A Tuna em Portugal1 A Tuna Portuguesa Contemporânea (1980-1995 e Ss.)
II Congreso Iberoamericano de Tunas MURCIA, 24 Y 25 de Abril de 2014
Por
Eduardo Coelho e J.Pierre Silva 2
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Com base em “QVID TVNAE? A Tuna Estudantil em Portugal”, Euedito, 2012. Grupo de investigação tunante, composto por Eduardo Coelho, Ricardo Tavares, João Paulo Sousa e Jean-Pierre Silva, autores de “QVID TVNAE?”) 2
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A Tuna em Portugal III –
A Tuna na actualidade: traje, composição e postura, instrumentos, repertório e tradições O pós-25 de Abril (ca. 1980- …) A massificação do ensino superior O processo de descolonização fez regressar abruptamente ao território de Portugal continental um vastíssimo contingente de população que se havia radicado nas excolónias. A taxa de natalidade explode. Os governos têm de dar resposta às necessidades de aumento das qualificações que derivam quer da situação interna quer dos compromissos internacionais assumidos com a adesão à CEE (hoje UE), o que vai dar origem à proliferação de universidades, institutos e escolas superiores que se verificaram nas décadas seguintes. No espaço de uma década, em Portugal passa-se de um punhado de universidades e pouco mais de uma dezena de institutos para quase duas dezenas de universidades e perto de uma centena de institutos e escolas superiores. Todos estes pólos estudantis vão procurar captar novos estudantes e incentivar a permanência e o sentido de pertença às novas instituições.
Identidade e integração a) Criação de uma identidade Ainda sem prestígio científico e académico, as novas universidades vão apressar-se a acarinhar (e agradecer!) todas as formas de integração e identificação dos alunos com as respectivas instituições. Foi com este intuito que surgiram os diferentes trajes académicos. Procurava-se, então, uma diferenciação a todo o custo relativamente às Universidades “clássicas”, sobretudo as de Coimbra e Porto, que envergavam a tradicional capa e batina. Esta atitude foi também encorajada por uma certa corrente de opinião surgida em Coimbra e que defendia (de forma equivocada) que a capa e batina era um traje exclusivo daquela universidade, e que o seu uso fora do ambiente coimbrão constituiria uma 2
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usurpação. Encorajavam, por isso, a que os estudantes de outras universidades construíssem a sua identidade tendo como elemento aglutinador um traje próprio, criado de raiz. Estes dois factores - necessidade de afirmação e instigação exterior - estiveram, assim, na origem da profusão de trajes académicos actualmente existentes, em conjunto com a invenção de “novas” tra(d)ições, sem qualquer fundamentação histórica ou lógica. b) Integração A principal forma de integração na universidade portuguesa foi desde sempre o conjunto de tradições, usos e costumes a que genericamente se dá o nome de “praxe”. A praxe consiste, de uma forma muito resumida, no conjunto de “direitos” e “deveres” que regulamenta as relações hierárquicas entre os estudantes, entre estes e a comunidade onde se inserem, e a estrutura e natureza de certos rituais e festividades próprias da comunidade académica. Um tribunal de Praxe (novatada).
A forma de usar o traje em diferentes situações (serenatas, aulas, missa, luto), os castigos a infligir aos caloiros e a forma como se podem proteger ou ser protegidos desses castigos, a estrutura das semanas académicas, as fórmulas de abertura ou encerramento das cerimónias estudantis são “praxe”. A praxe foi, assim, a mais rápida, a melhor - e a mais barata... - forma de integração informal nas novas universidades. Naturalmente, surgem também equipas desportivas, grupos corais e dramáticos e... tunas.
Documentário Praxis, vencedor do festival de Curtas-metragens de Lisboa.
Devido às suas características, as tunas foram os agrupamentos que mais fortemente apelaram à juventude irreverente, irrequieta e sedenta de dar livre expansão à sua veia romântica e boémia. A proliferação de tunas nas décadas de 1980 e 1990 é, assim, resultado directo do fenómeno de massificação e descentralização do ensino superior.
