Vestígios

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE ARTES

RAPHAEL GENUÍNO DE ARAÚJO

Vestígios

VITÓRIA 2011


Raphael Genuíno de Araújo

Vestígios

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Colegiado de Artes Plásticas da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito para obtenção de título de Bacharel em Artes Plásticas. Orientador: Prof. Valdelino Gonçalves dos Santos Filho

VITÓRIA 2011 2


Raphael Genuíno de Araújo

VESTÍGIOS Trabalho de Graduação apresentado ao Colegiado de Artes Plásticas da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito para obtenção de título de Bacharel em Artes Plásticas.

Aprovado em __ de _________ de 2011.

Comissão Examinadora ________________________________ Prof. Dr. Valdelino Gonçalves dos Santos Filho Universidade Federal do Espírito Santo Orientador ________________________________ Prof. Luciano Cardoso Coutinho Universidade Federal do Espírito Santo ________________________________ Prof. Orlando Farya Rosa Universidade Federal do Espírito Santo

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Bob Gruen.Sid Vicious, Dallas,1978 .........................................................................8 Figura 2 - Umberto Boccioni, caricatura de um sarau Futurista,1911........................................9 Figura 3 - Exemplos do trabalho tipográfico dadaísta, 1920- 21 .............................................12 Figura 4- John Heartfield, Adolf – o super-homem: engole ouro e fala bobagens (1932), fotomontagem - 33 x 24,1 cm........................................................................................................14 Figura 5 – Raphael Araújo, A música toca minha alma (2008). Nanquin, decalque, acrílica, colagem sobre papel - 30 x 30 cm..............................................................................................15

Figura 6 - Jamie Reid, God save the queen (1977), Sex Pistols - 30 x 30 cm.......................15 Figura 7 - Winston Smith. Give me convenience OR give me death (1987), Dead Kennedys 30 x 30 cm...................................................................................................................................16 Figura 8 - Gee Vaucher, The feeding of 5000 (1978) Crass - 30x 30 cm................................16 Figura 9 - Raymond Pettibon, My war (1984) Black Flag – 30 x 30 cm...................................16 Figura 10 - Robert Rauschenberg, Studio Painting (1960-61), pintura combinada com objetos, 91.8 x 185.4 x 15.2 cm. Michael Crichton Collection, Los Angeles.......................................................................................................................................18

Figura 11 - Kurt Schwitters, Construction for Noble Ladies (1919), 102.87 x 83.82 cm. Los Angeles County Museum of Art...................................................................................................19 Figura 12 - Raphael Araújo, Ócio (2007) ,Serigrafia, colagem, acrilíca, spray sobre placa de ferro, 45 x 40 cm..........................................................................................................................19

Figura 13 - Raphael Araújo, Desgaste (2007), Serigrafia, colagem, spray sobre chapa de ferro, 50 x 41 cm.........................................................................................................................20 Figura 14 - Raphael Araújo e Victor Monteiro. Foto ilustrativa do projeto original, Deslocamentos, aprovado no edital da Galeria Homero Massena, 2008............................................................................................................................................22 Figura 15 - Raphael Araújo e Victor Monteiro. Foto ilustrativa do projeto original, Deslocamentos, aprovado no edital da Galeria Homero Massena, 2008............................................................................................................................................22

Figura 16 - Raphael Araújo e Victor Monteiro. Deslocamentos (2008), montagem...................................................................................................................................26 Figura 17 - Raphael Araújo e Victor Monteiro. Deslocamentos (2008), montagem...................................................................................................................................26

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Figura 18 - Raphael Araújo e Victor Monteiro. Deslocamentos (2008), vista interna, luz incidindo sobre fita adesiva........................................................................................27 Figura 19 - Raphael Araújo e Victor Monteiro. Deslocamentos (2008), vista interna, entrada, televisores fora do ar, livro processo...........................................................................................27

Figura 20 - Raphael Araújo e Victor Monteiro. Deslocamentos (2008), vista interna...................................................................................................................28 Figura 21 - Raphael Araújo e Victor Monteiro. Deslocamentos (2008), televisores fora do ar, livro processo..............................................................................................................................28 Figura 22 - Raphael Araújo e Victor Monteiro. Deslocamentos (2008), vista externa........................................................................................................................................29 Figura 23 - Lucio Fontana. Concetto spaciale (1959-60). Óleo sobre tela - 200 x 200 cm. Seul, Museu de Arte Ho-Am........................................................................................................31

Figura 24 - Raphael Araújo, Adeus lênin (2009). Spray, betume, papel, pregos sobre eucatex - 87 x 76,6 cm .............................................................................................................................32 Figura 25 – Foto fragmento da tela representada na figura 24...............................................32 Figura 26 - Raphael Araújo, Sem título (2009). Furos sobre madeira. 88 x 46,7 cm................................................................................................................................................33 Figura 27 - Raphael Araújo, Sem título (2009/10). Madeira – 123 x 102 cm e 126 x 0,77 cm................................................................................................................................................34

Figura 28 - Daniel Senise. Ex-voto (1991), Acrílica, esmalte sintético e madeira sobre cretone, 200 x 173 cm...............................................................................................................................37 Figura 29 - Raphael Araújo, Velha (2010). Serigrafia sobre ferro, vidro e madeira -1,02 x 0,58 m. Cachoeiro de Itapemirim, Levino fanzeres.............................................................................39

Figura 30 - Raphael Araújo, Vestido da Ignez (2010). Acrílica, serigráfica, esmalte, cola, fita crepe sobre murin - 1,62 x 1, 86 m.............................................................................................40 Figura 31 - Raphael Araújo, Fronteira (2010). Oxido de ferro, craca de tinta sobre murin -1,41 x 1,85 m. Acervo do artista..........................................................................................................41 Figura 32 - Raphael Araújo, Broca (2010). Furos sobre madeira - 0,88 x 1,88 m. Acervo do artista...........................................................................................................................................42

Figura 33 - Raphael Araújo, Derme (2009 – 2010). Craca de tinta, acrílica, serigrafica - 1,38 x 1,78 m. Acervo do artista.............................................................................................................43

Figura 34 - Raphael Araújo, Sem título (2010). Cracas de tinta, papel, serigrafia, óxido de ferro, fita adesiva -1,36 x 0,90 m. Acervo do artista....................................................................44

Figura 35 – Foto fragmento da tela representada na figura 34................................................45

5


Figura 36 - Raphael Araújo, Sem título (2010). Oxido de ferro sobre fita adesiva - 1,02 x 0,59. Acervo do artista................................................................................................................ 46 Figura 37 - Raphael Araújo, Sem título (2010). Oxidação sobre lona - 111 x 81 cm. Acervo do artista...........................................................................................................................................47

Figura 38 - Raphael Araújo, Etapas de trabalhos durante residência artística na galeria Homero massena (2009-2010)....................................................................................................48

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SUMÁRIO

I.

Lista de Figuras........................................................................pág. 4

II.

Introdução..........................................................................................8

III.

Ponto de partida.................................................................................9 2.1 Partindo do Punk.........................................................................9 2.2 Partindo da Colagem.................................................................16

III.

Deslocamentos................................................................................25

IV.

Experiência Ateliê – Embate acirrado com a pintura.......................33

V.

Vestígios....................................................................................... 53

VI.

Bibliografia.................................................................................... 55

VII.

Anexos.......................................................................................... 57

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1.

INTRODUÇÃO

“Vestígios” é dividido em três capítulos. O primeiro “Ponto de partida” trata do surgimento do interesse por uma estética ligada ao Punk americano e europeu. Pontuo, neste capitulo, algumas características de movimentos artísticos, nos quais identifico uma proximidade ideológica e estética com o movimento Punk. Estes são o Futurismo, Dadaísmo e o Fluxus. Vai indicar a importância desses movimentos como influências diretas para minha poética. Percorre de uma forma geral a minha produção dos primeiros anos dentro do centro acadêmico. Descreve alguns processos técnicos como colagens, decalques, serigrafias e norteia alguns desdobramentos que influenciaram minha primeira exposição na galeria Homero Massena e minha produção atual em pintura.

O segundo capitulo, “deslocamentos”, falo de um trabalho em particular que ponho como um marco na minha produção. Não por acaso ele é o capitulo do meio. Mostra uma mudança importante na minha percepção do espaço/ galeria. Este, como Brissac fala, “[...] deixa de ser neutro, para ser tomado como lugar: situado, delimitado, povoado por experiências1”. A vivência de um trabalho como este, fora do espaço universitário contribuirá para um maior entendimento de um “sistema de arte”, que envolve desde concepção do trabalho, projeto, montagem, galeria e a política cultural do nosso estado.

Por último, viso fazer uma análise da minha produção atual, dando ênfase a passagem pela residência artística voltada a discussão e produção de pintura.

1

PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens urbanas. 3. ed. rev. e ampl. - São Paulo: Ed. SENAC,

2004. p. 189

8


2. PONTO DE PARTIDA 2.1 PARTINDO DO PUNK

Punk é atitude.Uma atitude agressiva que questiona autoridade e tudo mais.Tem a ver com querer um mundo melhor e ficar furioso por não consegui-lo rapidamente. Punk é fazer as coisas do seu próprio jeito, sem orientação ou preocupação com possíveis. (Gruen, 2007, p.84)

O movimento Punk teve origem no final dos anos 60/ inicio dos 70 e muito se discute sobre o verdadeiro local de nascimento. Relatos feitos por alguns estudiosos ligam Nova York a invenção do estilo musical e a Inglaterra como popularizadora da atitude política e da estética usadas pelos Punks. E nestes primeiros anos de movimento é importante destacar que o fenômeno Punk é diretamente ligado às desigualdades econômicas e sociais vividas na época, principalmente nos subúrbios dos EUA e da Inglaterra. O movimento “era essencialmente

composta

de

jovens

brancos

da

classe

operária

desprivilegiada2” que recebiam salário-desemprego (dole) e não tinham perspectiva de uma melhora nas condições de vida que levavam, assim enxergaram no meio Punk uma maneira de manifestar sua insatisfação. Esses Punks “originais” não tinham teorias sociais e políticas bem desenvolvidas.“O Punk era a política da energia, com uma tendência a se expressar na retórica de esquerda, embora tenha assumido a voz da direita mais de uma vez3“. Prevalecia no movimento uma ética do faça-você-mesmo.4Selo de discos 2

O'Hara, Craig. A filosofia do Punk: mais do que barulho. Tradução: Paulo Gonçalves. São Paulo, SP : Radical Livros, 2005. p. 27- 45 3 HOME, Stewart. Assalto à cultura: utopia subversão guerrilha na (anti)arte do século XX. 2. ed. - São Paulo: Conrad, 2004. p. 124-131 4 Faça você mesmo (em inglês do it yourself, sigla DIY) refere-se à prática de fabricar ou reparar algo por conta própria em vez de comprar ou pagar por um trabalho profissional. A prática, atualmente, engloba qualquer área de atividade, dos cuidados médicos ao design de interiores, da publicação à eletrônica.A partir do final da década de 1970 o princípio faça você mesmo se tornou profundamente associado ao anarquismo e vários outros movimentos anticonsumistas, principalmente nos casos de grande e evidente rejeição à idéia de que um indivíduo deve sempre comprar de outras pessoas as coisas que deseja ou necessita. O faça você mesmo, concebido como princípio ou ética, questiona o suposto monopólio

9


independentes lançando bandas desconhecidas, imprensa independente na forma de fanzines (geralmente com poucos recursos gráficos, sendo a xerox muito utilizada contando com numero reduzido de tiragem), alteração do design das próprias roupas e organização de eventos como shows, passeatas.

