Dezesseis - A Estrada da Morte

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Copyright ©2015 Simone Pesci Copyright ©2015 Tribo das Letras Copyright ©2015 Logotipia do Título O selo de entretenimento da Editora Tribo das Letras Editora: Denise Azevedo Direção Editorial: Nanda Gomes Edição: Simone Pesci Revisão: Angie Stanley Diagramação: Gisele G. Garcia Arte da Capa: Décio Gomes Logotipia do Título: Nanda Gomes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Ficha Catalográfica feita pela Editora.) P473 Pesci, Simone Dezesseis: a estrada da morte/Simone Pesci - 1a ed. - São Paulo: Editora Tribo das Letras, selo Tribo das Letras - 2015 318p. ISBN: 978-85-5560-010-4 1. Literatura Brasileira 2. Romance I CDD B869.3 CDU 821.134.3(81) Índices Catálogo Sistemático: 1. Romance Brasileiro CDD B869.3

É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem permissão expressa da Editora Tribo das Letras, na pessoa de seu editor (Lei 9.610 de 19/02/1998). Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com acontecimentos reais é mera coincidência. Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora Tribo das Letras Selo Tribo das Letras contato@tribodasletras.com


APRESENTAÇÃO

Legião Urbana foi uma banda brasileira de rock que surgiu em Brasília, ativa entre 1982 e 1996. Ao todo, lançaram dezesseis álbuns, somando mais de 20 milhões de álbuns vendidos. Ainda hoje, é o terceiro grupo musical da gravadora EMI que mais vende discos de catálogo em todo o mundo, com uma média de 250 mil cópias por ano. O fim do grupo foi marcado pelo falecimento de seu líder e vocalista, Renato Russo, em 11 de Outubro de 1996. A banda é uma das recordistas de vendas de CD no Brasil, incluindo premiações da ABPD, com dois Discos de Diamante pelos álbuns Que País É Esse, de 1987, e Acústico MTV, de 1999. Ela faz parte do chamado QUARTETO SAGRADO DO ROCK BRASILEIRO, juntamente com Barão Vermelho, Titãs e Paralamas do Sucesso.

(Fonte: Wikipédia)

P.S: A canção Dezesseis, inspiração deste enredo, é de autoria de Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá, e foi lançada no ano de 1996, no álbum que tem como título: A Tempestade.

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PREFÁCIO

Sobre uma longa ou breve vida... Há aqueles que se deleitam em dias recheados de monotonia; Há aqueles que se deleitam em uma breve vida bem vivida; A vida é umA inconstante... Ter dezesseis, ter sessenta e seis, ter cento e seis... É uma questão de querer! Quando se tem dezesseis em um coração de cento e seis, ou quando se tem cento e seis em um coração de dezesseis, deixamos o sessenta e seis perdido, em uma constante (aqui a constante e a inconstante se completam!).

Como dizia Renato Russo: “Se lembra quando a gente chegou a acreditar Que tudo era pra sempre Sem saber que o pra sempre, sempre acaba”. (...) e assim mudam as estações!

(Prefácio — por Simone Pesci)

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Dedico esta obra aos fãs de Renato Russo e da sua lendária Legião Urbana.



PRÓLOGO

Eu fechei meus olhos e pisei fundo no acelerador, fazendo o ronco do motor do meu Opala azul metálico ressoar como um cântico encantador aos ouvidos de qualquer apaixonado por aquele barulho ensurdecedor. E, ainda de olhos fechados, respirei fundo. Como em um filme, tive alguns flashes de tudo que vivenciei nesses meus dezesseis anos... Minhas travessuras, ainda quando criança, ao lado da minha família amada; meus momentos de loucuras junto aos meus amigos, sempre regado a muita bebida e a muitos cigarros de maconha. Porém, era ela — Ana Cláudia — a minha maior e melhor recordação. Foi por ela, aquela que eu considerava minha salvação e minha perdição, que estava prestes a seguir rumo à estrada da morte, também conhecida como “curva do diabo”. Uma curva na qual muitas vidas foram perdidas. Uma curva que, certamente, seria a salvação de qualquer mortal que estivesse prestes a desistir da vida. Ainda acelerando meu Opala, respirei fundo e abri meus olhos. Logo, olhei para o lado oposto da estrada, e, dessa forma, o avistei... Samuel Garcia, conhecido por todos como “Samy”. Aquele era o cara que acabou com os meus sonhos e tirou de mim o mais lindo e real sentimento que já nutri por alguém. Ele roubou minha doce e amada Ana, aquela que me fez sentir vivo e amado por longos e inesquecíveis meses, e que, em muitos momentos, enlouqueceu-me a ponto de pensar em sumir, levando-a como minha refém.

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DEZESSEIS — A ESTRADA DA MORTE Sentia o olhar vulcânico de Samy em minha direção, e também percebi que ele acelerava o carro tanto quanto eu, fazendo o ressoar do seu, também Opala — porém, na cor preta metálica — tão ensurdecedor quanto o meu. Sempre fui considerado o rei dos rachas e, de certa forma, me orgulhava por ser intitulado dessa maneira. Era como se a patente fosse exclusivamente minha, e, por tal motivo, nunca deixei que ninguém me vencesse em disputa alguma, pois essa era minha vida. Entretanto, estar naquela situação era aterrorizante e libertador. — Johnny... Não! — escutei a doce voz que eu tanto amava soprar as palavras em meu ouvido. E, ainda olhando a pequena e fiel multidão que sempre acompanhava esses acontecimentos, segui rumo à curva do diabo.

(...) e os motores saíram ligados a mil, pra estrada da morte, e aquele foi o maior pega que existiu.

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“Tenho saudades de tudo que ainda não vi” — Renato Russo



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FELIZ DEZESSEIS

“Vamos lá, tudo bem, eu só quero me divertir... Esquecer dessa noite, ter um lugar legal pra ir...” (Trecho da canção: Teatro dos Vampiros — Legião Urbana)

• Adrenalina — hormônio produzido pelas glândulas suprarrenais, cuja secreção é aumentada em situações de estresse, ansiedade, perigo ou qualquer outra que deixe o corpo em estado de alerta e pronto para reagir. • Compulsão — ato ou efeito de compelir; descontrole; realização de atividades sem premeditação e sem consciência das consequências; tendência à repetição; ação judiciária que obriga o indivíduo a comparecer em juízo. • Objetivo — diz respeito a um fim que se quer atingir, e nesse sentido é sinônimo de “alvo” tanto como fim a atingir, quanto ponto de mira de uma arma ou projétil.

