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Revista de Cultura e Teoria Politica
Viva o Dia Internacional da Mulher Proletária!
Os 60 anos do XX Congresso do Partido Comunista da URSS Balanço sobre o processo de ascensão do revisionismo no seio do PCUS e a negação dos princípios do marxismo-leninismo pela camarilha de Khruschev, a partir do ataque à figura do camarada J. V. Stalin
O que é a Rússia de Putin?
94 anos da fundação do Partido Comunista no Brasil
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SUMÁRIO EDITORIAL: “Viva o Dia Internacional da Mulher Proletária” página 03 “8 de Março: Dia Internacional da Mulher Proletária na luta pelo socialismo” página 06 “O que é a Rússia de Putin?” página 12 “Os 60 anos do XX Congresso do Partido Comunista da URSS” página 26 “Os 94 anos da fundação do Partido Comunista no Brasil e a necessidade de sua reconstrução revolucionária” página 49 Figuras do Movimento Operário página 51
NOVA CULTURA Nº 07 - MARÇO/2016 Revista teórica eletrônica, uma publicação da União Reconstrução Comunista (URC). Colaboradores: Ícaro Leal Alves, Gabriel Martinez, Alexandre Rosendo, Lucas Medina, Raquel Fernandes, Klaus Scarmeloto, Paulo Esteves, Gabriel Duccini, Igor Gonçalves Diaz
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EDITORIAL: “Viva o Dia Internacional da Mulher Proletária”
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“não se pode assegurar a verdadeira liberdade, não se pode edificar a democracia [...] se não a tirarmos da atmosfera brutal do lar e da cozinha (...). Enquanto as mulheres não forem chamadas a participar livremente da vida pública em geral, cumprindo também as obrigações de um serviço cívico permanente e universal, não pode haver socialismo, nem sequer democracia integral e durável” V. I. Lenin
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Neste mês de março, nós da União Reconstrução Comunista viemos a público, por meio desse editorial, nos juntar novamente às celebrações do 8 de março, Dia Internacional da Mulher Proletária, a fim de relembrar as resistências históricas das mulheres de todos os povos do mundo, em sua luta contra o patriarcado e o capitalismo e imperialismo. Na Segunda Conferência Internacional da Mulher Proletária e Socialista, foi Clara Zetkin, quem deu a inspiração para declarar pela primeira vez um Dia Internacional da Mulher Trabalhadora e Socialista. No dia 23 de fevereiro, que corresponde ao 8 de março no calendário gregoriano, as mulheres operárias tecelãs da Rússia entraram em greve e saíram às ruas, dando início à Revolução de Fevereiro. Posteriormente, alteraram a data para o 8 de março tendo em vista a ação das mulheres revolucionárias da Rússia. Esta perspectiva histórica difere da narrativa liberal-burguesa acerca das “ondas do feminismo”, excluindo tanto o papel das mulheres socialistas bem como da Rússia após a Revolução de Outubro, da chamada “Primeira Onda”, na garantia dos direitos para as mulheres. Foi Engels um dos pioneiros a buscar a origem do patriarcado como coincidente ao aparecimento da propriedade privada. Em seu estudo sobre as sociedades primitivas, abordou o surgimento da família monogâmica e como, a fim de garantir o direito de herança das recém-nascidas classes dominantes, os homens passaram a controlar as capacidades reprodutivas das mulheres. É a partir dessa origem do patriarcado e sua relação dialética com a sociedade de classes e seu papel em sua reprodução que se encontra a origem da opressão das mulheres, de sua subalternização até os dias de hoje no modo de produção capitalista. Na realidade brasileira atual, segundo dados disponibilizados pela Central de Atendimento à Mulher, foi registrada uma média de 179 relatos de agressão por dia, o grosso delas produtos de violência doméstica. Em 2013 foram registrados 4762 feminicídios, e em 2014 foram registrados 50.320 estupros no país. Um estudo do IPEA aponta que apenas 10% das tentativas de estupro são denunciadas à política. No mundo do trabalho, a grande burguesia ainda se recusa a cumprir o princípio básico de salário igual, trabalho igual, já que quer sempre aumentar seus lucros usando o sobretrabalho feminino e também para congelar os salários dos trabalhadores homens. Ainda enfrentam a dupla jornada de trabalho, relegadas a cuidar das tarefas domésticas. Longe de ter se encerrado, a escravidão doméstica aflige também especialmente mulheres negras. Outra forma de violência contra a mulher no Brasil é a prostituição, longe de ser uma escolha individual, parte da mesma lógica da mulher não ter controle sobre os seus corpos. Em países semicoloniais, o Imperialismo estimula o turismo sexual principalmente em épocas de megaeventos, usando a máscara da “liberdade sexual” e “cosmopolitismo” para esconder que se está em jogo a submissão da mulher à indústria sexual, a transformação de seus próprios corpos em mercadoria. Em 2012, o deputado Jean Wyllys, apresentou um PL visando a regulamentação da prostituição, alegando ser uma medida para proteger as prostitutas. No entanto, nenhuma medida que implique em legalização da cafetinagem, irá ajudar estas mulheres que são vítimas da prostituição dado ser uma forma de violência sexual contra as mulheres. Engels também já havia colocado a prostituição como tendo sua origem no processo de consolidação do patriarcado. Outra das formas que faz com que as mulheres não tenham autodeterminação por seus próprios corpos e capacidades reprodutivas, é a criminalização do aborto. A cada dia uma mulher morre em clínicas clandestinas por não ter o direito ao aborto garantido. No século XX, enquanto nos países capitalistas, a mulher ainda não tinha seus direitos mais básicos garantidos, nos países socialistas, elas eram chamadas a tomar parte na construção da nova sociedade. Ainda que não se tenham superado completamente o patriarcado, como colocou a feminista marxista Helleieth Saffioti, foram as sociedades que chegaram mais próximo disso. Na Rússia, ocorreram transformações sociais radicais onde anteriormente no tempo do czarismo, as mulheres não tinham direito a matrimônio civil e ao voto, mulheres assumiram funções importantes, nomeadamente a primeira ministra mulher da história tomou posse, Alexandra Kollontai, que também deu importantes contribuições à luta das mulheres na URSS. As mulheres eram chamadas a tomar parte no trabalho fabril, com medidas que impediriam que se fossem substituídas por homens no mesmo tipo de trabalho. Obviamente, a questão da libertação da mulher não deve ser compreendida apenas nos
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seus planos jurídico-formais, mas na construção de uma sociedade livre dos preceitos ideológicos e superestruturais da velha sociedade, sem a base material para seu reaparecimento e com intentos de destruição dos antigos resquícios de ideologias provenientes das sociedades baseadas em dominação de classe. A este respeito, merece atenção especial a experiência chinesa. Mao compreendeu bem que para uma construção de uma sociedade nova, era necessário um salto da transformação jurídica-formal para a transformação concreta do tecido social. A Revolução Chinesa deu grande ênfase para a superação da base material que dava origem à opressão das mulheres bem como para a superação dos antigos valores patriarcais, e no caso chinês, costumes feudais que também oprimiam a mulher chinesa. As mulheres chinesas eram chamadas a integrar Associação de Mulheres, onde as aldeãs se reuniam para denunciar atos de violência, principalmente de seus maridos. Também eliminaram hábitos reacionários como o de amarrar os pés das mulheres quando nascessem. Mesmo que as concepções trotskistas e semitrotskistas o neguem, as experiências socialistas, especialmente soviética, albanesa e chinesa, foram um grande avanço para a luta das mulheres no mundo, gerando impacto para o mundo capitalista e o movimento feminista. Enquanto o 8 de março era celebrado em todos os países socialistas como feriado nacional e data de enfatizar a luta das mulheres pela sua própria emancipação, e tomar papel central na luta pela nova sociedade, o “Ocidente” só foi aceitar esta data em 1977, após aprovação da Assembleia Geral da ONU. A história dos diferentes processos revolucionários da humanidade, bem como de demais lutas de libertação nacional, e da própria luta das mulheres, demonstram que ela não é apenas para a garantia de suas questões particulares, mas que dada a impossibilidade de emancipação dentro do atual panorama da sociedade exploradora, esta luta deve estar intimamente ligada ao processo mais amplo de superação da atual ordem. A burguesia, por meio de seus diversos aparelhos ideológicos, tenta fazer do movimento feminista uma ferramenta para uma luta simplesmente imediatista, esvaziando o seu caráter político e tentando minar o espírito revolucionário das mulheres e seu papel na luta contra a atual ordem capitalista. Da mesma forma, tentam tirar o sentido político do 8 de março, o apresentando como um evento festivo e não um momento para se perceber que a luta pela emancipação ainda não se terminou. Conseguem inclusive influenciar determinados setores do movimento feminista atual. Tentam criar uma imagem do capitalismo como o responsável pelos seus direitos, e quando concedem que os atuais direitos foram conquistados mediante árdua luta de todas as mulheres de todos os povos do mundo, tentam sob todas as formas mostrar que é ultrapassado falar em patriarcado no capitalismo, seja nos países imperialistas, ou nos países dominados, criando uma imagem de “mundo ideal” para as mulheres. Em muitos casos, fazem apologia a novos instrumentos do patriarcado criado por eles para continuar reproduzindo a dominação da mulher. Obviamente, submetidos a uma investigação concreta, esse quadro releva-se mera mistificação da ideologia burguesa, pelo qual, os setores mais avançados da luta feminina, comprometidos com a luta geral das massas populares pela superação desta sociedade, não se deixarão se iludir. Neste 8 de Março, celebramos a luta das mulheres para que ela avance cada vez mais, até cumprirem seu papel histórico na luta contra o patriarcado, construindo uma sociedade nova, livre dos preceitos patriarcais e demais ideologias das sociedades de classes. Como disse o camarada Lenin: “não se pode assegurar a verdadeira liberdade, não se pode edificar a democracia [...] se não a tirarmos da atmosfera brutal do lar e da cozinha (...). Enquanto as mulheres não forem chamadas a participar livremente da vida pública em geral, cumprindo também as obrigações de um serviço cívico permanente e universal, não pode haver socialismo, nem sequer democracia integral e durável”
Viva o 8 de Março! Viva a luta das mulheres! Abaixo o patriarcado e o imperialismo! UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA
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Oito de Marรงo: Dia Mulher Proletรกria na por Raquel
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Se hoje percebemos que o feminismo de certa forma não representa a mulher trabalhadora, temos que ter a consciência que há 120 anos era organizada a Primeira Conferência de Mulheres Socialistas em Londres e sua principal preocupação era uma análise da relação do movimento feminista burguês e do movimento proletário das mulheres, e a necessidade mostrar as diferenças do movimento das burguesas, e suas pautas, e do movimento das proletárias, aumentando a difusão da propaganda socialista entre as mulheres trabalhadoras, para inclui-las na frente das lutas de classe e não a reboque da burguesia. Há 109 anos foi realizado a Primeira Conferência Internacional de Mulheres Socialistas em Stuttgart, em 1907, que tentava reverter o quadro da não participação efetiva das mulheres nos partidos e estabelecer suas demandas. A realidade era que enquanto somente os homens tivessem acesso e conhecimento da causa socialista, os burgueses continuariam controlando o proletariado, pois metade de sua força de trabalho não tinha conhecimento de seus direitos, sendo assim a mulher a última e mais frágil vítima da burguesia, onde sempre poderia ser inserida para ocupar uma posição de um trabalhador revolucionário, ainda com mais horas de trabalho e com um salário inferior. A burguesia se aproveitava da falta de unidade dos trabalhadores e trabalhadoras para explorar com mais intensidade. Com a entrada das mulheres nas organizações dos partidos socialistas, esse quadro começa a se reverter, são minadas as forças da burguesia. Como a ascensão da luta da mulher era uma ameaça a burguesia em qualquer país, mesmo nos países mais democráticos, há uma grande repressão do movimento organizado das mulheres, com o intuito de não colaborar com o avanço da força do proletariado frente a burguesia. A união das mulheres se fez mais rapidamente onde as mulheres não possuíam direitos políticos, como em locais onde havia a luta pelo direito ao voto, que sempre se realizava em conjunto com as mulheres socialistas, sendo na Inglaterra em oposição as sufragistas (um movimento burguês). As socialistas criaram agrupamentos dentro dos partidos socialistas, que nada tinham relação com o feminismo, pois a referida luta era para garantir as mulheres burguesas os privilégios que antes eram só dos homens, enquanto as mulheres trabalhadoras buscavam um objetivo comum com os homens trabalhadores, referente exclusivamente a classe operária. As pautas da conferência incluíam: - o sufrágio universal para as mulheres; - a segurança social e de proteção para a mãe e a criança; - a jornada de 8 horas; - a proibição do uso de mão de obra feminina em ramos particularmente insalubres de produção; - licença de 16 semanas para mulheres grávidas e lactantes; - introdução do princípio do seguro de maternidade obrigatória; - a extensão de todas as formas de proteção da maternidade para incluir as mães legítimas e ilegítimas; - revisão das leis sobre o infanticídio, cometidos principalmente por mães que foram abandonadas à sua sorte; - fosse a maternidade reconhecida como uma função social independentemente da relação conjugal e familiar; - abolição do trabalho noturno para todos os trabalhadores e trabalhadoras; e - obrigação das mulheres de se oporem ao machismo. Em 1908 surge um chamado do Comitê Nacional Da Mulher do Partido Socialista, nos Estados Unidos, para criar um dia para a campanha pelo sufrágio feminino, o “Dia Nacional da Mulher”, que passa a ser usado em 1909. Nesse momento havia greves de massas pelo sufrágio feminino e protestos contra o tratamento desumano que as mulheres recebiam nas fábricas. Na Segunda Conferência Internacional de Mulheres Socialistas foi declarado pela pri-
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meira vez há 106 anos, no dia 19 de março de 1910, O dia Internacional da Mulher Proletária, inspirada por Clara Zetkin, pois nessa data em 1848 o rei prussiano cedeu, pela ameaça da insurreição proletária, e fez muitas promessas, dentre as quais a de introdução do voto feminino, que não foi concretizado. Posteriormente essa data foi mudada para 8 de março em 1913. No Bloco Socialista, a partir de 1945, essa data foi transformada em feriado, enquanto no mundo capitalista essa data era boicotada pela burguesia, e as mulheres que ousavam se manifestar por justiça e igualdade sofriam repressão do estado O dia 8 de março como dia Internacional da Mulher Proletária surge como o dia anual para o reconhecimento da luta pelos direitos econômicos, sociais e políticos das mulheres, as oportunidades para despertar a autoconsciência entre as mulheres trabalhadoras, e pela unidade da classe trabalhadora. Na Rússia, as comemorações do Dia Internacional Da Mulher foram parte da Revolução Russa de 1917, pois em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro), as trabalhadoras têxteis entraram em greve contra a fome, contra o Czar e contra a participação do país na primeira guerra, em passeata elas apedrejaram janelas de outras fábricas, chamando os operários a luta e esse caso não foi reprimido pelos cossacos, pois além de grito de ordem de apoio ao fim da fome e por pão para os trabalhadores, elas também gritaram ser as mães e as irmãs dos cossacos. Podemos pontuar nesse caso a participação das mulheres na revolução de fevereiro na Rússia, e sua importante participação na luta do operariado socialista. Muitas são também as mulheres que participaram na revolução de outubro, milhares de mulheres anônimas, com seus lenções vermelhos na cabeça: jovens, velhas, esposas de soldados, camponesas, proletárias, donas-de-casa de cidades pobres e até muito raramente secretárias e mulheres profissionais, todas marcharam, viraram parte do exército vermelho, estavam nas estações de primeiros-socorros no front, trabalhavam na comunicação do exército, trabalhavam todas com o mesmo objetivo, o triunfo da revolução proletária. Disse a camarada Kollontai: “é logico e incontestável que, sem a participação das mulheres, a Revolução de Outubro não traria a Bandeira Vermelha da vitória. Glória às trabalhadoras que marcharam sob a bandeira vermelha durante a Revolução de Outubro. Glória à Revolução de Outubro que libertou as mulheres!” (Mulheres militantes nos dias da Grande Revolução de Outubro. Novembro de 1927) Na Rússia socialista, para as mulheres, foi instituído: - direito ao voto; - jornadas de 8 horas de trabalho; - não execução de serviços noturnos ou nas minas; - subsidio maternidade e uma licença remunerada de 8 semanas antes e 8 semanas depois do parto; - casamento civil (para as uniões que antes eram chamadas de livres, sem direitos); - direito ao divórcio; - fim da distinção entre filhos legítimos e ilegítimos. A legislação soviética garantia salários iguais para homens e mulheres que ocupassem o mesmo cargo, com a mesma qualidade, e também foi o primeiro país a legalizar o aborto em 1920 – por conta de uma necessidade de saúde pública. Tendo em vista tais avanços, era claro que os países capitalistas precisariam em certa medida conceder alguns desses direitos para as suas cidadãs a fim de que todas as mulheres do mundo não vissem a revolução socialista como o único modo de serem livres. Porém, hoje, 96 anos depois, ainda em muitos países as mulheres não têm todos esses direitos garantidos. Apesar do histórico de lutas, com o passar do tempo, as classes dominantes por meio dos seus aparelhos ideológicos, com o intuito de descaracterizar e ofuscar a luta das mulheres socialistas, a data foi tergiversada e sofre constantes tentativas de cooptação por parte de movimentos feministas burgueses, muitas vezes com um viés antissocialista, apagando o seu ca-
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ráter histórico revolucionário das proletárias. O ápice da cooptação ocorreu pela ONU quando declarou o dia 8 de março como dia internacional da mulher, e consequentemente as classes dominantes se aproveitaram para realizar a descaracterização da data com seu poder de fogo da multimídia. Além da comercialização e de um significado diverso da data, ficou estampado como a data do dia de gratidão à submissão e à valorização do sofrimento da mulher proletária, como algo nobre, do reconhecimento e valorização da sua dupla jornada e do seu papel inferiorizado no seio da produção, como algo digno e merecedor de pressentes, atestando assim a total desvalorização da mulher operária. Há necessidade de retomar o 8 de março não como o dia da mulher, mas sim como o dia internacional de luta da mulher proletária que carrega um glorioso histórico de lutas contra a podridão das classes exploradoras de todo o mundo! No Brasil as mulheres vivem uma situação trágica. Elas correspondem a 51,4% da população e mesmo assim foram registrados 65 mil casos de violência contra mulher em 2015; sofreram, em média, 179 agressões por dia; ocorreram 4.762 feminicídios em 2013, sendo metade cometidos por familiares; sendo que o número de mortes violentas das mulheres negras aumentou em 54%; foram registrados 50.320 casos de estupro em 2013, sendo que em média somente 10% dos casos são registrados pela polícia; e morrerem 200 mil mulheres em abortos clandestinos. Esses, e muito outros casos, formam a triste realidade da barbárie em que as mulheres (principalmente das classes populares) do Brasil vivem oprimidas. Elas vivem nessa situação deplorável por conta do sistema econômico decadente que é o capitalismo burocrático brasileiro, totalmente submisso ao imperialismo, comportando todos os atrasos sociais e culturais de uma nação que sofre do atraso semifeudal no campo. Enquanto o 8 de março continuar cooptado, não serão tratadas de fato as necessidades da mulher trabalhadora e não haverá de fato uma luta para a revolução democrática anti-imperialista e Socialista, ou seja, pela verdadeira emancipação da mulher brasileira. Somente com o povo reorganizado em seu Partido Comunista, como vanguarda da nação, existirão as condições verdadeiras para a emancipação da vida social, econômica e cultural das mulheres no Brasil: com a derrubada das classes dominantes no Brasil e com o proletariado no poder. Enquanto ficarmos a reboque da grande burguesia imperialista e seus lacaios, dos latifundiários e da esquerda feminista pequeno-burguesa, a condição das mulheres permanecerá a mesma. O 8 de março precisa ser retomado como dia da luta da mulher proletária e da mulher camponesa em todo o mundo. Lutamos pela união efetiva das mulheres no movimento de aliança operário-camponesa contra o imperialismo e pelo socialismo, rechaçando o movimento feminista burguês, pela retomada dessa data histórica do proletariado, contra a falsificação e mercantilização de nossa luta.
