1
Anderson Oliveira
Quatro Rainhas
Universo Nova FrequĂŞncia www.novafrequencia.com.br 2
Quatro Rainhas Category: Literatura MCN: CVV76-8HACP-R8WU4 Š copyright 2013-02-16 22:16:28 - All Rights Reserved
3
Parte 2
4
A Arqueira Helena esmurrava o saco de areia. A faixa branca na sua testa impedia o suor de entrar em seus olhos. O resto de seu corpo estava ensopado. A camiseta vermelha grudava no corpo. Deveria ter vestido um sutiã. Não importava. Estava recuperando a sua forma, e ser olhada e desejada por aqueles homens, e até mesmo mulheres, daquela academia fazia sua autoestima subir. Mas esse não era o único motivo que a fazia esmurrar o saco. Aquela japinha maldita. Queria o dinheiro todo pra ela. Dos dez milhões prometidos, daria dois para Helena e dois para Carmen, ficando com seis milhões livres. Naquela noite, após deixarem a casa da Myea, esperou apenas deixarem o condomínio e os olhos atentos dos seguranças para jogá-la contra um muro e gritar: — Sua desgraçada!! Só não acertou um soco na mulher porque Adriana se esquivou. Sua baixa estatura e o fato de ser uma ninja contaram muito para isso. Ela conseguiu dominar Helena, a jogando no chão. Carmen estava sem reação, e observava tudo como uma criança. A maldita Adriana tinha uma adaga na manga, e a sacou encontrando o pescoço da rival: — Diga, minha cara, na minha situação, você não faria o mesmo? — Helena não sabia o que responder. Parecia óbvio que também tentaria tirar proveito daquilo. — Está certo... certo... Agora me solta. — disse, e Adriana saiu de cima dela, guardando a adaga na manga. Helena se levantou, batendo a sujeira da roupa. Seu rosto estava ralado, 5
mas não ia dar a Adriana o sabor de vê-la lamentar por isso. Se recompôs como pôde, e então disse: — Hora de reajustar os termos. — Três e trezentos para cada uma. Satisfeita? — Adriana disse como um garoto gordo que não quer dividir os biscoitos. — Agora há justiça. — disse a arqueira por fim. Mas aquilo não tinha acabado. A rixa entre Dama de Espadas e Arqueira Negra era coisa antiga. Praticamente desde que as duas iniciaram suas operações em São Paulo. Sempre competiram por contratos, muitas vezes disputando o alvo, cada uma agindo por um contratador diferente. Havia também uma disputa para ver quem era a melhor, cada uma no seu estilo. Nunca se confrontaram no mano a mano (pelo menos não letalmente), mas viviam em provocações sobre o que era melhor, flechas ou espadas. Só não fizeram uma lista de quem matava mais porque ambas achavam isso ridículo. Esse conflito durante anos cimentou uma relação instável. A arqueira odeia a ninja e sabe que isso é recíproco. Apenas o dinheiro as fazem trabalhar juntas agora, nada mais. Então cada soco direcionado ao saco de pancadas era endereçado a Adriana. A cada soco Helena enrijecia seus músculos e se preparava para uma próxima vez. E então a japonesa iria pensar duas vezes antes de esfregar sua cara no chão. Quando seus braços começaram a tremer, Helena percebeu que era hora de ir embora. Tomou um banho rápido e frio e trocou de roupa. Na rua, usava um boné e óculos escuros além de um blusão para esconder a tatuagem no seu braço esquerdo. Ainda era uma foragida da lei. Após a academia (que 6
graças a Myea tinha obtido passe livre), tinha um encontro marcado com Carmen num local que só elas conheciam atualmente. E era bom continuar assim. A garota da roça, caso estourasse um conflito, iria naturalmente ficar do seu lado. Esse era seu trunfo. Porém não se dava ao luxo de confiar nela. A menina era instável, não controlava a bebedeira e era um perigo para ela mesma com duas armas na mão. Mas um dia Helena poupou sua vida, isso deveria valer algo. O local do encontro era um dos esconderijos da Arqueira Negra. Uma casa abandonada próxima a uma estação de trem desativada que servia como fachada. O esconderijo ficava embaixo da casa, acessível através de um poço artesiano escondido no seu interior. Ali Helena costumava esconder suas coisas, como roupas, armas e produtos de