NOVA CULTURA #1

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Revista de Cultura e Teoria Politica

A Revista NOVA CULTURA buscará dar uma contribuição para o debate político e teórico do movimento comunista brasileiro, buscando a coerência e a aplicação correta do Marxismo-Leninismo na análise da realidade do nosso país e do mundo, de modo que sejamos fieis ao método do materialismo dialético e assim dar a teoria o seu verdadeiro caráter no Marxismo: um guia para a ação.

O Partido Comunista das Filipinas sobre o Maoísmo, a Revolução Democrática, China, e o mundo atual Entrevista com o camarada José Maria Sison


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SUMÁRIO EDITORIAL: “Por uma Nova Cultura” página 03 “Crítica ao ‘etapismo’ ou confusão revisionista?” página 06 “A estratégia do imperialismo na recente crise da Síria” página 13 “Hafez Al-Assad e a Unidade da Nação Árabe” página 20 “O Partido Comunista das Filipinas sobre o Maoísmo, a Revolução Democrática, China, e o mundo atual” Entrevista com José Maria Sison página 28 O que é o Marxismo? página 34 Figuras do Movimento Operário página 43

NOVA CULTURA Nº 01 - fevereiro/2014 Revista teórica eletrônica trimestral, uma publicação da União Reconstrução Comunista (URC). Colaboradores: Ícaro Leal Alves, Gabriel Martinez, Alexandre Rosendo, Lucas Medina, Alberto Steffen Neto.

Para entrar em contato conosco e ter mais informações sobre a URC, sobre nossas publicações e sobre nossas atividades, escreva para o email uniaoreconstrucaocomunista@gmail.com


“EDITORIAL: Por uma Nova Cultura”

“O critério único da verdade é a prática revolucionária dos milhões que integram o povo” Mao Tsé-tung

Por uma Nova Cultura Há quase um século e meio, um grande teórico do Movimento Comunista Internacional, um dos fundadores de sua gloriosa doutrina, o filosofo alemão Friedrich Engels, reconhecia na grande luta da classe trabalhadora, ao lado das duas formas usualmente compreendidas (a política e a econômica), uma terceira, a luta teórica. E afirmava que “os dirigentes (da classe trabalhadora) deverão instruir-se cada vez mais em todas as questões teóricas, libertar-se cada vez mais da influência da fraseologia tradicional, própria da antiga concepção do mundo, e ter presente que o socialismo, desde que se tornou uma ciência, exige ser tratado como uma ciência, isto é, ser estudado.” Esse conceito fecundo trazia em si um potencial explosivo e inovador. Quando foram escritas essas palavras já havia transcorrido uma década desde a fundação da primeira Associação Internacional dos Trabalhadores, a primeira Internacional, e o proletariado já havia travado sua primeira grande batalha contra a influência da ideologia burguesa no seio do movimento internacional dos trabalhadores. Nos anos subsequentes novas lutas viriam a ser travadas no campo das ideias no interior da classe trabalhadora em todo o mundo. Sempre, em todas elas, os que se punham da forma mais consequente do lado da luta pela revolucionarização da sociedade inteira, pela superação da ordem capitalista e pela emancipação da humanidade da exploração do homem pelo homem, que só pode ser conquistada pela ordem comunista, aplicaram esse princípio, de luta revolucionária em três campos; o econômico, o político e o teórico. Para todos os homens de ação, que abdicaram-se ao máximo em nome da causa da libertação da sociedade inteira do jugo do capital, a teoria revolucionária, a luta pela formação de uma nova consciência de acordo com os interesses das classes progressistas, sempre esteve em primeiro plano. Dessa maneira, o comandante chefe da Grande Revolução Socialista-Proletária de outubro de 1917 na Rússia, Vladimir Ilitch Lênin, afirmava que “só um partido guiado por uma teoria de vanguarda pode desempenhar o papel de combatente de vanguarda.”. Da mesma maneira pensamos nós – a União Reconstrução Comunista – que travamos a luta no Brasil, em solidariedade com os comunistas, trabalhadores e combatentes anti-imperialistas do mundo todo, pela reconstrução de um verdadeiro partido de vanguarda da classe mais avançada da sociedade brasileira, o proletariado. O partido Comunista, marxista-leninista e anti-revisionista. A teoria revolucionária tem seu lugar de vanguarda, inseparável da luta geral dos trabalhadores por sua emancipação. Sem um partido de vanguarda, guiado por uma teoria revolucionária de vanguarda, é impossível travar com êxito a luta emancipadora do povo brasileiro, pelas mudanças tão ne-

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cessárias para a conquista de sua liberdade. Em resumo, sem o partido marxista-leninista, guiado por sua teoria de vanguarda marxista-leninista é impossível o triunfo da revolução brasileira. Pois só o Marxismo-Leninismo vozeia todos os povos do mundo a seguirem juntos num combate libertador por um mundo novo. Só o Marxismo-Leninismo une e solidifica no espírito dos combatentes mais avançados e abnegados dos povos o desejo inextinguível de lutar até o fim, até o socialismo ou a morte, pela libertação dos povos do mundo, sem nada esperar como recompensa, senão a imagem fulgurante do futuro iluminado da humanidade, cuja a história verdadeira sequer começou. E sendo fiel a esse ensinamento, a esses princípios que trazemos ao público, nesse momento, nossa contribuição nesse terreno da luta revolucionária. A publicação da uma revista teórica virtual verdadeiramente marxista-leninista no Brasil. Com ela elevamos a luta da URC para a sua terceira forma, a da luta teórica. Complementando assim a luta que já estamos travam nas demais formas. A luta econômica e a luta política, o esforço de construir um verdadeiro Partido marxistaleninista no Brasil, do qual a URC é o embrião. A Revista Nova Cultura, que agora vem à tona, tem por intuito estabelecer a coesão entre todos os militantes, colaboradores e simpatizantes da União Reconstrução Comunista em torno das infalíveis ideias do Marxismo-Leninismo. Esta publicação deverá atender a demanda de expor o pensamento dos clássicos do Marxismo-Leninismo. Compreendendo eles como Marx, Engels, Lênin, Stalin e Mao Tsé-Tung. Apresentar as ideias e contribuições, ao patrimônio teórico-prático do Marxismo-Leninismo, atribuídas a destacados revolucionários, em sua prática de luta contra o capital, o imperialismo e o fascismo. Desenvolver e enriquecer o Marxismo-Leninismo aplicando suas verdades universais à realidade brasileira e à prática concreta da revolução brasileira. Expor as mentiras da burguesia contra os revolucionários e os povos do mundo a uma crítica vibrante e disputar contra ela em seu projeto de impor ao mundo sua hegemonia no campo das ideias, frustrando seu objetivo de perpetuar o pensamento único e derrotando o predomínio da consensocracia no mundo intelectual dos países capitalistas. Estimular o estudo e a produção intelectual dos nossos camaradas, que são chamados, todos eles, a contribuir com suas produções autores a essa publicação. Desenvolvendo o Marxismo em sua integridade orgânica com a prática revolucionária dos povos, o presidente Mao Tsé-Tung realizou inúmeras contribuições a essa teoria revolucionária. Ao desenvolver as ideias já expostas acima, e que tem por autores Engels e Lênin, ele apresentou ao mundo o conceito de Nova Cultura, cuja fundamentação está exposta em seu artigo Sobre a Democracia Nova. Nessa obra, escrita no período da Guerra de Resistência ao Japão, parte da grande revolução do povo chinês, e parte fundamental da luta dos povos do mundo contra o fascismo, o imperialismo, pela paz, a democracia e o socialismo, o presidente Mao discute os problemas da cultura no período em que a sociedade chinesa passava por profunda revolução democrática e anti-imperialista. Com base nos ensinamentos do Marxismo sobre a relação entre a consciência e o ser social, ele demonstra que “Toda cultura (como forma ideológica) é reflexo da política e economia duma dada sociedade, mas exerce, por seu turno, uma enorme influência e efeito sobre estas últimas.” e que “as formas culturais são antes de mais determinadas pelas formas políticas e económicas e só então atuam, influenciam as formas políticas e económicas.”. Sendo assim, prossegue o presidente Mao, a revolução chinesa, para ter sucesso, rompendo com a ordem estabelecida pelos elementos reacionários e a dominação imperialista, precisa realizar suas transformações em três campos, na política (Estado), na economia (formas de propriedade) e na cultura (ideologia). A Democracia Nova, a Nova Economia, e a Nova Cultura, eis os elementos da revolução chinesa. Com esse pensamento, o grande dirigente revolucionário chinês dera enorme contribuição ao desenvolvimento dum conceito fundamental para toda revolução proletário-socialista mundial, o conceito de revolução cultural. Nós, marxista-leninistas do Brasil, assim como os marxistaleninistas de todos os países do mundo, devemos estudar e desenvolver este conceito, pois ele corresponde a uma demanda imperiosa para fazer prosseguir a luta contra a dominação imperialista e o capital moribundo em todos os cantos do mundo. Ora, nosso país, em sua história de colonialismo e latifúndio arcaico dos últimos 500 anos esteve tão dominado por sua correspondente mentalidade colonizada, em nossas escolas nem sequer se consideram como História aquilo que antecede a chegada do português e demais nacionalidades europeias ao nosso continente. Nos cursos de licenciatura é recente o esforço de fazer ressurgir a


“EDITORIAL: Por uma Nova Cultura” história dos povos originários do continente e só há pouco tempo se tornou obrigatório nas escolas o ensino da história dos povos da África, que também compõe nossa formação enquanto nação. Com o golpe militar de 1964 e as reformas neoliberais dos anos 1990, que ainda prosseguem, a desnacionalização da economia acentuou ainda mais a desnacionalização da cultura brasileira, que por intermédio da Televisão, transformada no principal meio de comunicação de massas e tendo como ícones figuras como Assis Chateaubriand e Roberto Marinho, introduz no público geral uma mentalidade de culto ao estrangeiro. Principalmente o culto ao americanismo. Não em seus aspectos progressistas e modernos, mas sim em seus aspectos decadentes - aqueles que sufocam as expressões nacionais, as expressões das massas populares e que impõem uma mentalidade de inferioridade congênita do povo brasileiro e superioridade congênita do elemento Ianque ao qual os povos devem se render e se prostrar à espera de, pela via do bom e infalível livre mercado – cuja santificação tornou-se parte dessa cultura televisivo-antinacional – possa-se fazer escoar um pouco da glória desses “povos superiores”, que compõe as nações imperialistas, para salvar das trevas da escuridão os povos que vivem nos pântanos do mundo colonial e semicolonial. “Toda cultura (como forma ideológica) é reflexo da política e economia duma dada sociedade”, é o que nos ensina o marxismo-leninismo. A cultura nacional dominante no Brasil, como forma ideológica e como reflexo da política e da economia, é antinacional e arcaica. Correspondem às formas agrárias atrasadas que dominam o nosso campo e indústria desnacionalizada, assim como as instituições públicas submetidas ao controle de órgãos financeiros internacionais. Corresponde à mentalidade de colônia que quer nos impor as parcelas mais reacionárias da sociedade, a burguesia “cosmopolita” e os grandes proprietários de terras, cuja mentalidade ainda permanece nos oitocentos. Como resposta, como forma de dar combate à ideologia dominante, às suas mentiras, as suas trapaças e ao seu reacionarismo extremo, que sem constrangimentos caminha para um novo processo de fascistização da sociedade, deve-se desenvolver uma ideologia nova na sociedade brasileira, uma cultura nova, que reflita a mentalidade e o poderio político das classes progressistas, principalmente os operários e a grande massa camponesa, forças protagonistas da grande revolução democrática, agrária e anti-imperialista, que é o conteúdo da revolução brasileira. Aquela ideologia e aquela cultura que acredita firmemente na capacidade criativa das massas, em seu vigor, que, tendo em conta as forças dessas, tentam livra-lhes da desinformação e do efeito corrosivo da ideologia e cultura reacionárias. Tendo isso em mente, acreditamos ser o nome Nova Cultura o mais adequado a uma publicação teórica que pretenda representar as ideias avanças das classes protagonistas das futuras e presentes lutas libertadoras do povo brasileiro. Uma publicação que represente a sua ideologia progressista, a sua forma avançada de agir e de pensar. Uma Nova Cultura, por uma Democracia Nova e uma Nova Sociedade. Como uma revista teórica e revolucionária, a Nova Cultura buscará unir os princípios universais do Marxismo-Leninismo a prática revolucionária dos milhões de homens do povo brasileiro, que luta por sua emancipação, pela transformação de sua realidade. Partimos dos princípios enunciados pelos grandes lutadores e pensadores dos povos do mundo, que são os clássicos do socialismo científico e, por isso mesmo, temos a firme convicção de que a luta dos povos é o único critério da verdade. É só por essa certeza que iniciamos esse trabalho. Estamos certos de que não existe divisão possível entre a teoria e a prática. Nossa Revista buscará dar uma contribuição para o debate político e teórico do movimento comunista brasileiro, buscando a coerência e a aplicação correta do Marxismo-Leninismo na análise da realidade do nosso país e do mundo, de modo que sejamos fieis ao método do materialismo dialético e assim dar a teoria o seu verdadeiro caráter no Marxismo: um guia para a ação. Sem transformar a ciência do proletariado em dogmas, buscaremos por outro lado combater as versões que buscam revisar o Marxismo, tirando dele o potencial revolucionário para dar lugar a ideias que a história já demonstrou a debilidade teórica e prática. Em suma, propomos uma revista teórica, sob a luz do Marxismo-Leninismo, para intervirmos em debates importantes para o cenário político brasileiro e mundial.

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Crítica ao “etapismo” ou confusão revisionista? por G M abriel

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Para nós, da União Reconstrução Comunista, a principal tarefa do movimento revolucionário brasileiro é a de fundar um novo Partido Comunista sob a base ideológica do Marxismo-Leninismo. Obviamente, tal missão exige uma correta compreensão da teoria revolucionária, da história do Brasil, integrando-as com o engajamento nas lutas concretas dos diversos setores das massas populares brasileiras, em especial, o proletariado. Outra tarefa fundamental para a consecução da unidade comunista em um único partido revolucionário é o de definir corretamente o caráter da sociedade brasileira e o programa que deverá ser aplicado pelos comunistas. A URC, ao contrário da grande maioria das organizações que no Brasil se reivindicam comunistas, defende abertamente a Revolução Democrática Popular Anti-Imperialista em direção ao socialismo. Como definimos no documento “O Desenvolvimento da Luta Revolucionária Exige uma Nova Postura dos Comunistas” compreendemos o Brasil como um país dependente e oprimido pelo imperialismo. Muitas organizações não reconhecem essa condição do Brasil; algumas, inclusive, chegam ao cúmulo de classificar o Brasil como um país “imperialista”. Afirmar o caráter dependente do Brasil seria dar mostras de uma baixa compreensão da realidade brasileira, que supostamente teria efetuado sua “revolução burguesa” pela “via prussiana”. Para nós, tais argumentos, além de fracos, na prática negam que o mundo se divide entre países opressores e oprimidos. Vamos, então, apresentar nossas motivações para sustentarmos tal definição sobre o Brasil e, a seguir, desenvolver nossa crítica aos “anti-etapistas”. Brasil como um país semicolonial: o caráter da dependência do país Um dos teóricos mais utilizados pelos defensores da crítica ao “etapismo” é José Carlos Mariátegui, fundador do Partido Comunista do Peru e eminente teórico do marxismo-leninismo[1]. Mariátegui foi uma figura de relevo da luta revolucionária latino-americana e fundamentou, de acordo com a realidade do seu país, o Peru, o caminho da revolução peruana. Afirmava, corretamente que, o socialismo indo-americano “não seria nem decalque e nem cópia”. Atualmente, sua obra é fruto de vivo interesse por várias camadas de intelectuais dando uma grande projeção ao seu nome, outrora esquecido. Qual o motivo de iniciarmos um texto que tem como objetivo, explicar o porquê definirmos o Brasil como um país semicolonial recorrendo à figura de Mariátegui? Assim procedemos porque o consideramos um grande teórico marxista-leninista, que muito pode nos ensinar, e segundo porque foi Mariátegui que criticou a ilusão de certas forças pequeno-burguesas, notadamente ligadas ao APRA[2], em relação ao que se convencionava [1] José Carlos Mariátegui (1984-1930), foi um dirigente revolucionário peruano, fundador do Partido Socialista Peruano, organização Marxista-Leninista, posteriormente com o nome alterado para Partido Comunista do Peru. Analisando o programa do Partido Socialista Peruano é possível identificar claramente que se trata de um programa democrático, popular e anti-imperialista. Diz o documento: “Cumprida sua etapa democrático-burguesa, a revolução torna-se revolução proletária nos seus objetivos e na sua doutrina”. Ou seja, reconhece-se abertamente que a primeira fase da revolução peruana é democrática-burguesa e, posteriormente, de maneira ininterrupta, converte-se em revolução socialista. [2] A Aliança Popular Revolucionária Americana, APRA, é um partido político fundado no Peru por Victor Raul Haya de La Torre. Em sua fundação os apristas visavam construir uma organização de caráter nacional e anti-imperialista que abarcasse todos os países do continente. Suas concepções idealistas e pequeno-burguesas fizeram com que, desde o começo, se colocassem no caminho contrário da ideologia Marxista-Leninista, tida por esses elementos como “dogmática”. Tinham como exemplo de organização o Kuomintang chinês. José Carlos Mariátegui.