Viva a luta das mulheres! Viva a mulher trabalhadora! Viva o 8 de março! Abaixo o imperialismo! Viva ao Socialismo!
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por Ícaro Leal Alves
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Os últimos anos têm se caracterizado pelo acirramento das contradições que caracterizam a nova ordem mundial imposta pelo imperialismo norte-americano após a dissolução da URSS e a restauração do capitalismo nos países do leste europeu. Grandes enfrentamentos se verificaram desde o começo do século em muitos países. Nesses enfrentamentos a contradição principal se caracteriza pelo antagonismo entre as forças que representam o imperialismo de um lado e aquelas que representam os interesses das nações oprimidas e exploradas. Em muitos países essa luta assume sua forma violenta, inclusive a forma da luta armada mais radical. Tem sido assim na Líbia, no Iraque, na Ucrânia e na Síria. Isso põe em evidência o problema da relação entre os Estados. O problema da relação entre os Estados imperialistas de um lado e aqueles do terceiro mundo que lutam por sua soberania. Durante os anos que sucederam a segunda guerra mundial, a URSS foi uma competidora dos Estados Unidos na luta pela hegemonia global. A sua existência e a do sistema socialista mundial impunha certas restrições aos desígnios imperialistas dos norte-americanos e aos países da OTAN – ainda que essa força de resistência fosse minada pelo oportunismo direitista das camarilhas revisionistas que governavam esses países. A queda do seu competidor número um, significou uma ofensiva geral do capitalismo imperialista mais selvagem, não só contra os países ex-socialistas da Europa, mas também contra os povos do terceiro mundo, na Ásia, na África e na América Latina. Dessa maneira, à contrarrevolução que tomou forma na URSS, segue o brutal desembargue das tropas americanas no Panamá e a sanguinária campanha das divisões do bloco “Ocidental” na guerra do golfo e a guerra permanente travada contra o Iraque de Saddam Hussein a partir dali. Porém, já há algum tempo, diversos analistas têm apontado o desenvolvimento de um novo ciclo. A almejada e momentaneamente conquistada ordem mundial unipolar parece fraquejar. Mesmo os órgãos de inteligência estado-unidenses são unanimes em afirmar que nos próximos anos as relações internacionais se tornarão mais complexas, que os Estados Unidos verão sua hegemonia questionada e minada e que gradativamente se fortalecerá no mundo uma ordem multipolar. Este texto vem levantar a questão – e em parte tentar respondê-la – sobre qual papel joga a atual Federação Russa em tudo isso. Após a derrocada do “comunismo” e a restauração do capitalismo, a Rússia viu seu poderio minado. Depois de se reerguer da avassaladora crise econômica dos anos 1990, ela se encontra mais uma vez no centro das relações internacionais. Mas qual é seu papel? Seria a Rússia atual um país imperialista, como dizem alguns? Ou, pelo contrário, um país anti-imperialista? O que caracteriza a política de seus atuais dirigentes, no plano externo e interno? É preciso dar respostas coerentes para todas essas questões do ponto de vista do marxismo-leninismo. Questionar-se sobre esse problema é uma tarefa imperiosa para o movimento comunista e revolucionário internacional. A RESTAURAÇÃO DO CAPITALISMO NA RÚSSIA A revolução socialista de outubro de 1917 na Rússia foi o maior acontecimento histórico do século XX, levando ao poder pela primeira vez na história uma ditadura proletária vitoriosa e desalojando os latifundiários e capitalistas. A nacionalização dos meios de produção e a direção econômica planificada liberaram enormes forças produtivas; proporcionando um desenvolvimento sem par da indústria, eliminando as crises periódicas de superprodução, a fome e o desemprego e proporcionando ao povo russo uma revolução cultural extraordinária que instruiu milhares de quadros técnicos saídos do seio das classes trabalhadoras. As forças criadas pelas relações de produção socialista estabeleceram as condições para a vitória soviética na grande guerra patriótica contra o fascismo alemão. Até meados dos anos 1950 a URSS experimentou índices de crescimento constantes da ordem de 10% ao ano em média. Dos anos 1960 em diante esses índices caíram gradativamente, de 7,2% entre 1961 a 1970, desceram para somente 3,2% de 1981-1985. Em 1956, o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética havia iniciado a consolidação
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da orientação revisionista na direção desse partido. As forças lideradas por Nikita Kruschov abandonaram os princípios do marxismo-leninismo enquanto liberaram e consolidaram a burocracia. Os crescentes problemas da planificação econômica não puderam ser solucionados pela via revolucionária da instauração de um verdadeiro controle operário sobre a produção e a gradual passagem das relações de produção socialistas as superiores, comunistas. Da mesma maneira as crescentes tendências burguesas não foram combatidas com os métodos da ditadura do proletariado. Pelo contrário, esses problemas foram “combatidos” com a adoção de métodos capitalistas, como o afrouxamento da planificação econômica; a adoção do lucro como um dos principais indicadores econômicos; a maior autonomia das empresas socialistas do Estado. Todas essas medidas bem como a própria orientação política da direção soviética, voltada ao abandono da luta de classes, da via socialista e do marxismo-leninismo, minaram as bases do socialismo. A adoção da Perestoika a partir de 1986 marcou a cruzada definitiva contra as estruturas socialistas da econômica soviética e a Glasnost liberou a nova burguesia russa no campo político. Cresceram as forças centrifugas. Todos os tipos de ideias burguesas ressurgiram no campo deixado livre pela ausência de uma justa orientação proletária para lhe dar combate. O humanismo, o cristianismo, mas principalmente o nacionalismo, foram as cores com que se revestiram os novos partidos da contrarrevolução burguesa. O XXVIII Congresso do PCUS de julho de 1990 marca a passagem definitiva ao capitalismo. É de notar também que esse congresso liquida, até formalmente, o centralismo-democrático. Após a dissolução da URSS e a liquidação do poder do Partido Comunista o capitalismo foi completamente restaurado na Rússia. A nova direção burguesa capitaneada por Yeltsin assumiu uma política de privatização depravada das antigas empresas socialistas do Estado russo. Essa política foi levada a cabo em meio a corrupção, ao banditismo dos grupos mafiosos e ao favoritismo das reduzidas elites de novos ricos russos – a oligarquia. Até junho de 1993, 60 mil das 200 mil empresas estatais russas haviam sido privatizadas. A partir do segundo semestre de 1993, as privatizações foram aceleradas, atingindo o setor das grandes indústrias. Em julho de 1994, 70% de todas as empresas industriais da Rússia estavam privatizadas. O resultado foi que os setores centrais da economia russa ficaram nas mãos de um grupo reduzidíssimo de magnatas, desses destacando-se sete que abocanharam como seu patrimônio privado as principais empresas ex-estatais. Eram eles: Vladimir Potanin, Boris Berezovsky, V. Gusinsky, Mikhail Khodorkovsky, Petr Aven, Vinogradov e Smolensky. Esses homens controlavam gigantes monopólios nos setores da siderurgia, metalurgia, aeronáutica, indústria automobilística, oleodutos e até imprensa. Os leilões estatais dos quais se beneficiaram foram sabidamente fraudulentos e contaram com a participação da máfia. Durante toda a década de 1990 esses homens se beneficiaram da absoluta ineficiência fiscal da federação e da sonegação de impostos. A atividade econômica nesses anos foi fortemente marcada pela especulação e pela falta de controles e normas rigorosas. Eles também atuaram ativamente na política detendo as rédeas do Estado e se tornando verdadeiros plutocratas. Sua atuação no controle da mídia russa foi determinante para assegurar a reeleição de Yeltsin no pleito de 1996 e evitar a vitória eleitoral de Zyuganov, líder do Partido Comunista da Federação Russa – então maior partido na Camarada dos Deputados da Federação –, no segundo turno das eleições. A campanha midiática que promoveram então foi histérica e criminosa, ela consistiu em vincular permanentemente o medo entre a população sobre “o retorno do comunismo”, associado a vitória de Zyuganov, e a vinculação de publicidade insidiosa que questionava os eleitores com frases como “você deseja a volta de tudo aquilo? ” Após as eleições de 1996, eles também abocanharam postos de direção no Estado; Berezovsky foi nomeado para o Conselho de Segurança Nacional e Vladimir Potanin chegou a ser ministro das finanças, entre outros exemplos. Os plutocratas também foram determinantes na sucessão relâmpago de primeiros-ministros nos anos de 1998-1999 a medida em que esses premiers pretenderam solucionar o problema da crise econômica que o país atravessava tocando em certa medida nos seus interesses econômicos, seja combatendo a
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sonegação fiscal (caso de um liberal-ortodoxo como Kirienko), ou investindo no setor produtivo da economia (caso de Primakov). Seu poder também era oriundo da política descentralizadora do período de Yeltsin, que concedia enormes poderes aos governadores, sobre os quais exerciam pressão. Como resultado desse processo de restauração capitalista a Rússia viveu uma época de caos nos anos 1990. A desorganização da economia socialista promovida pela Perestroika bem como desmembramento da URSS pelas forças centrifugas do separatismo jogaram a economia do país na depressão já em 1990, quando experimentou um crescimento negativo de - 4%. A crise alcança o auge em 1994 junto com as privatizações, alçando o índice - 12,6% de crescimento. Entre os anos de 1990 e 1999, a Rússia experimentou crescimento médio anual negativo da ordem de - 5,4%. Os efeitos foram sentidos da forma mais desesperadora entre os trabalhadores. O desemprego ressurgiu, juntamente com a inflação, agindo esses dois elementos juntos para flagelar o povo. Com a liberalização dos preços e o fim do tabelamento a inflação alcançou o índice de 2580%, apenas em 1992, sendo reduzido para “somente” 36,6% no ano de 1999. Nesse mesmo ano o número de pessoas vivendo em condição de pobreza alcançava 41,6% do total da população russa. A média anual de inflação naquela década foi de 408,42%. Soma-se a isso o atraso permanente dos salários no setor estatal e a remoção gradual de direitos trabalhistas antes conquistas. As retóricas de liberdade política também se esvaneceram. Yeltsin canhoneou a sede do Parlamento russo, a 4 de outubro de 1993, após perder a maioria nesse órgão. A ação resultou em mais de 300 mortes e o líder do parlamento e o vice-presidente da federação foram presos. Um dia antes a polícia já havia dispersado uma manifestação pró-Parlamento a balas. Quando, em 1991, fora Yeltsin a liderar essa mesma instituição em revolta contra o governo soviético, aquela terrível “ditadura comunista” não fora capaz de ir tão longe. É verdade que o Partido Comunista pudera atuar livremente e se manteve o partido de oposição mais influente do país, mas a propalada liberdade de expressão se demonstrou um mero logro. Ela se reduzia a liberdade dos oligarcas para monopolizar os grandes meios de comunicação e os colocar a reboque dos seus interesses. Ademais os escândalos de corrupção e a criminalização do Estado foram elemento constante na vida política do país. Casos envolvendo desvios de dinheiro do FMI, por parte do Banco Central russo, para a companhia norte-americana FIMACO, ou o recebimento de propina por Yeltsin e sua filha da parte da empresa de construção suíça Mabetex ficaram sem solução. Até um mandado de prisão contra Berezovsky ficou sem ser cumprido, tal era o nível de ineficiência e degeneração do aparelho de estado russo e seu controle pelos grandes capitalistas. A RÚSSIA SOB PUTIN O fenômeno político mais significante para a Rússia no começo do século é a ascensão política de Vladimir Putin. Antigo agente dos serviços de segurança do Estado, Putin assume a função de primeiro-ministro em fins de 1999, sendo o último dos cinco premiers nomeados por Yeltsin na ciranda dos premiers que caracterizou a instabilidade política da Rússia após a grave crise econômica desencadeada em agosto de 1998. Desde então Putin consolidou sua influência e popularidade política no país. Como interpretar esse fenômeno político russo? Qual o seu significado do ponto de vista do marxismo-leninismo e dos interesses da classe operária e do socialismo? Responder a essas perguntas reveste-se de maior importância quanto mais intensifica-se o papel da Rússia nas relações internacionais e principalmente seu papel em acontecimentos que envolvem o interesse dos povos na luta contra o imperialismo, como no caso da guerra da Síria e do Donbass. Do nosso ponto de vista as análises sobre a Rússia putinista tem se caracterizado por duas vertentes principais que julgamos igualmente problemáticas. Os desvios esquerdistas na leitura, que partindo de ideias subjetivistas tentam apresentar as ações da Rússia no campo da política exterior como uma política fundamentalmente imperialista e agressiva de um país que busca a hegemonia e o espólio em competição com o imperialismo norte-americano. Essas
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visões guardam o elemento curioso de obscurecer o papel hegemônico e agressivo do imperialismo americano e de seus aliados euro-ocidentais, assim como, seu papel nefasto em uma série de acontecimentos recentes na política externa, bem como segue na trilha da campanha de desinformação dos grandes meios de comunicação do nosso país, que, capitulando frente ao imperialismo americano, adotam um discurso anti-russo. Outra tendência, da qual discordamos fortemente, tende a idealizar o papel da Rússia nas lutas anti-imperialistas ao redor do mundo, a substituição do comunismo por um nacionalismo burguês estreito, que, adotando o discurso da multipolaridade, abandona o ponto de vista de classes e da luta de classes, não compreende o caráter de classe da luta anti-imperialista e a importância de lutar pela hegemonia proletária nos enfrentamentos patrióticos dos povos oprimidos. Nesse sentido, muitos comunistas adotam um culto genérico da sociedade russa e das suas “tradições”, abandonam o materialismo dialético e adotam a fé ortodoxa russa, se tornam acríticos as políticas russas e se desarmam perante as múltiplas contradições que caracterizam o movimento histórico. Apresentaremos agora nossas opiniões sobre os fenômenos políticos da Rússia, no campo interno e externo, de um ponto de vista marxista-leninista, diferente dos dois desvios antes mencionados. AS POLÍTICAS DE PUTIN NO CAMPO INTERNO DA FEDERAÇÃO RUSSA Aos anos de depressão de 1990-1996 segue-se um breve período de reanimação da economia russa em 1997, com um minguado crescimento econômico de 1,4%. Porém, a crise dos mercados asiáticos iniciada com o crash da bolsa de Hong-Kong, de outubro daquele ano, logo atingiria a Rússia em cheio e ela voltaria ao fundo do poço em 1998. A crise econômica intensificou a instabilidade política que caracterizou todo o segundo mandato de Yeltsin. Combina-se a ela o início da segunda guerra da Chechênia e os atentados terroristas no interior do país. Putin acenderia como o “homem forte”, capaz de transmitir a segurança necessária ao povo russo. Os órgãos de imprensa no Brasil compararam a sua campanha eleitoral, altamente midiatizada, com a de Fernando Collor de Mello, no começo da década anterior. Os anos de 2000-2008 são anos de forte crescimento econômico o que ajudaria a fazer a popularidade do novo líder russo. Entender a conjuntura econômica da Rússia nesses anos é de fundamental importância. Dois elementos jogam papel na estabilização da economia russa nessa década; o aumento do preço do petróleo no mercado internacional – o barril subiu de 10 dólares em 1998 a 149 dólares em 2008 – e as políticas adotadas pelo governo russo. Entre essas políticas governamentais estão um maior incentivo aos setores produtivos da econômica e a adoção de uma baixa taxa de juros e uma reforma fiscal que simplificou o recolhimento dos impostos. Porém, essa reforma fiscal – e isso é importante para que se tenha em vista a natureza do governo russo – não adotou como base um imposto progressivo, em favor das classes trabalhadoras, mas a flat tax. A flat tax é o que se poderia chamar de imposto regressivo com uma taxa fixa em 13%. Outro elemento importante da política estatal nesse período diz respeito aos bancos, a regulamentação do sistema bancário. É importante notar aqui que a política adotada por Putin não é nada além de uma continuação da política adotada pelo ex-primeiro-ministro de Yeltsin, Primakov, para combater os efeitos mais danosos da crise econômica de agosto de 1998. Antes dessa crise os bancos russos tinham uma fraca regulamentação e funcionavam com um nível muito baixo de capitalização o que favorecia o ambiente de especulação. Seguindo a linha de Primakov de limitar a especulação e incentivar o setor produtivo, Putin adotaria o sistema de seguro de depósitos bancários em 2003. Outra medida econômica do governo Putin foi a adoção do Fundo Federal de Reserva, que consistia em criação de um fundo de reserva para os recursos advindos do petróleo após um determinado valor. Essa medida revelaria toda importância no momento de enfrentar os efeitos da crise econômica de 2008. Na dinâmica que caracterizou as relações com os plutocrata-oligarcas também se pro-
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cederam a nacionalizações parciais, como o grupo petrolífero Yukos, do magnata Kodorkhovsky, ou, as empresas de comunicação de Gusinsky. Igualmente, empresas estatais saíram beneficiadas e foram revitalizadas, como a Gazprom. Em meio ao positivo quadro econômico Putin pois em dia o pagamento de salários de servidores públicos, em constante atrasos nos anos de Yeltsin. A combinação de preços elevados das commodities exportados pela Rússia e medidas estatais de incentivo ao setor produtivo, que proporcionou a retomada do crescimento econômico, possibilitou uma melhoria significativa das condições de vida. A taxa de pessoas vivendo no nível da pobreza caiu de mais de 40% no final dos anos 1990 para 19,6% já em 2002 e menos de 15% em 2007. Mas não se deve, porém ter ilusões. Essas realizações foram conseguidas quando, entre os anos de 2000 a 2008, anteriores à crise econômica internacional do capitalismo, a Rússia conseguiu índices de crescimento econômico da ordem de 6,9% ao ano, em média. Em 2009, o país experimentou um crescimento negativo de - 7,8% e as taxas percentuais de crescimento vem caindo. Ela foi de 4,5% em 2010 e somente 1,3% em 2013. As ilusões de prosperidade absoluta desapareceram. A inevitabilidade das crises e a inconstância do crescimento econômico sob o capitalismo se tornaram claros para os russos. Não se poderá estabelecer nunca o crescimento do bem-estar para os trabalhadores sob o capitalismo, senão como um entreposto para novas crises econômicas, um novo período de destruição das forças produtivas e de aumento da miséria e da exploração da classe trabalhadora. Se bem que as políticas do governo russo tenham ajudado de alguma maneira a minorar o caos da anarquia capitalista que a Rússia viveu nos anos 1990, ele ajudou principalmente a consolidar o capitalismo restaurado, controlar os excessos mais evidentes da nova burguesia, os novos ricos russos, e estabelecer uma dinâmica normal da acumulação capitalista e de auto reprodução da economia russa, ajudando, portanto, a consolidação do capitalismo restaurado. É preciso lembra que a inflação nunca foi totalmente eliminada, ela foi de 13,13% em média entre 2000 e 2009 e se mantem em crescimento ainda hoje, pauperizando as condições de existência do povo. Putin também estabeleceu certas medidas de reformas capitalistas para eliminar os antigos “hábitos socialistas” da sociedade russa, com a monetização de benefícios sociais aos aposentados, antes percebidos em serviços gratuitos, o que gerou por sinal explosões de revolta e protesto social. No campo das relações políticas apresentam-se fundamentalmente duas questões: Putin teria reunido em torno de si forças antiliberais e estatistas?; ele adotou uma política de Estado fundamentalmente autoritária que fez retroceder as liberdades democráticas vigentes nos anos 90? Acreditamos que as leituras que tentam apresentar Putin como um estatista fundamentalmente antiliberal são tão equivocadas como as que o apresentam como um governante “autoritário”, ou, até mesmo, um “ditador”. Putin é um ex-funcionário público da alta hierarquia do Estado russo e igualmente um político saído do entourage do antigo governante, Boris Yeltsin. Por mais que suas políticas se diferenciem desse último, ele não é e nem pode ser uma ameaça ao regime social vigente na Rússia. Ao nomeá-lo seu sucessor e renunciar ao cargo de presidente a seu favor, forçando assim as eleições antecipadas, como previsto na constituição, o que permitiu que essas se realizassem no auge da popularidade relâmpago de Putin, como homem forte da segunda guerra da Chechênia, Yeltsin pretendia garantir seu sucessor e dessa maneira segurar-se contra os processos judiciais relativas a denúncias de corrupção. Vladimir Putin atendeu a esse desejo concedendo-lhe imunidade assim que assumiu o governo. No poder, Putin reúne obviamente homens saídos do aparelho de Estado russo e inclusive das forças de segurança, burocratas, com maior propensão ao controle sobre a vida social na Rússia, assim como liberais ao velho estilo da administração yeltsiana. Liberais como Mikhail Kasyanov, Aleksei Kudrin e German Gref, estiveram à frente de postos decisivos no governo como finanças e comércio.
