom, é nessa parte do esperar que o pai do ladrãozinho e ele aparecem, em cinco minutos. Eu disse: ELE; Alec. Meu coração dispara. A culpa não é minha. A única reação que eu tive foi a de me levantar da cadeira, já que estava cansada de ficar sentada. E a dor em minha barriga provocada pelo chute me deixava nauseada. Seu olhar se encontra com o meu e trezentos anos se passaram. Vi ele caminhar em minha direção rápido demais, mas na minha mente Alec caminhava lentamente. Não. Flutuava enquanto eu o admirava. Meu herói, quer dizer, ele está mais para anti-herói. — Você está bem? Sim, agora estou ótima e, quando eu sair dessa delegacia, ficarei radiante. Mesmo assim, não quero demonstrar o meu alivio ao vê-lo ali. — Não. O que você acha? Ele me olha como se estivesse dizendo “será que você pode parar de 43


bancar a chata, por favor?” Limpo a garganta e cruzo os baços, exalando o ar. — Então você é o responsável pelo menor... — diz o delegado para o homem alto e de terno. Parece rico. Expliquei tudo o que aconteceu: aquele frangote tentou me roubar; eu corri atrás dele; o soquei e o arranhei; ele me deu um tapa no rosto, sem falar no chute que não para de latejar. Talvez eu tenha quebrado uma costela. O pai do garoto me pediu desculpas e disse que não haveria queixa alguma. Achei que estávamos quites. Também não quis prestar ocorrência. (Meu curativo foi para... melhor eu nem falar!) Quando saio da delegacia, Alec coloca suas mãos em meu pescoço, provocando uma erupção dentro do meu corpo e fazendo minhas mãos suarem. Não sei o que isso significa. — Obrigada por ter vindo. Estava apavorada. Paramos. Ele concorda com a cabeça e enfia as mãos dentro da calças jeans. Isso é tão sexy... Acho que estou ficando louca ou enxergando coisas demais. Estou me transformando numa tarada? O Sol fustiga os seus olhos e ele franze o cenho, revelando seus dentes brancos demais para um garoto. Acho que estou exagerando. — Aham, e pelo visto você resolveu tudo sozinha, né? Precisava mesmo que eu viesse até aqui? Sua camisa sem manga revela os músculos e o peitoral sarado. Por que diabos ele tem de ser tão terrivelmente lindo e, perdoe-me: gostoso. Essa é a palavra. — O que você está tentando insinuar? — pergunto pois, apesar de conhecê-lo há pouco tempo, sei reconhecer quando ele quer caçoar. — Nada. — Ele faz um bico. - Quer dizer, talvez esse lance da delegacia tenha sido uma deixa para que ligasse para mim, uma coisa que talvez você até já tenha pensado em fazer, mas não teve coragem. Uma mecha do seu cabelo voa e sinto uma vontade louca de colocá-lo no lugar e, é claro, me controlo para não fazer isso. Esse cara é convincente demais para o meu gosto. — Você é uma graça mesmo, Alec. E, não, não pensei em ligar para você. E, oquei, não vamos brigar. — Que legal. Parece que aquele beijo que te dei fez com que você se transformasse numa nova mulher. — Aquilo não foi um beijo, se quer saber. — Posso te dá um melhor, se quer saber. — As três últimas palavras foi uma tentativa de me imitar. Suas mãos apertam as minhas costelas e ele me puxa para mais perto de 44