“Crítica ao ‘etapismo’ ou confusão revisionista?” chamar de burguesia nacional. Porém, uma definição de Mariátegui - provavelmente ocultada propositalmente por certas forças políticas burguesas e pequeno-burguesas que precisam deturpar o seu pensamento – é a que faz do caráter dos países latino-americanos. Alguns poderão, é verdade, argumentar que se trata de uma definição ultrapassada, mas consideramos que ela contém um elemento importante que viria a ser desenvolvido por Mao Tsé-tung, líder da revolução chinesa, autor que, provavelmente, nunca foi objeto de estudo por parte de Mariátegui[3]. No texto Ponto de vista antiimperialista diz Mariátegui: “Até que ponto pode assimilar-se a situação das repúblicas latino-americanas à dos países semicoloniais? A condição destas repúblicas é, sem dúvida, semicolonial, e, à medida que cresça seu capitalismo e, em consequência, a penetração imperialista, tem de acentuar-se este caráter da sua economia”. (2005, pg.130) Reproduzimos esta passagem de Mariátegui, pois ela deixa claro algo que concordamos claramente: o crescimento do capitalismo em um país oprimido, semicolonial, só fará aumentar a penetração imperialista e, consequentemente, o caráter semicolonial de sua economia. Para alguns, o desenvolvimento capitalista em um país oprimido, seria a maior demonstração de que um país abandona sua condição de país semicolonial. Para nós não se trata negar ou não a existência do capitalismo no Brasil. Consideramos que ao longo do século XX se processou no Brasil um desenvolvimento capitalista, mas que longe de afirmar a soberania do país, só reforçou sua condição semicolonial na ordem imperialista. Portanto, se faz necessário entender o que é o capitalismo burocrático, tipo de capitalismo que se desenveolve em países semicoloniais. Apresentemos, então, o que entendemos por capitalismo burocrático. Para nós, capitalismo burocrático é o tipo de capitalismo que surge em países oprimidos pelo imperialismo. Nos países capitalistas desenvolvidos, o capitalismo surge e se desenvolve mediante a atuação de uma burguesia autônoma, que destrói o Estado feudal e converte-se em classe dominante. O capitalismo se desenvolve no Brasil sob completa hegemonia do capital financeiro e exportação de capitais, fruto da política colonial dos países imperialistas. Os capitais estrangeiros sugam as matérias primas, força de trabalho e capacidade de consumo da nação, remetendo para as matrizes os lucros aqui gerados. O Estado burguês-latifundiário se alia aos capitais imperialistas e transferem as pesadas arrecadações oriundas de impostos e taxações sobre o povo, aos bancos e às empresas transnacionais. Constitui-se uma burguesia subalterna ao imperialismo, associada, alimentada com recursos públicos. Chamamos esta burguesia de burguesia burocrático-compradora ou grande burguesia. Os conceitos de capitalismo burocrático e burguesia burocrático-compradora foram desenvolvidos de maneira global por Mao Tsé-tung. Mariátegui, na época em que escreveu Ponto de vista antiimperialista, não conhecia as definições apresentadas por Mao, daí ter, no mesmo texto, classificado erroneamente como “burguesia nacional” aquilo que, na verdade, constituía a burguesia burocrático-compradora. Mao definia a burguesia nacional chinesa como pequena e média burguesia, classe que estava em contradição com o imperialismo, que possuía, porém, um caráter dual: da mesma maneira que possuía contradições com o imperialismo, temia o proletariado e a possibilidade de uma revolução proletária. Essa definição explica muito bem a atitude da burguesia nacional em diversos países asiáticos e latino-americanos, não somente no século XX, mas também em nossos dias. E ao contrário do que alguns possam pensar, essa não era somente a visão de Mao Tsé-tung a respeito da realidade particular da China, mas sim de todos os países dominados pelo imperialismo. Não é incomum vermos intelectuais e forças políticas dando explicações simplistas sobre a composição da burguesia em um determinado país oprimido. Por todos os motivos aqui expostos, para nós, da mesma maneira que é extremamente importante estudar a Revolução Russa e todas as implicações que este acontecimento produziu sobre o marxismo, igualmente é importante estudar a Revolução Chinesa, que trouxe grandes aportes à teoria do marxismo[3] Mao Tsé-tung converte-se no principal líder do Partido Comunista da China somente após a realização da Conferência de Zunyi, realizada na cidade chinesa de mesmo nome, em janeiro de 1935. Nessa reunião os comunistas chineses fizeram uma vigorosa autocrítica dos erros de “esquerda” que haviam tomado conta do Partido. Só então o nome de Mao Tsé-tung passou a ser mais conhecido pelos comunistas de outros países. José Carlos Mariátegui faleceu em 1930, em Lima.

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leninismo, fato subestimado e não levado em consideração por muitas organizações e teóricos que se consideram “marxistas”. A Revolução Democrática e Anti-imperialista ininterrupta ao socialismo Sabemos que a Revolução de Outubro inaugurou uma nova etapa na era das revoluções. Estabeleceu o primeiro Estado socialista da história e modificou radicalmente a realidade russa. Com a Revolução de Outubro a humanidade entra na etapa das Revoluções Proletárias. Seria, então, contraditório defender a Revolução Democrática e Anti-Imperialista no período em que vivemos? É evidente que não. A Revolução Democrática Anti-imperialista, apesar de, em seu conteúdo, conter vários elementos das antigas revoluções burguesas, não pode ser considerado meramente uma revolução burguesa. É certo que tarefas elementares como a reforma agrária não constituem tarefas propriamente socialistas, porém não é este o problema. Junto com a reforma agrária radical, que destrói o latifúndio e os elementos pré-capitalistas no campo, distribuindo a terra para quem nela trabalha, a Revolução Democrática Anti-imperialista impõe um duro golpe ao imperialismo, por isso uma das suas principais tarefas é expropriar o capital imperialista, bem como os seus aliados internos, a saber, a burguesia burocrática-compradora. Sabemos também que as antigas revoluções burguesas eram revoluções democráticas, já que eram dirigidas contra o feudalismo e possibilitavam que a burguesia destruísse o Estado feudal, chegando ao poder. Porém, e óbvio que a revolução democrática anti-imperialista não visa que o poder político seja conquistado pela burguesia. Devemos, então, definir a revolução democrática- popular e anti-imperialista como uma revolução de novo tipo. De novo tipo porque ela, ao contrário das revoluções burguesas de “velho tipo”, é dirigida pelo proletariado em aliança com os camponeses. Mesmo sendo uma revolução cujo conteúdo não é “socialista aqui e agora” e possuindo um caráter que poderia ser considerado democrático burguês (daí Mao se referir à revolução de nova democracia na China como uma revolução democrática burguesa) está inserida no campo das revoluções proletárias. A revolução democrática e anti-imperialista também se dirige contra o Estado burguêslatifundiário, que serve de sustentação ao imperialismo e a grande burguesia brasileira, e impõe a sua total destruição. Findada a fase democrática e anti-imperialista da revolução, com o proletariado já no poder e edificando um novo estado, esta revolução passa a fase socialista, por isso ser chamada de “ininterrupta”. Estamos, portanto, falando de etapas da revolução. Algumas forças políticas criticam a validade da revolução democrática e anti-imperialista apelando para o exemplo do PT, que segundo eles defendia e aplicou um programa democrático e popular no Brasil, o que não passa de grande mentira. O que dizem os “críticos das etapas”? 1. O PCdoB: Do “socialismo desde já” ao capitalismo burocrático Tendo apresentado o que seria uma revolução democrática e anti-imperialista, examinemos alguns argumentos dos “anti-etapistas”. Os “anti-etapistas”, ao apresentarem suas teses, costumam referir-se a um suposto esquematismo das forças marxistas-leninistas que, coerentemente, defendem a revolução democrática anti-imperialista. Dizem que o “esquematismo” da 3ª Internacional seria o motivo das derrotas sofridas pelo movimento revolucionário. No Brasil, principalmente após a queda da URSS e do Leste Europeu, esta concepção se tornou hegemônica. Analisemos um documento do 8º Congresso do revisionista Partido Comunista do Brasil (PC do B). Em intervenção especial apresentada por Rogério Lustosa [4], intitulada Socialismo: tarefa que se impõe, afirma: “O Brasil necessita passar ao socialismo”. É bom lembrar que é neste congresso que o PC do B passa a criticar os “erros de Stálin”, renegando-o como referência teórica, passando a falar apenas em “Marx, Engels e Lenin”. É também no 8º Congresso que o PCdoB rompe com sua antiga posição alinhada à Albânia de Enver Hoxha. No informe, continua Lustosa: “O PCdoB tem


“Crítica ao ‘etapismo’ ou confusão revisionista?” se orientado de forma consequente no combate à exploração capitalista e indicado o rumo socialista. Mas a caracterização geral das etapas da revolução era marcada por certo esquematismo, que resultava, na prática, em separar mecanicamente duas revoluções. Entre os objetivos da nossa atividade e o socialismo, colocávamos uma muralha que, teoricamente, dizíamos não existir”. (1992, pg.64) Para o leitor mais desatento, o trecho pode parecer de fato um acerto de contas com os “erros do passado”, mas no final das contas, engana apenas incautos. Criticar o “esquematismo” soa ao ouvido dos ingênuos como uma vigorosa crítica, que, porém, não consegue esconder seus artifícios equivocados. Para o PCdoB, a partir daí, o caráter da revolução brasileira já pode ser definida como socialista e o esquematismo consistiria em defender uma etapa “nacional” e “democrática” da revolução para somente depois falar em socialismo. É o momento em que o PCdoB nega definitivamente o materialismo dialético em prol de uma concepção idealista, supostamente radical. Não precisamos recordar que o PCdoB se converte, ainda na década de 80, em uma organização que passa a defender uma concepção equivocada de “revolução democrática”. Primeiro porque passa a acreditar que seria possível conquistar um “governo democrático” nos marcos da ordem burguesa, elegendo elementos “democráticos” e “progressistas” historicamente ligados a ordem semicolonial dominante; segundo porque nega a guerra popular das massas, ou seja, a luta revolucionária, em prol de ilusões eleitorais, reformistas, fazendo com que todo o seu trabalho de massas rondasse na órbita de eleições parlamentares. Ainda assim, precisamos reconhecer que os desvios do PCdoB nessa época estão muito, mas muito longe dos desvios atuais da organização que ainda se reivindica PC do B e que há muito tempo abandonou o marxismo-leninismo. Rogério Lustosa segue em seu informe falando sobre uma suposta “revolução burguesa no Brasil”, fato este que nunca existiu. É certo que os teóricos da “revolução burguesa no Brasil” exercem bastante influência na academia e entre a esquerda burguesa brasileira, mas demonstramos acima, através da explicação do que é o capitalismo burocrático, o porquê nunca uma revolução do tipo ter ocorrido por aqui. Uma coisa é falar do desenvolvimento do capitalismo – desenvolvimento este que não destruiu os elementos pré-capitalistas no campo e neles se apoiam- outra coisa totalmente diversa é falar em revolução burguesa dirigida por esta classe, pois tal tipo de revolução, na etapa do imperialismo, já passou à história. Nos países em que a revolução burguesa se processou desse modo, pelo alto, mesmo com a aliança feita com os velhos elementos das classes dominantes e feudais, gigantescas mudanças estruturais, como a Reforma Agrária, foram efetuadas e a burguesia desses países converteram-se, de maneira autônoma, em classes dominantes. O que Rogerio Lustosa crítica, portanto, não é a verdadeira revolução democrática-popular anti-imperialista, mas sim a versão revisionista que passou a ser sustentada durante a década de 80 pela organização em que militava. Os defensores da revolução democrática anti-imperialista jamais negaram, nem do ponto de vista teórico e nem do prático, que a revolução democrática e anti-imperialista se converteria em revolução socialista. Basta ler os próprios documentos do Partido a partir de 62 e os textos de dirigentes como Pedro Pomar, Maurício Grabois e até mesmo os textos de João Amazonas escritos na época. As afirmações pomposas do PCdoB, a partir de 1992, não impediram que este caminhasse cada vez mais para o pântano, chegando atualmente em seu auge, onde seus dirigentes afirmam soberbamente que o caminho para o socialismo no Brasil é a execução de um “Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento”. O “Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento”, engodo dos mais oportunistas, não passa de mera desculpa para que os dirigentes desse partido se locupletem em cargos rendosos nos vários setores da administração do Estado burguês. Atualmente propagam que são um “partido de todos” resgatando as velhas teses de Kruschev e cia. De “socialismo desde já” passaram a ser um dos mais árduos defensores, dentro do campo da esquerda burguesa, do capitalismo burocrático.

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2. O “imperialismo brasileiro” Outra ideia bastante comum dentro do pensamento de esquerda brasileiro é a do suposto caráter imperialista do Brasil. Em termos gerais, essa tese nega que o Brasil seja, fundamentalmente, um país oprimido pelo imperialismo, fazendo uma mistura e uma confusão de conceitos sem precedentes. Para os defensores dessa ideia, o Brasil, realizou uma “revolução burguesa” e desenvolveu o capitalismo pela via prussiana ao longo do século XX. A “burguesia nacional” brasileira concorreria de maneira autônoma com as burguesias de outros países, incluindo os países imperialistas e, por meio dos governos que a servem, estaria indo atrás do seu lugar ao sol na ordem imperialista. Esta tese parece explicar algumas coisas, entre elas, a presença de empresas brasileiras em outros países, mas no fundo, o que ela revela, é somente a confusão. Os que consideram o Brasil um país imperialista falam do desenvolvimento do capitalismo monopolista no país, porém desconsideram que, praticamente, toda a base industrial brasileira e outros importantes setores da economia do país estão sobre controle estrangeiro, portanto, não podem ser considerados “nacionais” na correta acepção do termo. Ainda em 1971, época em que a grande burguesia e o imperialismo falavam do suposto “milagre econômico” brasileiro, o capital estrangeiro controlava setores importantes da economia. Segundo o economista Adriano Benayon: Em 1971 o capital estrangeiro já controlava setores importantes: mercado de capitais 40%; comércio externo 62%; serviços públicos 28%; transportes marítimos 82%; transporte aéreo externo 77%; seguros 26%; construção 40%; alimentos e bebidas 35%; fumo 93,7%; papel e celulose 33%; farmacêutica 86%; química 48%; siderurgia 17%; máquinas 59%; autopeças 62%; veículos a motor 100%; mineração 20%; alumínio 48%; vidro 90%. Continua, fornecendo o dado sobre o Estoque de Investimentos Diretos Estrangeiros no país, que na época não chegavam a 3 bilhões de dólares. Os dados de 2011 mostram que tal valor atingiu o montante de 669, 5 bilhões de dólares. Os dados fornecidos por Benayon também mostram que o desenvolvimento capitalista que se processou por aqui, foi intensamente controlado pelas nações imperialistas centrais. A conclusão que podemos chegar é que, de lá para cá, o grau de dominação e dependência do Brasil em relação aos países imperialistas aumentou. A burguesia nacional brasileira (pequena e média burguesia) viu o seu desenvolvimento ser coibido pela dominação imperialista, que engendrou no país um desenvolvimento capitalista totalmente deformado. Mesmo a presença dos capitais nacionais em outros países é mínima, se comparado com a presença do capital estrangeiro no país, o que inviabiliza a caracterização do Brasil como um país imperialista, já que todo o desenvolvimento capitalista que por aqui se deu, obedeceu a lógica do desenvolvimento dos países imperialistas centrais. Vale lembrar que um grande número de empresas “brasileiras” que atuam no exterior (notadamente em países da América Latina e África, mas também em países capitalistas centrais) são parcialmente controladas pelos países imperialistas, já que são empresas de capital aberto e que contam com uma grande participação de capitais estrangeiros em sua composição. Isso quando não ocorre o fato de os próprios “acionistas nacionais” de tais empresas e seus diretores serem meros “testas de ferro” de países estrangeiros. A crítica ao “etapismo” promovida pelos defensores dessa tese sustenta que o Brasil já é um país completamente desenvolvido, soberano, e que a dependência em relação ao imperialismo, ao contrário de colaborar com a permanência do atraso no país, dinamizou a economia. A revolução brasileira já teria, portanto, caráter socialista. Esta posição, apesar de sustentar argumentos que em aparência são muito revolucionários e originais, não passam de vulgaridades elaboradas por intelectuais revisionistas, alguns até claramente pró-imperialistas. Afirmar que a dependência “dinamizou a economia brasileira” é fazer reverências às teses do imperialismo e aos intelectuais que, no interior do país, sempre estiveram a seu serviço. Outro argumento importante dos defensores dessa tese é de que a economia brasileira já teria adentrado na etapa monopolista e que isso seria uma comprovação cabal do fato de o Brasil ter se convertido em um país imperialista. Essa argumentação, além de simplista, revela um completo desconheci-


“Crítica ao ‘etapismo’ ou confusão revisionista?” mento do leninismo e faz uma confusão teórica entre o que é sistema, formação econômicosocial e modo de produção. Caráter da Revolução Brasileira:Revolução Democrática-Popular Ininterrupta ao Socialismo ou “Socialismo Aqui e Agora”? Vimos anteriormente algumas críticas feitas pelos anti-etapistas ao marxismo-leninismo e à revolução democrática anti-imperialista, assim como os argumentos daqueles que sustentam o caráter socialista da revolução brasileira afirmando que o Brasil já seria um país capitalista e até imperialista. Para combatermos de maneira adequada essas concepções, faz falta elaborarmos mais estudos científicos precisos sobre a realidade brasileira e desenvolver o Marxismo-Leninismo por meio de uma vigorosa luta contra tais tendências equivocadas. Porém, desde já, podemos apresentar os principais aspectos de nossas ideias sobre a revolução brasileira. Caracterizar o Brasil como um país dependente e oprimido pelo imperialismo faz com que reconheçamos a contradição principal no país, como aquela que opõe a classe operária, camponeses, pequena-burguesia, intelectuais e setores da média burguesia contra o imperialismo, os latifundiários e a grande burguesia burocrática-compradora. Reconhecer este fato nos permite definir quem são os nossos amigos e inimigos na Revolução e quais tipos de alianças poderemos selar. Os que sustentam o caráter socialista da Revolução Brasileira partem do princípio de que o Brasil já desenvolveu completamente o capitalismo – superestimam o desenvolvimento capitalista e ocultam a sobrevivência de formações pré-capitalistas – e que por isso estaria maduro para o socialismo. Negam que exista uma contradição entre a nação e o imperialismo e colocam a dependência como apenas uma característica da economia capitalista desenvolvida do país, quando na verdade é justamente o caráter dependente do país, que constitui a sua principal característica. O que devemos nos perguntar é se defender o caráter democrático-popular da Revolução Brasileira implica afirmar que o Brasil não estaria maduro para o socialismo? Realizar uma revolução democrática-popular exige necessariamente um enfrentamento contra as forças reacionárias da sociedade e contra o Estado burguês-latifundiário que sustenta a ordem atual. Em nossa época, tal revolução só pode ser dirigida pelo proletariado. A direção do proletariado e seu Partido revolucionário irá garantir o avanço da revolução democrática-popular para a etapa socialista da revolução, iniciada após a conquista do poder político do Estado pelo proletariado em aliança com outras classes revolucionárias. Portanto, podemos entender que a revolução democrática-popular está em ligação umbilical com a revolução socialista, e se desenvolve mediante etapas, ao passo que a revolução socialista representa o auge das realizações da revolução democrática, assim como o seu avanço para uma etapa superior.