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DEZESSEIS — A ESTRADA DA MORTE

Eu me chamo João Roberto de Macedo, e considero-me um “adrenálico compulsivo objetivo”. Sou conhecido por todos como Johnny, O Rei dos Pegas, e estava prestes a completar dezesseis. Na maioria das vezes, me encontrava ao lado de meus loucos amigos: Julius, César, Janjão, Trakinas, e, por fim, Vicky. Mas, a partir de agora, vou relatar onde a minha vida começou a fazer sentido...

Era uma noite como tantas outras, regada a inúmeras doses de vodca e muitas tragadas no cigarro de maconha, e o motivo de toda comemoração se dava ao fato de eu completar mais um ano de vida. Como de costume, aquela seria outra noite de loucuras incontidas, finalizada com um grande espetáculo de automotores, em uma estrada próxima à lanchonete que sempre frequentávamos. Eu não entendia como um bairro como o nosso — em Brasília, ou seja, na capital federal do Brasil — pudesse ter tantos nomes comerciais americanizados, e só me conformava com isso porque meu apelido, de certa forma, também o era. De fato, amava o apelido que ganhara desde os meus onze anos, logo após adquirir como herança do meu pai uma de suas preciosidades: o “Opala azul metálico”. Lembrava-me de todo final de semana, quando meu pai se dedicava integralmente com amor pela máquina a qual eu sonhava um dia me pertencer, e que, agora, era minha maior e melhor preciosidade — e, assim como ele, também me devotava com carinho ao Opala, ao qual batizara como “Trovão”. Também foram deixadas de herança para minha mãe — Lourdes Maria Macedo, mais conhecida por todos como Dona Lourdes — algumas notas promissórias para serem quitadas, que teve como consequência a venda da nossa casa, fazendo com que fôssemos morar em uma residência menor, porém, ainda confortável.

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Agora éramos uma família de dois, e muitas coisas haviam mudado. Encaixávamo-nos na classe média baixa. Com muito sacrifício, empurrávamos a vida com a barriga. Minha mãe costurava dia e noite, o que nos rendia o sustento maior da casa. Eu, por outro lado, estava no segundo ano do ensino médio, do qual pouco frequentava, ainda no período da manhã. Eu ajudava mamãe financeiramente, pois trabalhava no período da tarde na oficina mecânica do senhor “João”. Com isso, conseguia alguns trocados para o sustento da casa e, também, para minha diversão. Contudo, onde lucrava uma grana maior, era no que eu sabia fazer de melhor... Nos famosos “pegas”, ou seja, nos rachas de carros. Por fim, eles me rendiam uma ótima grana, e, assim, seguia minha existência, muitas vezes considerada como a vida de um “rebelde sem causa”. — Johnny... Acorda! — Vicky gritou bem próximo ao meu ouvido. Se havia uma coisa que me deixava louco da vida era a falta de discernimento — e Vicky, com seu jeito despojado, sem noção e afoito, era uma garota que sabia me tirar do sério em questão de segundos. Aquela era uma situação um tanto quanto estranha, pois Julius — meu melhor amigo — gostava de Vicky — meu affair problemático — que era apaixonada por mim — e eu, na verdade, nunca gostara de ninguém para valer. Eu respeitava Vicky. De certa forma, me sentia bem ao seu lado. Na verdade, o que eu levava em conta eram as nossas loucas e tórridas transas, pois o sexo com ela chegava a ser sadomaso e surreal, deixando-me, por alguns momentos, a questionar: Como ela adquiriu tanta experiência com apenas dezessete anos? — Johnny, você está surdo? — berrou Vicky mais uma vez. Respirei fundo para não responder grosseiramente, e meus amigos perceberam meu fio de paciência se esvaindo pelos ares. — Eu não sou surdo, Vicky! — tentei ser educado, apesar da minha falta de paciência. — Não é o que parece! Aliás, em que mundo você está? — rebateu, ainda aos berros. Naquele momento, fechei meus olhos e clamei a Deus por sabedoria, para que, dessa forma, eu conseguisse tolerar sua falta de contenção nas palavras. Afinal de contas, ela se nomeava 17


DEZESSEIS — A ESTRADA DA MORTE como minha garota. No entanto, eu a considerava como uma amizade mais que colorida. — Brow, vamos nessa! Está rolando uma festa lá na colina, e nada melhor que aproveitá-la para comemorar seu aniversário... — Janjão anunciou qual seria o nosso roteiro. Levantamos os seis em disparada, pois já havíamos pagado a conta da lanchonete. Então, entramos em meu Trovão. Logo, seguimos para a colina, que nem de longe chegava a ser um outeiro, mas, apenas, um grande terreno baldio abandonado onde aconteciam muitas festas proibidas, regadas a diferenciadas doses de bebidas alcoólicas e drogas... Desde as mais leves até as mais pesadas. Minha turma — mais conhecida como Gangue TP, ou seja, Gangue The Puritans — foi presenteada com esse nome como uma afronta à sociedade (e, também, contra nossa cidade), que era repleta de falsos puritanos. Pensávamos como poucos e diferente de muitos! Nós não concordávamos com a proibição de um pega no cigarro de maconha, pois tínhamos esse hábito quase que corriqueiramente. Também nos indagávamos sobre política, músicas, filmes, mulheres e diversão. Tínhamos nossa maneira de refletir sobre muitos assuntos, e, muitas vezes, discordávamos de tudo. Obviamente, três coisas nós seguíamos à risca: Primeiro: Venceríamos todos os rachas. Segundo: Não usaríamos nada mais que bebidas e maconha. E, por fim, terceiro: Estaríamos lado a lado, fosse em qualquer circunstância que a vida nos apresentasse.