Na tentativa de entender o movimento Punk a comparação com movimentos artísticos como o Futurismo, Dadaísmo, Fluxus e “Mail art” se torna útil. Notase isso parando para analisar de onde os Punks surgiram. Segundo Stewart Home, em seu livro “Assalto à cultura: utopia subversão guerrilha na (anti) arte do século XX”, os primeiros punks saíram de escolas de arte britânicas, sendo expostos à influência do Futurismo e do Dadaísmo e o aspecto retrógrado dessas instituições, ligados ainda “à grande arte” fizeram com que eles logo se familiarizassem com as primeiras manifestações das vanguardas utópicas. “Apesar disso, a maioria dos envolvidos no movimento Punk não teve contato nem mesmo com estas influências clássicas5”. Mas mesmo assim propagaram com sucesso muitas das táticas revolucionárias que eram empregadas por membros desses antigos grupos artísticos de vanguarda: “[...]estilos incomuns, obscurecimento dos limites entre arte e diaa-dia, justaposição de objetos e comportamentos aparentemente discrepantes, provocação intencional da platéia, uso de atores inexperientes e drástica reorganização – ou desorganização – de estilos de performance e procedimentos tradicionais6”.

das técnicas por especialistas e estimula a capacidade de pessoas não-especializadas aprenderem a realizar coisas além do que tradicionalmente julgam capazes. (Wikipédia.org) 5 O'HARA, Craig. A filosofia do Punk: mais do que barulho. Tradução: Paulo Gonçalves. São Paulo, SP : Radical Livros, 2005. p. 27- 45 6 idem

10


Fig.1 - Sid Vicious, Dallas,1978

Tomamos como primeiro exemplo o Futurismo que teve sua história iniciada com o manifesto publicado em um jornal parisiense de grande circulação, Le Figaro, no dia 20 de janeiro de 1909. O autor deste manifesto era o poeta italiano chamado Filippo Tommaso Marinetti, era um movimento interdisciplinar que incluíam artes visuais, literatura e apresentações teatrais. Para os pintores futuristas a performance era “o meio mais direto de forçar o público a tomar conhecimento de suas idéias7” e assim desconcertar o comodismo da platéia. No manifesto lançado em 1913 sobre o teatro de variedades futurista fica mais clara essa intenção de libertar o público de seu papel passivo e a rejeição das formas de arte tradicionais. “No fluxo da lógica de Marinetti, o teatro de variedades ‘destrói o Solene, o Sagrado, o Sério e o Sublime na Arte com A maiúsculo’.”8

7

GOLDENBERG, Roselee, A arte da performance, Martins Fontes, 2006, p. 1 -8

8

idem 11


Fig.2 Umberto Boccioni, caricatura de um sarau Futurista,1911.

Muitas das técnicas performáticas dos futuristas são adotadas pelos dadaístas9, relatos sobre algumas delas podem ser encontrados no livro, Dada: Arte e Antiarte, de Hans Richter. Campainhas, tambores, chocalhos, batidas na mesma ou em caixas vazias animavam as exigências selvagens da nova linguagem, nova forma, e excitavam, a partir do físico, um público que inicialmente quedava atordoado atrás dos seus copos de cerveja. Pouco a pouco eram sacudidos e despertados de seu estado de letargia a tal ponto que irrompiam num verdadeiro frenesi de participação. ISTO era arte, isto era vida, e era isto que se QUERIA.10

A provocação da platéia como meio de questionar a divisão entre artista/ espectador pode ser vista também em concertos musicais Punks11. Como parte da política punk de provocação, sabia-se que os artistas incluíam em seus atos comportamentos como vomitar no palco, cuspir na platéia e exibir feridas obtidas por meio da automutilação, cortando-se e contundindo-se com objetos como garrafas quebradas, anzóis e facas. O papel da platéia era freqüentemente, o de atirar cadeiras que deviam estar presas ao chão, garrafas de cerveja, cacos de vidro e tudo o mais que estivesse à mão do artista.12

Diferente do futurismo, que foi um movimento centrado na Itália, o dadaísmo se espalhou por diversos lugares, onde destaco como principais o Dadá de Zurique, Nova York e Berlim. Cada um desses lugares o movimento ganhou características especificas. Arrisco-me traçar algumas características que 9 Sobre a influencias destes movimentos (Dadaísmo e Futurismo), no contexto brasileiro, destaca-se a figura de Flávio de Carvalho, considerado um dos precursores da performance no Brasil. 10 RICHTER, Hans. Dada: arte e antiarte, Martins Fontes, 1993, p. 17 11 Exemplo disso pode ser visto em Hated: GG Allin and Murder Junkies (1994), documentário sobre a vida do vocalista GG Allin. 12 AARONSON, apud O’HARA, 2005, p.39

12


foram recicladas de maneira consciente ou não por movimentos posteriores como Fluxus e o Punk, tendo como exemplo a experiência Dadaísta em Berlim. Em Berlim, devido situação político-social vivida pela Alemanha (período entre as duas grandes guerras), o Dadaísmo tinha um tom revolucionário. “Era imperioso que não apenas arte, mas também o pensamento e sentimentos, a política e a sociedade fossem envolvidas pela ação Dada.”

13

Com este

espírito, Dada Berlim, se adaptou a cidade e colocou algumas das soluções estéticas iniciadas em Zurique “a serviço do uso diário” e assim produziu inúmeras publicações como revistas, manifestos, capas de livros, cartazes. Os principais responsáveis por estas eram Grosz, Herzfelde, Heartfiled, Carl Eistein, Walter Mehring, Franz Jung, Hausmann e Hulsenbeck. Foi assim que surgiram as primeiras colagens feitas através de fotos, denominadas fotomontagens14 e uma nova tipografia que usava procedimentos Futuristas e dos Dadaístas de Zurique. O grupo Fluxus15 surge e intensifica a quebra de convenções encontradas na arte através de performances, filmes, publicações, a valorização da criação coletiva de artistas, músicos, escritores e a mistura entre arte e cotidiano. Oficialmente seu aparecimento está ligado “ao Festival Internacional de Música Nova, em Wiesbaden, Alemanha, 1962 e a George Maciunas (1931-1978)16”, que usa o nome Fluxus, originalmente criado para dar nome a uma publicação de arte, para denominar uma serie de performances que organiza pela Europa. O Fluxus teve um caráter internacional onde se destacam: na França os artistas - Ben Vautier (1935) e R. Filiou; Estados Unidos - D. Higgins, Robert Watts (1923 - 1988), George Brecht (1926) , Yoko Ono (1933); Japão -

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RICHTER, Hans. Dada: arte e antiarte, Martins Fontes, 1993, p. 137-183 Fotos eram recortadas e juntadas novamente em colagens provocantes; estes recortes eram misturados com desenhos e, por sua vez, recortados de novo, embaralhados com papel de jornal, cartas antigas ou o que caísse nas mãos, a fim de fazer um mundo desvairado engolir a própria imagem. 15 Uma experiência similar a está no Brasil pode ser atrelada ao Grupo REX (1966-1967), que tinha entre seus mentores nomes como os de Wesley Duke Lee (1931-2010), Geraldo de Barros (1923-1998) e Nelson Leirner (1932). Assumia uma postura questionadora contra os padrões de produção das obras de arte e do funcionamento, organização do sistema artístico vigente. Muitas de suas ações tinham um tom irônico e debochado. 16 FLUXUS. c2008. Disponível em: www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_v erbete=3652. Acesso em 26 ago. 2010. 14

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Shigeko Kubota (1937) , Takato Saito; Coréia do Sul - N. June Paik (1932 2006) ; países nórdicos - E. Andersen, Per Kirkeby (1938) - e Alemanha - Wolf Vostell (1932 - 1998), Joseph Beuys (1912 - 1986)17.

O Fluxus que em seu inicio foi radical /provocador e até violento18 foi perdendo a sua força e se mostrou incapaz de se sustentar como movimento político e cultural ao mesmo tempo, degenerando-se lentamente. O número de eventos fluxus ao vivo continuou a diminuir a partir dos meados dos anos 1960. Inicialmente isso foi compensado por um aumento das publicações fluxus [...] . As publicações tendiam a ter uma personalidade poética e refletiam o sucesso com a qual tendência estética amenizou a estridência política de Maciunas.19

O Punk também perdeu a sua força inicial de choque e de contestação onde possuíam uma base social a ser desenvolvida através de sua própria cultura (música, moda, mídia, arte) e posição política. Distorções feitas pela mídia criaram uma imagem sensacionalista de violência e drogas, criando um tipo de “Punk” que não fazia idéia dos conceitos, das filosofias sociais e políticas e da diversidade do movimento. Esta mesma mídia hoje absorveu a agitação indignada dos Punks e transformou em produto consumível, belo, baseado apenas pela moda dos penteados, roupas rasgadas, vendendo rebeldia para o consumo em massa. O aumento das platéias e o sucesso de várias bandas fizeram com que as grandes gravadoras começassem a contratar o maior número de bandas que fosse possível para lucrar em cima da onda Punk que se tornou cada vez mais entretenimento e as apresentações cada vez mais suavizadas.

No decorrer do discurso a abordagem musical foi ignorada pelo fato de ofuscar outros aspectos do Punk dos quais gostaria de dar ênfase, mas acho importante citar que a música Punk é uma evolução do rock dos anos 1960 onde a política foi sendo cada vez mais enfocada e “a subcultura se tornou 17

idem

18

HOME, Stewart. Assalto à cultura: utopia subversão guerrilha na (anti)arte do século XX. 2.

ed. - São Paulo: Conrad, 2004. p. 81-87 19

idem

14


uma contracultura20”21. Outro ponto digno de nota é desmistificar e atacar o estereótipo criado pela grande mídia. É um erro achar que o Punk seja um movimento guiado pelas aparências. O movimento evoluiu para além de um estilo sendo mais importante chocar as pessoas com conteúdo e idéias.

