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Corrida de obst\u00E1culos

NO ANO EM QUE O PAÍS SEDIA O MAIOR EVENTO ESPORTIVO DO PLANETA, OS NOSSOS CRIADORES TAMBÉM ENFRENTAM DESAFIOS OLÍMPICOS. E NEM SEMPRE O OURO É GARANTIDO

Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro vão agitar o país em agosto. Antes disso, serão muitas as provas enfrentadas por nossos compositores, músicos, editores e administradores de repertório. Das contradições do poder público – que se intrometeu na gestão coletiva mas nem sempre faz a lição de casa, ou seja, não paga corretamente pelo uso de obras musicais em suas rádios e seus eventos – à persistente inadimplência de rádios e operadoras de TV, passando pela má remuneração dos serviços de streaming, os obstáculos são muitos.

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A MÃO BEM VISÍVEL DO GOVERNO

A lei 12.853/2013, que dispõe sobre a gestão coletiva de direitos autorais, continua sob questionamento no Supremo Tribunal Federal pelo Ecad e pela UBC. As principais razões da ação de inconstitucionalidade são a interferência do Estado em atividade essencialmente privada, criando instâncias no Ministério da Cultura para “mediar” conflitos entre associações e usuários das músicas; a alteração da histórica regra de negociação coletiva dos valores a serem pagos aos autores por usuários como redes de rádio e TV, substituída por acordos caso a caso; e o cerceamento à liberdade de associação, uma vez que a lei, regulamentada no ano passado, determina até o tempo de mandato nas diretorias das entidades, por exemplo. Em 2014 já houve audiências e reuniões no STF para debater o tema. O julgamento das ações pelos ministros da Corte, previsto para este ano, servirá para estabelecer o modelo de gestão coletiva que teremos pelos próximos anos no Brasil.

ONDA RUIM

País afora, inúmeras rádios privadas simplesmente deixam de recolher os valores devidos ou os questionam na Justiça, protelando os repasses aos criadores. O problema cresce tanto que já há até mesmo um projeto de lei, o PL 1766/11, do deputado Otavio Leite (PSDB-RJ), que determina a não renovação da outorga de rádios que devam ao Ecad. Em audiência em novembro passado na Câmara dos Deputados, representantes de associações de rádios, dos deputados e de associações de gestão coletiva debateram o problema na Comissão Especial dos Direitos Autorais. Alegando falta de recursos, a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) defende que as rádios comunitárias deixem de ser obrigadas a pagar pelo uso das músicas.

FOLIA COM BATUQUE ALHEIO

O carnaval atrai turistas (e divisas), faz a economia como um todo girar, mas, para muitas prefeituras, a folia é sinônimo de bagunça na hora de pagar os direitos dos criadores. Sede de uma das celebrações carnavalescas mais tradicionais do Brasil, Salvador está inadimplente há anos, e a perspectiva de negociação, como pondera o diretor da UBC Geraldo Vianna, não é boa. Em Belo Horizone, onde há, a cada ano, um grande crescimento do carnaval de rua, com patrocínio de grandes marcas e fortalecimento do comércio e do turismo, a prefeitura se nega a assumir o pagamento dos direitos autorais sob alegação de que se trata de um movimento de iniciativa popular, e a Belotur, órgão de turismo da capital mineira, no carnaval de 2015, não efetuou o pagamento referente aos desfiles das escolas de samba e dos Blocos Caricatos, sob alegação de que possuía um documento com a autorização e liberação dos autores. O que até o presente momento não foi comprovado.

TENHA SANTA PACIÊNCIA!

Preocupa uma movimentação grande de alguns grupos que tentam burlar a obrigatoriedade do pagamento de direitos autorais. Há representantes de religiões cristãs que pedem abertamente a isenção do pagamento, alegando natureza filantrópica, em alguns de seus eventos. Entre os políticos religiosos que pedem o mesmo, muitos têm concessões de rádio e TV.