— Chegamos, seus nóias! — Trakinas falou superanimado. Trakinas era o segundo mais sem noção da turma, entregando a medalha de ouro para Janjão! Ele bebia e fumava demais da conta, deixando-nos sempre com a cara no chão, fazendo suas brincadeiras que, na maioria das vezes, eram motivos de piada do grupo. E o grande acontecimento baseava-se em seu desastroso show de strip-tease um tanto assustador — diga-se de passagem — pois ele sempre deixava à mostra seu físico acima do peso e, normalmente, vomitava sem pudor algum, não se importando com quem estivesse ao seu lado. 18


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— Uhuuu! Isso aqui está pegando fogo... — exclamou Vicky, olhando a multidão que dançava um techno ensurdecedor. Aquele era um estilo de música que eu pouco curtia, pois preferia ficar mais no meu estilo Classic Rock, o qual sempre apreciei ao lado do meu pai, desde criança. — Vou curtir a noite, já que você está aí, com essa cara de merda! — provocou-me Vicky. Eu apenas fitei-a com desaprovação. Mesmo me sentindo maluco de raiva com sua atitude infantil, ansiava por estar com ela ao meu lado assim que o relógio apontasse para um novo dia, presenteando-me com mais um ano de vida. — Brow, você não tem a mesma paciência de antes com ela... — comentou Julius. Assenti com a cabeça, dando-lhe a entender que o que acabara de dizer fazia sentido, deixando-o ainda mais animado com o caminhar de minha relação conturbada. Victória — mais conhecida como Vicky — era uma garota de dezessete anos, com um corpo escultural, cabelos encaracolados tingidos de loiro, e grandes olhos castanhos. Era filha única e morava com sua avó, pois seus pais haviam falecido em um acidente de carro, ainda na sua infância — e não saberia por qual motivo ela sempre nos acompanhava, acabando por fazer parte de nossa turma. — Você realmente não gosta dela? — perguntou Julius, ansiando pela verdade. Tentando ser correto e sem querer magoá-lo, pois ele era o meu melhor amigo, esquematizei uma reposta, sem rodeios. O certo seria dizer o quanto eu gostava de curtir a noitada ao lado de Vicky — e, também, quão adorava o sexo selvagem e prazeroso que ela me proporcionava. — Brow, sempre deixei bem claro o que sinto pela Vicky! Gosto de estar ao lado dela, mas é apenas isso. — respondi, encarando-o de soslaio. Julius seguia Vicky com o olhar, e ela sequer se dava conta de sua admiração. E assim continuou, com sua garrafa de cerveja em mãos, dançando sensualmente no meio da galera. De fato, ela agia daquela maneira para me provocar. No entanto, só conseguiu me chatear. — Sabe, Brow, eu ainda espero encontrar aquela garota que me faça perder o fôlego! — comentei no momento em que 19


DEZESSEIS — A ESTRADA DA MORTE percebi Vicky se esfregando em um cara ridiculamente vestido como se estivesse no Hawaii. Julius encarou-me, um tanto quanto esperançoso, e disse: — E eu só espero um dia perder o fôlego com essa que tanto gosta de você! — provocou-me, dando-me um soco de leve no braço. Vicky já passara dos limites naquele requebrado, que se parecia muito com a dança do acasalamento, e eu não queria pagar mais mico no meio da galera. Foi então que segui em sua direção, e, desastrosamente, segurei-a pelo braço, resmungando: — Acho melhor você vir comigo! — arrastei-a para o outro canto, encarando o modelo do Hawaii. Vicky arregalou os olhos, orgulhosa por ter conseguido o que queria: tirar-me do sério na frente de todos, e fazer com que acreditassem que eu era apaixonado por ela. — Satisfeita? — perguntei, encarando-a. — Não tanto quanto eu esperava... — ela contra-atacou. — Opaaa, acho que vou me juntar ao resto do pessoal, próximo à fogueira. — Julius afastou-se, com o semblante feliz. Eu a fitava com atenção e curiosidade, sempre me questionando o motivo de não conseguir me apaixonar por ela. Desde que a avistei pela primeira vez, não senti nada mais que tesão. Com o tempo, adquiri certo apego por sua pessoa, porém, ao conversarmos, percebia que não tínhamos quase nada em comum. Era uma garota legal, com ideias um tanto quanto loucas e, também, superdivertida. Na verdade, era o tipo de menina que qualquer cara gostaria de ter ao seu lado. Porém, esse cara não era eu. — Nós já estamos há quase um ano juntos e você ainda não disse que me “ama”! — questionou-me. — Vicky, que papo é esse? — indaguei, fingindo não compreender seus argumentos. Após minha resposta vaga, ela enfureceu-se ainda mais, e, em questão de segundos, enfatizou: — É disso que estou falando, Johnny! Você não gosta de mim como eu gosto de você... Está na cara. — fitou-me, aguardando pela declaração de amor.

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Realmente, a recíproca não era verdadeira, e sempre deixei isso bem claro. No entanto, não queria estragar aquela noite, e muito menos magoar o seu coração. — Eu gosto de você, de ficar com você... É isso! — tentei ser o mais natural possível com as palavras. — Que horror, Johnny... Isso está parecendo mais com o refrão dos Tribalistas. — rebateu, ainda mais agressiva. — Seu insensível... Vá para o inferno! — murmurou, jogando-me na cara o que restara de sua bebida, rumando, em seguida, em direção à multidão. — Merrrrrda! — bradei irritado. O sangue subiu em minha cabeça e minha vontade era de fazer o mesmo com ela, jogar o resto da minha bebida em seu rosto. Mas eu sabia que aquele não seria o modo certo de agir, pois, de certa forma, havia magoado-a com minha verdade — e isso me entristecia. Diversas vezes, quando brigávamos, me sentia triste, pois era visível o quanto Vicky esperava de mim, e também era notável o quanto eu não me importava com ela. Em muitas de nossas discussões, tentava colocar o ponto final na relação que ela mesma criara em sua fértil imaginação. No entanto, tudo acabava em sexo, no meu quarto, ou dentro do Trovão. Entrei no meu carro e abri o porta-luvas, em busca de uma pequena toalha. Logo, enxuguei meu rosto, e, instantaneamente, deparei-me com uma garrafa de vodca da noite passada, já pela metade, no banco de trás do carro. Dessa forma, minutos depois, encostei-me em meu Trovão, dando longos goles no destilado. — Hei, cara, vamos pra perto da fogueira... Tem algumas gatas novas por lá! — sugeriu César, tentando me acalmar. — Opaaa, dá um tempo só para eu colocar a cabeça no lugar! — respondi, fitando o nada. — Johnny... Hoje não teremos pega, fomos informados que a estrada está sendo vigiada! — alertou-me César, seguindo, instantes depois, em direção à fogueira. Eu precisava de alguns minutos sozinho. Estava nervoso e chateado ao relembrar o mico de minutos atrás, ao lado de Vicky, dando um espetáculo à parte, me deixando com cara de tacho. A última pessoa que eu queria ao meu lado, naquele momento, era ela. 21


