Filosofia

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Caro estudante,

Desde a criação da Unifacs, acreditamos que formação é muito mais do que preparação técnico-científica e que nossa missão como Universidade é proporcionar ao estudante uma educação para toda a vida, embasada no domínio do conhecimento, na fixação de valores e no desenvolvimento de habilidades e atitudes. É proporcionar o desenvolvimento integral do indivíduo.

Mais do que profissionais, queremos formar pessoas com visão abrangente do mundo e das transformações da dinâmica social, com competência para avaliar de forma crítica e criativa as questões que nos cercam. Pessoas capazes de enfrentar os desafios que se coloquem ao longo de sua vida e de sua trajetória profissional, e de aprender permanentemente e de forma autônoma.

Buscamos atingir este objetivo - fundamentados na nossa missão e no nosso Projeto Pedagógico Institucional - por intermédio das diversas atividades acadêmicas, dentro e fora da sala de aula, que compõem o Currículo Unifacs e que desenvolvem e fortalecem habilidades essenciais para a formação do perfil do egresso Unifacs; como um “DNA” reconhecido pela sociedade e pelo mercado de trabalho. Este Currículo compõe-se dos elementos descritos a seguir:

Disciplinas de Formação Humanística: oferecidas em todos os cursos de graduação da Unifacs; Disciplinas de Formação Básica: conferem conhecimentos e competências comuns aos cursos de uma mesma área do conhecimento, para o futuro exercício profissional; Disciplinas de Formação Específica: proporcionam a formação técnica e o desenvolvimento de habilidades e atitudes necessárias ao perfil profissional do curso; Atividades integradoras: permitem vivenciar na prática os conteúdos teóricos trabalhados em sala de aula, através do desenvolvimento de projetos específicos; Atividades Complementares: oferecem oportunidades de ampliação do conhecimento fora da sala de aula, a exemplo da Iniciação Científica, ações comunitárias, programas de intercâmbio, cursos de extensão e participação em Empresas Juniores, entre outras; Estágio Supervisionado; Trabalho de Conclusão de Curso e demais atividades acadêmicas.


As disciplinas de Formação Humanística, em especial, cumprem um papel fundamental na consecução desse perfil. Preparam uma sólida base de conhecimentos gerais que permitirão uma compreensão mais ampla da formação técnica de cada curso, estimulando o pensamento crítico e sensibilizando o estudante para as questões sociais, políticas, culturais e éticas que envolvem sua atuação como cidadão e profissional; motivando à busca do saber perene.

Em complementação, portanto, à formação técnico-profissional proporcionada pelas disciplinas de Formação Básica e Específica, as disciplinas de Formação Humanística possibilitarão ao estudante adquirir quatro importantes saberes: aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.

Esta é a concretização do nosso compromisso de formar pessoas melhores, cidadãos atuantes e profissionais comprometidos para a construção de um mundo melhor.

Cordialmente,

Prof. Manoel J. F. Barros Sobrinho Chanceler


Formação Humanística Unifacs Conforme explicitado no Projeto Pedagógico Institucional da Unifacs, as disciplinas de Formação Humanística têm como objetivo:

Possibilitar aos discentes a visão abrangente do mundo e da sociedade, propiciando aquisição de competências relativas ao processo de comunicação e raciocínio lógico, necessárias para a formação profissional; bem como conhecimentos inerentes aos direitos humanos, à ética, às questões sócio-ambientais que envolvam aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos e culturais, delineando a formação cidadã.

As disciplinas de Formação Humanística e seus objetivos são:

1. Comunicação Desenvolver a capacidade de ler criticamente e produzir textos de forma autônoma, adequando-se às diversas situações comunicativas presentes no dia-adia, e reconhecer a importância do desenvolvimento destas habilidades para sua vida pessoal e profissional.

2. Introdução ao Trabalho Científico Despertar o interesse pela ciência, apontando seu papel na construção do conhecimento e mostrar como o método científico pode ser utilizado para a solução de questões cotidianas.

3. Sociedade, Direito e Cidadania. Promover uma reflexão sobre o exercício da cidadania e os mecanismos que garantem sua efetividade, bem como a participação nos processos sociais, de forma a interferir positivamente na sociedade.

4. Conjuntura Econômica Habilitar à compreensão da dinâmica da economia e do impacto das suas diversas variáveis e características no dia-a-dia de países, empresas e cidadãos.


5. Arte e Cultura Proporcionar o conhecimento e a valorização das manifestações artísticas e culturais e ampliar a percepção estética como habilidade relevante para profissionais de qualquer área do conhecimento.

6. Meio Ambiente e Sustentabilidade Transmitir conceitos fundamentais sobre ambiente, sustentabilidade e suas relações com o desenvolvimento e despertar atitude político-ambiental nos estudantes, a partir do entendimento de seu papel como profissionais e cidadãos.

7. Psicologia e Comportamento Estudar as interações dos indivíduos no cotidiano, nos grupos dos quais fazem parte, e avaliar papeis e funções nas relações pessoais e profissionais.