Referências Bibliográficas MARIÁTEGUI, J. C. Por um Socialismo Indo-americano. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005 PCdoB, O Socialismo Vive – Documentos e Resoluções do 8ºCongresso do PCdoB. São Paulo: Editora Anita Garibaldi, 1992 SHENG, H. A Concise History of The Communist Party of China. Beijing: Foreign Language Press, 1994 MOU KIAO, S. A Transformação Socialista da Economia Nacional na China. Lisboa: Edições Maria da Fonte, 1975.

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“A estratégia do imperialismo na recente crise da Síria”

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A estratégia do imperialismo na recente por crise da Síria Í L A caro

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Introdução O presente texto tratará da recente crise síria, iniciada com as manifestações de Março de 2011, e que se desenvolve até os acontecimentos de meados do presente ano aos acordos pela eliminação das armas químicas sírias, firmadas entre o governo daquele país e a comunidade internacional representada pela ONU. Nesse meio tempo muita água rolou. E seria impossível para nós dissertar sobre todos os acontecimentos que envolvem esse gigantesco conflito. Portanto, propomos sobre ele umas quantas reflexões. Com eixos que julgamos sejam importantes para o desenvolvimento da luta anti-imperialista a nível mundial. No nosso estudo sobre o presidente Hafez Al-Assad afirmávamos: “a Síria, como palco da principal luta anti-imperialista de nossos dias, está nos corações de todos os povos e, principalmente, dos militantes da União Reconstrução Comunista. Todos eles deverão contribuir nessa compreensão materialista e dialética da Síria, de sua história e luta de classes.”[1] Aqui traremos, mas algumas contribuições para esse processo de compressão marxista da Síria Baath e de sua luta recente contra a agressão imperialista. Fracasso das manobras do imperialismo ianque – derrota tática no campo sírio, derrota estratégica a nível mundial Nos últimos meses a Síria tem presenciado importantes acontecimentos. As últimas manobras do imperialismo norte-americano, na pessoa do presidente Barack Obama, para desencadear uma ação militar naquele país terminaram com uma significativa derrota para principal potência militar do mundo. Isso por conta de três principais fatores; 1) o papel desempenhado por China e Rússia na mediação do conflito, utilizando do seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU 2) a posição decidida do regime sírio e seu governo, encabeçado por Bashar Al-Assad, que esteve disposto a resistir até o fim sem dar qualquer sinal de fraqueza 3) e a crescente resistência de setores democráticos da comunidade americana – cujo centro é a classe operária – ao desencadeamento de novas guerra de agressão imperialista por parte do governo dos Estados Unidos, no novo século. Outros elementos também foram importantes. Cresceu em todo mundo o sentimento de solidariedade ao povo sírio e as manifestações anti-guerras imperialistas de agressão. No Brasil, em agosto-setembro deste ano, muitas cidades realizaram manifestações contrárias à tentativa de intervenção norte-americana no país árabe. Na Inglaterra, tal foi à resistência popular, que mesmo o parlamento inglês se viu forçado a rejeitar a participação do império britânico. Ilustres personalidades da sociedade francesa[2] apontaram a completa obsolescência da doutrina anunciada há somente uma década, pelo ex-primeiro-ministro inglês, Tony Blair, sobre “o dever de proteger”. [1] Ícaro Leal Alves. Hafez Al-Assad e a Unidade da Nação Árabe in Revista Nova Cultura. Nº 1, página... [2] Exemplo de Pierre Charasse. Síria: Carta de um antigo embaixador francês a François Hollande in <http://resistir.info/franca/carta_ sarcastica_07set13.html> 2 de setembro de 2013.

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Foi sem dúvida uma histórica derrota. Podemos dizer que o ano de 2013 presenciou uma substancial derrota do imperialismo norte-americano na arena global. Não somente uma derrota no plano tático do imperialismo, pois a ordem unipolar foi exposta, em toda sua fragilidade, no plano estratégico. Novas potências imperialistas despontam para rivalizar e por em cheque a completa liberdade de atuação do imperialismo ianque. Esse debilitamento dos EUA é uma vitória da luta anti-imperialista dos povos, mas também encerra riscos. Não negligenciáveis. Há o risco do aprofundamento das contradições entre as potências mundiais. E o desencadeamento de novas guerras interimperialistas. Na época do imperialismo, época do capital moribundo, a ascensão de novas potências é sempre o preludio de novas guerras. Pois estas têm de competir pela redivisão do mundo, com as potências dominantes. Mas, sem nos perdermos em devaneios sobre os conflitos vindouros, é preciso compreender que a vitória do povo sírio, por mais significativa que seja no plano internacional, no plano interno é ainda vitória tática. Pois a guerra “interna” continua. E ela é de fato uma guerra de agressão. É preciso amadurecer a ideia de que a Síria vive uma agressão imperialista, de forma indireta. Essa não é uma tática nova. Sempre foi utilizada pelas grandes potencias mundiais contra os países socialistas ou anti-imperialistas. Ou simplesmente quando se pretende alcançar um objetivo na estratégia de dominação global. O regime sírio e os objetivos geopolíticos de Israel e EUA Na República Árabe da Síria o regime existente, desde 1963, é um regime anti-imperialista. E por isso é alvo das hostilidades do imperialismo e de todos os inimigos dos povos. Em março de 1963, após uma revolução popular, que tem como principal dirigente o Comitê Militar do Partido Baath no Cairo, institui-se na Síria um poder comprometido com a luta contra o Estado de Israel, contra a influência dos demais imperialismos na região e em realizar reformas democrático-populares contra os feudais e grandes capitalistas locais. O principal líder desse Comitê de jovens baathistas militares é Hafez Al-Assad. Ele tornar-se-ia chefe do Estado sírio a partir do movimento corretivo de novembro de 1970. E então se desencadearia um intenso caminho pela realização da unidade dos povos árabes. Hafez Assad, afirmava que a ideologia do Baath era a aplicação do marxismo a realidade especifica da Síria. Ora, a Síria era então um país semi-feudal e semi-colonial, vítima da agressão militar sionista. Importantes transformações foram realizadas. O processo de reforma agrária, iniciado em já em 1958, período da unidade sírio-egípcia, se aprofunda até desalojar os feudais, o grande capital estrangeiro é nacionalizado nos setores chave da economia, como o petróleo e a eletricidade e se inicia a marcha pela industrialização do país através de planos únicos globais do Estado. A propriedade privada não foi abolida na Síria. Pelo contrário, a constituição de 1973, promulgada sobre o signo da Frente Nacional Progressista, consagra a defesa da propriedade privada dos nacionais sírios. Mas a subordina ao interesse social, entendido como interesse nacional ou de toda nação síria. Portanto a propriedade dos sírios é respeitada enquanto não esteja em contradição com os planos globais de desenvolvimento do Estado. Na prática isso servia para proteger os interesses econômicos da pequena-burguesia síria e eliminar as tensões de classe entre esta e a classe operária. A RAS não será, portanto, um país socialista, mas muito fez para desenvolver um modelo próprio de nova democracia, em realizar definitivamente sua revolução democrática, erguendo um Estado nacional soberano e moderno. O socialismo era parte do ideário de muitos dos seus dirigentes, mas eles não foram capazes de aplicar corretamente uma direção marxista-leninista em sua luta. Principalmente no que respeita a passagem à realização das tarefas democráticas às socialistas. O Baath esteve sempre dividido em dois grandes blocos. E a ideologia liberalburguesa foi nele muito forte. As contradições geopolíticas ajudaram para que se aprofundassem tais contradições. O ideal de Unidade Árabe do Baath permaneceu isolado pela reação de Estados nacionais


“A estratégia do imperialismo na recente crise da Síria” de caráter feudal, confeccionistas e subordinados aos interesses estrangeiros imperantes na região. O desencadear da guerra entre o Irã-Iraque, nos anos 1980, apoiada pelas potências imperialistas isolou da Síria o único regime Baath da região, o iraquiano. Como resultado um permanente estado de exceção se fez presente no país criando uma situação de autoritarismo e o predomínio do poder da segurança do Estado. Com a queda da União Soviética e dos regimes socialistas e democrático-populares do Leste Europeu no inicio dos anos 1990 a situação síria tornou-se delicada. A União Soviética, assim como outros países socialistas foram os principais aliados econômicos e políticos do regime Baath. Sua queda comprometeu enormemente a situação do país, pois esse se viu cercado. Nessas circunstancias os sírios se viram forçados a aproximar-se dos EUA, o que fez crescer a proliferação das ideias neoliberais no interior do Partido Baath Socialista Sírio. Desde o fim dos anos 1990 o regime tem realizado reformas econômicas liberalizantes que foram aprofundadas na era Bashar Al-Assad com a aplicação dos programas do Fundo Monetário Internacional. A nova orientação proporcionou a liberalização da grande burguesia. O capital financeiro inunda o país e com ele cresce a corrupção da burocracia do Estado. Esse elemento seria fundamental para o desencadear da atual situação de conflito interno. Mesmo com os programas do FMI, a ideologia neoliberal difundindo-se com velocidade entre os baathistas e a aproximação política com o Ocidente liberal é completamente falsa a ideia que tenta apresentar a atual Síria de Bashar Al-Assad como um país lacaio do imperialismo. A aproximação com os EUA no inicio dos anos 1990 não significa nenhum favoritismo com o capital anglo-saxônico. Pelo contrário, China e Rússia guardam ainda grandes interesses econômicos na Síria, sendo seus principais parceiros. O Estado sírio tem se esforçado por assegurar aos produtos de primeira necessidade, principalmente alimentícios, um preço fixo abaixo do valor de produção e oferece serviços essenciais gratuitos. Seu exército é extremamente poderoso e moderno, o que preocupa sobremaneira Washington e Tel Aviv. Trata-se do principal objetivo estratégico do imperialismo em nossos dias o completo desarmamento dos Estados nacionais. Desde que Robert McNamara anunciou a nova ideologia do império, segundo a qual os países do terceiro mundo não precisam mais de exércitos nacionais, essa tornou-se uma questão vital. Todos os Estados que tem desenvolvido suas forças armadas, ou mesmo armas nucleares tem estado na mira do império. No caso de Damasco, existe ainda um agravante. Os israelenses não querem que a OLP tenha um aliado militarmente tão poderoso quanto RAS. Muitos guerrilheiros palestinos são treinados em território sírio, e o governo sírio nunca renunciou a causa palestina da formação de seu Estado nacional, com capital em Jerusalém. O atual apoio do Irã e do Hezbollah (libanês) a Bashar Assad, bem como a feroz resistência desse último no conflito interno-externo é uma prova do explosivo potencial de luta que ainda guarda a atual Síria Baath e põe em pânico as forças da reação frente ao risco de uma segura aliança anti-imperialista tripartite (Hezbollah, Irã e Síria) na região. Fora esses elementos conjunturais, muitas evidências apontam para o caráter indissociável do sionismo e do projeto de dissolução, não só do Estado sírio, mas também de outros Estados da região, ao qual Israel pretende reduzir a microestados beligerantes entre si. Israel ainda guarda pretensões territoriais sobre a Síria e seu projeto de destruição desta data de 1982, quando da guerra do Líbano. Nesse ano, veio a público um documento intitulado Kivunim (direções), publicado pelo Departamento de Informação da Organização Sionista Mundial. Seu autor era Oded Yinon, que esteve vinculado ao Ministério do Exterior de Israel e refletia o pensamento do establishment militar e da inteligência israelense. Além de sistematizar o já conhecido plano de despovoamento da Palestina, o Kivunim esboçava a destruição do Líbano, Síria, Irã, Iraque, Egito e Jordânia. No referente a Síria dizia-se: “A Síria cairá alquebrada, de acordo com a sua estrutura étnica e religiosa, dividindo-se em vários Estados, como acontece hoje no Líbano, de modo que haverá um Estado xiita alauíta na costa, um Estado sunita na área de Aleppo, outro Estado sunita em Damasco hostil ao seu vizinho no Norte e os drusos que estabelecerão um Estado, talvez, inclusive, em nosso Golã [as Colinas de Golã foram ocupadas

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por Israel em 1967], e sem dúvida no Hauron e no Norte da Jordânia. Esse estado de coisas será a garantia da paz e da segurança na área a longo prazo e esse objetivo, hoje, já está ao nosso alcance.”[3] Não é curioso, que hoje, 30 anos depois, os “rebeldes” sírios pretendam realizar esse mesmo objetivo de uma Síria dividida em conflitos sectários? A primavera árabe e a Síria Colocamos esta questão não por acaso. A que se perguntar qual a real participação das forças de inteligência estrangeiras nos recentes acontecimentos em países árabes, nos últimos três ou quatro anos. Até onde eles foram acontecimentos espontâneos? Ora, os meios de comunicação do Ocidente liberal tem se preocupado em enaltecer as atuais “revoluções populares” daqueles países desde a primavera árabe. Esse movimento que se estende por uma serie de países árabes tanto do médio e próximo Oriente até o norte da África. É verdade que existia um enorme acumulo de insatisfação popular entre aqueles povos, principalmente com as difíceis condições de vida da classe operária e o autoritarismo estatal. Mesmo na Síria. Em meio a essa avalanche, governantes pró-imperialistas e anti-populares como Mubarak e Ben Ali foram derrubados. Porém, não é estranho que tal avalanche não tenha alcançado a arque-reacionária Arábia Saudita? E como explicar que uma revolução popular tenha deposto e assassinado o coronel Muammar Al-Gaddafi, para destruir uma Líbia estável e próspera e transforma-la num país divido pela violência sectária e incapaz de governa-se a si mesmo? Muitos analistas, como o especialista em geopolítica de Washington, William Engdahl, tem apontado para a coincidência de muitos processos “revolucionários” e a agenda da globalização proposta pelos EUA, desde a queda de Slobodan Milosevic. Para ele, braços do imperialismo como OTPOR e CANVAS atuam no desencadeamento dessas “revoluções”. É o próprio chefe-instrutor da CANVAS, o sérvio Popovich, quem afirmar que não se deve exagerar o caráter espontâneo dessas rebeliões.[4] Por mais que se precise ser cuidadoso na analise desses acontecimentos, visto a enorme combinação de interesses e a conjuntura especifica de cada país é evidente que o imperialismo tem aplicado uma estratégia nos países árabes em “revolta”. Vamos nos ater ao caso sírio. O avanço das reformas neoliberais naquele país tem dificultado a vida das massas trabalhadoras, já afirmamos. Mas na chamada “Revolução de Março” (de 2011) as manifestações de rua clamavam pela queda de Assad, uma nova constituição e eleições pluripartidárias. A revolução popular síria pretende transformar o país definitivamente num Estado burguês ordinário, com uma democracia como a que goza mesmo muitos países neocoloniais (como o Brasil), mas não se livrar dos programas do FMI? Desde a última década dos novecentos e o inicio do novo século muitos países tem protagonizado revoluções coloridas. Todas elas têm em comum serem completamente distintas do marxismo-leninismo. Elas não podem servir a causa de emancipação da classe operária. Pelo contrário servem ao imperialismo e ao fascismo. As recentes “revoluções” árabes – elas são na verdade contrarrevoluções – somente têm servido para proliferar os Mujahidines e aumentar o poderio da irmandade muçulmana. Essa organização que luta para impor a Sharia e se opõe violentamente ao laicismo e ao arabismo progressista do Baath, ao qual contrapõe uma sectária unificação muçulmana. Atualmente os agentes da Frente Al-Nusra atuam na Síria sob o grito de Allahu Akbar. No setembro último, o governo de Israel afirmou que exige a deposição de Assad, mesmo que isso signifique entregar o poder a esses homens. Mas se a Al-Nusra conquista Damasco, até onde as sangrias sectárias não evoluiriam num redemoinho, que ameace engolir até mesmo Tel Aviv e Jerusalém? [3] Ralph Shoenmann. A História Oculta do Sionismo. Edição de 2008, página 196. [4] Ver o documentário The Revolution Business – World in << http://www.viomundo.com.br/denuncias/otpor-exportando-a-revolucao-desdebelgrado.html>> 4 de julho de 2013.