DEZESSEIS — A ESTRADA DA MORTE Era estranho pensar em como deixei tudo chegar àquele ponto. Afinal de contas, se eu não gostava o suficiente dela... O que ainda estava fazendo ao seu lado? Essa era uma questão que me deixava impaciente. Eu me sentia um tanto quanto estranho, pois era o “menor maioral”, desejado por muitas garotas, que, em questão de minutos, completaria mais um ano de vida — e, ainda assim, continuaria sendo “o menor maioral”. Ainda encostado no Trovão, cerrei as pálpebras e respirei fundo. Na verdade, estava feliz por não ter nenhum pega, pois não seria uma boa ideia. Minha cabeça rodopiava pela grande quantidade de cerveja e vodca que havia ingerido. Foi quando, ainda de olhos fechados, escutei um acorde de guitarra, seguido de um leve toque de piano — e não sei por qual razão, abri os olhos. Ao som daquela canção que tanto amava, da banda INXS, avistei-a. — Beautiful Girl... Stay Whit Me! — e se fez ouvir o refrão da canção no instante que dei de cara com um anjo. Estonteantemente linda em seu jeans surrado e seu suéter rosa... Deparei-me com aquela que me fez perder o fôlego. Um anjo de pele branca como a neve, olhos castanhos escuros, lábios delicados e finos, e cabelos compridos e lisos, também na cor castanho, um pouco abaixo dos ombros — e a banda INXS ainda era pano de fundo daquela deliciosa visão. Eu pisei em ovos naquele momento, e meu coração acelerou de maneira irreal. Era impossível tirar os olhos daquela linda garota que estava a minha frente. Dessa forma, em questão de segundos, larguei a garrafa de vodca já vazia no chão, seguindo em passos curtos na direção do anjo. — Aonde você pensa que vai? — Julius barrou-me, impedindo que eu alcançasse o anjo. — Eu perdi o fôlego! — falei as palavras, fitando-a bem próxima de mim. Tudo rodopiava confusamente, sempre focando na direção do anjo. A música ainda tocava em alto e bom som, e por alguns segundos, pensei o quanto aquela canção era perfeita para ocasião. Eu havia sido premiado com aquela visão divina, que, por sinal, estava tão perplexa quanto eu, também me encarando confusamente.

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— Hei, Brow... Não é uma boa ideia! Acho que a garota está acompanhada. — alertou-me Julius. Foi então que me dei conta do que estava prestes a fazer. Assim como Vicky, também agiria por impulso. Agora, mais do que nunca, entendia a maneira que Vicky se comportava comigo — por esse motivo, tentaria não recriminá-la mais. Momentos depois, deparei-me com um cara puxando o anjo pelo braço. No mesmo instante, notei que o conhecia de algum lugar, porém, não me recordava de onde. De fato, saber quem era o mané era o que menos importava, pois só tinha olhos para aquela bela visão. — Brow... Acho melhor zarparmos daqui. — disse Julius, um tanto quanto preocupado. Fitei Julius, para, logo depois, procurar pelo anjo. No entanto, minha tentativa de encontrá-la foi em vão... — Espero que não se importe que eu volte dirigindo, pois acho que você não está em condições! Vou chamar o pessoal... Isso inclui a Vicky também. — alertou-me do que estava prestes a fazer, colocando-me, em seguida, no banco de trás do Trovão. E a música terminou, dando vez a um som atual sem sentido. Depois disso, nada mais vi! Apenas senti alguns tapas, um tanto quanto indelicados, sobre meu rosto e meus braços. Então, uma voz se fez ouvir: — Feliz Dezesseis!

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MAIS UM DIA

“Às vezes nem me preocupo tanto comigo... Mas há pessoas que amo e não quero vê-las sofrer.” (Renato Russo)

Ela estava sobre o meu corpo, trajando uma velha e surrada camiseta minha, com os dizeres: “Antes mal acompanhado do que só”. Logo notei que de nada adiantara nossa discussão, pois ela me beijava e me parabenizava por mais um ano de vida. — Feliz Dezesseis! — beijou-me afobada, dando tapas em meu rosto e braços. Eu ainda estava fora de área, porém, não hesitei em beijá-la tão recíproca e arduamente. — Vem aqui, gostosa! — coloquei-a debaixo do meu corpo, em questão de segundos. E sem pensar nas consequências, quebrando toda a promessa que fizera a mim mesmo na noite anterior, transamos — e novamente discutimos. — Porra, Johnny... Quando vamos assumir pra valer nosso compromisso? Eu sabia o que responder. Entretanto, teria de ser leve com as palavras, pois não queria magoá-la outra vez.

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DEZESSEIS — A ESTRADA DA MORTE — Victória... Eu gosto de você, mas não penso em compromisso sério com ninguém! — respondi meio que ressabiado. Ela continuou encarando-me com fúria. Logo, bradou: — Antes mal acompanhado do que só! É exatamente isso que eu significo pra você, não é mesmo? Esta sua camiseta ridícula faz sentido... — cuspia as palavras, esticando com força a camiseta sobre o seu corpo. Ela gritava feito louca, e mesmo o meu quarto ficando nos fundos de casa, conseguiu acordar minha mãe com seus berros. — Johnny... Está tudo bem? — perguntou mamãe, encostada na porta do meu quarto. E mais uma vez ela me fez perder o fio de paciência... Eu não entendia por que ela não conseguia falar em tom normal, como qualquer outra pessoa. A impressão que eu tinha, era que ela fazia aquilo propositalmente, apenas para me tirar do sério, pois esse era seu dom maior comigo. — Tá tudo bem, mãe... Não se preocupe! — fui breve na resposta. Encarei Vicky com fúria. Ela, por sua vez, entendeu o recado, ficando em silêncio. Contudo, mesmo com o silêncio momentâneo, segundos depois, mamãe entrou em meu quarto. — Oh, Johnny! Faça-me o favor, cubra-se. — Dona Lourdes falou, virando o rosto em direção à parede. Segundos depois, saiu do quarto deixando-nos a sós. Respirei fundo e tentei não ser tão grosseiro com Vicky. — Agora sou eu quem diz: Porra, Vicky! Eu moro com a minha mãe, tenha ao menos um pouco de respeito, e quando pensar em ter um chilique de novo, tente se conter com os berros... — eu a encarava com fúria. Aquele era um dia especial — o dia do meu aniversário. E ele não começara tão bem, pois, relembrar de mamãe avistando-me nu, tão intimamente, era assustador. — Você quer tomar café? — tentei ser educado, convidando-a para o café da manhã. Ela abriu um largo sorriso em aprovação, deixando-me com raiva pelo convite que eu acabara de fazer. Por fim, eu estava apenas sendo gentil, fazendo um convite superficial, ansiando por um “não” como resposta.

