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CAPA: Homenagem a Djavan

DJAVANEANDO

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Um papo com as estrelas que participaram da grande homenagem ao cantor e compositor alagoano, Prêmio UBC 2021

por_ Akemy Morimoto do_ Rio

fotos_ Nana Moraes (Djavan) e Miguel Sá (todas as demais)

Após um hiato de quase dois anos sem apresentações presenciais, a quinta edição do Prêmio do Compositor Brasileiro foi marcada por uma homenagem ao cantor e compositor Djavan, dono de mais de 300 canções e há 32 anos no quadro da UBC. Mesmo em formato híbrido, o evento conseguiu recuperar a essência e a emoção dos encontros e reencontros proporcionados pela música. A junção de tantos números marcantes foi uma verdadeira festa à altura do ganhador da premiação e dos convidados.

Criolo confessou que a pandemia lhe causa sonhos nostálgicos dos tempos em que os shows aconteciam sem restrições e, por isso, acorda chorando de saudade da antiga realidade. Já Geraldo Azevedo disse que a apresentação no Prêmio UBC foi ainda mais especial pelo mesmo motivo: “A falta de público continua, mas só o fato de estar com a banda do lado, cantando junto, sentindo o clima da ‘nata’ da música, é maravilhoso.”

Seguindo os protocolos de segurança contra a Covid-19, a Casa UBC, no Rio, foi palco de interpretações repletas de entrega e viagem pelo mundo da música e da poesia. Agnes Nunes, Anavitória, Criolo, Diogo Nogueira, Geraldo Azevedo, Giulia Be, Jonathan Ferr, Liniker, Mart’nália e Zé Ricardo “djavanearam” através das letras e melodias — boa parte delas tendo como tema o amor — desse mestre da música popular brasileira.

Assumidamente curioso, Djavan é um especialista que preza por novos enfoques e ritmos, mas as temáticas amorosas são inevitáveis. “Falar de amor não é ser repetitivo. É inesgotável essa fonte. Você tem, hoje, milhões de formas de falar de amor. O amor é o que move e o que eleva as pessoas”, descreve o artista. Além da sensibilidade para falar de afeto, Djavan não esconde sua empatia com as causas femininas: “Quando eu escrevo sobre a mulher, na verdade, estou me revelando a partir de um olhar que quer ser cada vez mais assertivo. É uma coisa da sensibilidade de um homem que valoriza as mulheres e que procura aprender com elas.”

Além da felicidade de participar do Prêmio UBC, todos os artistas, do mais jovem ao mais maduro, foram unânimes em afirmar a relevância de Djavan para a cultura nacional. Reconhecido internacionalmente não só pelo público, mas pela comunidade artística, o dono de canções como “Eu Te Devoro” consegue desbravar palavras e explorar novos ritmos.

Amiga pessoal dele e uma das convidadas para o Prêmio UBC deste ano, Mart’nália não conteve palavras ao elogiar o talento do cantor e compositor: “‘Dja’ tem um orquidário em casa e sabe o nome de tudo. Então, ele consegue levar essas palavras para dentro da melodia dele e encaixar de uma forma única.”

Sofisticada e popular”. Foi assim que o diretor-presidente da UBC, Paulo Sérgio Valle, descreveu a obra de Djavan. Mesmo com letras complexas, o compositor conquistou o grande público com a sonoridade impecável dos seus desenhos melódicos. Quem não conhece a letra sabe, ao menos, cantarolar os grandes hinos do artista, mas “nessa hora, não existe ‘cantar errado’. Você está fechando os olhos e cantando com a pessoa que você ama”, como disse Criolo, que afirma se emocionar com as músicas do compositor desde criança.

“Eu, como compositora, não acho que, necessariamente, as letras precisam fazer sentido para todo mundo. Cada um tem a sua maneira de interpretar, porque ninguém sente igual”, afirma Agnes Nunes.

A popularidade de Djavan também pode — e deve — ser associada ao jeito singular de mostrar a brasilidade nas canções. Com a mistura de gêneros como samba, jazz, balada, pop, música nordestina e afro, ele reforça a representação de uma nação miscigenada que pulsa arte. Ao mesmo tempo, nada o impediu de conquistar o mundo. Devido à facilidade de cair no gosto universal, Stevie Wonder foi um dos que se apaixonaram pelas melodias do artista, participando da gravação original de “Samurai”.

Ao transcender o espaço e o tempo, o ganhador de dois troféus no Grammy Latino marca presença como um compositor plural e atemporal. “Djavan consegue captar o ‘zeitgeist’, ele captura a essência das coisas e consegue fazer todo mundo curtir o que é feito”, afirma Giulia Be, jovem cantora indicada ao Grammy Latino de 2021.

Resistindo aos dados estatísticos, Giulia Be mostra toda a força da mulher e luta por espaço no mercado autoral. Segundo o relatório “Por Elas Que Fazem a Música” de 2020, as compositoras representaram apenas 8% do total distribuído no respectivo ano. Mesmo com o cenário ainda desfavorável, a artista vê luz no fim do túnel: “Eu sinto que tem um caminho de conscientização das artistas que estão começando. A gente quer pesquisar e ter mais informação sobre o que é a indústria da música no Brasil.”