Fig. 3: Exemplos do trabalho tipográfico dadaísta, 1920- 21

20

O'HARA, Craig. A filosofia do Punk: mais do que barulho. Tradução: Paulo Gonçalves. São Paulo, SP : Radical Livros, 2005. p. 27- 45 21

A contracultura pode ser definida como um ideário altercador que questiona valores centrais

vigentes e instituídos na cultura ocidental. Justamente por causa disso, são pessoas que costumam se excluir socialmente e algumas que se negam a se adaptarem às visões aceitas pelo mundo. Com o vultoso crescimento dos meios de comunicação, a difusão de normas, valores, gostos e padrões de comportamento se libertavam das amarras tradicionais e locais – como a religiosa e a familiar -, ganhando uma dimensão mais universal e aproximando a juventude de todo o globo, de uma maior integração cultural e humana. Destarte, a contracultura desenvolveu-se na América Latina, Europa e principalmente nos EUA onde as pessoas buscavam valores novos. (wikipedia.org)

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2.2 Partindo da Colagem

Colagem e collage são termos que causam certa confusão por serem semelhantes quanto à grafia e a origem. Vejo necessário defini-las inicialmente para dar mais clareza. No livro de Sergio Lima, titulado Collage, encontram-se definições bem precisas: Colagem: é todo material aplicado, por meio de cola, num plano, como superposição, reunião, grupo ou “ajustamento aleatório” de texturas numa superfície. Collage: é a exploração de uma nova sintaxe, a partir de imagens já existentes, “usadas” por meio de cortes. Collage é análoga à poesia. Como diz Max Ernest, não é a cola que faz a collage.22

Para traçar essa diferença S. Lima cita uma série de exemplos do uso da colagem no campo plástico (em superfícies), destaco aqueles nos quais minha pesquisa permeia.

Vale citar: o cubismo e os ‘papier collés’ de Picasso,

Braque; as assemblages de Kurt Schwitters, Jasper Johns; os enviroments Marcel Duchamp, Claes Oldenburgh, a pintura de Robert Rauschenberg (combine paints) e Antonio Tápies; o rasgado, ‘ décollages’ de Mimmo Rotella e Wolf Vostell.

O uso da colagem aparece historicamente primeiro no contexto do Cubismo, nos papiers collés de Picasso e Braque, produzidos anos antes à Primeira Guerra Mundial. Estas pinturas traziam um contraste entre duas técnicas: “ o ‘ilusionismo’ dos fragmentos de realidade colados (um pedaço de cesto de vime, um papel de parede) e a ‘abstração’ da técnica cubista com que são tratados os objetos exibidos23.” Nestas primeiras aplicações da colagem verificamos um momento de provocação e de quebra da tradição da pintura destinada à reprodução da realidade, mas os materiais colados ainda estão em função de critérios e valores de uma estética pictórica. Outro tipo de colagem que difere destes surgidos no Cubismo são as fotomontagens desenvolvidas por Heartfield, estas não são objetos estéticos, “mas imagens para leitura24”. A

22

LIMA, Sergio. Collage: Textos sobre a re-utilização dos resíduos (impressos) do registro

fotográfico em nova superfície, São Paulo: Massao Ohno: Parma: Raul di Pace, 1984. p.29 23

BÜRGER, Peter. Teoria da Vanguarda. São Paulo: Cosac Naify, 2008. p.139-161 idem

24

16


respeito, da inserção de fragmentos de realidade, no quadro, Peter Bürger escreve: A Inserção de fragmentos de realidade transforma de maneira radical a obra de arte. Não só o artista renuncia à conformação do todo do quadro; também o quadro adquire um outro status, pois, frente à realidade, sua partes não assumem mais aquela relação que é característica da obra de arte orgânica25. Como signos, as partes não se referem à realidade, elas são realidade.

Desde do inicio meus trabalhos são voltados para a colagem e as primeiras surgem com minha entrada na universidade e da tentativa de imitar a estética das artes gráficas que faziam parte do meu universo: capas de discos, encartes de cds, fanzines, folders, cartazes relacionados ao movimento Punk. Todo este material visual tinha um tom político forte, com mensagens diretas onde utilizavam materiais

impressos simples

como revistas, livros antigos,

enciclopédias, de fácil aquisição e manipulação. Bandas como Dead Kennedys, Black Flag, Crass, Sex Pistols sempre possuíram capas e encartes vistosos que me atraiam, todos feitos a partir das colagens e desenhos ou misturando estas duas técnicas. Respectivamente os artistas Winston Smith, Raymond Pattibon, Gee Vaucher e Jamie Reid eram os responsáveis por tais artes.

A

estética das colagens feitas por estes artistas são bem próximas das fotomontagens desenvolvidas por Heartifield e outros dadaístas. Segue nas duas páginas posteriores exemplos visuais de trabalhos desses artistas citados acima, além de um trabalho meu, a fim de demonstrar a afinidade que há entre estes trabalhos.

25

Para entendimento do que Peter Burguer chama de obra de arte orgânica “ A obra orgânica intenciona uma impressão unitária. Na medida em que apenas possuem significado em relação ao todo da obra, seus momentos individuais, individualmente percebidos, apontam sempre para esse todo. Na obra vanguardista, ao contrário, os momentos individuais possuem um grau muito mais elevado de autonomia e podem, por isso, serem lidos e interpretados também individualmente ou em grupos, sem que o todo da obra tenha de ser aprendido.”

17


Fig. 4. John Heartfield, Adolf – o super-homem: engole ouro e fala bobagens (1932), fotomontagem

Fig.5: Raphael Araújo, A música toca minha alma (2008). Nanquin, decalque, acrílica, colagem sobre papel - 30 x 30 cm.

18


Fig. 6. Jamie Reid, God save the queen (1977), Sex Pistols - 30 x 30 cm.

Fig. 7. Winston Smith. Give me convenience OR give me death (1987), Dead Kennedys 30 x 30 cm.

Fig. 8. Gee Vaucher, The feeding of 5000 (1978) Crass - 30x 30 cm.

19


Fig.9 . Raymond Pettibon, My war (1984) Black Flag – 30 x 30 cm.

Mas à medida que a pesquisa avança, perco o interesse por este tipo de colagem que me parece muito ilustrativo, gráfico onde se encontra resquícios de uma narrativa. Parece-me que o contato mais direto com a pintura dentro do curso de artes é responsável por uma mudança de interesses. Começa um período de experimentação onde uso diferentes elementos e técnicas para se fazer colagem, voltando minha atenção ao acumulo e a materialidade física dos elementos colados. Agrego além de resíduos impressos, diferentes qualidades de papel que sofrem a interferência de diversos tipos de técnicas de reprodução gráfica como serigrafia, desenho, decalques e moldes vazados. A apropriação e a sobreposição de elementos vão ganhando importância dentro das composições assim como a evidência do gesto que reforça um interesse ao registro das ações feitas. Surgem transparências, texturas de acordo com as propriedades dos materiais inseridos. Há um excesso tanto no material quanto nas ações, que transmitem ansiedade na busca. São tantos procedimentos sobrepostos que não são raros os trabalhos se perderem durante o processo. A “estética de acumulação”, onde todo e qualquer tipo de material pode ser inserido a obra de arte, de artistas como Kurt Schwitters (1887 – 1948) e Robert Rauschenberg (1925 – 2008), vão se tornando uma influência forte nesses meus primeiros anos de produção. Léo Steinberg, em um trecho do livro “Outros critérios”, descreve como se dava o processo criativo de Rauschenberg.

20


Por vezes parecia que a superfície de trabalho de Rauschenberg equivalia ao próprio cérebro – depósito, reservatório, central de distribuição, abundante de referências concretas livremente associadas como num monólogo interior -, o símbolo externo da mente como transformador contínuo do mundo exterior, absorvendo constantemente dados brutos a serem inscritos num campo sobrecarregado.26

Fig.10 – Robert Rauschenberg, Studio Painting (1960-61), pintura combinada com objetos, 91.8 x 185.4 x 15.2 cm

26

STEINBERG, Leo. Outros critérios: confrontos com a arte do século XX. São Paulo:

CosacNaify, 2008. p.121

21


Fig. 11 - Kurt Schwitters, Construction for Noble Ladies (1919), 102.87 x 83.82 cm

E assim minhas colagens ganham cada vez mais “corpo” e pequenos objetos como parafusos, pregos e lascas de madeira são agregados. Para uma maior sustentação desses elementos, cria-se a necessidade de uma base mais rígida. Assim, o suporte, que carrega elementos próprios como cor, forma, e sua materialidade, começa a ser alvo de reflexões. Aproprio-me também das informações que ele já traz para compor os trabalhos. Surge à possibilidade de interferir diretamente sobre o suporte provocando mudanças físicas alterando seu formato e superfície através de incisões, com cortes e produtos químicos que reagem em contato com materiais de diferentes composições.

22


Fig.12. テ田io (2007) ,Serigrafia, colagem, acrilテュca, spray sobre placa de ferro, 45 x 40 cm.

23


Fig.13 – Desgaste (2007), Serigrafia, colagem, spray sobre chapa de ferro, 50 x 41 cm.

Nesta demarcação do que foi produzido nestes meus primeiros anos enxergo o percurso e as tendências que me levaram as pesquisas e aos trabalhos atuais, que com o passar do tempo, se tornaram cada vez mais híbridos e diluídos. Assim como o interesse cada vez maior pelo meio fotográfico que nos sugere um recorte e uma apropriação do nosso mundo visível. Assim como Sontag diz: “[...] o resultado mais extraordinário da atividade fotográfica é nos dar a sensação de que podemos reter o mundo inteiro em nossa cabeça – como antologia de imagens.” 27

27

SONTAG, Susan. Sobre a Fotografia; Tradução: Rubens Figueireido, São Paulo:

Companhia das Letras, 2004. p. 13-35

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2. DESLOCAMENTOS

No ano de 2007, Frederico Roseiro, Victor Monteiro e eu, enquanto cursávamos a disciplina de Tópicos Especiais – voltada para grafitti – fizemos uma visita ao Edifício das Fundações a fim de mapear lugares onde pudéssemos realizar um trabalho para ser apresentado na aula. O edifício encontrava-se em desuso desde o ano 2000 após a saída da Assembléia Legislativa para sua nova sede. Desde então, o prédio vem sofrendo com o abandono e o descaso das instituições responsáveis por sua manutenção e conservação. O aceso deu-se pela Galeria Homero Massena, que encontra-se no andar térreo do edifício, através da então diretora da Galeria, Bernadette Rubim Texeira.

Nossa visita proporcionou um reconhecimento esmiuçado do edifício. Vasculhamos todos as salas em todos os andares, do segundo andar ao terraço registrando o edifício e a especificidades de sua condição. Ao termino de nossa primeira visita conjunta, já havíamos desistido de nosso objetivo inicial de realizar um trabalho de fim acadêmico. Uma espécie de “consciência do lugar” pareceu ter-se abatido por sobre nossas cabeças, mesclada com um sentimento de indignação por conta da condição deplorável em que se encontrava um edifício tão espaçoso e bem localizado quanto o Edifício das Fundações. Fomos embora inquietos.