STREAMING, OU COMO SOBREVIVER NA ERA DOS CENTAVOS

O recém-traduzido para o português “Estudo sobre compensação justa para criadores de música na era digital”, publicado pelo economista e catedrático Pierre-É. Lalonde (saiba mais na seção Fique de Olho, na página 16), mostra que os grandes serviços de streaming, como o Spotify e a Apple Music, pagam entre US$ 0,001 e US$ 0,005 por taxa de transmissão a intérpretes, com cifras ainda menores para os compositores, o que levou a um verdadeiro movimento de boicote liderado por estrelas internacionais. Em diferentes frentes, Thom Yorke (Radiohead), Metallica, La Roux, Taylor Swift, Prince e Beyoncé protestaram contra os valores pagos ou ameaçaram retirar seu catálogo de tais serviços. No fim de setembro passado, La Roux disparou em sua conta no Twitter: “Spotify, obrigada pelas cem libras pagas neste trimestre. Mais um mês e eu talvez serei capaz de bancar a assinatura premium de vocês. Que sorte eu tenho!” De acordo com as estatísticas do próprio serviço de streaming, La Roux tem uma base de 811 mil ouvintes mensais. Mesmo que cada um ouvisse apenas uma canção por mês, o que é altamente improvável, ela deveria receber algo como US$ 15 mil, e não cem libras. Para evitar o problema, a cantora inglesa Adele radicalizou: seu último disco, “25”, lançado no fim do ano passado, não foi disponibilizado em streaming. O resultado foi surpreendente: 14 milhões de cópias vendidas física e digitalmente só em 2015, número comparável aos dos melhores anos de bonança do mercado discográfico.

WEBCASTING OU RÁDIO? EIS A QUESTÃO

A repetição da programação de rádios tradicionais na web se caracteriza como uma nova utilização e está, portanto, sujeita a pagamento ao Ecad. Mas e quando há a possibilidade de interação e escolha do repertório pelo ouvinte? No entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em ação que opõe a Oi (dona de uma rádio web) ao Ecad, o chamado webcasting (quando há interatividade) não é execução pública, o que não obriga ao pagamento ao Ecad, deixando os autores desprotegidos. A ação foi parar no Superior Tribunal de Justiça. Para especialistas na área, a transmissão pela web também é execução pública, e os valores devem ser recolhidos.

ABAIXO ESTA BANDEIRA!

A bandeira pirata ainda tremula alto no mundo digital. Enquanto plataformas como o The Pirate Bay mudam seus servidores de país em país para continuar a operar, e buscadores como o Google, tidos por especialistas como agregadores de links piratas, ainda combatem timidamente o problema, nações consideradas territórios livres para o compartilhamento ilegal de músicas dão passos tímidos. No último mês de setembro, as principais plataformas de streaming da China removeram 2,2 milhões de canções dos seus sistemas por não pagar direitos autorais. As autoridades locais haviam dado, em agosto, um ultimato aos sites para que regularizassem seus catálogos e eliminassem títulos sem licença. De acordo com o governo chinês, 16 plataformas de streaming obedeceram a determinação.

NÃO FAÇA O QUE EU FAÇO

Enquanto se configura como um “grande irmão”, um ente vigilante da gestão coletiva, o poder público não dá exatamente um bom exemplo de correção. Acumulam-se os casos de inadimplência de rádios e TVs governamentais em estados e municípios. Além disso, em grandes shows e eventos ao ar livre, o sucesso de público não é garantia do correto pagamento. Quase dois anos depois da realização da Copa do Mundo de futebol da Fifa, as prefeituras de Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife e Salvador, bem como o governo distrital de Brasil, ainda não fizeram os repasses correspondentes pela realização dos chamados Fifa Fan Fests. A cobrança está sendo feita na Justiça.

TV QUE NÃO SE LIGA

A Oi também é o único dos grandes operadores de TV por assinatura que ainda não fechou acordo para pagamentos atrasados referentes ao uso de músicas em sua programação. O débito se arrasta desde 2009. Nos últimos dois anos, contudo, Net, Sky, Vivo, Claro, Algar e GVT, entre outras grandes do setor, já começaram a quitar seus débitos, depois de decisões do Supremo Tribunal Federal (STJ) que julgaram procedente a cobrança. Somadas, as dívidas dessas empresas com o Ecad – que, muitas vezes, arrastavam-se desde 1994 – rondavam os R$ 550 milhões. Grande parte já foi paga e distribuída. Já entre as TVs abertas, a Band está em atraso desde setembro de 2014 (com a exceção dos valores equivalentes aos meses de outubro e novembro daquele ano, quitados). Um acordo de pagamento entre a emissora e o Ecad foi firmado em abril do ano passado, mas acabou descumprido. A Band alega estar em crise financeira para justificar a inadimplência.

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