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Além do mais a base de sustentação parlamentar de Putin é oriunda dos antigos partidos de sustentação do governo Yeltsin, unificados a partir do ano 2000 no Partido Rússia Unida. Esse partido, no ápice de sua popularidade, as eleições de 2007, conseguiria 64,1% dos votos. A popularidade de Putin e seu partido traz consigo um elemento importante, ela serve para desalojar o Partido Comunista, que durante os anos 1990, sob o governo de Boris Yeltsin, fora o partido mais votado da Rússia, tendo vencido as eleições parlamentares de 1995 com 22,3% dos votos. Sob a era Putin seu eleitorado decaiu, chegando a 11,6% nas já mencionadas eleições de 2007 – se bem que tenha retomado o fôlego nas eleições seguintes de 2011, quando percebeu 19,1% dos votos. A vitória de Putin representa, portanto, também a consolidação do capitalismo restaurado na Rússia, que, através de sua bandeira patriótica ou nacionalista, ganha estabilidade política, o que não conheceu nos atabalhoados anos Yeltsin. Ele ainda estabeleceu alianças passageiras com elementos malsãs, como o neofascista Zhirinovsky e seu Partido Democrático Liberal da Rússia, com expressiva votação no país ainda em 2011. Outra questão importante é responder se o governo Putin pode ser qualificado como uma ditadura ou uma democracia. Desde o começo da administração Putin, a Freedom House rebaixou a Rússia de um “país parcialmente livre” para um “país não-livre”. A partir de então é comum que a Rússia seja qualificada na imprensa dos países imperialistas, senão como uma ditadura, de alguma maneira como uma ameaça a “democracia Ocidental”, ou como um país onde impera um governo autoritário. Um marxista não pode colocar a questão dessa forma tão vulgar. Lênin afirmava “É natural para um liberal falar de ‘democracia’ em geral. Um marxista nunca se esquecerá de colocar a questão ‘para que classe?’” Dessa forma ele evidenciava que o fundamental na compreensão de qualquer Estado é saber, para qual classe ele serve. Sob Putin assim como sob Yeltsin o Estado russo está a serviço dos grandes capitalistas, da nova burguesia que restaurou a exploração capitalista na Rússia. Sobre Yeltsin estiveram vigentes diversas formas de arbitrariedade sobre as liberdades democráticas do povo russo, esse governante chegou mesmo a canhonear o Parlamento russo e prender seus líderes, em 1993, porque só agora a imprensa ocidental descobriu a existência de uma ditadura naquele país? Quando a imprensa burguesa, ou uma “ONG” do governo norte-americano, como a Freedom House”, afirma que existe uma ditadura na Rússia, quer agitar um espantalho, para distrair o grande público sobre os interesses geopolíticos da grande burguesia financeira dos países imperialistas. Como evidência do carácter ditatorial do governo russo é por vezes apresentado a reforma administrativa empreendida por Putin desde seu primeiro mandato, iniciado em 2000. A verdade é que durante Yeltsin imperou uma descentralização do poder que criou uma grande anarquia administrativa, com leis regionais se sobrepondo as leis federais, esse regime “dos governadores” favorecia em grande parte os homens mais abastados – os plutocrata-oligarcas – que exerciam sua influência sobre o aparelho regional de administração. A que se lembrar também que a descentralização fortalecia as tendências separatistas que empreendiam a segunda tentativa militar de separação da Chechênia. Putin tomou medidas centralizadoras, criou as 7 regiões federais, nomeando “interventores” para controlar as leis locais e impor sua correspondência com as leis federais, em determinado momento (2004), chegou a suspender as eleições diretas para governadores. Quando em dezembro de 2003, após a crise dos reféns em uma escola de Beslan, que resultou na morte de 330 pessoas, e em meio ao cenário da luta contra os extremistas chechenos, Putin aproveitou a situação para ampliar suas reformas centralizadoras, a “ONG” ligada ao governo americana, Freedom House, rebaixou a Rússia de país “parcialmente-livre” a país “não-livre”. Desde então tem sido comum as referências da grande imprensa ao autoritarismo do governo e Estado russo, mesmo as insinuações de que se trata de uma ditadura a situação vigente no país. Naquele momento os russos nem sequer pensaram em ir tão longe
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quanto as propostas apresentadas pelo presidente francês depois dos recentes atentados de Paris. Apesar disso, a instauração do estado de sítio, não tem motivado qualquer comentário crítico por parte dos jornais e canais de televisão contra o governo da França, nenhuma insinuação de que o que se está a empreender é a instauração de uma ditadura. Nem se questionam os jornalistas da imprensa-empresa se o combate ao terrorismo via estado de exceção e mobilização militar maciça em solo francês não poderia gerar uma nova edição do horror americano que foi a perseguição de suspeitos, durante a guerra ao terror do governo Bush, quando cidadãos americanos de origem árabe e fé muçulmana foram trancafiados em Guantánamo sem um devido processo judicial contra eles. É de ressaltar que a natureza do Estado vigente na Rússia é capitalista, o Estado russo está a serviço da nova burguesia russa e de seu capitalismo restaurado, sendo, portanto, como qualquer Estado capitalista, uma ditadura da burguesia. Repudiamos essa natureza. Porém agi-
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tar os slogans vulgares da “ditadura russa” e a “defesa da democracia”, consiste em menosprezar as intrigas geopolíticas que tornaram moda no “Ocidente” as polêmicas sobre o autoritarismo russo, bem como em sacralizar as estruturas de poder existentes nos países imperialistas. Em meio as suas reformas administrativas centralizadoras, o governo Putin entrou em conflito com alguns dos oligarcas, conflitos muitas vezes violentos. Kodorkhovsky foi preso por dez anos (2003-2013), sob a acusação de fraude fiscal, tendo depois se auto exilado. Boris Gusinsky seguira esse caminho já em julho de 2000. A tática utilizada para esse combate foi aproveitar os flagrantes crimes de sonegação e fraude fiscal que cometiam há mais de uma década. Porém, outros elementos dos plutocratas não foram combatidos, muito menos desalojados, se mantiveram influentes no país e não tiveram seus interesses econômicos tocados. Foi o caso de Roman Abramovich. A política de Putin não foi, portanto, a da ruptura radical como a estrutura oligárquica criada por Yeltsin, mas sim a da reforma e conciliação com o sistema.
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AS POLÍTICAS DE PUTIN NO CAMPO EXTERNO DA GEOPOLÍTICA Durante o seu governo Boris Yeltsin adotou como regra a aproximação com os países imperialistas. Até mesmo certa subserviência para com esse. Putin, após um primeiro momento de aproximação, adotou uma postura mais assertiva, chegando mesmo em certos momentos a adotar uma posição combativa e de certa maneira nacionalista frente a esses países. Durante seu primeiro mandato presidencial (2000-2004) que coincide com o de Bush, ele adotou uma postura favorável a guerra do Afeganistão. Concedeu apoio ativo aos Estados Unidos no conflito. Concedeu aos aviões norte-americano de abastecimento sobrevoar o espaço aéreo russo em direção ao Afeganistão; iniciou uma intensa troca de informações confidenciais antiterroristas com os EUA e não se opôs a instalação de bases militares norte-americanas em países situados em sua zona de influência, como: Quirquízia, Tajiquistão e Uzbequistão. Os russos visavam nesse momento, sobretudo, conquistar apoio do imperialismo americano em sua guerra contra as forças separatistas chechenas entre as quais atuava um grande número de grupos fundamentalistas, simpatizantes com os grupos terroristas que o exército americano combatia em Kabul e que se utilizavam de métodos idênticos. No entanto, essa política do governo russo não foi acidental. Ela é uma decorrência natural do próprio papel que a atual Federação Russa desempenha no sistema internacional do imperialismo. Da posição que assumiu, desde o esfacelamento da União Soviética e a restauração do capitalismo nesse país, na nova Divisão Internacional do Trabalho. Os russos não buscam uma ruptura radical com os países ocidentais. Não competem com eles pelo controle imperialista da esfera colonial e semicolonial do mundo. Não assumem desde de sempre uma postura nacionalista assertiva e anti-imperialista. Não são combativos e consequentes frente ao imperialismo. Seus representantes políticos como representantes da burguesia de um país periférico buscam um entendimento com o imperialismo americano e europeu que lhe coloquem em uma posição confortável para realizar negócios vantajosos com este. A mudança parcial na política de colaboração com o imperialismo se deu de forma contingencial, como fruto das condições naturais que caracterizam as relações internacionais da cadeia imperialista. Ela não é caracterizada somente pela colaboração entre as elites locais dos países periféricos e o grande capital financeiro imperialista dos países centrais, mas também pela contradição entre a expansão imperialista e os Estados nacionais. Em 2003, Putin viu como um ato unilateral a invasão norte-americana do Iraque. As críticas que dispensou a essa abalaram as relações entre os dois países. Acresce-se a isso a contradição entre os interesses da soberania nacional do Estado russo e a política de absorção militar da OTAN sobre os países do leste europeu. Eles significam para os russos, não somente as antigas áreas de interesse do antigo Estado Soviético, mas, também estão situadas em zonas sensíveis para a sua segurança. Ora, desde o final do século passado a OTAN tem se expandido sobre esse território. Em 1999, entraram na Aliança Atlântica, Polônia, Hungria e República Tcheca. Em 2004, Estônia, Lituânia, Letônia, Eslováquia, Bulgária e Romênia. A Albânia também entraria, mas somente em 2009. Bush avançou, em 2007, planos de instalar sistemas antimísseis na Polônia e na República Tcheca. Os russos viram isso como uma ameaça direta para o seu território. Eles também se queixavam e sentiam-se receosos com relação as revoluções coloridas promovidas pelos EUA em países vizinhos, contra governos seus aliados. Como a revolução rosa de 2003 na Geórgia que derrubou o aliado russo Shevardnadze; e na Ucrânia a revolução laranja (2004-2005) que derrubou pela primeira vez Yanukovich. Putin denunciaria essa situação na quadragésima terceira conferência internacional de segurança de Munique, em 10 de fevereiro de 2007, onde afirmou entre outras coisas que os americanos promoviam a derrubada de governos que não atendiam aos seus interesses. IMPERIALISMO RUSSO? Um dos grandes debates internacionais que gerou confusão entre a esquerda contemporânea, é como caracterizar a Rússia de Putin, após a Federação Russa ganhar posição mais destacada no cenário internacional. Seriam as disputas entre Rússia e Estados Unidos no campo
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geopolítico novas formas de conflitos Inter imperialistas? Trata-se o “bloco Euroasiático” de um bloco econômico de ambições imperialistas que visa exportação de capital mediante a subserviência dos países do leste europeu? Achamos necessário, para contribuir ao debate (e não dar como terminado), a partir da concepção lenineana de Imperialismo, apreender as mudanças dos padrões de acúmulo de capital após o Plano Marshall, e daí caracterizar como se dá a ordem imperialista no mundo contemporâneo, especialmente num mundo unipolar, após a queda da União Soviética, e daí evidenciar quais foram as consequências disto para a Rússia. Após 1947, o Plano Marshall delineou uma nova ordem imperialista, que longe de ter a sua essência alterada com relação a qual Lenin estudou, possuía uma nova forma, diferente daquela que deu origem à guerra imperialista em 1914. O Plano Marshall foi a base para a hegemonização dos Estados Unidos como potência imperialista de primeira ordem no mundo, nas palavras dos comunistas chineses, o principal inimigo dos povos do mundo. Sendo um instrumento direto de transferência de capital, fez com que os Estados Unidos fosse o país credor de todos os outros países do mundo, se tornando uma potência imperialista de primeira ordem: O capital estadunidense constituía 52% do total de investimentos externos diretos no mundo em 1971. Apesar dos IED europeus crescerem a partir dos anos 1970, os norte-americanos ainda eram três vezes maiores que os europeus em 1973. Eles passaram de indústrias predominantemente extrativas para manufatureiras no período de 1948 a 1970. A produção de algumas transnacionais estadunidenses nos anos 1960 e 1970 era maior do que a economia total de muitos países do chamado “terceiro mundo”. [GILPIN, R. U.S. Power and Multinational Corporations]
Obviamente, esta situação não fez com que as potências imperialistas anteriores se tornassem semicolônias dos Estados Unidos, mas sim potências imperialistas de segunda ordem. Ainda assim, em determinados momentos se colocavam contradições Inter imperialistas com a Europa e Japão, bastante evidentes, com um sistema financeiro mundial operando fora do controle do FED e demais bancos centrais. No entanto, firmada a aliança político-militar com Europa e Japão, para conter a “ameaça soviética”, com os Estados Unidos se tornando polícia do mundo, foi fácil para que os dois aceitassem o dólar como moeda de troca e reserva internacional, tornando os Estados Unidos o grande financista do mundo, facilitando sua exportação de capital para o terceiro mundo e seu papel como credor mundial. Estavam consolidados os três principais instrumentos que caracterizam os Estados Unidos como potência imperialista de primeira ordem: seu capital financeiro e os grandes monopólios e a expansão destes, a hegemonia do dólar e seu poderio militar. À época, ainda podíamos falar em um mundo bipolar com a URSS contrabalançando a situação política a âmbito mundial, ainda que dirigida por uma linha direitista, e em determinados momentos inclusive com aspirações hegemonistas. A partir desta nova dinâmica imperialista (uma nova etapa do capitalismo monopolista), podemos falar não mais em vários Estados imperialistas lutando para ter suas colônias e semicolônias, mas sim em um Imperialismo mais centralizado controlando o sistema mundial acentuando a semicolonialidade do terceiro mundo, e centralizado nos Estados Unidos (como potência de primeira ordem), Japão e Europa (hoje, na União Europeia, principalmente Alemanha e França), a partir dos instrumentos da OMC, do FMI, Banco Mundial, OCDE, a União Europeia (a partir de 1993, anteriormente a CEE) e a OTAN como seu braço armado. Obviamente, as burguesias monopolistas de tais países agem conforme seus próprios interesses e não se excluem as contradições Inter-imperialistas (como houve, recentemente, entre os Estados Unidos e Alemanha) mediante conflitos de interesses, mas a tendência atual não é para a transformação destes conflitos em guerra entre elas, mas sim, em acordos que resultam em alianças destas potências em guerras de agressão. Em última instância, é a burguesia dos Estados Unidos que tem os maiores benefícios neste quadro mais centralizado do capitalismo monopolista, e evidentemente países capitalistas aspirantes a serem potências imperialistas de primeira ordem podem atenuar suas contradições com os Estados Unidos e iniciar conflitos inter-imperialistas, mas o quadro atual continua a ser dos Estados Unidos como principal inimigos dos povos. Após a contrarrevolução que restaurou o capitalismo na antiga URSS, ocorreu uma nova
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ofensiva do imperialismo no leste europeu, com a privatização de suas economias e desnacionalização massiva. Qual foram os efeitos disso para a Rússia? A restauração do capitalismo representou um golpe contra a soberania nacional da Rússia, e do Leste europeu como um todo. Por mais que consideremos a restauração capitalista na URSS um processo contrarrevolucionário que se deu após anos de políticas restauracionistas de uma ala revisionista como a dominante de seu partido dirigente, e inclusive com membros da direção deste se tornando elementos da nova burguesia russa, de maneira alguma podemos considerar que isto fez com que após a dissolução da União Soviética, se estivesse estabelecido uma potência imperialista. O primeiro motivo para isto é que isto traria a ideia equivocada de continuidade do caráter das sociedades soviéticas com o da federação russa, de 1992. Mesmo que o processo de restauração capitalista já tivesse se desenvolvendo desde muito tempo, como foi o caso após o XX Congresso do PCUS, uma restauração capitalista de facto só poderia se dar realmente com uma ruptura que desse fim à hegemonia política do Partido Comunista e às estruturas do Estado Soviético. Como demonstra Luís Fernandes: “[...] a mais flagrante evidencia das limitações das teses que caracterizaram os antigos regimes do Leste como foi[é] dada pela pela própria crise geral que se instalou nesses países com sua derrocada. Afinal, se essas sociedades já eram capitalistas, por que estão sendo necessárias rupturas políticas, econômicas, sociais e culturais tão profundas e traumáticas para adequar seu desenvolvimento à ‘normalidade’ do mundo capitalista?[...]Basta lembrar que a superação dos regimes nazifascistas na Europa do pós-guerra não produziu crise semelhante. Enfim, nos termos da teoria marxista, fica evidente que os países do Leste estão passando por um processo de profunda ruptura sistêmica e não de mera transformação superestrutural.”