saque. Deveria ter ali pelo menos um arco novo, um bom número de flechas prontas e matéria-prima para fazer duas vezes mais, roupas civis e um traje de caça, como costumava chamar seu uniforme. Contava com armas de fogo também, se aqueles idiotas que trabalhavam pra ela não limparam o lugar. Encontrou Carmen sentada numa velha cadeira dentro da casa. Só havia ali a cadeira e uma grande caixa de madeira, o resto era mato e entulho. A menina estava vestindo uma camisa xadrez, no seu estilo caipira, com calça jeans e tênis. A bolsa repousava no colo. Pelo menos deixara de lado a fivela, as botas e o chapéu. Carmen tinha medo de ser reconhecida com aquelas roupas, fosse por algum fã saudosista ou fosse por aqueles a quem deve dinheiro. Assim que Helena chegou ela se levantou. — Venha, me ajude com isso. — disse Helena se referindo a caixa. Cada uma segurou em um lado do objeto e o 7
arrastaram. Embaixo dele estava o poço, tampado com uma porta de ferro. — Está com a chave? — Carmen se referia ao grande cadeado que trancava a passagem. — Não. Tomaram de mim quando fui presa. Merda! — tinha se esquecido da chave. Mas de todos os seus problemas esse era o menor. — Trouxe sua arma? — Sim, mas... o barulho não vai atrair gente? — Que horas são? Carmen olhou no relógio em seu pulso. — 15h08. — Aguarde dois minutos. — Helena disse, e elas aguardaram. Sua memoria era boa, e adquiriu o hábito de contar os intervalos dos trens que passavam ali. Precisamente as 15h10 passou um, fazendo seu barulho característico. Carmen entendeu a deixa, e deu um único e certeiro tiro no cadeado. Caso alguém tenha escutado, precisaria de muita imaginação para distingui-lo em meio ao barulho do trem. Helena abriu a porta de ferro. Havia uma escada feita de vergalhões chumbados no concreto. Desceram uma de cada vez. Não havia iluminação, mas felizmente Helena lembrou disso, e pediu para Carmen arrumar uma lanterna. A garota a trouxe na sua bolsa. O lugar era pequeno, não mais que um cômodo de cinco metros quadrados. O cheiro era de mofo. Em um canto, caixas de plástico guardavam flechas as separando por tipo. Primeiro as de madeira, depois de alumínio, as cerâmicas e as de fibra de carbono vinham depois, e eram minoria. Ao lado havia um armário simples, atolado de roupas. Em cima dele uma mala 8
pequena. Do outro lado, pendurado em suportes na parede, estavam três arcos, dois do tipo recurvo e um composto, feitos de aço e fibra de carbono. Na outra parede tinha uma mesa de trabalho, onde fabricava suas flechas e fazia ajustes nos arcos. Embaixo dela caixas de papelão com seus materiais. Haviam caixas também ao lado da mesa e junto à parede com os arcos. — Está tudo em ordem, afinal. — disse satisfeita. Com sorte, em alguma das caixas encontraria algum dinheiro e joias. — Mas precisarei de um carro para tirar isso daqui. — Podemos conseguir um. — disse Carmen. — Sim, mas deixa pra outra hora. Vou pegar o essencial e sair. Com sorte, ninguém virá aqui, então não devemos nos preocupar com um novo cadeado. Algumas roupas, meu traje de caça, um arco, flechas e acessórios importantes. — Pegou a mala e começou a escolher as roupas. Dez milhões, e a vadia queria ficar com a maior parte, pensava. Sentia que era melhor afastar esses pensamentos da mente. Era uma profissional, e tinha um contrato. Até o fim do contrato, deveria deixar a ninja viver e, ainda que isso a contrariasse, cooperar com ela. Eram dois alvos importantes. Sendo um deles apenas um teste para o outro. “Apenas” o governador do Estado. Seria fácil, em teoria, acertar uma flecha na sua cabeça, estando no telhado do prédio certo durante uma de suas visitas públicas. Mas havia uma instrução importante. O atentado deve parecer obra da máfia. Obra de Viktor Andreiko. E até onde sabia, mafiosos não usavam flechas. — Ei, Helena. Encontrei algo. — disse Carmen, fuçando uma das caixas embaixo da mesa de trabalho. Tirou dela uma 9
pistola .40 e uma submetralhadora. — Sirva-se a vontade, querida. Hoje é dia das crianças.
10
A Lutadora “Olá pessoal! Seguimos em frente, vitória após vitória, com a certeza de que nada é mais importante do que a felicidade. Boa noite!!” @RealMyeaMMA A atualização que acabara de enviar para a rede social não fazia o menor sentido. Mas palavras positivas sempre agradavam seus fãs. Myea não podia deixar essa loucura interferir na sua carreira. Tinha um futuro promissor pela frente. Cogitou em fazer uma máscara, como da Dama de Espadas, mas dependendo da situação isso seria inviável. Sonhara na noite passada que matava Andreiko com um tiro a queima roupa, enquanto ele subia a escada do Teatro Municipal, numa cena cinematográfica. Depois disso, se via cercada pelos seguranças do mafioso, e acordava ensopada de suor no meio da madrugada. Certamente não seria assim. Aquelas mulheres eram especialistas em entrar, matar e sair sem serem vistas. Myea largou o tablet por um momento e se deitou na sua cama. Fazia tempo que não se permitia uma noite de repouso. Não teria compromissos até de madrugada, então resolveu colocar as ideias em ordem. Estava bem a vontade em casa, só de shorts e top verdes, sem maquiagem e deixando a dieta de lado. Lourdes, sua governanta, preparou uma série de petiscos que fariam seu mestre gritar. Enquanto saboreava uma trufa de chocolate, pensava no próximo passo da missão. Não concordava com isso. Não era justo o governador morrer para que depois Andreiko tivesse seu fim. Mas de certa 11
forma entendia o motivo. A culpa cairia na máfia e o atentado contra seu chefe poderia ser interpretado pela mídia como uma retalhação. As mercenárias passariam despercebidas por toda essa confusão. Certamente Erik e sua misteriosa organização já tenha manipulado o poder dessa forma. Em todo caso, Myea ficava satisfeita por não ter que agir diretamente no atentado ao político. Acompanharia tudo de longe, segundo as instruções do dossiê. Leu atentamente o documento nas últimas noites. Tinham informações sobre os alvos, que ela compartilhou com as assassinas, e informações sobre as criminosas, que ela guardou para si. Pensava estar um passo a frente delas com isso, mas não iria arriscar nada. Ainda tinha um certo medo daquelas mulheres. Principalmente da Dama de Espadas. Parecia ser incapaz de dar um sorriso, nem mesmo um dos amarelos que a Arqueira Negra dava. A outra, Carmen, parecia sempre perdida em pensamentos, um tipo perigoso, pensava Myea, pois do nada poderia fazer algo inesperado. Deixou esses pensamentos de lado. Ainda estava cedo para a reunião com elas, mas não queria mais ficar sozinha em casa. Saiu da cama e tirou a roupa no caminho até seu banheiro. Tomou uma ducha rápida, depois escorregou para dentro de um roupão felpudo e escolheu novas roupas no seu closet. Decidiu usar calça legging preta e uma blusa tomara-que-caia vermelha. Calçou um par de botas de borracha e pegou uma jaqueta de seus patrocinadores. Fez uma maquiagem rápida e prendeu o cabelo numa trança. Nada seria melhor agora do que uma volta de moto pela cidade. Desceu até a garagem. Além da Kawasaki ninja verde tinha outras duas motos, além de dois carros. Escolheu para esta 12
noite a Yamaha R1 prateada. O portão automático se abriu quando ela passou. Quando saia no jardim, Lourdes, a governanta, vinha ao seu encontro. — Não me espere até amanhã, Lourdes. Cuida da casa pra mim. — Myea disse baixando o visor do capacete, e saiu em disparada, deixando a funcionária atordoada. O trânsito na cidade estava intenso. Mas isso não era problema para ela. Myea costurava um caminho entre os carros tão bem quanto qualquer motoboy da grande metrópole. Porém nenhum deles chamava tanta atenção quanto ela. Aquela moto deslumbrante e sua ocupante faziam todos virarem o pescoço, pelo menos até a perderem de vista na velocidade. E ela adorava isso. Tinha a certeza se as artes marciais não fossem sua profissão, certamente seria piloto. Entrou na Avenida Ibirapuera em direção ao centro. Quase excedia o limite de velocidade no local. Próximo ao Shopping por um tris não arrancou o retrovisor de um carro. Certamente o motorista estaria xingando ela de todos os nomes possíveis. Velocidade e juventude, aliada com muito dinheiro. Ela sabia que isso era um clichê. Conhecia muito mauricinho que se envolvia em corridas ilegais ou simplesmente dirigia embriagado por aí. Não seria o seu caso, ela jurava sempre que pegava uma de suas motos. Esse simples pensamento a fez buscar uma rua mais livre, para evitar maiores problemas. Porém foi então que o problema surgiu. Myea percebeu que estava sendo seguida por outras duas motos, com dois ocupantes em cada. Poderia deixá-las para trás 13
facilmente com apenas um giro da manopla, mas um dos ocupantes da moto mais próxima saltou para sua Yamaha antes dela acelerar. Ela quase perdeu o equilíbrio e caiu, mas se recuperou a tempo. O bandido tinha uma arma na mão e encostou em seu queixo, abaixo do capacete. — Para agora, gostosa! — intimou o homem. Assim que Myea parou, o que guiava a moto bloqueou sua passagem e os ocupantes da outra moto cercaram sua retaguarda. — Agora desce! Myea fez como o homem mandou. Conseguiu olhar para ele. Um tipo bem esquisito, magro e nervoso, possivelmente drogado, do tipo que pegaria a moto e nem saberia o que fazer com ela. Se fosse uma moto popular, poderia vender facilmente as peças, mas será que teria mercado para uma moto esportiva de luxo? Ele nem deveria saber desses detalhes. Em todo caso, a garota decidiu que eles não iriam ficar com seu brinquedo. Aparentemente apenas aquele ali estava armado. Uma arma não seria impedimento para ela. Praticava jujitsu, muay thai, boxe e... Krav Maga. Ela era mais forte que eles, aparentemente, e com certeza seria mais rápida. Ela olhou bem nos olhos daquele que segurava a arma. Ele apontava o revólver em sua direção e estava gritando. O que dizia não fazia diferença. Ele piscou. Myea bateu e segurou forte na mão da arma com sua mão direita, com a esquerda alcançou o pescoço do meliante antes dele abrir os olhos. Desviou e virou a mão dele quando ele apertou o gatilho. O estalido do tiro fez seu ouvido zumbir, mas Myea viu de relance quando a bala atingiu o outro bandido. Não teve tempo de vê-lo cair, pois aquele em seu poder se debatia. Ela então o arrancou da moto e o jogou no 14
chão. Pisou na mão da arma o obrigando a soltá-la. Golpeou com o joelho suas costelas e ouviu o som de algumas se quebrando. Com um soco finalizou o bandido, que com o impacto do golpe bateu violentamente a cabeça no chão. Os outros dois se aproximaram. Não tinham armas de fogo, mas tinham facas. O primeiro tentou cortar sua barriga. Myea recuou com um salto, quando ele preparava outra investida, ela segurou seu antebraço e o torceu. Depois o puxou para si, batendo no braço com seu cotovelo. A faca foi ao chão ao som do grito de dor de quem teve a tíbia quebrada. Myea jogou o infeliz contra o chão e deu um pisão em seu rosto. O outro cara não quis uma aproximação direta. Parecia buscar uma brecha, mas Myea podia perceber que na verdade tinha medo. A faca tremia em sua mão. Dessa vez ela chutou a arma que logo caiu. Depois se lançou contra o bandido o agarrando pelo braço e aplicando uma chave. O homem caiu de boca no chão, e ela por fim deslocou seu ombro. Ele não se mexeu mais. Se estava morto ou não, ela não queria saber. Ofegante, olhando para os quatro corpos no chão, alguns em poças de sangue, ainda com adrenalina no corpo, montou em sua moto e saiu dali antes que alguém chegasse. Dessa vez ignorou os limites de velocidade e a prudência. Só queria ir para o mais longe possível dali. Nunca havia matado ninguém, dissera para si há menos de uma hora. Agora poderia ser responsável pela morte de quatro homens. Cassariam suas credenciais nas confederações, sua carreira estaria acabada e ela iria para a cadeia. Isso era loucura. Se ela já se sentia a pior pessoa do mundo por acabar com uns ladrõezinhos que apontaram uma 15
arma para sua cabeça, o que diria depois de executar as missões com as mercenárias? No entanto, uma parte do seu corpo estava excitado. A sensação era boa, evocando o lado mais selvagem da sua existência humana. Era errado, cruel, mas era vivo e cru, sem regras como dentro do octágono. Não! Esses pensamentos eram errados. Isso violava todos os códigos de honra que ela aprendeu. Violava sua religião, se é que ainda tinha uma. Violava sua filosofia, seria a melhor palavra. Myea não seria uma assassina. Não mataria por prazer. Apenas Andreiko. Mas era diferente. Ele merecia, ele e toda sua corja. Ela precisaria focar nisso. Com a cabeça cheia de pensamentos, Myea parou em um barzinho. Precisava de um drinque para se acalmar. Apenas um. Daí iria para o encontro com as mercenárias onde seria planejado o atentado contra o governador. Ela sentou-se no balcão e pediu uma vodca com limão. Bebeu num único gole, pagou a conta e foi até o banheiro. O lugar era sujo e mal iluminado. Uma garota cheirava cocaína na pia. Myea a ignorou. Retocou sua maquiagem no espelho embaçado, torcendo para não ficar com cara de palhaça. Depois entrou no boxe e abaixou suas calças. Não tinha percebido até então. Toda essa adrenalina de fato a tinha deixado excitada. Há muito não sentia aquilo. Levou a mão e ela voltou úmida e quente. Se sentia uma garotinha novamente. Um sorriso malicioso surgiu nos seus lábios. Ela mordeu o lábio inferior e se perguntou “Por que não?”, ainda tinha bastante tempo. Deslizou seus dedos novamente, apreciando seu 16
toque, com espasmos ligeiros de prazer, se segurando, apertando os dedos dos pés e arqueando o corpo para não soltar um gemido mais alto. Mesmo assim não resistiu quando chegou ao clímax. A viciada em cocaína no lado de fora estava viajando demais para perceber.
17
A Cantora Sete. Ao todo Carmen Sant'Andreas pegou sete armas diferentes no esconderijo da Arqueira Negra. A garota as colocou sobre sua cama, em seu pequeno quarto alugado. Era uma submetralhadora .40, duas pistolas Taurus .40, uma Colt 45 cromada, e três Taurus 9mm. Mais uma boa quantidade de munição. Teve que fazer duas viagens com uma bolsa grande para carregar tudo. E olha que deixou mais coisas lá. Não sabia se teria que carregar tudo durante a missão. Era um exagero, mas a própria missão era exagerada. Precisava de coldres e bolsos extras, se fosse o caso. Iria parecer um soldado, com quilos de equipamentos. Não gostava disso. Sempre usara seus dois revólveres sem problemas. No máximo vestia um colete de kevlar. Geralmente não havia fogo cruzado. Esperava que não houvesse agora também. Deixou as armas de lado e perdeu algum tempo olhando o espelho do seu guarda roupas. Sua mente era um turbilhão de emoções em conflito. Do sucesso ao ostracismo, da ingenuidade de uma menina do campo à devassidão da vida noturna, do cumprimento da lei à vida de crimes. O pior que gostava um pouco de cada aspecto, por mais opostos que eram. Ainda que soubesse que a vida de matadora de aluguel não era certa, não podia resistir à emoção que ela trazia. Ter a vida sempre por um fio... era esse seu jogo preferido. Olhou bem seu reflexo no espelho. Seus cabelos encaracolados e avermelhados. Os usava assim desde sua estreia nos palcos. Sempre com um chapéu. Pegou um na parede e o 18
colocou. Era seu charme, seu estilo. Mesmo quando trabalhava com Helena, não abria mão de usar um chapéu, botas e a fivela. Seu estilo é country. Mas era um estilo que todos conheciam. Ainda temia ser reconhecida na rua. Poderiam apontar e dizer “olha, é aquela cantora que caiu em desgraça” ou “vejam, a vadia que gostava de um escândalo” ou pior “olhe, a mulher que matou aquelas pessoas”. Desde então nunca usava seu estilo em público. O cabelo sempre estava preso e a cabeça descoberta. Se usava botas, não usava as camisas e por aí vai. Talvez, de todos os aspectos, fosse esse o que mais a aborrecia: a perda da sua identidade. Era bonita. Sabia disso. Olhos verdes claros, agora um tanto cinzentos. Seus lábios eram finos, mas bem desenhados. Seus seios não eram grandes, mas não podia dizer que eram pequenos. Eram compatíveis com seu corpo magro e sua estatura. Gostava da sua bunda, que ficava bem vistosa numa calça bem apertada. Era jovem. Vinte anos apenas, tinha toda uma vida pela frente. Tinha a chance de recomeçar. Apenas mais essa missão e teria muito dinheiro para acertar tudo. Teria outro nome... talvez outra aparência. Era quase hora da reunião. Nunca esteve na casa da Dama de Espadas, mas tinha o endereço anotado. Separou uma troca de roupa seguindo seus padrões de segurança: nada no estilo country. Calça jeans normal, uma blusa branca, tênis All Stars vermelho. A noite estava fria, então pegou um casaco preto, comprido o bastante para esconder um cinto com dois revólveres. Nunca saía de casa sem eles. Tomou um banho rápido e se vestiu. Por precaução, guardou as outras armas na caixa do seu violão e depois colocou 19
a caixa embaixo da cama. Pegou sua bolsa e saiu. Já passava das dez da noite, e as ruas estavam vazias. O jeito mais rápido de chegar ao local do encontro seria de metrô. Carmen se lamentava por não ter um carro. Nesse horário o metrô era consideravelmente vazio. Carmen conseguiu um lugar ao lado de uma senhora que cochilava. A sua frente um rapaz lia um livro grande, de umas oitocentas páginas, e parecia bastante concentrado. De pé perto da porta uma mulher ouvia música com fones de ouvido, mas o som estava tão alto que Carmen podia ouvir também. Ao lado da mulher, um homem a observava. Quando Carmen o olhou de volta, ele desviou o olhar, mas não demorou muito em olhá-la de novo. Ele até era bonito, e Carmen por um momento se sentiu foco de seu simples desejo carnal. Mas algo na sua mente lhe dizia: saia daqui agora. Será que mesmo com essas roupas e o cabelo preso ela fora reconhecida? Seria este homem apenas alguém que lembrava de sua época de fama, ou era um capanga de algum agiota... ou até mesmo um policial? Carmen não pôde disfarçar o nervosismo. Sua perna começou a tremer. Olhava de relance para o homem que não tirava os olhos dela. Pelo menos ele continuava parado. Carmen passou a mão ao lado de sua coxa e sentiu a arma por baixo do casaco. Não queria usá-la ali. Ainda faltavam duas estações para ela descer. Precisava sair dali logo. A senhora ao seu lado acordou. A voz eletrônica anunciou a próxima estação. Carmen desceria na seguinte. O homem a fitava insistentemente. As portas se abriram quando o trem chegou na estação. A cantora sentia seu coração bater forte. O homem deu um passo. Um passo em sua direção. Por impulso, 20
Carmen segurou firme a arma, mesmo com o casaco a cobrindo. Outro passo, e o homem estava a um braço de distancia. Mas antes que algo acontecesse, Carmen se levantou e correu para a porta momentos antes dela se fechar. Uma sensação de alívio tomou conta de seu corpo quando viu as portas finalmente fechadas. Olhou pela janela do trem que se afastava. Ali estava o homem, sentando-se no lugar que era da senhora. Ele a olhou novamente, agora com um ar de confusão. Teria Carmen exagerado? Será que ele estava apenas flertando? Agora a acharia louca. Tanto faz, pensou Carmen, ela nem gostava de homens carecas mesmo. Após esperar um novo trem, ela chegou na estação certa. Caminhou por alguns minutos, procurando a rua correta, até chegar ao endereço indicado. Um pequeno prédio de apartamentos, de aparência antiga e em má conservação. A pintura estava descascando, havia infiltrações e pichações nos muros. Não havia portaria, mas o portão estava trancado. Ao lado tinha um interfone com uma tecla para cada apartamento. Apertou o número 53, o de Adriana. Ninguém atendeu. Tornou a apertar o botão e aguardou. — Ela não atende? — perguntou Helena, que chegou de repente. O capuz do moletom cobria seus cabelos cacheados castanhos. Ela estava de braços cruzados e com um sorriso torto no claro sinal de indignação. Carmen esperava que Helena e Adriana não tentassem se matar hoje. — Talvez não esteja funcionando. — a cantora tentou suavizar. — Pela aparência desse prédio, eu não me surpreenderia. — Não me surpreenderia com muita coisa também... — o 21
tom de Helena foi tão rancoroso que Carmen agradeceu por ela não ter trazido seu arco. Carmen tocou a campainha novamente. Frente a nova ausência de resposta, ela pensou que Helena iria chutar o portão. Talvez só não tenha feito isso pois o som do motor da moto de Myea chamou sua atenção. Era uma moto diferente da primeira vez. A garota tinha uma cara estranha, meio assustada, meio alegre, do tipo que tem uma coisa muito divertida para contar na ponta na língua. — Algum problema? — ela disse. — Parece que alguém está nos fazendo de idiotas... — respondeu Helena. — Acho que Adriana não está. — disse Carmen. — Ela marca uma reunião na casa dela e sai? Estranho. — disse Myea pensativa. — O que ela pensa que vai conseguir agindo assim? — Helena já estava ficando fora de si. Esfregava a marca da ferida no rosto do pequeno confronto com a Dama de Espadas em sinal de sua fúria. Carmen temia que as duas não conseguissem conviver até o final da missão. — Ei. — uma voz chamou, vinda da rua. — Relaxem. Estou aqui. Adriana vinha trazendo sacolas. Vestia uma camisa xadrez sobre uma blusa preta, com jeans preto e tênis. Usava também um óculos de grau. Helena descruzou os braços e tomou a frente. Carmen pensou em detê-la, mas sabia que não era uma boa ideia ficar na sua frente quando ela estava desse jeito. 22
— O que é isso? Marca um horário na sua casa e vai fazer compras?! — Vi que não tinha nada na geladeira. Ainda tenho um pouco de educação pra não deixarem convidadas passando fome. Trouxe pão, frios, cerveja e outras coisas. Desculpe se o mercado mais próximo fica a meia hora daqui. Helena pareceu não engolir a desculpa. Mesmo assim não respondeu. De fato as sacolas estavam cheias de comida e bebida. Adriana entregou uma delas para Carmen e com a mão livre pegou as suas chaves no bolso. As quatro cruzaram o portão, com Myea por último empurrando a moto. Ela deixou o veículo no que deveria ser um estacionamento, coberto pelo mato, e então elas subiram as escadas até o último andar. Só então entraram no apartamento. Era a primeira vez de Carmen ali. Ela se surpreendeu com a bagunça do lugar. Parecia que Adriana tinha acabado de se mudar, com coisas em caixas e muita desordem pelos cantos. Na sala havia um sofá velho e sujo, uma estante com apenas uma TV 32 polegadas. Havia uma mesa de centro, abarrotada de revistas, e uma mesa de jantar, pequena, para quatro pessoas, mas só haviam duas cadeiras. Adriana pôs as sacolas na mesa, separando a cerveja e os frios para guardar na geladeira. Helena se sentou no sofá, sem cerimônia, não se importando com seu aspecto. Myea, por outro lado, lutava para esconder a cara de nojo. Comparado a sua casa, aquilo era um pardieiro. Carmen não podia dizer que não se importava com a desordem, mas poderia suportar aquilo. — Há quanto tempo você mora aqui, Adriana? — perguntou, para quebrar o gelo.
23
— Dois meses. — a outra respondeu da cozinha. — Não pensem que sou bagunceira assim... pelo menos não a esse extremo. — Com o dinheiro que recebe pelos seus... trabalhos... não conseguiria algo melhor? — perguntou Myea, buscando um canto para se sentar. — Aqui é discreto. — Adriana respondeu, voltando a sala com quatro latas de cerveja. — da janela tenho acesso aos telhados ao redor, a polícia quase não vem por esses lados e os vizinhos são burros. — Mesmo depois de receber sua parte da grana? — questionou Myea, recebendo sua lata. — Aí são outros quinhentos. — Adriana se sentou, estava descontraída, quase estava sorrindo. — Chega de ladainha. Vamos ao que interessa. — disse Helena, abrindo sua lata e bebendo três longos goles. Depois limpou a boca com o antebraço e continuou. — Temos uma tocaia pra planejar. Carmen viu uma sombra passar pelo rosto de Adriana. Involuntariamente se encolheu no seu lugar. Certamente aquele apartamento era pequeno demais para aquelas duas e a noite ainda seria longa.
24
A Ninja Ela estava pedindo outra surra. Adriana precisou se conter para não responder a Helena como ela merecia. Pelo jeito as coisas não estavam claras. Não era a Arqueira Negra que mandava aqui, era a Dama de Espadas. Na operação e no apartamento. Somente Adriana iria decidir o que seria feito. Precisou contar mentalmente até dez antes de responder. Não poderia chamar a atenção dos vizinhos. Eles eram burros, mas nem tanto. E, apesar dos pesares, precisava da desgraçada viva. Adriana tivera muito trabalho para resgatá-la da prisão. Precisou subornar alguns funcionários para saber da rotina de Helena, assim descobriu que iria ser transferida. Depois precisou descobrir a rota do comboio, causar um acidente de trânsito para forçar o desvio, roubar um carro para iniciar o ataque. Muito trabalho. Essa vaca tem que valer todo o esforço. — Falaremos da missão. — disse ela finalmente. — Sintam-se a vontade para se servirem de mais bebida e comida na cozinha. Adriana puxou uma cadeira e abriu seu notebook que estava sobre a mesa, debaixo de uma das sacolas de compras. — Temos aqui dois objetivos. — ela dizia enquanto operava a máquina. — Primeiro: matar o governador. Segundo: fazer parecer que foi obra da máfia de Adreiko. O primeiro é relativamente simples. O governador sempre aparece em locais públicos, entregando obras ou coisas do tipo. É só sabermos de sua agenda e estarmos lá, numa posição chave, e está feito.
25
— Mas fazer parecer obra da máfia... — disse Carmen, pensativa. Adriana tinha dúvidas se aquela garota tinha alguma inteligência além da básica para sobreviver. Desde que a viu pela primeira vez só enxergava uma menina apagada, do tipo bom para receber ordens, e só. — Até onde sei, os capangas da máfia não usam flechas nem espadas. Pelo menos não por aqui. Isso nos exclui. — disse Helena, se levantando para pegar algo na cozinha. — É, tem razão. — Adriana odiava admitir aquilo. — Terá que ser feito com uma arma de fogo. — Esse é o departamento da Carmen. — respondeu Helena, voltando com outra cerveja e uma porção de presunto. A garota da fazenda pareceu nervosa. Seus olhos correram para todos os lados. Era claro que ela não queria essa responsabilidade. — Então como vai ser? — ela disse, fingindo uma segurança que não tinha. — A queima roupa? — Não. Você teria que matar todos os que estiverem com ele e lutar para escapar. — disse Adriana, digitando no notebook. — Para nossa sorte, acho que teremos uma posição estratégica. — Ela mostrou a tela do computador para as outras. O perfil do governador numa rede social fornecia todos os seus passos. — Ele estará, daqui a dois dias, na estação do Metrô Palmeiras-Barra Funda, para um evento cultural. — Uma estação do metrô, cheia de gente? — questionou Myea. Ela não iria participar dessa operação, era lógico. Mas já que fazia parte do trato que ela se envolvesse no esquema, sua 26
palavra não poderia ser ignorada. Ainda que Adriana preferisse assim fazer. — Não o pegaremos dentro da estação, mas na saída. Quando ele for para seu carro, que, naturalmente, estará estacionado na rua. — A estação tem duas saídas. — começou a dizer Helena, se aproximando da tela do notebook, perto demais para o gosto de Adriana. — Veja, uma norte e outra sul. — Mostrou uma foto aérea da estação. Como saber a tempo por onde ele vai sair e nos preparar? — Não será a primeira vez que ele visita a estação. — Adriana abriu uma página da internet com fotos do político no local. Selecionou uma, que o mostrava acenando para o público antes de entrar em seu carro. — Veja: o prédio ao fundo, é da faculdade que tem do lado sul da estação. As chances dele usar a mesma saída são grandes. — Também podemos vigiar onde esse carro para estacionado. — sugeriu Myea, tentando ser útil. — Se ele usar a saída sul, será perfeito, justamente por causa dessa faculdade. — disse Helena, em sintonia com o plano que Adriana já estava bolando. As duas pensavam muito iguais, e isso a irritava. Muito. — Sim. — disse por fim, segurando a repulsa em ter que concordar com Helena. — O prédio tem janelas amplas que apontam diretamente para a rua. Basta um rifle de precisão bem posicionado e um bom sniper... Todos os olhares caíram em Carmen. A garota pareceu 27
demorar alguns segundos para perceber a deixa. — Ok. Entendi. Adriana não tinha certeza disso. Mas não fez qualquer menção em desafiá-la. Desde que a vira no portão percebera que trazia suas armas por baixo da blusa. Somente pessoas desavisadas para não notar aquilo. Adriana estava longe de suas espadas e aquelas facas de cozinha não seriam o bastante contra balas. Não naquele ambiente apertado. Mas era bobagem. Estava muito na defensiva, vendo ameaças em qualquer lugar. Nunca aquela garota medíocre seria uma ameaça. — Pois bem... — disse mais para si mesma. — Iremos fazer o seguinte... Falaram ainda por duas horas, implementando o plano. Com poucas variações, pitacos colocados por Helena e tentativas de sugestão das outras duas, o plano era quase o mesmo que Adriana pretendia. E isso era, no final das contas, bom. Ela mantinha a liderança da operação. Adriana juntava a bagunça deixada pelas convidadas após sua partida. As latas vazias ou pela metade, os farelos na mesa e o papel amassado no chão. Elas estranharam sua falta de asseio, mas se comportaram de acordo com o ambiente. Mesmo Myea, que no início mal escondia a cara de nojo, no fim da reunião deixou de lado qualquer cerimônia. Adriana se lembrava que quase a estrangulou na noite anterior, em sua mansão, quando ela revelou a verdadeira quantia do pagamento. Precisou de um tempo para aceitar que a culpa não era da dondoca, e sim do careca misterioso. 28