8. Filosofia Discutir as grandes questões da vida humana pela compreensão das diversas correntes de pensamento filosófico e de suas contribuições.

9. Empreendedorismo Desenvolver a atitude empreendedora como elemento indispensável para o sucesso pessoal e profissional, seja trabalhando em organizações ou como empresário.

10. Saúde e Qualidade de Vida Enfatizar a importância dos cuidados preventivos com a saúde para obter uma melhor qualidade de vida dando a base para o pleno desenvolvimento dos projetos pessoais e profissionais.


FILOSOFIA Autora: Vera LĂşcia C. Aziz Lima



Sumário Formação Humanística Unifacs..............................................................................................................................................3

FILOSOFIA.............................................................................................................................................5 AULA 01 - O PENSAMENTO .................................................................................................................................................................9 AULA 02 - Os parceiros do pensamento - I ...................................................................................................................... 21 AULA 03 - OS PARCEIROS DO PENSAMENTO - II...................................................................................................................... 27 AULA 04 - ÉTICA E MORAL ............................................................................................................................................................... 37 AULA 05 - As Diversas Formas de Olhar o Mundo - contribuições da Filosofia Ocidental........ 45 AULA 06 - As Diversas Formas de Olhar o Mundo: contribuições do Pensamento Africano... 55 AULA 07 - QUESTÕES FILOSÓFICAS CONTEMPORâNEAS................................................................................................... 65



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AULA 01 - O PENSAMENTO Autora: Vera Lúcia C. Aziz Lima

Prezado aluno,

Você vai conhecer agora, uma natureza de pensamento, sobre o qual deve estar se perguntando:

Filosofia? Para quê? Que relação tem com a área profissional que escolhi?

Faço tais suposições porque já ouvi estas expressões algumas vezes. No entanto, asseguro-lhe que vai surpreender-se. A sensação pode ser: Um curso para aprender a pensar? Mas o homem já nasce sabendo fazer isso. Ou então: há outras formas de pensar? Abra-se para o novo, ou neste caso, para algo diferente.

Fonte: sxc.hu/ID61023

Você não se dá conta, mas a filosofia está presente em quase todos os momentos de sua vida. Não só pelo uso dos conhecimentos que dela provieram, o que você ainda desconhece, mas porque toda a reflexão sobre o homem, a sociedade e o conhecimento produzido pela humanidade, provieram desta fonte- questionamentos sobre a realidade e o trabalho do pensamento sistematizado, articulado e coerente sobre ela. É essa a diferença. Abaixo da ciência e acima da ignorância (relacionada com o não-ser) situa-se o múltiplo, o domínio da opinião. A opinião (doxa), palavra de origem grega, entretanto, pode ser verdadeira ou falsa. Nosso dia a dia é todo repleto de afirmações que acreditamos ser verdadeiras (acho que isso, acho que aquilo...), é o território do “achismo”, como se diz comumente. Aceitamos coisas e idéias que jamais questionamos porque

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elas nos parecem naturais. Já estavam aí quando chegamos ao mundo e compõem o que denominamos “senso comum”. Quando você pensa, reflete filosoficamente, produz resultados fundamentados e, portanto, mais confiáveis para guiar ações. No entanto, o que se diz por aí é que ela não serve para nada. Isso é ignorância, preconceito. O pensamento filosófico produz um saber sobre você mesmo ou sobre o mundo. E isso muda tudo. Nossa intenção é apresentar-lhe a Filosofia como uma forma de saber superior àquela proveniente do senso comum, produzindo esclarecimentos por articulações coerentes entre conceitos, refletindo sobre a sociedade e o homem. Não é nosso propósito, nesta aula, desencadear uma discussão sobre a Ciência e a Filosofia. No entanto, você pode se perguntar sobre esta diferença. A epistemologia, ou forma de produzir conhecimento, também tem sua raiz na Filosofia. Daí, nasce a Ciência. A Filosofia está em sua base, mas é mais abrangente. A Ciência exige método e validação de hipóteses sobre uma situação, por repetidas experiências concretas, e em áreas específicas, até que sejam comprovadas. A Filosofia reflete sobre seus efeitos para o homem e a sociedade. Diz-se, inclusive, que, no caso da Ciência, a única certeza é a da falsidade. As transformações são naturais, porque o conhecimento vai se ampliando, evoluindo,

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mas é inegável a sua contribuição para a nossa qualidade e expectativa de vida. Você está atrás de certezas? Verdades? Desista. Algo é verdade até aquele momento, até que alguém, pela comprovação da experiência, descubra algo que negue a afirmação anterior. Tudo é mutante. Tudo está em permanente movimento. Felizmente, senão a vida seria um tédio.

