ID: 53025541
22-03-2014 | Fugas
Tiragem: 34630
Pág: 20
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Semanal
Área: 27,02 x 31,12 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 3
Dormir Pousada do Infante
Em Sagres há que caminhar, contemplar e comer Não é a ponta mais ocidental da Europa mas é o extremo sudoeste europeu. O convite é para que o visite na Primavera e veja o verde ponteado de cor ou vá no Verão e suspenda a respiração ao pôr do sol. Bárbara Wong
O
vento sopra forte e frio, os cabelos emaranham-se e os olhos choram mas não há qualquer tristeza, antes maravilhamento — sim, a palavra existe! Debruçados, vemos ao fundo, a uns 50 metros a pique, o mar, lá em baixo, a bater nas rochas graníticas de cor escura. O barulho das ondas é furioso e ouve-se por toda a vila de Sagres, que nasceu junto à praia e tem pouco mais de dois mil habitantes. No topo da Fortaleza de Sagres, que fica mesmo na ponta da vila, de costas voltadas para o mar, vê-se, do lado direito, a Pousada do Infante, com uma arquitectura que lembra o Estado Novo. O edifício é baixo — como é a maioria das casas da vila
— e com arcadas. Apetece regressar ao quente daquele espaço explorado pelo grupo Pestana. Lá dentro, no rés-do-chão existe uma lareira enorme que todas as noites crepita. Nos sofás à sua volta, há quem converse enquanto toma uma bebida, consulte o tablet ou leia um jornal. O chão da sala virada para o mar é de ladrinho vermelho escuro e as paredes têm, até meio, azulejos mouriscos. Os cortinados são pesados e pendem de um varão que, em cada ponta, fecha com uma cruz de Cristo em ferro. As paredes estão decoradas com duas enormes tapeçarias da autoria de Cândido Costa Pinto, autor surrealista que participou na grande exposição do Mundo Português na década de 1940. A cor dominante dos grandes tapetes de Portalegre é o azul e o tema é o dos Descobrimentos e de um dos seus impulsionadores, o Infante D. Henrique. Não vamos discutir se existiu ou
não a escola de Sagres com os seus mestres cartógrafos e outros cientistas que terão contribuído para o nascimento e crescimento do Império. Contudo, quem percorre os corredores da Pousada e vê alguns apontamentos como a escultura de Cargaleiro que representa o Infante tem a certeza que sim, que ali é que começou toda a aventura dos Descobrimentos. O mar vê-se de todos os 51 quartos da pousada e os corredores terminam todos com uma janela, como se fosse uma moldura, com o azul da água do outro lado. Os quartos são um misto entre a casa da avó e o luxo de um hotel. Quem entra e se fixa no chão, imagina que está numa casa antiga onde os tacos de madeira clara desenham “v” ou “w” até chegarem a uma moldura feita com tacos mais escuros. Os rodapés, as paredes e os vãos das janelas também lembram as casas edificadas nas décadas de 1950 e
1960, o que não é de estranhar, já que o edifício é da mesma altura. Mas quem entra com os olhos levantados tem a certeza que está num hotel onde a decoração se inspirou no mar e no Verão, reflectido na cabeceira da cama, nos abat-jours dos candeeiros em palhinha e os cortinados e quadros de cores alegres e quentes como o rosa ou o laranja, contrastando com o branco do édredon e de toda a mobília. Em cima de uma mesa de madeira com o tampo redondo e as pernas elegantes há uma travessa de fruta fresca; um prato com alguns doces regionais, uma pequena garrafa de Porto e dois cálices. Um convite para transportar tudo para o outro lado da porta de vidro, sentar para provar os doces de amêndoa e espreitar o mar e a ponta de Sagres a partir da varanda. Imagino as actividades que se podem fazer quando o tempo estiver melhor: nadar — na piscina ou
no mar —, surfar — a Pousada criou um espaço próprio para os amantes do surf deixarem as suas pranchas e outros materiais —, ou mergulhar. “E contemplar?”, pergunta-me alguém. Sim, porque há um acontecimento que não posso perder: o pôr do sol visto do Cabo de São Vicente, que fica a poucos quilómetros, é “um pôr do sol mágico”, diz-me a mesma pessoa; é “místico”, assegura-me outra; “único”, confirma outra ainda; “digno de oração”, reforça a primeira. Estou convencida, embora o sol não se ponha enquanto estou em Sagres, simplesmente porque choveu o tempo quase todo, mas acredito que seja de suster a respiração depois de me dizerem que, por vezes, se estaciona o carro e se fazem dez minutos a pé para chegar ao cabo e assistir. E que é mesmo um espectáculo porque assim que termina batem-se palmas, asseguram-me. “Tenho de voltar no Verão”, prometo-me.