si, fazendo com que meu corpo fique colado com o dele. Sua respiração bate contra o meu rosto. Ah, eu juro que quero esse beijo, mas então eu sinto uma dor em meu abdômen. — Ai! — Digo. — Que foi? Retraio-me para trás e as mãos em minhas costas se afrouxam. Refazendo um percurso da minha vida, creio que nunca fiquei tão próxima de um homem assim, com exceção do Derek. Ele não conta. Afasto-me totalmente da pegada do Alec, que por sinal é muita boa. Se bem que não tenho um histórico de pegadas para fazer uma comparação. Sei que tenho dezenove anos e vocês devem está se perguntando como é possível uma coisa dessas, digo, ninguém me pegar ou simplesmente me beijar. A verdade é que, quando sinto que a coisa toda está ganhando proporções maiores, eu simplesmente fujo como um bicho acuado. Quiçá eu seja uma aberração da natureza ou, quem sabe, eu seja assexuada. Não, não sou isso que acabei de dizer porque me sinto terrivelmente atraída pelo Alec e isso se dá pelo fato de que eu quero que ele me beije. É claro que ele não faz isso. Eu sabotei essa pequena ação com o meu gritinho. — Nada. Só estou com um pouco de dor aqui — apontei para o local, no reto do abdômen. Fiz uma careta e juro que não banco a atriz dessa vez. Como se as coisas passassem rápidas demais, Alec levanta a minha blusa sem se importar com as consequências desse ato. Penso em abaixar rapidamente a blusa, dá um tapa em sua mão, não sei. Ele olha para a minha linda barriga e é quase como se eu estivesse nua — exagerei. — É, a coisa tá mesmo feia. — Abaixo meus olhos e vejo uma mancha arroxeada. — Está doendo muito? — Não. — Minto, está doendo. — Na verdade, está doendo um pouco, mas nada que um analgésico não resolva. — Hum... Acho melhor irmos ao hospital. Talvez tenha fraturado uma costela. — Ele tira o ar de sério e sorrir. — Seria uma ótima maneira de ganhar uma indenização, se quer saber. — E seria mesmo uma ótima porque ando dura pra chuchu. — Faço biquinho. — Pensando bem, deixa pra lá. Chega de confusões! Não quero que esse ladrãozinho de meia tigela fique nas esquinas, à espreita, me esperando para um novo acerto de contas, você sabe. Ele sorri e eu acho isso lindo. Anotem ai: estou completamente apaixonada pelo sorriso desse cara, sério. — Que foi? — Você é engraçada, só isso. 45


Não, eu não sou engraçada. Reviro os olhos porque eu não disse nada de engraçado. Disse? Se bem que essa coisa de achar graça varia de pessoa para pessoa. Eu posso achar graça no sorriso dele e ele pode não achar graça alguma. É isso. E, ah! Acho que já adiei demais a partida. Pra ser sincera comigo mesma, queria conversar mais com esse estranho, porém não é nem um pouco nocivo se apegar a caras como o Alec — é a minha intuição quem diz isso e, não, eu não tirei de nenhum livro bobo. Afinal, eu não leio bobagens, apesar de falar e pensar bobagens. Enfim, vocês me entendem, claro que sim. Não sou a única anormal por aqui. — Bem, então tchau, Alec. — Digo, mas não saio do lugar. Espero que ele dê de ombros, mas ele parece estar fincado no chão. Segundos depois estamos nos encarando. — Hum... Você quer uma carona? — Alec coça a parte de trás da cabeça e, uau, adoro isso! Os músculos de seu braço se destacam! — Hum... Você sempre usa “hum” antes de falar? — Não, só quando não sei bem o que dizer. — Hum... — Respondo. Se pararmos para analisar, isso pode ser bom ou ruim. Vejamos: pode ser ruim porque ele deve me achar uma idiota e não sabe o que conversar com pessoas idiotas e, aposto, ele está só sendo simpático, fazendo sala, essas coisas. E ele pode não saber o que dizer porque eu posso causar um efeito nele, tipo, quando as pessoas se apaixonam e ficam sem saber o que dizer por estar com vergonha. Porém, na sua mente sempre está se passando um milhão de coisas que ele quer dizer e não consegue. Ah, essas coisas eu sei porque li num livro, meu caro coleguinha. Também não sou uma porta quando o assunto é relacionamento, modéstia à parte. Sei dar os meus pitacos. — Então...? — Então o quê? — acho que sou uma idiota literalmente. — Vai querer uma carona ou não? Sim, sim, sim, mil vezes sim! Meu espírito está pulando que nem pipoca dentro do meu corpo. Sorrio por dentro, mas por fora faço uma cara bem convincente como se a minha expressão dissesse “tanto faz”. — Se não for incômodo, aceito. Alec sorri e morde o lábio inferior, outra coisa sexy. Só para lembrar, preciso de uma agenda para anotar cada coisa sexy que encontro nele. Desgraçado! Ele estica sua mão na minha direção. Longos dedos e unhas bem cortadas. Franzo o cenho. 46