O sistema solar tinha 11 planetas no começo do século. Então, em 1927, especialistas fixaram que eram 8 planetas. Depois, em 1930, Plutão foi descoberto e passamos a ter 9 planetas. Será que essa nova mudança de contagem é realmente um problema para a astronomia, como alguns pesquisadores estão dizendo? Fonte: http://super.abril.com.br/ciencia/ele-matou-plutao-446629.shtml

Ambas, Ciência e Filosofia são efetuadas por serem humanos, sujeitos a muitas interferências, como veremos mais adiante. Todo o conhecimento da área profissional de sua escolha nasceu no interior da Filosofia e por sua via. Da Filosofia nasceu a Matemática, a Lógica, a Ética, a Astronomia, a Física, a Geometria, a Política, entre outras áreas específicas. Tudo era Filosofia. A filosofia era o Conhecimento. As diversas áreas só foram separadas no fim da Idade Média, quando se organizaram os saberes das diversas profissões, nasceram as Corporações de Ofício e delas, a Universidade.


necessário. Mas, pense em quantas perguntas ainda estão sem resposta. Algumas destas perguntas estão na esfera da Filosofia. Outras, na esfera da Ci-

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Há quem diga que já há muito conhecimento produzido e que ele não é mais

ência. São questões aparentemente banais, comuns, como por exemplo: “Se tudo que nasce e morre, que sentido tem viver?” “Se há tanta riqueza no mundo, por que os homens não organizam a sociedade de modo que todos tenham o necessário para uma vida digna?” “O que é liberdade?” “Sou livre para escolher o que quero?” Serei mesmo a autora do meu destino?”, entre muitas outras questões. Pois é, reconheça que ainda há muito a descobrir, a responder. Ainda não conseguimos descobrir a cura para tantos males que nos afligem, soluções para tantos problemas. E ainda somos tão frágeis diante da natureza, diante das circunstâncias que nos “engolem”, frágeis diante do outro que tememos, frágeis diante do novo, frágeis diante do desconhecido. A tarefa do pensamento é enorme e eterna. Há muito que pensar e, por este exercício, encontrar caminhos mais seguros que nos fortaleçam. De fato, a filosofia nasce do espanto, de tudo que nos surpreende e para o qual não sabemos a resposta: O que é isso? Como? Por quê? Nasce, então, a busca cuidadosa da resposta. Supõe desejo de conhecer, de solucionar a questão/problema que se apresenta. Filosofia significa “amor á sabedoria”. Encontro na literatura, também referida em aula posterior, um trecho que ilustra o que afirmo sobre aqueles que amam o conhecimento. Neste caso, é Larry, personagem que, ao retornar da guerra onde combateu como aviador, encontra-se perdido, questionando a existência, pois nela perdeu seu melhor amigo:

- Você não acha que poderia contar-me o que andou fazendo durante todo este tempo em que esteve em Paris? - Tenho lido muito. 8 ou 10h por dia. Tenho ido a conferências na Sorbonne. Creio que li tudo que há de importante na literatura francesa e posso ler Latim, prosa pelo menos, com a mesma facilidade com que leio francês. Claro que grego é mais difícil. Mas tenho um ótimo professor. Até você chegar eu ia três noites por semana a casa dele. - E qual a finalidade de tudo isto? - Adquirir cultura- respondeu ele sorrindo. - Não me parece muito prático. -Talvez não seja e, por outro lado, talvez seja. Mas é divertidíssimo.

Você não

pode imaginar como é emocionante ler a Odisséia no original. A gente tem a impressão de que bastaria ficar na ponta dos pés e estender as mãos, para tocar as estrelas. Larry levantou-se como que impulsionado pela excitação que dele se apoderara e pôs-se a andar de um lado ao outro do quartinho.

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- Há um ou dois meses estive lendo Spinoza. Creio que não o entendo ainda muito bem, mas que delícia!...É como a gente descer do seu próprio avião num grande planalto nas montanhas. Solidão e ar tão puro que intoxica como um vinho e faz a gente sentir-se como um rei! - Quando é que você pretende voltar para Chicago? - Chicago? Não sei, não pensei nisso. -Você disse que se ao cabo de dois anos não alcançasse o que buscava daria a experiência por mal sucedida. - Não me seria possível voltar agora. Estou no limiar. Vejo vastas planícies do espírito à minha frente acenando-me, e estou ansioso por explorá-las - Que é que você espera encontrar aí? - Respostas às minhas perguntas. - Larry relanceou para Isabel um olhar quase brincalhão, de modo que, se o não conhecesse tão bem, ela poderia pensar que ele estava troçando. - Quero ter certeza da existência ou da não existência de Deus. Quero conhecer a origem do mal. “Quero saber se tenho uma alma imortal ou se a morte põe fim a tudo” (MAUGHAM, 1965, p.74-75).

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Atualmente, quando o conhecimento de diversas áreas já avançou bastante, podemos buscar subsídios na Psicologia, na Sociologia, na Economia, e em outras tantas, para concluir mais acertadamente. E nem assim nos afastamos da Filosofia, pois o Conhecimento é um todo, é multidisciplinar e interdisciplinar. E ele é o objeto da Filosofia. Quando ainda não havia conhecimento confiável, os homens explicavam o mundo e a si mesmos, pela via do pensamento mágico: os mitos - que são de um simbolismo complexo e maravilhoso, pelo qual nos reapresentamos, isto é, nos revemos para escolher formas de nos apresentar socialmente. Os mitos se reproduzem de diferentes formas. Em cada cultura, eles se apresentam de forma peculiar, mas sempre tratando das mesmas questões: a existência humana. E continuam hoje, sob outras roupagens, pois precisamos de rituais, de paradigmas, de modelos. Os mitos estão presentes nos rituais. O que são os rituais de formatura, dos enterros, do júri, etc? Campbell (1990, p. 8) diz que “[...] para que a lei possa manter a autoridade, além da mera coerção, o poder do juiz precisa ser ritualizado, mitologizado”. Campbell (1990, p. 7) diz ainda que “o mito é uma metáfora (imagem que sugere alguma coisa) daquilo que repousa por traz do mundo visível”. Ex: “Você é uma víbora”. Neste caso, nos referimos a uma pessoa, mas capaz de “mordida mortal ou de muita maldade”. Aquilo que os seres humanos têm em comum se revela nos mitos. Mitos são histórias construídas pela cultura para expressar o significado das situações existenciais


suas questões. E mais, os mitos constroem sentidos, significações, através dos tempos e das culturas. Eles têm uma função mística (do mistério), uma função cosmológica (da qual a ciência se ocupa) e uma função sociológica (suporte e validação de uma ordem

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podem ser sobre nossa relação com a natureza, sobre as instituições, sobre o Homem e

social) (CAMPBELL, 1990, p. 5 e 32). Atuam pela via dos arquétipos - ideias de base que aparecem sob diversas formas. O mundo Clássico é repleto de lindos mitos, já tratando inclusive da complexidade do ser humano. Ex: Eros e Psique - o corpo e a alma, cuja essência está na impossibilidade de dissociá-los. Um dos mitos mais conhecidos presente na obra de Platão, é aqui relatado pela filósofa Marilena Chauí:

Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto muro. Entre o muro e o chão da caverna há uma fresta por onde passa um fino feixe de luz exterior, deixando a caverna na obscuridade quase completa. Desde o nascimento, geração após geração, seres humanos encontram-se ali, de costas para a entrada, acorrentados sem poder mover a cabeça nem se locomover, forçados a olhar apenas a parede do fundo, vivendo sem nunca ter visto a mundo exterior nem a luz do Sol, sem jamais ter efetivamente visto uns aos outros nem a si mesmos, mas apenas sombras dos outros e de si mesmos porque estão no escuro e imobilizados. Abaixo do muro, do lado de dentro da caverna, há um fogo que ilumina vagamente o interior sombrio e faz com que as coisas que se passam do lado de fora sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caverna. (Imagine que a caverna é uma sala de cinema escura, o fio de luz, a luminosidade lançada pelo projetor, e as imagens no fundo da parede da caverna, o filme que está sendo projetado numa tela). Do lado de fora, pessoas passam conversando e carregando nos ombros figuras ou imagens dos homens, mulheres e animais cujas sombras também são projetadas na parede da caverna, como num teatro de fantoches. Os prisioneiros julgam que as sombras de coisas e pessoas, os sons de suas falas e imagens estão projetadas na parede; também imaginam que o som produzido pelos artefatos projetados são seres vivos que se movem e falam. Os prisioneiros se comunicam, dando nome às coisas que julgam ver (sem vê-las realmente, pois estão na obscuridade) e imaginam que o que escutam, e que não sabem que são sons vindo de fora, são as vozes das próprias sombras e não dos homens cujas imagens estão projetadas na parede; também imaginam que os sons produzidos pelos artefatos que esses homens carregam nos ombros são seres reais. Qual é, pois, a situação dessas pessoas aprisionadas? Tomam sombras por realidade, tanto a sombra das coisas e dos homens exteriores como as sombras dos artefatos fabricados por eles. Essa confusão, porém, não tem como causa a natureza dos prisioneiros e sim as condições adversas em que se encontram. Que aconteceria se fossem libertados dessa condição de miséria? Um dos prisioneiros, inconformado com a condição em que se encontra, decide abandoná-la. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões. De início, move a cabeça, depois o corpo todo; a seguir, avança na direção do muro e o escala. Enfrentando os obstáculos de um caminho íngreme e difícil, sai da caverna. No primeiro instante, fica totalmente cego pela luminosidade do sol, com a qual os seus olhos não estão acostumados.

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Deslumbramento (literalmente: ferido pela luz) porque seus olhos não conseguem ver com nitidez as coisas iluminadas. Seu primeiro impulso é o de retornar à caverna para livrar-se da dor e do espanto, atraído pela escuridão, que lhe parece mais acolhedora. Além disso, precisa aprender a ver e esse aprendizado é doloroso, fazendo-o desejar a caverna onde tudo é familiar e conhecido. Sentindo-se sem disposição para regressar à caverna por causa da rudeza do caminho, o prisioneiro permanece no exterior. Aos poucos, habitua-se à luz e começa a ver o mundo. Encanta-se, tem a felicidade de finalmente ver as próprias coisas, descobrindo que estivera prisioneiro a vida toda e que em sua prisão vira apenas sombras. Doravante, desejará ficar longe da caverna para sempre e lutará com todas as suas forças para jamais regressar a ela. No entanto, não pode evitar lastimar a sorte dos outros prisioneiros e, por fim, toma a difícil decisão de regressar ao subterrâneo sombrio para contar aos demais o que viu e convencê-los a se libertarem também. Que lhe acontece nesse retorno? Os demais prisioneiros zombam dele, não acreditando em suas palavras e, se não conseguem silenciá-lo com suas caçoadas, tentam fazê-lo espancando-o. Se mesmo assim ele teima em afirmar o que viu e os convida a sair da caverna, certamente acabam por matá-lo. Mas, quem sabe, alguns podem ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidir sair da caverna rumo à realidade.

________________________ Em seguida, Chauí (1995) faz uma breve interpretação e diz: ________________________ ________________________ ________________________ O que é a caverna? O mundo de aparências em que vivemos. Que ________________________ são as sombras projetadas no fundo? As coisas que percebemos. ________________________ Que são os grilhões e as correntes? Nossos preconceitos e opiniões, ________________________ nossa crença de que o que estamos percebendo é a realidade. Quem ________________________ é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O que é a ________________________ luz do Sol? A luz da verdade. O que é o mundo iluminado pela luz da verdade? A realidade. Qual o instrumento que liberta o prisioneiro ________________________ rebelde e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A Filo________________________ sofia (CHAUÍ, 1995, p.40-41). ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Vejamos como os mitos se expressam hoje - O mito da Beleza e o culto do corpo ________________________ jovem, belo e saudável. Em nome disso, as pessoas têm se submetido a torturas absur________________________ das e cometido insanidades incompreensíveis, ou seja, verdadeiros atentados contra ________________________ a vida. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________


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Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/7e/Anorexianervosapng.jpg

A INCESSANTE BUSCA HUMANA

Deformação pelo excesso de plástica. O homem sempre precisou de respostas diante do desconhecido! Tudo começou pela observação da natureza, da repetição ________________________ incessante dos ciclos do tempo, da reprodução das plantas, do comportamento dos ________________________ animais de que dependiam para sobreviver, do tipo de solo mais propício ao cultivo, ________________________ para que ele fornecesse os alimentos de que o homem necessitava. Ainda não tínha- ________________________ mos ciência, nem filosofia, mas o homem pensava e buscava respostas. Na cultura ocidental, a nossa, baseamo-nos nos gregos (a racionalidade) e nos romanos (o Direito, as leis), ainda que já tenhamos incorporado muita coisa do Oriente, por exemplo. Mas, sossegue, não vou ficar contando a história de como isso aconteceu - seria longo e cansativo. Escolherei apenas as principais contribuições de cada época para que, a partir delas, você possa refletir sobre o seu mundo, hoje. Você verá que na filosofia não há nada inútil, nem ultrapassado. O pensamento é sempre uma ferramenta de avanço, de aperfeiçoamento e a natureza humana, sempre a mesma. A fé na capacidade humana de imprimir beleza à sua própria vida e à da cidade foi profundamente analisada e vivida na Grécia clássica. A razão é capaz de afastar as paixões perigosas e trazer a paz e a harmonia do universo para um e para todos. Depois a Grécia foi dominada, não restava mais a cidade livre para preservar, e a única possibilidade de paz era a interior. Assim nasce o Epicurismo, pensamento de Epicuro, filósofo grego deste período, para o qual homem deve buscar, incessantemente, o prazer. Entretanto, Epicuro não falava do prazer proveniente dos sentidos, que dura pouco, referia-se ao prazer interior, aquele que decorre do esclarecimento, do desvendamento do homem e do mundo - o conhecimento. O “Jardim de Epicuro” era uma espécie de espaço onde se reuniam aqueles que amavam a sabedoria, que trocavam textos e os discutiam.

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No período medieval, momento subsequente da história, só tinha valor aquilo que provinha das escrituras sagradas. A Igreja Católica era o maior poder, competia com os reis e dominava o Teocentrismo - Deus no centro. Todos os pensadores buscavam provar sua existência, por meio da fé ou razão. Nesta fase o homem esperou que Deus decidisse os destinos. Com o retorno do comércio e o surgimento da burguesia, na Idade Moderna, surge a necessidade de um novo contrato social. O Conhecimento fragmenta-se, desenvolve-se a Ciência e, então, retoma-se, ainda que de outro modo, o antropocentrismo - o Homem e sua capacidade de raciocinar logicamente, como centro de tudo. Esta ilusão não durou muito, pois a crença na verdade única foi banida, tudo se tornou relativo, cada homem passou a ser sua própria medida.

Todas as relações fixas, enrijecidas, com seu travo de antiguidade e veneráveis preconceitos e opiniões, foram banidas; todas as novas relações se tornam antiquadas antes que cheguem a se ossificar. Tudo o que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado é profanado, e os homens finalmente são levados a enfrentar [...] as verdadeiras condições de suas vidas e suas relações com seus companheiros humanos (MARX, ? apud BERMAN, 1986, p. 20).

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Perdemos o chão e isso teve sérias consequências. Se o homem é a medida de todas as coisas, o que é certo? O que é errado? Já não há onde nos apoiarmos. É a modernidade e nela ainda estamos, mas vivendo uma grande crise, sobretudo depois que a tecnologia virtual nos possibilita acesso a milhares de informações, de toda natureza, de todos os lugares.

Quem sou eu no meio disto tudo? Onde me apoio? O que é confiável?

.O homem se acha muito poderoso, mas veja isto:

Assista ao trecho do filme “Instinto” Cuba Gooding Junior e Anthony Hopkins

Vivemos hoje o desafio de encontrar, sob eterna turbulência, a possibilidade do equilíbrio, da harmonia possível. Como preparar-se para este trabalho interior? Buscando conhecimento e refletindo, para as escolhas mais seguras.


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Fonte: www.sxc.hu/ID213644/ID1011237/ID21251

Ainda precisamos de estabilidade e segurança. Sempre precisaremos, senão nos desestruturamos, perdemos o eixo, não sabemos mais escolher. A filosofia nos ajuda novamente, com outro instrumento: o Pensamento Crítico - o pensamento “radical” - que vai às raízes, que se aprofunda.

A quintessência do espírito crítico consiste em conhecer o melhor do que é conhecido, criar uma corrente de idéias verdadeiras e estimulantes (MATEW ARNOLD, ? apud CAMPBELL, 1990,p. 10).

Você sabia que é pela necessidade de referências, identificações, reconhecimento, que buscamos os grupos, as tribos? Que nos vestimos de modo similar para ganharmos identidade e reconhecimento no grupo que escolhemos?

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/49/EMO_kids.jpg http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f7/RussianRainbowGathering_4Aug2005.jpg http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Punk-with-strongbow.JPG

Prometi a vocês que não entraria na história do pensamento por si mesmo, mas buscaria alguns elementos úteis e atemporais. Eis um: na Filosofia Clássica, Sócrates disse: “Só sei que nada sei”. E sabe como ele contribui para diminuir este abismo? Por um método de perguntas e respostas, em que buscava refletir sobre o fundamento do que era dito. Se ele conseguisse provar a falsidade da resposta, buscava outros cami-

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nhos de raciocínio, até que o tema fosse esclarecido. Chama-se Maiêutica. Ela ainda é um bom método de descobrir respostas. Muitas vezes fazemos isto discutindo com nossos amigos, nem sempre chegamos ao fim, à resposta decisiva, mas isso é uma forma de exercitar o pensamento filosófico.

Vamos experimentar?

T- O ciúme é um sentimento que demonstra amor? A- Não acho. Creio que é produto da insegurança. T- Mas a insegurança é nossa? Ou é o outro que provoca? A - Talvez as duas coisas, mas creio que é melhor não demonstrar. Frequentemente complica mais do que ajuda. T- Não sei. Acho que as pessoas gostam de perceber o ciúme. A- Depende. Há quem diga que demonstra falta de confiança. T- Todos sentem ciúme?

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A- Uns mais, outros menos, mas nenhum está imune a isto. T- E como saber quando é excessivo, ou não? A- Não sei. Será que depende do parceiro?

Diante do impasse, o que fazer? Buscar conhecimento, nas diversas áreas implicadas no problema e, então, decidir como proceder.

Síntese Nesta aula apresentamos a natureza do pensamento filosófico, sua origem, percurso histórico e papel para a existência humana. Ainda a diferença entre Ciência e Filosofia; o Pensamento Crítico e a importância simbólica e cultural dos mitos.

questões para Reflexão

- Qual é o objeto da Filosofia? - Como você identifica, em sua vida, situações em que a Filosofia se aplica? - Por que o mito permanece em nossos dias? - Como você define o Pensamento Crítico?


Leituras indicadas

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- Qual a diferença entre a Ciência e a Filosofia?

GOHN, Maria da Glória M. A volta do mito e seus significados. Revista Humanidades. v. 7, nº 1, p.54 -60, Brasília, editora Universidade de Brasília, 1986.

Site Indicado www.atarde.com.br

Referências BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.

CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Atena, 1990.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995.

MAUGHAM, Somerset. O fio da navalha. Rio de Janeiro: Porto Alegre, 1965, p.74-75.

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Autora: Vera Lúcia C. Aziz Lima

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AULA 02 - Os parceiros do pensamento - I

Tendo lhe apresentado a natureza da Filosofia, entremos nas implicações do Pensamento, propriamente dito.

Não é possível analisar o processo do pensamento e o de construção do conhecimento, sem trazer alguns elementos dos quais não são dissociados. Tais operações mentais são produto do Homem, circunstanciado, quer dizer, produto de sua história pessoal e coletiva, do contexto em que se situa. Os pensamentos e atos humanos resultam de uma complexa articulação entre as Percepções provindas do ambiente, a Emoção e a Linguagem. Por exemplo:

Ao encontrar na rua casualmente, uma atriz de televisão, você pode afirmar de modo muito severo a sua feiúra, deselegância, falta de glamou. Esta decepção pode ser produto da fantasia criada pelos recursos da mídia (maquiagem, iluminação, figurino) e até, quem sabe, a idealização que a personagem vivida pela atriz suscitou no seu ________________________ imaginário. Se você conseguir identificar todos esses elementos que contaminaram ________________________ sua afirmação, talvez descubra que afinal ela não é tão feia assim, tão deselegante ________________________ assim.

Ainda que a razão seja o elemento essencial para dirigir nossa vida, ela não atua isoladamente. Podemos trabalhar, educarmo-nos para priorizá-la, mas ela está “colada” com a emoção e os sentimentos (modos de designarmos as diferentes emoções).

O medo, a raiva, a alegria e o afeto são emoções ou sentimentos que nos compõem, tanto quanto a capacidade de raciocinar. No entanto, quando a emoção nos domina, temos dificuldade de tomar decisões equilibradas. Uma pessoa enciumada, por exemplo, comete “loucuras”, sabemos até de assassinatos provenientes deste descontrole. Nosso esforço deve ser sempre o de identificar a emoção, tomar consciência dela. Às vezes, é melhor esperar que ela seja atenuada para, então, raciocinarmos e decidir como agir, com sabedoria, com acerto. nas relações que o sujeito estabelece consigo próprio, com o seu grupo, com outros grupos e sujeitos [...] a emoção orienta as condutas que se entrelaçam com a linguagem construindo uma relação harmoniosa, coordenando ações e emoções (VILLAS BOAS, 2004, p.10).

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Portanto, opor razão à emoção é uma premissa falsa, pois é a emoção que define a nossa ação. Maturana (1997, p. 15, apud VILLAS BOAS; 2004, p. 9) afirma que “todo sistema racional tem um fundamento emocional [...], a emoção não é apenas composta de sentimentos ,mas disposições corporais dinâmicas, cerebrais, que definem os domínios em que nos movemos”. E diz ainda que o racional se expressa nas coerências operacionais dos sistemas argumentativos que construímos na linguagem, (MATURANA, 1997, p. 15, apud VILLAS BOAS, 2004, p. 9). Daí a importância da prática frequente do exercício racional, do diálogo, pois através dele o outro nos sinaliza excessos, incoerências ou nos permite rever posições. Para pensar filosoficamente ou fazer Ciência, o esforço imprescindível é o da Consciência Critica, como explicamos na aula anterior, que é o produto de uma espécie de “distanciamento” que nos conduz a examinar várias perspectivas, combinar elementos e, deste modo, chegar à maior probabilidade de acerto. Dizemos que:

[...] um discurso é racional quando possui uma coerência e fluidez lógica seguindo o curso das premissas que o fundam. Portanto um sistema racional se constrói a partir de premissas aceitas a priori. Aceitar, ou não, as premissas, tem a ver com a nossa emoção; a vali-

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dade do discurso, não (MENDES GONZÁLES, 1993, p. 33 apud VILLAS BOAS, 2004, p.9).

Premissas quer dizer o ponto de partida de um raciocínio. Um conjunto de premissas sequenciadas sem contradições leva a uma conclusão lógica. Exemplo:

Ana é uma boa advogada. Ana estudou Direito na Bahia. Logo, os cursos de Direito da Bahia podem formar bons advogados.

Esta natureza de discurso implica, portanto, uma sequência de pensamento sem contradições internas, por explicitação de conceitos aceitos pelos intelectuais reconhecidos como tais.

Vamos falar de outro importante componente do pensamento: a Linguagem; já que ela é muito mais do que um instrumento de comunicação. Comecemos pela palavra. O som da palavra lápis, por exemplo, remete ao objeto que lhe corresponde, constituindo um signo. Isto se dá com todas as palavras de uma língua. Se você reparar bem, verá que o conteúdo do nosso pensamento são os signos lingüísticos, as palavras. Pensamos palavras.


Psicologicamente, uma vez abstraídas as palavras, o nosso pensamento seria apenas uma massa amorfa e indistinta. Filósofos e

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A este respeito, esclarece Saussure (1949):

lingüistas sempre concordaram em reconhecer que, sem auxílio dos signos, seríamos incapazes de distinguir duas idéias de forma clara e constante. [...]considerado em si mesmo, o pensamento é como uma nebulosa em que nada está necessariamente delimitado. Não há idéias preestabelecidas, nada é distinto antes do aparecimento da língua (SAUSSURE, 1949, p.161).