Alguns dias apos essa primeira visita, Victor e eu nos encontramos e decidimos ir novamente ao edifício para mais uma vez nos embrenharmos em sua aura de destruição. Durante esta visita, consideramos imperativo desenvolver uma proposta de trabalho para este espaço; outrora fonte de manifestações artísticas como ação/exposição realizada pelo Coletivo Maruipe, dentre outras. Resolvemos então nos aproveitarmos do que consideramos ser a situação mais favorável para o desenvolvimento de uma proposta de trabalho para aquele lugar, o recentemente aberto edital para exposições na Galeria Homero Massena para o ano de 2008. Havia tempo para a elaboração de um projeto, e isso foi para nos, a oportunidade perfeita, uma vez que, com o projeto

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aprovado teríamos autorização necessária para trabalharmos assiduamente no espaço.

A proposta contava com a realização de dois trabalhos, ate então distintos entre si porém com o mesmo suporte, Edifício das Fundações, em locais que não pudessem ser vistos por quem olhasse da rua. A primeira ação seria no sexto andar do edifício e consistiria no vedamento das áreas abertas deste andar, com exceção de um vão para ar condicionado que se localiza na parede oeste do edifício. O material a ser utilizado seria lona preta a fim de montar uma “parede” como bloqueio da entrada de luz no ambiente. O vão não coberto se tornaria a única fonte de luz do ambiente e, no decorrer do trajeto do sol, andaria pelo espaço revelando o que estivesse em seu caminho (vide exemplo nas fotos e no anexo I).

Fig. 14 – Foto ilustrativa do projeto original aprovado no edital da Galeria Homero Massena, 2008.

A segunda ação seria realizada no terraço do edifício e, consistia no nivelamento do vão do terraço com a utilização de fita adesiva transparente. Construindo assim uma superfície condutora e refletora de luz natural, que seria suscetível às intempéries e deixada a mercê de transformações a partir de sua realização/construção.

Fig.15 – Foto ilustrativa do projeto original aprovado no edital da Galeria Homero Massena, 2008.

A exposição/ apresentação consistiria na visualização das obras por intermédio de dois televisores que transmitiriam, com a utilização de câmeras, as obras em tempo real ao espectador. Tais imagens também seriam transmitidas 26


através de domínio na rede, para que pudesse ser acessado por qualquer pessoa que quisesse ver as obras.

Aprovado o projeto pela banca curatorial, composta por Luciano Cardoso Coutinho, Lincoln Guimarães, Jose Augusto Loureiro e Maria Helena Lindenberg, passamos a compor a lista de selecionados para as exposições na Galeria

no

ano

de

2008

juntamente

com:

Thiago

Balbino

[Cólera

Antropofágica], Kenia Lyra [Identidade], Fernando Augusto [Aparelhos], Mara Perpetua, Walter Firmo e Franquilandia. Observando a lista de aprovados podemos observar que as exposições, ambas são constituídas de formas de artes mais tradicionais, respectivamente: pintura, desenho, fotografia e gravura.

Divulgada a escolha da banca, entramos em contato com a direção da Galeria a fim de começarmos a trabalhar o mais rápido possível, dada a necessidade de um trabalho intensivo no espaço para uma execução certeira dos trabalhos. Definimos, juntamente com a galeria, que a melhor data para a execução da exposição seria em dezembro do ano de 2008, para que pudéssemos trabalhar tranqüilamente na execução dos trabalhos durante o ano e apresentamos a intenção de convocar o Corpo de Bombeiros para analisarmos efetivamente as condições dos ambientes requisitados para a execução dos trabalhos e material de segurança apropriado. Nos foi aberto o espaço para o inicio das atividades, entretanto, a autorização para a ida do Corpo de Bombeiros foi negada, com a justificativa de que a Galeria pudesse receber uma interdição caso houvesse algum comprometimento estrutural do edifício. Resolvemos trabalhar então, mesmo com esta situação.

A primeira investida a ser realizada foi a medição das áreas a serem utilizadas e o desenvolvimento logístico da execução dos trabalhos. A quatro meses da data de abertura da exposição, houve a interdição do espaço por ordem da Secretaria de Cultura do estado do Espírito Santo. Durante três meses ficamos constantemente requisitando uma reunião com alguém da Secretaria para que fossem discutidos o motivo da paralisação e a retomada dos trabalhos. Durante esse período, não pudemos dar continuidade nos trabalhos de forma pratica e

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aguardamos, sem retorno, uma resposta dos órgãos competentes quanto a como se dariam as coisas.

Inicialmente, compreendíamos a exposição a ser realizada como a união de dois trabalhos distintos. Percebíamos claramente uma divisão de idéias independentemente das relações existentes. Curiosamente, no desenrolar do percurso para a exposição, esta linha divisória foi gradualmente deixando de existir. A medida em que situações iam aparecendo, esses dois blocos pareciam fundir-se, tornando-se algo único. Tal feito tornou-se fato a um mês da data prevista para a abertura da exposição, quando fomos convocados pra uma reunião com as representantes da Secretaria de Cultura e da Galeria, Ana Saiter e Bernadete Rubim, respectivamente. Nesta reunião, o motivo da paralisação do trabalho nos foi explicitado: a falta de segurança na qual se encontra o edifício. Para a realização dos trabalhos seria necessário um laudo técnico do Corpo de Bombeiros nos dando uma autorização de utilização do espaço, dada a condição do edifício. Foi-nos dito que não era interesse dos responsáveis pelo edifício a execução dos trabalhos, uma vez que os consideravam como uma denuncia da condição em que se encontrava o mesmo. Dado isto, nos foi possível escolher uma das duas opções seguintes: Alterar a proposta em uma semana e executa-la em três ou insistir na execução da proposta e a Secretaria de Cultura cancelar a exposição inventando uma justificativa. Escolhemos a primeira opção. No período em questão fomos tomados pela dúvida, se realmente estávamos ao passo certo, mas após um período de tempo e digerindo toda a situação não vejo outro rumo que poderia ser tomado mais acertadamente. Este trecho do livro “Freqüentar os incorporais” de Anne Cauquelin, confirma este sentimento. “Excluir-se totalmente da instituição não gera efeito desejado, pois o objeto (a obra) exportado deve, por fim, ser repatriado ao seio do sistema do qual desertou, sob a pena de permanecer no estado de uma tentativa não transformada, isto é, não reconhecida, até mesmo não conhecida. A exportação é um ato que isola a obra no não-reconhecimento, por sinal bastante complicado, para que a galeria desempenhe seu indispensável papel de indicador.”28 28

CAUQUELIN, Anne. Freqüentar os incorporais: contribuição a uma teoria da arte

contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 62-67

28


Mantemo-nos fieis a idéia original. A semana de desenvolvimento da nova proposta (anexo II) tornou-se uma semana de adequação do projeto original (anexo I). Como transmutar uma idéia de ação em um lugar especifico para um outro lugar, sem perder a idéia original, e sem tornar aparente tudo o que, desde a concepção da idéia optamos por manter invisível, implícito? A resolução para esta problemática deu-se em expor abertamente todo um processo de mutação de uma idéia por questões envolvendo interesses claramente políticos, no que diz respeito a utilização de espaços. Expor uma condição de “inexperiência” nossa e, uma condição de manutenção da vontade de não-utilização – de permanência da condição – de um espaço importante historicamente e com potencial (de espaço, de localização, de estrutura) para realização de inúmeros projetos que poderiam beneficiar a sociedade de alguma forma. Abrir o “jogo” a todos.

A resolução encontrada deu-se em fundir as duas propostas em uma. Utilizar o espaço da galeria para comportar as duas idéias. Aproveitamo-nos da estrutura da galeria e “criamos” uma caixa-infinita onde em um ponto tinha-se as duas propostas co-relacionadas. O espaço expositivo da galeria foi completamente vedado por uma lona preta que impedia a entrada de luz, a única passagem desta encontrava-se do lado esquerdo em uma abertura proporcional ao tamanho do vão para ar condicionado, localizado na parede do sexto andar do edifício. A luz incidia sobre uma camada de fita adesiva, que atravessava a sala de uma extremidade a outra, posta há aproximadamente 80 cm de altura do piso, e sua extensão tomava praticamente a metade da área interna, reduzindo o espaço de circulação dos visitantes. Unimos todos os documentos relativos a idéia em um livro, para que fosse lido e compreendido, desde o inicio, as transformações sofridas, e este exposto juntamente com dois televisores fora do ar. Criamos – como poderia ser visto por quem de fora olhava a galeria – um espaço de obra.

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Fig. 16 – Deslocamentos (2008), montagem.

Fig. 17 – Deslocamentos (2008), montagem.

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Fig. 18 – Deslocamentos (2008), vista interna, luz incidindo sobre fita adesiva.

Fig. 19 – Deslocamentos (2008), vista interna, entrada, televisores fora do ar, livro processo.

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Fig. 20 – Deslocamentos (2008), vista interna.

Fig. 21 – Deslocamentos (2008), televisores fora do ar, livro processo.

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Fig. 22 – Deslocamentos (2008), vista externa.

3.

EXPERIÊNCIA ATELIÊ – EMBATE ACIRRADO COM A PINTURA.

3.1 ATELIÊ OCUPAÇÃO Tudo o que a cidade grande jogou fora, tudo o que perdeu, tudo o que desprezou, tudo o que esmagou a seus pés, ele cataloga e recolhe. [...] Escolhe as coisas e faz uma seleção sábia; como um avarento que guarda seu tesouro, ele recolhe o refugo que vai assumir a forma de objetos úteis ou gratificantes entre os dentes da deusa da Indústria.

Após a exposição “deslocamentos” tive a oportunidade de participar da residência de pintura “Ateliê Ocupação” que aconteceu também na Galeria Homero Massena, no seu espaço anexo (2° andar). Participavam dessa residência como proponentes os artistas Gabriel Sampaio, Gabriel Borém, Ludmilla Cayres, Luciano Cardoso, Thaís Apolinário e Victor Monteiro.

A proposta deste grupo era que o ateliê fosse um espaço imersivo, aberto para encontros e trocas onde as pessoas que ali transitassem para produzir ou

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simplesmente visitar, fossem também membros constituintes de um “espaço artístico” (ateliê). Assim prossegui minha produção em pintura.

