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ÁLBUM VISUAL: QUANDO MÚSICA E IMAGEM SE CASAM

Versões de discos com clipes encadeados e outros produtos audiovisuais atrelados viram tendência no mercado

por_ Fabiane Pereira do_ Rio

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O consumo de música e imagem tem se misturado tanto que os álbuns visuais tornaram-se um fenômeno com grande popularidade no Brasil. Com pelo menos metade das faixas dotadas de um complemento visual (videoclipe) e que, em seu conjunto, contem uma história e traduzam em imagens as canções, o formato é a opção principal de difusão para artistas como Baco Exu do Blues, Anitta, As Baías, Luedji Luna, MC Tha e vários outros.

Também lá fora esta estratégia de divulgação — ou nova forma de se consumir música — tem sido a principal aposta de muitos artistas. A mais conhecida pela produção de álbuns visuais é a cantora americana Beyoncé. Dentre os vários já produzidos por ela, destaca-se seu sexto álbum de estúdio, “Lemonade”, lançado em 2016. Este conteúdo visual tem aproximadamente uma hora de duração, e os 12 registros visuais, apesar de não terem uma narrativa clara, compõem uma história.

Nesse tipo de performance, as músicas ganham divulgações com estratégias diferentes. É como se o artista entregasse vários singles para que seu público escolhesse seus preferidos. Naturalmente, entram em destaque as músicas mais engajadas pela maioria. A indústria da música tem se direcionado para criar atmosferas únicas, que se aliem à melodia, ao ritmo e às letras, enriquecendo a experiência do usuário e, consequentemente, aumentando o alcance da faixa de um artista.

“Música sempre foi imagem. Elvis era o rostinho que os Estados Unidos precisavam para entender o que era aquele embrião do rock. Os Beatles já entendiam isso nos anos 60, faziam filmes etc. A imagem é cada vez mais valorizada em tempos de Instagram e TikTok. Eu entendo álbuns visuais como uma intenção de fechar mais o conceito do que um álbum. Nesta era de singles, um álbum é um ‘acontecimento’. E o álbum visual potencializa a narrativa”, explica o jornalista e crítico musical Pedro Antunes.

O rapper baiano Baco Exu do Blues deu seus primeiros passos nessa estética já em 2018, com seu segundo álbum de estúdio, “Bluesman”. Além das faixas, um curta-metragem dirigido por Douglas Ratzlaff Bernardt complementava o discurso das faixas. O projeto ganhou o Grand Prix do Cannes Lions – Festival Internacional de Criatividade, além de muita visibilidade. No ano seguinte, Anitta fez o mesmo com o disco “Kisses”: 10 faixas, todas elas com clipes sem relação direta entre suas histórias, mas com óbvias narrativa e estética unificadas.

No final do ano passado, a baiana Luedji Luna finalmente lançou seu aguardado segundo disco, “Bom Mesmo É Estar Debaixo Dágua”. Com 12 faixas, tem versão visual que agrega cinco delas e alude a “Black is King”, o mais recente trabalho de Beyoncé — este também, claro, todo calcado nas imagens.

“Carrega referências sobre minha religião e meu entendimento enquanto mulher negra”, define Luedji. Após ganhar a categoria álbum do ano no WME Awards Music, o álbum visual, dirigido pela cantora, foi vencedor da premiação no Music Video Festival como melhor vídeo nacional em formato estendido. “A construção da narrativa fílmica é paralela à ordem das músicas e funciona como um complemento para as letras”, afirma a cantora baiana.

Essas movimentações na indústria do entretenimento comprovam que, embora o videoclipe também seja uma tradução visual de um trabalho sonoro, o álbum visual é um passo além, uma evolução deste formato.

Victor Patesh Chiovetto, Cross-Category Marketing Manager da Amazon Music, acredita que a ascensão do formato tem ligação direta com a demanda do público. “O consumidor tem procurado cada vez mais conteúdo online. A tendência é que artistas explorem mais o álbum visual e outros formatos híbridos para que o trabalho tenha diversas perspectivas e alcance diferentes camadas”, diz. “Em um futuro próximo, e com os dispositivos usáveis, como smart glasses, podemos esperar também a mescla deste formato com novas tecnologias, como realidade aumentada (AR), realidade virtual (VR) e realidade estendida (XR).”

DANIEL GANJAMAN: FORMATO NÃO VALE EM QUALQUER CASO

Daniel Ganjaman, um dos mais respeitados produtores musicais do Brasil, pondera: obras como “Tommy” (The Who), “The Wall” (Pink Floyd) e “Interstellar” (Daft Punk) já anteciparam, anos atrás, a indissociável conexão entre som e imagens no mundo da música. “Na época do lançamento de ‘Nó Na Orelha’ (disco de Criolo produzido por Ganja, há mais de dez anos), muita gente do cinema veio atrás de nós com a intenção de fazer o clipe de ‘Não Existe Amor em SP’. A gente conversou muito e concluiu que transpor aquela letra para um videoclipe tiraria todo seu lúdico, porque cada pessoa que escuta essa música tem um filme na cabeça, e esse filme é muito subjetivo. Quando você leva a música ao mundo visual, precisa ter muita certeza do que quer fazer, porque invariavelmente vai atrelar aquilo a algo muito palpável. O último disco que eu trabalhei com esse conceito foi o álbum ‘Drama Latino’, d’As Baías. Todas as músicas ganharam um videoclipe dirigido pelo Gringo Cardia. Acho que agora, mais do que nunca, álbum visual faz sentido, mas você tem que saber o que quer, onde quer chegar, por quê. Se não, ao invés de expandir, aprisiona o ouvinte.”

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