O segundo motivo, é que isto não trabalha com a realidade dos interesses que o capital imperialista desejaria impor aos povos dos antigos países socialistas, de manter esses países subservientes a esta nova ordem imperialista, desta vez, pós-guerra fria e unipolar, os trazendo para uma regressão neocolonial. Os novos capitalistas que surgiram na Rússia, não demonstravam desejar manter interesses distintos dos das classes dominantes dos países imperialistas, mas sim de manter relações próximas, de intermediárias, com fortes ligações com o Ocidente. Com Putin, isso não se alterou. Daí se segue o processo de restauração capitalista na Rússia como um processo de submissão e humilhação nacional, de pilhagem, criando a condição para o surgimento das Oligarquias bilionárias russas, em detrimento e empobrecimento da população. Em termos gerais, a nova classe dominante russa, agora era composta de grandes oligarcas, cujo ramo da economia era basicamente o capital especulativo e a exportação de matérias-primas. Uma burguesia, que possui caráter essencialmente comprador. Como resultado do sucateamento do parque industrial da era soviética, até hoje, a Rússia baseia sua economia na exportação de bens energéticos, representando 60% de suas exportações. A queda do preço das commodities tem então grande impacto em sua economia, sendo o país do BRICS que mais encontrou problemas com a crise de 2008, com uma queda de 9,5% do PIB no primeiro trimestre de 2009. Por conseguinte, estamos falando de um país que, mesmo com um grande poderio militar, incluindo nuclear, se encontra em condições parecidas com a de demais países da periferia do sistema mundial. Outro dado relevante para se investigar o papel dos países na cadeia imperialista, deve ser o montante do capital financeiro. Lenin definiu o capital financeiro como a fusão do capital industrial com o capital bancário. É evidente que esta fusão é generalizável para todos os países do globo, pois o capital financeiro predomina em todos os países ligados à cadeia do imperialismo, então devemos analisar o capital financeiro em quantidade e qualidade, analisar seu caráter, bem como instituições financeiras dos países e os grandes bancos. Segundo o economista Sam Williams: “De acordo com a publicação de 31 de janeiro de 2014, do Wall Street Journal, com base em ativos dos 100 maiores bancos do mundo, apenas dois bancos russos, OAO Sherbank e OAO VTB, aparecem. Eles aparecem na posição 54 e 94, respectivamente. Sherbank evoluiu do antigo Sistema bancário de
“O que é a Rússia de Putin?” poupanças soviético—em russo, Sherbank significa banco de poupanças. Mesmo hoje 51% de suas ações são de propriedade do banco central russo, que por sua vez é propriedade do Estado. Segundo a Wikipedia, o Estado russo possui 60,9 por cento da OAO VTB. Embora ambos os bancos hoje sejam bancos universais, eles ainda são empresas semi-estatais.”
Além destes dados, o mais próximo da estimativa do montante geral de capital financeiro dentro do país pode ser indicado no databook da riqueza global de 2012, onde a Rússia está no grupo dos países bastante pobres nesse sentido, ao lado de países como a maior parte dos ex-países socialistas do Leste Europeu, Brasil, África do Sul, Indonésia. A Rússia é um anão financeiro, por consequência. Ainda seria necessário investigar a situação dos países do Leste Europeu próximos e vizinhos à Rússia, e a relação desta com eles. Mas dado o número razoável de países que são ou membros da OTAN (Estônia, Polônia, Romênia, República Tcheca, Hungria, Bulgária, Lituânia) e União Europeia, ou ao menos mais próximos do “Ocidente” do que da Rússia, como Ucrânia, também parece pouco provável a caracterização de sua relação regional como imperialista. CONCLUSÕES Dado que a Rússia, como demonstrado, se situa na periferia do capitalismo e não pode se caracterizá-la como país imperialista, por que o esforço por parte da mídia burguesa e de parte da esquerda em apresenta-la dessa maneira? Ainda que em essência, tenha se evidenciado um processo de continuidade com Yeltsin, nas mudanças tímidas em direção a um capitalismo nacional (com conciliação com oligarcas), e com maior papel do Estado, com o governo Putin também se viu uma tentativa de criar maior independência política no plano internacional, mesmo que suas classes dominantes tenham o interesse de maior proximidade com o Ocidente. Neste sentido, a Rússia, ainda que vacilante, carrega uma posição de ser um ponto de equilíbrio numa ordem unipolar mundial, nos últimos tempos denunciando a escalada fascista pró-imperialista na Ucrânia, e impedindo o avanço imperialista na Síria, inclusive com presença militar no país. Esta influência geopolítica contribui para uma maior ofensiva imperialista no leste europeu, como apresentou Moniz Bandeira em seu livro A Segunda Guerra Fria, com financiamento de mobilizações pró-imperialistas e “revoluções coloridas”, além de provocações militares de países mais próximos do Imperialismo, como por exemplo da Geórgia (vítima de uma revolução colorida), que também ameaçam a soberania da Federação Russa. A partir daí, e principalmente após o conflito ucraniano, onde se ouviu mais vezes sobre o “expansionismo russo” no caso da Crimeia., se verifica todo o interesse da mídia burguesa, pró-ianque em falar de forma alarmante de Putin como um ditador e da Rússia como país agressor, em momentos em que ela apenas se defende. Portanto, devemos criticar a visão esquerdista que coloca as posições da Rússia de Putin, em especial a atualmente tomada na Síria, como iguais a dos Estados Unidos, ou como se fossem conflitos Inter imperialistas, por omitir quem são os principais inimigos dos povos. Devemos criticar esta visão mais enfaticamente por ser a visão que está de acordo com a ideologia das classes dominantes do Imperialismo e, portanto, mais em destaque, mas devemos também criticar posições direitistas, seguidistas com relação a Federação Russa. Não se trata de saudar a Rússia e Putin como anti-imperialistas, mas sim reconhecer que na ordem internacional, suas posições entram em contradição com as posições do imperialismo. Temos que ir além de análises que são puramente geopolíticas e reconhecer também que, em última instância, a posição de conciliação com o Imperialismo, dada a fragilidade de sua burguesia, prevalecerá. No que tange o caso ucraniano, por exemplo, a Rússia passou por cima dos rebeldes para assinar unilateralmente acordos de paz que significavam simplesmente capitulação à junta de Kiev. Uma posição realmente marxista-leninista não deve perder a independência de classe, sem reboquismo e ilusões com os governos da Rússia que são administrados por aqueles que tiveram seu papel na destruição do Estado soviético, mas também sem oportunismo de esquerda que o enxerga como se fossem a mesma coisa do Imperialismo norte-americano, não sabendo observar e explorar corretamente as contradições. Para tal, devemos fazer uma análise verdadeiramente leninista do caráter da Rússia de Putin.
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Os 60 anos do XX Congresso do Partido Comunista da URSS
por Paulo Esteves, Igor Dias e Gabriel Duccini
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Completam-se neste ano de 2016, 60 anos do famigerado XX Congresso. Fato este que marcou para sempre a figura histórica de Nikita Khruschev, causando uma enorme avalanche de consequências, tanto no seio da antiga URSS, quanto no seio da relação entre os antigos países socialistas, bem como também entre os partidos comunistas que não haviam tomado o poder em seus respectivos países. Pretendemos com este artigo ressaltar as principais características do revisionismo de Khruschev e suas consequências. Para nós, investigar as causas do fim da URSS, do momento de refluxo do movimento comunista e operário após o findar do bloco socialista, implica estudar os reflexos do XX Congresso na orientação política da URSS e no movimento comunista internacional como um todo, as causas que levaram a ele, e a compreensão da destruição da URSS não como um “colapso”, como diz a narrativa dominante, mas como fruto de um processo contrarrevolucionário. Neste Congresso, Nikita Khruschev, secretário-geral do PCUS, leu seu “Relatório Secreto” onde denunciara os supostos crimes e culto à personalidade de Stalin. Nele, foram apresentadas as teses: 1. Apesar da agressividade do Imperialismo, a guerra era evitável mediante a força do bloco socialista em apaziguar conflitos internacionais e a existência da bomba atômica; 2. A passagem para o socialismo, nos países capitalistas, poderia ser feita sob transição pacífica, sem a necessidade de uma revolução violenta;
Em seu relatório sobre Stalin, Khruschev de maneira arbitrária e rompendo com a tradição bolchevique de crítica e autocrítica, lança uma negação completa e unilateral do Stalin, colocando-o como o principal culpado de todos os males que assolavam a União Soviética. Domenico Losurdo comenta essa “denúncia” e seus reflexos da seguinte maneira: “A demonização acrítica de Stalin, funcional para um acerto de contas no interior do PCUS e do movimento comunista internacional, golpeando e liquidando idealmente o protagonista não só da Grande Guerra Patriótica, mas também do pacto social que ela inaugurou, provocou uma verdadeira crise de identidade, escavando um gigantesco vazio histórico. ”
Em seguida a este congresso, em 1957 no 40º aniversário da Revolução de 1917, os principais PCs enviaram delegações a Moscou. Nesta ocasião, 12 Partidos Comunistas dos países socialistas fizeram uma conferência que encaminhou uma Declaração Oficial. Já nesta época, a delegação chinesa manifestou divergências, tendo criticado a falta de uma análise em sua totalidade sobre Stalin, e a ausência de consultas prévias aos Partidos irmãos, no entanto, evitavam fazer críticas abertas para manter a unidade no movimento comunis-ta internacional e o prestígio do Partido Comunista da União Soviética. Ainda assim, nesta Conferência a delegação chinesa conseguiu realizar modificações no trecho da passagem pacífica e do fim da inevitabilidade das guerras, colocando o imperialismo norte-americano como agressor principal do mundo, que cada país deveria aplicar o marxismo-leninismo à sua realidade concreta, e que após a tomada do poder em seus respectivos países, ainda seria necessário um longo período de luta de classes até a vitória final.
1. As Teses Revisionistas de Khruschev
a) O pacifismo Bastante esclarecedoras são estas palavras, acima mencionadas, de Mao, Stalin e Le-nin para compreender a substância do revisionismo que dominou a direção do PCUS a partir de Khruschev. A luta contra os desvios de direita permanece. A nova orientação que o revisionismo de Khruschev impõe vão na contra mão do marxismo-leninismo. As suas posições são equivocadas não apenas por se oporem as de Lenin. Mas o são, principalmente, por se oporem as posições que levaram o proletariado a grande revolução de Outubro, a edificação socialista e a derrota da besta nazista.
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Lenin, contra as posições pacifistas e conciliadoras da II Internacional, escreveu em “Saudação aos comunistas italianos, franceses e alemães” que só os canalhas ou os tolos podem crer que o proletariado deve primeiro conquistar a maioria nas votações realizadas sob o jugo da burguesia, sob o jugo da escravidão assalariada, e que só depois deve conquistar o Poder. Isto é o cumulo da estupidez ou da hipocrisia, isto é substituir a luta de classes e a revolução por votações sob o velho regime, sob o velho poder.
E em “A Revolução Proletária e o renegado Kautsky”, deixou que Quando Kautsky ‘chegou a interpretar’ o conceito de ‘ditadura revolucionária do proletariado’ de tal modo que desaparece a violência revolucionaria por parte da classe oprimida contra os opressores, foi realizado uma verdadeira desvirtuação liberal de Marx.