— Vamos começar do zero, oquei? — Sua mão ainda está em minha direção. — Meu nome é Alec. Alec Salles. Aceito a sua mão que aperta a minha. — Alice. Alice Barrelin. Sabe aquela sensação de conforto? Aquela que acalma o coração e diz que tudo vai ficar bem apesar de tudo o que passamos? Pois bem, é essa que sinto agora. Não conheço o Alec pra valer, mas estou aberta a negociações. Do jeito mais tortuoso, apesar dele ter estragado meu teste e meus vestidos, eu gosto dele. Gosto da maneira como me trata. Gosto até mesmo quando ele me provoca porque há algo de ingênuo nisso. Com ele não me sinto desprotegida, tampouco frágil demais. É tudo tão perfeito que pode parecer surreal. Oquei. Sei que é cedo para dizer isso (nem anotem), mas vou dizer: acho que o Alec é o tipo de cara por quem eu me apaixonaria. Pelo menos esse que está na minha frente, esse irritante e sexy (se ele for um mercenário podemos conversar depois). O que estou tentando dizer é que, até agora, pelo pouco que o conheci, sim, eu me apaixonaria por ele — mas não estou, vamos deixar bem claro. Além do mais, não quero que ninguém me diga “conheceu o cara ontem e já tá apaixonada. Que tola!” Talvez isso seja o destino. Não acredito muito em destino, porém a gente sempre procura por explicações. É mais fácil colocar a culpa em coisas que não existem do que ficar procurando chifre na cabeça de cavalo. Quando ele para o carro em frete ao meu antro eu quase não acredito que passou rápido demais essa nossa pequena viagem. Alec se inclina no banco a modo de ficar me olhando e entorta a cabeça, passando a língua nos dentes. Afundo minhas unhas na palma da mão. — Chegamos — ele diz. É, notei isso também. Sessenta segundos se passam e nós estamos nos olhando. Que diabos ele procura em meu rosto? Solto o ar pela boca e disparo: — Você quer entrar? Se a minha vida fosse uma série de tevê, aposto que todos estariam vibrando, dizendo que fiz a coisa certa, quem sabe até sorrindo. Sei que isso acontece porque eu também sorrio quando a mocinha para de bancar a difícil e se rende. Mas a minha vida não é uma série de tevê e eu me arrependo de ter dito aquilo. Onde já se viu colocar um homem dentro de casa assim, do nada? Dá um tempo! Nós nem nos conhecemos direito. Se eu tivesse uma mãe, ela, sem dúvidas, me mataria. — Se não se importar, eu topo, sim. 47


Ótimo. Abro a porta do seu Pajero e escorro pelo banco, fixando meus pés no chão. Quando olho para o lado ele já está caminhando e jogando a chave de um lado para o outro. Por que o Alec que tem que parecer tão despreocupado com tudo? Isso não é nem um pouco justo. — Vou logo avisando que está uma bagunça e que o lugar não é muito grande. Eu o chamo amavelmente de antro ou cubículo. Chamaremos apenas de antro, oquei? Ele concorda com a cabeça enquanto enfio a chave na fechadura e faço uma careta de dor por causa do meu abdômen. Será que algumas das minhas costelas sofreram lesão por conta do chute? Entramos. Eu primeiro, óbvio. Verdade. Até que o antro não está tão bagunçado. Ponto pra mim! Pelo menos posso passar uma boa impressão. — Pode sentar. — Aponto para meu único sofá de três lugares. — Quer beber alguma coisa? Refrigerante, água... — Cerveja? — Uma pergunta ou opção? Vai saber. — Não, desculpa... Eu não bebo. — Tudo bem, então. Deixa pra lá. — Ele sorri para mim e eu tenho vontade de me atirar em seus braços. Alec bate na ponta vazia do sofá para que eu me sente ao seu lado e eu vou. Sento-me o mais distante possível. Dou outro gritinho por conta da dor. Droga. Ele escorre pelo sofá e praticamente se cola em mim. Alice, Alice... Péssima ideia convidá-lo para entrar. Agora vai ter que aguentar. — Posso ver de novo? — Ele aponta para a minha barriga e eu concordo lentamente com a cabeça, repetindo mil vezes que não tem mal algum nisso. Ele levanta a minha blusa e dessa vez toca a minha barriga com a ponta dos dedos no arroxeado em minha pele. Encolho a barriga. Não sei se foi pela dor ou pelo toque que pareceu desencadear mil e uma reações dentro de mim. Sem nem ao menos dizer nada, ele vai até a geladeira, pega uma cuba de gelo, um pano em cima da mesa e volta até mim e, não sei por que, ainda fico tão abismada por ele ser “entrão”. Então Alec retira alguns gelos da cuba, põe no pano, faz uma pequena trouxa e encosta aquela coisa estupidamente gelada contra o arroxeado em minha pele. Enquanto ele banca o enfermeiro, nós nos olhamos e, pela primeira vez, percebo que seus olhos são de um castanho bem escuro. Estou muito nervosa com a possibilidade do que pode acontecer. Não que ele vai me beijar, e sim eu me atirar em sua boca vermelha. Afasto o pensamento da minha mente. Preciso me impor respeito. — Vai ficar bem melhor amanhã, quer dizer, se você por mais gelo, mais 48