Mas não só. O mesmo fenómeno de criação exponencial de tunas vai verificar-se nas universidades clássicas de Lisboa, Coimbra e Porto, em paralelo com a da reintrodução/recuperação das tradições académicas, proscritas, como vimos, por serem falsamente conotadas com a ditadura salazarista. 3
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O processo de reintrodução das tradições académicas nas grandes universidades clássicas parte da iniciativa de grupos restritos de estudantes a nível de cada faculdade. A iniciativa da fundação de tunas neste período vai partir quase sempre destes grupos, razão pela qual os intervenientes no processo de recuperação da praxe vão ser os mesmos. Esta sobreposição de pessoas e até certo ponto de competências está na base da lamentável - e desnecessária, e infundada - confusão que actualmente se tem feito entre tunas e praxe.
III Etapa: 1980 – 1995 e Ss. Traje Em Espanha e nos países latino-americanos, as tunas usam o traje herdado dasestudiantinas de finais do século XIX e popularizado pela Estudiantina Española de 1870 e, sobretudo, pela Estudiantina Fígaro. O actual traje de tuna espanhol, conhecido na gíria como “pájaro”, “grillo” ou “cuervo”, consiste em gibão e calções de veludo, meias, sapatos e capa todos de cor preta.
Em meados da década de 1940, e por influência do S.E.U. (Sindicato Español Universitário) surge a “beca”. Em Portugal não existe este conceito de “traje de tuna”. Os tunos usam o traje académico da universidade/instituição a que a tuna pertence. No entanto, como vimos na Parte II, os trajes variam (ou podem variar) de cidade para cidade, e de universidade para universidade. Chega até mesmo a haver cidades onde há mais do que uma universidade, cada uma com um traje diferente. Assim, podemos ter tunas em que: a) os tunos pertencem todos à mesma instituição b) os tunos pertencem a instituições diferentes Se os tunos pertencem todos à mesma instituição, usam, todos, o mesmo traje académico. 4
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O Traje oficial do estudante português (Traje Nacional) é conhecido por “Capa e Batina”.
Tuna do IST de Lisboa.
Tuna Universitária do Porto.
A partir de 1990, surgem novos trajes, supostamente para criarem uma identidade própria, buscando, muitas vezes, adaptar a etnografia e folclore locais, o que, como sabemos, constituiu um erro, já que o traje estudantil existe para distinguir o foro académico, diferenciando, precisamente, das outras classes e profissões.3 As tunas dessas instituições adaptaram o respectivo uniforme, com mais ou menso adaptações identificativas do mester tunante.
Tuna da Universidade do Minho.
TunaDão, do Instituto Superior Politécnico de Viseu.
Porém, há casos em que os tunos pertencem a instituições diferentes, o que deu origem a diferentes soluções: a) cada tuno continua a usar o traje da sua instituição, havendo trajes diferentes dentro da mesma tuna (situação actualmente inexistente); b) os tunos criaram um traje específico para a tuna – regra geral inspirado no traje de tuna espanhol, mas com adaptações (Ex. Neptuna na Figueira da Foz, Real Tunel e Infantuna, em Viseu, e Tuna Universitária de Beja) ;
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Além disso, a etnografia e o folclore, os diversos trajes do povo e profissões não contemplam a figura do estudante.
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A Infantuna de Viseu, cujo traje homenageia o Infante D. Henrique, Duque de Viseu, através do chapéu característico, usando calção, camisa folhada e colete.
Real Tunel Académico - Tuna Universitária de Viseu. Traje inspirado nas tunas espanholas e com traços a recordar o pintor Grão Vasco (barrete) e o poeta João de Barros (camisa), ambos figuras ilustres da cidade de Viseu. Os 3 tipos de fita não são becas, mas formas de identificar as 3 hierarquias (vermelho, amarelo e azul): Pagem (novato), Escudeiro (tuno), Confrade (maese/veterano).
Composição e postura As tunas portuguesas são na sua maioria agrupamentos masculinos. No entanto, há tunas de formação exclusivamente feminina. Existem igualmente agrupamentos mistos (que estiveram na base de muitos agrupamentos masculinos e/ou femininos), embora em muito menor quantidade. As tunas apresentam-se em palco de pé, muito embora a tradição portuguesa autorize a que possam actuar sentadas.