As primeiras foram realizadas utilizando a técnica da colagem nos quais utilizei materiais recolhidos e encontrados que estavam dispostos no ambiente como cartazes de filmes, mapas, restos de materiais gráficos, pregos, madeira betume, thinner. Resultando uma superfície pictórica onde se percebem camadas de diferentes tipos (figura 25 e 26). Posso dizer que a partir daqui, a pesquisa evolui em direção de uma exaltação da matéria e no acirramento de um embate entre dois elementos distintos: o gráfico e a matéria. Paralelamente outros trabalhos surgiam, estes foram produzidos de madeiras coletadas no ambiente da residência (Edifício das Fundações), levando em consideração os vestígios do tempo como marcas de antigas funções, cores e texturas. Sobre este material fiz intervenções através de incisões na intenção de apresentar e destacar o processo construtivo das obras além de uma busca por uma dimensão existente, mas não evidente. Tais aspectos podem ser vistos na obra de Lucio Fontana (1899-1968). Fontana tratava o plano bidimensional como um material plástico potente para criar uma sensação de profundidade, mas não através da ilusão da perspectiva, mas integrando o espaço real, e os espaços vazios reais. “A abertura física da superfície da pintura implicava criar uma continuação entre o espaço ocupado pelo observador e o espaço pictórico”29. Havia uma preocupação com o gesto da perfuração realçando o conceito sobre a execução.

29

HESS, Bárbara. Fontana. Alemanha: Taschen, 2009. p.7-8

34


Fig. 23– Lucio Fontana. Concetto spaciale (1959-60). Óleo sobre tela - 200 x 200 cm

35


Fig. 24 - Adeus lĂŞnin (2009). Spray, betume, papel, pregos sobre eucatex -87 x 76,6 cm

Fig. 25 – Detalhe da figura 24

36


Fig. 26 - Sem tĂ­tulo (2009) . Furos sobre madeira. 88x46,7 cm

37


Fig. 27 – Sem título (2009/10). Madeira – 123 x 102 cm e 126 x 0,77 cm

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3.2 ATELIÊ EMBIRA

Nos anos de 2009-2010, instigado pela produção e convivência coletiva anterior, participei juntamente com outros artistas (Alex Vieira, Júlio Tigre e Vinicius Guimarães) de um grupo (denominado Embira) voltado à discussão e prática da pintura que foi contemplado pelo edital n°01430 da SECULT (Secretaria Estadual de Cultura). Uma determinação imposta neste projeto era a designação de um professor orientador, no caso Julio Tigre, e relatórios mensais de acompanhamento31 . De comum acordo decidiu-se que levaríamos estes relatórios com muita seriedade a fim de acompanhar como se dá processo criativo de cada integrante do grupo.

Ao considerar que cada componente do grupo levaria para aquele espaço suas experiências anteriores com a linguagem da pintura, entendíamos que o estudo desses processos nos colocaria minimamente a par dos caminhos ate então trilhados por cada um e nos aproximaria de alguma forma para uma experiência coletiva com o espaço do ateliê.32

Minha produção, como descrito no “Ateliê Ocupação”, estava relacionada muita a prática do desenho e apropriações de imagens e na tensão entre a presença da figuração e a matéria, essa relacionada à representação do lugar (espaço do ateliê). O problema parece existir nesta afirmação da matéria como elemento expressivo que a imagem nega de certa forma. No primeiro conjunto executado neste mês isto fica evidente, estes dois elementos dos trabalhos parecem superpostos. Sua produção propõe de imediato este confronto fomentando a reflexão a respeito destas duas superfícies de naturezas tão diferentes, uma pela especificidade na representação a outra pela realidade de apresentar-se tal como é encontrada.33

30

Refere-se ao edital “Ateliê de Pintura”, Galeria Homero Massena.

31 32

Material que serviu de apoio para o desenvolvimento deste capitulo. TIGRE, Julio. Texto final do Ateliê de Pintura da Galeria Homero Massena, 2010.

33

TIGRE, Julio. 2° Relatório Ateliê de Pintura, Homero Massena, 2009.

39


Buscando a aproximação do meu trabalho com a pesquisa de alguns artistas brasileiros contemporâneos vou de encontro à obra de Daniel Senise. Há pouco conheci sua produção e logo percebo uma similaridade de seu tratamento do plano pictórico. Seus procedimentos são por vezes quase os mesmos que utilizo, este consiste na formação de uma superfície pictórica através de um “acréscimo por justaposição e requer registro de elementos extrínsecos34”. Essa proximidade se deu aleatoriamente já que vou conhecer seu trabalho após o termino da exposição “EMBIRA”, no final da residência ateliê de pintura. Cabe aqui contar como chego a este procedimento, próximo ao de Senise e como o acaso também vai sendo incorporado ao meu processo de criação. Logo no inicio da vivência de ateliê, ganho um pano (murin), não consigo precisar seu tamanho, mas era relativamente grande, talvez uns 3 x 4 m. Nele devia pintar uma estampa e posteriormente, devolvê-lo, afim de confeccionar um vestido encomendado. No ateliê ainda não possuía muitos materiais, apenas uma meia dúzia de tintas, estiquei o pano horizontalmente sobre o chão e comecei a trabalhar sobre ele. Havia a pretensão de criar uma pintura em forma de galhos, o que acabou não acontecendo. Virou mais uma “batalha”, contra eventuais “erros” de execução, reações inesperadas da tinta no suporte e a tentativa de tornar aquilo numa pintura. Pelo caminhar aquilo não poderia ser um vestido, tamanha a espessura que ganhou através de várias camadas de tintas. Outra ação realizada foi à inserção de fita crepe na intenção de acobertar áreas intuindo que a tinta posta sobre não cobrisse plenamente a camada anterior. Após estes procedimentos decidi remover o tecido do chão e para minha surpresa o seu verso trazia fragmentos do piso juntamente com indicações dos procedimentos realizados sobre ele. A partir daqui faço uma série de trabalhos inspirados nessa primeira experiência.

34

SENISE, Daniel. Ela que não está. São Paulo: Cosac e Naify, 1998. 220 p.

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Fig. 28 – Daniel Senise. Ex-voto (1991),Acrílica, esmalte sintético e madeira sobre cretone, 200 x 173 cm

Testei outros tipos de tecidos, mas o que atendeu melhor a especificidade da minha pesquisa foi mesmo o “murin”, por ter as tramas espaçadas, permiti facilmente a transposição e retenção de elementos. Assim as preparo com cola ou tinta, e as estendo ainda molhadas sobre o piso do ateliê ou paredes. Ao ser descolado, o “murin” retêm uma estampa das marcas do local onde é estendido, e incorpora “a poeira, as lascas e manchas do piso, mas também zonas vazias de superfície perdidas e o resquício de obras anteriores submetidas ao mesmo procedimento35”. A tela é vista, erguida sobre a parede e por vezes submetidas ao mesmo procedimento. Há uma imprecisão de orientar a superfície das obras, causado pela passagem do quadro produzido no plano horizontal quando é projetada verticalmente . Leo Steinberg vai usar o termo fletbed36 (plataforma) para descrever esta forma de se trabalhar, segundo ele, marca de uma mudança radical na orientação “natural” da pintura moderna.

35 36

idem Uma placa horizontal sobre qual se apóia uma superfície horizontal de impressão. (webster)

41


Todavia eles não simulam mais campos verticais, mas horizontais opacas de tipo fletbed faz sua alusão simbólica a superfícies duras, como tampos de mesa, chão do ateliê, diagramas, quadros de aviso – qualquer dado, em que informações podem ser recebidas, impressas, estampadas, de maneira coerente ou confusa. As pinturas dos últimos quinze a vintes anos insistem numa orientação radicalmente nova na qual a superfície pintada não é mais o análogo de uma experiência visual da natureza, mas de processos operacionais. (STEINBERG, 2008, p. 116-125)

Trabalhando-se com o suporte horizontal ele pode servir de depósito onde materiais são postos, imagens são impressas e coladas, objetos sofrem reações e deixam suas marcas.

Observo que a pintura neste momento, além de representar um fragmento tornou-se uma representação de um lugar. Concordo plenamente nas palavras de Julio Tigre, em seu texto do 1˚ Relatório da bolsa Ateliê de Pintura, onde arrisca dizer que o espaço ateliê se transforma em um sitio específico na medida que propicia a interação entre o agora lugar constituído e a criação por vir. [...] o local anteriormente localizado como um ponto meramente geográfico. A partir da sua ocupação transforma-se paulatinamente neste sítio específico nas relações estabelecidas entre sujeito e local, estabelecendo aí a idéia do pertencimento na medida em que surgem os afetos.37

Nota-se isso mais claramente analisando o trabalho executado em um dos espaços do Edifício onde literalmente arranco a pele da parede usando o processo anteriormente descrito onde se fixa uma tela sobre uma superfície e se arranca tintas e vestígios que estão junto ao reboco. Depois através de uma lâmina de cola espessa retiro outra “pele” contaminada de vestígios da ação anterior. O trabalho foi pensado e é composto por três partes: a primeira é denominada por mim como “epiderme” e é constituída pela tela retirada da parede. Será exposta como uma pintura. A segunda a qual chamo de derme, é a lâmina de cola que foi retirada da parede e possuí informações de ambos os lados. Um onde se pode ver o que estava sobre a superfície da parede (sujeira, resto de tinta, marcas da retirada da lona) e um outro (verso) que se vê o concreto da parede. Esta seria a camada do meio e seria exposta, esticada 37

TIGRE, Julio. 1˚ Relatório da bolsa Ateliê de Pintura da Galeria Homero Massena, 2009.

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através de seu próprio peso e pressa em sua extremidade superior por um sistema que envolve um sanduíche feito de madeira e cabos de aço finos. A terceira camada, hipoderme, é uma reprodução fotográfica em dimensões reais do que restou no local (parede original). Isto ficaria disposto de maneira com que quem vá ver o trabalho possa circular “dentro”, entre o trabalho. Podendo tocar, ver e vivenciá-lo.

Fig. 29 – Velha (2010). Serigrafia sobre ferro, vidro e madeira -1,02 x 0,58 m

43


.