Liquidando na consciência das massas oprimidas qualquer tipo de ilusões pacifistas, Lenin colocou na ordem do dia a revolução. Khruschev apresentou, em seu “Informe do CC do PCUS perante o XX Congresso”, o caminho da “transição pacífica”, de “aproveitar o caminho parlamentar para a transição ao socialismo”, que a classe operária deve “conquistar a maioria sólida no parlamento e convertê-lo em órgão do Poder Popular, sobre a base de um poderoso movimento revolucionário no país, significa romper a máquina burocráticomilitar da burguesia e criar um Estado novo, proletário popular, sob a forma parlamentar. ” A afirmação de Khruschev é claramente oposta a posição séria de Lenin, que resul-tou na Revolução de Outubro, criando uma ilusão na consciência dos povos de todo mundo, ilusão de que a luta contra as classes dominantes pode ser levada a cabo por vias pacíficas, oferecendo aos reformistas de todo o mundo a munição que eles tanto necessitavam. De modo algum isso refletia uma posição em face de uma nova realidade, em que a correlação de forças tinha se transformado a ponto das classes populares pudessem golpear os seus grilhões por vias pacíficas. As classes dominantes da grande burguesia imperialista mantiveram a sua voracidade e alta repressão com os povos do mundo todo da mesma forma. b) A subestimação do poder reacionário do imperialismo No que tange a “coexistência pacífica”, os chineses diziam concordar com o princípio mas discordar da forma que era colocada pelos soviéticos. Lenin, a este respeito, defendeu uma coexistência pacífica tanto que compreendesse que o principal interesse das potências capitalistas seria o de destruir o sistema socialista: “O desenvolvimento do capitalismo segue extraordinariamente desigual na maior parte dos países. Não pode ser de outra forma na produção mercantil. Daqui a conclusão indiscutível de que o socialismo não pode triunfar simul-taneamente em todos os países do mundo. Começará triunfando em ou vários países, e os demais seguirão sendo, durante algum tempo, países burgueses ou préburgueses”(O Programa militar da revolução proletária). “A classe operária, quando conquistar o poder, será a única capaz de assegurar uma política pacífica de fato, e não de palavras, como os mencheviques e S.R.s, que na verdade apoiam a burguesia e seus tratados secretos” (Projeto de resolução da situação atual). “A existência da República Soviética lado a lado com os Estados Imperialistas é impossível por muito tempo. Um acabará arrastando o outro. E antes que se chegue a isso, é inevitável que aconteçam vários e terríveis conflitos entre a República Soviética os Estados Burgueses. ” (“Relatório do Comitê Central do Partido Comunista da Rússia (bolchevique), ao VIII Congresso”)
Lenin também defendeu que para aprofundar esta coexistência, a URSS deveria apoiar as lutas do proletariado nos países capitalistas, e especialmente as guerras de libertação nacio-
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nal dos povos oprimidos pelo Imperialismo e colonialismo: “... as potências imperialistas, com todo seu ódio à Rússia Soviética e seu desejo em cair sobre ela, renunciaram a semelhante ideia porque a descomposição do mundo capitalista se torna cada vez mais séria, sua unidade se vê cada vez mais debilitada e a pressão das forças dos povos coloniais oprimidos com mais de bilhões de habitantes, se faz mais forte a cada ano, cada mês e até cada semana.”
Foi no VII Congresso do Partido Comunista da Rússia (bolchevique) que colocaram no programa, a partir de elaborações de Lenin, como partes constituintes da política internacional do Partido o “apoio ao movimento revolucionário do proletariado socialista dos países avançados” e o “apoio ao movimento democrático e revolucionário de todos os países em geral e das colônias e países dependentes especialmente”. A coexistência pacífica de Lenin não era de modo algum uma concessão ao Imperialismo, uma ilusão em seu caráter pacífico, mas sim uma forma de se defender da sua agressividade. De forma diferente, foi vista a questão por Khruschev. Para Khruschev, o central da coexistência pacífica era de assegurar uma aproximação da URSS com os Estados Unidos. No seu informe do XX Congresso, Khruschev argumentou que nas “mudanças radicais da situação internacional”, descreveu que o governo norte-americano resistia às forças da guerra, que eles reconheciam que havia fracassado a sua política, dizendo “Queremos ter amizade e colaborar com os Estados Unidos na luta pela paz e a segurança dos povos, assim como nas esferas econômica e cultural. ” Enquanto que na realidade a agressividade do imperialismo permanecia com a mesma voracidade contra os povos oprimidos do terceiro mundo: “Para fortalecer a paz em todo o mundo teria uma importância enorme o esta-belecimento de firmes relações de amizade entre as duas maiores potências: a União Soviética e os Estados Unidos da América. Consideramos que, se as relações entre a URSS e os Estados Unidos se baseassem nos conhecidos cinco princípios da coexistência pacífica, isso teria uma importância enorme para toda a humanidade e, como é natural, seria tão benéfico para o povo dos Estados Unidos como para os povos da URSS e dos demais países. Estes princípios (...) são hoje compartilhados e apoiados por uns vinte países. (...) Queremos ter amizade e colaborar com os Estados Unidos na luta pela paz e a segurança dos povos, bem como nas esferas econômica e cultural. (...) Propusemos um tratado aos Estados Unidos porque sua conclusão corresponderia aos mais profundos anseios dos povos de ambos os países, que querem viver em paz e amizade. (Aplausos.) Se não se estabelecem boas relações entre a União Soviética e os Estados Unidos e existe a desconfiança recíproca, a corrida armamentista adquirirá proporções ainda maiores e a força de ambas as partes crescerá de forma ainda mais perigosa. Querem isto os povos da União Soviética e dos Estados Unidos? Naturalmente, não. Nossa iniciativa não encontrou por enquanto a compreensão e o apoio devidos nos Estados Unidos, o que demonstra que, nesse país, ainda têm sólidas posições os partidários da solução dos problemas pendentes por meio da guerra, e que esses elementos exercem ainda uma forte influência sobre o Presidente e sobre o Governo. Mas não queremos perder a esperança de que nossos anseios pacíficos encontrarão uma apreciação mais justa nos Estados Unidos e as coisas melhorarão. (...)” (Informe Sobre a Atividade do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética ao XX Congresso do Partido)
É evidente que nos Estados Unidos ainda existiam estes partidários da guerra, dado o fato que a política das classes dominantes de um país imperialista, e especialmente nos Estados Unidos após a II Guerra Mundial, inevitavelmente leva à guerra. O erro de Khruschev consiste em achar que seja possível que seus “anseios pacíficos” fossem encontrar esta apreciação nos Estados Unidos ainda regido por estas mesmas classes dominantes. Ironicamente estas palavras foram proferidas dois anos após a invasão de Eise-nhower à Guatemala, com mais de 200 mil mortos, em nome da United Fruit Company. Se viu um giro radical à direita da defesa de Lenin
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da coexistência pacífica através do apoio à luta do proletariado contra a exploração capitalista e às lutas de libertação nacional dos povos oprimidos das colônias e semicolônias. Para Lenin a luta de classes era o motor da história ao passo que, para Khruschev, seria a bomba atômica. O Partido Comunista da China, neste período em debate e denúncia das posições equivocadas de Khruschev, afirmaram, corretamente, que os comunistas não podiam aceitar essa ideia de que era possível uma colaboração de luta pela paz com os EUA. Eles demonstraram que em 1964 as questões militares do imperialismo, eram as se-guintes. Os EUA aumentaram suas tropas efetivas para mais de 2 milhões e 700 mil, onze vezes maior que em 1934, ocupando o primeiro lugar no mundo com suas organizações de polícia e de serviço secreto; na Inglaterra, aumentaram seu exército permanente de 250 mil, em 1934, para mais de 420.000 em 1963, e aumentaram sua polícia de 67 mil, em 1934, para 87 mil em 1963; na França aumentaram o seu exército permanente de 650 mil em 1934, para mais de 740 mil em 1963, e sua polícia e Companhias Republicanas de Segurança, de 80 mil em 1934, para mais de 120 mil em 1963. E nos demais países imperialistas se ob-servou um aumento similar das forças de exército e de polícia. E tudo isso em tempos de paz! Em 1964, o imperialismo norte-americano, organizou blocos militares e concluiu tratados militares com mais de 40 países, estabelecendo desde então mais de 2 mil e 200 bases e instalações militares em todas as regiões do planeta, suas forças armadas estacionadas fora do país chegavam a mais de um milhão de efetivos, num comando de choque terrestre e aéreo. Com o seu poder econômico, político e militar, os imperialistas organizaram de diversas formas os reacionários dos demais países, ajudando-os a reprimir os movimentos populares, comunistas e outros. Ajudaram Chiang Kai-shek a fazer a guerra civil na China, e em 1959 financiaram um grupo dirigido por Dalai Lama e outros aristocratas tibetanos para uma tentativa de derrubar o socialismo na China continental; enviaram suas tropas à Grécia e dirigiram ofensivas contra as zonas libertadas do povo grego; desencadearam a guerra de agressão na Coréia; desembarcaram tropas no Líbano para ameaçar a revolução do Iraque; apoiaram e ajudaram os reacionários laosianos na expansão da guerra civil; organizaram e dirigiram as chamadas tropas das Nações Unidas pra desmobilizar o movimento de independência nacional no Congo; desencadearam invasões contrarrevolucionárias a Cuba; reprimiram a luta de libertação do povo do Vietnã; usaram forças armadas para reprimir a luta do povo do Panamá em defesa de sua soberania; participaram na intervenção armada no Chipre. Diante deste quadro todo de horror, só resta dizer que é no mínimo ingênua a afirmação de Khruschev de querer ter “amizade e colaborar com os Estados Unidos na luta pela paz e a segurança dos povos”. No Programa do PCUS, que cita Khruschev, se esclarece qual papel pretendiam cumprir na política internacional: “Nós trabalhamos com determinação... para sufocar as faíscas que podem fazer com que surjam as chamas da guerra (Khruscheventrevista na US National Press Club, 16 de setembro de 1959). Nós (URSS e EUA) somos os países mais poderosos do mundo. Se nos unirmos em torno da paz, não haverá guerra. E se algum louco quiser pensar então em desencadear uma guerra bastará com que o ameacemos com dedo em riste para que ele se acalme (Khruschev Declaração de 5 de setembro de 1961). O meio radical para assegurar uma paz duradoura é o desarmamento geral e completo sob controle internacional estrito”.
O que fica claro através da leitura do informe de Khruschev, são as intenções de fazer da URSS uma potência hegemonista, que atuasse como “apaziguadora mundial” de conflitos, através de acordos com os Estados Unidos, deixando os destinos de todos os povos do mundo à mercê destes dois árbitros internacionais, inclusive retirando os direitos dos povos coloniais e semicoloniais de pegarem em armas contra a sua dominação. Quem reconhece e detalha este processo é o ideólogo dos Estados Unidos, Brezhinsky: “Durante muito tempo, os soviéticos pensavam profundamente que as guerras eram inevitá-
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veis, já que o capitalismo e especialmente o imperialismo constituíam a base econômica das guerras. Stalin havia reforçado este princípio em 1952. Pretendia também que caso se ocorresse uma guerra e se a URSS estivesse ligada a ela, isto significaria o fim do capitalismo. Paralelamente à crescente possibilidade de uma mútua destruição, os dirigentes soviéticos chegaram a pensar que a guerra, assim como Khruschev colocava no XX Congresso, já não era mais uma fatalidade inevitável. (...) de todo modo, era importante que... a ideologia se adaptara de forma progressiva, abandonando um princípio ideológico importante até então. A coexistência pacífica, como alternativa a uma destruição mútua, não pode concordar facilmente com certas características inerentes a esta ideologia... ao menos, isso implicava que o armamento nuclear deveria ser considerado como uma força que poderia influir no curso da história... o medo geral da guerra faria os dirigentes soviéticos pensarem duas vezes antes de retomar o princípio da inevitabilidade da guerra. Uma condição necessária para sustentar a nova tese era manter a capacidade oci-dental de destruição.”
Indo além disso, para sustentar seus próprios argumentos das novas condições mundial, rejeitando reconhecer as contradições existentes na URSS, desenvolveu que o desenvolvimento econômico soviético em breve ultrapassaria a produção industrial e agrícola dos países capitalistas. A partir daí esta superioridade notável do sistema socialista faria com que as classes dirigentes dos países capitalistas passassem a aceitar pacificamente a transição para o socialismo. Era a visão da “competição pacífica”. De fato, uma base econômica socialista sempre irá garantir maiores sucessos do que no mundo capitalista já que não tem que conviver com a anarquia da produção que gera as crises cíclicas do capitalismo, no entanto não conceber o processo de construção do socialismo como coberto de contradições e que ainda serão necessárias tarefas políticas e ideológicas a serem travadas para assegurar a transformação radical da sociedade até o comunismo, que implicou na rejeição da luta de classes após a tomada do poder fez com que Khruschev defendesse que a URSS chegaria ao comunismo até 1980. c) A negação da ditadura do proletariado O processo de degeneração da sociedade soviética não parou no XX Congresso. O XXI Congresso em 1959 merece destaque nesse sentido da consolidação do revisionismo moderno Khruscheviano. Neste Congresso, os dirigentes soviéticos partiram da premissa da ausência de uma análise concreta econômica, e a decorrente superestimação das conquistas soviéticas. Nele, foi exposto um plano econômico de sete anos para ser adotado, onde se previa um aumento da produção industrial de cerca de 80% a mais para 1965, e um incremento da produção agrícola. Era previsto que em 1965, a URSS deveria produzir quase o dobro do que toda a Europa Ocidental de leite e carne em 1958, e que nestes sete anos a produção agrícola passaria a dos Estados Unidos nos últimos 30 anos, tanto em produção global como produção per capita. Nenhuma destas previsões se realizou, dada a visão acrítica que tinham sobre o desenvolvimento soviético. Que o socialismo era superior ao capitalismo, isto era evidente; no entanto, isso deve implicar em submeter a própria planificação a um exame concreto da realidade para conceber quais metas e decisões se tomar, e não a fim de entoar o canto de vitória exagerando as próprias conquistas socialistas. Ao não submeter a análise da URSS sob este exame concreto, ignoraram-se as con-tradições internas mais variadas que devem ser superadas para que uma sociedade socialista avance até o comunismo: A contradição cidadecampo, a contradição entre o trabalho manual e intelectual, aquela entre a propriedade mercantil e a social, e principalmente entre a burguesia e o proletariado ainda no seio das lutas internas do período da ditadura do proletariado. Ao afirmarem que estas contradições já haviam sido resolvidas e eram irreversíveis, desaparecendo os antagonismos de classes, ignorando que a luta pela resolução destas contradições persiste durante todo o período da construção do socialismo, os dirigentes soviéticos colocaram que a etapa socialista já havia sido completa, e que as ba-ses para o comunismo estavam consolidadas. O programa do PCUS aprovado no con-gresso seguinte (1961) afirmou: “A tendência geral do desenvolvimento da luta de classes nos países socialistas, quando o socialismo se constrói
Stalin: o homem que a burguesia odeia com razão
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exitosamente, leva ao fortalecimento das posições das forças socialistas, conduz ao enfraquecimento da resistência oferecida pelos resquícios das classes inimigas”. É bem verdade que a luta entre proletariado e burguesia só continua a existir após a tomada do poder pelo fato de que esta linha burguesa nos países socialistas se apoia nas relações capitalistas ainda existentes, já que uma revolução proletária não acaba pu-ramente e de imediato com as relações capitalistas, mesmo com a dominâncias das relações de produção socialistas. No entanto, a forma que os dirigentes soviéticos se referiam a isso, era ambígua e mecanicista, por não compreender que o objetivo final da luta de classes sob o socialismo deve ser a defesa da linha proletária contra a linha burguesa e este só pode ser alcançado na transformação revolucionária das relações sociais existen-tes: transformação das relações de produção e relações político e ideológicas; e que uma contrarrevolução poderia ser bem sucedida não apenas a partir dos agressores externos, mas no papel de conluio dos agressores externos com a linha burguesa interna, estes se apoiando nas relações capitalistas ainda existentes, e mediante não apenas os antigos capitalistas derrotados, mas no aparecimento de uma nova linha burguesa que aparecia nas camadas privilegiadas, burocráticas e tecnocratas, que já tentava obstaculizar o avanço da revolução. Os dirigentes soviéticos acharam que o terreno para o comunismo já haveria de ser sem contradições, e não conseguiam avistar uma ameaça às relações socialistas que não fosse externa (e neste campo, tentavam se aproximar e conciliar com o Imperialismo). Em decorrência destas visões, Khruschev afirmou que a ditadura do proletariado já havia concluído a sua etapa histórica, e agora na atual etapa que viviam os soviéticos, já não era mais necessária, e que como as classes antagônicas já haviam desaparecido, o próprio Estado havia deixado de ser um Estado Operário, para ser um Estado de todo o Povo, e por conseguinte o Partido se tornara Partido de todo o povo: “Após assegurar a vitória completa e definitiva do socialismo, a primeira etapa do comunismo... a ditadura do proletariado já cumpriu sua missão histórica, deixando de ser uma necessidade na URSS do ponto de vista das tarefas do desenvolvimento interno. O Estado, que surgiu como Estado da ditadura do proletariado, se converteu na nova etapa, na etapa contemporânea, en Estado de todo o povo, em órgão de expressão dos intereses e vontade de todo o povo”.
Ora essa, sabemos nós que o Partido Comunista, deve ser o instrumento pelo qual a classe operária cumpre sua missão histórica, é seu destacamento avançado e subjetivo, e, portanto, interno a ela, e não uma força alheia à sociedade e livre de contradições. Se a sociedade é produto de suas próprias contradições e antagonismos e da luta entre esses, o Partido, como produto da própria luta de classes, também é. Stalin, em “Origem das contradições dentro do partido” compreendeu de forma mais científica do que Khruschev, onde se refere às duas circunstâncias que originam as contradições dentro do Partido: a primeira era a influência e pressão da ideologia burguesa na classe operária, advindas do fato que o Partido não era um ente metafísico que pairava sobre a sociedade, e a segunda da própria heterogeneidade do proletariado, existindo o proletariado propriamente dito, e a aristocracia operária, que tendia (tende) a se aliar à burguesia. Lenin reconhecia a aristocracia operária como a base material da degeneração social imperialista da II Internacional, portanto não se deve subestimar a importância que esta camada social pode cumprir na degeneração do partido. Dentro do Partido da classe operária, a luta interna para a resolução destas contradições deve ser de garantir a hegemonia da linha proletária revolucionária contra a linha burguesa do partido, que se apoia na base material dos resquícios da velha sociedade. É o princípio da luta de duas linhas, que ao abandonarem o caráter proletário de Partido, os soviéticos descartaram-no, e como resultado deixaram de lado a luta contra o oportunismo e desarmaram ideologicamente o proletariado soviético. Isto posto, proclamando a eliminação do caráter proletário do Partido, criou-se condições para que diversos elementos burgueses, tecnocratas e burocratistas se infiltrassem nas fileiras do Partido (e do Estado), e obstaculizassem o processo de construção do socialismo, e muitas vezes sabotando a própria base socialista, e defendessem cada vez mais políticas direitistas
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tanto no plano interno quanto externo da política soviética. Para os soviéticos, desde então a vitória do socialismo e a passagem ao comunismo já estaria assegurada e não seria mais possível um retorno ao capitalismo. Marx, no Crítica ao Programa de Gotha, atestou quais eram as condições indispensáveis para a passagem da etapa socialista à comunista: Numa fase superior da sociedade comunista, depois de ter desaparecido a servil subordinação dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, também a oposição entre trabalho espiritual e corporal; depois de o trabalho se ter tornado, não só meio de vida, mas, ele próprio, a primeira necessidade vital; depois de, com o desenvolvimento omnilateral dos indivíduos, as suas forças produtivas terem também crescido e todas as fontes manantes da riqueza cooperativa jorrarem com abundância — só então o horizonte estreito do direito burguês poderá ser totalmente ultrapassado e a sociedade poderá inscrever na sua bandeira: De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades!