“A estratégia do imperialismo na recente crise da Síria” Khalid Abu Salah e outros agentes do CIA fazem a revolução na Síria Afirmamos que a Síria é sim vitima duma agressão imperialista. Ela não é uma agressão direta. Mas a atual guerra civil desencadeada naquele país não é, como se pensa, uma revolução popular contra a “ditadura de Bashar Al-Assad”. E o povo sírio coloca-se efetivamente hoje ao lado de Assad, no qual reconhecem o legitimo líder do país. Os que travam a luta armada contra as tropas leais do Exército Árabe da Síria são mercenários capitados em outros países da região, que na maioria das vezes falam dialetos incompreensíveis para os sírios, radicais islâmicos e desertores do Exército, que corrompidos e cooptados pelas forças estrangeiras formaram o Exército Livre da Síria. Eles compõem uma força heterodoxa (fundamentalistas e pró-ocidentais sediados em Istambul), mas coligada na luta contra as forças leais. A luta que travam contra as forças da EAS é contra o próprio povo, e eles não excitam em usar de métodos terroristas e realizar massacres contra civis. Mas então, como se consolidou no ocidente a imagem de uma guerra civil travada por um enorme corpo de segurança do sangrento ditador contra um exército revolucionário e democrático que tem o apoio da maioria do povo? É ai que entra em cena os serviços de inteligência estrangeira que buscam criar as condições propicias para a intervenção militar direta em apoio aos “rebeldes”. Eles têm financiado agentes, que atuam internamente para promover factoides, desde o inicio do ano de 2011. Antes mesmo do inicio dos enfrentamentos armados, Khalid Abu Salah, Danny Abdul Dyem, Neil Hollisvort entre outros “jornalistas”, ou “simples ativistas” produzem noticias falsas sobre massacres promovidos pelas forças de Assad contra as populações civis desarmadas. O padrão é sempre o mesmo, “Assad bombardeia cidades por horas inteiras”, “dispara contra multidões”, e, curiosamente, sempre “mata mais de 200 pessoas”. Um documentário produzido pela televisão russa prova que se trata de factoides produzidos por Khalid Abu Salah e sua equipe, junto ao agente da CIA Tim Crokett.[5] Crokett era um antigo oficial da CIA que trabalhou no Iraque treinando e monitorando jornalistas. Com o inicio dos conflitos de rua na Síria entre manifestantes e forças de segurança ele instala-se na Síria. As imagens apresentadas pela televisão russa são chocantes. Nelas, esses “simples ativistas” e “jornalistas” produzem incêndios, os quais atribuem as forças de Assad, encenam a própria quase morte, para reviver rapidamente menos de três dias depois. Criam cenas de conflito e de morte para vendê-las a Al-Jazeera e a Al-Arabiya como crimes do EAS. Esses mesmos indivíduos podem também ser vistos em conferências internacionais de altacúpula, onde clamam pela salvação da Síria através de uma intervenção estrangeira. Não são mais do que agentes a soldo, que pretendem que as forças imperialistas venham ao socorro dos agentes títeres da ELS e da Al-Nusra cada vez mais acossados pelas forças de Al-Assad. As armas químicas – continuidade da estratégia do factoide Em plena concordância com a cena interpretada desde o começo da luta, os agentes títeres e os imperialistas preparam uma nova justificativa para a agressão no ano de 2013. A tática é a mesma, produzir cenas horríveis e atribui-las a Assad. Isso foi feito em 2012, quando dos massacres de Hula. Todos os porta-vozes de EUA, Reino Unido e França, esforçavam-se por condenar o regime de Damasco pelos crimes, numa gritaria sem fim, e isso mesmo depois de o chefe da expedição da ONU designada para uma inspeção in loco, o general norueguês Robert Mood, haver afirmado o caráter inconclusivo da sua investigação. Isso porque, segundo disse, mesmo sendo inconteste que na região se produziram massacres, as provas apresentadas sobre a relação do regime com os crimes são “turbas”. A nova ofensiva desencadeada esse ano, teve como centro, o massacre com armas químicas contra a população de um subúrbio de Damasco controlado por “rebeldes” sírios. De [5] O documentário da televisão russa encontra-se legendando para o português e está disponível em três partes in <http://www.youtube. com/watch?v=s51wpKCHQPQ>, <http://www.youtube.com/watch?v=Rd6BCp_RnmA> e <http://www.youtube.com/watch?v=SmQ0cd-BE0o> sob o título geral de Como a CIA faz a Revolução na Síria.

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imediato e sem qualquer esforço em verificar os fatos o imperialismo norte-americano se lançou em frenética preparação da guerra direta. Se viu completamente frustrado e hoje tem de amargar as constantes derrotas de seus agentes militares internos sem poder intervir. Nesse episódio o papel da imprensa burguesa foi mais uma vez de lacaio, que se esforçou em massificar a ideia de que fora Assad o responsável pelo massacre dos civis. Mas no Brasil, na imprensa pró-imperialista destacou-se um elemento curioso. A atuação do trotskismo como vanguarda da propaganda burguesa. Em seu site, o PSTU escrevia já em 21 de agosto de 2013, dia mesmo da denuncia dos ataques: “Na madrugada desta terça para quarta, a ditadura de Bashar Al Assad desferiu um brutal ataque com armas químicas na periferia de Damasco, matando centenas de pessoas, entre mulheres, idosos e, sobretudo, crianças, na região de Ghouta, subúrbio da capital. Este pode ter sido o ataque mais letal lançado por Assad contra a população civil. As imagens das vítimas fatais e do desespero do povo sírio frente ao ataque do governo estão provocando indignação em todo o mundo e revelam a verdadeira face dessa ditadura genocida.”[6] Até mesmo em páginas da grande imprensa burguesa era possível ver analistas agindo com mais moderação, mesmo compartilhando do mesmo esforço do PSTU em qualificar Assad como um ditador e apresenta-lo como divorciado do apoio popular. Numa página de O Estadão podemos encontrar o seguinte raciocínio: “Pela lógica, o regime de Assad não usaria este arsenal agora por pelo menos quatro motivos. Primeiro porque o regime vem ganhando a guerra e não existe nenhuma necessidade de se desesperar. Em segundo lugar, as forças de Assad sabem que podem matar uma ilimitada quantidade de pessoas sem correr o menor risco – a administração de Barak Obama considera apenas o uso de armas químicas como um divisor de águas. Terceiro, a ação ocorreu nos subúrbios de Damasco, quase integralmente controlados pelo regime, embora esta zona esteja nas mãos de rebeldes. Por último, por que atacar justamente com a presença de inspetores da ONU?” Esse mesmo autor admite a possibilidade do ataque ter sido perpetrado pelas forças sírias leais, mas pondera: “Existe a possibilidade de o regime de Assad ter sido sabotado internamente. Algumas facções supostamente a favor do regime teriam usado, com ou sem o apoio de forças estrangeiras, os armamentos químicos de propósito para elevar a pressão internacional contra o líder sírio justamente no momento em que os inspetores estão presentes em Damasco.” E numa atualização posterior ainda encontramos: “Escrevi inicialmente que seria difícil ter sido a oposição. Mas novas informações podem apontar para a autoria dos rebeldes. As armas não seriam tão sofisticadas e, aparentemente, foram lançadas por um foguete caseiro. Esta versão tem peso forte na Rússia”[7] Óbvio, esse tipo de moderação destoa totalmente com o que no geral se encontra entre os meios oficiais da burguesia, que tem sido radical em sua condenação a Assad e ao regime da República Árabe da Síria, mesmo meses depois dos ataques, quando o governo tem se comprometido com o plano da ONU de eliminação das armas químicas e os EUA demonstrouse completamente incapaz de provar o envolvimento deste com os ataques. A estratégia do imperialismo para a subversão nos países socialistas e antiimperialistas Para finalizar devemos sintetizar o que se depreende estudando a geopolítica do último meio século. A linha de continuidade muito nítida entre a atividade executada pelos órgãos de inteligência dos países imperialistas para a subversão nos países socialistas e nacionalistas que vai desde os antigos países de democracia popular no Leste Europeu nos anos 1950 (Polônia, Hungria, etc.) até os países nacionalistas anti-imperialistas do Oriente Médio, África e América Latina dos nossos dias (Síria, Líbia, Venezuela etc.).

[6] Ditadura Assad massacra a população civil com armas químicas in << http://www.pstu.org.br/node/19938>> 21 de agosto de 2013. [7] Gustavo Chacra. Entenda o mega ataque químico hoje na Síria in << http://blogs.estadao.com.br/gustavo-chacra/entenda-o-mega-ataque-quimico-hoje-na-siria/>> 21 de agosto de 2013.


“A estratégia do imperialismo na recente crise da Síria” 1º) Esses serviços tentam por todas as formas valer-se das divergências internas na cúpula desses governos ou partidos de governo, para cooptar para seus fins elementos dissidentes da linha oficial. 2º) Impulsionam a atividade de cúpula desses elementos dissidentes cooptados até criar uma crise de governo nesses países que faça afrouxar o poder. 3º) Utilizando-se das reivindicações legítimas da classe operária e do povo trabalhador desses países tentam criar uma ruptura entre o governo e o povo, utilizando-se de agentes internos, ou de seus meios de comunicação de massas (antes o Rádio, hoje a Internet) para espalhar boatos e mexericos entre as massas populares. 4º) Armam elementos degenerados e delinquentes de crime comum para lutar contra os governos e transformam-nos com sua propaganda em vanguarda dos oprimidos pelas tiranias comunistas ou nacionalistas. 5º) Quando, em meio a situação de crise, criadas pelas próprias atividades subversivas dos países imperialistas, e de seus agentes, os meios de comunicação desses mesmos países divulgam para o mundo sempre notícias parciais, unilaterais e incompletas. Apresentam sempre a reação enérgica desses governos socialistas ou nacionalistas, suas ações violentas em resposta a subversão, ingerência e atividade sabotadora como prova do caráter violento desses, para criar na opinião pública internacional um sentimento de rejeição, e isolar aquele país no momento difícil, para que não possa buscar ajuda e se veja forçado a desencadear sempre mais violência para reagir a violência da reação até se ver envolvido numa situação de guerra civil. Dessa maneira os imperialistas pretendem também controlar psicológica e ideologicamente suas próprias populações. 6º) Em último caso os países imperialistas podem intervir diretamente nesse países, com intervenções armas, caso o método da subversão interna não tenha alcançado o fim desejado, mas tenha criado uma condição favorável a essa intervenção. Com o fim da URSS e do campo dos países socialistas a situação se torna mais favorável a essa intervenção e ao controle global pelo imperialismo norte-americano.

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Introdução O presente texto tem por objetivo abrir para os camaradas da União Reconstrução Comunista e seus simpatizantes, bem como, para todos os combatentes do povo uma discussão sobre a realidade da Síria contemporânea. Ele é um texto inicial. Somente dá partida a uma discussão que é muito frutífera. Mas não pretende ser definitivo, nem pode ser completo. Devido às deficiências do autor mesmo. Porém, mesmo o estimulo a uma tal reflexão, que se questione sobra a verdadeira realidade e história da Síria Baath Árabe, para além das narrativas oficias da imprensa burguesa e imperialista, consideramos, seja já uma grande iniciativa. Atualmente a Síria é o palco de uma das mais tristes e calamitosas crises humanas da nossa época. O século XXI, cujo imperialismo, momentaneamente triunfante, prometera ser de vibrante prosperidade universal e de paz para todos os povos, isso em decorrência do desmantelamento do socialismo mundial e dos regimes inspirados no “totalitarismo” soviético, é na verdade uma sangria desatada para todos os povos. Ele se encontra somente em sua segunda década e já testemunhou o massacre dos povos iraquiano, afegão, líbio e ainda presencia o sempre continuado massacre do povo palestino, irmão querido de toda humanidade, humilhado e pisoteado pelo Estado de Israel, mas que nunca desistira de lutar por sua libertação. Também a Síria é palco do derramamento de sangue. Atualmente massacra-se o povo sírio, matam-se crianças, extirpam-se os fetos de dentro do ventre de suas mães. Um carniceiro canibal e fanático come corações. Um mercenário checheno pode vangloria-se de haver matado mais de 300 sírios. Claro, tudo em nome da democracia, da luta contra o totalitarismo, a corrupção despótica e o estatismo locou, se se acredita na narrativa oficial da imprensa colonizada. Manobra-se para transformar o conflito sírio em uma intervenção estrangeira direta. Nesse mesmo ano, uma terrível tensão também pôs em cheque a frágil estabilidade da península coreana. Até recentemente o Irã também era alvo de provocações e clamores de intervenção. Em todas essas crises, em todos esses atos de atrocidades cometidos no novo século é o imperialismo o bandido que promove a fanfarra. Fanfarra sangrenta e desumana. Mas a propaganda e a desinformação burguesa, principalmente no Brasil, onde os veículos de comunicação que


“Hafez Al-Assad e a Unidade da Nação Árabe” mais alcançam o público pertencem a grandes grupos monopolistas, dependentes do capital estrangeiro e vinculados historicamente ao autoritarismo estatal – exemplo da Rede Globo – tenta apresentar o discurso legitimador que sustenta o imperialismo norte-americano como totalmente condizente com a verdade. Dessa forma, as guerras sangrentas travadas pelo império em nome do lucro máximo são sempre guerras pela democracia e contra o totalitarismo, ou, – o termo até ontem da moda – o terrorismo. Assim, ao folhear as grandes revistas e jornais, ou, ao acompanhar a guerra pela televisão, os “rebeldes” sírios tornam-se um grupo homogêneo composto por revolucionários democráticos que querem libertar a Síria da “ditadura de Bashar Assad”. Também aqui há uma simplificação, o regime de 50 anos do Baath Árabe. Que há 50 anos dirige um país numa das regiões mais explosivas do mundo é enquadrado nesse simples termo, “Ditadura”. Aqui também há um empobrecimento da linguagem. Léxicos como “democracia” e “ditadura” não tem mais um sentido complexo, nem uma longa história de desenvolvimento e significação. Eles são a sua ressignificação em um sentido neoliberal aberrante. É por isso que pretendemos aqui realizar uma analise mais profunda, na medida dos nossos limites, dá realidade desse país nada desprezível em contribuições à história do mundo. Ela deve começar por essa fundamentação histórica da atual Síria Baath. O surgimento do atual regime revolucionário sírio. A história do seu principal líder e símbolo, o presidente Hafez Al-Assad, e de sua luta pela unidade da Nação Árabe em sua luta de libertação nacional contra o império sionista assassino. Lembremos, porém, que se trata de um texto introdutório. A Síria, como palco da principal luta anti-imperialista de nossos dias, está nos corações de todos os povos e, principalmente, dos militantes da União Reconstrução Comunista. Todos eles deverão contribuir nessa compreensão materialista e dialética da Síria, de sua história e luta de classes. Devemos travar a luta das ideias contra a leitura burguesa da realidade síria nessa e em novas edições da Revista Eletrônica Nova Cultura. Por que escrever sobre o presidente Hafez Al-Assad? Esse texto tem uma finalidade histórica. É uma discussão histórica. Mas não pretendemos aqui haver apresentado uma incrível novidade, no sentido de termos descobertos novas informações sobre o presidente Hafez Assad. Somente repetiremos simples verdades, recentemente esquecidas por pura conveniência. Para a imprensa burguesa, desde a primavera árabe, que também alcançou os sírios, e mais ainda, com o inicio da guerra civil, a Síria é um regime de ditadura de Bashar Al-Assad, que por sua vez herdou o poder de seu pai, Hafez, um “golpista”, que era o ditador do país, entre 1970-2000. Atendendo aos chamados dos seus patrões burgueses, os trotskistas do PSTU trazem para o Brasil uma agente da CIA, Sarah Al Suri, que trabalha arrecadando fundos para o Exército Livre da Síria, para depredar um monumento a Hafez Al-Assad na cidade de Curitiba. O argumento, “Não podemos aceitar que Curitiba mantenha uma homenagem a um ditador, que é contra a liberdade de um povo”. Os trotskistas e a agente da CIA pretendiam falar em nome do povo sírio. Mas será isso verdade? Óbvio que não. Como resposta uma contra manifestação foi organizada pela comunidade síria no Brasil: “Os manifestantes da comunidade síria que, do outro lado da praça, seguravam cartazes com imagens de Bashar Assad, criticaram o protesto opositor por não representarem suas demandas. ‘Nós estamos a favor do governo sírio, então queremos que a estátua fique’, disse o comerciante Ghassan Youssef. “‘Se o povo da Síria quisesse o presidente fora do país, ele sairia’, disse à Gazeta do Povo Abdo Dib Abage, cônsul honorário do país no Paraná e em Santa Catarina. ‘Esses manifestantes não falam por nós, nem por ninguém que vive na Síria.’”[1] É verdade também que organizações de Esquerda, fiéis aos seus ideais anti-imperialistas, têm nos últimos meses se levantado contra as manobras espúrias dos Estados Unidos para intervir na Síria. Essas organizações foram às ruas do lado do povo sírio, e não do imperialismo, [1] Rodolfo Stancki. Busto de ex-presidente sírio motiva protestos em Curitiba, 19/12/2012 in Gazeta do Povo site: http://www.gazetadopovo. com.br/mundo/conteudo.phtml?id=1329209&tit=Busto-de-ex-presidente-sirio-motiva-protestos-em-Curitiba