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— Vicky, por favor, sem discussões! Eu já disse que gosto de você, portanto deixe as coisas fluírem... — alertei-a, tocando seu rosto. Eu queria acreditar no que acabara de dizer. No entanto, a única certeza que tinha, era que não queria que nada fluísse ao lado de Vicky. — Feliz aniversário, filho! — mamãe me recebeu com um forte abraço de urso e uma caixa de presente em mãos. — Mãe, por que gastou dinheiro comigo? — questionei-a, arqueando a sobrancelha esquerda. Ela, por sua vez, encarou-me sorridente, consentindo a presença de Vicky em nosso café da manhã. Em seguida, rebateu: — E quem disse que eu gastei dinheiro algum? Não tire conclusões precipitadas, João Roberto. — aguardou ansiosa para que eu abrisse o presente. Foi então que sentei-me na cadeira da cozinha, em seguida abri o presente... Fiquei emocionado ao me deparar com aquela maravilhosa surpresa. Ao segurar a jaqueta de couro preta que pertenceu ao meu pai, emocionei-me. Na verdade, lembrei-me de todas as vezes que eu o vi tocando-a, como se ela fosse um relicário, viajando para um mundo que era só dele e que eu desconhecia. — Não sei se você se lembra, mas esta jaqueta pertenceu ao seu pai! Ele usou muito na adolescência, especialmente na época em que nos conhecemos, e até mesmo quando você estava aqui, dentro da minha barriga. — falou mamãe, com sua mão direita sobre o ventre. — Que máximo, Johnny! Você vai ficar ainda mais gostoso nessa jaqueta! — disse Vicky, sem ponderar as palavras. Eu notei o fitar de reprovação de mamãe, assim que Vicky falou daquela maneira, tirando o encantamento do momento. Ela sequer se deu conta do que havia acabado de dizer. Aliás, o que mais me desanimava e entristecia em relação à Vicky, era o fato de ela agir daquela maneira, sem pensar, apenas sendo ela mesma. — Mãe, este é o mais lindo presente que eu poderia ganhar! Obrigado! Amo você! — retribui a surpresa com um forte abraço e um beijo carinhoso em sua testa.

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DEZESSEIS — A ESTRADA DA MORTE — Ok! Agora vamos ao nosso café da manhã. — mamãe apontou a mesa cheia de delícias. Foi então que percebi o carinho especial que ela tivera. Ela havia preparado tudo o que eu mais gostava, fazendo-me salivar sobre a deliciosa e farta mesa. Avistei pães de queijos recémassados, ao lado de outros tantos pães recheados (doces e salgados), e também muitas frutas aparentemente lindas e saudáveis e ao lado de um jarro com o meu suco predileto, de laranja com cenoura, encontrava-se um pequeno bolo com os dizeres: “E que venham muitos mais.” — Acho melhor cantarmos parabéns, pois se eu não fizer isso agora, decerto não o farei depois... — explicou-me o porquê do bolo já estar sobre a mesa. E foi então que me dei conta de que há anos não comemorava meu aniversário ao lado dela. — A não ser que a senhora queira que a turma venha aqui à noite! — disse Vicky, sem hesitar. Meu affair conturbado acabara de sugerir um furdúncio em meu lar. No entanto, mamãe não a reprovou com o olhar. Pelo contrário, pois ficou muito feliz com sua sugestão. E mesmo com o semblante em dúvida, exclamou: — E por que não? Avise seus amigos para vir comemorar o seu aniversário, Johnny.... — disse mamãe, com certeza nas palavras. Eu sabia que aquela era uma péssima ideia, pois mamãe não aceitaria meia dúzia de marmanjos enchendo a cara, fumando maconha e falando coisas absurdas. No fundo, ela sabia que eu agia daquela maneira ao lado dos meus amigos. Contudo, ela sempre tentava me mostrar que aquele não era o caminho certo a seguir. — Johnny, quando eu olho pra você, eu vejo o seu pai... Isso é preocupante, pois não quero que você leve esse estilo de vida adiante. — lamentou-se, fitando-me dentro dos olhos. Vicky, por sua vez, engasgou com um pedaço de pão de queijo, fazendo-nos voltar toda a atenção para ela. Segundos depois, disse: — Acho melhor eu ir nessa! Depois ligo pra você, Johnny. — despediu-se beijando-me com entusiasmo, como se minha mãe não estivesse por perto. 28


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Eu sabia que escutaria um sermão, e também estava ciente que minha obrigação era ficar em silêncio e escutar o que mamãe tinha a dizer... — Johnny, me entristece ver o rumo que está tomando. Não sou contra sair e se divertir, mesmo porque, eu também fazia isso na adolescência. Aliás, quando conheci o seu pai, ele era exatamente como você, e, muitas vezes, eu o acompanhei. No entanto, depois de algum tempo, aconteceu um milagre... E este milagre veio para nos salvar. — ela começou a revelar um pouco mais de sua vida. Eu a encarava atônito, ansiando por mais revelações. Pegueime pensando: Será que eles também já haviam feito tantas loucuras quanto eu? — João Roberto Macedo é o nome deste milagre. Amor, você é a única coisa boa que me restou, e eu sofro em vê-lo levando a vida desta forma. Eu não consigo pregar os olhos enquanto você não chega em casa, e cada vez que você aparece com uma quantia considerável em dinheiro, me entristeço ainda mais, pois sei que esse dinheiro é fruto dos rachas que você participa. — encarou-me com os olhos marejados. Engoli seco minha paúra, e fiquei mais bestificado ao constatar que mamãe não era tão desprovida de informações quanto eu pensava. Foi então que certifiquei-me de que, por este motivo, desde que meu pai falecera, ela pegava no meu pé. — Sabe, Johnny, você mal vai à escola e isso é um desperdício, pois é tão inteligente... Sempre gostou de estudar, mas de uns tempos pra cá, meio que sem querer, alguma coisa aconteceu... Parece que vive contra o relógio, como se sua vida fosse acabar de uma hora pra outra. Isso me apavora! — uma lágrima escorreu por sua face. Por fim, todo o sermão que eu estava escutando em silêncio, fazia sentido. — Seu pai deve estar muito triste de ver o rumo que você está seguindo, e quando falo isso, digo por experiência. Eu o amarei por toda minha vida, e fico mais aliviada em saber que foi um câncer que o tirou de nós, e não as drogas e os rachas. Aliás, se não fosse por você entrar em nossas vidas, certamente, tanto eu quanto ele, teríamos um final trágico. — ela avisou-me do erro que estava cometendo ao seguir a vida daquela maneira. 29