Como já afirmamos anteriormente, a revolução proletária não acaba de imediato com as relações capitalistas, e é aí que iremos achar a base material sob a qual se enrraíza o oportunismo. Com o avanço da linha proletária revolucionária, podese derrotar o oportunismo em suas mais variadas formas e abrir caminho para a revolucionarização de todo o tecido social para daí criar terreno livre ao comunismo. Se Khruschev estivesse certo e a URSS estivesse prestes a passar para a etapa do comunismo, onde se observaria todas es-sas proposições que Marx cita, é verdade, não mais seria necessária a ditadura do proletariado. No entanto, eles mesmos são obrigados a aceitar que os resquícios da velha sociedade residem na URSS, ao menos em seu programa de Partido aprovado neste Congresso: “Mas após a vitória do regime socialista, subsistem na consciência e conduta dos homens, vestígios capitalistas, que freiam o avanço da sociedade”. Se eles freiam o avanço da sociedade, ainda é necessária a luta política (de duas linhas) para assegurar que se extirpe estes vestígios do capitalismo, e logo, ainda se torna necessária a ditadura do proletariado, e a manutenção do caráter proletário do Partido. Igualmente, para dar fim a estes vestígios concretamente, deve se dar fim à raíz material que fundamenta a existência destes vestígios capitalistas na conduta e consciência. Caso não, os soviéticos acabariam por aderir a uma visão idealista de mundo, onde as ideias teriam origem não de uma base concreta, mas do “cair do céu”. Admitindo que ainda existem contradições na sociedade a se resolver, mas ao mesmo tempo, negando os méto-dos da ditadura do proletariado, apenas jogam um véu nas relações sociais e se inicia o processo de afrouxamento da luta pela construção do socialismo, como Jean Baby (1966) dissertou sobre: “(...) a ditadura do proletariado, além das medidas inevitáveis de repressão para resistir aos atos contrarrevolucionários conscientes, deve ser mantida durante todo o longo período da edificação do socialismo. A luta contra a ignorância ou o desinteresse político, por exemplo, é um dos aspectos da ditadura do proletariado. Abandonar essa luta sob o falacioso pretexto de que o socialismo está definitivamente instaurado, é deter o processo revolucionário e permitir às forças do passado adquirirem novo vigor.”
d) Liquidação de Stalin Em seu relatório “secreto”, Khruschev, além dos problemas que serão analisados posteriormente neste artigo a respeito de ter passado por cima do próprio Presidium, submete a crítica a Stalin a um exame unilateral e sem pensar quais seriam as consequências políticas que seguiriam a fazer críticas tão incisivas à figura que poucos anos antes dali, dotava de prestígio quase que inabalável em todo o movimento comunista internacional. O que era central em sua “denúncia” era o culto à personalidade e suas consequências. No relatório, Khruschev ataca publicamente a figura de Stalin, tendo os “efeitos prejudiciais do culto e suas proporções monstruosas” à frente disso. Para dar razão a seu discurso, Khruschev usa trechos de Marx contra o personalismo, e usa Lenin para criticar Stalin. Antes de tudo, é necessário compreender o que implica o uso do termo “culto”. Khruschev
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tenta falar não simplesmente de uso desmedido de autoridade pessoal, mas dar um sentido religioso, de santificação desta autoridade, e, portanto, capturando a própria consciência daqueles que o cultuam. Também buscou dar a entender que este culto seria culpa de um “narcisismo” de Stalin. É evidente que a figura da Grande Guerra Patriótica seria dotada de imenso prestígio após a II Guerra, não apenas pelos feitos durante a guerra, mas por anos ter sido considerado por todo o mundo, o homem que estava à frente da construção do socialismo na URSS. A trajetória de Stalin no partido até chegar ao cargo de Secretário-geral não poderia ser confundida com a de um déspota que passa por cima das decisões coletivas e que usa da hierarquia formalizada para dar base à sua autoridade pessoal e de suposto uso autoritário dela. Os métodos formais para se chegar aos cargos superiores do Partido não poderiam só eles conferir a autoridade à Stalin, pois este possuía autoridade sobre os membros do Partido antes de ser indicado como Secretário-geral. Alguém só pode governar (e mesmo de forma autoritária) tendo uma base social que consiga sustentar suas medidas. Ao usar da categoria “culto”, Khruschev esconde e mistifica o que de fato estava por detrás da autoridade de Stalin, que ele não governava sozinho e que se fosse por criticar algo a respeito disso, seria um personalismo em torno de sua figura, que não era ordena-do por ele, mas produto de sua própria autoridade pessoal, em condição de dirigente do partido. Ao invés de tratar a questão da forma correta, mediante os métodos de crítica e autocrítica do Partido, e traçando uma investigação concreta das condições do aparecimento deste personalismo, Khruschev prefere falar em “culto”, a fim de difamar a imagem de Stalin, fazendo uma denúncia desonesta e tratando Stalin como o inimigo a ser combatido. O próprio Khruschev, antes de denunciar o “culto”, havia se referido a Stalin dessa forma: “O próprio pai, amigo sincero do povo, maior educador e chefe da humanidade, o grande marechal de sempre da humanidade”. Mesmo Stalin, por várias vezes durante o período em que esteve à frente da URSS, criticou o que seria um “culto” à sua personalidade: quando Kaganovitch propôs substituir “marxismo-leninismo” por “marxismo-leninismo-stalinismo”, Stalin questionou afirmando que ele estaria “comparando o caralho com a torre dos bombeiros”, esse diálogo registrado nas memórias do próprio Khruschev. Em fevereiro de 1938, ao pretenderem publicar na URSS um livro sobre sua infância, ele sugeriu que se queimassem-no: “Mas isso não é o mais importante. O mais importante reside no fato de que o livro tem uma tendência de gravar nas mentes das crianças soviéticas (e do povo em geral) o culto à personalidade de líderes, de heróis infalíveis. Isso é perigoso e prejudicial. A teoria dos “heróis” e da “multidão” não é Bolchevique, mas uma teoria Social-revolucionária. Os heróis fazem o povo, tranformam a multidão em povo, assim dizem os social-revolucionários. O povo faz os heróis, assim respondem os Bolcheviques aos social-revolucionários. O livro jo-ga água no moinho dos social-revolucionários. Não interessa que livro traga água ao moinho dos social revolucionários, este livro será afogado na nossa causa comum Bolchevique. Eu sugiro que este livro seja queimado.”
Portanto, ainda que existisse um personalismo em torno de Stalin, ele não poderia ser produto de seu “narcisismo” como o relatório diz. Ao invés de analisar este personalismo concretamente em sua totalidade, Khruschev jogou a Stalin a culpa de todos os males da URSS, também não conseguindo superar o personalismo: “Interessado como está em apontar Stalin como o único responsável por todas as catástrofes que se abateram sobre a URSS, longe de liquidar o culto à personalidade, Khruschev se limita a transformá-lo em um culto negativo. Con-tinua firme a visão com base na qual em princípio era Stalin! (...)” (Domenico Losurdo, Stalin, História crítica de uma lenda negra)
É clara a intenção de Khruschev de liquidar totalmente Stalin, de transformar um dos principais bolcheviques em um ser mesquinho e ignorante. Em seu relatório, Khruschev relata que Stalin foi na Grande Guerra Patriótica um tre-mendo irresponsável, a ponto de dizer que “é
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preciso ter presente que Stalin preparava os seus planos em um globo escolar de mapa-múndi. Sim, companheiros, traçava a linha da frente num mapa-múndi escolar”. Ele descreve em termos catastróficos o despreparo militar da URSS frente a besta nazista. Losurdo escreveu uma extensa obra em defesa de Stalin. Bastante esclarecedoras são algumas informações expostas ali. Em 1940 a URSS produzia 358 carros armados do tipo mais avançado. Já no primeiro semestre de 1941 a URSS produzia 1503. O primeiro plano quinquenal o orçamento da defesa era de 5,4% das despesas totais do Estado, já em 1941 o orçamentou subiu para 43,4%. Em setembro de 1939, por ordem de Stalin, o Politburo tomou a decisão de construir em 1941 nove fábricas novas para a produção de aviões. No momento da invasão dos nazistas, a indústria da URSS tinha produzido 2 mil e 700 aviões modernos e 4 mil e 300 carros armados. No dia do ataque, Stalin realizou uma reunião de onze horas com os chefes do Partido, de governo e militares, e nos dias seguintes fez o mesmo. Desde o início da operação Barbarossa, Stalin toma as decisões para o deslocamento da população e das instalações industriais da zona do front, controlando tudo de forma minuciosa, desde o tamanho e a forma das baionetas até os autores e os títulos dos artigos do Pravda. Nas semanas que precedem o início das hostilidades, Stalin demonstra uma análise cautelosa e justa. A concentração das forças do exército nazista na fronteira, a violação do espaço aéreo soviético, e outras provocações tinham a intenção de atrair o Exército Vermelho para a fronteira. Hitler pretendia derrotar os soviéticos em uma única batalha. Até valorosos generais se sentiram atraídos par a armadilha. Porém, mais tarde, ficou claro que a estratégia de Stalin era justa, que o comando de Hitler contava com um deslocamento geral das forças soviéticas para a fronteira, com a intenção de cercá-los e destruí-los. Os nazistas foram obrigados a registrar amargas surpresas. Hitler, em 29 de novembro de 1941, perguntou “Como é possível que um povo tão primitivo possa alcançar semelhantes avanços técnicos em tão pouco tempo? ”. E em 26 de agosto de 1942, admitiu que “No tocante à Rússia, é incontestável que Stalin elevou o nível de vida. O povo russo não passava fome. Em geral, é preciso reconhecer: foram construídas indústrias da importância das Hermann Goering Werke onde há dois anos não existiam senão aldeias desconhecidas. Encontramos linhas ferroviárias que não estão indicadas nos mapas. ” E Goebbels [Ministro da Propaganda na Alemanha Nazista] assim expõe: Era quase impossível que nossos homens de confiança e nossos espiões penetrassem no interior da União Soviética. Eles não podiam ter um quadro preciso. Os bolcheviques se empenharam diretamente em nos enganar. De uma série de armas que eles possuíam, sobretudo armas pesadas, não tínhamos nenhuma ideia. Exatamente o contrário daquilo que se verificou na França, onde sabíamos na prática tudo e não podíamos de modo alguns ser surpreendidos.
Esses fatos convertem as acusações de Khruschev contra Stalin, de que a URSS chegou despreparada no momento do confronto, em uma mera falácia. No que tange a questão Stalin, mais propriamente dita, se fala de uma figura que após a morte de Lenin, se incumbiu à tarefa de construir o socialismo em um país devastado pela guerra civil, em meio a pressões externas dos Estados Imperialistas, que havia visto um crescimento de camadas capitalistas no campo (Kulaks) e na cidade (nepman). É natural que nestas condições materiais, o processo de edificação do socialismo e a situa-ção pós revolucionária seja turbulento e violento. A respeito da defesa do essencial da Revolução de Outubro, Stalin obteve grande sucesso: esteve à frente da consolidação do primeiro Estado Socialista da história, mesmo podendo questionar alguns métodos usados, ao levar a cabo a coletivização da agricultura, eliminando os kulaks, se abriu caminho para exitosamente garantir a industrialização socialista do país, teve papel crucial na sistematização do marxismo-leninismo, dirigiu o país em sua guerra antifascista, combateu os oportunistas de todo tipo. Sobre este último, Khruschev discorre sobre os expurgos dos anos 30. O que ele aparenta esquecer é que ele próprio era membro do Comitê Central, e não se manifestou contrário aos expurgos e aos métodos empregados nestes.
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Mesmo Roy Medvedev escreveu sobre como o próprio Khruschev havia tomado parte nestes métodos: “o próprio Khruschev e os seus mais próximos colaboradores não estavam inocentes. Tinham também as suas responsabilidades”. Devemos compreender esses expurgos como formas de combater agentes da burguesia no seio do Partido, e mesmo com alguns métodos empregados que podemos questionar, confundindo a resolução das contradições no seio do partido com aquela entre os nossos inimigos, foram vitoriosos em seu combate ao oportunismo de direita e de esquerda. A investigação de erros cometidos no processo deve se submeter aos princípios da crítica e autocrítica, e crítica e luta para garantir a unidade. Khruschev, negando completa e unilateralmente o papel de Stalin, o tratou como inimigo e não fez uma análise concreta e em sua amplitude sobre Stalin, assim comprometendo a própria integridade ideológica do Partido e a unidade do movimento comunista internacional. Stalin, no XIX Congresso defendeu medidas duras que visassem a incrementação do Poder Soviético eliminando desvios burocratistas bem como novos oportunismos que ele considerava estarem bastante presentes. Grover Furr, daí, analisou que a vitória de Khruschev sobre Stálin foi a vitória dos burocratas locais sobre o Comitê Central, dado que Khruschev era representante de um setor particular da burocracia soviética, o setor dos governantes locais. O que aparenta evidente é que o relatório secreto de Khruschev e seus ataques a Sta-lin foram os elementos necessários para sustentar o giro político que foi consolidado no XX Congresso. O ataque a Stalin era a aparência de algo que visava colocar as teses revisionistas da Coexistência Pacífica, Transição Pacífica e Competição pacífica, e posteriormente as de Estado de todo o Povo e Partido de todo o Povo. 2. Golpe de Khruschev Algo que é preciso ter em mente é que a leitura do “Relatório Secreto” se deu às por-tas fechadas e sem consulta prévio tanto dos outros membros do Partido e do Comitê Central bem como de partidos irmãos. Foi um processo arbitrário, feito pelo alto, indo contra os princípios da democracia no seio do Partido. Segundo as memórias de Kaganovitch: “Khruschev apresentará o seu relatório em nome do CC do PCUS e não em seu próprio nome, e isto numa sessão à porta fechada depois da eleição do novo Comitê Central. Além disso, não haverá discussão depois da leitura do relatório por Khruschev”. É válido também apontar que antes da realização do Congresso, durante a discussão sobre a elaboração do relatório de atividade no Presidium do CC do PCUS, Khruschev já havia proposto introduzir no relatório algo sobre o culto à personalidade. Molotov, Kaganovitch, Malenkov e Vorochilov rejeitaram-na. Para conseguir garantir de forma minimamente pacífica a adesão a seu “relatório secreto” imposto de cima, era necessário criar condições para que supostos opositores a ele fossem neutralizados e que centristas do partido fossem à reboque de suas posições. Não apenas os centristas, mas também o novo Comitê Central, eleito no mesmo congresso. Em fevereiro de 1955, Khruschev atacou incisivamente as posições de Malenkov, fazendo este ser substituído por Bulganin como Presidente do Conselho. Após isso, o grupo de Khruschev ficou em minoria, com Malenkov, Kaganovitch, Bulganin, Chepilov se manifestando abertamente contra ele. Estes foram categorizados por Khruschev como “grupo antipartido”, e expulsos do Presidium. Particularmente, o Exército, com Zukov, foi importante na eliminação desta maioria do Partido, que socorreram Khruschev após ele estar em minoria. Mesmo Zukov, foi substituído (e expulso do Presidium) pelo Marechal Malinovsky, para evitar a oposição das forças militares. Outros acontecimentos contribuíram para re-forçar a autoridade pessoal de Khruschev, como o lançamento do Sputnik I. A respeito da expulsão dos opositores, e sua classificação como “grupo antipartido”, Molotov disse: “Quando Khruschev leu seu relatório, eu já estava posto de lado. Frequentemente me perguntam: Por que você não tomou palavra contra Khruschev? O Partido não estava preparado para isso. Nós teríamos sido postos para fora. Permanecendo no partido, eu esperava que pudéssemos redirecionar rapidamente a situação”.
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3. Erros de Stalin Como colocamos, a luta de duas linhas deve ter em vista a defesa da linha revoluci-onária contra as concepções burguesas de mundo. Compreendendo a partir da dialética materialista, que as coisas estão em constante movimento e transformação e que estas são, por sua vez, contraditórias. A luta interna do Partido e o aparecimento de forças contrarrevolucionárias dentro deste não devem ser colocadas como “pontuais” e externas ao próprio desenvolvimento do Partido; Mao disse a esse respeito: A Oposição e luta entre concepções diferentes surgem constantemente no seio do Partido; é o reflexo, no Partido, das contradições de classes e das contradições entre o novo e o velho existentes na sociedade. Se no Partido não houvesse contradições e lutas ideológicas para resolver as contradições, a vida do Partido cessaria.