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para dizer “Não a intervenção! E sim a Síria de Bashar Al-Assad e ao seu povo soberano!” . Porém, isso não basta. É preciso avançar na consciência de que a Síria vive sim uma agressão imperialista, mesmo que não de forma direta. Que o país não é simplesmente mais um país ameaçado pelo império, que ele tem uma história e que é um posto central na luta contra o imperialismo. Que é a sua opção pela Unidade Árabe que faz dele um alvo de longa data da Organização Sionista e do Imperialismo Ianque, que esperam somente o momento de poder destroçar aquele heroico país e seu povo, tal como fizeram com a Líbia de Gaddafi. Por isso se faz importante escrever sobre Hafez Assad, suas ideias, seu partido Baath e seus ideais inalienáveis de Unidade da Nação Árabe para travar a guerra de libertação contra o imperial-sionismo. Do Colonialismo Otomano e Europeu ao Renascimento Árabe A República Árabe da Síria é um ponto estratégico entre o Oriente Médio e Próximo. Situada na Costa do mediterrâneo, está próximo da encruzilhada entre Ásia, África e Europa. Limita ao norte com a Turquia, ao leste com o Iraque, ao sul com a Jordânia e a Palestina (atualmente Israel) e a oeste com o Líbano e o Mar Mediterrâneo. Para todos os analistas é um país chave seja para a paz ou para a guerra naquela região. O povo sírio foi parte – assim como muitos outros – do império otomano. E como tal, esteve subjugado a dominação turca. Após sua libertação entre fins do século XIX e inicio do XX, as nações árabes ficaram progressivamente sobre a dominação do colonialismo europeu. A Síria cairia sob o mandato francês a partir de 1920. Antes desse momento os sírios gozavam de um território de 300.000 Km². A Conferência de San Remo, em abril de 1920, divide, sem qualquer consulta popular, esse território. Essa decisão é tomada pelos governos inglês e francês que anexam Bekaa ao Líbano. Com um traço de lápis sob um mapa, Georges Clemenceau refaz as fronteiras do mundo árabe e elimina para sempre a Grande Síria, o país Bilad Cham. Que a altura do domínio otomano incluía o Líbano, a Palestina e parte da Transjordânia até Mossoul. Durante os 21 anos de mandato francês a resistência nacional jamais cessou. Durante a primeira guerra mundial, em decorrência dos terríveis sofrimentos infligidos aos sírios pelos turcos, os primeiros decidiram aliar-se aos britânicos e também aos franceses. Mas eles seriam traídos. Em março de 1920, a reinvindicação do Congresso Nacional Sírio da independência de Bilad Cham se vê frustrada pelo mandato. O emir Faisal, líder dos nacionalistas árabes, é derrotado em Khan Meyssaloun pelas tropas europeias, refugiando-se em Bágda, onde se faz proclamar rei, em 21 de agosto de 1921. Quatro anos depois os combates recomeçam em Damasco. A Síria é dividia em pequenos estados e duas tentativas de constituintes são dissolvidas. Uma feroz repressão colonialista se abate contra as revoltas nacional-libertadoras. Tudo para fazer fracassar o projeto da Síria livre. Nada funciona. A chegada ao poder do governo de Frente Popular, apoiado pelo Partido Comunista, na França, acelera a independência síria. Porém, o tratado franco-sírio, de 1936, é rejeitado pelo parlamento. É a luta antifascista de libertação nacional durante a segunda guerra mundial – essa enorme guerra de guerrilhas internacional, cujo epicentro são as forças da aliança operário-camponesa, e que também envolve o povo sírio – que dará a liberdade para esse país. Em junho de 1941, as forças francesas livres e aliados britânicos adentram na Síria para neutralizar o governo de Vichy na região, aliado dos alemães. Manifestações populares pela independência tomam todo país. Esta é proclamada pelo general Catroux, em 27 de setembro de 1941, em nome do Comitê Nacional de Libertação. Chouki Al-Kouatli é eleito o primeiro presidente da República Síria, em 1943, e os franceses constituem divisões especiais com soldados sírios e libaneses. Mas o poder não foi transmitido de imediato das mãos dos colonialistas franceses para a das autoridades legitimas nativas. A Síria, que, em 22 de março de 1945, participara da fundação da Liga dos Estados Árabes, continuava submetida. A política dos imperialistas de utilizar dos recursos alimentícios para abastecer as suas tropas especiais de ocupação no período crítico do segundo pós-guerra criou uma situação de fome entre o povo, desencadeando a revolta


“Hafez Al-Assad e a Unidade da Nação Árabe” anticolonial do começo de 1946. As forças francesas foram forçadas a se retirar, em 17 de abril. Antes haviam bombardeado Damasco, entre 29 e 30 de maio do ano anterior, porém, o movimento daquele ano foi uma verdadeira revolução popular, contra a qual o imperialismo francês debilitado e comprometido no massacre do Vietnã não pode combater. Na Síria independente a luta não cessaria. Para toda uma geração de jovens estudantes e ativistas sírios, entre os quais se incluía o jovem estudante secundarista de Lataquia, nascido em outubro de 1930, Hafez Al-Assad, a verdadeira independência ainda estava por vir. Eles acreditavam que para varrer de vez as estruturas coloniais, e evitar que o país fosse condenado a ser uma neocolônia era necessário combater o imperialismo das grandes empresas estrangeiras, derrubar feudalismo e o poder dos grandes capitalistas locais, entregando o poder ao povo, que compreendiam como o grosso da nação, os camponeses, operários e os pequenos comerciantes. É sob esse ideário que nascerá o Baath.[2] O nacionalismo árabe fermenta na cultura do país durante os conturbados anos trinta, inspirando uma série de intelectuais progressistas. Durante o processo de independência do inicio dos anos quarenta a ideologia do Ressurgimento (Baath ou Baas) é um desdobramento lógico. Seus principais inspiradores serão Zaki Al-Arzouzi, Michel Aflak e Salah Bitar. Segundo Lucien Bitterlin, estudioso dos assuntos árabes e biografo de Hafez Al-Assad, os baathistas acreditavam que: “Para resistir ao invasor, era necessário a união entre os árabes. Ao nacionalismo sírio, uma outra dimensão se acrescentava, a do arabismo. Que se manifesta cada vez mais nos discursos. Assim como outros árabes vivendo sempre sob ocupação estrangeira na África do Norte, no Iêmen, nos Emirados, e que a Liga Árabe fundada em 22 de março de 1945, composta de sete países, incluindo a Síria, tinha por objetivo ‘coordenar suas políticas e defender de todos os modos sua independência e soberania contra toda agressão’. Se a Síria tornou-se independente, a Palestina com o qual seu destino sempre esteve ligado, por sua vez tinha como rotina diária enfrentar a realidade da chegada maciça dos sionistas.”[3] O Partido Baath Árabe realizou seu primeiro congresso no Café El Rashid, na rua 29 de maio, em Damasco, em abril de 1947. Esse congresso formulou uma constituição da ideologia Baath baseada nos princípios de unidade, liberdade e socialismo. No inicio dos anos cinquenta o Partido se funde ao Partido Socialista Árabe, transformando-se no Partido Baath Árabe Socialista. Em sua constituição encontram-se trechos como “A política externa se inspira nos interesses do nacionalismo árabe... Lutam os árabes com todas as suas forças para... suprimir todo poder político ou econômico estrangeiro em sua pátria...” e “...a riqueza econômica é propriedade da Nação... A exploração do esforço do próximo é proibida... A propriedade agrícola é limitada... submetida à inspeção do Estado e deverá estar em harmonia com o seu plano econômico total... Deverão colaborar os trabalhadores na administração de suas empresas... Eles receberão, além de seus salários, uma parte dos lucros...”[4] Hafez Al-Assad estava entre os jovens militantes do Baath. Sua militância era combativa e reconhecida por todos os estudantes de Lataquia. Ele define assim as razões que o levaram a se engajar na atividade militante: “O que me conduziu à militância antes de 1952? Constatar a realidade de uma nação árabe que sofria com a guerra e com dificuldades interiores. Uma parte da nossa nação árabe, a Palestina, estava ocupada (...) Considerávamos que ela era conseqüência direta da desastrosa situação interior que suportávamos e de todos os males que atingiam a pátria árabe. Aquela realidade possibilitou, de fato, aos sionistas a invasão da Palestina. Era meu hábito dizer, quando estudante, que o doente de tuberculose ou câncer não poderia ser um combatente. Ele não poderia se mostrar forte se a sua força física estava debilitada. Ele precisava ter cuidado antes de tudo. Era nosso caso. Nós éramos fracos e para vencer era preciso ser forte. “Os problemas econômicos se mostravam graves, acarretando o surgimento de uma população de explorados. Os camponeses viviam miseravelmente, trabalhando terras [2] O termo Baath ou Baas, variando de acordo com a transliteração, significa ressurgimento. [3] Lucien Bitterlin. Hafez Al-Assad – O Percurso de um Combatente. Edição de 1998, página 28 [4] Obra Citada página 30

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que não lhes pertenciam e recebendo por isso salários insuficientes. A maioria das crianças não freqüentava a escola. (...) A administração estava em mãos feudais e a mentalidade era colonialista.”[5] Da ditadura semicolonial dos feudais e grandes capitalistas a revolução de 08 de março de 1963 Após a independência de 1946 o regime que imperou no país foi um semi-colonialismo governado por feudais em aliança com os grandes capitalistas. Partidos como o Partido Nacional, o Partido do Povo e os Irmãos Muçulmanos eram os mais influentes. Todos eles estavam preocupados com a manutenção de seus interesses econômicos privados. Mas logo todos os partidos seriam postos na ilegalidade, pois o sistema eleitoral da República não tinha um funcionamento real, sucedendo-se as proclamações militares que levavam ao poder, hora um, hora outro líder militar. Essa é a realidade síria durante o princípio dos anos cinquenta. Enquanto isso, no Egito, em 1952, um grupo de oficiais do Exército leva o rei Faruk a abdicar. No ano seguinte, um jovem coronel, Gamel Abdel Nasser, assume a chefatura do Estado e das forças armadas. Eleito presidente da República do Egito, com mais de 90% dos votos, em 23 de junho de 1956, Nasser nacionalizaria o canal de Suez, fundaria, com o apoio dos baathistas a República Árabe Unida (unificação entre as repúblicas de Síria e Egito), travaria a guerra de 1956 contra o imperialismo tripartite (inglês, francês e israelita) e se tornaria um símbolo da Unidade Árabe. Entre 1946 e 1963 a dominação feudal-burguesa pouco ou nada contribui para a libertação da Síria. O imperialismo anglo-francês decadente é substituído pelo americano, que em unidade com o Estado de Israel explora ferozmente os povos árabes pretendendo monopolizar seus recursos hídricos (o projeto de barragem sobre o rio Hasbani no Líbano). O rápido interregno de unidade árabe sírio-egípcia (a RAU só sobrevive entre 19581961) é completamente corroída pela sabotagem das elites sírias, que perseguem os baathistas e o Partido Comunista da Síria, e a incapacidade dos nasseristas de superarem as formas burocráticas de unidade árabe e apelarem a classes operária e camponesa síria e a sua intelectualidade progressista. Como consequência crescem as forças conservadoras. Elas iriam se apoiar num golpe de Estado desencadeado por oficiais de Damasco para romper com a RAU. Hafez Al-Assad, então oficial da força aérea da República Árabe, em treinamento no Cairo, retorna a Síria junto a outros jovens oficiais baathistas, como Mustafa Tlass. Eles iriam liderar, em 08 de março de 1963, a revolução contra a ditadura neocolonial, feudal-burguesa e anti-unitarista reinante do país. Era tal a extensão da influência baathista e o desejo do povo e da maioria das forças armadas pela Unidade Árabe e o fim da situação vigente no país que a revolução se deu sem derramamento de sangue. Logo se instituiu em Damasco o poder do Conselho Nacional do Comando da Revolução, com a participação de Assad, dirigido durante algum tempo por Louay Al Atassi e o governo sob a chefia de Salah Bitar. A luta pela aplicação dos princípios avançados do Baath e o movimento de 23 de fevereiro de 1966 A situação interna na Síria pós-revolução não era fácil. Setores “pró-egípcios” preparavam um putsch. Os reacionários ligados ao antigo regime trabalhavam para repor no poder as antigas classes dominantes a partir do exílio. Com pouco sucesso o novo governo tentava organizar uma federação de Estados entre Egito, Síria e Iraque.[6] A crise interna e as tensões geopolíticas externas desencadearam manifestações populares contra o novo regime. Na maioria das vezes essas manifestações tomavam caráter religioso e fundamentalista. O general Amine Al-Hafez, designado para a chefia do ministério do Interior, consegue controlar a rebelião anti-baathista através de uma violenta repressão. Logo ele se tornaria o principal representante das alas conservadoras do Partido. Desde sua fundação o Partido Baath [5] Obra Citada páginas 35-36 [6] No Iraque as forças baathistas chegariam ao poder em fevereiro de 1963, sendo depostas ainda naquele ano e só retornado ao poder após a revolução de 1968.


“Hafez Al-Assad e a Unidade da Nação Árabe” seria fragmentado por lutas internas. Em setembro, o congresso do regional do Partido[7] havia lançado os fundamentos do da revolução; reforma agrária, nacionalização gradual do comércio externo e da indústria e desenvolvimento do ensino, da saúde e da habitação gratuitas. Antes, em 13 de maio, o governo revolucionário já havia se decidido pela nacionalização dos bancos. Mas o predomínio dos setores conservadores no novo governo, que tinham como modelo “a democracia ocidental”, eram um tremendo obstáculo à realização desse programa. Hafez Al-Assad e Salah Jedid (general de artilharia) seriam os principais representantes da “ala radical” – majoritária nas bases, mas com pouca representação na cúpula do Partido – “(...) que considera e reafirma o socialismo como essência fundamental do nacionalismo árabe moderno, mesmo que ainda não tenha realizado o socialismo científico em seus múltiplos aspectos.”[8] Eles atuaram revolucionariamente nesse período, destacando-se como proeminentes lideres nacionais. Nesse período conturbado muitas nacionalizações serão realizadas pela ala radical a revelia do poder central e serão eles a realizar o movimento de retificação de 23 de fevereiro de 1966. No inicio do ano de 1966, em meio ao avanço da crise, com a crescente repressão contra as massas trabalhadoras, os métodos burocráticos de decisão no partido, que não correspondiam ao interesse e opiniões das bases, e sob o risco de uma contrarrevolução aberta, Assad e outros elementos da ala radical desencadeiam o levante que põe fim a ditadura da ala direta, formando um novo governo sob a direção de Youssef Zouyen, Nouredin Atassi, Salah Jedid, e com Hafez Assad como ministro da Defesa. Durante os anos subsequentes a República Árabe da Síria e o Partido Baath avançarão enormemente na realização do programa democrático e popular da revolução síria. Assad justificaria assim a necessidade do movimento de 23 de fevereiro: “Antes da revolução, falávamos de nossas dificuldades, dos sofrimentos enfrentados pelo povo, das causas de suas infelicidades, de suas esperanças. Nós discutíamos tudo que era preciso fazer para atender às aspirações das massas que confiavam em nós, tanto no plano civil como no militar. Depois da revolução, precisamos agir de acordo com nossas promessas. Nos referíamos ao socialismo a propósito da situação econômica e atribuíamos ao feudais e aos capitalistas a responsabilidade pelos sofrimentos do povo. Depois da revolução, era preciso colocar um ponto final às atividades nefastas desses feudais e capitalistas. Ora, a concepção de direita estava em contradição com as exigências desse período ‘pós-revolucionário’”.[9] Ofensiva do imperial-sionismo, aumento das contradições no campo árabe e a necessidade do movimento corretivo de novembro de 1970 (um movimento pela Unidade Árabe) O movimento de 23 de fevereiro fez avançar a revolução síria, afastando a ala direita e levando ao poder das forças de esquerda que representavam os interesses dos operários e camponeses sírios e de sua intelectualidade progressista. Ele triunfa, no entanto, em meio a uma enorme crise geopolítica na região. O Estado de Israel, fundado após a guerra de 1948, sob a égide da ideologia imperialista, colonialista, fascista e racista do sionismo não tem pretensões de limitar-se ao território que lhe foi concedido pelas potencias imperialistas organizadas na ONU. Ele lançará seu braço armado sanguinário sobre novas dimensões do território árabe durante a Guerra dos seis dias, em junho de 1967, Ocupando Gaza, a Cisjordânia, o Golan, Kuneitra e o Sinai. Sob o comando do ministro da Defesa, Hafez Al-Assad, o Exército Árabe da Síria, resistirá com mais determinação que qualquer outro, disputando bunker por bunker com o Exército israelita. Ele não poderá, porém, contar com um equipamento bélico moderno, nem com a solidariedade irrestrita de seus irmãos árabes.

[7] No Baath, devido a sua dimensão pan-árabe, os congressos nacionais envolvem os ativistas de todos os países árabes onde o partido tem atuação, enquanto os congressos a nível de cada país são considerados congressos regionais. [8] Obra Citada página 32 [9] Obra Citada página 66

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Depois da derrota na Guerra dos seis dias as divergências entre as duas tendências no interior da Síria, a de Salah Jedid – defensora do fechamento do país em si mesmo – e a de Hafez Al-Assad – partidária da abertura para o mundo exterior e da maior aproximação com os demais países árabes – se intensificarão. Com os terríveis dias do Setembro Negro – guerra civil, em setembro de 1970, entre o rei Hussein da Jordânia e as forças do Exército de Libertação da Palestina, representantes dos refugiados palestinos, maioria no país – a situação do mundo árabe torna-se frágil. Al-Assad, compreendendo o alcance dos desafios que se colocavam perante a Síria, chamada a desempenhar um papel de vanguarda na luta pela Unidade Árabe e a guerra contra o império sionista, desencadeia, em 13 de novembro de 1970 o movimento corretivo. Assume o poder definitivamente, afasta os isolacionistas, toma medidas de liberalização com relação à pequena-burguesia síria, legaliza uma série de partidos progressistas e socialistas atuantes no país (entre eles o Partido Comunista da Síria), formando com eles a Frente Nacional Progressista e convoca a Assembleia Constituinte. De agora em diante a Síria tomaria com maior determinação o rumo da Unidade Árabe e aproximar-se-ia da União Soviética, e dos demais países socialistas. A liberalização da pequena-burguesia síria não pode ser entendia jamais como abandono dos ideais socialistas. Pelo contrário, após o movimento corretivo, a indústria nacionalizada se desenvolveria através de formação de agências setoriais. Estabelecer-se-ia um plano de eletrificação do país de acordo com o primeiro plano quinquenal único de toda economia. Formar-se-iam cooperativas agrícolas. E o país caminharia a passos largos para a transição da condição de um país agrário a um país industrial.[10] Realizar a Unidade Árabe; ideal do presidente Hafez Al-Assad, tarefa imperiosa da luta anti-imperialista dos povos Durante toda a sua vida de combates o presidente Hafez Al-Assad defendeu o ideal da unidade árabe para lutar por sua libertação nacional. Ele nunca abdicou do projeto de formação de um Estado palestino. Travou inúmeras guerras contra o Estado de Israel. E jamais dissociou o seu arabismo dos ideais de socialismo e democracia. A geopolítica do mundo árabe sempre foi muito difícil. As constantes agressões sionistas, o predomínio de Estados confeccionais, feudais e títeres, no mundo árabe deixaram por realizar o ideal da Unidade Árabe. Essa bandeira deve ser defendida por todos os povos. A Unidade da Nação Árabe, a libertação da palestina, a destruição do sionismo de Israel são tarefas internacionalistas dos comunistas. Elas só poderão ser levadas até o fim sobre a direção do proletariado árabe, em aliança com os camponeses árabes e dirigindo uma ampla frente nacional única de todas as classes interessadas no aniquilamento do imperialismo estadunidense-israelense na região. A situação dos povos árabes tem se agravado. As manobras e agressões do imperialismo contra esses vêm se agravando na última década, desde a destruição do Iraque de Saddan Hussein, até ao ressente assassinato brutal do valente coronel Muammar Al-Gaddafi e o esmagamento da Líbia pela OTAN. A Síria de Bashar Al-Assad permanece um posto avançado de resistência anti-imperialista. É preciso ampliar a solidariedade a esse país e a seu governo legítimo contra a ação dos mercenários do ELS. A União Reconstrução Comunista conclama todos os combatentes anti-imperialistas a defenderem a Síria laica, soberana e anti-imperialista. Vitória para República Árabe da Síria! Vitória para Bashar Al-Assad e todas as organizações anti-imperialistas sírias! Pela realização da Unidade anti-imperialista da Nação Árabe! [10] Ver o interessante estudo publicado pelo Ministério das Informações da República Árabe da Síria, em 1973, sobre a situação econômica do país intitulado, A Síria de Hoje.


“Hafez Al-Assad e a Unidade da Nação Árabe”

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O Partido Comunista das Filipinas sobre o Maoísmo, a Revolução Democrática, China, e o mundo atual Entrevista com José Maria Sison


“O PC das Filipinas sobre o Maoísmo, a Revolução Democrática, China, e o mundo atual”

Em sua primeira edição, a Revista Nova Cultura entrevistou o camarada Jose Maria Sison, onde o mesmo fala sobre assuntos relacionados à questão do papel do Pensamento Mao Tsé-Tung na teoria do socialismo científico; o papel da luta armada revolucionária dirigida pelo Partido Comunista em seu país, como parte integrante da Revolução proletária mundial; e sobre a situação internacional marcada pelo aprofundamento da crise do imperialismo e a ascensão de novas potências no mundo atual. Jose Maria Sison é o presidente fundador do Partido Comunista das Filipinas. Atualmente, está exilado na Holanda, onde atua como líder da Frente Democrática Nacional, em sua sucursal holandesa. Em 1968, Jose Maria Sison, junto com seus camaradas, refundou o Partido Comunista das Filipinas sob a base ideológica do Marxismo-LeninismoMaoísmo, e em 1969 fundou o Novo Exército Popular (Exército Vermelho). A fundação do Novo Exército Popular marcou o início da Revolução democrático-popular, agrária e antiimperialista nas Filipinas, processo que dura até os dias de hoje. Conforme as previsões feitas pelo PCF, os comunistas filipinos têm como meta atingir a etapa do equilíbrio estratégico da Guerra Popular nos próximos cinco ou seis anos, quando aumentará para 25 mil o número de soldados do Novo Exército Popular armados com fuzis de alta periculosidade, passará de 100 mil para 250 mil o número de militantes do Partido Comunista das Filipinas e aumentará em milhões a base de massas do Partido Comunista, do Exército Popular e da Frente Democrática Nacional. Agradecemos ao camarada Jose Maria Sison por nos disponibilizar a presente entrevista, oportunidade única para nossos leitores se informarem sobre uma das principais guerras revolucionárias da atualidade, bem como conhecerem o pensamento de um dos principais líderes do Movimento Comunista Internacional contemporâneo.

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“O Maoísmo desenvolveu todos os principais componentes do Marxismo e do Leninismo. (...) o que dá ao Maoísmo a característica de ser a terceira etapa no desenvolvimento da teoria e da prática revolucionária do proletariado é a teoria e a prática de Mao de se continuar a Revolução sob a ditadura do proletariado por meio da Grande Revolução Cultural Proletária, para se combater o revisionismo, evitar a restauração capitalista e consolidar o socialismo”. (José Maria Sison) Nova Cultura: Qual a sua posição em relação ao Pensamento Mao Tsé-tung ou Maoísmo? Existem grandes diferenças entre tratar as contribuições teóricas aportadas por Mao à teoria do socialismo científico como “Pensamento Mao Tsé-tung” ou “Maoísmo”? No que consistiria tratar o Maoísmo como a “terceira etapa” no desenvolvimento da teoria da prática do proletariado? O Maoísmo entraria em contradição com aportes dados por outros teóricos do socialismo, como o Presidente Kim Il Sung com sua Ideia Juche? José Maria Sison: Não há diferenças, em termos de conteúdo, entre o Pensamento Mao TséTung e o Maoísmo. Quando o Partido Comunista das Filipinas (PCF) utilizou o termo Pensamento Mao Tsé-Tung em 1969, todas as principais contribuições teóricas e práticas do camarada Mao estavam englobadas. Também as mesmas estavam englobadas na outra palavra, Maoísmo, utilizada pelo PCF no início da década de 1990. O termo Marxismo-Leninismo-Maoísmo envolve, simultaneamente, continuidade e avanço. A estética do termo “Maoísmo” é simétrica e “Marxismo” e “Leninismo”. O Maoísmo desenvolveu todos os principais componentes do Marxismo e do Leninismo. Na filosofia, Mao explicou a dialética materialista aplicada por Marx em O Capital e sistematizou e desenvolveu a referência de Lenin à lei da unidade dos contrários como a lei fundamental do materialismo dialético. Anteriormente, Engels havia elaborado as três leis da contradição e Lenin focou em combater o empiriocriticismo. Na economia política, Mao desenvolveu a crítica do capitalismo de Estado até o capitalismo burocrático de Estado nos países dominados pelo revisionismo e desenvolveu a prática e a teoria da revolução socialista como já se fazia na construção socialista da União Soviética. Ele elaborou e desenvolveu as relações entre a produção e a superestrutura no longo período de transição do socialismo para a sociedade sem classes. No socialismo, ele apontou a luta de classe do proletariado contra a burguesia como a chave em todas as lutas de massas para avançar para a revolução socialista. Apontou o movimento de retificação como o caminho para corrigir os erros, e manter e fortalecer a integridade e a efetividade partidárias. Ele desenvolveu a linha estratégica da guerra popular prolongada como o caminho para os povos dos países subdesenvolvidos destruírem o poder do imperialismo e a reação e conquistarem a libertação nacional e social. Porém, o que dá ao Maoísmo a característica de ser a terceira etapa no desenvolvimento da teoria e da prática revolucionária do proletariado é a teoria e a prática de Mao de se continuar a Revolução sob a ditadura do proletariado por meio da Grande Revolução Cultural Proletária, para se combater o revisionismo, evitar a restauração capitalista e consolidar o socialismo. O Maoísmo não entra em contradição, mas, ao contrário, engloba o princípio e a prática da autossuficiência da Ideia Juche de Kim Il Sung. Pode também englobar certas particularidades e princípios do socialismo científico de acordo com as diferentes circunstâncias e situações históricas. É um dever constante de todos os partidos comunistas e operários integrarem a teoria com a prática concreta nas diferentes situações. Nova Cultura: No Brasil, as teses de Mao Tsé-tung a respeito do capitalismo burocrático foram pouco estudadas. Você poderia explicar o que é o capitalismo burocrático e como ele se manifesta, nos dias de hoje, nos países oprimidos pelo imperialismo?


“O PC das Filipinas sobre o Maoísmo, a Revolução Democrática, China, e o mundo atual” José Maria Sison: O capitalismo burocrático significa simplesmente a corrupção dos funcionários que utilizam o Estado para realizarem a acumulação privada do capital por eles mesmos, suas famílias e asseclas. Pode envolver o investimento direto de capital estatal ou de privilégios do Estado em seus negócios privados. Pode envolver também o estabelecimento e a utilização de companhias estatais que beneficiam os capitalistas privados de maneira direta. Os funcionários do governo do Estado burguês (ou de Estados revisionistas) são representantes e funcionários da burguesia. Os funcionários de altos cargos são com frequência membros da grande burguesia, e frequentemente também identificados como capitalistas burocráticos. Estes altos capitalistas burocráticos recrutam seus agentes políticos e tecnocratas esclarecidos entre a intelectualidade da pequena burguesia urbana. Tais intelectuais também se tornam capitalistas burocráticos ao subirem na hierarquia burocrática e acumularem ações privadas em forma de capitais e terras por meio de práticas corruptas. Nova Cultura: Sabemos que o sistema latifundiário é uma das principais características dos países subdesenvolvidos. Como se encontra, nos dias de hoje, a situação agrária nas Filipinas? Como, nas Filipinas, a sobrevivência do monopólio semifeudal da terra se relaciona com a situação de seu país como semicolônia do imperialismo norte-americano? José Maria Sison: A economia filipina é ainda subdesenvolvida, agrária, pré-industrial e semifeudal. O campo é ainda dominado pela classe latifundiária, enquanto as cidades são dominadas pelos grandes capitalistas compradores. Os latifundiários são ainda a classe exploradora mais numerosa, e o campesinato é a classe explorada mais numerosa e difundida pelas Filipinas. Os latifundiários são proprietários da maior parte das terras produtoras de arroz, milho, açúcar, tabaco, ou mesmo como proprietários estrangeiros ou domésticos de plantações que produzem abacaxi, banana, dendê e borracha. Os grandes capitalistas compradores são os principais agentes comerciais e financeiros das firmas monopolistas estrangeiras, e são os mais ricos e poderosos da sociedade semifeudal. Eles mesmos são, com frequência, grandes latifundiários que garantem o controle das exportações agrícolas em suas mãos. Assim, a nata da classe dominante é com frequência conhecida como a grande classe compradora-latifundiária. É esta classe que domina a atual economia semifeudal, em contraste com a dominação muito maior que possuía a classe latifundiária na anterior economia feudal do século XIX. Foi o regime colonial norte-americano que iniciou a economia semifeudal e colocou a grande burguesia compradora na posição dominante entre as classes dominantes nativas e os mestiços no início do século XX. Na época em que os Estados Unidos mudaram sua forma de dominação de colonial para semicolonial em 1946, a classe dominante compradora-latifundiária se consolidou ainda mais. Tornou-se ela a principal lacaia dos Estados Unidos e seus agentes políticos. Nova Cultura: O Partido Comunista das Filipinas possui como um dos componentes de sua linha política a realização da nova Revolução Democrática por meio da Guerra Popular Prolongada, onde o poder político das massas é construído por meio da luta armada prolongada, em meio ao cerco do poder reacionário do velho Estado burguês. Quais medidas o Partido Comunista das Filipinas toma nas regiões libertadas, onde o mesmo já está à frente de toda a vida política, econômica e cultural? Como elas são capazes de se sustentar de maneira prolongada em meio à ofensiva armada do velho Estado? Qual o alcance do poder político vermelho nas Filipinas? Quais as perspectivas para a expansão das regiões libertadas? José Maria Sison: A linha geral do Partido Comunista das Filipinas é a conclusão da revolução democrático-popular através da Guerra Popular Prolongada contra o imperialismo norte-americano e as classes exploradoras locais de grandes capitalistas compradores e latifundiários. Seu objetivo político é a conquista da libertação nacional, o estabelecimento do Estado democráticopopular, e a passagem para a Revolução socialista. Seu objetivo econômico é levar a cabo e concluir a reforma agrária, a industrialização do país, e desenvolver uma indústria socialista e

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“Foi o regime colonial norte-americano que iniciou a economia semifeudal e colocou a grande burguesia compradora na posição dominante entre as classes dominantes nativas e os mestiços no início do século XX. Na época em que os Estados Unidos mudaram sua forma de dominação de colonial para semicolonial em 1946, a classe dominante compradoralatifundiária se consolidou ainda mais. Tornou-se ela a principal lacaia dos Estados Unidos e seus agentes políticos.” cooperação agrícola. O objetivo cultural é desenvolver uma cultura e educação nacionais, científicas e de massas. O PCF é o destacamento avançado da classe operária e dirige a revolução. Constrói suas células em fábricas, fazendas, escolas, escritórios e bairros. O Partido construiu o Novo Exército Popular como a principal organização para derrotar o inimigo e derrubar o sistema dominante. Construiu também organizações de massa abertas e clandestinas de operários, camponeses, jovens, mulheres, pequenos funcionários, ativistas culturais, etc. A Frente Democrática Nacional agrega as forças revolucionária clandestinas na frente única. Até a construção do governo democrático-popular, órgãos locais do poder político estão sendo estabelecidos. As forças populares e revolucionárias levam a cabo a genuína reforma agrária e transformam atrasados povoados em bastiões econômicos, sociais e culturais da Revolução. Apesar das crescentes campanhas de repressão militar do inimigo, o movimento revolucionário armado tornou-se forte por meio da integração entre a liderança partidária, a luta armada e a construção das bases de massa. O poder político vermelho existe atualmente em mais de 110 fronts guerrilheiros, englobando milhões de pessoas em partes substanciais de 71 das 81 províncias das Filipinas. As perspectivas e planos do movimento revolucionário são o avanço da atual etapa da defensiva estratégica da Guerra Popular para a etapa do equilíbrio estratégico da Guerra Popular, aumentando para 180 o número de fronts guerrilheiros, a militância do PCF para 250 mil, o número de combatentes vermelhos com rifles automáticos para 25 mil, aumentar em milhões o número de pessoas filiadas às organizações de massa, e fortalecer os órgãos do poder político a níveis distrital, municipal e provincial. Nova Cultura: Ainda há a atuação de organizações revisionistas nas Filipinas? Quais influências as mesmas possuem entre as massas? Como é a relação do Partido Comunista das Filipinas com tais organizações revisionistas? José Maria Sison: O partido revisionista, atualmente, se autodenomina PKP-1930. Acabou por se tornar um grupo pequeno e inconsequente como resultado dos ataques ao anti-revisionismo e do repúdio ao partido Maoísta desde a década de 1960. O mesmo fracassou em dissimular sua fama como lacaio da camarilha revisionista soviética durante a década de 1960 e por haver capitulado abertamente à ditadura fascista de Ferdinand Marcos em 1974. Não possui nenhuma influência de massas relevante. Sua principal atividade consiste em participar de conferências revisionistas no exterior visando caluniar e demonizar o Partido Comunista das Filipinas, o Novo Exército Popular e a Frente Democrática Nacional. O PCF rechaça firmemente os revisionistas a cada vez que eles nos atacam. Nova Cultura: Sabemos que, após a morte de Mao Tsé-tung, em 1976, chega ao poder do Partido Comunista da China uma ala de direita, liderada por Deng Xiaoping, que dá início a uma série de políticas chamadas pelo governo chinês de “reformas e aberturas”. A chegada dessa linha ao poder representou o fim da Revolução Cultural e o início da restauração capitalista. Você concorda com a ideia de que a China seria atualmente um


“O PC das Filipinas sobre o Maoísmo, a Revolução Democrática, China, e o mundo atual” país imperialista ou que, mesmo com todas as mudanças, ainda desempenha um papel positivo na arena internacional? José Maria Sison: De fato, a contrarrevolução denguista resultou na restauração do capitalismo na China e em sua integração no sistema capitalista mundial. De acordo com a definição clássica de Lenin sobre o imperialismo moderno, a China pode ser qualificada como imperialista. Os monopólios capitalistas estatais e privados se tornaram dominantes na sociedade chinesa. O capital bancário e industrial se fundiram. A China está exportando capital excedente para outros países. Suas empresas capitalistas se unem a outras empresas capitalistas estrangeiras para explorar a mão de obra chinesa, os países do terceiro mundo e o mercado global. A China conspira e compete com outras potências imperialistas para expandir seu território econômico, como fonte de mão de obra barata e matérias primas, esferas de investimento, mercados, pontos de vantagem estratégica e esferas de influência. Contudo, a China não se envolveu ainda numa guerra de agressão para conseguir uma colônia, semicolônia, protetorado ou país dependente. Não é um país ainda muito violento na luta pela redivisão do mundo entre as potências capitalistas, como os Estados Unidos, Japão, Alemanha e Itália. É a contenção da China contra outras potências imperialistas mais saqueadoras e agressivas que pode ser, de alguma maneira, útil aos movimentos revolucionários de maneira objetiva e indireta. A China possui um papel ilustre no bloco econômico BRICS e na Organização de Cooperação de Xangai muito além do controle norte-americano. Nova Cultura: Alguns países latino-americanos, como Venezuela e Bolívia, passam por processos de transformações políticas que promovem a afirmação da soberania e aprofundam as contradições com o imperialismo norte-americano. No caso venezuelano, o governo bolivariano fala até mesmo em transição ao socialismo. Como você avalia tais processos? José Maria Sison: As políticas da Venezuela e Bolívia que sejam antiimperialistas, garantam a independência nacional, promovam reformas sociais e aspirações socialistas são admiráveis merecem apoio. As mesmas causam golpes contra a hegemonia imperialistas e criam oportunidades para o avanço do partido revolucionário do proletariado e das massas populares. Mas é de se duvidar que as atuais lideranças venezuelanas e bolivianas, bastante amadas e admiradas, possam levar a cabo uma Revolução socialista sem derrotar a resistência violenta dos imperialistas e reacionários locais. Nova Cultura: A crise da Síria foi um tema que ganhou muito realce no ano de 2013 como decorrência das manobras do imperialismo norte-americano para desencadear uma intervenção direta contra aquele país. Como é sabido, essas manobras foram barradas por uma conjuntura internacional desfavorável. Que papel jogaria, em sua opinião, a ofensiva contra a Síria na política de dominação global dos EUA? E como a derrota sofrida abala as posições da principal potência imperialista na geopolítica mundial? Qual o significado da cooperação entre China e Rússia para barrar um intento de guerra por parte do governo americano? José Maria Sison: China e Rússia fizeram manobras significativas dentro e fora do Conselho de Segurança da ONU para impedir os EUA de bombardearem a Síria e iniciarem uma guerra regional. Apoiando a independência nacional da Síria, assim como do Irã, elas ganham prestígio entre os Estados do terceiro mundo. Assim, elas ganham peso nas negociações com os Estados Unidos e outras potências imperialistas em termos de contenção interimperialista, assim como de colaboração. A anulação da guerra como resultado da diplomacia da Rússia e China contra os EUA é bemvinda. Ao mesmo tempo, é uma visão da Síria e do Irã permitir que os EUA e seus agentes entrem livremente em seus territórios para inspecionar locais de atividades químicas e nucleares. Também, não é improvável que algum dia os EUA e seus aliados bombardeiem a Síria e o Irã pelo fato de os mesmos não cumprirem seus acordos. Acordos com os EUA não tornaram a Iugoslávia, Iraque e Líbia imunes à agressão norte-americana.

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O que é o Marxismo?

por Alexandre Rosendo


“O que é o Marxismo?” Em seu documento de fundação – O Desenvolvimento da Luta Revolucionária Exige uma Nova Postura dos Comunistas –, a União Reconstrução Comunista afirma seu objetivo central de lutar para reconstruir o Partido Comunista do Brasil (destruído pela ação do oportunismo de direita e de esquerda, do revisionismo[1] internacional e da repressão anticomunista) sob a base ideológica do Marxismo-Leninismo elaborado por Marx, Engels, Lenin, Stalin e Mao. Diante do Marxismo-Leninismo, pois, o que se entende, primeiramente, por Marxismo? O Marxismo é a ciência, a visão de mundo da classe operária. Marx e Engels reelaboraram criticamente tudo o que de mais avançado foi produzido no terreno da economia política, do socialismo e da filosofia, combatendo todo idealismo, toda metafísica, toda beatice, toda superstição e utopismo presentes em tais campos, e pondo a economia política, o socialismo e a filosofia sobre bases científicas. Por meio da crítica às “três fontes constitutivas”[2], a economia política, o socialismo e a filosofia, chega-se a uma concepção de mundo global e científica que manifesta os fins gerais do desenvolvimento da humanidade, que não é senão o da constituição da classe operária enquanto partido político, da derrubada da sociedade burguesa por meio da Revolução violenta da classe operária e o consequente fim da exploração do homem pelo homem, e da conquista da sociedade sem classes, a sociedade comunista: concepção esta que atende pelo nome de Marxismo. Em face da situação atual, onde o revisionismo (explicar em nota) a nível doméstico e internacional deturpa os princípios elementares do Marxismo como maneira de justificar suas práticas degeneradas, faz-se necessário entender de maneira cabal o que é, de fato, o Marxismo: sua origem, seu método, os fins gerais que decorrem de seus princípios e a necessidade de o assumirmos como ideologia diretriz para levarmos a cabo, corretamente, a Revolução Proletária em nosso país. 1) A NECESSIDADE HISTÓRICA DO SURGIMENTO DO MARXISMO O Marxismo, pelas necessidades práticas às quais atendeu e pelo contexto no qual surgiu, é filho das grandes lutas da classe operária do século XIX. Numa época das decisivas batalhas da classe operária contra seus opressores, tornava-se cada vez mais necessária a existência de uma teoria científica que explicasse os porquês sobre a existência das lutas operárias, a miséria dos operários, e em qual caminho necessariamente desembocaria a luta da classe operária por sua libertação. Marx e Engels não foram os primeiros a ir à prática e à teoria da luta da classe operária, a pensar os caminhos para a derrubada da sociedade burguesa e a construção do comunismo. Antes mesmo de Marx e Engels, houve grandes socialistas que se propuseram à mesma tarefa. Já no século XVI, quando no seio da desintegração do feudalismo surgia a incipiente economia capitalista e o consequente embrião da contradição entre a burguesia e a classe operária, manifestações utópicas de uma sociedade idealizada – sem pobres e sem ricos, formada por indivíduos iguais – já apareciam em socialistas como Thomas Moore. Outros socialistas como Robert Owen, Saint-Simon, Charles Fourier, etc. professavam um socialismo limitado, abstrato, mas não menos genial por conta disto. Ao contrário, Owen, Saint-Simon, Fourier etc. estiveram à frente de suas épocas no que diz respeito ao entendimento do socialismo e da necessidade de se conquistar uma nova sociedade livre da exploração do homem pelo homem. Porém, como põe o materialismo: “[...] a humanidade coloca diante de si apenas problemas que pode resolver, pois, rigorosamente, ver-se-á que o problema só se apresenta onde já existem, ou estão em vias de existir, as condições materiais para resolvê-lo”. (Karl Marx, Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política). Diante de um contexto histórico onde a contradição entre a classe operária moderna e os capita[1] Lenin, dirigente da Revolução Socialista de Outubro na Rússia, define o revisionismo como sendo uma “corrente hostil ao Marxismo no seio do próprio Marxismo”. Numa época onde o Marxismo já rechaçou todas as correntes ditas socialistas que lhes eram hostis, estas passam a atuar sob a máscara de Marxistas com o fim de deturpar e obscurecer seus princípios e convertê-lo, na prática, numa teoria oposta ao Marxismo. Atualmente, é o “Partido Comunista do Brasil” (PCdoB) o principal representante do revisionismo em nosso país. [2] Lenin, em sua famosa obra As Três Fontes Constitutivas do Marxismo, sistematiza o Marxismo como sendo uma ciência apoiada, simultaneamente, em três fontes: o socialismo francês, a economia política inglesa e a filosofia alemã.

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listas só de maneira embrionária aparece (como nos séculos XVI, XVII e XVIII), contradição esta rodeada ainda pelas numerosas sobrevivências do feudalismo e por uma classe trabalhadora de tipo artesanal, típica do modo feudal de produção, somente de maneira embrionária e limitada poder-se-á explicar a contradição entre a classe operária e os capitalistas, bem como as formas de resolver tal contradição. É entendível, dessa maneira, que as teorias socialistas que antecederam o Marxismo manifestassem as contradições de suas respectivas épocas. Ao lado de manifestarem também a contradição pouco desenvolvida entre a classe operária e a burguesia, manifestavam principalmente as contradições das camadas médias que entravam em contradição com a ascensão do capitalismo – a visão da insatisfação dos camponeses contra o desenvolvimento do capitalismo na agricultura, dos artesãos e pequenos produtores arruinados pela grande indústria e forçados a se converterem em operários despossuídos de meios de produção –, que aparecem de maneira teórica na reivindicação de uma sociedade igualitarista, simples, rejeitando a modernidade e o desenvolvimento que tanto destroem a autonomia e a estabilidade da pequena produção. Tal era o socialismo manifestado por Thomas Moore em seu A Utopia, socialismo este que pouco tinha de proletário, e muito mais ligado às reivindicações dos pequenos produtores da cidade e do campo. De todos os socialistas pré-Marxistas, foi Owen quem mais avançou na teoria e na prática da aplicação do socialismo. Sendo este habitante do país capitalista mais desenvolvido da época – a Inglaterra –, teve particular contato com a exploração e opressão sofridas pelos operários da indústria moderna, bem como suas reivindicações e formas de luta. Como bom reformador social – numa situação em que o socialismo não pretendia, ainda, derrubar o capitalismo por desconhecê-lo, e por não haver aparecido uma atitude prática que mostrasse a necessidade da derrubada da ordem capitalista –, Owen fundou, em 1800, na Escócia, a colônia operária New Lanarck, que deu aos operários uma situação que não se conhecia em qualquer outra empresa industrial da época: escola gratuita para os filhos dos operários, atendimento médico gratuito, seguros, locais de trabalho dignos, jornada de trabalho de dez horas e meia (enquanto, nas outras, se trabalhava 14 horas diariamente) e salários maiores que a média dos operários da região. Owen estabelecia, assim, em sua própria fábrica de tecidos, aquilo que se entendia por socialismo até então, sem tocar nos lucros dos capitalistas, tampouco na própria existência da propriedade privada. Ainda que a crise comercial da década de 1820 (que afetou o comércio algodoeiro na época) houvesse obrigado a fábrica New Lanarck a fechar por vários meses, os operários da mesma continuaram a receber seus salários e permaneceram com seus direitos garantidos. A experiência da colônia operária New Lanarck terminou com a falência de Owen [3] . Natural que tal falência viesse a aparecer, numa época em que o socialismo desconhecia as leis econômicas do modo capitalista de produção, bem como a contradição insolúvel que o capitalismo gera entre o caráter social da produção e a apropriação privada de seus resultados – que inevitavelmente engendra as crises econômicas –, impossibilitando o bem-estar da classe operária nos marcos do capitalismo. Somente o Marxismo esclarecerá que estará fadado ao fracasso o socialismo que se propuser à construção de uma nova sociedade sem mexer no lucro dos capitalistas e na propriedade privada sobre os meios de produção. Embora varie nas formas, o traço comum que se verifica em todos os socialistas anteriores ao Marxismo é seu caráter utópico: o socialismo pré-Marxista criticava a sociedade burguesa, seus males e desgraças geradas pela mesma. Não conseguia, porém, compreender a sociedade burguesa de forma global, científica, bem como as causas da miséria das massas. Não compreendia que era a classe operária – e não as camadas médias, como os artesãos e demais pequenos produtores rurais e urbanos – a classe mais avançada da sociedade, ligada à forma mais avançada de produção social (a grande indústria), e que a esta precisamente cabia a tarefa de derrubar o capitalismo e construir a nova sociedade livre da exploração do homem pelo homem. Na contramão de tal raciocínio, a cujo mérito de descobri-lo cabe precisamente ao Marxismo, os socialistas pré-Marxistas não se consideravam representantes ou dirigentes de uma classe determinada, mas “de toda a humanidade”. Será o Marxismo quem primeiramente estabelecerá de maneira científica a necessidade da libertação da classe operária como condi[3] Verificar a obra Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, de Friedrich Engels.


“O que é o Marxismo?” ção para a libertação de toda a humanidade. O socialismo que antecedeu o socialismo de Marx e Engels inventava, criava uma sociedade ideal em contraposição à anarquia social e econômica da sociedade burguesa, sociedade esta que se baseava nos conceitos interiorizados de seus autores sobre “liberdade”, “igualdade”. Ao contrário dos socialistas utópicos, será o socialismo Marxista quem mostrará que a construção da nova sociedade comunista já não mais se limita a ser mero desejo de indivíduos obstinados e bem intencionados, mas uma necessidade histórica imposta pelo desenvolvimento das grandes forças produtivas sociais sob o capitalismo; uma necessidade candente diante do quadro onde o capitalismo, de sistema de produção que enorme impulso deu ao desenvolvimento das forças produtivas, se torna agora um obstáculo para a expansão das mesmas. A tarefa histórica do Marxismo, dessa maneira, não mais consiste em idealizar uma sociedade perfeita e ideal, como se fazia anteriormente, mas em estudar a sociedade sob o ponto de vista das forças produtivas, identificando como as mudanças decorrentes na base econômica se manifestam nas instituições, nas ideologias – enfim, na inteligência dos homens –, e demonstrando, através de tal método, em qual caminho inevitavelmente desembocará a luta das massas populares contra seus opressores. Sobre isto, diz Lenin: “Não há a menor parcela de utopismo em Marx. Ele não inventa, não imagina já prontinha uma sociedade ‘nova’. Ele estuda, como um processo de história natural, a gênese da nova sociedade saída da antiga, as formas intermediárias entre uma e outra.” (Vladimir Lenin, O Estado e a Revolução). E Marx: “[...] Numa certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é apenas uma expressão jurídica delas, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham até aí movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se em entraves. Ocorre então uma época de revolução social. Com a transformação do fundamento económico revoluciona-se, mais devagar ou mais depressa, toda a imensa superestrutura. [...] Uma formação social nunca decai antes de estarem desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais é suficientemente ampla, e nunca surgem relações de produção novas e superiores antes de as condições materiais de existência das mesmas terem sido chocadas no seio da própria velha sociedade.” (Karl Marx, Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política). 2) FONTES CONSTITUTIVAS DO MARXISMO Fica evidente que o Marxismo, enquanto ciência, desenvolve-se mediante saltos qualitativos, simultaneamente, nas lutas das massas populares contra seus opressores e no desenvolvimento econômico das diferentes épocas. Seus princípios são manifestação teórica das lutas da classe operária contra o capitalismo e da inevitabilidade da Revolução Proletária, princípios estes que abordaremos a seguir. 2.1) CONCEPÇÃO MATERIALISTA DA HISTÓRIA A partir do pensamento humano, há muitas formas de enxergar a realidade. Nem todas as formas, contudo, são corretas no sentido de apresentar na inteligência dos homens as coisas tal como elas realmente são. O materialismo significa “teoria centrada na matéria”, ou “a matéria como centro de tudo”. Em uma palavra, quer dizer enxergar a matéria como sendo a base, o determinante sobre a qual se erguem todas as outras coisas, inclusive o pensamento. Apesar de o Marxismo possuir o materialismo como base filosófica, não foram Marx e Engels os primeiros pensadores a terem o materialismo como visão de mundo. Marx e Engels, ao contrário, reelaboraram criticamente tudo o que produziram os pensadores materialistas precedentes, tirando do materialismo anterior todas suas limitações históricas de maneira a coloca-lo como a visão de mundo capaz de ser a do proletariado moderno, capaz de combater a beatice e a superstição advindas do idealismo, filosofia burguesa. Demócrito, Francis Bacon e Ludwig Feuerbach estão entre os principais materialistas que devem ser citados como antecessores do materialismo Marxista. Bacon herdou alguns princípios do pensamento de Demócrito do átomo como a menor parte da matéria (embora, mais tarde, tal

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teoria viesse a se mostrar antiquada) e estabeleceu teorias que se mostrariam como embriões do futuro materialismo moderno. Segundo Bacon, a forma realmente científica de análise da realidade consiste na experiência, indução, observação e no emprego de um método racional para verificar a experiência tal como ela aparece nos sentidos do homem (audição, tato, olfato, paladar e visão). No materialismo de Bacon, portanto, deve-se buscar no sentido dos homens a fonte de todos os conhecimentos. “Entre as qualidades inerentes à matéria, o movimento é a principal e mais importantes delas, não somente em forma de movimento mecânico ou matemático, mas também em forma de impulso, espírito vital, tensão [...]”. (Karl Marx, A Sagrada Família). Foi Feuerbach quem, em meados do século XIX, causou contundentes golpes à anterior concepção idealista da história, e cumpriu um importante papel em popularizar a corrente filosófica materialista. No seu A Essência do Cristianismo – numa época em que a crítica à religião se constituía como o principal conteúdo de toda crítica materialista –, põe-se a nu a verdadeira origem da religião. Não foi Deus quem criou o homem, mas sim o homem quem criou Deus. Quando, anteriormente, imaginava-se o espírito como algo com vida própria, quase extra-terreno e separado da própria matéria, que existia anteriormente a esta, Feuerbach chega à correta conclusão materialista de que não somente matéria e espírito estão intrinsecamente ligados entre si, como não é o espírito que origina a matéria, mas sim a matéria que dá origem ao espírito. Como pensavam, pois, os idealistas, diante de tal questionamento? Hegel, como principal teórico desta corrente filosófica, imaginava todo o desenvolvimento histórico-natural como fruto do “autodesenvolvimento do Espírito” ou “autodesenvolvimento da Ideia”. Quando se indagava sobre como poderia a “Ideia” ser anterior à matéria, era obrigado a recorrer à existência de Deus e demais seres extra-terrenos que pudessem corresponder à existência de uma “Ideia” anterior ao que é material, concreto. Reside em apontar as limitações desta concepção idealista o principal mérito histórico de Feuerbach. Apesar de o Marxismo haver herdado a base filosófica materialista de Feuerbach, não se pode considerar o materialismo feuerbachiano como sendo equivalente ao materialismo Marxista. O materialismo de Feuerbach contava com sérias limitações. Era avançado, por um lado, ao rechaçar a beatice idealista e considerar a matéria como a base para o surgimento do espírito. Seu método, por outro, era metafísico, unilateral. A metafísica levava o materialismo de Feuerbach a considerar as coisas, a história dos homens, a natureza, etc. não em seu desenvolvimento, em sua dinâmica, mas como coisas dadas, acabadas de uma vez por todas, isoladas, sem nenhuma conexão entre si, e sem levar em conta o desenvolvimento anterior e posterior que as mesmas pudessem ter. Se alguma vez tal método considerava a existência do movimento, no máximo tratava-se um movimento puramente quantitativo e sem saltos qualitativos.Quer dizer, como um eterno movimento em órbita, repetitivo, que originava sempre os mesmos resultados. O homem, ainda que visto da maneira como realmente era, como fruto da matéria e não do “autodesenvolvimento do Espírito”, era desconsiderado de toda prática social, todo desenvolvimento anterior que o levava a ser como tal, bem como da possibilidade de futuros desenvolvimentos que viessem a mudar seu ser. Assim, o individualismo, a beatice, o egoísmo, formas historicamente determinadas e transitórias de relação entre os homens, eram consideradas eternas, dadas de uma vez por todas, sem possibilidade de mudanças em suas respectivas bases. Seriam Marx e Engels quem criticariam Feuerbach com o fim de retirar do materialismo seu aspecto ainda metafísico. O método do materialismo Marxista, em oposição à metafísica, é o método dialético. 2.2) DIALÉTICA E MATERIALISMO HISTÓRICO A dialética é uma das mais antigas formas de pensamento. Desde a Grécia Antiga, Aristóteles já havia estudado as principais formas de pensamento dialético, e Heráclito destacou-se como o grande dialético da antiguidade. Contudo, não se pode considerar a dialética dos pensadores gregos como equivalente à dialética materialista do Marxismo. O Marxismo classifica a dialética como sendo a “ciência das leis gerais do movimento” (Frie-


“O que é o Marxismo?” drich Engels, Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã). Em oposição à metafísica, a dialética enxerga o mundo não como um emaranhado de coisas isoladas entre si, postas de uma vez por todas, acabadas, mas como um quadro de relações e influências recíprocas onde nada permanece o que era, nem como e onde era. Tudo se move, se transforma, nasce e morre. A dialética busca a resposta para o desenvolvimento nas transições, na transformação das coisas, onde tudo se converte no seu contrário – quer dizer, o que era novo se torna velho, o que era moderno se converte em antiquado, o que era revolucionário se torna reacionário. O movimento através do qual tudo se converte no seu contrário não é puramente quantitativo, mas um movimento onde as transformações quantitativas resultam em saltos qualitativos. A dialética estabelece que todo desenvolvimento se dá impulsionado pelas contradições internas inerentes a cada fenômeno, a cada coisa, transformando as mudanças quantitativas em saltos qualitativos. O movimento dialético, assim, é um movimento que parte do simples ao complexo, do pequeno ao grande, onde os saltos para um patamar superior (ou seja, saltos qualitativos) se dão em forma espiral, e nunca de forma linear. Por meio deste raciocínio, pode-se concluir que, para a dialética, nada existe de absoluto, definitivo, eterno ou sagrado, pois a mesma trata de enxergar cada fenômeno em sua transição, em seu aspecto simultaneamente inovador e caduco. Se tomarmos determinada resposta como verdadeira, ou alguma solução como viável, as mesmas o são somente para patamares onde o salto qualitativo para o outro patamar, superior, ainda não foi dado. Ilustremos: Nas épocas medievais (onde aos capitalistas cabia a posição de classe revolucionária da sociedade), as contradições internas entre os capitalistas, a monarquia e os feudais resultou no salto qualitativo da sociedade feudal para a sociedade capitalista – nesta, a classe capitalista, de revolucionária que era por opor as novas e gigantescas forças produtivas do capitalismo ao atraso das forças produtivas feudais, converteu-se numa classe reacionária, numa situação em que o capitalismo não mais servia ao desenvolvimento das forças produtivas. Pelo contrário, entravava tal desenvolvimento. Da mesma maneira, na sociedade capitalista, das contradições internas entre os capitalistas e o proletariado – sendo este, agora, a nova classe revolucionária – resultarão num salto qualitativo para um patamar superior, a sociedade comunista. Vê-se, dessa maneira, que o próprio papel que o socialismo científico cumpre deriva de dar respostas a um patamar determinado da sociedade, patamar este que demanda um novo salto do capitalismo para o comunismo. Pode-se, assim, classificar o pensamento dialético em quatro leis fundamentais, conforme sistematizadas por Stálin[4]: 1) interdependência universal entre os diversos fenômenos, ao contrário da metafísica, que enxerga os fenômenos como isolados e meramente casuais; 2) o movimento – onde tudo nasce e desagrega-se – como um aspecto inerente à matéria; 3) as mudanças quantitativas convertem-se em mudanças qualitativas, as pequenas e graduais mudanças quantitativas resultam em saltos bruscos qualitativos, não de maneira linear, mas num movimento em espiral; 4) o desenvolvimento é impulsionado pelas contradições internas de cada fenômeno, onde os contrários, longe de nada terem a ver um com o outro, ou de serem separados – como responde a “lógica formal” –, constituem exatamente uma unidade (como sim e não, positivo e negativo, revolucionário e reacionário, ditadura e democracia, e outros exemplos). Ao final, conclui-se que o Marxismo é uma ciência, ao mesmo tempo, materialista, por ter a matéria como ponto de partida para a construção de seus princípios, e dialética, por considerar os fenômenos não como um emaranhado de coisas dispersas entre si, dadas de uma vez por todas, mas sim em constante movimento e intrinsecamente ligados uns aos outros, universalmente. O método do Marxismo é o método dialético. Por materialismo histórico, compreendemos nada mais do que a extensão dos princípios do materialismo dialético ao estudo da vida social. Trata-se de uma concepção da história “que procura a causa primeira e o grande motor de todos os acontecimentos históricos importantes no desenvolvimento econômico da sociedade, na transformação dos modos de produção e troca, na divisão da sociedade em classes que daí resulta e nas lutas dessas classes entre si” (Friedrich Engels, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico). O eixo do qual parte o mate[4] Verificar a obra Materialismo Dialético e Materialismo Histórico, do autor citado.

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rialismo histórico, portanto, aparece como a investigação da relação que há entre a base econômica da sociedade e as formas de pensamento, ideologias, etc. da mesma. À primeira, chamamos estrutura, e à segunda, superestrutura, onde a estrutura cumpre o papel determinante para a caracterização da superestrutura. “[...] na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência.” (Karl Marx, Prefácio à Contribuição da Crítica à Economia Política). 2.3) A ECONOMIA POLÍTICA A explicação deste tópico será publicada na segunda edição da Revista Nova Cultura, no artigo sob o nome de “A Economia Política Marxista”.

3) PRINCÍPIOS DO MARXISMO

3.1) LUTA DE CLASSES Todas as sociedades – com exceção da sociedade da comunidade primitiva[5] – são divididas em classes sociais. Definimos classes sociais como grupos que ocupam diferentes papéis em formas historicamente determinadas de produção social, de acordo com quais relações têm com os meios de produção (se são proprietárias ou não), seu papel na organização social do trabalho e, consequentemente, pela dimensão de seus ingressos vindos da riqueza social e através de que maneira as mesmas os adquirem. Cada indivíduo existe como portador de determinado interesse de classe. Nas sociedades baseadas na exploração do homem pelo homem, isto é, na propriedade privada sobre os meios de produção (sociedades escravista, feudal e capitalista), as classes sociais se dividem em classes exploradoras e exploradas, e entre estas prossegue uma luta sem cessar, luta esta que se manifesta das mais variadas formas, desde choques violentos entre as classes em luta (greves, revoltas, catástrofes, guerras) a conflitos dissimulados. Entre classes exploradoras e exploradas, tivemos diversos exemplos na história. Senhores escravistas e escravos; latifundiários, vassalos e camponeses; capitalistas e operários manifestaram e manifestam a oposição, respectivamente, entre explorados e exploradores, cuja luta entre os mesmos sempre resultou “ora na transformação revolucionária da sociedade inteira, ora na destruição das classes em luta” (Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto do Partido Comunista). Referimonos às classes exploradoras como as proprietárias dos meios de produção de cada sociedade, e às classes exploradas como as despossuídas dos meios de produção, dependentes, portanto das primeiras para garantirem seus meios de existência. Em tal relação de mútua dependência entre exploradores e explorados, ambos possuem interesses opostos entre si. Os primeiros lutam pela intensificação do trabalho, quer dizer, pela extração cada vez maior do produto do trabalho das massas trabalhadoras, tanto para a satisfação de suas necessidades pessoais quanto pelas demandas do processo produtivo; os segundos lutam contra a intensificação do trabalho e pelas melhoras de suas condições de existência. Sendo assim, a luta de classes é o fio condutor do desenvolvimento social, e avança mediante os conflitos entre exploradores e explorados. Ao lado das classes antagônicas básicas de cada sociedade (como escravistas e escravos, latifundiários e camponeses, ou capitalistas e operários), também nelas existem as camadas médias, que cumprem um papel instável na luta de classes, podendo colocar-se ora ao lado das classes exploradoras, ora das classes exploradas. [5] Entendemos comunidade primitiva como a primeira forma historicamente determinada de produção e organização social. A extrema dependência da qual os homens de encontravam em relação à natureza, bem como a necessidade de enfrentarem as adversidades naturais, o ataque de feras, etc., levou os mesmos a viverem em bandos, lutando contra a natureza não de maneira individual, mas coletiva. Os instrumentos de produção extremamente rudimentares, o baixo nível de produção (que não produzia excedentes, não podendo, por conta disso, existir classes sociais e nem exploração do homem pelo homem), etc., não conseguia sequer satisfazer as necessidades mais elementares dos seres humanos, condicionando, portanto, a distribuição igualitária da produção. A distribuição desigual poderia levar à fome uma parte considerável de homens, colocando em risco a sobrevivência do próprio bando como um todo. Assim, o caráter igualitário da comunidade primitiva deriva do isolamento individual da mesma, não da socialização dos meios de produção através da Revolução da classe operária.


“O que é o Marxismo?” Para manter o sistema de exploração sobre as massas trabalhadoras, as classes dominantes utilizam não apenas a imprensa, as artes, a cultura (isto é, as formas ideológicas necessárias para manter o domínio sobre as massas laboriosas), mas principalmente o monopólio da violência, isto é, a repressão, que é posta em prática em momentos de aprofundamento dos conflitos de classe, quando a coação moral sobre os trabalhadores por meio dos aparatos jurídicos já não são suficientes para impedir os choques violentos entre as classes antagônicas. O monopólio da violência é exercido pelo Estado. 3.2) O APARECIMENTO DO ESTADO E SEU PAPEL COMO ÓRGÃO DE DOMINAÇÃO DE UMA CLASSE POR OUTRA A propriedade privada sobre os meios de produção, bem como as determinações que desta derivam – o Estado e as classes sociais –, não existiram sempre. São fruto das exigências da sociedade em determinada etapa de seu desenvolvimento. O aumento da produção e o consequente aparecimento do mercado no seio da comunidade primitiva levaram à crescente desigualdade de bens, com as sementes, o gado, o dinheiro, etc. concentrando-se nas mãos dos ricos.[6] Os pobres se viam obrigados frequentemente a obter empréstimos dos que acumulavam gado e dinheiro, contraindo dívidas com os mesmos. No caso do não pagamento das dívidas por parte dos pobres, os ricos tomavam-lhes suas terras e os convertiam em escravos (mencionar que houveram casos na história onde a propriedade privada só muito mais tarde veio se dar sobre o escravo, dando-se primeiramente sobre a terra) – trava-se da usura, que representou um maior crescimento da riqueza para uns e a submissão de outros por meio de dívidas. O processo de desintegração da comunidade primitiva marcou a transição de uma sociedade igualitária, isto é, sem divisão de classes, para uma sociedade baseada na propriedade privada e, portanto, na divisão de classes, entre exploradores e explorados. O nascimento da sociedade de classes – com os antigos membros da comunidade primitiva sendo transformados em escravos – não se processou de forma pacífica, mas violenta. Também no período da sociedade escravista, conta-se em milhares as grandes revoltas de escravos contra seus senhores. A cisão da sociedade em classes opostas condicionou o aparecimento de um mecanismo que, aparentemente, se colocava acima da sociedade para amortizar os crescentes choques entre as classes. Todavia, tratava-se de um mecanismo que aparece num contexto em que a conciliação de classes já é impossível numa sociedade baseada na exploração do homem pelo homem. O Estado, assim, caracterizava-se por ser não um instrumento de conciliação de classes, mas, ao contrário, de dominação de classe, para manter a ordem social que corresponda aos interesses de determinada classe. É um produto do antagonismo inconciliável entre as classes. O Estado, enquanto instrumento de opressão de uma classe por outra, possui dois aspectos principais. Um é seu aspecto jurídico, formado pela burocracia civil, como os altos funcionários, políticos, etc., indispensável para a criação de leis e instituições que deem a legitimidade necessária ao regime das classes exploradoras; outro é seu aspecto violento, militar, que é a coluna vertebral de todo e qualquer Estado; um destacamento armado sem o qual não existe a manutenção do interesse de qualquer classe sequer, e o aspecto jurídico do Estado se torna nada mais que letra morta. “O [...] traço característico do Estado é a instituição de um poder público que já não corresponde diretamente à população e se organiza também como força armada. Esse poder público é indispensável, porque a organização espontânea se tornou impossível desde que a sociedade se dividiu em classes. [...] Esse poder público existem em todos os Estados. Compreende não só homens armados, como também elementos materiais, prisões [...] de toda espécie [...]” (Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado). Dessa maneira, o Estado pode ser um Estado escravista, sendo este um meio para manter o sistema de escravidão e latifúndio a serviço da classe escravista; pode ser um Estado [6] Em que pese o caráter igualitário da comunidade primitiva, os anciãos, chefes de tribo, passaram gradualmente a exercer trocar produtos com outras tribos como se estes fossem seus, atitude esta reconhecida pelo resto dos membros das tribos da comunidade primitiva, por conta da grande influência e respeito que gozavam os chefes de tribo. A primeira forma de propriedade privada foi a propriedade sobre o gado por parte dos chefes tribais.

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feudal, a serviço da manutenção do monopólio feudal da terra em benefício da classe latifundiária; e pode ser também um Estado capitalista, que sirva para manter intacta a propriedade capitalista sobre as fábricas, as minas, as linhas ferroviárias, os bancos, a terra, etc., em prol das necessidades da expansão da produtiva e da satisfação das crescentes necessidades da classe capitalista. Tendo o monopólio da violência como a coluna vertebral do Estado para a manutenção do poder de determinada classe, as massas trabalhadoras somente cessam sua situação de exploração mediante o emprego da violência revolucionária, mediante a derrubada do destacamento armado a serviço das classes exploradoras e instituindo um novo destacamento armado a serviço das massas trabalhadoras, um novo Estado. 3.3) REVOLUÇÃO VIOLENTA DA CLASSE OPERÁRIA, DITADURA DO PROLETARIADO E A SOCIEDADE SEM CLASSES Estudando de maneira científica as leis gerais que regem o desenvolvimento histórico, o Marxismo conclui que, da mesma maneira que o surgimento da sociedade dividida em classes foi uma necessidade dos homens em luta por suas condições de existência, e que a mesma cumpriu um importante papel no desenvolvimento da ciência, da cultura, do domínio dos homens sobre a natureza, etc., nos dias de hoje, a mesma se torna um anacronismo – não mais possui razão de existir numa época em que a grande e moderna produção, com um crescente caráter social, esbarra cada vez mais em crises por conta da contradição insolúvel deste mesmo caráter com a apropriação privada dos resultados de tal produção. Portanto, para acabar com este estado de coisas, a tarefa histórica que cabe à nossa época é mudar a forma de propriedade existente sobre os grandes meios de produção, de forma a coloca-las em correspondência com seu caráter social: a grande produção planificada sob a propriedade de todo povo, servindo ao mesmo, e não aos capitalistas. Em uma palavra, deve-se cumprir a missão de passar da sociedade capitalista para a sociedade sem classes. Estando esta sociedade sob a base da propriedade social dos meios de produção, não haverá como acumular de maneira privada o trabalho suplementar produzido pelas massas, sendo este destinado para a satisfação da necessidade daquelas. Não havendo classe a ser explorada, tampouco será necessária a existência do Estado enquanto órgão de dominação de uma classe por outra. Foi baseando-se na grande experiência da Comuna de Paris de 1871, primeira tentativa na história onde a classe operária lutou para erguer seu próprio Estado, que Marx e Engels chegaram à conclusão de que somente vencendo a reação das classes exploradoras mediante a revolução armada seria possível derrubar o velho exército burguês e estabelecer o novo exército da classe operária, garantindo a dominação da classe operária sobre a burguesia derrubada do poder político do Estado – dominação esta necessária para expropriar os meios de produção dos capitalistas, convertendo-os em propriedade de todo o povo. Apoiando-se nesse entendimento, Marx desenvolverá ainda mais a teoria sobre a passagem do capitalismo para a sociedade sem classes, a sociedade comunista. Levando em conta a reação violenta da burguesia para com a construção da nova sociedade, a passagem para a sociedade sem classes não se poderá dar de maneira imediata após a socialização dos meios de produção: Entre o capitalismo e a sociedade sem classes, será necessário um período político de transição onde o Estado será o Estado da ditadura revolucionária do proletariado. Marx define tal período de transição entre o capitalismo e o comunismo – a ditadura do proletariado – como a “etapa inferior da sociedade comunista”.[7] Serão Lenin e Mao Tsé-Tung que, por haverem vivido e tomado parte nas maiores Revoluções proletárias da humanidade, na Rússia e na China, respectivamente, quem desenvolverão as teorias e as indicações de Marx sobre a transição do capitalismo para o comunismo. Nas próximas edições da Revista Nova Cultura, onde buscaremos explicar o que é o Leninismo e o Pensamento de Mao Tsé-Tung, abordaremos também os aportes dados por Lenin e Mao sobre o assunto presente, da passagem do capitalismo para o comunismo.

[7] Verificar a obra Crítica ao Programa de Gotha, de Karl Marx.


Figuras do Movimento Operário

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Figuras do Movimento Operario Octávio Brandão

Octávio Brandão (1896-1980), natural de Viçosa, cidade do Estado de Alagoas, foi uma destacada e valorosa figura do movimento operário brasileiro. Intelectual de talento, desde muito jovem se dedicou ao estudo das ciências e da filosofia, o que permitiu o acumulo de um vasto conhecimento. Estudou com afinco a minerologia, geologia, botânica, filosofia grega e indiana, assim como clássicos da literatura universal. Com 16 anos, rompeu com o catolicismo, religião professada pelos membros de sua família e começou a desenvolver uma consciência materialista. Engajou-se no nascente movimento operário de seu Estado e levantou bandeiras de luta importantes, como a da defesa da reforma agrária e da soberania nacional. Escreveu importantes livros como Canais e Lagoas (1916-1917), onde já desenvolve críticas a ordem dominante na época e preconiza, de modo pioneiro, a exploração do petróleo no Brasil. Outro livro de sua autoria, que merece destaque é o, também pioneiro, Agrarismo e Industrialismo: Ensaio marxistaleninista sobre a Revolta de São Paulo e a guerra de classes no Brasil (1924). Esta obra foi a primeira tentativa de interpretação da realidade brasileira feita tendo como método de analise a teoria marxistaleninista. Octávio Brandão também foi responsável pela primeira tradução do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, publicada no jornal Voz Cosmopolita. Se destacou como importante dirigente do movimento comunista brasileiro em sua etapa inicial, estando a frente da criação do jornal A Classe Operária, primeiro jornal de massas do Partido Comunista do Brasil. É dever de todos os comunistas render as devidas homenagens a este bravo filho do povo brasileiro e destacado líder do proletariado.


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UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA

A União Reconstrução Comunista (URC) visa ser um polo aglutinador de todos os militantes revolucionários e ativistas descontentes com os rumos tomados pelo movimento comunista em nosso país, destruído e corroído pelo revisionismo e oportunismos de direita e esquerda. Após longos estudos e debates e um ano da fundação do Coletivo Bandeira Vermelha, conquistamos, enfim a base da unidade orgânica que deve nortear nossa prática: a unidade ideológica na teoria do proletariado desenvolvida por Marx, Engels, Lenin, Stalin e Mao; a luta pela refundação do Partido Comunista com base na teoria revolucionária do proletariado; a necessidade de se levar a cabo a Revolução Proletária dentro das condições concretas de nosso país.

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