Com duas canções entre as cinco músicas mais executadas no segmento de Música ao Vivo (bares, restaurantes, hotéis e clubes), o alagoano tem suas obras em constante movimento. Intérprete de “Açaí” em voz e violão, o duo AnaVitória se encanta pela eternidade proporcionada pela música:

Nos últimos cinco anos, mais de 60% dos valores destinados a Djavan pela execução pública de suas obras foram provenientes dos segmentos de Música ao Vivo, Rádio e Show. O sucesso absoluto do artista também se reflete no número de regravações de suas músicas, que somam quase dois mil fonogramas. Dentre todas as suas obras, “Flor de Lis” é a que possui mais gravações e, para Diogo Nogueira, que interpretou a canção no Prêmio UBC, ela tem um significado ainda mais especial: “’Flor de Lis’ é arrasa-quarteirão e faz parte da minha história musical, da minha vida. Desde que eu comecei a cantar nos bares aqui da Lapa, do Rio de Janeiro e de São Paulo, ela tem que estar no repertório. É carro-chefe, aquela música que você canta, e o povo levanta, dança, canta junto, e a gente se diverte.”

“A música não tem um prazo de validade. Quando você escreve e lança uma música, essa ‘coisa’ começa a fazer sentido para muita gente e já está ganhando continuidade. Isso me deixa feliz”, afirma Ana. “Depois que a gente for embora, a nossa música vai continuar ressignificando a vida das pessoas e fazendo sentido pra cada um”, acrescenta Vitória.

Já para Liniker, a música é capaz de conectar a “tecnologia ancestral presente nas pessoas”, além de trazer representatividade: “A gente se conecta com o nosso passado para poder estar no presente e no futuro. Eu não faria (música) se não tivesse achado estímulo, principalmente preto, para poder reconhecer o meu som e de onde eu estava vindo.” Ainda falando sobre identificação, a cantora, que comenta escutar as músicas de Djavan todos os dias, diz que “ele significa muito no quesito de entender a perspectiva do afeto sobre pessoas pretas cantadas por uma pessoa preta.”

Ao reverenciar o trabalho dos compositores, muitas vezes relegados a um segundo plano, o Prêmio UBC ganha cada vez mais respeito no mercado musical, ao longo dos anos. “O público se encanta por um artista performático no palco, mas é o compositor quem dá a ferramenta para aquele artista poder brilhar, é ele quem tem a capacidade de tocar o coração das pessoas”, afirma o diretor artístico Zé Ricardo, também intérprete (da canção “Samurai”) na edição 2021 do prêmio.

A celebração contou ainda com uma apresentação virtual de “Lilás” nas vozes de Jota Pê, Flor Jorge, Romero Ferro, João Napoli, Caca Magalhães, Mahmundi, Zé Manoel e Francisco Gil.

“A música é medicina. E Djavan traz cura. Ele torna a gente sensível para a poesia, para a musicalidade que ele propõe, completamente disruptiva, única”, afirma o multi-instrumentista Jonathan Ferr.

Prodígio do afrofuturismo e originário do subúrbio carioca, Jonathan vê a cultura como um cenário horizontal, em que não há gênero superior ou inferior: “Eu não gosto quando falam que vão levar cultura para a favela com a música erudita, é muito colonialista, é como se lá não houvesse cultura. Nesses lugares, a cultura presente é riquíssima.”

Mesmo que limitado pela ausência de público, o encontro proporcionou a reunião do setor musical, que se fortalece no coletivo. “A música não salvou só nesse momento (pandêmico), ela salva sempre, em todos os momentos. Desde que você nasce e aprende música, ela te salva”, diz Diogo Nogueira.

Para Djavan, a arte também lhe causa cura: “Escrever letras e poesias é uma coisa que me deixa num estado de elevação enorme. Quando acabo de fazer uma música, me sinto o homem mais poderoso do mundo.”

VEJA MAIS A cerimônia completa do Prêmio UBC 2021 ubc.vc/PremioUBC2021

UM PROCESSO CRIATIVO MUITO PRÓPRIO

Que Djavan brinca com palavras e harmonias não é novidade. Entender de onde surge tamanha inspiração para escrever canções tão ricas é o que tira o sono de muitos dos seus admiradores. Mas, segundo o artista, não há uma fórmula para o sucesso. “Entro no estúdio com a melodia e harmonia prontas, desenvolvo os arranjos com os músicos e, depois, eu vou adiantando as letras com o que me envolve naquele período”, afirma o autor. Para ele, é um período de introspecção e alegria: “Provavelmente, é o momento que me traz mais felicidade. É a revelação do meu ser, de como é que estou me movendo diante dos acontecimentos, diante das quetões que envolvem a minha vida naquele período.”

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