4 minute read

Pós-Fenomenologia

Next Article
Referências

Referências

Avisão avessa às inovações tecnológicas dos fenomenólogos tradicionais foi sendo questionada por teóricos posteriores . Como é o caso de Dom Ihde, que inaugura a chamada “Pósfenomenologia” em 1990 em seu livro “Tecnologia e o mundo da vida: do jardim à terra” . Esse novo conteúdo fi losófi co passa a admitir a tecnologia e a considera-la o cerne da condição humana (BOZATSKI, 2017) .

Segundo Ihde, o homem é um fabricante autoconsciente que se modifi ca durante o processo de fabricação . Trata-se de uma característica que evidencia a singularidade humana, uma vez que os animais somente manipulam os objetos de forma utilitária e em

Advertisement

contextos de coleta extrativa, não sendo fabricantes autoconscientes . Nossa espécie tem a capacidade única de fazer as coisas e ao mesmo tempo ser feita por elas, ao transformar como vivenciamos e damos sentido ao mundo . Somos capazes de criar, recriar, mudar e adaptar as condições de nossa própria existência e evolução por meio do tecnologia . Dessa forma, entende-se que pessoas e coisas estão inseparavelmente interligadas e co-constituídas (IHDE; MALAFOURIS, 2018, p . 197) .

Don Ihde classifi ca em quatro modalidades a forma como as tecnologias mediam a experiência humana: corporeidade, hermenêutica, alteridade e de fundo (READ, 2013) . Tais modalidades se diferenciam de acordo com o

O homem é um fabricante autoconsciente que se modifi ca durante o processo

modo como estão situadas dentro do diagrama homem-interaçãomundo, pelo qual a fenomenologia tradicional opera . Dentro deste diagrama, “as tecnologias podem, e freqüentemente o fazem, ocupar posições dentro e através da variedade de relacionamentos dentro, para e com o ambiente” (IHDE, 2005) .

RELAÇÕES DE FUNDO

Nas relações de fundo, a tecnologia não se encontra explícita, declarada, parte da nossa plena atenção . Trata-se do termostato, por exemplo, que opera mais ou menos automaticamente . De acordo com Grünkranz (2010), a visão heideggeriana assumiria uma posição de confl ito quanto a essas relações, por entender que a tecnologia, nestes termos, opera uma desconexão com as atividades que trazem mudanças a um ambiente vivido . Abandona-se o ato romantizado de coletar madeira, armazena-la e queima-la para aquecimento das casas, contrastando com a operação liga e desliga de um termostato .

INCORPORAÇÃO

Já as relações de incorporação, segundo Ihde (2005, p . 3), tratam-se de um “senso imediato de habilidade corporal, estendido por meio de um artefato” . Exemplo é a bengala do cego, citada por Merleau Ponty, que assume um papel de extensão do próprio corpo, onde a percepção tátil é estendida à extremidade da bengala em contato com o ambiente externo (IHDE; MALAFOURIS, 2018; IHDE, 2005; ALMEIDA, 2010) .

Nas relações de incorporação, eu percebo o mundo através das tecnologias e por meio da transformação refl exiva da minha percepção e sentidos físicos . Para elas se estabelecerem, é necessária uma apreensão ou constituição . No caso da bengala do cego, por exemplo, é preciso um tempo para assimilar o funcionamento e a formar de operar da tecnologia (BOZATSKI, 2017) .

HERMENÊUTICA

Designa as relações de leitura ou ação interpretativa especial junto a tecnologia . Trata-se de uma representação do mundo pela tecnologia . É através dela que percebemos o mundo, mas diferente da incorporação, ela tem caráter representacional . Um exemplo dado por Ihde é a “Nebulosa do Caranguejo” . Não conseguimos vê-la nitidamente a olho nu, sua visualização só foi possível pelo uso de raios-X Chandra . A tecnologia, nesse caso, torna esse fenômeno visível ao

transformar os dados que coletou em uma imagem criada, utilizando cores falsas . Dessa forma, percebemos o mundo através de uma representação tecnologicamente criada (BOZATSKI, 2017) . e também de afeições triviais por objetos . Os autômatos, por exemplo, sempre causaram fascínio nos homens há séculos por serem dotados de uma quase animação (BOZATSKI, 2017) .

ALTERIDADE

É quando a tecnologia assume o papel de um “outro” que interage com o homem . A alteridade tecnológica “é uma quase alteridade, mais forte que a mera objetividade, mas mais fraca que a alteridade encontrada junto ao reino animal ou humano” . Pode ser exemplifi cada pelo antropomorfi smo, quando incorpora-se características próximas as humanas a artefatos, próximas as humanas a artefatos, O vídeo game, além das dimensões de incorporação e hermenêutica, pode nos fornece um exemplo bem rico das relações de alteridade . Nele, “há um senso de interagindo com alguma coisa outra que não eu, o competidor tecnológico . Na competição há uma espécie de diálogo ou permuta . Isto é a quase animação, a quase alteridade da tecnologia que fascina e desafi a” (BOZATSKI, 2017, p . 64) .

Imagem 3: Síntese das classifi cações das formas como a tecnologia media a experiência

NOVAS EXPERIÊNCIAS PERSEPTIVAS

Nilsson (2017) defende que esse argumento de que a tecnologia é fonte de alienação deixa de lado o potencial do homem de absorver o novo e incomum dentro de sua estrutura simbólica, entendendo a adaptabilidade como inerentes ao ser humano . A tecnologia bem projetada, portanto, consegue superar a alienação .

Existem potenciais na arquitetura digital para ressoar com as práticas sociais e cognitivas dos corpos humanos, “para produzir novas experiências espaciais que cortam a separação entre percepção e ação e apontam para a possibilidade de algo mais do que o consumo visual do espaço representacional - a possibilidade de invenção e reinvenção entre arquiteturas e corpos" (NILSSON, 2017, p . 4) .

This article is from: