Proletรกrios de todo o mundo, uni-vos!
MUNDO SOCIALISTA
O QUE É A REVISTA MUNDO SOCIALISTA? Assim como no Brasil, também nos países que passaram pela construção do socialismo, os revolucionários tiveram de superar e rechaçar todo tipo de confusão de ideias, de reformismo, de tendências conciliadoras e de traição no seio do movimento popular para colocarem este sob a direção da classe operária, isto é, sob a direção do Partido de vanguarda da classe operária, e tomarem de assalto o poder político da burguesia e das classes dominantes para darem início à construção da nova sociedade livre de toda exploração e opressão do homem pelo homem, a sociedade comunista. Com o lançamento da coleção Mundo Socialista, pretendemos mostrar a nossos leitores as experiências de construção do socialismo – que passaram por estes mesmos processos – pelo mundo. Da URSS à China, da Coreia ao Vietnã, à Cuba ao Camboja, centenas de milhões de operários e camponeses se levantaram em sua luta libertadora contra os opressores, pela libertação nacional, pelo socialismo e o comunismo. Livrando-se das chagas do sistema capitalista mundial, tais países, sem exceção, libertaram-se do atraso, da fome e da miséria, do analfabetismo generalizado, da dominação por parte de países estrangeiros e, sob todo tipo de ameaças por parte do capitalismo mundial, militares ou “diplomáticas” (bloqueios comerciais, campanhas de desinformação), seguiram pelo caminho do socialismo que há tanto tempo ansiavam suas populações. O anticomunismo internacional, na tentativa de obscurecer as conquistas de tais países (frequentemente reconhecidas até mesmo por dirigentes das cúpulas oligárquicas), despejou oceanos de dinheiro para propagandear falsas notícias sobre “genocídios” supostamente cometidos por comunistas, sobre o suposto “fracasso e estagnação econômicas” nos países socialistas por conta do “excesso de estatismo”, sobre a suposta “falta de liberdade e democracia”, sobre a “casta” que viveriam às custas da “miséria e do medo” da população. Queremos é desmistificar as lendas criadas pelas classes dominantes acerca dos países socialistas remanescentes e dos que já existiram, difundidas pelos aparelhos ideológicos burgueses que se infiltram como um veneno, inclusive, na esquerda brasileira, que precisa se libertar do revisionismo e da negação da experiência concreta do socialismo.
MUNDO SOCIALISTA República de Cuba
VOLUME I
Edições Nova Cultura 2ª edição 2018
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www.novacultura.info/selo O selo Edições Nova Cultura foi criado em julho de 2015, por iniciativa dos militantes da UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA, com o objetivo de promover e divulgar o marxismo-leninismo. Mundo Socialista: A Revolução Cubana. Volume I. 2ª Edição. 2018.
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“Por que o que não podem perdoar os imperialistas é que estejamos aqui, o que não podem perdoar os imperialistas é a dignidade, a integridade, o valor, a firmeza ideológica, o espírito de sacrifício e o espírito revolucionário do povo de Cuba. Isto é o que não podem nos perdoar, que estejamos aqui debaixo dos seus narizes e que tenhamos feito uma Revolução socialista debaixo do próprio nariz dos Estados Unidos. E que essa Revolução socialista a defendemos com estes fuzis! E que essa Revolução socialista a defendemos com o valor com que ontem nossas artilharias antiaéreas encheram de balas os aviões agressores! E essa Revolução, essa Revolução, essa Revolução não a defendemos com mercenários; essa Revolução a defendemos com os homens e as mulheres do povo” [...]
FIDEL CASTRO
ÍNDICE
Apresentação ............................................................................. 17
A Revolução Cubana Introdução ................................................................................. 21 1. História Colonial e Lutas por Independência ........................ 23 2. Interferência dos Estados Unidos .......................................... 31 3. As Lutas populares na primeira metade do Século XX .......... 38 4. A Revolução Cubana de 1959 ................................................. 46 5. Revolução e Contrarrevolução .............................................. 55 6. A nova sociedade e os desafios da construção revolucionária .................................................................................................... 66 7. A dependência da URSS ......................................................... 78 8. O desaparecimento do campo socialista ............................... 91 9. Considerações finais ............................................................ 102 Referências bibliográficas ....................................................... 108
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APRESENTAÇÃO Depois de um ano, retomamos nosso projeto da revista Mundo Socialista, publicação do selo Edições Nova Cultura, criado pela União Reconstrução Comunista que está imbuída da nossa intenção de divulgar a experiência histórica de luta dos povos pelo socialismo, conhecimento fundamental para que possamos compreender corretamente a heroica luta travada contra o imperialismo no século XX, a luta do novo que busca se impor contra o velho que insiste em não deixar seu lugar na história. Já publicamos um primeiro volume dedicado à Coreia Popular, e agora preparamos este primeiro volume sobre a Revolução Cubana, que representou um grande marco na luta dos povos latino-americanos, que segue como farol para a América Latina. Para este volume, convidamos os companheiros da equipe do blog Fuzil contra Fuzil, que há quase 2 anos realiza um importante trabalho de solidariedade à Cuba e seu povo, diante do ataque sistemático da grande mídia internacional e brasileira, que busca constantemente encher o noticiário de propaganda anticomunista, acusando a Ilha de ser um país “totalitário”, sem liberdade de expressão, atrasado, um resquício de fracasso do socialismo real, para que seus leitores se mantenham desinformados, reproduzam tais clichês e não tenham acesso à realidade concreta da história do povo cubano e sua construção do socialismo. Lançamos este volume da revista também na época de uma efeméride importante para o povo cubano: os 90 anos do
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Comandante-em-chefe Fidel Castro Ruz, o grande líder da Revolução Cubana. Desta maneira, esta publicação também nos serve como homenagem para este que é um dos grandes revolucionários do século XX. Pretendemos, ademais, com esta edição oferecer um material introdutório – conciso, mas rigoroso – sobre a história sobre o amplo processo de luta do povo cubano por sua independência, desde Carlos Manuel de Céspedes, passando por Jose Martí e Antonio Maceo, até aquele 1º de janeiro de 1949, quando Fidel Castro, Ernesto Che Guevara, Raúl Castro e Camilo Cienfugos lideraram os homens de Sierra Maestra até a tomada do poder na Ilha. O material produzido pelo blog Fuzil contra Fuzil será um bom guia para todos que desejam aprofundar o estudo sobre a Revolução Cubana, sobre os diversos aspectos históricos, econômicos, políticos e sociais que constituem a extraordinária trajetória do povo cubana, que superou inúmeras provações e segue no caminho do socialismo. Como afirmou o Comandante Fidel quando da visita do presidente estadunidense Barack Obama, que “ninguém acalente a ilusão de que o povo deste nobre e abnegado país renunciará à glória e os direitos e à riqueza espiritual que ganhou com o desenvolvimento da educação, a ciência e a cultura”. E diante disto, do papel que cumpre Cuba hoje, é dever dos marxista-leninistas apoiar intransigentemente este grande processo. UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA
A Revolução Cubana BLOG FUZIL CONTRA FUZIL
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Introdução
O presente texto é fruto e síntese do trabalho realizado pela página web “Fuzil contra Fuzil”, veículo que conta com a colaboração de um grupo de brasileiros solidários à luta antiimperialista e comunista do povo cubano. Aqui, assim como em nosso trabalho em geral, voltamos nossos esforços a contribuir – ainda que modestamente – com aqueles que, de forma sincera, buscam compreender a complexidade da construção de uma sociedade socialista em um pequeno país com cicatrizes de uma história de atraso e dependência, rodeado de inimigos, mas que é grande em seu exemplo. Esperamos que as próximas páginas possam servir ao leitor por apresentarem a perspectiva de que a Revolução Cubana deriva não só dos acontecimentos e das lideranças – de fato insubstituíveis – que tiveram lugar de destaque nos anos 50 do século XX, mas, também, e fundamentalmente, de que essa Revolução é, assim como esses fatos e lideranças, resultado da formação social do país, que forjou sua tradição de lutas anticoloniais. Da mesma maneira, se é resultado dessa história, a Revolução ela não se limita, completando e superando aquilo que veio antes, na medida em que os novos acontecimentos o exigem. É com o entendimento dos fatos que fomentam essas conclusões que pretendemos contribuir. Quanto à estruturação daquilo que vêm adiante, procuramos remontar, nas primeiras oito partes de nossa exposição, certos elementos mais gerais dos acontecimentos, da formação social e das lutas do movimento popular cubano, desde a colônia até pouco tempo depois do desaparecimento do campo socialista. Em adição, seguem dois apêndices: o primeiro, sob o título de “Observações sobre a concepção marxista-leninista
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de transição ao socialismo”, com a finalidade de apontar observações de Marx, Engels e Lênin que possam introduzir o debate acerca da transição ao socialismo, em especial no que se refere à possibilidade de adoção de medidas de caráter capitalista nessa transição - o que é muito atual no caso cubano; e o segundo, sob o título de “As mulheres na Revolução Cubana”, artigo em que é dada especial atenção ao tema que o nomeia, resgatando, em linhas gerais, alguns pontos da história do movimento feminino cubano e as imprescindíveis mulheres que deram suas vidas em combate por seu povo, desde as lutas pela independência. Quanto às citações realizadas, àquelas provenientes de obras escritas na língua espanhola são expostas em português, a partir de traduções realizadas pelos próprios elaboradores desse material. Por fim, não poderíamos deixar de enfatizar nossos agradecimentos a todos que de alguma forma contribuíram com a elaboração dessa publicação e, fundamentalmente, aos camaradas da URC pela oportunidade de realizá-la.
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1. História Colonial e Lutas por Independência “O verdadeiro homem não busca o lado em que se vive melhor, mas sim o lado em que está o dever; e esse é o verdadeiro homem, o único homem prático, cujo sonho de hoje será a lei de amanhã, porque ele, que pôs os olhos nas entranhas universais e viu ferver os povos, ardentes e ensanguentados no caldeirão dos séculos, sabe que no futuro fez a diferença, está do lado do dever” (José Martí, em Hardman Hall, Nova York, 10 de outubro de 1890)1
Em 2 de setembro de 1960, acompanhado por mais de um milhão de cubanos que compareceram à Praça da Revolução, Fidel Castro realiza a leitura da Primeira Declaração de Havana.2 Não só os corações e fuzis da massa, composta por camponeses e camponesas; operários e operárias; estudantes, trabalhadores em geral e militares, seguem com atenção ao Comandante en Jefe, como chamam os cubanos. Logo atrás do púlpito, uma monumental estátua de José Martí parece prestar reverência ao acontecimento histórico. Inegável sintonia: um povo, seu líder e a sua tradição nacional-libertadora em total confluência. Por um lado, é como se o passado anticolonial saudasse as vitórias da luta anti-imperialista, a realização daquilo que, em outros tempos, fora frustrado pelos mesmos inimigos; por outro, como se a luta democrática e anti-imperialista que caminharia ao socialismo estivesse a prestar a melhor homenagem concebível ao espírito de sacrifício daqueles heróis que tombaram para deixar seu exemplo de luta. Na Praça da Revolução, os cubanos expõem ao mundo seu novo caminho, conquistado a sangue e chumbo, contra o
1. Martí (1991), Vol. 4, p. 247. 2. Sobre a Primeira Declaração de Havana, ver a parte 5 de nossa exposição.
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colonialismo espanhol, em um momento, contra a pseudo república prostituída aos dólares estadunidenses, em outro. Contra resquícios do passado notavelmente atrasado, de escravidão e servidão; contra arrogantes tentativas de impor um futuro nos moldes da Aliança para o Progresso3, ditado por Wall Street. Levar em conta o espírito nacional-libertador que está por trás dessa imagem e seu contexto nos será útil para compreender quais as principais contradições com as quais a Revolução Cubana se defrontava e pretendia solucionar, bem como sua posição no contexto histórico mundial. Nesta pequena exposição, buscaremos contribuir com a apresentação de alguns aspectos do desenvolvimento de Cuba e sua Revolução. Trata-se de uma pequena ilha, ex-colônia espanhola, e muito próxima aos Estados Unidos – fato esse que marca fortemente sua História. Quando do início da espoliação colonialista, já no final do século XVI, rapidamente, esgota-se o pouco ouro que o país possuía e os índios, que em regra eram utilizados na extração desse minério, são dizimados pelos europeus – não sem resistência.4
3. Programa de ingerência estadunidense que remonta o ano de 1961. Mascarado na forma de “ajuda” ao desenvolvimento dos países latino-americanos, seu conteúdo, na prática, era uma forma de surrupiar a soberania dos países ao buscar contrapor a influência da Revolução Cubana no continente. 4. Os cubanos têm orgulho de lembrar a história do cacique Hatuey, que chamam de o “primeiro rebelde da América”. Hatuey, que era apontado por Diego Velázques como o principal responsável pelo espírito insubordinado dos nativos na ilha, liderou uma série de rebeliões indígenas no Haiti e em Cuba, sendo morto em 1512. Dentre as lendas que surgiram sobre Hatuey, uma delas, atribuída ao Frei Bartolomé de las Casas, conta que Hatuey, ao ser capturado, e enquanto era queimado vivo, foi abordado pelo religioso espanhol que o teria exortado para que aderisse ao cristianismo, ação que levaria sua alma para o Céu. Em resposta, o cacique teria perguntado ao cura se os espanhóis que o queimavam também iriam para esse lugar. Ao receber a resposta afirmativa do religioso, Hatuey teria dito: “prefiro ir ao inferno a encontrar-me com espanhóis no Céu”.
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Frustrada a atividade do ouro, desenvolve-se a pecuária na forma de grandes fazendas, com a finalidade de fornecer alimentos a outras colônias da dita América Espanhola. Nessas fazendas, agrupavam-se muitos peões, formando núcleos populacionais de trabalhadores ocasionais, ou seja, não-fixos, que também se utilizavam de pequenas roças ao redor de tais vilas, dedicadas apenas à subsistência. Pouco depois, estabelece-se a cultura do tabaco, que atingiria seu auge no século XVII, tendo por base o minifúndio e o arrendamento de parcelas das fazendas. A cultura do tabaco ajudaria a acabar, pouco a pouco, com as terras de uso comum5. A lógica de funcionamento dessa colônia, que enseja a luta de libertação, apresenta seus primeiros sinais de esgotamento quando ocorre a tentativa, por parte da Metrópole, de impor restrições ao comércio do tabaco, em 1716, pelo estanco, a fixação do monopólio colonial desse produto. Como consequência, uma série de protestos culmina na Insurreição dos Vegueros, série de sublevações armadas nas quais os produtores de tabaco se opunham às exigências da metrópole. Ainda que tenham sido massacradas pelos espanhóis, foram politicamente vitoriosas ao conseguir a redução de algumas imposições ao comércio. Já os primeiros grandes engenhos de cana-de-açúcar surgem apenas na metade século XVIII, sob forma do latifúndio escravista. Tal cultura, que aparece gradualmente, marcará a História do país, convertendo-se, de certa maneira e durante longo período, em fardo para os cubanos. A elaboração do açúcar, que não era exclusividade de Cuba, ocorria também em grande escala na região, principalmente no Haiti. Em função disso, quando os negros haitianos 5. Le Riverend (1974), p.614.
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concretizam sua rebeldia pela Revolução Haitiana (1791), também conhecida como Revolta de São Domingos, acarretando na destruição de parte relevante da estrutura produtiva agrária do sistema escravista e exportador da cana, a produção açucareira em Cuba é estimulada. A demanda que até então era suprida pelos haitianos se desloca e intensifica a multiplicação dos engenhos. A situação é tal que, apesar do domínio Espanhol, criam-se laços comerciais entre Cuba e as Treze Colônias. Em 1818, o estabelecimento da “liberdade de comércio” acentua tal tendência. Já no ano de 1861, a ilha possuiria 1365 engenhos para produção de açúcar.6 Há de lembrar-se que, no final do século XVIII, os Estados Unidos ainda geravam as condições para bem posteriormente consolidar sua hegemonia no plano internacional, sendo a Inglaterra, nesse momento, dado seu desenvolvimento capitalista, a maior potência mundial. Se em países como o Brasil os interesses ingleses eram bem atendidos no período colonial, em Cuba, a situação não era tão diferente, ainda que os ingleses conflitassem muito mais com os espanhóis do que com os portugueses. Em Cuba, os britânicos mantinham propriedades por meio da Companhia das Índias Ocidentais e, em certo momento, passaram a estar muito mais interessados na mão-de-obra baseada no trabalho assalariado. Daí sua interferência no sentido de impor restrições à escravidão: com isso, criariam certo mercado consumidor para suas mercadorias e minariam as propriedades espanholas que dependiam do trabalho escravo.
6. Valdés Garcia (2007), p.27.
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É nesse contexto que os conflitos começaram a se aguçar. Os interesses das classes populares, e até mesmo de alguns latifundiários e comerciantes, se opõem ao dos espanhóis, que, em ruínas, almejavam aumentar sua parcela na apropriação do fruto do trabalho dos cubanos, fossem escravos ou camponeses. Forja-se, aos poucos, uma identidade nacional e anticolonial, com forte inspiração republicana e antiescravista.7 Da metade do século XIX em diante, a tendência que começara nas revoltas de escravos e de camponeses, também influenciada pela oposição entre Inglaterra e Espanha na disputa pela ilha, se confirma na formação dessa identidade. Soma-se a isso também a contraposição necessária aos interesses das classes dominantes dos Estados Unidos que também se voltavam à Ilha. Em 1868, parte dos produtores rurais alia-se às camadas médias, camponeses pobres e escravos. Organizam, assim, o Ejército Libertador e, sob liderança de Carlos Manuel de Céspedes (1819-1894), declaram a independência de Cuba 8 , ato que daria início à Guerra dos Dez Anos. 9 Desta 7. Nota-se que, dentre as colônias na América, Cuba é a penúltima a abolir a escravidão, sendo que o processo já se iniciava no continente desde há quase um século. Cercada pela inspiração advinda de outras nações, e como resultado de um esforço de guerra, a abolição ocorre em 1886, apenas dois anos antes de ocorrer no Brasil, último país a aboli-la formalmente. 8. “A guerra de independência durou, na sua primeira fase, dez anos, e a batalha mais ampla continua, intermitentemente, por trinta anos, até a intervenção norte-americana, em 1898, que obriga os espanhóis a se retirarem finalmente da ilha”. Gott (1991), p 90. 9. “Várias centenas de ex-soldados, muitos negros, procuravam trabalho na província do Oriente de Cuba, e alguns obedeceram ao chamado de Cespedes em 1868. Eram os mambí originais, nome pejorativo dado pelas tropas espanholas aos negros rebeldes em Santo Domingo. A palavra deriva de mbí, uma referência à origem africana, e era usada para sugerir que eram todos bandidos e criminosos. A palavra “mambí” foi usada novamente pelos espanhóis novamente na guerra cubana onde ganhou circulação, sendo rapidamente assumida pelos próprios negros como signo de distinção” Gott (1991), p.91. Daí ser conhecidos os exércitos de libertação em Cuba como “mambises”.
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guerra derivam uma série de outras guerras, combates e indefinições, responsáveis por eternizar figuras como Máximo Gómez (1836-1905), Antonio Maceo (1845-189610 e José Martí (1853-1895). A esse último personagem é necessário que lhe seja dada certa atenção. Martí, um dos heróis independentistas mais valorizados pelos cubanos, foi inspirado pelo exemplo de Céspedes. Iniciou seus trabalhos jornalísticos com apenas 16 anos, ao publicar artigos denunciando a dominação espanhola. Com a mesma idade, em função de sua atividade subversiva, seria condenado a seis anos de prisão. Após ser mantido encarcerado em uma pedreira, sob regime de trabalhos forçados, é enviado para a Espanha. Não abandona o trabalho revolucionário. Como publicista e organizador, dedica-se ao debate de diversos aspectos da dominação.11 Dentre suas preocupações diversas, dava importância à transformação cultural ao, por exemplo, criticar os costumes dos jovens ricos que viviam a copiar o que vinha do exterior. Dizia a eles que deixassem “as calças da Inglaterra, o colete parisiense, a jaqueta da América do Norte e o chapéu da Espanha”.12 Além disso, em suas análises, Martí antecipa a investida do imperialismo nascente dos Estados Unidos sobre a América Latina. No campo da ação, é capaz de aglutinar os combatentes revolucionários que se encontravam divididos em função de derrotas parciais na fundação do partido independentista. 10. “Maceo e Máximo Gomez, ambos projetados como líderes militares notáveis, tinham uma estratégia simples: organizar uma rebelião de escravos em grande escala, incendiar plantações de açúcar e libertar os escravos que nelas trabalhassem. Isso traria novos recrutas e destruiria a base econômica do Estado espanhol” Gott (1991), p.97. 11. Baldomero (2004). 12. Martí (1991), Vol. 6, p. 20.
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Após longo trabalho de unificação de exilados, junto com Antonio Maceo e Máximo Gómez, em 10 de abril de 1892, funda o Partido Revolucionário Cubano, destinado a organizar o Exército Libertador e levar a cabo a guerra de independência. Sobre essa independência, tinha uma concepção bastante clara: independência se conquistava com guerra, uma guerra muito distinta das guerras de rapina, que massacravam e faziam sangrar uns povos para proveito de outros; a independência exigia uma “guerra necessária”, como chamava Martí. O Partido Revolucionário, que derivava da concepção de partido defendida por Martí, era visto por ele da seguinte forma: “o primeiro que é preciso ser dito: os cubanos independentes, os porto-riquenhos que lhes são irmãos, abominariam a palavra “partido” se significasse um mero bando ou seita, ou reduto onde uns crioulos se defendem de outros. Se amparam à palavra “partido”, para dizer que se unem em um esforço ordenado, com disciplina franca e fim comum; os cubanos já entenderam que, para vencer um adversário moribundo, o único que precisam é que se unam”.13 José Julian Martí Perez foi poeta, escritor, orador, organizador e jornalista, iluminando o caminho de outros muitos revolucionários e heróis latino-americanos. Morreu no campo de batalha quando regressava a Cuba, vindo do Haiti, sendo surpreendido pelo ataque de cerca de 600 soldados espanhóis. Seu exemplo de sacrifício e suas claras e avançadas ideias são a razão de Fidel ter afirmado que Martí era o “mentor intelectual do Assalto ao Quartel Moncada”14 e de Guevara 13. Martí (1991), Vol. 1, p. 365. 14. O Assalto ao Quartel Moncada, ocorrido em 26 de julho de 1953, é a primeira ação militar dos revolucionários liderados por Fidel Castro, que inaugura as lutas que dão
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ter enfatizado que era “o homem a cuja palavra se recorria sempre para dar a interpretação justa dos fenômenos históricos que estávamos vivendo e o homem cuja palavra e cujo exemplo havia que recordar cada vez que se quisesse dizer ou fazer algo transcendente nesta Pátria”.15 Como é fácil notar, trata-se, por parte de Guevara e de Fidel, da reivindicação do mais legítimo elemento de libertação nacional, tão característico das revoluções do século XX, buscado na História do próprio pais, repleta de exemplos de resistência da longa luta anticolonial. Apesar de todo heroísmo dessa etapa da luta anticolonial, a vitória sobre os espanhóis não obtém o triunfo total, já que, após trinta anos de conflitos com a Espanha, quando as tropas independentistas estavam prestes a liquidar o colonialismo, os Estados Unidos interferem. Evidentemente, para defender seus próprios interesses. Tem início a Guerra Hispano-Americana, evento que sinaliza a eclosão beligerante do imperialismo estadunidense na disputa contra a Espanha pela dominação das Filipinas, Porto Rico e Cuba. Ao final da guerra, após sangrento conflito16 e humilhante ocupação, que não dava margens à soberania cubana, a ilha sai formalmente da posição de colônia da Espanha, mas passa a outra situação: vira quintal dos Estados Unidos. Sua lógica de colônia pouco mudaria, perpetuava-se a longa tradição de uma economia marcada pelo caráter dependente e surgimento à Revolução Cubana de 1959. 15. Guevara (2013), Vol. 2, p. 106. 16. A guerra de independência tem grandes dimensões. As estimativas do número de mortos durante seu desenrolar variam entre 300.000 a 500.000 mortos, o que revela sua proporção como uma das guerras de independência mais sangrentas da História, considerando que a população cubana no período era de cerca de 1,5 milhão de habitantes. O destacamento espanhol na Ilha contava com 300 mil homens aproximadamente. Cf. Mao Júnior (2007), p.136-137.
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agroexportador, baseada na intensiva exploração, principalmente dos trabalhadores do campo, que penavam na miséria.
2. Interferência dos Estados Unidos “... Da nossa sociologia pouco se sabe, e dessas leis, tão precisas como esta outra: Os povos da América são mais livres e prósperos conforme se afastam dos Estados Unidos” (José Martí, no periódico Pátria, New York, 22 de setembro de 1894)17
Curioso é como em alguns casos certas imagens e símbolos são capazes de ilustrar tão bem as persistentes preocupações históricas de um povo. A alguns metros das águas do Estreito da Flórida que banham os muros do Malecón, famoso calçadão de Havana, encontra-se a Embaixada dos Estados Unidos, reaberta em agosto de 2015, após 54 anos de rompimento de relações diplomáticas por parte do país da América do Norte. Em frente ao edifício, acompanhada por centenas de bandeiras cubanas hasteadas, está outra estátua de Martí. Dessa vez, o Apóstolo da Independência, como o chamam os cubanos, carrega e protege em uma das mãos uma criança18, 17. Martí (1991), Vol. 6, p. 26. 18. A criança que Martí segura faz não só referência às crianças cubanas que tem de ser protegidas dos perigos diários impostos pelo imperialismo, mas, especialmente, ao menino Elián González. Elián, “quando tinha apenas seis anos, em novembro de 1999, foi sequestrado por contrarrevolucionários em Miami, com apoio de familiares distantes. O incidente se produziu após ser resgatado por pescadores norte-americanos, completamente sozinho e preso a um pneu de um automóvel, dias depois do naufrágio no qual pereceu sua mãe e outros tripulantes da embarcação que pretendiam ingressar ilegalmente nos Estados Unidos. Foi devolvido à Cuba sob a tutela de seu pai, sete meses depois, em 28 de junho de 2000, após um longo processo judicial, que violava o direito internacional e as próprias leis norte-americanas, pois ambos reconhecem que a jurisdição sobre esses casos corresponde somente aos tribunais do país de origem”. (Da Enciclopédia Virtual Cubana EcuRED). Ainda sobre isso, afirmou certa vez Fidel Castro: “Foi esse o único caso? Não! Muitas crianças cubanas foram separadas de um de seus progenitores e conduzidos aos Estados Unidos de forma ilegal sem a mais remota
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enquanto que com a outra aponta, com dedo em riste, a sede da missão diplomática do país imperialista. Não é por acaso. Um século antes da construção de tal estátua, quando das guerras de independência de Cuba, Martí, que não viveu para ver suas previsões de sábio homem prático confirmadas, alertava para os interesses anexionistas e as pretensões dos Estados Unidos sobre a pequena ilha e toda a América Latina. Em 1889, quando esteve em Washington, na Primeira Conferência Continental Americana19, no contexto em que os Estados Unidos buscavam assumir posição como os novos donos da América levando adiante seu processo de dominação, ao vender seus excedentes de produção, obter as matérias primas baratas e investir seus capitais, enviou em uma carta a um companheiro cubano: “Sobre nossa terra, Gonzalo, há outro plano mais tenebroso do que o que agora conhecemos, e é o iníquo de forçar a ilha, de precipitá-la à guerra, para ter o pretexto para nela intervir, e, com o crédito de mediador e garantidor, apropriar-se dela. Não há coisa mais covarde nos anais dos povos livres, nem maldade mais fria. Morrer para fornecer apoio sob o qual se levantarão essa gente que nos empurram à morte para seu próprio benefício? Valem mais nossas vidas, e é necessário que a Ilha saiba disso a tempo”.20 As pretensões dos Estados Unidos sobre Cuba eram antigas, como comprova carta do Secretário de Estado dos Estados Unidos, Jonh Quincy Adams, ao representante ianque possibilidade de serem recuperados solicitando às autoridades norte-americanas. Somente nos primeiros dois anos e meio da Revolução, 14000 crianças foram subtraídas clandestinamente, com a anuência, nesse caso, do pai ou da mãe, ou de ambos, vítimas de enganações, ao serem propagados pelos serviços de inteligência dos Estados Unidos e seus agentes em Cuba o deliberado e cuidadosamente elaborado rumor, respaldado por uma lei apócrifa, de que os pais seriam privados de seus direitos sobre seus filhos”. Castro (2000). 19. Baldomero (2004), p.17-25. 20. Martí (1991), Vol. 6, p. 128.
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em Madri, Hugh Nelson, de 13 de abril de 1832: “Há leis da política como há leis de gravitação física. E se uma maçã, separada pela tempestade da sua árvore nativa, não pode escolher, mas apenas cair ao chão, Cuba, por força desligada do seu vínculo não natural com a Espanha, e incapaz de auto sustentar-se, só pode gravitar na direção da União NorteAmericana, a qual, pela mesma lei da natureza, não a pode segregar do seu seio”.21 Três anos após a morte de Martí, em 1898, quando a guerra de independência ainda era levada adiante, explode, por acidente, o Encouraçado Maine, navio estadunidense atracado no porto de Havana. Estava dado o pretexto da intervenção esperada, para realizar a “lei da natureza”. Os Estados Unidos declaram guerra à Espanha e o neocolonialismo estadunidense e o velho colonialismo se enfrentam, levando Cuba, assim como Porto Rico e as Filipinas, como prêmios. Isso como resultado de uma guerra que terminou no mesmo ano, com a assinatura do Tratado de Paris, sem nenhuma representação de Cuba nos termos de paz. Os ianques vencem e a ilha deixava de ser colônia da Espanha, passando a ser território ocupado pelos Estados Unidos. Cuba permanece sob ditadura militar diretamente imposta pelo país do Norte de 1898 até 1902. Aos colonos norteamericanos e às elites cubanas aliadas ao imperialismo a intervenção era vista com bons olhos. Cerca de 13 mil estadunidenses adquiriram terras em Cuba em 1905 e, logo, cerca de 60% das propriedades rurais eram propriedade de cidadãos ou empresas norte-americanas.22 Isso, evidentemente,
21. Citado por Gott (1991), p. 75. 22. Gott (1991), p. 90.
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às custas do campesinato cubano que, sedento de terras desde o início das guerras, trinta anos antes, teve suas expectativas frustradas. Ao final do período militar, os Estados Unidos passam o poder ao primeiro presidente civil da ilha. Evidentemente, esse presidente – assim como os seguintes – era alguém que matinha os interesses e todo tipo de prerrogativas dos ianques sobre a ilha. Seria, então, o primeiro presidente cubano Tomás Estrada Palma, o típico fantoche. Cubano nascido nos EUA, Palma assumia sob uma vergonhosa Constituição. Aprovada sob ocupação militar dos Estados Unidos, a carta fundante da republica continha a famosa e humilhante Emenda Platt como apêndice: “Artigo III - O governo de Cuba concorda que os Estados Unidos podem exercer seu direito de intervir para a preservação da independência cubana, para a manutenção de um governo adequado à proteção da vida, propriedade e liberdade individual e para a execução das obrigações relacionadas com Cuba que lhe foram impostas pelo Tratado de Paris, e que devem ser agora assumidas e cumpridas pelo governo de Cuba. Artigo IV - Para permitir aos Estados Unidos manterem a independência de Cuba, e protegerem o povo cubano, bem como para a sua própria defesa, o governo cubano venderá ou arrendará aos EUA a terra necessária para a instalação de bases ou estações navais, em certos pontos específicos, a serem estabelecidos pelo presidente dos Estados Unidos”.23 Sabe-se muito bem o significado daquilo que o imperialismo diz ao povo de alguma localidade quando afirma querer garantir a “manutenção de um governo adequado à
23. Apêndice da Constituição de Cuba de 1901.
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proteção da vida, propriedade e liberdade individual”: nada menos do que a perda de qualquer soberania. Dois anos após a Constituição, firmava-se o Tratado Permanente de Arrendamento de Bases Navais e Militares, pelo qual Cuba era obrigada a ceder aos EUA a região que daria origem à base naval de Guantánamo.24 A intervenção militar não ocorria por acaso. Além da já mencionada dominação pelos norte-americanos das terras e da instalação de uma base militar, cinco anos mais tarde, sob uma conjuntura política um pouco mais “tranquila” e pacífica, constata-se, em Cuba, um aumento nos capitais injetados pelos Estados Unidos: se de 1898 a 1902 eram 30 milhões de dólares, de 1902 a 1906, essa cifra subiu para 160 milhões.25 Era a hidra imperialista esticando seus tentáculos sobre Cuba, como alertara Martí.26 Observa-se, também, do século XIX para o XX, o aumento da importância da cana-de-açúcar na economia nacional. Se, antes, o açúcar já era importante, no começo do século XX, ele se torna a pedra angular da economia, que agora depende muito mais de tal produto. De toda a receita, entre os anos 1907 e 1930, 33,64% constitui-se apenas pelo valor da safra da cana-de-açúcar processada e exportada.27
24. A base naval do governo dos EUA em Guantánamo não foi devolvida ao povo cubano nem mesmo depois do triunfo da Revolução cubana. Segue como ocupação do território cubano pelos Estados Unidos. A base é famosa por abrigar desde 2002 um centro de detenção de segurança máxima onde se viola sistematicamente os direitos humanos, por meio da realização de torturas e manutenção de prisões sem direitos à defesa. 25. Jenks (1966), p.165 apud Valdés Garcia (2007), p.31. 26 . Lenin, posteriormente, explicaria o caráter geral desse fenômeno em seu livro “Imperialismo, fase superior do capitalismo”. 27. Valdés Garcia (2007), p. 38-39.
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Apesar do gigantesco investimento ianque, o capital estadunidense não era ainda hegemônico, havia capitais franceses, alemães e ingleses, o que demonstra a disputa relativamente silenciosa entre potências pela dominação da Ilha. Apesar da existência de outros capitais, eram os ingleses e americanos os mais volumosos, como demonstram os dados relativos aos investimentos estrangeiros em 1913-1914: enquanto os Estados Unidos investiam 215 milhões de dólares, os ingleses investiam 216 milhões, dos quais a maior parte em terras (para o plantio e extração da cana), centrais açucareiras e engenhos (para o processamento da cana, transformando-a em açúcar), ferrovias (exclusivamente para o transporte do açúcar, levando-o até a costa) e em portos (para o transporte do açúcar, completando o ciclo do investimento dos capitais).28 Todo isso era, evidentemente, voltado à rapinagem, e à exploração à base de suor e sangue do trabalhador cubano, que, como resultado, vivia de maneira deplorável: a expectativa de vida em 1920, por exemplo, era de 37,4 anos 29; em 1907, 59,1% de toda a população era analfabeta; havia em toda a ilha somente 55 hospitais, sendo que a população no mesmo ano era de dois milhões de habitantes.30 A economia cubana era verdadeiramente frágil, dependente de importações e vulnerável a uma simples conjuntura não favorável de preços internacionais do açúcar. Exemplo elucidativo oferece-nos, por exemplo, a crise de 1929, que
28. Valdés Garcia (2007), p.32. 29. Díaz-Briquets (1986). p.11. 30. Olmsted (1909).
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abalou violentamente a economia dos EUA e teve consequências catastróficas para Cuba: no período de 1925 a 1933, a receita nacional cai 58,5%.31 Se para a economia nacional as coisas não iam muito bem, ao capital financeiro estadunidense, os efeitos não seriam tão “catastróficos”. Como é recorrente e atual, na histeria capitalista dos momentos de crise, o capital financeiro aproveita-se para aumentar seu domínio sobre a economia dos países subordinados. Em Cuba, ocorreram, então, as privatizações dos bancos nacionais. Nas recessões, sem a “sustentação” de grandes matrizes canavieiras, eles sucumbiam. Resultado: em 1931, 97,9% do capital bancário era estrangeiro.32 O mesmo processo de desnacionalização tendia a ocorrer com as centrais açucareiras. Dominada pelo latifúndio e pelo imperialismo, ocupando a agricultura quase que exclusivamente com a canade-açúcar, carente no campo industrial, Cuba era obrigada a importar diversas mercadorias dos Estados Unidos, de alimentos a outros diversos produtos industrializados, rendendo mais e mais lucros aos monopólios ianques. Como consequência, todo esse período até o ano da tomada do poder pelos revolucionários, em 1959, teria como marca tratados comerciais abusivos, corrupção latente, intervenções militares baseadas na Emenda Platt e progressiva dependência econômica. De colônia a neocolônia, pouco mudara a estrutura social ou a exploração dos trabalhadores sazonais da cana. Ainda que libertos da escravidão em 1886, como resultado de suas lutas, permaneciam presos à terra, ao
31. Gutierrez (1981). 32. Valdés Garcia (2007), p.37.
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latifúndio e à dominação estrangeira. Nesse contexto, a observação de Martí que dá início a essa seção não poderia ser mais verdadeira.
3. As lutas populares na primeira metade do século XX “Junto ao mineiro, ao sábio inventor, ao eletricista, ao pedagogo, ao ferroviário, se encontra, sem dúvida alguma, o revolucionário. Ora é um Graco, ora um Spartacus, ora um Marat, ora um Robespierre, ora um Bolívar, ora um Marx, ora um Lenin, ora um Sun Yat Sen... Libertador de escravos, impulsionador da revolução agrária, libertador da burguesia do jugo feudal ou do proletariado do jugo burguês, sua tarefa, seu ofício, sua profissão, é a mesma, ainda que o cenário seja diferente” ‘Pela criação de revolucionários profissionais’ - Julio Antonio Mella33
O exemplo da Revolução Cubana de 1959 demonstra que, se há somente uma forma para que os povos oprimidos permaneçam de cabeça erguida, essa forma é a luta revolucionária. Também demonstra que a Revolução só se converte em realidade quando os povos forjam sua consciência e espírito combatentes através de duros e prolongados embates com as classes dominantes, quando as classes oprimidas estão preparadas para levar seu anseio de libertação até as últimas consequências, quando a tradição revolucionária amadurece e aprende a cultivar seus acertos e retificar seus equívocos de maneira constante. Se no século XX a dominação imperialista sobre a ilha se acentuava, a afluência de capitais e certo desenvolvimento industrial engendravam o desenvolvimento do proletariado cubano. O movimento operário, que já ensaiava ações com certa influência anarquista, tem um de seus marcos em 1914, 33. Mella (1975), p. 40-42.
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quando acontece, em Havana, o Primeiro Congresso dos Trabalhadores Urbanos. Por toda a América Latina, dada a influência da grandiosa Revolução Russa de Outubro de 1917, eclodem uma série de agitações comunistas. Surgem entre 1918 e 1922 os Partidos Comunistas da Argentina, México, Uruguai, Chile e Brasil. Em Cuba não é diferente. Em 1920 uma série de greves afeta o país e é criada a Federação de Trabalhadores de Havana. Em 1925, surge a Confederação Nacional dos Trabalhadores de Cuba e o primeiro Partido Comunista de Cuba. A III Internacional, de Lenin, atrai o interesse e inspira não só os operários. Dada sua consequente oposição à dominação imperialista e preocupação com a questão nacional, diversos agrupamentos de setores populares e em especial uma parcela de jovens provenientes das universidades se aproximam do marxismo-leninismo e assumem a responsabilidade de criar o partido em Cuba. Dentre esses jovens está o incansável combatente Julio Antonio Mella (1903-1929), que, em 1921, entra na Universidade de Havana e no ano seguinte inicia suas atividades como revolucionário. A partir de 1922, Mella funda a Federação Estudantil Universitária; convoca o Primeiro Congresso Nacional de Estudantes Revolucionários (no qual lança uma plataforma de combate ao imperialismo e de defesa da Revolução Russa); funda a Universidade Popular José Martí (que tinha como lema descer as escadarias das universidades e ir ao encontro do proletariado, contra o parasitismo, o individualismo e o imperialismo); cria as Ligas Anti-imperialistas cuba-
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nas; é membro da Internacional Sindical Vermelha, o Profintern e Secretário Geral interino do Partido Comunista do México – quando exila-se nesse país.34 35 36 No congresso de fundação do primeiro Partido Comunista, destaca-se a necessidade de difundir a literatura marxista-leninista para a população, fato que seria reconhecido e valorizado por Fidel Castro anos mais tarde: “Jamais se poderá esquecer do papel que esse partido de comunistas desempenhou na divulgação das ideias marxista-leninistas e na formação de uma consciência revolucionária entre nossos trabalhadores e nosso povo. Centenas de milhares de livros marxista-leninistas foram publicados e divulgados, milhões de folhetos, e, através da imprensa legal e ilegal, da rádio e de todos os meios possíveis de divulgação, contribuíram para propagar no seio de nosso povo as ideias revolucionarias”.37 O Partido era forte, um dos maiores da América Latina, e possuía um programa de reivindicações para operários e camponeses. Estava organizado nos sindicatos, em setores da juventude e entre as mulheres. Em função disso, tal partido seria sistematicamente perseguido pelos governos e por organizações como a Associação Nacional da Indústria Açucareira (1924), de cunho corporativista, que pregava uma reacionária doutrina da negação da luta de classes.
34. É importante destacar que, junto a Julio Antonio Mella, na fundação do primeiro Partido Comunista de Cuba está o veterano Carlos Baliño (1848-1926), também fundador, junto à Martí, do Partido Revolucionário Cubano. 35. Mella é assassinado aos 26 anos, em 1929, no México. Tamanha é a envergadura de Mella e seu papel na História de Cuba que, hoje, sua face é uma das três que compõem o emblema oficial da juventude do Partido Comunista de Cuba, ao lado de Camilo Cienfuegos (1932-1959) e Ernesto “Che” Guevara (1928-1967), sob as palavras “Estudo, trabalho e fuzil”. 36. Mella (1975). 37. Castro (1975).
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Até os anos vinte, na direção do Estado cubano estiveram representantes das elites que se dividiam entre partidos que guardavam pouca diferença entre si: o Partido Liberal e o Partido Moderado, que, eventualmente, mergulhavam o país em conflitos insurrecionais envolvendo disputas entre os elementos das classes dominantes. Tais conflitos terminavam, em regra, com intervenções ianques para estabelecer um novo governo que garantisse estabilidade aos negócios e sua hegemonia. Nesse sentido, as tropas estadunidenses voltaram a ocupar Cuba entre 1906 e 1909, em 1912 e entre 1917 e 1920. Ocorre que, com a ascensão do movimento popular, a lógica de instabilidade política na disputa por posições no Estado pelos grupos oligarcas que se digladiavam pelo poder passava a se mostrar perigosa aos interesses dos Estados Unidos. Isso porque se, em um momento, a aparente contradição que havia enquanto as elites disputavam entre si as parcelas do Estado, paradoxalmente, mantinha tudo sob certa normalidade, em outro, as coisas poderiam sair do controle quando o povo resolvesse tomar parte nesse conflito. Até a ascensão do movimento popular, como resultado das contendas, a intervenção ianque apaziguava a situação, garantia seus próprios negócios (inclusive aumentando seus domínios) e estabelecia novos pactos entre as oligarquias. Já adiante, com a magnética influência da Revolução de Outubro, as crescentes lutas dos trabalhadores com as manifestações de insatisfação da pequena-burguesia cubana tornavam imperativo aos Estados Unidos o estabelecimento de um governo forte capaz de evitar o alastramento da instabilidade ao resto do país, que resgatava o movimento de libertação nacional e questionava mais as intervenções na ilha.
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É nesse cenário que, em 1925, assume o poder o mandante do assassinato de Mella, Gerardo Machado y Morales (1871-1939)38, “o Mussolini tropical”, como o apelidou o jovem lutador anti-imperialista. Machado possuía uma plataforma anticomunista e corporativista, ferrenho defensor dos interesses dos Estados Unidos na Ilha. No início dos anos 30, apesar da intensa repressão, o Partido Comunista em conjunto com a organização conhecida por Diretório Estudantil – sucessora da Federação Estudantil Universitária, fundada por Mella –, que aglutinava elementos da pequena burguesia, organizam uma greve geral que conta com a participação 200 mil trabalhadores. Não é preciso dizer que a crise de 1929 gerara consequências que fomentavam esses movimentos. Das lideranças estudantis, surge Antonio Guiteras Holmes (1906 - 1935), que também assumiria papel de destaque na história cubana como nacionalista. Guiteras atua em diversos movimentos contra Machado: elabora o plano de um ataque ao Quartel Moncada39 e participa de um movimento insurrecional em 1931 e outro em 1933. O movimento operário também explode, chegando, inclusive, a tomar centrais açucareiras: “No início de 1933, deflagrou-se uma greve dos trabalhadores da indústria açucareira. Liderada pelo Sindicato Nacional de Obreros de la In-
38. “O General Gerardo Machado se destacou no período da primeira ocupação militar estadunidense (1899-1902) e prestou sua incondicional colaboração, organizando, antes de qualquer parte do país, a Guardia Rural [espécie de exército privado dos coronéis] em Las Villas. No governo de José Miguel Gomez notabilizou-se pela repressão aos movimentos grevistas ... Machado era também sócio-proprietário da Compañia Cubana de Eletricidad. Na verdade, era testa-de-ferro do monopólio estadunidense General Eletric, por meio da Eletric Bond and Share Company”. Cf. Mao Júnior (2007), p. 163. 39. Duas décadas depois, Fidel Castro tentaria tomar esse mesmo quartel, em 26 de julho de 1953.
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dustria Azucarera, a greve alcançou grandes proporções. Inúmeras centrais açucareiras foram ocupadas pelos trabalhadores que, organizados em soviets, içaram bandeiras vermelhas nas chaminés”.40 Em meio a tal contexto, em 24 de agosto de 1933, diante da situação insustentável e da efusão do movimento contra Machado, setores militares pedem sua renúncia, que é realizada com intermédio da embaixada dos Estados Unidos. Com a saída de Machado, no entanto, pouco mudava. O governo provisório, que havia sido constituído em seu lugar pelas negociações ianques, dura pouco. As insurreições exigem a substituição do governo provisório, o que acaba por ocorrer. Começa, então, o Governo dos Cem Dias, não reconhecido pelos EUA. Esse governo, que dessa vez contava com uma ampla frente daqueles que se opunham a Machado, compõe-se por uma série de elementos heterogêneos: como Presidente, e com posição centrista, Ramón Grau San Martín (1881-1969); como Comandante do Exército, pela ala direita, Fulgencio Batista Zaldívar (19011973); e como Secretário de Governo da Marinha, pela ala esquerda, o jovem Antonio Guiteras. Evidentemente, um governo composto por nacionalistas como Guiteras e por direitistas como Fulgencio Batista seria corroído por contradições internas e duraria pouco. A posição insubmissa aos Estados Unidos por Guiteras e as articulações militaristas de Batista fazem com que o último, apoiado pela embaixada norte-americana, dê um golpe final e liquide o Governo dos Cem Dias. Batista iniciava sua carreira como golpista, algo que se repetiria cerca de 20 anos depois. A Guiteras, por não ter muitas opções, cabe a organização da 40. Mao Júnior (2007), p. 186.
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resistência armada ao golpe, pelo que é morto em confronto com o exército em 1935. Fulgencio Batista Zaldívar, depois de reprimir tanto os trabalhadores influenciados pelo Partido Comunista quanto os grupos próximos a Guiteras, trabalha nas sombras. O líder do golpe não assume o poder diretamente, mas tem sob seu controle a série de presidentes seguintes, fortalecendo-se no exército e acenando para alguma democratização, após ter liquidado muitas lideranças adversárias. Ainda antes de 1940, sob influência dos Estados Unidos, e na busca pela aparência democrática, inicia-se o movimento de anistia e, naquele ano, Fulgencio Batista é eleito presidente. Apesar de parecer contraditório, sua plataforma de apoio conta, inclusive, com o Partido Comunista, que se encontrava na ilegalidade até 1938. Essa mudança brusca dos comunistas, somada à febre anticomunista leva a um sério desgaste na confiança que as massas tinham no partido41. Em 1944, com fins eleitorais, o partido dos comunistas passa a denominar-se Partido Socialista Popular (PSP). Ao final de seu mandato de quatro anos, Batista deixa o cargo. Voltando a inscrever-se como candidato somente em 1952. Entre 1944 e 1952, sucedem-se governos liderados por 41. Sobre isso, Fidel constataria: “... A impressão que tive foi que o fato de que o Partido Comunista fizesse parte da coligação de Batista em 1940 e 1944, e levando em conta que seu governo foi despótico, corrupto e repressivo, afastou-o de muitos jovens. [...] se produzia um paradoxo: apesar de lutarem em favor dos operários, devido a compromissos e alianças internacionais, estavam politicamente em aliança com um governo burguês repressivo, corrupto. Os comunistas se mantiveram limpos e honestos toda sua vida, no entanto, diria que essa aliança com Batista durante um período histórico de tempo fez com que se desligassem, em certa medida, do povo e alimentou as prédicas anticomunistas, embora o Partido Comunista tivesse arraigado entre os operários. Afastou-os de uma parte do povo capaz de reconhecer a honestidade, a abnegação e o espírito de sacrifício dos comunistas, mas sem aceitar, sem conciliar a aliança com Batista”. Blanco Castiñera (2012), Vol. 1 p.300-302.
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figuras que, cavalgando no apoio popular que lhes foi legado das lutas contra Machado e como oposição legal a Batista, decepcionam a população cubana. Grau San Martín, que havia liderado o Governo dos Cem Dias é eleito para o período de 1944 a 1948, sucedido por Carlos Prío Socarrás (19031977), ambos do Partido Revolucionário Cubano (Autêntico). Tais lideranças, que se reivindicavam como os autênticos defensores do partido martiano, o partido das lutas pela independência, inserem-se nos mesmos mecanismos da dominação oligarca e estrangeira, além de manterem Batista no comando do exército. Aos olhos da população, pouco se diferenciavam da velha e indigna política, o que gera inclusive dissidências nesse partido. Em meio a tudo isso, em 1952, pouco antes das eleições presidenciais, de regresso dos Estados Unidos, dessa vez com muito menos respaldo popular, Batista dá um golpe de Estado frente sua iminente derrota no processo eleitoral. Na mente dos trabalhadores cubanos, que já haviam sofrido nas mãos de Batista nos anos 30, reacendia-se a memória do lema utilizado pelos soldados do governo no combate aos sindicatos: “habrá zafra o habrá sangre” (Haverá safra ou haverá sangue)42. A luta armada apressava-se.
42. Conta-se que à provocação batistiana respondiam os trabalhadores do Sindicato Nacional de Obreros de la Industria Azucarera: “Habrá zafra y no de hambre, o habrá
huelga y habrá sangre, si la burguesía la provoca” (Haverá safra e não de fome, ou haverá greve e haverá sangue, se a burguesia provocá-la). Cf. Manuel de Paz, “Wanguemert y Cuba” (1991), Santa Cruz de Tenerife, Vol. 1, p.145.
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4. A Revolução Cubana de 1959 “O caminho da luta armada não é o caminho que escolheram os revolucionários, senão o caminho que os opressores impuseram aospovos. Os povos têm então duas alternativas: dobrar-se ou lutar.” Fidel Castro Ruz, 1967
Nota-se, nos anos 50, além do Partido Socialista Popular, uma série de partidos, apesar de bastante submissos e contaminados por elites regionais atreladas aos que Estados Unidos, eventualmente levantavam a bandeira da tradição inspirada por Martí, ainda que de maneira vacilante. Entre eles, estava uma dissidência do Partido Revolucionário Cubano (Autêntico), o Partido do Povo Cubano (Ortodoxo)43, no qual encontrava-se Fidel Alejandro Castro Ruz (1926). Fidel, filho de um espanhol que obteve riqueza com a produção agrícola, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Havana, onde estabeleceu contato com o movimento político e vinculou-se à Federação Estudantil Universitária. Segundos muitos de seus relatos44, foi na universidade que constituiu sua convicção revolucionaria, não somente porque teve seu primeiro acesso às obras marxistas, mas porque, de fato, forjou-se em lutas de grandes dimensões. Durante esse período, envolveu-se em ações armadas como a Expedição de Cayo Confites, para liberar a República Dominicana de Trujillo; e no Bogotazo, explosão da rebelião popular 43. O Partido Ortodoxo era liderado por Eduardo René Chibás Ribas, expressão de uma parcela da população embebida em um anticomunismo feroz, mas sinceramente indignada pelo gangsterismo e pela corrupção no país. Chibás comete suicídio no final do ano de 1951, durante sua transmissão radiofônica, como uma questão de honra, por ver-se privado dos meios de provar uma de suas graves acusações de corrupção no governo de Carlos Prío. 44. Aqui se vale, principalmente, das conversas entre Fidel e a jornalista Katiuska Blanco, narradas no livro “Fidel Castro Ruz: Guerrilheiro do Tempo”.
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na Colômbia, quando do assassinato do candidato a presidente Jorge Eliécer Gaitán. Fidel argumenta que, apesar de sua influência e estudos marxistas, não expunha abertamente tais convicções, por considerar, dentre outras coisas, o isolamento ao que eram submetidos os comunistas e o auge do anticomunismo na ilha.45 Pelo Partido do Povo Cubano (Ortodoxo), que tinha posicionamentos de cunho essencialmente moralizador, com discursos contra a corrupção, Fidel lançou-se como candidato a deputado nas eleições de 1952, que não foram realizadas em virtude do golpe de 10 de março de 1952, realizado por Batista. No entanto, diferenciava-se substancialmente desse partido, por sua consequência. Não só denunciava as condições de vida das classes trabalhadoras e a humilhante condição imposta aos soldados pelos oficiais, por exemplo, como apresentava propostas de caráter democrático, como a reforma agrária, a limitação dos preços que compunham o custo de vida e a valorização dos profissionais dos serviços públicos essenciais. Tinha como estratégia criar um movimento de massas ao redor de tal programa democrático e, a partir disso, convertê-lo em um programa revolucionário que levasse à tomada do poder pelas armas.46
45 . Ao final de seu período na universidade, no qual aponta ter se identificado ideologicamente com o marxismo, Fidel afirma: “Lutei junto dos comunistas no meio de um ambiente em que estava vigente o macarthismo, o anticomunismo, mas queria manter minha liberdade de ação, além disso, eu já tinha uma posição no Partido Ortodoxo, que contava com apoio e a simpatia do povo. Estava a favor de que a revolução era preciso fazê-la com a participação das massas, e o Partido Comunista estava isolado.” (1) Blanco Castiñera (2012), vol II, p.2; Isso se remete ao fato do Partido Comunista, por exemplo, ter estabelecido a aliança com Batista no período das frentes populares de luta contra o fascismo, o que sob o ponto de vista de muitos setores, com pouca consciência política do significado histórico de tal aliança, era um equívoco. 46. (1) Blanco Castiñera (2012), vol II, p.26.
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Em 1952, com o golpe militar de Batista e denunciado por Fidel meses antes às lideranças do Partido Ortodoxo, que não lhe deram ouvidos, o plano seria reformulado.47 Posteriormente, Fidel criticaria veementemente as vacilações e imobilidade daqueles chefes de seu partido que haviam se acomodado justamente em um momento em que Batista tentava fazer passar o golpe como uma transição democrática: “Passaram os primeiros cinco meses deste processo de amadurecimento gradativo. Em 16 de agosto [de 1952], dia do primeiro aniversário da morte de Chibás, eu já estava falando outra linguagem. Percebi que os líderes não faziam coisa nenhuma, a pesar de que ainda eu estava pensando na luta unida de todos, comecei a exigir que o Partido Ortodoxo tivesse um papel fundamental na luta... Eu estava, pois, desafiando a liderança que não estava atuando. Não era precisamente o fato de ter cortado relações com ela, mas a estava pressionando, exigindo-lhe que lutasse. Mas, em 16 de agosto não tinham feito nada, eles tinham perdido cinco meses, mais de cinco meses!”48 À parte das manobras políticas e uma série de indefinições, as condições de vida dos trabalhadores também revelavam a dimensão das contradições da sociedade cubana. No campo, o trabalhador agrícola, sem emprego na maior parte do ano devido ao caráter sazonal do trabalho com 47. Como relata: “Depois suspeitei que Batista daria o golpe e fui para a direção do partido, garanti-lhes que Batista estava conspirando. Não quis denunciá-lo através de minha hora de radio, porque não era um espaço a nível nacional. ... O único instrumento que eu tinha era a hora nacional do partido, e a solicitei para fazer a denúncia; aí eles disseram-me que fariam investigações. Como tinham vários professores das academias militares entre os ortodoxos, fizeram uma pesquisa e disseram: “Não há nada, absolutamente nada” ... Se eu tivesse denunciado o golpe, não teria acontecido, porque teriam sido desmoralizados todos os envolvidos, e teriam saído a correr.” Blanco Castiñera (2012), vol II, p. 46. 48. Blanco Castiñera (2012), vol II, p. 96.
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a cana, tornava-se miserável e, ao encontrar-se sem alternativa, ia compor o exército de trabalhadores de reserva: 25% da força de trabalho cubana não encontrava emprego em 1953, taxa alcançada pelos EUA apenas na crise de 1929.49 Em 1956, 23% da população era analfabeta; das 180.370 crianças matriculadas, somente 4.852 acabam o curso primário; somente 35,1% das crianças frequentavam as escolas; apenas 9,1% das casas da zona rural tinham luz elétrica; de todas as casas do país, somente 35,2% possuíam água encanada e 55% delas não possuíam banheiros.50 Para Fidel, considerando tanto essas contradições no âmbito das condições de vida da população quanto as formas pelas quais os partidos políticos se postavam frente ao golpe, fazia-se cada necessário um “pequeno motor que ajudaria a dar partida no grande motor das massas”51. Para isso, em contato amplo com círculos do Partido Ortodoxo e diversos outros, começa a organizar células de resistência ao golpe. A partir dessas células, seu grupo realiza treinamentos militares que chegam a preparar, clandestinamente, cerca de 1200 homens na própria universidade de Havana. O que era, inicialmente, uma mobilização anti-golpe, na busca de somar-se à resistência que se esperava por parte das organizações políticas cubanas, converte-se, dada a negativa de outros grupos, na mobilização que levaria adiante o assalto ao quartel Moncada e ao quartel Carlos Manuel de Céspedes, retomando a ideia de Antonio Guiteras. Como não era possível realizar uma insurreição na capital do país, dada a falta de armas e recursos, o plano de tomar quartéis possibilitaria a tomada de armas e a convocação 49. Huberman (1960), p. 24. 50. Huberman (1960), p. 22. 51. Blanco Castiñera (2012), vol II, p. 148.
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do povo para a realização de sublevações e greves em Santiago de Cuba (a segunda maior cidade do país). A ideia “era de começar por lá, e com alternativa de ocupar todas as armas e, se não pudéssemos derrocar Batista, marchar para a Sierra Maestra com 1500 ou 2000 homens armados”.52 Em 26 de Julho de 1953, um domingo de carnaval, quando seria possível que os revolucionários viajassem pela ilha disfarçados de turistas, a tentativa é levada adiante, mas fracassa. Dois dias antes, Raúl Gómez García (1928 - 1953)53, sob orientação de Fidel, redige o Manifesto do Moncada, que reafirma a inspiração martiana e independentista que objetivava “prosseguir a revolução inacabada”. Nesse entremeio, o Partido Socialista Popular teria sido bastante crítico à ação de Fidel, mas, também, duramente reprimido em função do acontecimento. Ainda que não houvesse qualquer vínculo entre os que estavam organizados sob a direção do partido comunista e a organização de Fidel, uma série de acusações foi lançada contra os comunistas. Havia claro objetivo de aumentar a repressão sobre os comunistas e, ao mesmo tempo, vinculá-los à Fidel. Contra a ação de Fidel, o PSP disparava: “O caminho escolhido por Fidel Castro e seus companheiros é falso. Nós, que apreciamos sua limpeza moral e que estamos convencidos de sua honra, temos que dizer que putch, que a ação armada desesperada e com categoria de aventura, não conduzem a outra coisa que não ao fracasso, ao desperdício de forças, à morte de seu objetivo. Temos que dizer isso e convencer 52. Blanco Castiñera (2012), vol II, p. 137. 53 . Raúl ficou conhecido como o poeta da “Geração do Centenário”, como foram denominados aqueles que assaltaram o quartel Moncada em 1953, ano em que Martí cumpriria 100 anos.
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a esses jovens e todos os jovens que pensam como eles que o caminho é da luta de massas e da ação das massas”.54 Aventura ou não, a ação, ainda que tenha resultado em uma derrota militar aos revoltosos, converte-se em uma vitória política, justamente por provar que era possível e necessário desafiar o governo pela via armada. Dentre os mártires do Moncada, somente 8 caíram em combate, já outros 80 foram assassinados após serem detidos, fato que causou revolta nas massas cubanas e intensificou o ódio ao regime. Ao contrário da análise do PSP, o objetivo não morrera, mas ficara mais vivo do que nunca. Preso na mesma localidade onde Martí havia sido preso na luta contra os espanhóis, a Isla de Piños, após o fracasso do ataque ao Moncada, Fidel converteria seu julgamento em julgamento do Estado cubano, através de seu discurso de defesa “A História me Absolverá”, que também enuncia o programa de caráter democrático da Revolução Cubana. Após ampla mobilização popular que conquistou sua anistia (e a tentativa de Batista de aparentar ser democrata), Fidel é solto e volta a organizar, a partir do México, o movimento pela tomada do poder. Seguia, dessa sorte, a tradição dos revolucionários que lutaram pela independência de Cuba da Espanha, que organizavam a partir do exterior suas atividades. Dessa vez, sob o nome de Movimento Revolucionário 26 de Julho (M-26-7), em referência à data martirizada. No ano de 1956, organizado e liderado pelo Movimento 26 de Julho, após treinamentos militares no país irmão onde Mella havia sido anteriormente assassinado, o Iate
54. “Carta Semanal nº 16, 20 de outubro de 1953” apud Darushenkov (1978), p. 85.
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Granma desembarca na costa oriental de Cuba, com 82 guerrilheiros, entre eles Camilo Cienfuegos55 e o então médico argentino Ernesto Guevara de la Serna, o “Che”. Estava dada a partida ao “motor grande” de que falava Fidel. A série de organizações que já atuava contra o governo de Batista passou a intensificar sua oposição e a coordenar mais suas atividades. Vê-se, por exemplo, em agosto de 1956, a assinatura da Carta do México, acordo entre a liderança do Movimento 26 de Julho e do Diretório Estudantil, organização que já realizava a luta armada. Nesse documento, lança-se o princípio de unidade entre as organizações no combate ao governo. Incutidos de espírito de sacrifício tão característico, em 13 de março de 1957, o Diretório Estudantil realiza um assalto ao Palácio Presidencial e à emissora Rádio Relógio, no qual é martirizado José Antonio Echeverría, aos 24 anos, então presidente da Federação Estudantil Universitária (FEU).
55. “A imagem do lendário Comandante Camilo Cienfuegos Gorriarán é bem conhecida
pelo povo cubano. Sua vida e sua obra se estudam nos textos escolares de História de Cuba. Neles, se insiste em sua condição de expedicionário do Granma, suas missões na vanguarda das primeiras forças do Exército Rebelde, o papel quando se converteu em um dos primeiros a combater nas planícies, suas tarefas na vitória estratégica contra a ofensiva inimiga no verão de 1958, no comando da Coluna Antonio Maceo na invasão do Ocidente e, sem dúvidas, as ações para tomar Yaguajay nos dias finais da guerra. O Comandante Ernesto Che Guevara, ao evocar a Camilo no quinto aniversário de seu desaparecimento, expressou: “O que a nós - que recordamos a Camilo como uma coisa, como um ser vivo - sempre nos atraiu mais, foi o que a todo o povo de Cuba atraiu, seu jeito de ser, seu caráter, sua alegria, sua franqueza, sua disposição a oferecer a vida a todos os momentos com uma naturalidade total, apesar dos maiores perigos, com uma humildade completa, sem o menor alarde de seu valor, de sua sabedoria, sempre sendo o companheiro de todos, apesar de que ao terminar a guerra já era, indiscutivelmente, o mais brilhante de todos os guerrilheiros.” Suaréz Pérez e Caner Román (2014). Camilo morreu, presumidamente, em um acidente aéreo, menos de um ano após o triunfo da Revolução Cubana. Em 28 de outubro, quando regressava da missão, na qual estava encarregado de prender traidores dentro do comando Exército Rebelde, seu avião deixou de ser captado pelos radares e não foi mais encontrado.
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Inevitavelmente, o assalto fracassa e o sangue daqueles jovens rega a continuação das lutas, mas demonstra que o terrorismo e o “tiranicídio” não alcançariam a derrubada de Batista.56 Para os comunistas, o contexto é bastante complexo: por um lado, mesmo na ilegalidade, o PSP fazia oposição à luta armada de Fidel, bem como sustentava infrutíferas “frentes cívicas” de oposição, pelo meio “democrático”, à ditadura; por outro, travava lutas no seio do movimento operário, na Central de Trabalhadores de Cuba (CTC), na organização de greves, como a de dezembro de 1955, que envolveu cerca de 400 mil trabalhadores do setor do açúcar, mas que se limitou a conquistas salariais.57 No plano internacional, em 1956, ocorre o famigerado XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética. Em relação a esse evento, apesar de aceitar muitos dos infundados ataques a Stalin por Nikita Khrushchev e coadunar com a oficialização da “transição pacífica” ao socialismo, é, paradoxalmente, nesse ano que o partido passa a apoiar a via armada pela primeira vez, ainda que oscilante. Desacreditando na possibilidade de levar até o fim as lutas, com receio de uma intervenção direta dos Estados Unidos, somente no final de 1957 o PSP toma sua decisão defini-
56. Tal concepção de luta por parte do Diretório Revolucionário era diversa da defendida pela liderança do 26 de Julho. Ainda que o movimento não fosse marxista, Fidel afirma: “Tínhamos duas ideias bem claras e de princípio marxista: revolução popular, não golpe de Estado; outra: revolução popular, não tiranicídio. Para mim estava claro, como revolucionário, com ideias precisas e diáfanas, que o problema da nossa nação era uma questão de sistema e não de pessoas, e que o sistema tinha que ser destruído. Jamais passou por nossa mente a ideia de atentar contra Batista, algo que poderia ser perfeitamente possível: interceptar com 50 homens a caravana do presidente e matá-lo, mas isso não era fazer uma Revolução”. Blanco Castiñera (2012), vol II, p. 148. 57. Sena (2013), p. 244.
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tiva de incorporar-se militarmente ao conflito. Muitos quadros do PSP passam a ocupar posições de distinção na luta e, posteriormente, na resistência ao cerco imperialista. São, também, destaque na consolidação do governo revolucionário.58 59 Enquanto isso, o Movimento 26 de Julho, com a inquebrável fé na luta armada, a partir da guerra de guerrilhas, dominaria a Sierra Maestra, principal cadeia de montanhas de Cuba, localizada na sua porção oriental, e se estenderia por todo o país, com a adesão de pequenos proprietários, camponeses, estudantes e trabalhadores. Nas cidades, o trabalho que já era estruturado desde os tempos do Moncada, seguia o caminho aberto por Frank País (1934 - 1957), membro da direção nacional do M-26-7, grande responsável pela obtenção de armas e mantimentos logo após o desembarque do Granma e organizador na cidade de Santiago de Cuba. Em abril de 1958, o M-26-7 convoca uma greve geral, com o objetivo de liquidar de uma vez o governo de Batista. No entanto, equívocos na convocação da greve geral, com a supervalorização de seu caráter secreto em detrimento de sua divulgação às massas, além da denúncia de seus líderes por espiões, impedem seu sucesso. Não são obtidos os resultados esperados: diversas lideranças operárias são assassinadas e parcela das massas não recebe o chamado do movimento. A conclusão a que se chegava era que a tomada do poder deveria ser levada pelas armas guerrilheiras até o fim.
58. Sena (2013), p. 247-248. 59 . Em 1961, após o triunfo revolucionário, o PSP é dissolvido e integrado às Organizações Revolucionárias Integradas (ORI), que em 1965 dariam origem ao Partido Comunista de Cuba.
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Pouco a pouco, recebendo apoio dos camponeses da região da Sierra Maestra, que eram os mais pobres e oprimidos do país, o Exército Rebelde, comandado pelo M-26-7, vai se fortalecendo. Travam e vencem duros combates com relevante inferioridade numérica, incorporam camponeses na luta, criam escolas e hospitais nas zonas liberadas, além de já iniciarem a realização da reforma agrária nas zonas libertadas. Tomam, um por um, diversos quartéis do exército de Batista, dos menores aos maiores. Ao final de 1958, as concepções políticas do movimento, propagadas por meio de uma rádio criada sob as montanhas, a Rádio Rebelde, somada à campanha militar que havia começado com um punhado de homens, recebem apoio das massas cubanas e avançam implacavelmente, do Oriente do país até a capital, Havana (no ocidente). Forjados nos aprendizados das derrotas parciais, em íntimo contato com o campesinato, em menos de 3 anos, os revolucionários tomam a capital, no primeiro de janeiro de 1959. O caminho da luta armada demonstrava sua justeza.
5. Revolução e Contrarrevolução “A revolução é como uma estaca, quanto mais é golpeada, mais se aprofunda” Raúl Castro
A queda de Batista, que fugira do país, longe de ser um triunfo total da Revolução, significou a passagem dos desafios a outro nível. A tarefa de reorganizar a economia, que já tinha sido iniciada de certa forma na Sierra Maestra, com medidas como as cobranças de impostos e as distribuições de terras libertadas, tinha de ser levada adiante nacionalmente. Além
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disso, se Batista havia fugido e os revolucionários haviam tomado a capital, instalando o novo governo, havia outros inimigos internos e, principalmente, externos - os Estados Unidos estavam à espreita. É necessário notar que, nesse contexto, Fidel, mesmo que rechaçasse as intervenções estrangeiras no país e tivesse como bandeira a concretização da independência de que falava Martí, evitava abordagens públicas mais radicais e abertas. O governo ianque, até 1959, apesar da assistência oferecida a Batista na guerra de combate aos guerrilheiros, não acreditava que o M-26-7 tivesse reais intenções de transformar a ilha de maneira radical. Contudo, é impossível esconder uma verdadeira Revolução. Isso porque o Movimento 26 de Julho era aglutinador das diversas forças do país opostas a Batista, mas não se restringia a tal. Era um movimento que foi enfatizando seu caráter democrático e de libertação nacional ao lutar contra a situação que colocava Batista no poder. Para ser verdadeiramente consequente com suas proposições, e com o campesinato que o seguia, o M-26-7 teve de lutar contra as classes dominantes locais e o imperialismo. Não enxergando isso, o imperialismo, sob a equivocada perspectiva que não compreendia a ampla mobilização e fusão do movimento com as massas, subestimou os revolucionários e acreditou que se tratava de mais um dos tantos golpes e alterações governamentais em Cuba, movidas por caudilhos ou jovens idealistas que poderiam ser facilmente neutralizados ou cooptados. Ocorre que os ianques não podiam estar mais errados. Não tardou para que o governo revolucionário fosse colocado à prova e, sem pestanejar, firmasse, em 17 de maio de 1959, a Primeira Lei da Reforma Agrária, que estabelecia o
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limite máximo para todas as propriedades não estatais de terra em 30 caballerías (400 hectares).60 Iniciava-se, assim, outra fase que permeia qualquer processo revolucionário: a luta resoluta pela manutenção do poder político frente às agressões de inimigos que têm seus interesses ameaçados pela construção revolucionária. Nessa batalha feroz, os revolucionários tomaram a dianteira, buscando minar os alicerces que sustentavam a reação, o imperialismo e as classes atrasadas. Em resposta à Primeira Lei da Reforma Agrária, ocorrem os primeiros levantamentos de latifundiários e, concomitantemente a isto, uma crise institucional. Na crise, o governo de ampla coalizão inicia um processo de afastamento daqueles elementos mais conservadores que, ainda que em certo momento tivessem apoiado a luta contra Batista, tornavam-se, progressivamente, obstáculo. É o caso do jurista Manuel Urrutia Lleó (1908-1981), presidente do país designado pelo M-26-7, que dificultava a aprovação da legislação e medidas de caráter popular. Em função da insustentável continuação da indecisão nas fileiras do governo, Fidel, que era primeiro-ministro, renúncia e, respaldando sua atitude, ampla mobilização popular exige a saída de Urrutia, o que ocorre em 17 de julho de 1959. É importante ressaltar que entre as organizações que atuaram pela tomada do poder havia inúmeras divergências, inclusive dentro delas. O M-26-7, por exemplo, contava com uma ala direitista, que Fidel buscou afastar do poder por meio das aproximações com o PSP. Para tais manobras, o Comandante contava com apoio irrestrito do Exército Rebelde, que
60. Informe ao Primeiro Congresso do Partido Comunista de Cuba, 1975, p. 10.
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agrupava os camponeses pobres da região da Sierra Maestra e que não temiam a radicalização da revolução. Nesse sentido, a mobilização das massas passa a outro estágio e, em outubro de 1959, ocorre a criação das Milícias Nacionais Revolucionárias, que teriam importante papel no combate ao banditismo, às tentativas de ascensão do latifúndio e na posterior defesa do país no ataque de Playa Girón (Baia dos Porcos). As Milícias Nacionais Revolucionárias eram uma força militar voluntária composta por civis, organizada nacional e localmente, subordinada às forças armadas regulares. Levavam adiante a ideia do povo em armas e a necessidade de ampla mobilização no combate aos inimigos. Em tal conjuntura, a ilha expande suas relações comerciais com os países socialistas e o então presidente dos Estados Unidos, Dwight D. Eisenhower (1890-1969), inicia secretamente o treinamento militar de cubanos exilados e passa a estimular grupos opositores internos. As hostilidades só começavam. Em março de 1960, explode, no porto de Havana, vítima de sabotagem pela CIA, o navio de origem francesa “La Coubre”, que desembarcava munições e granadas obtidas pelo governo revolucionário com o claro propósito de modernizar sua força defensiva. O atentado resulta em uma centena de mortos, desaparecidos e mais algumas centenas de feridos.61 Prosseguindo com os ataques, dessa vez no campo econômico, o governo estadunidense eleva os preços do petróleo a ser vendido aos cubanos, o que obriga a compra por intermédio de outros países. Nesse sentido, relatou o Comandante Che Guevara quando representava Cuba na Conferência de Punta del Este: “Todos sabem como respondeu a União 61. Guevara (1961);
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Soviética, mandando-nos, com um verdadeiro esforço, centenas de embarcações para transportar 3.600.000 toneladas anuais – o total de nossa importação de petróleo não refinado, e manter funcionando nossa vida interna, nossas fábricas, enfim, todo o aparelho industrial que é movido hoje a partir do petróleo”.62 Como se não bastasse, as refinarias estadunidenses na ilha se recusam a refinar petróleo de outras nacionalidades. Sem os derivados desse complexo de hidrocarbonetos, não haveria combustíveis, energia elétrica e uma série de outros elementos essenciais para o sustento e desenvolvimento da nação. Em julho de 1960, vem a resposta. Como forma de afirmação de sua soberania, os cubanos nacionalizam aquelas refinarias estrangeiras, que se negavam a refinar o petróleo, pertencentes à Shell, Texaco e ESSO. No mês seguinte, os Estados Unidos, até então os maiores compradores do açúcar cubano, se recusam a comprar a cota que lhes cabia, com claro objetivo de levar a economia cubana à falência. A perda dos ganhos provenientes da safra do açúcar que estava em andamento, como atividade central da economia, seria catastrófica. Ao contrário do que ocorreu com as refinarias, não seria possível nacionalizar os compradores. Nesse impasse, com o objetivo de quebrar a hegemonia estadunidense e auxiliar a Revolução nascente, a ajuda dos soviéticos vem novamente: “A URSS respondeu na forma que os senhores conhecem, outros países socialistas também assinaram contratos para que fossem vendidas em todo o campo socialista 4 milhões de toneladas, com um preço preferencial de quatro centavos, o que, naturalmente, salvou a 62. Guevara (1961).
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situação de Cuba, que é até hoje tão monoprodutora, desgraçadamente, como a maioria dos povos da América, e tão dependente de um só mercado, de um só produto – “neste momento”, como o são hoje os demais países irmãos”.63 Em agosto de 1960, o governo revolucionário passa à ofensiva e nacionaliza diversos monopólios, muitos dos quais estavam nas mãos de companhias estrangeiras, como as comunicações, energia elétrica e refinarias. Também, as melhores centrais açucareiras são nacionalizadas, cerca de um terço do total. Não mais os nomes na língua inglesa designariam as empresas que eram alimentadas com o suor dos cubanos. No passado, chamavam-se Cuban Telephone Company, Cuba
Electric Company, Texaco, ESSO, Shell, United Fruit Company... agora, voltariam às mãos de seus verdadeiros donos.64 As coisas não paravam por aí. A Organização dos Estados Americanos (OEA), braço pelo qual os Estados Unidos intensificam sua política neocolonial na América Latina, passa a hostilizar Cuba, com claro objetivo de afastar sua magnética influência frente aos povos e governos progressistas do continente. Neste quadro, surge pela OEA65, a Declaração de San José da Costa Rica, de agosto de 1960, à qual o governo revolucionário responde com a Primeira Declaração de Havana, mencionada nas primeiras linhas de toda nossa exposição. A 63. Guevara (1961). 64. Como temos afirmado, não é possível separar os interesses das multinacionais e a ingerência pelos governos imperialistas. A História está repleta de exemplos. Para ilustrar, vale lembrar que a mencionada United Fruit Company, dos irmãos Foster e Allen Dulles, um, Secretário de Estado, outro, Chefe da CIA, teve grande envolvimento no golpe de Estado que derrubou Juan Jacobo Árbenz Guzmán (1913-1971), na Guatemala, em 1954. 65. Sobre o pérfido papel da OEA, é destacável sua cumplicidade com o imperialismo, por exemplo, nos ataques em Playa Girón, em Cuba, em 1961; o desembarque de marines estadunidenses em Santo Domingo, em 1965; na Guerra das Malvinas, em 1982; e nos mencionados acontecimentos na Guatemala, em 1954.
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Primeira Declaração, entre outras coisas, denuncia a doutrina e ações imperialistas, o racismo, o latifúndio; declara apoio ao campo socialista, à China Popular e à União Soviética; e reafirma o espírito e direito dos povos do mundo à sua autodeterminação. No final de 1960 e início de 1961, tudo indicava que governo dos Estados Unidos preparava a invasão de Cuba: diversos países latino-americanos, sem qualquer razão, rompem as relações diplomáticas com a Iha; intensifica-se a atividade contrarrevolucionária em diversas províncias, sabotagens e atentados; e Eisenhower, que encerraria seu mandato de presidente, procurando envolver o país no conflito antes da posse de John F. Kennedy, rompe relações diplomáticas com Havana, em janeiro de 1961. “[...] no dia 13 de abril, o presidente Kennedy, mais uma vez, manifestava-se e afirmava categoricamente que não invadiria Cuba e que as forças armadas dos EUA não interfeririam nunca nos assuntos internos de Cuba. Dois dias depois, aviões desconhecidos bombardeavam nossos aeroportos e reduziam a cinzas a maior parte de nossa força aérea, ultrapassada, remanescente do que haviam deixado os batistianos em sua fuga”.66 Em 15 de abril de 1961, seis aviões B-26 vindos da Nicarágua, à serviço de Washington e disfarçados com bandeiras cubanas, atacam simultaneamente os principais postos de defesa aérea do pais. No dia seguinte ao ataque, no velório dos que caíram no combate aos aviões inimigos, Fidel, compreendendo a necessidade da ampla mobilização nacional para o confronto, convoca alerta nacional e realiza o discurso que define as pre-
66. Guevara (1961).
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tensões da revolução que estava ocorrendo na ilha como socialistas: “O que não podem perdoar os imperialistas é a dignidade, a integridade, o valor, a firmeza ideológica, o espírito de sacrifício e o espírito revolucionário. O que não nos perdoam os imperialistas é que tenhamos feito uma revolução socialista sob os narizes dos Estados Unidos… E que essa revolução socialista a defendemos com esses fuzis!”67 No dia 17 de abril, começa o desembarque de mercenários treinados a pedido de Eisenhower, em Playa Girón (Baia dos Porcos), na porção ocidental da Ilha. Os 1500 homens, com aviões e tanques, treinados pelos Estados Unidos, seriam enfrentados pelas tropas compostas majoritariamente por voluntários do povo, lideradas pessoalmente por Fidel. “No dia 19 de abril ocorre a fracassada invasão, na qual nosso povo inteiro, compacto em pé de guerra, demonstrou mais uma vez que há forças maiores que a força indiscriminada das armas, que há valores maiores que os valores do dinheiro, e se lançou em massa pelas estreitíssimas ruelas que levavam ao campo de batalha, sendo massacrados em seu caminho pela superioridade aérea inimiga. Nove pilotos cubanos foram os heróis de aquela jornada, com as velhas máquinas. Dois deles deram suas vidas; sete são testemunhas excepcionais do triunfo das armas da liberdade. Já chega de Playa Girón, para não falar mais nada sobre isto, porque a confissão dispensa outras provas, senhores delegados, o presidente Kennedy tomou para si a responsabilidade total da agressão. E, além disso, talvez nesse momento não tenha se lembrado das palavras que havia pronunciado poucos dias antes”.68
67. Castro (1961a). 68. Guevara (1961).
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Era a primeira grande derrota do imperialismo na América Latina, como os cubanos tem orgulho de afirmar. Em janeiro 1962, a OEA, demonstrando novamente a quem servia, com uma resolução contra seus próprios estatutos, expulsa o governo de Cuba da organização, para isolála no contexto latino-americano. As ações da OEA restringiam ainda mais as relações diplomáticas e comerciais com Cuba. O bloqueio69 sanguinário dava seus passos. A resposta à OEA vem em fevereiro do ano de 1962, com a mobilização de milhões de cubanos e a Segunda Declaração de Havana. O texto da Declaração denuncia a exploração do homem pelo homem, disseca e indica as agressões sofridas pelo país de Martí. Dentre outras coisas, o documento dispara: “A OEA foi desmascarada pelo que é: um ministério de colônias ianques, uma aliança militar, um aparato 69. O bloqueio econômico dos EUA contra Cuba, que teve seu início nos anos 60 e foi recrudescido mais ainda com a queda da URSS, resultou em graves consequências ao país. Sobre o Bloqueio, afirmou o Comandante Guevara: “Primeiramente, em 24 de janeiro 1962, o Departamento do Tesouro norte americano anunciou que se proibia a entrada nos Estados Unidos de qualquer produto elaborado, em todo ou em parte, com qualquer produto de origem cubana, ainda que fosse feito em qualquer outro país. [...] Em 6 de fevereiro de 1963, a Casa Branca emitiu um comunicado anunciando que as mercadorias compradas com dinheiro norte americano não seriam embarcadas em navios de bandeiras estrangeiras que tivessem mantido tráfico de mercadorias com Cuba após 1 de janeiro deste ano. [...] em 18 de julho de 1963, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos estabeleceu o congelamento de todos os bens cubanos em território norte americano e a proibição de toda transferência de dólares até ou desde Cuba, assim como qualquer outro tipo de transação de dólares efetuada através de terceiros países”. Cf. Guevara (1964), p. 251. Atualmente, o bloqueio persevera e foi incrementado por meio de legislações que violam o Direito Internacional: a Lei Torricelli (que proíbe navios mercantes de atracarem nos portos estadunidenses durante período não menor do que 180 dias se estes atracarem antes em portos cubanos) e a lei Helms-Burton (que impõe sanções a qualquer empresa, inclusive de outras nacionalidades que não estadunidense, que venham a comercializar com Cuba). Calcula-se que o país já tenha perdido mais de 1 trilhão de dólares por conta do bloqueio, conforme o Informe de Cuba à ONU sobre os impactos do bloqueio norte americano, de 2012. É sintomática, também, a hipocrisia inclusive nos nomes que se dão a essas leis que estrangulam a ilha: “Lei para a democracia cubana” (Torricelli) e “Ato de Liberdade Cubana e Solidariedade Democrática” (Helms-Burton).
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de repressão contra o movimento de libertação dos povos latino-americanos”, e conclui: “essa grande humanidade disse: ‘Basta!’, e começou a andar. E sua marcha de gigantes já não se deterá até conquistar a verdadeira independência, pela qual já morreram mais de uma vez inutilmente. Agora, todos os que morram, morrerão como os de Cuba, os de Playa Girón, morrerão por sua única, verdadeira, irrenunciável independência!”70 Por parte dos EUA, no campo militar, após o fracasso de Playa Girón, levou-se adiante a Operação Mangosta, coordenada pelos altos dirigentes da CIA, que em menos de 10 meses executou cerca de 5 mil sabotagens e atentados em Cuba. Além disso, o governo dos EUA alimentou a criação e sustento de frentes guerrilheiras contrarrevolucionárias, como as da região da Serra de Escambray, que foram derrotadas em 1965. Em meados de 1962, a possibilidade de conflito e invasão por parte dos Estados Unidos levou a que Cuba e a URSS elaborassem convênios militares de defesa do território cubano, com a previsão da instalação de armamento nuclear soviético na ilha. Desse acordo, derivou uma das maiores provas de heroísmo do povo cubano, porque, evidentemente contrariados, os ianques ameaçaram a invasão de Cuba, dessa vez com todo seu poderio nuclear. Em 22 de outubro, instala-se a Crise de Outubro (ou Crise dos Mísseis). Os Estados Unidos declaram bloqueio naval a Cuba e preparam todas as condições para a invasão, deixando claro que não tolerariam o exercício da soberania cu-
70. Segunda Declaração de Havana, Cuba, Havana, 4 de fevereiro de 1962.
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bana, fazendo que, no mundo, à beira de uma guerra de grandes proporções, as armas nucleares em todas as partes mirassem seus alvos. Em 27 de outubro, os cubanos abatem uma aeronave de reconhecimento U-2 ianque que invadia o espaço aéreo cubano, fazendo que a tensão chegasse ao seu ápice. Em 28 de outubro, os soviéticos acordam com os Estados Unidos a desmontagem de suas instalações que abrigariam armas nucleares na ilha, em troca da retirada de mísseis que se encontravam na Turquia, por parte dos norte-americanos. No entanto, isso ocorre de forma unilateral, passando por cima dos acordos com Cuba e sem consultar o país. O governo revolucionário cubano, dentro das possibilidades, protesta. O pacto das grandes potências não asseguraria ao povo cubano a não intervenção ianque. Somente o fim do bloqueio econômico, das atividades subversivas, dos boicotes, atentados, atividades piratas, das violações do espaço aéreo e naval, a retirada da base naval de Guantánamo e a devolução do território ao povo cubano, poderiam ser alguma garantia.71 Sem essas garantias e com a continuação das hostilidades, o governo revolucionário teve de seguir durante longo tempo com alto nível de mobilização civil e militar, com a finalidade de garantir que nenhuma invasão ocorresse, em uma espécie de luta prolongada em “tempos de paz”. Isso, inevitavelmente, acabou dificultando a realização de uma série de atividades no campo da organização econômica. Em 1963, vem a Segunda Lei da Reforma Agrária, pela qual são nacionalizadas todas as terras que tivessem mais de
71. O protesto do governo cubano está expresso no comunicado de 29 de outubro de 1962, os “Cinco pontos de Cuba”.
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5 caballerías (67 hectares), levando a que o setor estatal representasse, agora, 70% da agricultura. Isto, além do incremento produtivo, servia para evitar a proliferação de classe de camponeses ricos no campo, suscetíveis à reação.72 73 Quanto mais golpeada, mais se aprofunda a Revolução Cubana.
6. A nova sociedade e os desafios da construção revolucionária Qualquer edificação de uma sociedade verdadeiramente revolucionária altera o grau de desenvolvimento das forças produtivas, modifica as relações sociais de produção, eleva o nível de vida e de consciência das massas. As diversas formas como isso ocorre, os passos necessários para essas transformações e o “caminho correto” dependem das particularidades de cada país, das condições em que se encontra quando da tomada do poder. Lembremos: antes da Revolução, em Cuba, a economia era predominantemente rural, atrasada e não só uma parcela significativa das centrais açucareiras e de terras eram propriedade de companhias estadunidenses, como muitos elementos das classes dominantes locais tinham vínculo estreito com tais interesses. Soma-se o fato de que, apesar da ilha contar com empreendimentos capitalistas que se fortaleceram desde o início do século XX, não era esse o cenário de um capitalismo industrial desenvolvido. Longe disso, 59% dos assalariados estavam no campo74; 1,5% dos proprietários de terras controlavam a metade das terras do país; e, dos cerca de 2,6 milhões 72. Nova González (2015), p.115. 73. Em seu contexto, o texto da lei afirmava: “A existência dessa burguesia rural é incompatível com os interesses e os fins da Revolução Socialista”. Cf. Lei de Reforma Agrária de 3 de outubro de 1963. 74. Arias Guevara (2009), p. 6.
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de hectares que as empresas açucareiras possuíam, as melhores terras, nos pontos mais altos da produção, somente metade chegava a ser cultivada.75 Disso desprende-se o debate sobre o caráter da Revolução Cubana, isto é, que tipos de transformação ela teria que necessariamente levar adiante. Se as condições do país estavam longe de ser as de um capitalismo desenvolvido, será que não eram necessárias uma série de medidas transitórias, como mencionamos anteriormente, tão características das revoluções que ocorreram em países atrasados e dominados pelo imperialismo? Sobre o tema, o Partido Socialista Popular76, em seu programa de 1957, afirmava que Cuba era um país de “estrutura semicolonial e conformado por restos feudais”, o que exigia distinguir “o que é imediato e o que se há de alcançar depois”. Tal avaliação, no campo prático, se traduzia em um programa “para a etapa atual da Revolução, não o programa socialista de desenvolvimento futuro, mas o programa democrático, nacional libertador e agrário de desenvolvimento atual”, “até conseguir a plena independência nacional, a total libertação de nossa Pátria da opressão e exploração imperialista estrangeira e de todo o resto feudal e, posteriormente, conduzir Cuba até o socialismo”.77 Daí a importância da solução do problema da terra pela reforma agrária e aniquilação do latifúndio atrasado e seu vínculo com as condições materiais para a independência.
75. Jimenez (1982), p. 143-147. 76. O Partido Socialista Popular era o Partido no qual se agrupavam os comunistas vinculados ao campo socialista antes da fusão das organizações revolucionárias que daria origem ao Partido Comunista de Cuba. 77 . “Programa del Partido Socialista Popular”, editado em 1958, apud “El Partido Marxista-Leninista, Algunas cuestiones de la economia socialista” (1973), p. 133.
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Nesse sentido, inicialmente, em um contexto particular, o governo revolucionário não falava abertamente em socialismo, mas em libertação nacional e realização de tarefas democráticas, como as enunciadas em “A História me Absolverá”, como uma preparação ao que viria depois, que de fato veio. Entender que, em um contexto muito específico, os revolucionários cubanos não saíram em gritaria sobre suas pretensões socialistas, não significa abrir margem para esperanças em relação a certos governantes que existem atualmente, que acenam à “esquerda”, mas nada fazem de concreto a respeito da Revolução. A Revolução Cubana, desde o início, foi consequente com a necessidade da tomada do poder pelas armas, com ampla mobilização de todo o povo. Disso derivou o rompimento radical com aquele Estado e instituições servidoras daquelas classes dominantes.78 Se, por um lado, as transformações no campo mobilizaram as massas camponesas, como menciona Guevara, tratando também da indissociabilidade da luta contra resquícios feudais e a luta anti-imperialista79; por outro, liberam o de-
78. Sobre isso, afirmou Fidel certa vez: “Existem muitos pseudo democratas na América Latina. O que é preciso perguntar é quantas leis eles fizeram em favor dos trabalhadores, quantas leis fizeram em favor dos camponeses, onde está a reforma agrária e onde está a nacionalização do petróleo, onde está a nacionalização das minas, onde está a nacionalização das indústrias. Isso é o que tem que ser perguntado a eles. Porque a Revolução é uma expressão direta da vontade do povo, não uma eleição a cada 4 anos, uma eleição todos os dias, é constantemente dar ouvido às necessidades, é uma constante reunião com o povo; reuniões como estas que, somando todos os votos que conseguiam comprando, os partidos politiqueiros, nunca puderam somar tanto como o número de homens e mulheres que espontaneamente e de maneira entusiasmada vêm aqui no dia de hoje apoiar a Revolução”. Castro (1961b). 79. “Com a Reforma Agrária como bandeira, cuja execução começa na Sierra Maestra, chegam esses homens [os revolucionários] a enfrentar o imperialismo, sabem que a Reforma Agrária é a base sobre a qual vai se edificar a nova Cuba; sabem também que a Reforma Agrária dará terra a todos os despossuídos mas despossuirá aos injustos possuidores; e sabem que os maiores dos injustos possuidores são também influentes homens no Departamento de Estado ou no Governo dos Estados Unidos da América”. Cf.
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senvolvimento das forças produtivas, como afirma Fidel: “Refiro-me a 200 mil famílias que irão adquirir terras, sem contar as 150 mil que as possuíam na qualidade de parceiros, arrendatários ou precaristas, colonos e, enfim, distintas formas de posse que não implicavam a propriedade [...] Posso dizer de modo concreto que, quando a reforma agrária tiver sido realizada, um número aproximado de 2 milhões de pessoas aumentará consideravelmente sua renda e constituirá uma contribuição ao mercado doméstico, que servirá ao desenvolvimento industrial...”80 Como resultado da aplicação da Primeira Lei da Reforma Agrária, 67% de toda terra cubana foi passada ao Estado e aos camponeses81; latifúndios de cana-de-açúcar tornaram-se cooperativas; as terras virgens, usadas anteriormente pelo latifúndio ganadero (de gado), tornam-se granjas del pueblo, estatais.82 Cerca de 40% da terra foi inicialmente estatizada, algo muito significativo em um país que tinha grande parcela de trabalhadores no campo e em que apenas 9,4% de todos os proprietários possuíam cerca de 73% de toda terra cultivável.83 Já como fruto das nacionalizações, temos, em 1960, aproximadamente, o seguinte saldo: 85% da indústria, 80% do setor de construção, 92% do transporte e 50% do comércio a varejo, 100% do comércio em atacado e 100% do setor bancário estavam nas mãos do Estado.84 Apesar disso, ainda que a alteração na estrutura da propriedade contribuísse ao desenvolvimento da produção, o Guevara (2013), Vol. 1, p. 297-298. 80. Castro (1959). 81. Gutierrez (1981), p.125. 82. Nova Gonzalez (2013), p. 116. 83. Arias Guevara (2009), p. 11. 84. García Molina (2005), p. 23.
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país estava marcado por uma base material atrasada, por ziguezagues e modificações conjunturais das mais diversas. No período de reviravoltas e conflitos, exemplificados nos fatos apresentados na parte anterior de nossa exposição, fazia-se necessária a constituição de um aparato administrativo à altura das tarefas vislumbradas, o que começa a ter seus primeiros esboços, por exemplo, com a criação da Junta Central de Planificação, ainda em 1960. A Junta Central de Planificação seria o órgão responsável por iniciar a planificação econômica do país. A elevação do nível de vida das massas que já tinha começado nas primeiras medidas do governo revolucionário, em 1959, como na queda dos preços dos produtos básicos, das tarifas dos serviços públicos e na redução à metade dos aluguéis, se acentua com a Primeira Lei da Reforma Agrária e prossegue. As transformações são diversas. O desemprego cai vertiginosamente; no campo, até então esquecido, se constroem escolas e hospitais, criam-se cooperativas, que deveriam transitar à estatização mediante o oferecimento de diversos tipos de vantagens técnicas e financeiras pelo Estado; de 1959 a 1963, a média anual do crescimento material bruto é de 3,6%; em relação ao ano de 1958, em 1963, o número de leitos nos hospitais quase dobra, no período constroem-se 85 mil moradias, cerca de 6 mil escolas, cresce em 80% o número de matrículas escolares, duplica-se o número de creches, entre outras coisas.85 Os trabalhadores cubanos passam, cada vez mais, a usufruir do fruto de seu trabalho. Já com o rompimento das relações por parte dos Estados Unidos, em 1961, as tarefas do desenvolvimento que se 85. Torres R. (1981), p.294.
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dão no campo da industrialização são dificultadas. O plano de substituir as importações ocorre com avanços e recuos, já que era necessário obter máquinas e materiais para a indústria pesada e substituir parcela da produção de cana por gêneros alimentícios de primeira necessidade. Não se tratava de uma tarefa trivial. Depois de séculos de colonização, a economia encontrava-se super desenvolvida no setor açucareiro e atrofiada em todos os outros setores, de tal maneira que uma mudança tão radical, de forma repentina, não era possível. Isso ficaria demonstrado no fato de que as primeiras tentativas de mero abandono da atividade açucareira e sua substituição por outras não terem sido muito frutíferas. Era justamente no setor do açúcar, quase que amaldiçoado, que a economia cubana obtinha os melhores índices de produtividade e, paradoxalmente, era com os recursos obtidos a partir dessa atividade que se criariam mais rapidamente as condições para o financiamento da industrialização. Nessa difícil circunstância, optou-se por apostar na produtividade da produção açucareira e, em consequência do bloqueio imposto pelos Estados Unidos e dos favoráveis preços oferecidos, incrementar o comércio com os soviéticos. A produção agrícola teria que promover os recursos da industrialização. Além disso, em 1961 e 1962, cerca de 357 milhões de dólares são fornecidos em forma de crédito pelos soviéticos com a finalidade do desenvolvimento industrial, compra de máquinas, estaleiros, equipamentos, insumos industriais. 86 Em 1963, firma-se o acordo pelo qual Cuba passa a vender seu açúcar à URSS a preços estáveis, acima dos valores do mercado capitalista, com pagamento feito majoritariamente 86. Herrera (2005), p. 7-8.
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na forma de mercadorias, em detrimento de dinheiro - como é convencional no intercâmbio socialista.87 Os soviéticos também enviam cientistas, técnicos e até jovens voluntários do então Komsomol, a juventude do Partido Comunista da URSS, para colaborar nas colheitas. Milhares de cubanos também vão estudar na URSS e em outros países do campo socialista. Com a realização de transformações como a Segunda Lei da Reforma Agrária e com a visão de que a produção açucareira deveria tornar-se a principal atividade no campo econômico, toda a nação se mobiliza nesse sentido. Não por acaso, o ano de 1965 é escolhido como o “Ano da Agricultura”. Nesse contexto, protagonizado por Ernesto ‘Che’ Guevara, no comando do Ministério da Indústria, torna-se efervescente o debate acerca de qual seria melhor método para organizar a economia socialista.88 Em 1970, com o objetivo de reduzir o déficit comercial, assume-se a audaciosa meta de produzir uma safra de 10 milhões de toneladas de cana, que, apesar de todo o esforço, contando com cerca de 400 mil trabalhadores nos canaviais e jornadas de trabalhos voluntários intensos, não é alcançada. Ao final, a colheita chega aos 8,5 milhões de toneladas marca histórica não mais superada. 87. O comércio cubano, nessa época, também vai além da URSS, havendo interação significativa com a China, com quem Cuba, em 1964, estreita seus laços, aceitando um convênio comercial para 1965/1970. Além de empréstimo a juros zero, o país forneceria arroz, soja, azeite, carne em conserva, papel, tecidos, máquinas, produtos químicos, em troca de açúcar cru, sinter de níquel, concentrados de cobre, entre outros produtos. A China, no entanto, não tinha as condições de fornecer tanto auxílio à industrialização cubana, dada a necessidade de sua própria industrialização e suas próprias dificuldades internas. 88. Sobre o tema, ainda que não seja objeto de nossa explanação, vale notar que Guevara reivindica uma forma de planificação econômica distinta a dos soviéticos, que prioriza o estímulo moral aos trabalhadores - com ênfase no trabalho voluntário - em oposição ao estímulo material, mais identificado, por ele, como resquício do capitalismo. Para as concepções de Guevara, ver suas obras: “El socialismo y el hombre en Cuba”, “Sobre el sistema presupuestario de financiamento” e “Apuntes críticos a la Economía Política”.
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Entre os fatores principais que explicam o não cumprimento da meta, estiveram a migração do campo à cidade, do “oriente” para o “ocidente”, da maioria das cidades e vilarejos onde a atividade econômica predominante é a agricultura para a “cidade grande”, para Havana, capital e portuária, onde se concentrou o desenvolvimento industrial (é interessante observar que, ainda hoje, em diferente escala, ocorre essa migração). Tal migração causou a falta de mão-de-obra no campo, o trabalho era depreciado e considerado pesado, sob o escaldante sol caribenho. As tentativas de compensação para esse fenômeno foram as campanhas que promoviam o trabalho voluntário. Apesar disso, os resultados da aposta na agricultura implicaram em problemas na industrialização. Ademais, sobre a meta de industrializar o país a partir dos recursos do açúcar, deve-se considerar que também havia uma parcela da produção vendida ao mercado capitalista, no qual os preços variavam constantemente. De 1964 a 1968, por exemplo, os preços do açúcar foram reduzidos a cerca de um quarto de seu valor.89 Mesmo com as dificuldades, Cuba foi capaz de reduzir seu déficit e manteve uma taxa de crescimento anual média do produto material bruto de 5,3% (de 1963 a 1970, a preços constantes) e um crescimento do Produto Social Global
89. Comité Estatal de Estadística e lnternational Sugar Organization, Sugar Year Book y Statistical Bulletín apud Torres R. (1981), p.294.
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(PSG)90, nesse período, de 51,8%, com uma taxa média anual de 6,1%.91 Do ano 1970 a 1972, acontecem várias reestruturações no sistema bancário e contábil; é instituído um novo sistema de preços, de orçamento estatal; são criados novos organismos estatais e também é elaborada nova metodologia para a planificação, assim como um novo sistema de direção e planificação da economia, baseado no autofinanciamento e em alguns mecanismos de mercado, de modo a integrar, em 1972, o Conselho de Ajuda Mútua Econômica (CAME).92 Cuba aproxima-se mais e mais da União Soviética. À parte disso, assim como ocorre com o aparato do Estado, é nesse período que se consolidam as estruturas fundamentais do Partido e seu vínculo com as massas, através da série de organizações que, cada vez mais, passaram a estar presentes em todos os aspectos da vida dos cubanos, desde quando são “pioneiros”, como são chamadas as crianças no início da idade escolar, até quando já são veteranos. O Partido Comunista é, como visto, fundado em 1965 e sucessor das Organizações Revolucionárias Integradas
90 O PSG e o Produto Material Bruto são indicadores econômicos tradicionalmente utilizados por países socialistas, que dão preferência ao setor produtivo denotando os valores gerados na produção de bens materiais. O PSG inclui também os chamados “serviços materiais”, como transporte, comércio e comunicações diretamente envolvidos com a produção de bens materiais. Nenhum dos indicadores inclui “serviços não materiais” como educação e atendimentos de saúde. 91 Torres R. (1981), p.294. 92. O CAME foi criado no pós Segunda Guerra Mundial, em 1949, com objetivo principal voltado ao favorecimento do desenvolvimento das forças produtivas nos países socialistas. Tratava-se de um órgão encabeçado pela URSS voltado a cooperação econômica entre os países que dele se tornassem membros. A partir dos anos 60, o CAME assume a tendência de integrar as economias dos países sob uma divisão internacional do trabalho socialista. Sobre isso trataremos mais na próxima seção.
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(ORI).93 Também o é do Partido Unido da Revolução Socialista Cubana (PURSC)94, e passa a liderar diversas organizações. Vale a pena tratarmos de algumas delas e fazer alguns apontamentos sobre a estrutura do Estado cubano na atualidade. Sucessora da Associação de Jovens Rebeldes (AJR), a União de Jovens Comunistas (UJC), que foi fundada em 4 de abril de 1962, é a organização da juventude do Partido Comunista e conta, atualmente, com mais de 500 mil membros.95 Seu objetivo é a defesa do socialismo e da Revolução, além de lutar contra o imperialismo na condição de vanguarda da juventude cubana. A Associação Nacional dos Pequenos Agricultores é uma organização que agrega as massas de pequenos agricultores, conta hoje com aproximadamente 331.874 membros96, prezando pelo desenvolvimento no campo e pelo cumprimento do programa agrário da Revolução. Sua fundação ocorreu em 17 de maio de 1961, já depois da instituição da Primeira Lei da Reforma Agrária em 1959. Aglutinadora dos trabalhadores sindicalizados em toda Cuba e herdeira da tradição de luta sindical, a Central dos Trabalhadores de Cuba (CTC) surgiu antes do triunfo revolucionário, em 1939, sob o nome de Confederação dos Trabalhadores de Cuba. Atualmente, aglutina 18 sindicatos nacionais e conta com aproximadamente 2.998.634 membros.97
93. Essa organização advém da fusão entre o PSP, o M-26-7 e o Diretório Revolucionário, logo após a tomada do poder. 94. O PURSC sucede às ORI e é antecessor do Partido Comunista de Cuba. 95. Cf. os dados divulgados pelo Partido Comunista de Cuba sobre a UJC em sua Página Oficial (Ver bibliografia). 96. Cf. os dados divulgados pelo Partido Comunista de Cuba sobre a ANAP em sua Página Oficial (Ver bibliografia). 97. Cf. os dados divulgados pelo Partido Comunista de Cuba sobre a CTC em sua Página Oficial (Ver bibliografia).
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Fundada pelo importante revolucionário Julio Antonio Mella, em 20 de dezembro de 1922, a Federação de Estudantes Universitários (FEU) teve um papel muito importante na preparação histórica da Revolução cubana e na própria Revolução. Hoje, conta com mais de 85 mil membros.98 Por sua vez, a Federação de Estudantes do Ensino Médio (FEEM), que conta hoje com 300.000 filiado99, foi criada em 6 de dezembro de 1970, como parte de uma política de reorganização do Movimento Estudantil no ensino médio. Além de seu papel diretamente político, destaca-se também o fomento ao estudo e ao desempenho escolar. Há também a Federação de Mulheres Cubanas, que surgiu em agosto de 1960, como fruto de um processo de fusão de diversas organizações de mulheres. Com o objetivo de alcançar a igualdade da mulher frente ao homem em todos os níveis da sociedade, a organização tem cerca de 3.600.000 de mulheres integrantes.100 A União de Escritores e Artistas de Cuba foi fundada em 22 de agosto de 1961 pelo poeta Nicolás Guillén e agrega todo o tipo de artistas e críticos. Tem entre seus objetivos a defesa da Revolução cubana e o estímulo à produção intelectual e artística e à cultura popular. E, por fim, há os Comitês de Defesa da Revolução, que, como dissera Fidel Castro, são “um sistema de vigilância revolucionária coletiva” contra a ofensiva militar e terrorista dos Estados Unidos. Foram criados em 1960 e tem o objetivo de conter a ofensiva contrarrevolucionária. Além disso, por se 98. Cf. os dados divulgados pelo Partido Comunista de Cuba sobre a FEU em sua Página Oficial (Ver bibliografia). 99. Cf. os dados divulgados pelo Partido Comunista de Cuba sobre a FEEM em sua Página Oficial (Ver bibliografia). 100. Cf. os dados divulgados pelo Partido Comunista de Cuba sobre a FMC em sua Página Oficial (Ver bibliografia).
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organizarem por circunscrições (quarteirões nas cidades e certa extensão de terra no campo), os CDR assumem significante papel na organização dos próprios assuntos cotidianos nessas localidades. Atualmente, contam com cerca de 7.600.000 de membros.101 Essas organizações são conhecidas como “organizações de massas” e possuem estruturas similares entre si. Partindo, no geral, do nível municipal ao provincial e nacional, com suas próprias assembleias e congressos internos, atuam em conjunto para levar a cabo a linha do Partido. Da mesma forma, servem como órgãos consultivos para a elaboração das políticas públicas atinentes aos distintos setores que agrupam. Uma lei que atinja as mulheres certamente será avaliada pela FMC; da mesma forma, quando se trata dos interesses dos trabalhadores como um todo, os trabalhadores da CTC são consultados por meio de amplas assembleias em todo o país, geralmente nos seus locais de trabalho. No geral, essas organizações possuem autonomia para propor seus próprios projetos de lei, enquanto os CDRs, além de seu papel de defesa da revolução, são a base do sistema eleitoral cubano, que funciona a partir de delegados eleitos pelas comunidades e pelas assembleias municipais e provinciais.102
101. Cf. os dados divulgados pelo Partido Comunista de Cuba sobre os CDRs em sua Página Oficial (Ver bibliografia). 102. Torna-se impossível não recordar o que Marx, Engels e Lênin escreveram a respeito do Estado quando se observa Cuba. No geral, todos as funções públicas são eletivas e amovíveis, inclusive os juízes, que são eleitos pelas Assembleias do Poder Popular e, em alguns casos, com intermédio dos movimentos de massas, quando se trata de juízes leigos. As decisões judiciais se dão de forma colegiada. Da mesma forma, as Assembleias do Poder Popular são legislativas e executivas ao mesmo tempo, as funções públicas se realizam pelo salário médio de um trabalhador do Estado. A intensa participação política dos cubanos, desde quando são pequenos - por exemplo, com os congressos de pioneiros -, guiados pelo Partido, mostra a preocupação na busca pela construção de um verdadeiro Estado democrático e popular socialista.
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7. A dependência da URSS O estreitamento das relações econômicas com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, iniciado nos anos sessenta pelo fornecimento de petróleo e pela compra da quota açucareira cubana pelos soviéticos, acentua-se com o passar do tempo culminando na integração da ilha ao CAME, em 1972. Nesse período, além da integração, Cuba passa por uma série de transformações de caráter tanto político-institucionais quanto econômicos. 1970-1980 Em 1975, ocorre o 1º Congresso do Partido Comunista de Cuba e, em 1976, com participação de 98% dos eleitores e aprovação de 97,7%, a promulgação da Constituição.103 Em ambos os eventos é possível notar as preocupações dos cubanos com seu futuro, sua identidade, a organização de seu Estado e do órgão dirigente da sociedade, o Partido Comunista. No campo econômico, a Plataforma Programática do 1º Congresso do Partido merece atenção: “Culminando uma primeira fase de impulso inicial, no qual o centro das atividades e a orientação dos investimentos estiveram dirigidas fundamentalmente ao setor agropecuário, ao mesmo tempo que se trabalhava na criação de uma infraestrutura necessária em obras hidráulicas, rodovias e outras construções com o propósito de criar a base e as condições para levar a cabo o processo de industrialização, a tarefa central dos planos de desenvolvimento e fomento da economia nacional a
103. O projeto de constituição havia sido discutido por mais de 6 milhões de pessoas em 1975, levando a modificações em 60 artigos. Cf “Nota extraordinária Nº 3” de Gaceta Oficial de La república de Cuba, Ministério de La Justicia, Havana, 31 de janeiro de 2003.
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partir do próximo quinquênio 1976-1980, será a industrialização do país”.104 Não só era imperativo falar da industrialização, mas também era preciso deixar claro que a ilha estava sob a bandeira do marxismo-leninismo e de toda a tradição de lutas anti-imperialistas do povo cubano, como grava o art. 5° da constituição cubana: “O Partido Comunista de Cuba, martiano e marxista-leninista, vanguarda organizada da nação cubana, é a força dirigente superior da sociedade e do Estado, que organiza e orienta os esforços comuns até os altos fins da construção do socialismo e ao avanço até a sociedade comunista”.105 Já no campo da estruturação do Estado, cria-se o Comitê Estatal das Finanças, que, além de sua função fiscalizadora, do cumprimento por pessoas jurídicas e físicas de suas obrigações em relação ao orçamento do Estado, passa a legislar sobre a metodologia das auditorias, exercendo maior controle econômico e financeiro.106 Além disso, implanta-se o Sistema de Direção e Planificação da Economia (SDPE), que descentraliza decisões, apostando na responsabilização dos diretores das empresas em muitos casos.107 Além das mudanças administrativas e normativas, no campo econômico propriamente dito, é possível notar que Cuba, nos anos 70, apesar de produzir significativamente em 104 . Grifo nosso. I Congreso del PCC: Tesis y Resoluciones Sobre la Plataforma Programática del Partido. 1975, p. 41. 105. Constituição de Cuba de 1976 (Ver bibliografia). 106. Cf. Controladoria Geral da República de Cuba sobre o Comitê Estatal de Finanças em sua Página Oficial (Ver bibliografia). 107. Na contracorrente de sua tendência geral de descentralização, o SPDE centraliza 14 empresas de armazenamento de grãos, bem como empresas de comercialização, como os frigoríficos, que passam a ser subordinadas diretamente ao então MINCIN, o Ministério de Comércio Interior. Cf. Nova Gonzalez (2013), p. 30;
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outros setores, continua, como visto, com as atenções centradas na produção de açúcar. Isso porque há a especialização estabelecida, por meio do CAME, daquilo que se chamaria de “divisão socialista internacional do trabalho”, que determinava que cada país deveria ser mais ou menos especializado em um setor ou produto conforme sua produtividade.108 Nesse sentido, o CAME declarava que buscava manter a economia do bloco integrada, de modo a fazer com que as relações econômicas entre os países socialistas deixassem de ser apenas bilaterais e se tornassem multilaterais, organizando e planificando-as como em uma só totalidade109. Assim, sabendo dessa especialização, vemos, no caso cubano, que é de extrema importância a avaliação das safras da cana para a compreensão de como esse elemento influência nas possibilidades da realização da meta proclamada no programa do Partido e do desenvolvimento da produção.110 Nas safras de 1974 e de 1975, que são, respectivamente, de 5,9 e de 6,3 milhões de toneladas, a ilha obtém muitos recursos, devido aos altos preços do açúcar nesses anos. Dessa forma, a flutuação positiva dos preços acaba por favorecer não só um grande crescimento econômico de 1970 à 1975, cujo aumento do Produto Social Global é de 52,5%, em uma taxa média de crescimento anual da 8,8%, como também o aumento dos níveis de vida da população.111 Assim, por um lado, setores como o da construção crescem, incrementando a infra-estrutura da ilha; por outro, 108. Torres R. (1981) p. 294. 109. Partido Marxista-Leninista (1973), p.252-253. 110. Dentro dessa especialização, pode-se objetar como negativa a dependência pela qual os países nela inseridos, em alguma medida, acabavam submetidos. Tais limitações devidas à integração no CAME ficaram evidenciadas ao ocorrer a derrocada do campo socialista, quando Cuba, por não produzir os insumos que antes recebia, necessários à sua produção, entra em grave crise. 111. Gutierrez (1981), p. 139.
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a população passa a ter maior acesso a bens de consumo supérfluos (cigarros, bebidas e certo luxo), superando parcela de certos racionamentos instituídos em 1961. Contudo, por tratar-se de uma oscilação, nas safras posteriores a 1975, as coisas são distintas. A queda dos preços também tem seus efeitos. Depois do grande impulso com a alta no preço do açúcar em 1974-1975, estes sofrem queda vertiginosa, o que não só afeta o desenvolvimento das forças produtivas em geral, como prejudica as exportações cubanas para o mercado capitalista, tornando mais difícil a realização do planificado na plataforma apresentada pelo Partido para o período 1976-1980. Isso porque, mesmo que, aparentemente, por tratar-se de um país socialista, a importância das exportações voltadas ao mercado capitalista não fosse tão grande, no caso de Cuba, tal mercado assumia um caráter peculiar. O país contava com esse tipo de exportação para obter moedas conversíveis, com as quais poderia comprar mercadorias fornecidas por países capitalistas, como certas matérias-primas e equipamentos importantes para a sua industrialização, que eram inexistentes ou difíceis de obter na URSS.112 113 Ainda nesse sentido, se não conseguia obter certos equipamentos e insumos da União Soviética, a ilha também não podia contar com ela para obter diretamente as divisas para comprar no mercado capitalista, pois os soviéticos, em grande parte, apenas permutavam o açúcar cubano por outras mercadorias. Daí que a desaceleração do crescimento que era em parte resultado da queda dos preços do açúcar retroalimen-
112. Zanetti Lecuona (2009), p. 210. 113. Valdés (1983), p. 91.
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tava outra tendência, a da limitação da capacidade de importação. Limitada a importação, havia maior diminuição no ritmo do crescimento da produção. Como se vê, nessa marcha contraditória, por mais que a ilha tivesse sua garantia com o CAME e a URSS, sua economia dependia do açúcar e, pelo menos em parte, a industrialização ficava à mercê do mercado capitalista. Dependia não só dos ciclos de preços do açúcar, que é uma commodity de preço extremamente instável, mas também tinha seu desenvolvimento mais ou menos circunscrito por sua dependência a outro país. Essa dependência, entretanto, ao contrário do que acontecia nos tempos de semicolônia, acabava por não se traduzir em miséria ou grandes privações ao povo cubano. Ainda que a instabilidade dos preços ocasionasse diversos prejuízos, seus efeitos negativos, tanto na vida da população como na garantia imediata do poder revolucionário, eram mitigados. Estamos falando de uma desaceleração do crescimento, mas nada comparável às recessões comuns aos países capitalistas. Esse relativo conforto ocorria justamente porque era possível contar com o auxílio externo vindo da URSS, que era aparentemente seguro a longo prazo. Nesse sentido caminhava a própria perspectiva da industrialização. Ao contrário do que ocorreu, por exemplo, na Revolução Russa, a industrialização completa e o alcance da autossuficiência produtiva não se apresentavam como uma questão de vida ou morte para a Revolução Cubana, pois, ainda que cercada, tinha a quem recorrer. Em resultado, a industrialização não exigia tantos sacrifícios imediatos do povo, tampouco era tão arriscada.114 114. É necessário lembrar que a possibilidade de contar com o garantido mercado do CAME e o auxílio exterior, de forma ascendente de 1963 até 1975, é um recurso com o qual a própria URSS não contou ao realizar sua Revolução, o que exigiu muito mais
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No entanto, em Cuba, tal apoio, somado a outros fatores, levou a superestimação da intensidade possível de avanço da sociedade. Fidel, ao ser perguntado em relação a quais erros ele não repetiria, referentes ao campo econômico, respondeu: “Acredito que em dado momento fomos excessivamente ambiciosos e quisemos pular etapas. Quisemos pular etapas da construção do socialismo e aspirávamos, como disse Marx, referindo-se à Comuna de Paris, a conquistar o céu por assalto. Queríamos quase que construir imediatamente uma sociedade comunista, quando faltava um desenvolvimento das forças produtivas para a construção da sociedade comunista, faltava uma fase em que você tinha que aplicar os princípios da distribuição socialista, já estabelecidos por Marx. Ele propunha que no socialismo cada qual devia contribuir conforme sua capacidade e receber conforme seu trabalho, isto é, conforme a quantidade e a qualidade do trabalho. Nós passamos por cima um pouco dessa etapa. Acredito que, começando novamente, dispensaríamos esses erros”.115 Todo esse contexto fez que essa importantíssima tarefa do desenvolvimento socialista fosse enxergada de forma
sacrifício e acarretou em muito mais riscos para edificação da nova sociedade iniciada pela Revolução de Outubro. Após a Revolução de Outubro e uma sangrenta guerra civil, seguida de más colheitas, a nascente república socialista tratou de industrializar-se, possibilitando as bases materiais para seu desenvolvimento; teve que pagar custosos salários para mão-de-obra especializada estrangeira, admitir a pequena produção mercantil, o pequeno comercio e o pequeno-burguês em vastas áreas atrasadas pela Rússia, ocorrendo o mesmo nas demais repúblicas socialistas soviéticas. O nascente Estado ainda não possuía os meios de suprir todas as necessidades materiais da sociedade e, apesar de ter os meios de produção estratégicos e a indústria de base em suas mãos, não contava com, nem imaginava, qualquer apoio externo Cf. “História do Partido Comunista (Bolchevique) da URSS”. (1990). Diferentemente de Cuba, que, nesse momento, não precisou passar por esse crucial período de transição sozinha, a URSS não poderia acelerar essa etapa de seu desenvolvimento industrial sem a necessidade de haver certa burguesia. 115. Miná (1988), p..178-179.
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distinta, com menor grau de urgência frente a outras prioridades, como a elevação dos níveis de vida da população, sendo realizada gradualmente e em uma perspectiva bem determinada de integração ao mundo socialista. Assim, mesmo constando como bandeira nas plataformas do Partido, a industrialização, pela situação menos emergencial, era levada adiante em proporções mais restritas do que ocorrera em outros países socialistas. Como vimos, depois de um período de alta dos preços do açúcar, temos uma desaceleração no crescimento da economia de 1976 a 1979. A média, neste período, do crescimento do Produto Material é de 4,3%116, menor do que a média dos 4 anos anteriores, que fora de 10,7% (observa-se, também, uma diminuição do crescimento do PIB de 1,9% entre os dois períodos).117 Mas não apenas a queda dos preços do açúcar e a diminuição na capacidade de importação ocasionam essa diminuição no ritmo de desenvolvimento das forças produtivas. Devemos estar atentos também a outros fatores que dão contornos mais dramáticos aos acontecimentos. Estima-se que as secas da época prejudicaram 25% da produção de cana118. Além disso, não são menos importantes outros eventos de caráter meteorológico, como o Furacão Frederico, em 1979, que causou inúmeros prejuízos para a infraestrutura cubana, inclusive ao inundar o aeroporto José Martí - principal aeroporto de Havana - e impossibilitar o tráfego aéreo por mais de uma semana. Somam-se as diversas pragas: a doença da “ferrugem”, que afetou as plantações de cana, a peste suína africana, em 1978, a doença do “moho 116. Torres R. (1981), p. 294. 117. Herrera (2005), p. 10. 118. Rodriguez (1981), p. 144.
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azul” (mofo azul), que destruiu, em 1979, 95% do cultivo de tabaco, causando prejuízo de cerca de 343 milhões de pesos cubanos.119 Ainda assim, foi possível, ainda que menor que nos períodos anteriores, um significativo crescimento anual do PIB, de 5,5%, com um investimento pesado no setor açucareiro, de 300 milhões de pesos de 1975 a 1979, cifra que seria duplicada na década seguinte.120 A respeito desse tema, Fidel denunciara, em distintas ocasiões, uma série de atentados biológicos realizados contra o país por agentes norte-americanos e contrarrevolucionários, de forma confessa, em muitos casos. Os atentados ocorriam não somente contra plantações e rebanhos, mas contra a própria população, com difusões de doenças como a dengue hemorrágica ou a conjuntivite hemorrágica. Consta em um informe apresentado por Fidel no V Congresso do Partido: “‘Verificou-se, da mesma forma, que no mês de setembro do mesmo 1981 havia ocorrido um processo de vacinação na Base Naval de Guantánamo, o que propiciou que na mesma não ocorresse nenhum caso durante a epidemia de dengue hemorrágica’. Ali não ocorreu nada, ocorreu em toda a Cuba, centenas de milhares de casos. ‘O boletim norte-americano Cover Action, na edição de 6 de agosto de 1982, afirma que a epidemia de dengue que afetou Cuba em 1981 [...] pode ter sido uma operação secreta da CIA.’, ‘Em 1984, ocorreu um julgamento nos Estados Unidos do contrarrevolucionário de origem cubana Eduardo Arocena, cabeça da organização terrorista ‘Ômega 7’, acusado e declarado culpado pelo assassinato do diplomata cubano na ONU Félix García Rodríguez. 119. Carlos Batista, “El bloqueo y las compensaciones en las relaciones entre Cuba y Estados Unidos” (1989) apud verbete “Moho Azul” na Enciclopédia Virtual Cubana EcuRED. 120. Zanetti Lecuona (2009), p. 235.
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Arocena confessou ter introduzido em Cuba ‘gérmens’ como parte da guerra biológica que os Estados Unidos desenvolvem contra Cuba. Afirmou que a doença dengue hemorrágica, que causou 158 mortes em 1981, incluindo crianças, foi introduzida na ilha pelo governo de Washington através de grupos terroristas’, ‘nesse mesmo ano de 1981. Conjuntivite hemorrágica: Causada pela cepa Enterovirus 70, que alcançou uma grande disseminação e não existia no país até a data. Como indica o testemunho da Oficina Sanitária Panamericana, trata-se de uma epidemia que nunca havia estado presente neste hemisfério, e isso ocorre quando não haviam transcorrido 4 meses desde que, de forma igualmente estranha, apareceu a dengue hemorrágica’”;121 Como é possível ver, os atentados não se resumiram à década de 70, ocorrendo durante décadas. Além da cana, do tabaco, rebanhos e pessoas, os atentados biológicos também afetavam as aves, os bananais, a produção de mel, até hoje importante artigo de exportação do país, frutas cítricas, coelhos, entre outros. Aquele que visitar o museu da Revolução, em Havana, poderá ver uma seção inteira destinada a esses atentados, promovidos por aqueles que tanto clamam pelo combate ao terrorismo. Apesar dos reveses, nas circunstâncias indicadas, a Revolução e o socialismo já tinham feito muito no país. Em comparação ao ano de 1958, em 1978, são maiores: o investimento em saúde pública, em 12 vezes; o investimento em educação, em 11 vezes; o salário dos trabalhadores agrícolas, em 3 vezes; o salário médio, em 1,9 vezes; o investimento em construções, em 6 vezes; a geração de energia, em 3,2 vezes; a produção de açúcar, em 3,2 vezes; a produção de cimento, 121. Castro (1997).
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em 3,5 vezes; a produção de fertilizantes, em 5 vezes; a produção advinda da pesca, em 10 vezes; e o investimento bruto feito pelo governo, em 6,5 vezes122. 1980-1985 Embora Cuba dependesse de exportações para o crescimento econômico, o país, salvo em raras circunstâncias, sempre importou mais que exportou, ou seja, praticamente desde o seu nascimento mantém uma balança comercial desfavorável123, um déficit comercial. Deve-se perguntar, então, como o país mantinha-se com tal déficit e quais as consequências das medidas adotadas para lidar com ele. Em primeiro lugar, a URSS fornecia empréstimos a curto prazo a juros baixos; em segundo lugar, o país praticamente doava recursos para Cuba através dos altos preços – em relação ao mercado capitalista - pelos quais comprava o açúcar cubano; em terceiro lugar, Cuba também fazia alguns empréstimos de países capitalistas e instituições privadas. Como consequência dos empréstimos, surgem as dívidas contraídas. Em 1982, Cuba devia cerca de 3,5 bilhões de dólares a governos e bancos ocidentais, assim como o dobro para os países socialistas.124 Em relação às dívidas com países capitalistas, uma das fontes para a obtenção de elementos para sua industrialização, a situação era complexa, já que o país, sendo impedido de realizar empréstimos, por pressão política dos EUA a diversas instituições e Estados, ainda tinha que obter renegoci-
122. Rodriguez (1981), p. 147. 123. Conforme dados da balança comercial de Cuba no período (Ver bibliografia). 124. Valdés (1983), p. 95.
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ações de suas dívidas com os credores ocidentais para conseguir pagá-las e manter a possibilidade de negociar com uma série de países, problema existente até hoje. Como consequência dessas dificuldades, o país foi, então, obrigado a cortar grande parte das importações vindas dos países capitalistas, desacelerando ainda mais seu crescimento econômico. Em 1975, 48% das importações advinha do mundo capitalista, em 1982, as importações eram apenas de 13% a 15%.125 O pagamento da dívida foi, portanto, um fator muito importante. Apesar de tudo isso, ainda com os cortes nas importações, de 1978 a 1982, os serviços sociais receberam mais 4,6% do orçamento de Cuba em relação ao período anterior, parte da substancial diferença entre a forma de países socialistas e não-socialistas de tratarem dos recursos do Estado, sobretudo em momentos de maiores dificuldades financeiras.126 De forma coerente ao seu internacionalismo, em 1985, a posição de Cuba é bastante ilustrativa. O país começa uma campanha contra o pagamento da dívida externa dos países periféricos, pois seria impagável, ao mesmo tempo que demonstra o que há de diferente entre a sua dívida e a destes. Quando questionado, em 28 de junho de 1987, em uma entrevista, qual a razão de Cuba respeitar as suas dívidas, Fidel responde: “Nossa dívida é pequena, nossa dívida não tem nenhuma influência. Nosso levantamento diz que nossa dívida é uma circunstância especial, que os créditos que se estenderam a Cuba aconteceram inclusive diante das pressões dos Estados Unidos, que ao longo da revolução fez todo tipo de esforços para impor um bloqueio creditício a Cuba. Nossa dívida não está contraída com bancos norte-americanos, que 125. Valdés (1983), p. 96. 126. Valdés (1983), p. 97.
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são o centro bancário privado transnacional, mas com bancos que desafiaram as pressões norte-americanas e inclusive com algumas fontes de crédito de países subdesenvolvidos. Ou seja, a nossa relação com os credores não é exatamente igual à relação dos bancos em geral com a América Latina [...] O dinheiro que obtivemos, além disso, investiu-se em programas de desenvolvimento do país ou em programas sociais. Esse dinheiro não se desviou, não fugiu para o exterior, e embora nós sejamos vítimas dos problemas do dumping, do protecionismo, do intercâmbio desigual, da manipulação de interesses, de todas essas manobras em nosso comércio com o Ocidente, o investimento que se fez dos recursos que recebemos foi em condições distintas das que se produziram, por exemplo, no terceiro mundo e na América Latina”.127 Se diminuíram as compras no mercado capitalista, a ilha não deixa de depender das importações. A economia mergulha em uma espiral ascendente quanto à necessidade de exportar para importar. Na primeira metade da década de 1980, a política econômica aprofunda as medidas implementadas anteriormente de investir nas exportações com maior ênfase para tentar conseguir o máximo de divisas para pagar as importações. No ano de 1980, por exemplo, voltada à exportação, a produção de cana alcança cifras entre sete e oito milhões toneladas.128 Quanto às importações, exceto a cana, 86% de todas as matérias-primas utilizadas no país (quase todo o combustível e 75% das máquinas), vinha de países que integravam o CAME.129
127. Miná (1988), p. 147-148. 128. Zanetti Lecuona (2009), p. 236. 129. García Molina (2005), p. 28.
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Simultaneamente, notam-se algumas debilidades na produção e são realizadas reformas. No ano de 1981 decretase uma reforma salarial e de preços visando o fortalecimento da gestão das empresas públicas e um aumento da sua eficiência.130 No campo, para aumentar a produtividade, são feitas diversas tentativas. Implementa-se um mercado camponês sem fixações de preço de venda e integram-se em complexos diversas empresas estatais da cana para formar vários CAI (Complexos Agroindustriais Canavieiros)131, com o objetivo de ter um controle maior desse setor e poder gerenciá-lo com o cálculo econômico.132 Como alternativa para pequenos produtores privados e dos quais o Estado não participava, os mercados camponeses acabam não sendo frutíferos, surgem atravessadores e especulação. Em reação, o Estado, que inicialmente limita o seu acesso às cooperativas, os fecha, em 1987, devido à constante desregulação dos preços.133 Em outro sentido, começam a aparecer os resultados positivos do investimento em setores mais particulares, como a biomedicina e o desenvolvimento e comercialização de medicamentos. Cuba é o primeiro país a desenvolver a vacina contra a meningite, em 1985134, e também desenvolve sozinha outras vacinas já desenvolvidas em outros países, como as do tifo, hepatite, cólera e leptospirose.
130. García Molina (2005), p. 28. 131. Por exemplo, a terra estatal é integrada e subordinada à empresa de processamento do açúcar, que, por sua vez, também é integrada com a empresa de estoque do açúcar, etc. Tal forma de organização não é essencialmente nova, originária do modo de produção socialista, já está presente em germe nos chamados “trustes verticais”. 132. Nova Gonzalez (2013), p. 31-32. 133. García Molina (2005), p. 25. 134. Herrera (2005), p. 19.
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Em síntese, tendo como marca as relações com o CAME, desde o início dos anos 70, a economia cubana seguiu crescendo, primeiro sob um ritmo favorecido pelos preços do açúcar, e, depois, prejudicado pela queda desses preços. Além disso, a industrialização do país caminhava determinada pelas dificuldades na obtenção de divisas, que, por sua vez, eram bastante restringidas e dependiam de suas exportações, marcando um caráter certamente contraditório do processo. Dessa forma, para tentar contornar esses problemas, são tomadas medidas na organização do Estado e da produção para reduzir as ineficiências internas. Enquanto algumas dessas ações prosperam, outras fracassam.
8. O desaparecimento do campo socialista A partir de 1986 (período do terceiro plano quinquenal), já existem sintomas da perda de fôlego da URSS no campo econômico e, com isso, todo o CAME começa a se encaminhar para a recessão e para um descenso. Cuba, como parte integrante do bloco socialista, não é exceção, a economia começa a sofrer com várias insuficiências. O fornecimento de insumos básicos começa a se debilitar, sua distribuição começa a ficar desordenada, o abastecimento de petróleo é atrasado, também o é o fornecimento de bens intermediários, essenciais para a manutenção das indústrias. Cessa o aumento do crescimento e há uma estagnação em relação às trocas realizadas no CAME. Caem os índices de produtividade do trabalho e de rendimento dos capitais. A dívida perdura. Fatores internos também vêm a piorar esse quadro para a economia nacional. Por mais que certos setores da economia contem com mais investimentos que anteriormente, esse capital acaba sendo desperdiçado, pois graves debilidades estavam justamente no âmbito de gestão das empresas,
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na implementação dos investimentos, alto consumo energético, na organização e direção dos quadros do partido 135 e também no âmbito da organização do trabalho.136 Embora as safras fossem grandes, a produção de cana ficou prejudicada, pois, cada vez mais, além dos preços caírem, a ilha perdia competitividade nos mercados capitalistas. Se não era possível alcançar os mercados capitalistas e os preços estavam baixos, recorreu-se à confortável demanda da União Soviética e do campo socialista por açúcar. Dessa forma, o país exportou 85% do total do açúcar produzido em 1987 para a URSS.137 Em reação às dificuldades na gestão, a partir de 1986, o PCC tenta retificar138 esses vários erros e, sobretudo, desenvolver a economia de maneira a torná-la mais autossuficiente (diga-se de passagem, antevendo o descenso da economia soviética e do bloco socialista) planejando uma integração de seus próprios setores. Nesse contexto, abrem-se as portas ao 135. Segundo Fidel, “As dificuldades estão na capacidade de organização, de direção dos quadros, na exigência dos quadros. Esse ponto débil, é o que pude ver, o que pude apreciar”. Cf. Miná (1988), p. 151-152. 136. Herrera (2005), p. 11. 137. Zanetti Lecuona (2009), p. 215. 138. É importante lembrar, tal preocupação não era apenas dos cubanos. A avaliação dos motivos que teriam levado à desaceleração da economia ocorreu também na URSS, com resultados bem distintos, como se sabe. Por lá, a “autocrítica” se traduziu nas reformas do tipo da Perestroika, que levaram ao desmonte do gigante surgido na Revolução de Outubro. As reformas que na URSS levaram à aceleração da dilapidação das conquistas de sua revolução foram os catalisadores de desvios que resultaram nas máfias de Boris Yeltsin e na cumplicidade com o imperialismo de Mikhail Gorbachev. Por isso a atenção redobrada ao se tratar do tema. Na ilha, no entanto, o processo, que começa antes ao dos soviéticos, parte de outra abordagem. Vincula às massas ao Partido, critica os administradores das empresas que se enriqueciam pelo cumprimento formal das metas, pois, conforme Fidel: “disfarçados de capitalistas começaram a atuar como capitalistas, mas sem a eficiência de capitalistas”. Além disso, a Retificação atacava a “crença cega... de que a construção do socialismo é, em essência uma questão de mecanismos econômicos” e a enfrenta com a defesa de que “a via fundamental é o trabalho político e revolucionário”, mesmo que os mecanismos econômicos e de outros tipos fossem também instrumentos auxiliares. Cf. Castro (1986);
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turismo e estimulam-se inversões estrangeiras sob forma de empresas mistas, em 1988. As empresas mistas, bem como os investimentos no turismo, visavam “furar” o bloqueio econômico, na busca da obtenção de divisas conversíveis e para diminuir gradualmente a dependência da URSS. Embora os cubanos já pudessem intuir o descenso, como se vê nas diretivas econômicas adotadas em 88, faltando poucos anos para a queda da URSS, o país continuava extremamente dependente. Tal como mostram os dados, entre 1988 e 1989, o mercado do CAME comprou 63% das exportações de açúcar, 73% das de níquel e 95% das frutas cítricas; em 89, as exportações representavam 29% do PIB e as importações 41%; o CAME era com quem Cuba intercambiava 86% de suas mercadorias139; 40% dos insumos para a fabricação
de fertilizantes eram importados e 94% dos herbicidas eram importados. O bloqueio econômico recrudescia-se e o Estado, que mantinha o monopólio do comércio exterior, não conseguiu direcionar a diversificação econômica de forma suficiente para superar tal grau de dependência. Ao mesmo tempo, mantinha, em 1989, uma dívida externa de 6 bilhões e 100 milhões de dólares, equivalente a 30% do PIB.140 Com a queda da URSS, a situação se agrava. No ano de 1990, as exportações acabaram 75% abaixo do planificado e 23% menores que as do ano anterior.141 Já em 1991, as cifras de importação foram 71% menores que as do ano anterior. Era o momento em que se encerravam o comércio e as relações entre Cuba e a URSS. Sobre esse período, afirmou Fidel: “Para que tenham uma ideia, basta dizer que quando começamos esse ano de 139. García Molina (2005), p. 27-29. 140. García Molina (2005), p. 28. 141. Mesa-Lago (1993), p. 11.
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1991, conforme os acordos comerciais – que já implicavam numa diminuição grande do preço do açúcar, porque sofreu diminuição de algo como 300 dólares para este ano de 1991, e apesar de tudo existiam uma série de convênios, objetivos industriais que estavam em construção, alguns créditos – deveríamos receber 3,763 bilhões de dólares em mercadorias – três mil setecentos e sessenta e três!, repito – e embarcaram até 21 de dezembro – essa é a cifra mais atual – 1673. Assim, já haviam diminuído as importações tradicionais da URSS em mais de 1 bilhão e do restante foram diminuídos mais 2,1 bilhões. De modo que, se em certo momento as importações da URSS eram de mais de 5 bilhões de dólares, esse ano ascendem a 1,673 bilhões. É possível conceber uma redução mais drástica? É possível conceber algo tão drástico, realmente?”142 O período da queda do campo socialista teve consequências catastróficas para o país nos mais variados aspectos, ficando conhecido como período especial (de 1990 até 2005).143 Ilustram a tragédia os índices econômicos: as exportações caíram 79%, as importações 73% e o PIB caiu de 35% a 45%, de 1989 a 1993144, fazendo o déficit comercial se agravar ainda mais. Vários setores foram extremamente descapitalizados e a indústria cubana estava completamente despreparada para competir com o mercado capitalista. Não só a produção era menos competitiva, como o açúcar que era exportado por Cuba era açúcar cru, enquanto no comércio mundial se comprava e se vendia açúcar refinado. Cuba também não produzia níquel em sua forma metá-
142. Castro (1991b). 143. García Molina (2005), p. 27. 144. Castro (1997).
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lica, outro padrão básico para obter melhores preços no mercado internacional.145 Na agricultura, o impacto foi tão grande que alguns setores até hoje não retomaram os níveis de produção pré-período especial.146 Além disso, a imensa maioria das máquinas, equipamentos e peças guardavam compatibilidade com os padrões adotados pelo CAME, o que tornava muito difícil sua reposição. Para demonstrar a gravidade da situação, Fidel falava de um segundo bloqueio: “Hoje não se pode falar de um bloqueio, hoje temos que falar de dois bloqueios. Já, uma vez, partindo da tecnologia capitalista e ocidental, se produziu um bloqueio e não mais chegou ao país uma peça de reposição sequer, quando todos os caminhões, todos os tratores – ou os poucos que havia –, todas as fábricas, todas as locomotivas, todos os equipamentos eram norte-americanos. E agora a imensa maioria dos equipamentos são de procedência soviética ou do antigo campo socialista; a imensa maioria dos ônibus, das locomotivas, dos tratores, dos equipamentos, das máquinas, e não chega uma só peça; todos os televisores, refrigeradores e artigos de uso eletrodomésticos são daquela procedência e não chega uma só peça”.147 Simultaneamente a essa situação, o bloqueio norteamericano, presente desde os anos 60, é recrudescido com a lei Torricelli, aprovada em 1992 pelo congresso norte-americano, que faz que as empresas subsidiárias dos Estados Unidos não possam manter relações comerciais com Cuba, sob pena de graves sanções. Além disso, em 1996, o bloqueio é fortalecido ainda mais com o “Cuban Liberty and Democratic
145. García Molina (2005), p. 27. 146. Nova Gonzalez (2013), p. 35. 147. Castro (1991a).
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Solidarity Act”, que penaliza qualquer país que comercialize com a ilha. Como consequência da catástrofe, para a população, esse foi um momento dificílimo. Faltavam alimentos, petróleo e insumos em geral para as indústrias. Tamanha era a crise energética que não se falava em apagões, mas, com o bom humor cubano, em alumbrones (em português, “iluminões”, os poucos momentos nos quais os cubanos tinham acesso à energia elétrica). Em meio a tudo isso, parcelas menos conscientes da população buscaram a todo custo ir aos Estados Unidos, país que criou uma série de leis e mecanismos para estimular os cubanos a migrarem ao país ilegalmente, mesmo que isso significasse colocar a vida de milhares de cubanos em risco, devido à perigosa travessia por mar. Muitos cubanos, em pequenos barcos e balsas acabam morrendo na travessia. O mesmo ocorre na fronteira com a base militar de Guantánamo. A tentativa de cruzar a fronteira de Cuba com o território controlado pelos Estados Unidos gera mortes e mutilações, por tratar-se de um local altamente militarizado, repleto de minas terrestres. Evidentemente, os fins ianques, com a massiva propaganda e as vantagens oferecidas aos migrantes cubanos, eram, como ainda são, desestabilizar o governo de Cuba. Com o advento do turismo e o momento de crise, reaparecem fenômenos que haviam sido extintos com a Revolução, como o consumo de drogas e a prostituição, ainda que em escalas nada comparáveis aos países capitalistas. Uma camada da população com pouca consciência, frente às dificuldades, converte-se em lumpenproletariado, passando a viver às custas da moeda forte oferecida por turistas.
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Para agravar ainda mais a situação, a máfia cubanoamericana148, que sempre agiu contra o governo revolucionário149, recrudesce sua atuação, focando, agora, suas ações sabotagem e atentados em bares e hotéis, devido à aposta do governo cubano justamente no setor turístico.150 Além disso, sente-se nesse período um duro golpe ideológico, já que a colossal URSS se dissolve rapidamente. Dúvidas começam a surgir acerca do sistema socialista. Como poderá Cuba, um pequeno país, sobreviver diante de possíveis agressões imperialistas, tendo em vista a rápida dissolução 148. Grupos contrarrevolucionários de extrema direita, baseados no gangsterismo, que se transferiram aos Estados Unidos com a fuga da burguesia para Miami às vésperas da revolução de 1959. 149. Luis Posada Carriles, agente da CIA desde 1959 e terrorista, é um bom exemplo dessa violenta reação da burguesia contra o governo socialista, que ainda perdura. Carriles explodiu um avião no voo 455 de Cubana de Aviación, de Barbados para Cuba, em 1976, matando 73 pessoas, entre elas o time juvenil de esgrima cubano, cujos membros carregavam em seus peitos as medalhas douradas do Campeonato Centro-americano e do Caribe, recém-conquistadas. Também participou da organização da invasão mercenária da Baía dos Porcos e organizou outros diversos atentados, ataques e sabotagens. Foi considerado inocente na justiça americana da acusação de atentados a hotéis em Cuba, mesmo sendo fornecidas diversas provas contrárias à sua inocência. Refugiou-se sob as asas da ave de rapina ianque. Cf. Herrera (2000). Tratamento distinto tiveram os 5 agentes antiterroristas cubanos que na década de 90 ingressaram disfarçados de imigrantes nos EUA, para infiltrar-se nos círculos terroristas e evitar atentados. Ficaram conhecidos como “Os 5 heróis”, ou, ainda, como “Os últimos soldados da Guerra Fria”, nome de famoso livro no qual Fernando Morais escreve sobre o tema. Gerardo, Ramón, Antonio, Fernando e René foram presos por, entre outras acusações, portarem documentos falsos, após o governo cubano informar ao governo norte-americano a respeito de grupos terroristas contrarrevolucionários atuando no território norte-americano. Em vez de investigar e buscar desmantelar tais grupos, o governo norte-americano decidiu investigar como os cubanos haviam descoberto a atuação desses círculos e prender os agentes da inteligência cubana. O primeiro a ser libertado foi Fernando, após cumprir integralmente sua pena de mais de 16 anos. Os 3 últimos heróis foram libertados apenas em 2015, dentro do contexto da reaproximação diplomática entre os EUA e a ilha, e somente após uma grande campanha internacional que durou diversos anos. Evidentemente, não é possível esperar coerência no combate ao terrorismo por parte daqueles que chegaram ao absurdo de incluir, até 2007, Mandela, fraterno amigo de Fidel, na sua lista de “terroristas”, enquanto homens como Carriles são protegidos. 150. Em 1997, em um desses atentados, organizado por Posada Carriles, morre o cantor italiano Fabio di Celmo.
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do gigante que era a URSS? Em suma, era um período dramático e marcou profundamente todos os cubanos. Mas se a tragédia e os riscos impostos à Revolução foram de dimensões colossais, não chegaram perto de alcançar a abnegação do povo cubano, que soube vencer essas dificuldades. Para enfrentar a grave crise, os revolucionários realizaram grandes mobilizações e se organizaram para salvar a soberania que havia sido conquistada mediante a luta de anos e anos, sob o sangue e suor de várias gerações. Ainda antes da queda do campo socialista, em 26 de julho em 1989, Dia da Rebeldia Nacional, Fidel expressava, diante da multidão: “Aqui, raciocinando muito friamente, como se deve raciocinar com o povo em uma data como hoje, em um minuto histórico como o que vive o mundo hoje, devemos pensar, devemos raciocinar. Por acaso deteremos nossa marcha? Por acaso vamos deter esse esforço colossal? Não! Jamais! Diante da realidade, fecharemos os olhos? Não! Jamais! Diante da realidade, meteremos a cabeça, como o avestruz, em um buraco? Não! Jamais! Temos que ser mais realistas do que nunca. Mas temos que falar, temos que advertir ao imperialismo para que não crie tantas ilusões com relação a nossa Revolução e com relação à ideia de que nossa Revolução não poderia resistir se há um desastre na comunidade socialista. Porque, se amanhã ou qualquer dia acordássemos com a notícia de que a URSS se desintegrou – coisa que esperamos que não ocorra jamais –, ainda nessas circunstâncias, Cuba e a Revolução Cubana seguiriam lutando e seguiriam resistindo! Cuba e a Revolução Cubana resistiriam. Eu digo e digo com calma, com serenidade e com todo o sangue frio do
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mundo. É hora para que fique claro aos imperialistas e é hora de dizer claro a todo o mundo. Nós não brincamos”.151 E, de fato, os cubanos não brincaram. Assim se iniciou o período de emergência, com a ideia da guerra de todo o povo, com a participação de milícias e de praticamente toda a população, o chamado “Período Especial em Tempos de Paz”. O período caracterizou-se tanto por uma série de medidas de resistência aos resultados da queda da URSS e a crise decorrente – como um esforço de guerra, mas em tempos de paz, quanto por mobilizar todo o povo cubano em unidade ideológica, num esforço nacional e popular para salvar a revolução. Diante do fechamento das fábricas e da crise alimentar, em um esforço de multidões, muita mão-de-obra é realocada ao campo, com o intuito de produzir alimentos. Nesse sentido, consegue-se, em pouco tempo, mediante árduo sacrifício, transformar centenas de anos de cultivo de cana em outros cultivos, adaptando a economia pela ênfase no trabalho voluntário152, na qual estudantes e trabalhadores de vários outros ramos uniram esforços para tentar suprir a demanda de alimentos. Com a escassez de combustível e as dificuldades do transporte, milhares de cubanos passam a caminhar 151. Castro (1989). 152 . Nessa época, muitos deixaram seus estudos, abdicaram de suas carreiras profissionais para irem ao campo. Mais uma mostra do fervor revolucionário dos estudantes cubanos, que carregavam, assim, o espírito de homens como Mella e Guiteras. Anos mais tarde, seria lançado um programa no qual todos aqueles que se viram obrigados a fazer isso tiveram a oportunidade de concluir os estudos que haviam paralisado. O trabalho voluntário e, principalmente, realizado por estudantes é até hoje realizado em Cuba, entendido como parte de sua formação e tendo papel econômico significativo. Grande parte das escolas possuem suas próprias hortas para consumo dos estudantes e mantidas por eles. Ações massivas como censos e atividades de combate a mosquitos para prevenção de doenças são feitas com ampla participação estudantil, sob a direção da FEU, além de outros tipos de atividades.
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ou a usar bicicletas para percorrer longas distâncias até os centros de trabalho. Com a falta de materiais surge a necessidade do conserto e reutilização: nada é desperdiçado. A criatividade do povo desperta. No ambiente doméstico, por exemplo, os motores de máquinas de lavar russas convertem-se em cortadores de grama, ventiladores e pequenos geradores; as baterias de carro servem como base para a alimentação elétrica de geladeiras e televisões, entre outros improvisos. A falta de peças para máquinas nas indústrias é suprida com peças artesanais. O período especial traduziu-se também em exercícios de defesa econômica, relacionados ao racionamento de água e energia elétrica, e exercícios militares envolvendo a população. Além disso, ocorreram drásticos redirecionamentos de recursos, como a queda, por exemplo, de 1989 a 1993, de 43% do orçamento militar do país.153 Com parte desses recursos, foram assegurados os salários, ainda que em função da falta de combustíveis muitos não pudessem trabalhar; a alimentação, principalmente nas zonas mais necessitadas e em escolas e hospitais; e os níveis de preços do mercado formal, mantido pelo Estado. Ao contrário do que ocorreu nos países da Europa Oriental, em Cuba, entre outras coisas, buscou-se garantir e reforçar a participação popular, o Estado e seus órgãos de poder, com debates de caráter público e em amplas mobilizações levadas adiante pelo próprio Partido Comunista. Isso impediu que o país sucumbisse às aberturas, à “democracia”, ao falso multipartidarismo e às receitas como as do Consenso de Washington.154 153. Morris (2014), p. 20. 154 . Sobre o Consenso de Washington, certa vez afirmou um diplomata brasileiro: “Certamente, uma versão mais sofisticada e sutil das antigas políticas colonialistas de
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Infelizmente, os países que sucumbiram com a queda da URSS caíram nas garras dos “cortes de gastos” ao povo e seu redirecionamento aos banqueiros, das privatizações indiscriminadas e do neoliberalismo. Nesses países, os Partidos Comunistas perderam seu poder político. Diante de tantas dificuldades, é preciso reconhecer o heroísmo do povo cubano. Evidentemente, manter o poder do Estado socialista quando o maior baluarte do socialismo se desfaz é uma tarefa que cobra muitos esforços, sacrifícios e, inclusive, certas concessões. Nesse sentido, ainda que não seja objeto de nossa explanação – por exigir um estudo muito mais minucioso do que as meras menções aqui apresentadas –, a reestruturação econômica que se inicia com o período especial fez com que o Estado reduzisse sua presença consideravelmente. Para solucionar insuficiências, passou-se a expandir as cooperativas, aceitar investimentos estrangeiros, estabeleceram-se maneiras de conversão do dólar e permitiu-se a pequena produção privada. Não há porque negar que o processo veio a resultar no surgimento de uma camada da população ligada aos rendimentos do turismo e, em certa medida, até uma certa burguesia, assim como muitos dos males a ela associados.155 Isso, no entanto, e em certas proporções, longe de significar a falência da Revolução, se bem utilizado, pode colaborar na superação do momento de debilidade.
open-door, nas quais se apelava, sem maiores constrangimentos, à força das canhoneiras para "abrir os portos de países amigos”... Por serem menos ostensivas, as pressões atuais são mais difíceis de combater”. Cf. Nogueira Batista (1994), p.26. Paulo Nogueira Batista foi diplomata brasileiro e, entre outras coisas, ocupou a presidência do Conselho de Segurança da ONU entre 1988 e 1989. 155. Sobre a ideia, aparentemente paradoxal, da existência de certa burguesia em uma sociedade que transita ao socialismo, recomendamos a leitura do apêndice “Observações sobre a concepção Marxista-leninista de transição ao socialismo”.
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Não obstante, é surpreendente que Cuba tenha resistido à queda da URSS e mais surpreendente ainda é que tenha conseguido manter o nível cultural e de vida da população ainda que com naturais insuficiências-, bem como verdadeira participação política, através do Partido Comunista, das organizações de massas e do Estado.156 A Cuba que resiste mantém seu comprometimento social e político, que se expressa no ideal de busca por independência legado por Martí e na perspectiva de emancipação humana em um país acossado pelo imperialismo, própria do marxismo-leninismo.
9. Considerações finais Fazem-se importantes, aqui, algumas considerações finais e críticas sobre as relações econômicas que Cuba teve desde o começo do século, sob influência tanto dos Estados Unidos quanto da URSS. A categoria essencial para compreender o período de subjugação de Cuba aos EUA é a do imperialismo. Podemos observar que com a posse e o estabelecimento de quase a totalidade das fábricas e dos bancos nas mãos dos EUA, Cuba tem sua soberania surrupiada, enquanto troca de maneira extremamente desfavorável um produto primário (açúcar) por uma série de produtos industrializados, fa-
156. Cuba tampouco deixou de manter sempre sua postura resolutamente internacionalista e, mesmo diante de tantas dificuldades, não poucas vezes destinou importantes recursos a essas tarefas. Se, na época do campo socialista, Cuba enviou milhares de soldados para combater o exército do Apartheid sul-africano e garantir a independência da Namíbia e da Angola, assim como deu importante suporte às lutas do Congo e de países da América Latina, no presente, tem a postos milhares de médicos preparados para viajar a qualquer lugar do mundo em que sejam necessários devido a desastres naturais ou epidemias. Um exemplo é o reconhecimento da ilha pelo seu papel no combate ao Ebola, no atendimento às vítimas do terremoto no Haiti, em 2010, e por suas missões médicas no mundo inteiro.
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vorecendo uma pequena camada sócia dos interesses dos capitais financeiros estrangeiros. Tal como vimos, o nível de vida era baixíssimo e o cubano sofria com as mais diversas dificuldades. Com a Revolução, ainda que Cuba tenha daí em diante se inserido em um campo de dependência econômica da União Soviética, através do CAME e de outros acordos comerciais, não se podem igualar as relações Cuba-EUA e CubaURSS, não é possível falar de uma URSS imperial, exercendo tal poder sobre uma Cuba semicolonial – ainda que, obviamente, existam interesses políticos da URSS. Lênin, que dedicou um livro para a análise do fenômeno do imperialismo, caracteriza que um país imperialista mantém a subjugação a partir do domínio direto157 da propriedade e das riquezas de uma colônia: “os monopólios vieram agudizar a luta pela conquista das mais importantes fontes de matérias-primas, particularmente para a indústria fundamental e mais cartelizada da sociedade capitalista: a hulheira e a siderúrgica. A posse – grifo nosso – monopolista das fontes mais importantes de matérias-primas aumentou enormemente o poderio do grande capital e agudizou as contradições entre a indústria cartelizada e a não cartelizada”.158 E prossegue: “Monopoliza-se a mão-de-obra qualificada, contratam-se os melhores engenheiros; as vias e meios
157. Mesmo se afirmássemos que se tratava de um domínio indireto, através de uma burguesia local associada a interesses estrangeiros, onde está e onde esteve a burguesia cubana – à parte daquela que fugiu para Miami – depois de 1959? Sem dúvida, no período após 1959, seria difícil encontrar classe substancialmente poderosa, capaz de estar associada a interesses estrangeiros, que caracterizasse essa dominação. 158. Lenin (1986), Vol. 1, p. 667.
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de comunicação – as linhas férreas na América e as companhias de navegação na Europa e na América – vão parar às mãos dos monopólios” – grifo nosso.159 “A Inglaterra tinha em 1904 um total de 50 bancos coloniais com 2279 sucursais (em 1910 eram 72 bancos com 5449 sucursais); a França tinha 20 com 136 sucursais; a Holanda possuía 16 com 68; enquanto a Alemanha tinha "apenas" 13 com 70 sucursais”.160 “Os capitalistas não partilham o mundo levados por uma particular perversidade, mas porque o grau de concentração a que se chegou os obriga a seguir esse caminho para obterem lucros – grifos nossos – ; e repartem-no "segundo o capital", "segundo a força"; qualquer outro processo de partilha é impossível no sistema da produção mercantil e no capitalismo”.161 A URSS, entretanto, não detinha posse alguma em Cuba, seja em terras, empresas ou bancos, sendo, também, difícil de conceber o fenômeno da exportação de capitais, mesmo que se fale da dívida cubana com os soviéticos. Além disso, fica impossível considerar a relação credor-devedor entre Cuba e a URSS como parasitária e de tipo imperialista, não só pela ausência da financeirização e de figuras como rentiers e acionistas nesses países, mas porque fazem falta às consequências perversas da típica subordinação ao devedor. Em Cuba, é verdade, a troca de mercadorias é desigual e parcial entre açúcar e produtos industrializados soviéticos, mas é desigual e altamente desfavorável para a URSS, para o
159. Lenin (1986), Vol. 1, p. 593-594. 160. Lenin (1986), Vol. 1, p. 625. 161. Lenin (1986), Vol. 1, p. 631.
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país que exporta bens com alto valor agregado, o oposto da relação entre Cuba e EUA nesse aspecto.162 Além disso, se Cuba dependia de sua exportação de açúcar e se permaneceu com déficit comercial a maior parte de sua história de coexistência com a URSS, é o excedente de produção do trabalhador soviético que ajuda a manter o nível social do trabalhador cubano e não o inverso, como aquele que retrata Lenin, quando fala das nações imperialistas que desencadearam a tragédia da Primeira Guerra Mundial: “A ex-
portação de capitais, uma das bases econômicas mais essenciais do imperialismo, acentua ainda mais este divórcio completo entre o setor dos rentiers e a produção, imprime uma marca de parasitismo a todo o país, que vive da exploração do trabalho de uns quantos países e colônias do ultramar” – grifo nosso.163 Se o caso fosse de tal inverso, exposto por Lênin, teríamos as contradições mais latentes também “exportadas”
162. Há de se perguntar, por que um país imperialista trocaria, de forma tão desfavorável para si, açúcar por petróleo, de modo a fazer que sua colônia pudesse lucrar com a reexportação do seu próprio petróleo? A política de exportação de petróleo em grandes quantidades a baixos preços à Cuba, com, inclusive, a possibilidade de revenda, ocorria durante o período de coexistência com a URSS e persiste, atualmente, em menor medida, com o petróleo venezuelano, Cf. González S. (2003), p. 79. Tanto em um quanto em outro caso será um necessário um grande malabarismo teórico para encontrar qualquer relação imperialista. 163. Lenin (1986), Vol. 1, p. 650.
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para as colônias164, onde os salários são mais baixos165 e as contradições são mais agudas, e uma situação mais amena no país imperialista. Contudo, ainda com a dívida de Cuba à URSS, a juros baixos, vemos que quem pôde garantir não só o alto nível social, mas o crescimento econômico cubano durante as décadas de 60, 70 e 80 foi a URSS. Daí que, ainda que os soviéticos devam ser criticados por uma série de posturas adotadas após o XX Congresso do PCUS que vieram a enfraquecer seu socialismo166, por alimentarem ilusões acerca de "transições pacíficas a partir do capitalismo", de passagens prematuras e irreais ao comunismo ou ainda por fomentar conflitos no seio do movimento comunista internacional, considerar a URSS “social-imperialista”167 164. “Não deixa de ter interesse assinalar que esses dirigentes políticos da burguesia inglesa viam já então claramente a ligação existente entre as raízes puramente econômicas, por assim dizer, do imperialismo moderno e as suas raízes sociais e políticas. Chamberlain preconizava o imperialismo como uma "política justa, prudente e econômica", assinalando sobretudo a concorrência com que choca agora a Inglaterra no mercado mundial por parte da Alemanha, da América e da Bélgica. A salvação está no monopólio, diziam os capitalistas, ao fundar cartéis, sindicatos, trusts. A salvação está no monopólio, repetiam os chefes políticos da burguesia, apressando-se a apoderar-se das partes do mundo ainda não repartidas. E Cecil Rhodes, segundo conta um seu amigo íntimo, o jornalista Stead, dizia-lhe em 1895, a propósito das suas ideias imperialistas: "Ontem estive no East-End londrino (bairro operário) e assisti a uma assembleia de desempregados. Ao ouvir ali discursos exaltados cuja nota dominante era: pão!, pão!, e ao refletir, de regresso a casa, sobre o que tinha ouvido, convenci-me, mais do que nunca, da importância do imperialismo... A ideia que acalento representa a solução do problema social: para salvar os 40 milhões de habitantes do Reino Unido de uma mortífera guerra civil, nós, os políticos coloniais, devemos apoderar-nos de novos territórios; para eles enviaremos o excedente de população e neles encontraremos novos mercados para os produtos das nossas fábricas e das nossas minas. O império, sempre o tenho dito, é uma questão de estômago. Se quereis evitar a guerra civil, deveis tornar-vos imperialistas” Cf. Lenin (1986), Vol. 1, p. 634. 165. Lenin (1986), Vol. 1, p. 622. 166. Para uma possível leitura desse período, ver: “Sobre algumas causas da restauração
do capitalismo na URSS: as relações de produção na URSS (1960-1980)”, Arkhanguelskaia, Natália Olegova. 167. Definição de “social-imperialismo” dada por Lênin e repetida por muitos que usam a categoria contra a URSS: “... "sociais-imperialistas", isto é, de socialistas de palavra e
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ou “imperialista-chauvinista”168, depois do XX Congresso, automaticamente, considerando Cuba como uma “semicolônia” da União Soviética, é utilizar de forma equivocada os conceitos do marxismo. Ao que tudo indica, estamos diante de outra relação econômica entre países, ligada às transformações internas que a propriedade sofreu na URSS e em cada país do bloco, principalmente depois do XX Congresso, mas distinta do imperialismo, descrito por Lênin. Ademais, esse equívoco teórico de ataque a uma URSS “imperialista” só criou uma cortina de fumaça na questão, ao não identificar o principal inimigo dos povos submetidos ao jugo colonial e neocolonial como sendo o bloco imperialista encabeçado pelos EUA. De qualquer maneira, o resultado das transformações econômicas na URSS é conhecido por todos. Se temos a economia de todos os países do CAME interligada e interdependente, principalmente com a URSS, e rumarmos à desaceleração e estagnação da URSS, teremos um colapso conjunto de todo esse grande bloco. No que diz respeito a Cuba, foi um dos países que se recuperaram mais rapidamente das tormentas dos anos 90, conseguindo manter suas pretensões socialistas, apesar de todos os obstáculos e das incontáveis dificuldades. Estudemos e saudemos Cuba, pois, se esse país persistiu e persiste diante dos mais brutais ataques do imperialismo, inclusive diante da queda do campo socialista, e também é capaz de manter o poder de seu povo sob a égide do Partido Comunista, há, certamente, muito com o que se pode aprender. imperialistas de fato...” Cf. Lênin (1986), Vol. 1, p. 657.
168. Sobre o termo “social-chauvinismo”, ver o texto “O Oportunismo e a Falência da II Internacional”, de Lenin, publicado em 1916.
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