DEZESSEIS — A ESTRADA DA MORTE Instantes depois, brotaram mais lágrimas em seus olhos. Eu sabia o que mamãe pretendia com toda aquela revelação, e sabia também o quanto ela enxergava do meu pai em mim. Fitei-a, e notei mais lágrimas escorrendo por sua face. — Não chore, mãe! Isto acaba comigo. — abracei-a com tamanho carinho. Por alguns segundos, ela apenas continuou encarando-me com preocupação e tristeza. Em seguida, continuou a declamar o seu sermão: — Filho, o seu pai sempre dizia que eu era um anjo em sua vida, e mal se deu conta de que ele também fora o meu... Ele sempre orgulhou-se muito em ter conseguido seguir a vida, como qualquer outra pessoa, e, mesmo na dificuldade, nos proporcionou uma vida boa, confortável e com muito amor. Cada palavra dita, fazia com que meu coração se apertasse mais... Era como se aquele fosse um momento único e exclusivo. Eu tive uma desconfortável sensação, como se aquele fosse o meu último aniversário ao seu lado. — Johnny... Eu amo você mais do que tudo na vida! E acredito piamente que um anjo aparecerá em sua vida, e, quando isso acontecer, serei a mãe mais feliz do mundo. Tenho fé que um dia eu lhe direi: “É isso aí, garoto”. Espero que quando isso acontecer, aquela “garota enxaqueca” esteja bem longe... — gargalhamos em uníssono. Garota enxaqueca era uma maneira plausível de definir Vicky! E só então percebi que minha mãe já sabia que há tempos ela pernoitava em meu quarto. — Filho, eu não acho que ela seja uma má pessoa! Apenas fico preocupada como se comporta. Eu não gosto como aquela garota grita com você. Aliás, percebo o quão você fica nervoso e desanimado quando isso acontece, e pelo amor de Deus, não me diga que isto é amor... — aguardou minha sincera resposta. Arqueei a sobrancelha esquerda, descrente com o que minha mãe acabara de dizer... Dona Lourdes me conhecia como ninguém. — Mãe, por favor, isso nem de longe é amor! Mas não vou negar que sinto carinho por ela. Senti seu nervosismo ao querer me perguntar algo, creio eu, muito particular. Segundos depois, questionou-me:

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— Vocês estão se precavendo? Estão usando camisinha? — sua preocupação era visível. Enrubesci-me com a pergunta. Eu não era acostumado a falar sobre essas coisas com mamãe. — Não se preocupe, Dona Lourdes! Nós estamos nos cuidando, e tão cedo a senhora não será vovó. — tentei tranquilizar o seu coração. Eu me senti na obrigação de dar um pouco de paz para ela, e também senti necessidade em deixá-la satisfeita. Foi quando, fitando os seus olhos tão azuis quanto os meus, anunciei: — Guarde o bolo na geladeira, pois à noite teremos que cantar parabéns! Ela olhou-me de esguelha, com incredulidade, e com um sorriso de canto desafiou-me: — João Roberto, eu faço uma aposta que isso não acontecerá. — afrontou-me com esperança. E abraçando-a com carinho, respondi: — Deixa disto, Dona Lourdes... Não precisa apostar, pois estou dando a minha palavra! No entanto, terei de comprar mais algumas cervejas. — alertei-a. Ela sorriu, satisfeita e feliz. E naquele momento, resolvi deixá-la ainda mais feliz com outra decisão: — Aliás, pode ficar tranquila que a partir de segunda-feira, tentarei comparecer em minhas maçantes manhãs no colégio São Leopoldo. — comuniquei minha nova e torturante decisão. Ela abriu um largo sorriso, surpresa com a decisão que eu acabara de tomar. De certa forma, me senti aliviado e feliz por ter tomado uma decisão que acalmara o seu coração. Eu estava enxergando quão ausente estava em sua vida, e pensando sobre este ponto de vista, tentaria mudar algumas coisas.

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MAÇANTE, PORÉM, PRAZEROSO

“Todos os dias quando acordo, não tenho mais o tempo que passou, mas tenho muito tempo.” (Trecho da canção: Tempo Perdido — Legião Urbana)

Faltavam quinze minutos para as sete da manhã. Eu ainda me encontrava sonâmbulo, em frente ao colégio São Leopoldo. — Hei, Brow, você por aqui? — Julius cumprimentou-me, dando um suave soco em meu braço. — Brow, vou ao menos tentar fazer uma coisa certa na vida! — fui breve na resposta. Aquele não era o lugar no qual ansiava estar. No entanto, tinha de cumprir com a promessa que fizera para minha mãe. — Vamos entrar, Brow! O sinal já tocou. — alertou-me Julius, socando meu braço por mais uma vez. Eu considerava o colégio um tanto quanto maçante, e por isso, não aparecia por lá há algum tempo. Só de pensar em ficar por horas em uma cadeira, escutando ladainhas que não faziam sentido algum, eu entrava em pânico. Da próxima vez, eu pensaria muito antes de fazer qualquer promessa a minha mãe. — Até mais, Brow! — despediu-se Julius, seguindo em direção à sua sala de aula. 33


