7 minute read
\"Fernando \u00E9 insubstitu\u00EDvel. Mas agora estou relax em assumir esta responsabilidade. Estamos juntos\"
NOVA PRESIDENTE DA UBC, SANDRA DE SÁ HERDA DE BRANT A LUTA CONTÍNUA EM DEFESA DA GESTÃO COLETIVA
Por Deborah Dumar, do RioFotos de Adriana Lorete
Advertisement
Dona de uma das agendas mais atribuladas do showbiz brasileiro, a cantora e compositora Sandra de Sá é um azougue. Seu dia parece ter muito mais do que 24 horas, mas ela não se queixa. Ao contrário, gosta da vida agitada e produtiva que leva e ainda consegue reservar tempo para visitar os pais no subúrbio carioca de Pilares, dar atenção ao filho, cuidar da casa, curtir o futebol e desfrutar da convivência com os amigos.
Aos 35 anos de uma carreira bem-sucedida e 60 de idade, a artista enfrenta agora um novo desafio. Com a inesperada morte do compositor mineiro Fernando Brant, em 12 de junho, a então diretora-vogal, eleita em 2010 e reeleita em 2014, foi conduzida ao cargo de presidente da União Brasileira de Compositores (UBC) no dia 7 de julho. Ainda sob o impacto da perda prematura de Fernando, ela conta que inicialmente tomou um susto com a nomeação.
“Fernando Brant é insubstituível. Coube a mim, pelo estatuto da UBC, herdar o legado de respeito à Constituição, de ética e firmeza na defesa do direito autoral, que ele deixou. Confesso que, no começo, fiquei altamente bolada, mas agora estou relax em assumir esta responsabilidade, pois tenho o apoio dos diretores, que são autores que eu admiro e respeito muito e que me respeitam. Estamos juntos nessa, #relaxxx e #reflexxx”, afirma a hiperconectada artista, ao reiterar seu compromisso com a história que a UBC construiu ao longo de 73 anos e com os 19 mil associados.
JUSTIÇA E INADIMPLÊNCIA
Nos últimos dias de setembro, em meio a shows pelo país e outras obrigações de sua vida profissional, lá estava Sandra de Sá voando para Brasília, a fim de comparecer a uma audiência com os ministros do Supremo Tribunal Federal para tratar da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5065, ajuizada contra a Lei 12.853/2013, que instituiu a ingerência estatal, por meio do Ministério da Cultura, a uma atividade eminentemente privada: a gestão coletiva dos direitos autorais. Contestada pela UBC e pelo Ecad, a nova normativa retira ainda do escritório central a faculdade de negociar e licenciar o repertório musical que representa.
“Isso fere claramente a Constituição, é cláusula pétrea, não pode ser mudada. Como o Estado vai ter o poder de mexer na minha obra, que é minha propriedade? Deveria estar cuidando da inadimplência das rádios e TVs, que são concessões públicas, e se preocupando com o fato de elas não pagarem ao Ecad”, Sandra protesta, lembrando que as sociedades de autores são privadas e geridas de acordo com a lei, com toda a transparência, inclusive junto à Receita Federal.
“As prefeituras promovem festas e eventos de grande porte, como o Carnaval da Bahia, e não pagam nada pelas músicas que utilizam. Se fiscalizassem essas prefeituras, a arrecadação seria bem maior do que é hoje!”, dispara a artista, em defesa do sistema de gestão coletiva, que, só em 2014, distribuiu mais de R$ 900 milhões a 140.438 titulares de música, incluídos aí compositores, intérpretes, músicos, editores, produtores fonográficos e associações.
Combativa, demonstrou diversas vezes que tem disposição de sobra para enfrentar o desgaste que as reuniões em Brasília provocam. Como aconteceu quando o empresário e político do PMDB Edison Lobão Filho, um dos sócios da repetidora do SBT no Maranhão, bradou que não paga, nunca pagou nem pagará direitos autorais pelo que veicula na emissora. Indignada, Sandra revidou: “E você quer que eu vá vender churrasquinho na esquina pra viver?”
ARTISTA? NEM EM SONHOS...
O curioso é que, até a música “Demônio Colorido”, parceria dela com Macau, ser anunciada como uma das finalistas do festival MPB-80, Sandra de Sá não havia pensado em seguir a carreira artística. Tocava violão, fazia algumas composições, convivia com músicos e era incentivada a seguir esse caminho por amigos, como Fafy Siqueira e o casal Lucinha e João Araújo. Mas sonhava mesmo era em ser psicóloga. Apesar disso, considerava a música uma coisa natural, até rotineira em seu cotidiano familiar.
Embora não tenha conquistado o primeiro lugar, ela se consagrou naquela noite de 1980, no ginásio do Maracanãzinho, no Rio. “Demônio Colorido” foi decisivo em sua trajetória. Lançado em compacto, obteve execução maciça nas rádios e rendeu-lhe o primeiro contrato para a gravação de um LP, pela RGE. Também choviam convites para shows e aparições na TV. Naquela época, tornou-se amiga do divulgador da gravadora, Cazuza, que viria a se tornar padrinho de seu filho, o ator, comentarista de basquete na TV e empresário da área gastronômica Jorge de Sá.
MÚSICA NO DNA
Com o estrondoso sucesso que obteve no festival da Rede Globo, os compromissos se avolumaram, e a então estudante de Psicologia se viu obrigada a trancar a matrícula na Universidade Gama Filho, no Rio, faltando pouco para receber o diploma. A música, impressa em seu DNA, falou mais alto.