Após tudo ligeiramente arrumado, se recolheu no seu quarto. Sempre trancado, ali era um ambiente novo. A bagunça da sala de estar e da cozinha davam lugar a um ambiente limpo, adornado com motivos orientais. Adriana tirou os tênis em respeito as tradições que ela guardava só para si, no seu recanto secreto. Suas espadas estavam mantidas em perfeito estado de limpeza em pedestais sobre o chão diante de sua cama. Sob uma luz suave de lanternas de seda, ela se sentou em uma esteira no chão em posição de lótus. Iniciou uma meditação. Fazia tempo que não meditava. Ainda que tivesse deixado de lado muito da antiga disciplina do clã, sem esse espaço para meditação ela não seria uma shinobi, mas uma simples matadora. Mesmo que as circunstâncias assim necessitem. De olhos fechados e postura reta, seu peito subia a cada inspiração. Ao expirar, soltava o ar suavemente pela boca. Bastou apenas um instante para que sua mente deixasse seu quarto e tocasse um outro universo. O vazio e a totalidade ao mesmo tempo. O pulsar de seu coração em sintonia com o cosmos. Perdia a noção do tempo, do espaço, da sua existência. Só não conseguia esquecer suas preocupações. Assombravam sua mente, e tomavam distintas formas. Seu pai, severo e infeliz, vislumbrado em um leito de morte solitário e se distanciando na escuridão. Sua mãe, submissa e sem presença, ignorada pelo mundo ao seu redor. Amigos do passado, antigos amores, rostos dos quais ela nem se lembrava o nome. E, finalmente, os rostos de suas vítimas. Todas elas. Algo que ela nunca conseguiu esquecer. Além deles visualizava os rostos de seus algozes. A garota loira, vestida de vermelho, que a desafiou por um bom tempo. 29
Seus antigos “sócios” na malfadada empreitada mafiosa. O motoqueiro vigilante da favela que caiu diante de suas espadas, mas voltou para se vingar. E Helena, sempre com seu ar superior e debochado. Nada daquilo era surpresa. De certa forma ela aprendeu a conviver com esses fantasmas. Seus rostos giravam no vazio, ora ouvia suas vozes e sentia seus cheiros. Após um tempo desapareciam na escuridão. No entanto, antes que esse ritual se completasse, um rosto branco e opaco surgiu, como o que vira naquela noite junto a Catedral da Sé, seu contratador, tomando o lugar dos demais, com o som do que parecia uma gargalhada. Num sobressalto, interrompeu a meditação de forma ofegante, como se acordasse de um pesadelo. Foi apenas um instante, onde no meio de rostos desconexos e até então familiares, o dele surgiu como um invasor. Ainda que não tinha ao certo um rosto, mas só um esboço disso. Sombrio e frio, digno de qualquer filme de terror. Adriana se levantou, se percebendo tensa. Isso não era normal. Foi ao banheiro e lavou o rosto. Se olhou no espelho enquanto a água escorria pelo seu queixo. Fitou seu reflexo, no fundo dos olhos, tentando entender o que tinha acontecido. Se fosse supersticiosa, ou mesmo um pouco mais crédula, poderia dizer que sua meditação, seu elo com o mundo espiritual, tinha sido corrompido. Besteira. Devia ter bebido demais. Decidiu dormir. Jogou-se na cama sem ao menos arrumála e fechou os olhos. Queria evitar qualquer tipo de pensamento sobre o que tinha acabado de acontecer. Amanhã seria um dia longo, com muitos preparativos para a missão. Só isso importava 30
e nada mais. No dia seguinte, atarefada com toda a organização da demanda, não teve muito tempo para pensar em qualquer outra coisa. O plano era simples, mas dependia dos detalhes. E cada detalhe deveria ser checado e revisado para que houvesse perfeição. Uma visita a região da Barra Funda serviu para se certificar se suas rotas de fuga estariam desbloqueadas. Com exceção de uma rua interditada por obras, tudo estava de acordo. Pela noite, acertou os últimos passos com as colegas. Supervisionou enquanto Carmen checava o rifle que tinham conseguido. A parte mais importante da missão ficaria com essa garota. Adriana temia por isso. Aquela menina não inspirava a menor confiança. Mas tinha que admitir que ela atirava bem. Amanheceu com sol. As quatro já estavam em pé ao alvorecer. Com roupas civis, se misturavam a multidão. Fones de ouvido em seu celulares as mantinham em contato uma com a outra, sempre que fosse preciso. Para os passantes estavam apenas ouvindo música. Estava chegando a hora. Logo cada uma tomou sua posição. Não podiam haver falhas. Não hoje.
Fique de olho no Universo Nova Frequência para a continuação!
31