Fig. 30 - Vestido da Ignez (2010). AcrĂ­lica, serigrĂĄfica, esmalte, cola, fita crepe sobre murin 1,62 x 1, 86 m

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Fig. 31– Fronteira (2010). Oxido de ferro, craca de tinta sobre murin -1,41 x 1,85 m

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Fig. 32 – Broca (2010). Furos sobre madeira - 0,88 x 1,88 m

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Fig. 33 – Derme (2009 – 2010). Craca de tinta, acrílica, serigrafica - 1,38 x 1,78 m

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Fig. 34 - Sem t铆tulo (2010). Cracas de tinta, papel, serigrafia, 贸xido de ferro, fita adesiva 1,36 x 0,90 m

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Fig. 35 – Detalhe da figura 34

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Fig. 36 - Sem tĂ­tulo (2010). Oxido de ferro sobre fita adesiva - 1,02 x 0,59 m

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Fig. 37 - Sem título (2010). Oxidação sobre lona - 111 x 81 cm

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Fig. 38 - Etapas de trabalhos (2009-2010)

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5. VESTÍGIOS

As imagens por si já são mais do que textos. Representam e contém infinitas significações. Escrever/ conceitualizar sobre elas pode trazer ganhos pessoais conseguindo decifrar e criar um maior entendimento do que está sendo produzido no campo artístico. A tradução ou descrição em textos, de trabalhos de arte, pode trazer problemática. No entanto, a situação se complica ainda mais devido à contradição interna dos textos. São eles mediações tanto quanto o são as imagens. Seu propósito é mediar entre o homem e imagens. Ocorre, porém, que os textos podem tapar as imagens que pretendem representar algo para o homem.38

Isso considerando a minha produção mostrada no decorrer desta pesquisa (colagens, instalação e pinturas). Acho que a falta do contato direto com a maioria desses trabalhos causa uma perda considerável de sua “potência” e significado. Considero que a vivencia presencial destes como essenciais, já que em sua maioria partem das relações do objeto (obra) com o espaço/ ambiente no qual ele se insere além da presença material pelo qual são feitas. Devido à própria especificidade o registro fotográfico não dá conta de se apresentar sozinho como obra, a não ser quando ele é o próprio meio, processo, parte da construção de um trabalho. Falar sobre pintura não tem nenhum sentido. À medida que se comunica algo com a linguagem, altera-se o comunicado. Constroem-se essas qualidades que podem ser faladas e destroem-se aquelas que não podem ser faladas, mas que sempre são as mais importantes.39

Fazer uma retrospectiva analítica, de sua própria produção, é uma experiência que se mostra angustiante. Essa angústia vem dessa contradição entre o fazer artístico buscando um trabalho autônomo que fala por si e da teorização, “explicação” sobre. Isto me parece que se tornou uma convenção, um trabalho seguido de um texto explicativo. Não estou julgando valor, o peso entre escrita e trabalho de arte. Até mesmo porque texto pode ser arte. Há uma contestação

38

FLUSSER, 2002, p.11 FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecília (Org.). Escritos de artistas: anos 60/70, Rio de janeiro: Jorge Zahar, 2006. p. 113-19 39

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mesmo da forma em que as coisas são aplicadas, inseridas, documentadas. Numa escola de arte o que teria mais valor? A arte se mostrou por diversas vezes tão livre e a academia e o sistema de arte tão engessada. O que acaba por gerar conflitos e dúvidas que são à base do conhecimento. São dos atritos e das dúvidas que se geram conhecimentos.

Após a residência artística realizada na Galeria Homero Massena, comecei um projeto chamado “Praticáveis” junto com o artista Victor Monteiro, que é um desdobramento do trabalho “Deslocamentos”. A proposta parte do encontro com guias práticos de técnicas, projetos e ideias para o lar - nos moldes faça você mesmo. Estes são apresentados na forma de fascículos colecionáveis daqueles que eventualmente encontramos esquecidos entulhados e em desuso. De maneira que, as instruções em seu interior sirvam de base para o desdobramento de “novos” projetos. Os “novos” projetos serão a re-concepção das instruções já existentes, de maneira à ressignificá-los construindo um novo guia prático de nossa autoria semelhante aos fascículos encontrados. Expondo de maneira didática os processos de concepção, execução e aplicação das novas peças.

Tenho feito diversas pesquisassem diferentes meios como a fotografia, o grafite e o Vídeo.

É importante salientar que estou lidando com um trabalho em andamento. Neste texto procurei teorizar algumas questões que foram identificadas no processo de criação, porém esta pesquisa está sujeita a mutações futuras e é importante que elas aconteçam. Tenho ciência de que existem diversas lacunas a serem preenchidas e é isso que move a pesquisa.

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6. BIBLIOGRAFIA

1. CAUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

2. CAUQUELIN, Anne. Freqüentar os incoporais: contribuição a uma teoria da arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

3. DANTO, Arthur Coleman. Após o fim da arte: a arte contemporânea e os limites da história. Sâo Paulo: Edusp: Odysseus, 2006.

4. FERREIRA, G.; COTRIM, C. Escritos de Artistas anos 60/70, Tradução: Pedro Süssekid, Rio de Janeiro: J. Zahar, 2006

5. FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.

6. FREIRE, Cristina. Arte conceitual. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2006.

7. GOLDBERG, Roselee. A arte da performance: do futurismo ao presente. São Paulo: Martins Fontes, 2006

8. GRUEN, Bob. Rockers. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

9. HEARTNEY, Eleanor. Pós-modernismo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.

10. HOME, Stewart. Assalto à cultura: utopia subversão guerrilha na (anti)arte do século XX. 2. ed. - São Paulo: Conrad, 2004.

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11. LIMA, Sergio. Collage: Textos sobre a re-utilização dos resíduos (impressos) do registro fotográfico em nova superfície, São Paulo: Massao Ohno: Parma: Raul di Pace, 1984

12. LOPES, Fernanda. A experiência REX: “Éramos o time do Rei”. São Paulo: Alameda, 2009

13. O'DOHERTY, Brian; MCEVILLEY, Thomas. No interior do cubo branco: a ideologia do espaço da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

14. O'HARA, Craig. A filosofia do Punk: mais do que barulho. Tradução: Paulo Gonçalves. São Paulo, SP : Radical Livros, 2005

15. PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens urbanas. Sao Paulo: Senac: Marca d'Agua, 1996.

16. REIS, Paulo. Arte de vanguarda no Brasil: os anos 60. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2006.

17. RICHTER, Hans. Dada: arte e antiarte. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

18. SONTAG, Susan. Sobre a Fotografia; Tradução: Rubens Figueireido, São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

19. STEINBERG, Leo. Outros critérios: confrontos com a arte do século XX. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

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ANEXO I – Primeiro projeto original do trabalho “Deslocamentos”

Intervenção 1 – Sexto andar

Para execução deste trabalho serão vedadas as parte frontal e traseiras do prédio, com exceção de uma janela localizada na parede esquerda da sala. Sendo que está permanecerá aberta sendo a única passagem de luz do andar. A câmera localizada nesta sala captará o movimento da luz projetada no decorrer do tempo (dia/noite).

Intervenção 2 – Terraço

A intervenção consiste em um nivelamento do vão do terraço com fita adesiva transparente. A câmera captará o trajeto da incidência da luz do sol por sobre a camada brilhosa da fita; captará também a luz da lua sobre a fita, assim como a ação do vento sobre a mesma e o esfacelamento da estrutura/superfície pela ação das intempéries possíveis durante o período expositivo.

Galeria

Os trabalhos serão realizados na parte superior da galeria – Ed. das Fundações – que atualmente encontra-se abandonado. Será utilizado o quarto andar (se não nos falha a memória), juntamente com o terraço do edifício. O trabalho consiste na apresentação das intervenções por meio de duas câmeras posicionadas, em locais estratégicos. Na galeria estarão duas televisões que projetarão em tempo real os trabalhos e o desenvolvimento dos mesmos durante o período expositivo.

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ANEXO II – Texto do Júlio Tigre no Catálogo “ Ateliê de Pintura – Galeria Homero Massena”

Atelier Embira

Um lugar processo.

Muito pouco se fala dos bastidores e interstícios da produção das obras de arte na historia da arte. Ainda hoje quando entramos em contado com determinada obra, esta nos parece envolvida por uma aura imaterial que a desloca de um espaço concretamente cotidiano ao artista e nos apresenta como um espetáculo em um palco onde tudo é representação. Ao observarmos seu pedestal ou moldura como algo impalpável materialmente, ela não parece ter convivido junto a objetos ordinários de uma vida às vezes corriqueira.

Este tempo imensurável entre o pedaço de tecido esticado em um bastidor de madeira e a pintura ou entre a pedra bruta e a escultura, esta mergulhado numa corrente de atitudes e duvidas mesclada aos afazeres domésticos, um lugar dúbio, dividido entre a criação da expressão ou linguagem e realizações de sobrevivência consideradas menos nobres na existência do artista. Nosso interesse é localizar este lugar para buscar incluí-lo como um tempo alterador e influente na produção da obra. A fronteira entre estas duas atitudes vai sendo rompida gerando um entre lugar que vai refletir cada vez mais nas obras estas migrações de sentidos, ao mesmo tempo que objetos de uso corriqueiro migrarão para dentro do cubo branco das galerias.

O ateliê localiza-se dentro desta fronteira, neste entre lugar, por apresentar características peculiares. Com o advento do modernismo ele deixou de ser um espaço envolto nos mistérios e único testemunho da criação e genialidade do artista transformando-se num espaço residencial onde se misturam os objetos do dia a dia e outros cuja função distancia-se do trivial. Num momento em que a arte já se encontra em transito entre o que é publico e o que é privado, entre o mundo e a arte no que nela apresenta-se como sagrado e o profano.

58


Na proposta elaborada para bolsa ateliê de pintura da galeria Homero Massena na sua terceira edição, constava o acompanhamento dos processos criativos dos proponentes pela orientação para assim efetuarmos uma aproximação entre os mesmos. o espaço constituído mais tarde em lugar na convivência de três proponentes mais o orientador gerou uma serie de questões. Ao considerar que cada componente do grupo levaria para aquele espaço suas experiências anteriores com a linguagem da pintura, entendíamos que o estudo desses processos nos colocaria minimamente a par dos caminhos ate então trilhados por cada um e nos aproximaria de alguma forma para uma experiência coletiva com o espaço do ateliê.

O estudo de processos se fundamenta nos pressupostos teóricos e metodológicos da crítica genética, de base perciana, buscando a gênese da obra a partir dos documentos de processo e todos registros produzidos no decorrer da produção que permitem acompanhar sua origem, porem nesta experiência a analise destes processos passariam da investigação a partir das obras já realizadas rastreando todos os vestígios deixados no decorrer de sua construção para uma analise de caminho inverso que buscava refletir sobre os diversos percursos e as decisões tomadas em direção a construção de uma obra futura. Desta forma podemos entender esta mudança como sendo a passagem de uma posição de diálogos íntimos40

onde solitário os artistas

mantém o dialogo consigo mesmos na elaboração da obra para a situação de um leitor particular41, neste caso, minha presença como orientador a acompanhar os processos tendo acesso direto a cada movimento em direção a elaboração da obra. Esta posição tomada na orientação se firmou desde a elaboração da proposta junto ao grupo onde se realizou de maneira informal um pacto de confiança entre os envolvidos, firmado a medida que o dialogo avançava tornando um debate franco sobre a criação das obras, foi na intimidade com os fazeres de cada um que se estabeleceu esta proximidade com os processos e projetos individuais. O ateliê define-se como um lugar ideal para a criação, arrisco afirmar que acaba por se transformar num sítio específico onde se desenrola os processos. 40 41

SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado. Anna Blume. 2ª edição, 2004, p.43. Ibidem. P. 44.