Sobre aqueles que defendem que as causas dos fenômenos devem ser encontradas em seu âmbito externo, Mao no mesmo ensaio prosseguiu: “Contrariamente à concepção metafísica do mundo, a concepção materialista dialética entende que, no estudo do desenvolvimento de um fenômeno, deve partir-se do seu conteúdo interno, das suas relações com os outros fenômenos, quer dizer, deve considerar-se o desenvolvimento dos fenômenos como sendo o seu movimento próprio, necessário, interno, encontrando-se aliás cada fenômeno, no seu movimento, em ligação e interação com os outros fenômenos que o rodeiam. A causa fundamental do desenvolvimento dos fenômenos não é externa, mas interna; ela reside no contraditório do interior dos próprios fenômenos. No interior de todo o fenômeno há contradições, daí o seu movimento e desenvolvimento. O contraditório no seio de cada fenômeno é a causa fundamental do respectivo desenvolvimento, enquanto que a ligação mútua e a ação recíproca entre os fenômenos não constituem mais do que causas secundárias. Assim, a dialética materialista combate energicamente a teoria da causa exter-na, da impulsão exterior, característica do materialismo mecanista e do evolucionismo vulgar metafísico. É evidente que as causas puramente externas são apenas capazes de provocar o movimento mecânico dos fenômenos, isto é, modificações de volume, de quantidade, não podendo explicar porque os fenômenos nos são de uma diversidade qualitativa infinita, a razão por que passam de uma qualidade a uma outra. Com efeito, mesmo o movimento mecânico, provocado por uma impulsão exterior, realizase por intermédio das contradições internas dos fenômenos. ”
Quando algum Partido Comunista alega que os inimigos do Partido se residiam apenas externamente fora do próprio Partido ou do movimento comunista, se deixa o caminho aberto para afrouxar a vigilância revolucionária, e permitir a entrada de mais inimigos no Partido e tornando possível que a linha burguesa se torne hegemônica. Ao fazerem isto, abandonam a visão dialética da unidade dos contrários, do um se divide em dois, e se prendem no idealismo do dois se dividem em um. A unidade dos contrários é a lei central da dialética. Isso implica em falar que os contrários possuem uma identidade, que os contrários estão interligados e coexistem em um todo único sob determinadas condições, e que em outras condições, um contrário se transforma no outro. Lenin, em seus comentários sobre a obra de Hegel “Ciência da Lógica” resumiu: “A dialética é a teoria de como os contrários podem e costumam ser (ou devem) idênticos; em que condições são idênticos ao converter-se uns nos outros, e por que o entendimento humano não deve considerar estes contrários como mortos, petrificados, mas como vivos, condicionados, móveis e que se convertem uns nos outros. ”
Dentro do marxismo, e da luta política revolucionária do proletariado dentro do Partido de novo tipo, isto não é diferente. Portanto, a luta interna do Partido, o que é uma linha política correta e uma interpretação correta do marxismo, se desenvolve em luta com o revisionismo, com as compreensões errôneas dentro do movimento operário. O revisionismo é então o polo nega-
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tivo do movimento comunista, caso se subestime a luta entre esses dois contrários, a ideologia burguesa ganha força entre as fileiras do próprio partido. Sendo o revisionismo o polo negativo do movimento comunista, ele é algo interno e não externo a ele, portanto a explicação de como uma linha oportunista ganhou força e conseguiu levar a cabo a vitória da contrarrevolução em um país socialista se deveria explicar a partir das próprias debilidades internas de seu respectivo partido dirigente em não conseguir realizar a resolução das contradições internas a fim de combater os resquícios mais diversos da velha sociedade. Deste modo, devemos buscar as razões para a mudança de rumos na URSS a partir do XX Congresso, na própria condução política dos períodos anteriores à ele e suas fraquezas. Particularmente importante para isso deve ser a questão da compreensão dos soviéticos e de Stalin sobre como se movem as contradições e a luta de classes sob o socialismo. Em 1936, Stalin falava no VIII Congresso Extraordinário dos Sovietes da URSS sobre a não existência de classes antagônicas, com a liquidação das classes capitalistas e que estava quase descartada a possibilidade de exploração da classe operária. Eram concepções equivocadas sobre a continuidade de luta de classes sob o socialismo, pois compreendiam que esta se dirigia apenas contra os resíduos das classes inimigas, e não concebiam uma linha burguesa que persistia no próprio aparato econômico e administrativo do novo Estado. Ludo Martens comentou estas concepções: “Stalin não percebeu com clareza que, depois do desaparecimento das bases econômicas da exploração capitalista e feudal, continuava a existir na União Soviética terreno de onde podiam surgir elementos burgueses. O burocratismo, o tecnocratismo, as desigualdades sociais e os privilégios introduziram em certas camadas da sociedade soviética um estilo de vida burguês e aspirações à reintrodução de certas formas do capitalismo. A persistência da ideologia burguesa no seio das massas e nos quadros foi um fator suplementar que levou camadas inteiras para posições antissocialistas. Os adversários do socialismo encontraram sempre importantes recursos e reservas ideológicas e materiais junto do imperialismo. E o imperialismo nunca deixou de infiltrar agentes secretos e de comprar renegados que, juntos, se esforçaram para explorar e ampliar todas as formas de oportunismo existentes na URSS. A tese de Stalin segundo a qual ‘não havia uma base de classe para a dominação da ideologia burguesa’ era unilateral e não dialética e introduziu debilidades e erros na linha política. (...) Stalin subestimou manifestamente as causas internas que permitiram o nascimento das correntes oportunistas que, em seguida, através das infiltrações de agentes secretos, se ligaram de uma forma ou de outra ao imperialismo. Stalin não compreendeu que os perigos do burocratismo, do tecnocratismo, da procura de privilégios existiam de forma permanente e em grande escala e que produziram inevitavelmente concepções sociais democratas, conciliadoras com o imperialismo. Em consequência, Stalin não julgou necessário mobilizar o conjunto dos membros do Partido para combater as linhas oportunistas e para eliminar as tendências perigosas; lutas ideológicas e políticas nas quais todos os quadros e membros deveriam educar-se e transformar-se. Depois de 1945, a luta contra o oportunismo ficou confinada às esferas dirigentes do Partido e não contribuiu para a transformação revolucionária do conjunto do Partido”.
Estas debilidades no travar da luta contra o revisionismo, criaram certas condições para a ascensão do revisionismo moderno, e a própria negação de Stalin no XX Congresso, onde a ala burguesa do Partido se tornara dominante. São válidas as citações de Mao sobre um tratamento correto da continuidade da luta de classes: “A sociedade socialista estendese por um período bastante longo, durante o qual continuam a existir as classes, as contradições de classes e a luta de classes, assim como a luta entre a via socialista e a via capitalista, assim como o perigo de uma restauração do capitalismo. É preciso compreender que esta luta será longa e complexa, é preciso redobrar a vigilância e prosseguir a educação socialista (...). Senão, um país socialista como o nosso transformar-se-á no seu contrário: mudará de natureza e assistirá à restauração do capitalismo”. “Os representantes da burguesia que se infiltraram no Partido, no governo, no exército e nos diferentes sectores do domínio cultural, constituem um grupo de revisionistas contrarrevolucionários. Se a ocasião se lhes apresentasse, eles arrancariam o poder e transformariam a ditadura do proletariado em ditadura da burguesia”.
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4. Giro econômico Após 1956, com o giro político e ideológico, este se refletiu também na condução da economia, com políticas de “flexibilização”. Logo no início de 1958, começou a reforma agrícola na URSS, onde o campo teria agora uma orientação de incrementar a produção privada dos camponeses, aumento de pagamento em assalariamento aos kolkhozes. Com Khruschev também se tinha iniciado a “campanha das terras virgens”, que havia sido um fracasso; em 1958 no Cazaquistão, onde se situam as terras virgens, se produziram 14,8 milhões de toneladas de trigo, e este número a cada ano ia decrescendo, em 1963 chegando a 4,7 milhões. O rendimento médio por hectare nas terras virgens havia sido menor do que o usado para a semente. Na produção industrial, a cada ano que se avançava a política de Khruschev, cada vez mais declinava se aproximando do ritmo de crescimento dos países capitalistas. Um jornalista soviético, relatando os problemas na indústria, apontou como solução: “Nos é necessário imperativamente, um apoio econômico capaz de proteger os produtos da terra tanto do aumento da perda como da destruição... O que nos falta é um homem, um patrão. Alguém que calcule em dinheiro, que veja o lucro”. Para solucionar estes problemas, se tomaram medidas em direção a isto. A política de flexibilização pretendeu descentralizar o planejamento, dando mais autonomia para as fábricas e seus gestores. A primeira medida para isto foi a criação dos Conselhos Econômicos Regionais. Para Khruschev, o objetivo agora da URSS era: “A principal tarefa econômica do Partido e do povo soviético consiste em criar no transcurso das décadas, a base material e técnica do comunismo”. Não se tratava mais de transformar as relações de produção que correspondessem com o nível das forças produtivas, mas do mero desenvolvimento da técnica, concebido como neutro e alheio ao próprio papel da política, dos sujeitos, nessa transformação. Futuramente, já com Brezhnev, se aprofunda esta flexibilização. Em 1956, aplicaram de maneira experimental reformas de descentralização em duas empresas, a Bolschevicka de Moscou e a Maiak em Gorki. Em 1965, o Presidente do Conselho dos Ministros, A. Kossigyn, apresentou relatório que demonstrava qual era o novo sistema de direção eco-nômica. As medidas visavam dar mais liberdade aos gestores e colocava a busca pelo lu-cro a principal força motriz da produção nas empresas. O Partido Comunista da China comentou sobre essa reforma: “Deu aos diretores de empresas o direito de admitir ou despedir os operários, fixar as normas dos salários e os prêmios e de dispor livremente de fundos importantes, de modo que eles são, de fato, os donos das empresas, podendo à vontade maltratar e oprimir os operários e apropriarse dos frutos do trabalho deles. Significa na realidade a restauração do capitalismo, a substituição da propriedade da camada privilegiada aburguesada no lugar da propriedade socialista de todo o povo, e a transformação gradual das empresas socialistas da URSS em empresas capitalistas de tipo particular. Isto nada tem de novo; é a cópia desenvolvida da velha experiência da restauração capitalista pela claque de Tito.” “Quando eles tiveram o controle do Partido e do Estado, os revisionistas ata-caram a economia planificada unificada, que é essencial para o crescimento do socialismo. Às empresas individuais foram dadas o poder de decidir de forma independente sobre os seus planos de produção e de gestão. Os prêmios dos gestores de fábrica foram amarrados à rentabilidade da fábrica. Empresas foram habilitadas a possuir, usar e dispor de todos os bens, para vender “excedentes” de materiais, para amortizar “obsoletos” ativos fixos. Como presente, os gestores recebem enormes salários e privilégios especiais em detrimento dos trabalhadores; eles têm o poder de fixar ou alterar os salários e para determinar por si próprios a estrutura do pessoal das empresas. Em 1965, Brejnev defendia as “medidas urgentes” a serem tomadas na agricultura soviética e disse, “a taxa de lucro deve ser feita a base para a avaliação objetiva da operação das fazendas coletivas e estatais.”
Outro economista soviético, E.G. Liberman: “Estas deficiências na gestão econômica devem ser eliminadas não tornando o planejamento mais complicado, detalhado e centralizado, mas desenvolvimento a iniciativa econômica e a
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independência das empresas – as empresas devem ter uma iniciativa mais ampla, não devem ser vinculadas à tutela mesquinha e aos métodos burocráticos de planejamento central”.
Tais medidas, consequências do tecnicismo de Khruschev e da rejeição da luta de classes, só podem gerar a retomada do lucro e métodos capitalistas como critério de produção das fábricas, o afastamento da direção e massas, radical separação entre os produtores diretos e os meios de produção, maior diferenciação entre trabalho manual e intelectual e a criação de uma camada privilegiada afastada da classe operária. 5. Consequências para o Movimento Comunista Internacional Como consequência da polêmica do XX Congresso, o movimento comunista passou pela sua maior crise até então, pelo impacto que ele causou, suscitando imensas dificuldades para o desenvolvimento da luta do movimento comunista internacional. Logo de imediato, os efeitos desta crise estavam sendo sentidos, na Hungria e Polô-nia. Logo após o Congresso, Laszlo Rajk, exministro das Relações Exteriores da Hungria, e outros condenados e executados em 1949 tiveram sua memória reabilitada. A Rádio Varsóvia anunciara a libertação de 30 mil presos políticos, entre eles Władysław Gomulka. Na Polônia, o Partido Comunista da Polônia havia decidido, em outubro, pôr fim à tutela soviética. Khruschev decide intervir para evitar uma revolta polonesa, e o Marechal soviético Rokossovski é dispensado de suas funções no Ministério da Defesa da Polônia e Gomulka assume a direção do país. No caso húngaro, não souberam evitar uma revolta violenta, e os soviéticos tiveram que intervir com o exército, e Imre Nagy foi nomeado Presidente do Conselho. No entanto, ainda assim, houve uma segunda rebelião, essa com o caráter contrarrevolucionário mais aguçado e mais uma vez a intervenção soviética es-magou os revoltosos. Já em 1956, as divergências com os chineses e albaneses no trato da questão, era per-ceptível, ainda que se manifestassem de forma leve, alegando não quererem romper com a unidade do movimento comunista. À medida em que as divergências iam se tornando mais evidentes e agravantes, após a Conferência de Bucareste e a Conferência de Novembro de 1960, onde atacaram respectivamente o Partido Comunista da China e o Partido do Trabalho da Albânia. Durante o XXII Congresso em 1961, os soviéticos atacaram abertamente o Partido do Trabalho da Albânia, e nesta ocasião os chineses, com Zhou Enlai como chefe da delegação chinesa, defenderam o P.T.A. afirmando ser antileninista e útil aos inimigos o ataque aberto a partidos irmãos. No XX aniversário de fundação do Partido do Trabalho da Albânia, Enver Hoxha respondeu a todas as acusações de Khruschev. 1961 seria o ano oficial do “racha” entre os albaneses e soviéticos. Em 1959, os soviéticos tomaram posição neutra no conflito sino-indiano sobre o Tibet, e em 1960 chamaram de volta todos os técnicos soviéticos que estavam na China os auxiliando no desenvolvimento de sua indústria de base, em período de grandes dificuldades para a China, após o Grande Salto para Frente e desastres naturais que ocorreram logo após. Em 1962, o conflito sino-indiano tomaria novos rumos, chegando ao conflito armado, e nesta ocasião a posição soviética foi lamentavelmente de se referirem aos chineses como os provocadores. Daí as divergências entre os chineses passavam a se tornar mais abertas, e os ataques abertos de Khruschev aos chineses não cessavam. Em 1965, os soviéticos chamaram por um “encontro de consultas” que, após o começo dos bombardeios ao Vietnã, deveria fazer o grosso dos partidos do mundo aceitarem suas teses de conciliação com os Estados Unidos, e fazer soar mais alto seus ataques contra a China. Além da China, outros seis partidos decidiram não comparecer: Indonésia, Japão, Romênia, Vietnã, Coreia e Albânia. Esta crise que o movimento comunista viu em seguida do XX Congresso foi interna-cional. Todos os países do mundo passaram por processos de “rachas” e contradições partidárias. O resultado do XX Congresso para a unidade do movimento comunista in-ternacional foi então a própria liquidação desta unidade e a degeneração dos partidos de cada país, ao aderirem de forma seguidista às teses de Khruschev.