Instrumentos As tunas portuguesas usam essencialmente instrumentos de plectro da família dos bandolins (bandolim, bandola, bandoloncelo), guitarras e contrabaixo, assim como instrumento friccionados (violino), aos quais se juntam acordeões, violinos e flauta transversal, além de outros cordofones de origem popular, como o cavaquinho (avô 6
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de instrumentos como timple canário, o cuatro venezuelano, o charango ou o ukulele) e a viola braguesa. A percussão é composta por pandeiretas e bombo-tenor; bongós, congas, maracas e outra percussão ligeira podem também completar a secção rítmica. A pandeireta é normalmente bailada em grupo, podendo chegar aos 8 elementos. A inserção de instrumentos de sopro, pertencentes aos “metais”, bem como a progressiva instalação de autênticas baterias em palco são ainda tidos como impróprios, embora a fronteira nem sempre seja respeitada, em razão de lógicas festivaleiras.
Repertório Não existe em Portugal o conceito de “música de tuna”. Actualmente, os clássicos de tuna espanhola (Clavelitos, Fonseca, Calles sin Rumbo, Morena de mí Copla, etc.) raramente são interpretados4. Praticamente todas as tunas têm um original que consideram ser o seu “hino”. Este “hino” é geralmente em tempo de marcha (2/4) e faz alusão à vida boémia do estudante, gabando os dotes etílicos da tuna. O repertório é extremamente diversificado, indo da música popular portuguesa à música erudita. Há essencialmente duas correntes de opinião: - uma “corrente exclusivista” que sustenta que as tunas são agrupamentos populares/tradicionais e que só devem tocar temas portugueses, de preferência originais, inspirados nas formas musicais tradicionais portuguesas, e cantados em português de Portugal; recusam a música erudita e não apresentam temas instrumentais [concepção errónea, diga-se]; - uma “corrente inclusivista” que defende que as tunas são agrupamentos musicais e que podem, por isso, interpretar todo o tipo de música, independentemente da sua origem [aqui também há abusos de interpretação, pois nem tudo vale], embora privilegiem o português; o repertório abrange a esfera cultural ibero-americana e interpretam peças instrumentais eruditas. Não existe, portanto, em Portugal, o conceito de “cancioneiro tunante português”, com um nº mais ou menos fixo de temas que sejam interpretados por todos5 e reconhecidos como pertença da comunidade tunante. Existem temas mais
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Eram muito correntes nos anos 80 e início dos anos 90. À medida que se reduziu a presença de tunas espanholas em certames portugueses (e vice-versa), esse tipo de repertório foi desaparecendo 5 Em Portugal ainda existe a imatura ideia de que não se tocam em palco temas de outras tunas, especialmente em festivais.
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conhecidos e históricos , tocados nomeadamente em ambientes informais, fora de palco e de certames, mas a larga maioria das Tunas está fechada no seu alinhamento (constituído de originais e/ou covers), tornando quase impossível que as mesmas cultivem temas que as aproximem e promovam uma identidade comum.
Crescimento Como vimos, na década de 1980, o conceito de tuna havia praticamente desaparecido. Da primeira grande vaga de tunas (finais do séc. XIX), haviam sobrado apenas três no meio estudantil: - Tuna Académica da Universidade de Coimbra (TAUC); - Tuna Académica do Liceu de Évora (TALE); - Tuna Universitária do Porto (TUP).
Todas mantinham a postura orquestral (sentados, com maestro) e executavam um repertório essencialmente musical (em especial a TAUC e a TALE). A TUP actuava exclusivamente nos espectáculos do OUP, Orfeão Universitário do Porto). Havia muito pouco contacto com tunas espanholas e as participações em festivais em Espanha era muito esporádica. Em 1982, surge a Tuna Académica da UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), inspirada nas tunas populares da região. Em 1984-85, a TUP é reactivada, mas limitada aos espectáculos do OUP e surge a Estudantina Universitária de Coimbra. Ao contrário da TAUC, esta apresenta-se de pé e com uma actividade mais centrada na rua, em grande medida por influência da atitude mais “callejera” das tunas espanholas, preservando a identidade e o sentir popular português. O lançamento do seu 1º disco “Estudantina Passa”, em 1988, inicia uma nova vaga de “Tunomania”.