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Sítio específico numa definição de que o local depois de imantado pela presença do artista que o reorganiza conforme seus interesses propicia a interação entre o agora lugar constituído e a criação por vir. O conceito de lugar aqui define-se como a presença de um sujeito que redimensiona e resignifica o local anteriormente localizado como um ponto meramente geográfico. A partir da sua ocupação transforma-se paulatinamente neste sítio específico nas relações estabelecidas entre sujeito e local, estabelecendo aí a idéia do pertencimento na medida em que surgem os afetos. Num ateliê coletivo estas demarcações vão sendo estabelecidas por afinidades entre os componentes, apesar de tentativas em não se demarcar territorialidades, estas acabam acontecendo de forma inconsciente pelo fazer de cada membro do grupo.42

A ocupação do ateliê se deu como um loteamento do espaço, criando nichos individuais, lugares surgiram nessa distribuição que só não se tornaram mais privados pelo fato de não haver entre eles barreiras materiais que os separassem, outros espaços tornaram áreas coletivas onde ocorria os encontros e o seu uso de forma nômade. Esta divisão se deu pela reconfiguração do espaço proposta por cada artista, refletindo a maneira de trabalhar de cada um, a conformação dos lugares estava intimamente ligada aos processos criativos individuais constituídos por praticas anteriores. Os materiais que vão se acumulando no ateliê possuem características seletivas distantes dos convencionais, as máquinas de xerox de Alex, mesas de luz e telas de serigrafia deixam evidente as praticas de reprodutibilidade de imagens. Raphael apropria-se de lâminas de vidros e madeiras usadas e pretende trabalhar com intervenções no suporte cortando-os e furando-os para obter uma espécie de aprofundamento do plano. Seu espaço possui características de uma popular marcenaria ou vidraçaria. Vinicius ainda pretende avançar com materiais convencionais do design gráfico, organiza seu espaço como num estúdio, uma mesa para desenho e outra mesa de luz ele apresenta uma afinidade com Alex nesta organização.43

42 43

TIGRE, Julio. 1˚ Relatório da bolsa Ateliê de Pintura da Galeria Homero Massena, 2009. Ibidem.

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Neste inicio houve manifestações sobre as dificuldades nesta ocupação a mudança de uma relação solitária com os processos para uma convivência num mesmo espaço chegou a produzir um efeito contrario do esperado. O compartilhamento de um mesmo espaço com o grupo tem ainda me trazido um pouco de ansiedade, esta que as vezes me paralisa ao invés de me propulsionar. Tenho me preparado para a experimentação de novos suportes, não mais papéis e pretendidos em formatos grandes. Tenho me confortado com algumas leituras individuais, e também com uma ou outra experimentação por influência do espaço.44

Esta divisão do espaço não foi debatida entre os participantes, ela se deu de forma paulatina com a chegada de cada componente. Nesta ocupação incluime como propositor, pois pretendia desta forma ser mais um artista a ocupar o ateliê, esta ideia veio como uma possibilidade de que estando ali entre os demais produzindo algo, me permitiria acompanhar mais de perto as praticas assim como me tornar intimo destes lugares estabelecidos. Esta decisão comprometeu a proposta inicial de realizar uma discussão sobre processos alterando-a na sua forma mais convencional onde o pesquisador localiza-se como um observador que vai na medida do possível penetrando nos meandros da criação, ausente da pratica, não se comprometendo diretamente com a criação das obras. A posição do leitor particular também se altera, ganha conotações ainda mais comprometedoras pois este também produz obras que passam a ser alvo das leituras do grupo, esta posição caracterizou o ateliê como um laboratório onde pesquisador e pesquisados teve as fronteiras entre eles esgarçadas.

Voltando a construção dos lugares no ateliê, duas características contrastantes se revelaram desde o inicio que podia ser constatada simplesmente observando os elementos e as características destes espaços ocupados. Características estas reveladas pela presença de elementos nas obras e a maneira como cada artista lidava com eles.

44

Relatório de Vinicius Guimarães do Bolsa Ateliê , 2010

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“Estas diferentes ocupações do ateliê já prefiguram um entroncamento entre dois eixos: matéria e imagem, os processos individuais provavelmente vão se alterando pela convivência destes dois eixos”.45 O conceito imagem a qual nos referimos é a presença nas obras da representação através de imagens gráficas de origens variadas: velhas revistas, álbuns antigos, enciclopédias e outras vezes selecionadas na Internet. Além do uso de imagens apropriadas, há também imagens executadas a partir de uma reinterpretação de outra. Variados também

foram os métodos de

reprodução: serigrafia, monotipia, carimbo e fotocopia sendo esta ultima a mais utilizada. A fotocopia se fez presente de forma impactante no ateliê isto porque o Artista Alex Vieira levou para lá um antiga fotocopiadora com a qual já vinha trabalhando. A presença da maquina no espaço possibilitou a todos desfrutar do meio, acabando por viabilizar uma produção coletiva. Cada propositor trouxe para dentro do ateliê seus mecanismos e materiais, instrumentos que de certa forma acabaram por tornar o ateliê um espaço eclético no que diz respeito às técnicas, um deles vem aglutinando as atenções do grupo, a máquina Xerox de Alex. Este mecanismo de reprodução vem sendo manipulado de forma diferenciada pelos três artistas. A disponibilidade deste instrumento proporcionou uma característica superficial nos resultados dos três artistas, as pesquisas acabam por tencionar o mecanismo revelando os interstícios de como trabalha a maquina em seu processo de reprodução da imagem.46

Considerando também o desenho como forma de expressão gráfica incluo ai a produção dos outros dois artistas como sendo influenciadas pela pratica nesta linguagem. Vinicius Guimarães vem de uma experiência não muito gratificante com o design gráfico, procurava nesta ocasião uma saída mais sensível para sua relação com o desenho, na intenção de encontrar um novo caminho para seus problemas em relação com a representação. O artista deixa de lado as experiências anteriores , num minimalismo subjetivo começa sua pesquisa com os elementos estruturais do desenho: ponto e a linha no plano.

45 46

TIGRE, Julio. 1˚ Relatório Bolsa Ateliê Galeria Homero Massena, 2009. TIGRE,Julio. 2˚ Relatório Bolsa Ateliê GM, 2009.

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Rafael Genuíno chega ao ateliê com uma pratica de desenho e apropriações de imagens. Suas figurações vinham aliadas a suportes que participavam como superfícies apropriadas dialogando com a serigrafia e o stencil como meios de reprodução de imagens. Com relação a matéria utilizada pelo grupo, este conceito aqui se dilata se considerarmos que um tema pode ser tomado como matéria numa obra. Esta observação esta intimamente relacionada à maneira de como por exemplo o artista Alex Vieira propôs trabalhar com as imagens, ele sobrepunha uma considerável quantidade de imagens, as vezes dispares de natureza e fontes diversas e de forma quase aleatória, com a ampliação do suporte esta pratica tornou-se ainda mais intensificada. Alex vem desenvolvendo sua pesquisa com a Xerox explorando excessos no manuseio da maquina, buscando pelos erros tendo como foco a expressão. As duas primeiras imagens produzidas no ateliê já demonstraram uma tendência distante da narratividade presente em trabalhos anteriores, tanto nas escolhas das reproduções quanto nos adensamentos das intervenções mais pictóricas, seu investimento em áreas com manchas tem aumentado. Mantém o preto do tonner e o branco do papel, reforçando a origem gráfica de sua pesquisa, ainda presente nos trabalhos a massificação com imagens díspares em encontros fortuitos. Os trabalhos recentes são mais tendenciosos, sua seleção recai em ilustrações que num psiquismo automático propõe encontros nas escolhas aparentemente aleatórias. Transfere para a maquina parte considerável da construção da fatura de suas colagens. Numa primeira analise observou-se uma ampliação das escalas, tanto no que diz respeito ao plano, as dimensões dos “painéis” que ele vem empregando quanto na escala das imagens, as conseqüências podem ser observadas em separado: trabalhos em que pela ampliação acabam revelando alterações destituindo-os como meros contornos ganhando presença como mancha. O aumento da escala no plano proporcionaram uma proliferação considerável de materialidade produzida pela sobreposição no formato do papel A4.47

Alex continuava suas pesquisas, o emprego da fotocopiadora já não estava mais limitado a tiragem de copias na forma tradicional, o artista explorava outras possibilidades da maquina como por exemplo, realizar tiragens com o tonner ainda não fixado sobre a folha de papel o que proporcionava uma 47

TIGRE, Julio. 2˚ Relatório Bolsa Ateliê Galeria Homero Massena, 2009.

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aderência irregular borrando a imagem, outras vezes eram os ruídos e falhas no funcionamento do aparato que proporcionava acasos

com seu mal

funcionamento. Aos poucos, tais exercícios foram se distanciando de uma relação de mera reprodução de imagens para a exploração deste como meio pictórico.

A matéria também se relaciona com o espaço do ateliê, sua amplitude permitiu aos bolsistas ampliarem suas proposições, permitindo o emprego de outros suporte e materiais, a adoção de vários destes materiais encontrados no mesmo edifício acabaram por influenciar o artista Rafael Genuíno nos caminhos de seu trabalho, aqui se deu um embate curioso entre a imagem e os materiais encontrados. Os materiais coletados anteriormente, frutos da construção e demolição civil, principalmente ferro, vidro, madeira compõe a maior parte do trabalho que foi feito. Exploro as características próprias de cada material como a transparência do vidro, a oxidação do ferro, as cores e marcas deixadas nas madeiras. Além dessas informações já contidas, no material utilizado, agrego novas informações como furos e impressões com serigrafia.48

Ao adotar materiais já anteriormente utilizados como suporte de suas pinturas, Rafael se deparou com uma serie de cicatrizes/vestígios deste uso. O embate entre estas informações e as de representação; fotografias reproduzidas pelo meio da serigrafia, apresentou-se como um problema para o artista. Nas tentativas de aglutinar estes dois procedimentos decide liberar as obras destas imagens fotográficas e buscou outros meios para produzir este dialogo com métodos que se organizaram em dois momentos pontuais: intervenções com cortes e furos no material (escultóricas) e desgastes e oxidações provocadas por reações químicas (pictóricas). Rafael vai abandonando as imagens fotográficas até elas desaparecerem completamente. Raphael tem procurado aglutinar a imagem obtida por meios de reprodução mecânica à matéria crua dos fragmentos das madeiras usadas que vem empregando a difícil tarefa de misturar óleo e água, não se mesclam, mas juntos produzem uma nova superfície, ou melhor, produzem uma alteração das 48

Relatório de Rafael Genuíno do Bolsa Ateliê , 2009.