“Os 60 anos do XX Congresso do Partido Comunista da URSS”
6. Os Reflexos do XX Congresso no Brasil Como foi visto anteriormente, o XX Congresso do Partido Comunista da União Sovi-ética (P.C.U.S.), que fora realizado no mês de fevereiro de 1956, fez com que surgisse no seio dos partidos comunistas de todos os países, uma série de divergências inconciliáveis, dando início a uma verdadeira crise no movimento comunista internacional. Tal cri-se, inevitavelmente, chegou às terras brasileiras. O principal porta-voz da linha revisionista de Khruschev no Partido Comunista do Brasil (P.C.B.) era Agildo Barata, que adotara acriticamente as resoluções do XX Congresso do P.C.U.S. O secretário-geral do P.C.B. na época era o conhecido Luiz Carlos Prestes, sendo este, inicialmente, contra as posições de Agildo Barata. Entretanto, após o afastamento de grandes dirigentes comunistas do P.C.U.S., realizado pela camarilha revisionista de Khruschev, como Molotov, Kaganovitch e Malenkov, a junho de 1957, o líder comunista brasileiro Luiz Carlos Prestes, mudando radicalmente de posição, abraça as posições revisionistas de Agildo Barata e seu bando e, leva consigo, grande parte do partido. Em março de 1958 o P.C.B. lança um documento que ficou conhecido como a “Decla-ração de Março”. Este documento apresentou as novas posições políticas tomadas pelo partido, a adoção completa do revisionismo khruschevista e o descarte, como mero detrito, do marxismo leninismo. Na infeliz declaração, o P.C.B. alega que o desenvolvimento do capitalismo no Brasil representa um “elemento progressista por excelência da economia brasileira”, e que tal desenvolvimento teria dado origem a uma burguesia interessada no progresso da pátria. Em outro ponto, o P.C.B. colocou que o processo de “democratização” do país possuía uma “tendência permanente” e que seria possível a transição ao socialismo por um caminho não-violento. Isso foi a mais nítida demonstração da falta de compreensão do caráter do capitalismo no Brasil, pois nos países coloniais e semicoloniais tal sistema serve apenas como forma de entrave ao desenvolvimento destes e não possui um caráter progressista. A Declaração de Março de 1958 foi o abandono dos ensinamentos de Karl Marx e Friedrich Engels, de que a derrocada do capitalismo e a transformação da propriedade capitalista em propriedade social não pode ser de modo algum por uma via pacífica, mas sim, por meio da revolução violenta contra a reacionária burguesia, instaurando a ditadura do proletariado e, com esta, esmagar a resistência das velhas classes exploradoras, rumo à sociedade sem classes, a sociedade comunista. Em 1960, com uma atitude antipartidária, Prestes convocou o V Congresso do P.C.B., com a finalidade de afastar da direção todos os elementos contrários às políticas revisionistas. Resultado: foram afastados do comitê central do P.C.B., 12 de seus 25 membros efetivos (entre eles João Amazonas, Mauricio Grabois, Pedro Pomar e Ângelo Arroyo) e o partido passou a caminhar inteiramente na via de Luiz Carlos Prestes, ou seja, na via do revisionismo khruschevista. Um ano depois do V Congresso do P.C.B., a agosto de 1961, a pretexto de alcançar a legalidade do partido, os revisionistas encabeçados por Prestes, mudam o nome da organização para Partido Comunista Brasileiro, atendendo a vontade da Justiça Eleitoral a serviço das classes dominantes (estes alegavam que o partido era uma sucursal de uma organização estrangeira). Foram removidos de seus estatutos a afirmação de que o Partido se orientava pelo marxismoleninismo e pelo internacionalismo proletário. No final de dezembro deste mesmo ano, é anunciada pela revista Novos Rumos, a expulsão de inúmeros dirigentes comunistas, entre eles Lincoln Oest, Manoel Ferreira e os supracitados Maurício Grabois, Ângelo Arroyo, Pedro Pomar e João Amazonas. Logo em fevereiro de 1962, os militantes expulsos do degenerado Partido Comunis-ta Brasileiro, organizam a Conferência Nacional Extraordinária em São Paulo. Em tal evento foi decidido reorganizar o Partido Comunista do Brasil, dessa vez com a sigla P.C. do Brasil, com um programa marxista-leninista e foi realizada a eleição de um novo comitê central. Temos então, no Brasil, a existência de dois partidos com “comunista” em seus nomes: o Partido Comunista do Brasil (reorganizado em 1962) e o Partido Comunista Brasileiro (degenerado pelo revisionismo e oportunismo). Enquanto o P.C. Brasileiro defendia mudanças limi-
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“A Costa do Marfim e a ONU: Algumas reflexões quatro anos depois do golpe”
tadas na estrutura do país, a troca de ministros entreguistas por nacionalis-tas a fim de formar um governo democrático e nacionalista, conciliava com a burguesia compradora (aquela que para existir depende do imperialismo) e com o latifúndio, o P.C. do Brasil, este norteado pelo marxismo-leninismo, reivindicava a derrocada do Estado burguêslatifundiário e a instauração de um governo democrático anti-imperialista com base em uma frente única composta por todas as forças revolucionárias e patrióticas do país, e rechaçava completamente a ideia da via pacífica da revolução (defendida pelo P.C. Brasileiro). A União Reconstrução Comunista considera o P.C. do Brasil (que levou a cabo entre 1972 a 1975 a famosa Guerrilha do Araguaia) de 1962 até 1976 como o Partido mais avançado, tanto na teoria como na prática revolucionárias, da história de nossa pátria (mesmo reconhecendo que tal partido possuía diversas limitações). 7.Conclusão Se realmente pretendermos traçar um balanço correto das experiências socialistas, principalmente a soviética e sua importância para a emancipação de todos os povos do mundo, devemos, portanto, compreender suas próprias fraquezas e qual o motivo da própria dissolução da URSS e o que pode fazer um país socialista retornar ao capitalismo. Estudando o XX Congresso e suas consequências, podemos observar que o que estava em jogo não era simples e puramente uma crítica ou uma “denúncia” a Stalin e ao “culto à personalidade”, mas sim o uso desta “denúncia” e ataque aberto a Stalin como forma de se aplicar as teses revisionistas na orientação soviética, sendo o XX Congresso, portanto, a subida da ala burguesa do PCUS à direção do Partido, a consolidação do revisionismo como norteador ideológico da URSS. É a partir desse giro radical, que se criou condições para a degeneração soviética até a restauração capitalista completa na URSS, com Gorbatchev. Nos dias de hoje, os reacionários e as classes dominantes usam do fim da URSS para sustentar suas ideias sobre a falência do marxismo, a não possibilidade do comunismo e do socialismo. Os comunistas de hoje, portanto, tem para si as tarefas não apenas de desnudar o processo que protagonizou a contrarrevolução que se deu na Rússia e no Leste Europeu e compreender a ação solapadora do revisionismo ali, como também em seus próprios países, aplicar o marxismo-leninismo à suas condições concretas e desenvolver corretamente a luta contra o oportunismo.
BIBLIOGRAFIA - Comitê Central do Partido Comunista do Brasil. A Linha Política Revolucionária do Partido Comunista do Brasil. Edições Maria da Fonte, 1974. (Resposta a Kruschov.). - Comitê Central do Partido Comunista do Brasil. Cinquenta Anos de Luta. Edições Maria da Fonte, 1975. (Cinquenta Anos de Luta). - Martinez, G. O Partido Comunista do Brasil e a Luta Contra o Oportunismo (1958-1964). Revista Nova Cultura Nº 5, 2015. - Losurdo, D. Stalin, história crítica de uma lenda negra; Rio de Janeiro, Editora Re-van, 2010. - Martens, L. Stalin, um novo olhar, Rio de Janeiro: Editora Revan, 2003. - Baby, J. As grandes divergências do mundo comunista, 1967, São Paulo: Editora Senzala. - Marx, K. Obras Escolhidas, Lisboa-Moscou: Editora Avante, 1982 (v.I: Crítica ao Programa de Gotha). - Revista Problemas - Revista Mensal de Cultura Política nº 73, 1956 (Informe Sobre a Atividade do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética ao XX Congresso do Partido de Nikita Kruschov). - Tsetung, M. Sobre a Prática e Sobre a Contradição, Rio de Janeiro. Editora Zahar, 2008. - Lenine, V. I. Obras Escolhidas em Três Tomos, Lisboa. Editora Avante!, Edições Progresso, Moscovo (v. III: A economia e a política na época da ditadura do proletariado; A Revolução Proletária e o renegado Kautsky). - Lenine, V. I. Obras Escolhidas em Seis Tomos, Lisboa, Editora Avante!, Edições Progresso, Moscovo. (v. IV: Saudação aos comunistas italianos, franceses e alemães). - A Carta Chinesa: A Grande Batalha Ideológica que o Brasil Não Viu, Terra Editora Gráfica Ltda., 2003 (A Revolução Proletária e o revisionismo de Kruchov). - Stalin, J. Em Defesa do Socialismo Científico, São Paulo. Anita Garibaldi, 1990 (Pe-rigo de direita no PC (b) da URSS).
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Os 94 anos da fundação do Partido Comunista no Brasil e a necessidade de sua reconstrução revolucionária
Completam-se 94 anos do congresso de fundação do partido comunista no Brasil. No último século de sua história, o povo brasileiro – cuja trajetória é marca pela luta mais heroica por sua libertação, iniciada há mais de 500 anos, com a colonização europeia – travou decisivos combates contra a dominação estrangeira, sobre tudo a norte-americana, o subdesenvolvimento econômico e por seus direitos elementares, econômicos e democráticos. Nesses combates, o papel dos comunistas têm sido sempre o de vanguarda organizada, consciente e combativa de seu povo. Fundado em 1922, o Partido Comunista do Brasil representou a união mais sólida entre a teoria marxista-leninista, que para nós foi apresentada pela primeira vez pelas salvas dos canhões da revolução de outubro e o combativo movimento operário brasileiro em ascensão desde de as lutas grevistas do ano de 1917.
“Os 94 anos da fundação do Partido Comunista no Brasil e a necessidade de sua reconstrução revolucionária”
Depois de um prolongado trabalho de consolidação política em meio a classe operária e de formação ideológica de suas fileiras, o Partido Comunista do Brasil jogou um papel fundamental nas lutas contra o fascismo travadas no nosso país nos anos de 1930, participando destacadamente da organização da Aliança Nacional Libertadora e da insurreição antifascista e anti-imperialista de novembro de 1935. Após as sangrentas repressões anticomunistas de 1936-1940, pode se reorganizar graças a coerente atuação marxista-leninista das forças comunistas que se aglutinaram na Comissão Nacional de Organização Provisória e defendeu com determinação da união nacional na guerra contra o nazismo e a redemocratização do Brasil. Apesar dos erros graves que cometeu, de certa influência de ideologias estranhas ao proletariado que sofreu e dos desvios de direita e de esquerda daí decorrentes, entre 1943-1958, o Partido Comunista do Brasil foi uma organização revolucionária, guiada pelos princípios do marxismo-leninismo. Realizou a autocrítica de muitos dos seus erros e desfechou golpes demolidores nos grupos liquidacionista e ultra revisionista, como os de Fernando Lacerda e Agildo Barata. Sobre os impactos das teses revisionistas do 20 º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, no entanto, as tendências antimarxistas, que há muito vinham sendo encubadas em algumas das teses defendidas por dirigentes como Prestes, Giocondo Dias e outros, receberam livre cursos, sendo materializadas na declaração de março de 1958. O estudo do marxismo-leninismo foi substituído pelo seguidismo ao nacional-desenvolvimentismo da burguesia nacional e as orientações revolucionárias deram lugar as posições reformistas da via pacífica e da formação de um governo nacionalista e democrático. A camarilha revisionista de Prestes-Dias terminou por liquidar o antigo partido comunista e formar um “novo” Partido Comunista Brasileiro, de orientação caráter social-democrata. Nessas circunstâncias jogou um papel fundamental a reorganização do Partido Comunista do Brasil, pela ala esquerda, marxista-leninista, organizada em torno de João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar e outros, em fevereiro de 1962. Essa ruptura foi um feito verdadeiramente histórico. O PC do Brasil reorganizado, introduziu no Brasil a crítica ao revisionismo soviético (kruchovista), estudou e assimilou algumas das teses corretas desenvolvidas pelos partidos irmãos, que se mantiveram fiéis ao marxismo-leninismo, como o Partido Comunista da China e o Partido do Trabalho da Albânia. Esse partido também jogou um papel decisivo na resistência à ditadura militar fascista instalada no nosso país em abril de 1964 com o apoio do imperialismo norte-americano, produzindo o documento Guerra Popular – Caminho da Luta Armada no Brasil (1969) e travando gloriosas lutas guerrilheiras na selva amazônica (1972-1974). As ferozes repressões do início dos anos 1970, a chacina da Lapa, de 1976, e a hegemonia de elementos oriundos da esquerda católica sobre os órgãos de direção do Partido no final daquela década, determinaram profundas mudanças naquela organização. A adoção de uma tática reformista de direita nos anos finais da ditadura militar e a crítica a uma série de teses corretas do pensamento de Mao Tsetung cimentaram o caminho que levou a atual degeneração oportunista. Hoje, 94 anos após o salto qualitativo organizacional da classe operária que foi a fundação do Partido em 1922, enxergamos as dificuldades que o movimento popular encontra em nosso país, principalmente num período de ofensiva reacionária e de desgaste das políticas de conciliação de classes do reformismo e oportunismo no seio do movimento popular. São nestes tempos, que as posições oportunistas, de direita e de esquerda, ganham força gerando confusão e impedindo um avanço concreto das forças democráticas e progressistas. Tirando as lições corretas da história, torna-se evidente a urgente necessidade da reconstrução do Partido Comunista, sob uma linha justa marxista-leninista, que consiga garantir a direção da classe operária, e realizar as tarefas necessárias para o Brasil. José Duarte, histórico comunista, já indicava o caminho correto: “O Partido não tem dono. Ele pertence à classe operária, e ela saberá reconstruí-lo.”
UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA 25 de março de 2016
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Edições NOVA CULTURA Há pouco mais de 7 meses, a União Reconstrução Comunista iniciou este esforço editorial com a criação do Selo Edições Nova Cultura, para ampliar o trabalho de difusão do marxismo-leninismo e do socialismo científico, além da divulgação das lutas de libertação nacional e de construção do socialismo iniciadas após a Revolução de Outubro na Rússia. Até o momento, lançamentos sete livros: Marx & Engels: goo.gl/lmsUH5 Escritos - Zhdanov: goo.gl/S4P3RV Obras Completas Stalin - vol. 1: goo.gl/4yjVvD Mundo Socialista - Coreia Popular: goo.gl/vLshwu Mao Tsé-Tung na Revolução Chinesa: goo.gl/LoDVyh A URSS e a Contrarrevolução de Veludo: goo.gl/MpZj2e Trinta Anos do Partido Comunista da China: goo.gl/rOAqBK
Estão previstos para breve os lançamentos de “Sobre a Ideia Juche”, obra cânone sobre ideologia do dirigente da República Popular Democrática da Coreia, Kim Jong Il; o primeiro volume dos “Escritos” do revolucionário vietnamita Ho Chi Minh, composto por textos de 1919 até 1954. Em processo de produção estão o 2º volume das obras completas de Stalin, além de obras sobre feminismo, Grande Guerra Patriótica e outros temas.
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Figuras do Movimento Operário
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Ângelo Arroyo ÂNGELO ARROYO (1928-1976), nasceu de família operária paulistana em 6 de novembro de 1928. Ingressou nas fileiras do Partido Comunista do Brasil em 1945. Metalúrgico, já no ano seguinte tornou-se 1º Secretário do Comitê Distrital da Mooca, que na época era um importante polo industrial da cidade de São Paulo. Durante a década de 1950, quando se tornou um dos líderes do Sindicato dos Metalúrgicos, contribuindo decisivamente como dirigente sindical em greves e manifestaões, e criação de células nas fábricas. Eleito para o Comitê Central no IV Congresso do Partidão, após a linha revisionista de Kruschev ter triunfado no XX Congresso do Partido Comunista da URSS, se levantou contra tal orientação e na defesa do marxismo-leninismo junto a Pedro Pomar, Maurício Grabois, Lincoln Oest, João Amazonas, entre outros camaradas. Cumpriu importante tarefa na reorganização do Partido Comunista do Brasil em 1962, quando foi eleito para o Comitê Central e para a Comissão Executiva. Dedicou-se então ao estudo da Revolução Chinesa e sobre a guerra popular prolongada e a luta armada revolucionária. Na resistência ao Golpe de 1964, cumpriu a tarefa de criar e organizar os destacamentos guerrilheiros no sul do Pará, na região do Araguaia, como integrante da Comissão Militar das Forças Guerrilheiras. Após as grandes campanhas da ditadura fascista na região, que causaram a morte da maioria dos guerrilheiros comunistas, assim como de dezenas de camponeses, combatentes e moradores da região que foram brutalmente torturados, Arroyo conseguiu vencer o cerco da repressão e voltar à São Paulo. Eu seu relatório sobre a Guerrilha do Araguaia, apresentado ao Comitê Central do PC do B, Arroyo destacou a importância do apoio das massas: “o êxito maior da nossa atuação, nesse período da trégua, foi a ligação com as massas. Estendeu-se nossa influência entre o povo. Ganhamos muitos amigos, e não era só apoio moral. A massa fornecia comida e mesmo redes, calçados, roupas etc. E informação. Contávamos com o apoio de mais de 90% da população. A fraca presença do inimigo na área e a nossa politica correta no trabalho de massa proporcionaram esses exitos. Os guerrilheiros, todos eles, eram bastante estimados pela massa. Os guerrilheiros ajudavam as massas no trabalho de roça. O Romance da Libertação era recitado pela massa. Os hinos da guerrilha, elaborados lá mesmo, eram cantados pela massa. Nas sessões de terecô (candomblé) se faziam cantorias de elogio à guerrilha. O primeiro aniversário da luta guerrilheira foi comemorado com a participação de elementos de massa”. O documento tornou-se fundamental para a análise do papel da experiência do Araguaia, seus méritos e suas deficiências, na luta revolucionária brasileira. Arroyo foi assassinado tempos depois, em 16 de dezembro de 1976, durante um ataque militar a reunião do Comitê Central do PCdoB. No incidente, que ficou conhecido como Chacina da Lapa, perpetrado por agentes do Doi-Codi de São Paulo, tombaram também Pedro Pomar, João Baptista Franco Drummond e outros membros do partido.
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UNIÃO RECONSTRUÇÃO COMUNISTA
A União Reconstrução Comunista (URC) visa ser um polo aglutinador de todos os militantes revolucionários e ativistas descontentes com os rumos tomados pelo movimento comunista em nosso país, destruído e corroído pelo revisionismo e oportunismos de direita e esquerda. Após longos estudos e debates e um ano da fundação do Coletivo Bandeira Vermelha, conquistamos, enfim a base da unidade orgânica que deve nortear nossa prática: a unidade ideológica na teoria do proletariado desenvolvida por Marx, Engels, Lenin, Stalin e Mao; a luta pela refundação do Partido Comunista com base na teoria revolucionária do proletariado; a necessidade de se levar a cabo a Revolução Proletária dentro das condições concretas de nosso país.
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