Tuna da UTAD (Vila Real)
Estudantina Universitária de Coimbra
Tuna Universitária do Porto
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Nos anos que se seguiram ao lançamento do “Estudantina Passa” (1989), os temas desse disco (em que se destacam as composições de António Vicente) eram tocados por quase todas as tunas em Portugal.
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Entre 1982 e 1995, surgem, aproximadamente: - 50 tunas masculinas - 20 tunas mistas7 - 35 tunas femininas8 Convém salientar que muitas das mais antigas tunas masculinas e femininas nascem de uma formação anterior mista9.
Discografia Embora já existindo alguma (pouca) discografia (década de 1960 e 1970), é a partir de 1988 que se dá um aumento exponencial de gravações (K7, vinil e CD), contando-se mais de 30 só até 1995. Actualmente ultrapassam largamente a centena.
Tuna OUP, 1964
Tuna OUP, 1966
Tuna e OUP, 1972
Tuna Liceu em Angola, 1974
Tuna OUP, 1966-67
E.U.C., 1989
TAUC, 1968
TUP, 1991
O disco mais vendido em Portugal foi o “Serenata das Fitas”, editado pela Estudantina Universitária de Lisboa, em 1993, atingindo disco de platina.
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A mais antiga é a Tuna da UTAD (1982), seguida da Tuna Da Universidade Internacional de Lisboa (1988). A mais antiga é a Tuna do OUP e Tuna Feminina de Coimbra (1988), seguidas da Tuna da Universidade da Covilhã (1989). 9 Como disso é exemplo a Tuna Masculina de Engenharia da UP (1988). 8
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Uma das características da discografia em Portugal, nos anos 90, é a gravação de certames, que permitiram ouvir muitas tunas nacionais e estrangeiras que não tinha disco editado ou cujo trabalho discográfico era de difícil aquisição. Desse considerável nº de edições, destacam-se as dos II e III Festival Internacional de Tunas promovidos pela TUIST (Lisboa), quer pela qualidade da gravação quer pelo elenco de tunas que participaram.
VII FITU, Porto, 1994
IV CITU, 7 Colinas, Lisboa, 1994
V FESTUNA, Coimbra, 1995
I Invicta, Porto, 1996
IV FITUP, Porto, 1996
Tágides, Lisboa, 1997
VIII Lusíada, Porto, 1999
V, VI e VII FITUP, Porto, 2000
VIII Invicta, Porto, 2003
II FITU IST, Lisboa, 1996
FITU, Porto, 1997
CELTA, Braga, 2006
III FITU IST, Lisboa, 1996
VIII FITU, Viseu, 1999
VII e VIII FITUA, Aveiro, 2007-08
Em 1987, a TUP muda radicalmente de postura e passa a apresentar uma formação exclusivamente masculina (sobretudo a partir de 1989), absorvendo a influência da tuna espanhola, em termos de postura e repertório, mas mantendo o fundo tradicional português, quer a nível do traje (capa e batina), quer dos instrumentos. O conceito de tuna que começa a surgir deve-se em grande medida ao concurso de tunas promovido no âmbito do programa “Gente Joven”, transmitido pela TVE, mas visto em praticamente todo o território português. 10
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Certames Em 1987 realiza-se o primeiro festival de tunas em Portugal: o Festival Internacional de Tunas “Cidade do Porto” – o FITU. Aberto o precedente, começam a realizar-se festivais de tunas um pouco por todo o país, quase sempre com a presença de tunas espanholas. Este contacto directo aprofundou a influência espanhola, nomeadamente a nível das tradições: baptismo de tunos, apadrinhamento de tunas, geminações/irmanamentos, hierarquização caloiro/tuno (ou análogo), o “magister tunae”. Outros grandes certames que se seguiram: 1988, Festival Ibérico de Tunas Académicas (FITA), inserido no programa da Queima das Fitas do Porto, em substituição do Sarau Recreativo. 1989/90, CITU, 7 Colinas – Certame Internacional de Tunas Universitárias., o mais antigo em Lisboa, organizado pela Tuna da Universidade Internacional; 1990 FITUA – Festival Ibérico de Tunas da Universidade de Aveiro, na altura como iniciativa cultural da Associação de Estudantes da Universidade de Aveiro, e com carácter não-competitivo10. FESTUNA (em continuidade ao anterior Encontro Internacional de Tunas (que fazia parte do programa cultural da Queima das Fitas), organizado pela Estudantina Universitária de Coimbra; 1991, BRACARA AUGUSTA, organizado pela Tuna Universitária do Minho.