DEZESSEIS — A ESTRADA DA MORTE Olhei para os lados e agradeci mentalmente por não esbarrar com mais ninguém conhecido; havia passado dos limites na noite anterior, quando meus amigos estiveram em minha casa, comemorando o meu aniversário, degustando alguns petiscos, tomando algumas cervejas e falando bobeiras aleatórias. — Brow, só cerveja não vira! — lembrei-me das palavras de Janjão na noite passada. — Pessoal, cerveja é só o que vai virar aqui! Depois que cantarmos parabéns, iremos para algum lugar dar um tapa, ok? — foram minhas palavras antes de partirmos para mais uma noitada regada à maconha. Peguei-me fora de área, fitando o nada, ainda no corredor do colégio, lembrando-me da noite passada e tudo o que havíamos aprontado, quando estávamos comemorando o meu aniversário, em casa, ao lado de mamãe. — E aí, gostoso! — Vicky falou em alto e bom som para que os poucos que estavam por perto, ouvissem. Bufei em exaustão, e com certa indiferença, rebati: — Preciso entrar, Vicky! Depois nos falamos. — tentei desvencilhar-me. Entrei na terrível sala de aula a qual certamente, em menos de cinco minutos, faria com que eu caísse em um sono profundo. Sentei-me na cadeira, e segundos depois, avistei-a — e novamente perdi o fôlego. — Desculpe-me, professor... Ainda posso entrar? — perguntou o anjo em meio à monotonia que me consumia. Em meu devaneio momentâneo, agradeci por ter feito aquela promessa à mamãe, pois, se não houvesse prometido voltar a frequentar as aulas, decerto não esbarraria com o anjo, em plena manhã de segunda-feira. Eu tentava respirar normalmente, porém, notei que meu coração antecipou-se em suas batidas, e por pouco não saltou para fora do peito. — Dona Ana Cláudia, por favor, tente não se atrasar mais. — disse o professor, fazendo um sinal com a mão para que ela adentrasse na sala de aula. Ela sentou-se duas cadeiras à frente, na fileira ao lado, fazendo com que eu perdesse toda a concentração. Eu sequer conseguia olhar para outra direção. Repentinamente, ela fitou-me de canto, com surpresa. Porém, instantes depois, demonstrando certo 34


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desdém, virou-se em direção ao professor... Nas próximas horas, a única matéria pela qual eu conseguiria me concentrar chamava-se: Ana Cláudia. O tempo correu corriqueiramente, e pela primeira vez, ansiava em lutar contra os minutos dentro de uma sala de aula. Queria ficar mais tempo ao seu lado. — Até amanhã, pessoal! — despediu-se o professor, finalizando as aulas do período da manhã. Eu tentei ser tão rápido quanto ela, seguindo-a. Mas assim que ela cruzou a porta da sala de aula, notei uma mão puxando-a pelo braço. Aquele era o mesmo cara que visualizei ao seu lado, na colina. — O que você está olhando, panaca? — perguntou o playboy. — Samy, por favor, solte-me! — balbuciou Ana. — Só vou atender o seu pedido porque estou atrasado para o treino. — o playboy soltou-a com rispidez. Continuei em meu canto, apenas admirando-a. Foi quando avistei-a sozinha, entrando no banheiro. Fiquei instigado com aquela propícia oportunidade, porém, segundos depois, depareime com Vicky procurando-me. Então me escondi à minha maneira (um tanto desajeitado), atrás de uma pilastra, para que Vicky não me enxergasse por ali. Aquela era a minha “deixa” para aproximar-me do anjo. — A-I–M-E-U–D-E-U-S! — escutei um grito abafado, vindo de dentro do banheiro feminino. Entrei sem pestanejar, ficando frente a frente com ela, perdendo o fôlego mais uma vez, deixando-a assustada. Ela transparecia preocupação, como se fosse uma estátua, logo à minha frente. Eu, por minha vez, agradeci em pensamento por estarmos a sós dentro naquele cômodo nada propício. — O que aconteceu? — perguntei encarando-a. Ela apenas apontou para dentro de uma das cabines e disse: — B-A–A-R-A-A-A–T-A! — falou pausadamente. — Calma! Não precisa entrar em pânico. — tentei contornar a situação entrando na cabine. Escutamos uma voz feminina, ainda no corredor do lado de fora. E sem pensar, arrastei-a para junto de mim, para dentro da cabine, trancando de imediato a porta. — Você confia em mim? — perguntei fitando-a intensamente. 35


DEZESSEIS — A ESTRADA DA MORTE Ela encarou-me com admiração, porém, ainda com medo de que a barata estivesse por lá. Segundos depois assentiu com a cabeça, enfatizando com um “sim”. A cabine do banheiro era o menor metro quadrado no qual eu já estivera, fazendo com que ambos tivéssemos dificuldade em nos locomovermos lá dentro. — Fique em silêncio! — sussurrei com os meus lábios bem próximos aos seus. — Mas e a B-A-A-R-A-A-A-T-A? — ela sussurrou, quase que inaudivelmente. — A barata é nosso menor problema agora, anjo... — disse, encostando em seus lábios. Escutamos a mesma voz de segundos atrás, acredito que já na porta do banheiro feminino, perguntando: — Tem alguém por aqui? Aqueles foram segundos mágicos, eu estava colado ao seu corpo, e nossas respirações estavam ofegantes, fazendo com que nossos lábios se encostassem um no outro. Eu perdi a noção de tempo e lugar. — Prazer, eu me chamo Johnny! — apresentei-me. — Eu me chamo Ana Cláudia. — seu hálito quente me entorpeceu. Estar daquela forma ao seu lado, era surreal, pois ao mesmo tempo que perdia o fôlego, sentia necessidade de beijá-la. Porém, por um milésimo de segundo, caí na real, me dando conta que beijá-la não seria a melhor forma de aproximação, pois, decerto, ela se assustaria. — Acho que já podemos sair daqui, Johnny! — sua voz parecia um soneto, em quatorze versos, feito especialmente para mim. Ela encostou-se ainda mais contra meu corpo para sair daquele minúsculo metro quadrado. Contudo, continuei pressionando-a contra a parede da cabine. — Você está me seguindo? — perguntou-me incrédula. Eu teria que ser rápido e certeiro. Desta forma, sem hesitar, menti: — Não! Eu estava passando pelo corredor quando ouvi um grito. — tentei enganá-la com a minha mentira. Ela olhou-me confusa, como se quisesse me perguntar algo. Eu, por minha vez, apenas admirava-a, com seu jeito sereno de