tarde. Sempre funciona comigo quando jogo futebol. Vou me confessar: sou um perna de pau, mas imagino que um dia irei me superar. Por isso estou sempre tentando. O gelo some rapidamente do pano e a água gelada escorre da minha barriga e pinga no sofá. Sorte minha por ela não migrar para outro lugar. — Pois é. Cada um sempre tentando se superar — murmuro pensando nas minhas tentativas frustradas de me tornar a nova Agelina Jolie. — Hum... — Ops! Ele não sabe o que dizer. — Fico me perguntando por que nunca te vi antes, sabe? — Sei — digo porque não raciocino outra coisa melhor para dizer. Ele tira toda a minha concentração. Quando o gelo acaba, ele tira mais um da cuba e põe na boca, molhando lábios vermelhos e... Não, ele não fez isso! Alec tira o gelo da boca e coloca em meu abdômen. Ele está tentando me enfeitiçar, só pode! — Alec. — Sussurro ou repreensão? Nem mesmo sei. E essa é a parte em que só contava em minhas fantasias. Primeiro, seu rosto está bem próximo ao meu e eu sinto os nossos hálitos se misturarem como ingredientes das porções do Harry Potter e companhia. Depois, seus lábios tocam o meu e em seguida vem a explosão. Duas bocas se espremendo uma na outra e eu não sei quando a minha língua se engalfinhou com a dele. Só sei que aconteceu e pronto. Estamos nos beijando! Ouço respirações excessivas no silêncio do meu antro. Talvez seja a minha, a dele ou a respiração de ambos se misturando. Bebo daquele beijo como um alguém que passou dezenove anos no deserto sem beber um só gole de água. Inebrio-me completamente com o beijo, o qual faz a adrenalina correr o meu corpo desesperadamente e faz o meu coração bater depressa demais. Na verdade, eu quase poderia ouvir o meu coração se chocar contra a minha caixa torácica, se não fosse o som da(s) respiração(ões). Finalmente o empurro. Desgrudo aquela boca vermelha da minha porque estamos indo por um caminho muito rápido — pegamos um atalho, na verdade. E por isso minha mão choca-se contra o rosto dele. — Ai! Por que me bateu? Não sei, foi quase que automaticamente. — Porque você me beijou, oras! — Achei que quisesse que eu a beijasse! Por que ele acharia isso? Será que estava tão assim na cara que eu queria muito que ele me beijasse? Mas eu estava com medo porque nunca tinha feito antes. Ah, pelo menos parece que fiz tudo certo porque ele não reclamou — ou, quem sabe, esteja sendo educado. Quero muito saber se 49


passei no teste, se beijo bem, ou se tudo em minha cabeça era só medo. Mas o que digo não é exatamente o que quero dizer. — Desculpe, sério. Argh! Sei lá, nos conhecemos ontem. Não acha que estamos indo rápido demais? — Se você está dizendo... Ele está com as mãos onde eu lhe dei o tapa. Tadinho, dessa vez ele realmente não mereceu. — Mas, tudo bem. Eu não tinha o direito de beijá-la... Só não deu para segurar, entende? Entendo. Quer dizer, não entendo. — Melhor você ir embora, Alec. — Está brava comigo? — Não. — Então posso aparecer aqui mais vezes? — Sim. Alec se levanta e eu o acompanho até a porta. Parte de mim quer que ele vá embora e a outra implora para que ele fique, quebre a regras e me beije de novo. Ele para na porta, olha pra mim e, por um momento, não sabemos se nos beijamos na bochecha, nos abraçamos ou o quê. O resultado é um beijo bem próximo aos lábios. — Então, até breve. — Até — sorrio. E assisto ele ir até o seu carro, atirando a chave para o ar. Fecho a porta e grito. Tampo a boca rapidamente porque ele ainda pode estar lá fora. Escorro minhas costas na porta e me sento no chão sorrindo: isso é muito melhor do que ganhar na loteria! Ou quase isso.

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