Expoente da MPB, ou “Música Preta Brasileira”, como prefere chamar, Sandra Cristina Frederico de Sá nasceu e foi criada na vila que o avô paterno, vindo de Itabira (MG), construiu para a numerosa família na Rua Guarabu, em Pilares. Filha única de Nonô e Jurema, seu pai era baterista e funcionário da Casa da Moeda desde os 15 anos, enquanto a mãe, descendente de um cabo-verdiano, trabalhava na indústria de papel Klabin.
Como os pais passavam o dia fora, os avós Maria e Fausto cuidavam dela e dos primos, com pulso firme e muito carinho. As doces lembranças desse período Sandra as eternizou em “Baile no Asfalto”, música feita em parceria com Mombaça. “Na casa da vovó tem festa todo dia”, ela canta em “ÁfricaNatividade - Cheiro de Brasil”, o primeiro disco que produziu e que concorreu ao Grammy Latino de 2010, na categoria de melhor álbum de pop contemporâneo brasileiro.
“Havia uma radiovitrola na casa dos meus avós, daquelas grandes, e muitos discos de 78 rotações. A gente se sentava para escutar música, e, assim, cresci ouvindo Vicente Celestino, Dalva de Oliveira, Orlando Silva, Sarah Vaughan, Ray Charles, Sérgio Mendes, The Fevers, Golden Boys, Trio Ternura...”, relembra Sandra, que mais tarde se tornou fã de Cassiano, Tim Maia, Simonal, Jackson 5, Creedence Clearwater Revival, Partido em 5, Alcione e Gonzaguinha e os principais nomes da soul music.
Ela também curte o carnaval e, embora esteja sempre trabalhando neste período, já aproveitou bastante. Na infância, saiu pela primeira vez com a escola de samba do bairro, a Caprichosos de Pilares, na Avenida João Ribeiro: “Tinha 4 anos e estava fantasiada de azul e branco, mas saí do lado de fora do cordão, crente que estava desfilando”, diverte-se a cantora, que também ganhou muitos concursos de fantasia. Além de seguir a Caprichosos de Pilares, ela também é Mangueira e Cacique de Ramos.
Como a maioria das adolescentes de sua geração, frequentou os bailes de música black nos clubes da Zona Norte e, entre os 19 álbuns que lançou, está “Pare, Olhe e Escute” (2002), que traz versões das obras de artistas da lendária Motown Records. Ali ela canta “Nada Mais”, versão de Ronaldo Bastos para “Lately”, de Stevie Wonder. Também dedicou um CD à obra de Tim Maia.
“No início de carreira, eu estava em estúdio gravando o terceiro LP e fazia sucesso com ‘Olhos Coloridos’, do Macau, quando o produtor e compositor Júnior Mendes chegou com uma fita cassete, dizendo que trazia uma música do Tim Maia para mim. Imagina se um ídolo como o Tim ia fazer isso? Só podia ser brincadeira! Aí, ele pegou o telefone e ligou pro Tim, que disse: ‘Não só é verdade, como também vou gravar esta música contigo, no teu disco’.”
Deu no que deu, a composição era “Vale Tudo” (1983), que se tornou um megahit. No ano seguinte, cravou outra, “Enredo do Meu Samba”, de Jorge Aragão e Dona Ivone Lara, tema de abertura da novela “Partido Alto”, da Rede Globo. O sucesso parece perseguir Sandra de Sá.
RECONHECIMENTO
Afora as turnês pelo Brasil e por países como Portugal, Cabo Verde e EUA, além dos convites para participações especiais em trabalhos de outros artistas, Sandra marca presença em grandes eventos, como o réveillon de Copacabana, o Fifa Fan Fest, o Rock in Rio e o Brazilian Day, em Nova York, e em projetos como o Playing for Change, que agrega músicos de todas as partes do mundo. Em 2004, a prefeitura do Rio a homenageou, dando o seu nome a uma lona cultural em Santa Cruz, na Zona Oeste.
Carismática, colecionadora de prêmios e seguida por uma legião de admiradores, Sandra é uma pessoa atenciosa com os fãs. “Não entendo a pessoa que luta a vida inteira para ter fama e, quando consegue, quer fugir dela”, pondera.
Quem a conhece sabe que, além do largo sorriso de dentes perfeitos e das constantes mudanças de visual - de que a visagista e joalheira Cathia Muaze se incumbe -, outra de suas características é a generosidade. Como se não bastasse cuidar da própria carreira, ela joga luz sobre outros artistas. Sandra está produzindo o segundo CD de Macau e o de estreia da banda Mohaulle, de rock da favela, entre outros projetos.
Sua paixão pelo clube de futebol do Flamengo é tamanha que ela consome todo tipo de produtos com a marca do time, pelo qual torce desde criança. Também integra a ConFlaria, ao lado de Ivo Meireles, Xande de Pilares, Diogo Nogueira e Buchecha. Com a apresentadora Dani Suzuki, criou a Conexão Japa Preta, promovendo encontros regulares entre os artistas amigos.
Antenada, procura sempre se inteirar das novidades e mergulha de cabeça nas questões que lhe dizem respeito e aos seus, que ela encara como verdadeiras missões. Filiada à UBC desde 1999, Sandra conheceu Fernando Brant através do parceiro e diretor da associação Ronaldo Bastos, em meio aos debates da Festa da Música, em Canelas (RS). Descobrindo que tinham muitas afinidades, Fernando a convidou para concorrer às eleições da diretoria.
Determinada, corajosa e independente, Sandra de Sá é uma mulher que se dedica de corpo e alma a tudo em que se envolve e acredita, como uma legítima herdeira de Chiquinha Gonzaga. À frente da UBC, dará continuidade ao trabalho de seu antecessor e levará adiante uma questão que surgiu na gestão dele, a partir de uma proposta do diretor Abel Silva: a regulamentação da profissão de compositor. “O autor existe, tem de ser respeitado e eu o defenderei, estarei junto mesmo”, promete.