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profundidades obtidas pelos orifícios circulares que o artista vem produzindo nestes planos irregulares. O problema parece existir nesta afirmação da matéria como elemento expressivo que a imagem nega de certa forma. No primeiro conjunto executado neste mês isto fica evidente, estes dois elementos dos trabalhos parecem superpostos. Sua produção propõe de imediato este confronto fomentando a reflexão a respeito destas duas superfícies de naturezas tão diferentes, uma pela especificidade na representação a outra pela realidade de apresentar-se tal como é encontrada. As madeiras manipuladas anteriormente ganham uma fatura produzida em dois momentos: pelo uso aliado a sua função e pelo desuso, uma fatura rica em detalhes. As incisões que Rafael produz sobre o conjunto lembram a busca por uma dimensão presente em Fontana (Através de… por dentro de…). O vidro ainda é um elemento usado para aglutinar a imagem gráfica reproduzida pela serigrafia a este corpo, um simulador que vai aos poucos galgando a categoria de matéria dentro da pesquisa.49

A presença do lugar nas obras produzidas por Raphael Genuíno ficam muito mais evidentes quando observamos o trabalho executado em um dos espaços do edifício, onde literalmente o artista diz retirar a pele do lugar através da fixação de uma tela sobre a parede e literalmente arrancando tintas e vestígios junto ao reboco, e depois através de uma lamina de cola espessa retirar o suficiente para construir com ela uma pele contaminada de vestígios. Esta obra acaba dialogando com a fotografia também representação bidimensional desta parede que depois é extraída em sua escala natural através da cola. Os dois meios juntos criam uma rica inter-relação entre o virtual e o real, as duas imagens na mesma escala acabam por tornar dúbias estas definições propondo repensar a pintura como uma apresentação muito mais do que uma representação do entorno. O lugar vai também produzir uma alteração considerável nos trabalhos realizados por Vinicius Guimarães. Suas reflexões a respeito do desenho enveredaram para o uso de novos materiais. Alterou-se não só a ampliação do suporte já prevista pelo artista mas o emprego de laminas de vidro encontradas no edifício, que vai lhe proporcionar uma experiência que de uma maneira indireta passa a dialogar com o que vinha buscando através do gesto gráfico.

49

TIGRE, Julio. 2˚ Relatório Bolsa Ateliê Galeria Homero Massena, 2009

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Penso em unir dois vidros semelhantes, um acima do outro, numa mesma moldura. Também opto em realizar as operações por conta própria, ou melhor com ajuda de um amigo, mas sem a contratação de um serviço. Já prevendo que assim propositalmente adicionaria duas partes diferentes: uma seria a minha gestualidade e a outra seria a própria natureza do procedimento. Assim o resultado se dá do encaixe de dois vidros, um acima do outro, formando uma linha vazia espremida, resultado da tensão desse encaixe imperfeito.50

A obra Entre linhas intitulada assim numa conversa com o artista, agrega o espaço onde esta como informação ao modo de o Grande vidro de Duchamp e esta linha se projeta neste vazio e se faz existir neste fundo através deste plano semi transparente desfocado pelo vidro canelado. Houve também uma adesão por parte do artista dos novos materiais disponíveis no ateliê, entre eles se destaca o vidro canelado com o qual vem construindo, vou arriscar denominá-los aqui como “Os entrelinhas” ainda representado por um primeiro e único trabalho. Aquela linha com a qual vinha se debatendo o artista, entre a consciência e a inconsciência, numa quebra de braço com a razão presente na afirmação “… procuro não pensar enquanto desenho”, agora se faz no trabalho com o vidro entre as duas arestas na imprecisão dos cortes que realiza com pouca destreza no uso do diamante, nestes dois pedaços retangulares estruturados por uma moldura de alumínio. Esta linha que agora é representada pelo espaço entre dois planos na sua natureza imaterial contrasta com a presença de planos onde a superfície se destaca e ganha cada vez mais importância. Há uma tensão bem demarcada nas obras de Vinicius e isto se dá de forma aparentemente aleatória, porém os poucos resultados são vestígios preciosos de uma diminuta constelação que evitam o brilho intenso e espetacular.51

Outros materiais também proporcionaram ao artista mudanças radicais na sua maneira de pensar o trabalho, como o uso da cola permanente que tem como função a fixação temporária de tecidos para serigrafia, uma cola que mantém sua viscosidade por mais tempo, no seu trabalho a cola fica exposta permitindo que a poeira vá se fixando sobre o suporte produzindo uma mancha no 50 51

Relatório de Vinicius Guimarães do Bolsa Ateliê , 2010. TIGRE, Julio. 2˚ Relatório Bolsa Ateliê Galeria Homero Massena, 2009

.

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retângulo branco, assim as características atmosféricas do espaço é o que define o tempo para o aparecimento da mancha.Tempo e lugar estão agora implicados nesta obra.

As mudanças ocorridas no trabalho do artista estão agora relacionadas à superfície, antes os desenhos eram executados sobre o papel e havia uma preocupação com sua estrutura e as questões conceituais estavam relacionadas a maneira como estas linhas eram produzidas. Nesse momento o artista estava questionando a maneira de como sua execução se dava, buscando não estabelecer

um controle absoluto na sua realização e sim

deixando ao sabor do gesto, da ação propriamente dita, nesta difícil prática de buscar calar ao dialogo interno com a obra. Os trabalhos ou práticas como os denomina vem sendo redimensionados, aumentando a escala dos trabalhos. Seus procedimentos também vêm se alterando, mesmo ainda empregando materiais de desenho. O artista esbarra nas dificuldades que esta eleição lhe impõe, paulatinamente ampliando os gestos, porém ainda contidos, o que acaba proporcionando interessantes zonas de silêncio dentro do plano. Nesta prática, Vinicius mantém sua busca por evidenciar um gesto não completamente intencional, uma busca pela expressão pura de um instante momentâneo. Por isso, sua produção vai a passos cuidadosos e inclui aí algo parecido a uma filosofia oriental, porém não se trata de uma busca por planos para além do visível, ainda estamos com ele dentro do mundo visível, dentro das dimensões de um plano estendido a nossa frente que o artista busca situar ao alcance de nossas mãos. Isto reflete na menção que faz quase ingênua de que o que vemos poderia ser realizado sem problemas por qualquer outra pessoa. Nossas conversas acabam por circular por conceitos da filosofia para a construção de um argumento pelo qual o artista consiga chegar aos parâmetros conceituais não absolutos, mas que de certa forma tocam de leve suas propostas. A simplicidade do gesto escapa a complexidade visual de imagens muito elaboradas para serem absorvidas por qualquer pessoa como linguagem, cabe aí uma argumentação muito mais complexa do que a obra em si, enquanto as práticas avançam, Vinicius vai elaborando seu texto tentando verbalizar suas atitudes e decisões.52

52

Ibidem.

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A convivência no ateliê se reforçou a cada investida dos participantes nas questões a principio individuais que passaram ao coletivo durante os encontros, caracterizando-se antes de mais nada como um grupo de estudos de pintura, sem que isto pasteurizasse a produção dentro de uma categoria. Mesmo propondo discutir num campo mais ou menos demarcado; obras bidimensionais, a atenção às superfícies e o que mais compete ao plano. Este campo se ampliou e em alguns casos ocorreu uma contaminação do espaço tridimensional por estas questões.

Nota-se no conjunto das obras certa imanência determinada por procedimentos que apesar de variados estabelecem um diálogo com os materiais empregados, produzindo um campo instável onde toda iniciativa préestabelecida não é suficiente toda vez que se toma um novo suporte que nem sempre vem em branco. A frase: “Pintar é sempre voltar ao inicio”53, surgiu nas conversas junto a comentários tais como: “buscar não pensar em algo...” ou “quantas vezes vou ter que realizar outro gesto e perceber que eles se parecem”. Os limites que impõe a razão e a ação que não se interpõem às idéias foram algumas das reflexões que permearam a busca por qualificar alguns resultados como espontâneos nesta prática. “...evitar dar um passo atrás para olhar a pintura... não só para evitar fazer juízos se não também para provar a mim mesmo que o meu sentido de estrutura era natural”.54

Tornar um gesto espontâneo passa por esta elaboração. Há em toda produção o desapego por aquilo que se repete, daí a forma parece se alterar variando os suportes e materiais. No conjunto constata-se uma fatura; “...onde se tem que a obra vai guiando e sendo guiada pelo seu próprio processo de criação; a escolha do material e seus desdobramentos”.55 Esta fatura foi aos poucos se deixando ver sem que tenha sido produzida de uma maneira efetivamente consciente. Outro aspecto importante desta produção pode ser qualificada 53

BARANANA,Kosme de / Philipe Guston: one shot – painting- De un solo aliento. Valencia. IVAM in association with Ediciones Aldeasa, 2001, pg. 96 54 Ibidem. 55 DUZZO, Flavia de Lima. A fatura na obra de Fabio Miguez/ http://biblioteca.universia.net/html_bura/ficha/params/id/36558621.html

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como uma Pintura de ação, conceito vinculado a produção de artistas como Jackson Pollock (1912 - 1956), porém esta prática sem pretensão redefiniu este conceito numa ação que se refere também às reações dos materiais que vão deixando um rastro de sua presença no plano. Aqui se acrescenta um pequeno vinculo com o Happening. Este se estabelece em momentos pontuais, a exemplo: uma velocidade alterada na execução de um procedimento definidor dentro do processo.

Materiais e suportes têm sua importância neste momento ao reagirem e impôr resistência a este gesto. Há materiais que são agentes e reagentes, provocam cicatrizes no contado entre eles. O termo “cicatrizes” refere-se a uma marca involuntária que é o resultado de uma reação entre os materiais utilizados no substrato pictórico, onde repousa as qualidades do estrato que forma cada uma de suas camadas sedimentares. A definição de estrato vai se ampliar aqui pois podemos falar da divisão ou camada de uma estrutura ou conceito na medida que a produção foi acontecendo. Neste processo, as reflexões também produziram diversos estratos sobre os quais foi sedimentando uma idéia de construção coletiva de um lugar, no campo das idéias quanto no espaço físico do ateliê, isto acabou por estimular o grupo a oficializar a idéia de um coletivo. Pensar a pintura pela ótica da química não se trata de novidade se lembrarmos de aglutinantes, espessantes, solventes e pigmentos que sempre fizeram parte desde o principio desta tradição. O que há num sentido alterador em relação à produção do ateliê é um grau maior de imprevisibilidade no inusitado de uma mistura sem fórmulas, heterogenia, não equilibrada. Este ateliê potencializou também este sentido entre os participantes de uma química juntando num mesmo espaço, quatro cabeças e um punhado de pólvora.

O conjunto das obras realizadas revela que esta bolsa deixou vestígios, uma produção ainda no principio na elaboração de seus discursos, porém, com uma auto afirmação no que se refere a importância deste convívio. Este habitar se deu como numa construção, onde as identidades se mesclaram no espaço produzindo um campo de relações, de socialização de saberes, onde o lugar material influiu de forma presente nos resultados.

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Julio Tigre é artista plástico e professor doutorando no curso Lenguajes y Poética en El Arte Contemporâneo na Universidade de Granada , Espanha.

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