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'O HIP HOP SÓ NÃO PODE SE ESQUECER DE ONDE VEIO' UM DOS MAIORES ESPECIALISTAS NO GÊNERO NO PAÍS, O DJ HUM LANÇA O DISCO “DJ HUM E O EXPRESSO DO GROOVE”, UM PASSEIO HISTÓRICOMUSICAL PELAS ORIGENS DA BLACK MUSIC NACIONAL O samba-rock, o soul e o groove não morreram e, no que depender de um de seus maiores conhecedores no país, o DJ Hum, terão ainda vida longuíssima. Engajado no projeto Expresso do Groove, ele lançou o álbum homônimo coalhado de delícias dançantes que prestam homenagem nada saudosista ao melhor da black music, seara em que milita desde 1985, no apagar das luzes do regime militar. “Faço parte da história viva da formação do movimento hip hop no Brasil. Quis narrá-la de maneira musicada”, resume. A sonoridade “saudosista” salta aos ouvidos de cara no disco. Qual foi a intenção? Resgatar um tempo “melhor” no mundo da black music? Venho da geração dos bailes blacks. Festa de preto era para preto, e festa de branco era para branco, em raras exceções havia mistura. Musicalmente falando, havia uma linha imaginária que dividia os estilos e as classes sociais. Foi somente com a chegada da cultura hip hop, por meio do break, que começou a miscigenação cultural e musical que conhecemos. As reuniões nas ruas eram reprimidas, fossem para ouvir um som, treinar ou discutir questões políticas, então o nosso templo era o baile. Nossa missão foi desbravar esse caminho e inserir na sociedade uma nova maneira de se pensar e fazer música. Havia muito preconceito, lidávamos diretamente com uma elite conservadora, que ainda não aceitava a popularidade da música negra, cujos responsáveis eram os disc jockeys. Passados 25 anos, percebi a necessidade de lançar um disco em homenagem à cultura de baile, com músicas inspiradas nas pistas, visitando gêneros pouco conhecidos pela grande maioria. Faço parte da história viva da formação do movimento hip hop no Brasil, no início totalmente influenciado pelas tendências soul e black music dos anos 1970 e 1980, e quis narrá-la de uma maneira musicada. Tecnicamente, você também resgatou um certo método de fazer de antigamente? Ou usou toda a tecnologia empregada no rap/hip hop hoje em dia? Vamos dizer que resgatei e fiz uma mistura louca! Tem samplers misturados com sons orgânicos, e utilizo o tocadiscos como instrumento musical interagindo com a banda, criando uma atmosfera vintage, inovadora e atual. No show, o repertório tem releituras de clássicos da música negra nacional, samba-rock, grooves instrumentais, disco music, rap, jazz funky dos anos 70, além de sucessos da minha carreira e sons do novo disco, como o single de estreia “Vem Pro Baile”, o samba rock “Sunset” e o new bossa “Ilha Bela”.
Por Alessandro Soler, de São Paulo Em alguns momentos, o hip hop entra em cena com rap e scratch, tudo num clima oldschool. O show é uma grande festa, um baile ao vivo com 11 músicos no palco e DJ. Já no disco, procurei usar na produção ferramentas digitais que são essenciais, mas mantenho vivos o sintetizador Moog, o DX7, a percussão, a bateria acústica, e por aí vai. Uns anos atrás eu entrevistei o rapper americano Ja Rule, que criticou os colegas brasileiros, dizendo que eles deveriam aprender com os americanos, que sabem ganhar dinheiro, não ficam focados em questões “políticas ultrapassadas” e, falando de mulher, carrões e grana, “se dão bem”. Você acha que há mesmo essa dicotomia entre o rap daqui e o de lá? Os americanos têm uma outra visão sobre o Brasil. Talvez o Ja Rule tenha falado isso sem conhecer a realidade social, cultural e econômica do Brasil. Não dá para comparar! Mesmo um artista fazendo um rap que estoure e se torne comercial nunca vai ganhar grana igual à do americano. Em 2005, ganhei o Prêmio Multishow com o grupo que montei, o Motiro, responsável pelo estrondoso sucesso da música “Senhorita”. Tocou em todas as rádios, fizemos shows e conseguimos pôr o rap no mainstream. Isso não nos deixou milionários. Penso que o Ja Rule quis dizer: rappers, não sejam hipócritas; assumam que querem ganhar grana e viver da indústria do entretenimento! Mas ainda temos fome, desigualdade social, má gestão econômica, péssima política de educação... O nosso rap reflete isso, é sobre isso que falamos… Embora também tenhamos diversão. Praticamos esporte, namoramos, queremos conforto, carro, casa própria, ser felizes. E nosso rap reflete isso também. Estamos no caminho certo. A apropriação, pelas elites, do som da periferia, do gueto, fez mais bem ou mais mal ao estilo? Estamos em outra época! Hoje essa “nova” geração tem a tecnologia à disposição, com várias ferramentas de auxílio... A mensagem chega mais rápido ao público, e, assim, os investidores que trabalham com marketing aceitam melhor o rap. Antes, nossa divulgação era por meio dos discos e dos shows nos bailes blacks, com as equipes de som das periferias, e por meio de fanzines e jornais. O hip hop ganhou espaço porque o controle das empresas de mídia e marketing estratégico está nas mãos de uma geração que cresceu nos anos 1990, os filhos das elites que ouviram a nossa música. Eles estão abertos a novas propostas e ideias e aceitam as diferenças culturais e sociais. Nos anos 1990, brigamos pelos espaços, e o hip hop se tornou popular. O filho cresceu, e isso lhe fez muito bem. Ele só não pode se esquecer de onde veio.