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ser, bem diferente do que estava acostumado a presenciar, ao lado de Vicky. — Você é o cara da garrafa de vodca na colina? Aquele que parecia estar indo ao meu encontro para me dar uma surra? — bradou em tom surpreso. Segundos depois, do lado de fora, ouvimos a mesma voz feminina de instantes atrás. Sem hesitar, pressionei-a ainda mais contra o meu corpo, foi quando senti sua mão direita sobre minha jaqueta jeans, na direção do meu coração. — Oh, Deus! Eu devo estar ficando maluca mesmo. — disse a voz indecifrável, na porta do banheiro, evaporando-se segundos depois. — Shhhhh... — sussurrei em seu ouvido. Estávamos tão próximos, tentando não sermos pegos por aquela peripécia do acaso. Ela tinha um perfume floral que fazia com que eu me teletransportasse para outro planeta. — Anjo, eu nunca te daria uma surra. — respondi sua pergunta de minutos atrás, com um beijo quente e inesperado. Aquele beijo fez-me ir às alturas. Nossos lábios juntaram-se com querer, fazendo com que nossas línguas entrassem em um combate de prazer — e a cada segundo degustando seu beijo, enlouquecia ainda mais. Enlouqueci com o som de nossas respirações ofegantes e até mesmo pude sentir ambos corações batendo em um só ritmo. Por impulso, acariciei com uma de minhas mãos sua pele suave como seda, percorrendo-a pelo seu corpo, pressionando ainda mais os nossos corpos, erguendo-a pelas coxas sobre a parede da cabine, pressionando a minha ereção em seu sexo. — Seu imbecil! — estapeou-me com força no rosto, saindo às pressas da cabine. Eu estava túrbido com o que acabara de acontecer, e tentei me recompor antes de ficar frente a frente com ela, mais uma vez. Ela estava já fora da cabine, ajeitando suas vestes e seus cabelos, e assim que me viu saindo da cabine, bradou: — O que te fez pensar que poderia me beijar desta forma? — indagou-me com fúria nos olhos. — Eu não pensei, apenas fiz! — sorri de canto, sendo sincero na resposta.

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DEZESSEIS — A ESTRADA DA MORTE Ela ainda me encarava nervosa, e com uma de suas mãos na cintura rebateu: — Você acha mesmo que eu tive vontade de ser beijada por você? — perguntou ainda mais alterada. Eu reforcei o meu sorriso de canto, e provocando-a, dando uma breve piscadela, respondi: — Anjo, se aquilo não foi vontade, então, sinceramente, não sei qual definição para tal feito! — soltei as palavras em tom provocativo. — Seu abusado! — ela pegou sua mochila, em seguida empurrou-me e saiu porta afora. Eu ainda estava estupefato, e mal conseguia andar sobre os meus próprios pés. Contudo, sentei-me no chão gélido do banheiro, e por alguns minutos fiquei em transe, pensando no que acabara de acontecer... Aquela era uma nova, entorpecente e deliciosa sensação, algo um tanto estranho para o bam-bam-bam do colégio, ou seja, o pegador do país. Na verdade, apesar do rótulo de pegador, havia uma coisa que poucos sabiam... Eu desfrutara da minha vida sexual em minudência, pois até então tivera apenas duas experiências sexuais, sendo que a primeira foi com uma ex-vizinha (mais velha) e a segunda com Vicky... Eu perdi minha virgindade aos treze anos, e tive uma professora e tanto... Ela ensinou-me tudo o que uma mulher desejava na cama, até que minha mãe descobriu e fez o maior barraco da história, ameaçando-a verbalmente (e também judicialmente) por seduzir um menor, fazendo com que ela partisse, envergonhada, e às pressas da cidade. Depois disso, envolvi-me com a Vicky, que, de certa forma, surpreendeu-me, pois era tão (ou até mais) experiente do que minha supervizinha-professora-de-anotomia. Ainda sentado no chão gélido do banheiro feminino, agradeci em pensamentos por ninguém adentrá-lo, e, com cuidado extremo, desvencilhei-me de qualquer nova peripécia do acaso. Saí do banheiro tentando não chamar atenção, afinal de contas, não era nada normal um homem frequentar o banheiro feminino. Foi quando deparei-me com Ana Cláudia do lado de fora do colégio. No entanto, agora, estava com playboy marombado ao seu lado.

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— Foi um prazer, gata! — falei em alto e bom som, dando mais uma piscadela em sua direção, entrando em seguida no meu Trovão. Ana encarou-me assustada. Desta forma, fez com que eu caísse no riso, deixando o playboy com o semblante ainda mais preocupado e furioso. Segundos depois, notei que ele iniciara um tipo de inquérito pessoal, deixando-a desconfortável. Ansiando em provocá-lo, acelerei o meu Opala a metros de distância, fazendo com que eles direcionassem a atenção na direção em que eu estava, foi quando passei próximo a eles, ainda acelerando em alto e bom som, fazendo o ronco do motor acordar até mesmo outra cidade e, alguns metros a frente, olhando através do retrovisor, avistei o marombado segurandoa com brutalidade pelo braço, foi quando, sem pensar, dei ré com o carro, ficando ao lado dos dois: — Solte-me, seu bruto! — escutei o anjo bradar. Encarei-os, ainda dentro do meu Trovão. — Vaza daqui, seu filho da puta! — disse o playboy, cuspindo as palavras e apontando o seu dedo indicador em minha direção. Em contrapartida, provocando-o, mostrei-lhe o meu dedo do meio, partindo segundos depois com o meu Trovão e ainda na saída do estacionamento do colégio, avistei o anjo afastando-se dele, seguindo sozinha e, a pé rua afora. — O anjo aceita uma carona? — assustei-a com a minha pergunta, em uma viela próxima ao colégio. — Eu não estou vendo anjo algum aqui, e se você queria encrenca, eu o parabenizo, pois você conseguiu. — disse com o humor alterado. Ela apertou os passos, tentando se esquivar. Eu, por outro lado, sincronizei meu Trovão junto a ela, alcançando-a, ficando por mais uma vez ao seu lado. — Eu apenas ofereci uma carona, princesinha de gelo. — provoquei-a. Fiquei satisfeito ao constatar que havia conseguido o que tanto queria: sua atenção. — Aceita ou não a minha carona, boneca? — arqueei a sobrancelha direita, olhando-a nos olhos. — Você me chamou de princesinha de gelo? — perguntou furiosa. 39


DEZESSEIS — A ESTRADA DA MORTE — Bom, ao menos tenho a certeza de que você escuta bem. — continuei provocando-a, na intenção de continuar tendo sua atenção. Ela também arqueou sua sobrancelha direita e, a contragosto, disse: — Seu imbecil! Saiba que pra você é exatamente isso que serei... Uma princesa de gelo. — seus olhos estavam arregalados. — Anjo, sinto lhe informar, mas eu tenho um poder sobrenatural, e consigo derreter até mesmo o mais resistente iceberg. — zombei de sua cara. Ela deixou-me no vácuo, soltando fogo pelas ventas, apertando os passos e pegando um atalho diferente, fazendo com que eu a perdesse de vista. Aquela não era a melhor forma de abordagem. Tentaria, a todo custo, convencê-la a pegar uma carona comigo, afinal de contas, ela era a razão de tudo, principalmente para eu continuar frequentando aquelas maçantes aulas que tanto repudiava — e por isso, o meu empenho em conquistá-la estava apenas começando.

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