………….
Cartazes do I e II FITU do Porto, 1987 e 1988.
FITUA (Aveiro), 1994 10
Capa CD do CITU, Lisboa, 1994.
I FITU Viseu, 1992
Bracara Augusta 1993 I Lusíada (Porto), 1993. Tágides, Lisboa, 1993
CELTA, Braga, 1994.
Capa do CD do V Festuna de Coimbra, 1995
Capa do CD duplo do II FITU do IST, Lisboa, 1995
Actualmente é organizado pela Tuna Universitária de Aveiro.
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Será preciso esperar por 1994 para assistirmos aos primeiros certames femininos: o Festival de Tunas Femininas do ISEP, organizado pela Tuna Feminina do ISEP, e o Festival Nacional de Tunas Femininas, organizado pela Tuna Feminina da Universidade Fernando Pessoa, ambas agremiações portuenses. No ano seguinte, em 1995, ocorre o I CANTO DA SEREIA, organizado pelas Mondeguinas (Tuna Feminina da Universidade de Coimbra). Apesar do número relativamente elevado de tunas de composição mista, não há até 1995 festivais/certames organizados por estes agrupamentos. Nesta primeira década, as tunas mistas acabavam, regra geral, por participar (embora de forma muito esporádica e excepcional, quase sempre extraconcurso) nas iniciativas promovidas pelas suas congéneres masculinas ou femininas. Certame Televisivo Em 1995, pretendendo realizar uma série de reportagens sobre tunas, a RTP (Rádio Televisão Portuguesa) contactou o Orfeão Universitário do Porto. A equipa nomeada pela Direcção do OUP consegue negociar uma mudança de formato, argumentando junto daquela instituição que um concurso teria um impacto muito mais forte nos espectadores.
A TAULP, vencedora do programa, e o apresentador, Manuel Luís Goucha.
Todos os domingos (um por cada Tuna + meias finais e final), em horário nobre (e durante 1h30), o concurso marcou a história da Tuna em Portugal, naquele que foi o programa que maior impacto teve na promoção da Tuna em Portugal. Ponderados os necessários critérios de qualidade, representatividade e abrangência nacional, as dez participantes foram:
Tuna de Engenharia da Universidade do Porto; Tuna de Medicina da Universidade do Porto; Tuna da Universidade Católica Portuguesa – Porto; Tuna Académica da Universidade Lusíada do Porto; Antúnia – Tuna de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa; TUIST – Tuna do Instituto Superior Técnico de Lisboa; Tuna de Medicina da Universidade de Coimbra; Tuna Universitária do Minho; Azeituna; Estudantina Universitária de Coimbra.
A Tuna organizadora (TUP) apenas teve participação a título não competitivo, dado o envolvimento no processo. 12
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Hierarquia Convém recordar que a nível universitário se vivia um período de revitalização/implantação da praxe académica. Como vimos na Parte II, os intervenientes no processo de implantação da praxe foram quase sempre os mesmos que estiveram na formação das tunas. Esta circunstância fez com que a hierarquização no interior das tunas fosse fortemente influenciada pela hierarquização da própria praxe. Assim, enquanto nas tunas espanholas há dois ou três graus – “novato” ou “pardillo”, tuno ou “maese” e “magister tunae” ou “jefe”, algumas tunas portuguesas apresentam uma estrutura hierárquica mais complexa – com quatro, cinco, seis graus. Na sua maioria, as tunas portuguesas apresentam apenas dois graus hierárquicos: caloiro e tuno, sendo o “magister” um “primus inter pares”, não um verdadeiro grau hierárquico. A passagem de caloiro a tuno é geralmente assinalada por um de baptismo. O caloiro é convocado a comparecer num local indicado pelos tunos, sendo-lhe pedido que realize uma série de tarefas. O caloiro terá de fazer prova do cumprimento das tarefas, findo o que será baptizado pelo “magister” e recebendo o cognome de tuno, normalmente decidido pelos restantes tunos. Poderá nesse momento receber um qualquer sinal identificativo da sua nova condição – uma fita, um emblema, etc. Este ritual é extremamente variado, podendo contemplar etapas diferentes das descritas.
