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LÁ FORA: O novo pop lusófono
LÁ FORA
POP PORTUGAL
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Quem são os principais nomes da novíssima e efervescente cena mainstream queemana de Lisboa — mas é movida por artistas de vários países que falam português
por_ Fabiane Pereira de_ Lisboa
O Brasil, com suas cíclicas crises econômicas, políticas e sociais, deixou de ser o destino número um dos portugueses. Já Portugal tornou-se a primeira opção para brasileiros que querem fazer turismo ou morar num país estrangeiro. Com isso, as diferenças culturais que nos separam vêm sendo minimizadas na mesma proporção em que as conexões se potencializam.
É impossível entender a música brasileira sem refletir sobre a colonização, as influências lusas e, sobretudo, o tráfico de escravos africanos levados à América a partir do século XVI. Todos os gêneros e ritmos brasileiros se ramificam dessa raiz e se consolidam nos séculos seguintes: o maracatu (no século XVIII), o baião (século XIX), o choro (século XIX) e o samba (entre o final do século XIX e o começo do século XX). Depois, essa tradição forneceu elementos rítmicos e inspirou o surgimento da bossa nova, da tropicália, do mangue beat, do funk carioca... Esse DNA luso-africano continua impresso em trabalhos de artistas contemporâneos tão díspares como BaianaSystem, Tuyo, Emicida, Luedji Luna ou Adriana Calcanhotto.
Se, por muitos anos, o Brasil era o lugar mais importante da música lusófona, dado o tamanho do seu mercado e a esmagadora presença de música em português entre as mais consumidas localmente, algo acontece também na costa Leste do Atlântico. Lisboa tornou-se um novo centro da música lusófona sob a ótica artística, ao ser o lar de uma boa parte dos artistas que estruturam a cena pop contemporânea em língua portuguesa.
Unidos por uma estética cosmopolita, alinhada a ritmos tradicionais oriundos de países africanos e com proximidade estilística, muitos artistas têm produzido sons híbridos, que poderiam ser tanto do Brasil quanto de Portugal ou da África. Alguns deles são o premiadíssimo Dino D’Santiago, mente criativa por trás do trabalho mais recente de Madonna; a cabo-verdiana Mayra Andrade; a angolana Pongo, conhecida como rainha do kuduro; Nelson Freitas, um dos nomes mais relevantes da kizomba; King Ckwa, autor de hits de kizomba; Buruntuma, guineense que se tornou um dos mais importantes DJs do afrobeat lusófono; Ana Joyce (Angola); e Nenny (a juveníssima rapper de origem cabo-verdiana).
Dino D’Santiago explica que sua musicalidade começou a se destacar pela religião. “Fui criado em Quarteira, no Algarve, e a igreja católica é muito presente nessa região. Meu primeiro contato com a música foi através dos corais da igreja. À medida que fui crescendo e conhecendo a história da humanidade, afastei-me da igreja, mas não da música”, relembra.
Desde o Buraka Som Sistema, banda portuguesa de extraordinária projeção internacional, que um artista não era tão incensado como Dino. Com dois álbuns lançados - Mundo Nôbu (2018) e Kriola (2020) – e um EP - Sotavento (2019) -, todos premiadíssimos, o artista português de ascendência cabo-verdiana se preocupa em modernizar o gênero pop sem alterar suas bases. “Trabalho com uma sonoridade etérea e alinhada aos signos da eletrônica global, mas não modifico nem a palavra nem o ritmo”, conta.
Outra das interessantíssimas vozes da música lusófona contemporânea é Mayra Andrade. Nascida em Cuba, mas emigrada com a família para Cabo Verde aos 20 dias de idade, a cantora e compositora residente em Lisboa mistura elementos que atravessam sua vivência. “Morei fora de Cabo Verde e em Cabo Verde em momentos diferentes ao longo da minha vida. Morei em Paris e na Alemanha antes de vir a Lisboa, e essa experiência me deu outras formas de cantar, de ouvir, de vestir, de rezar. Isso moldou uma personalidade muito aberta e, antes de isso influenciar a minha música, influenciou a minha forma de ver o mundo”, conta.
Para Adriana Calcanhotto, o fato de os brasileiros estarem mais abertos a conhecer e ouvir a música portuguesa contemporânea faz parte de um processo de retroalimentação. “Não entendo por que isso não se deu antes. Há muitos anos eu vou a Portugal e penso sobre isso”, conta. A artista acredita que o Brasil consome mais música anglo-saxã do que portuguesa ou da África lusófona por uma questão de costume. “É muito interessante que os brasileiros ouçam música brasileira. Mas eu não saberia explicar o porquê de nos fecharmos à música portuguesa, africana e latina, por exemplo. A relação que os portugueses têm com a poesia também se dá no Brasil, mas menos pela poesia e mais pelas canções”, comenta Adriana, que vive na ponte aérea Rio-Coimbra.
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