ritual
Cerimónia do baptismo
O apadrinhamento entre tunas é mais raro, mas segue essencialmente o mesmo ritual do baptismo de tuno. De notar que o apadrinhamento não é necessário para que uma tuna seja reconhecida pelas restantes. O irmanamento/geminação entre tunas é também raro. Poderá constar de uma cerimónia informal (um jantar e uma serenata conjuntos), com eventual troca de lembranças e celebração de um documento que assinale a ocasião. Os tunos de ambas as tunas serão, em princípio, reconhecidos como sendo tunos da outra. Em Portugal não há, por isso, uma tradição tão “codificada” como em Espanha, onde cada ritual imprime um conjunto de direitos e deveres recíprocos.
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QVO VADIS, TVNAE? Actualmente 2 traços distintivos caracterizam a Tuna em Portugal: - A excesso de competitividade, com uma actividade quase só centrada nos certames o que levou a: a) Aumento da qualidade musical; b) Afastamento da espontaneidade e do ideário do “correr la tuna”. - Dificuldade em se definirem fronteiras quanto a um modelo mais ou menos estável e identificativo, quer no uso de instrumentos, quer de traje quer, também, no “modus faciendi et vivendi”. A multiplicidade de formatos e conceitos, muitas vezes em resultado do pouco conhecimento da “res tunae”, levou a muitos desvios e invenções, por vezes colocando a Tuna fora do seu estrito âmbito. Com a entrada de Bolonha (remodelação dos currículos e dos cursos universitários) e os problemas da crise financeira, o número de tuna e de novos tunos reduziu-se e muitas actividades perderam espaço (digressões, participação em certames no estrangeiro, edição discográfica…). O grande caminho que a Tuna portuguesa precisa, actualmente, de fazer, é um caminho de redescoberta e de reflexão. Redescobrir as suas raízes e aquilo que define Tuna, enquanto cultura e tradição devidamente identificados e circunscritos, de modo a evitar tornar-se uma federação de individualismos e enclaves e se transformar num arquipélago chamado Tuna, mas onde as ilhas são tudo menos isso. Os muitos equívocos e invenções produzidos nos últimos 30 anos foram, em muitos aspectos, muito nocivos, e bem sabemos que custa muito mais desfazer o erro do que o cometer. Foi essa razão pela qual se iniciaram os ENT (Encontro Nacional de Tunos) em 2003 (Évora) e que conta já com 9 edições (anuais ou bi-anuais), tendo o último decorrido em Vila Real (2013).
Cartaz do IX Encontro Nacional de Tunos, realizado em Vila Real, em Novembro de 2013
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Foi também pela necessidade de desfazer mitos e ficções em torno do fenómeno Tuna que surgiu, em 2012 o “QVID TVNAE?”, após vários anos de investigação, e que veio trazer luz sobre a cultura e a história tunantes em Portugal, e não só. Não temos 600 anos de Tradição, apenas pouco mais de 140/150 e, mesmo assim, tanto há ainda por descobrir e dar a conhecer. Tunar não é apenas tocar e cantar; não é apenas participar em rondas e certames, usar traje e fazer serenatas. Tunar e ser Tuno é também o trabalho de conhecer, investigar, preservar e promover a cultura e o saber sobre a Tradição que se vive e canta. Ambos os aspectos são necessários, porque hoje o negro magistério tanto se faz trajado em palco, como de luvas e bloco de notas numa qualquer biblioteca ou hemeroteca.
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