Porque é indissolúvel a relação entre a língua e a representação mental que temos da realidade, qualquer alteração no plano da linguagem repercute em nossa forma de ver o mundo. Em outras palavras, o signo linguístico é formado de duas faces inseparáveis, o significante (a imagem acústica) e o significado (conceito), exemplo: B o l a = significante B o l a = objeto natural ou fabricado, maciço ou oco, redondo em toda a volta; esfera. Vejamos o que diz Ferdinand Saussure o criador da dicotomia significante x significado: A partir de Ferdinand de Saussure, define-se o sinal lingüístico como dotado de dois componentes que são complementares e que mantêm entre si uma relação de solidariedade. Como as duas faces de uma moeda, não há um sem o outro: uma forma fônica (sonora), a imagem acústica, chamada significante. A imagem acústica não é o som em si mesmo, mas a representação que dele nos é dada (quer dizer, ao nosso cérebro) pelo nosso sentido da audição; um conceito, a forma de estruturação da realidade, chamada significado, que é cultural, i.é, depende da maneira como cada comunidade lingüística estrutura a realidade, como ocorre, por exemplo, com o significante [‘vakə]1 corresponde um significado ‘vaca’ que não é o mesmo para nós e para os indianos, que a consideram um animal sagrado.

Existe uma outra explicação para a constituição do sinal lingüístico que parece

mais esclarecedora. Trata-se da teoria de Louis Hjelmslev que define o sinal lingüístico como “uma entidade gerada pela conexão entre uma expressão e um conteúdo”2 na qual, evidentemente, expressão equivale a significante e conteúdo equivale a significado. A partir daí, porém, cessam as semelhanças, mas alguns autores utilizam essas duas expressões como formas alternativas de designar significante e significado.

A língua estabelece, como todos os códigos, uma relação entre significante

(Se) e significado (So), na qual está excluído o objeto designado, chamado referente. Isto quer dizer que a ligação entre significante e significado é arbitrária, isto é, imotivada: não há relação direta entre os sinais lingüísticos (as “palavras”) e as coisas que elas “representam”: a palavra simboliza um “pensamento” ou referência que se “refere” à coisa, ao acontecimento de que falamos. Baldinger3 representa assim essa relação (a exemplo do que fizeram Ogden e Richards e Ullmann, cujo triângulo ele considera seu ponto de partida): 1 Esta forma entre colchetes é uma transcrição fonética: ela representa o modo como pronunciamos a palavra vaca em português. Os símbolos

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utilizados pertencem a um conjunto especialmente criado com esta finalidade. 2 NÖTH, Winfried. A semiótica no século XX. São Paulo: Annablume, 1996. p. 57-58. 3 BALDINGER, Kurt. Teoria semántica: hacia uma semántica moderna. 2. ed. correg. y aum. Madrid: Alcalá,1977. p. 30.

As exceções são as palavras onomatopáicas – aquelas cujos referentes são sons da natureza, das cidades, etc. –, mas, em todas as línguas, elas são relativamente poucas.

Fonte: BRITTO, Vera Lúcia Nascimento. Propriedades essenciais das línguas naturais. In: ______. Linguística. Módulo de Licenciatura em Letras, aula 4, semestre 1. Salvador: UNIFACS EAD,2009.

Quem já conviveu com crianças sabe que, antes de falar, a criança pronuncia

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todos os sons possíveis, mesmo os que não existem na língua que vai falar, mas não é uma pronúncia articulada num sistema. Só quando relaciona o objeto à palavra que o designa, articulando os sons num conjunto de diferenças (no caso, por exemplo, de mossa e moça, em que a diferença pertinente se situa entre o fonema ó (aberto) e o fonema ô (fechado), modificando a significação) é que a criança, de fato, se apropria da linguagem e tem início sua inserção na cultura. A criança que nós fomos, do latim, creantia, “aquele que está em criação”, vivenciou um longo processo de aquisição da linguagem. A raiz do nominativo creantia é a mesma do verbo creare, “criar, formar”. É ainda mais precisa a etimologia do termo infante – do latim in fare, “o que não fala”, onde infância é o período da vida no qual o homem não domina a língua. Só então criado, formado e educado pela linguagem, o homem pode perceber – no sentido de codificar e decodificar – a realidade, ou seja, significá-la. Numa perspectiva rigorosamente materialista, podemos, com efeito, afirmar que a criança não aprende nada com o mundo, é a linguagem que lhe ensina, porque é pela linguagem que ela pensa, raciocina, toma decisões e se comunica com o seu entorno. Por isso, diz Lacan (1996, p. 46), “a ordem simbólica não pode ser concebida como constituída pelo homem; é a ordem que o constitui”. Para um macaco, a banana não existe enquanto signo, por representação mental – porém tão somente enquanto a fruta que satisfaz seu instinto de alimentação. Nesta medida, o macaco está preso à sua condição animal, não transcende a natureza. Muito mais que um meio, a linguagem, como tão bem nos mostra Merleau-Ponty


(1980), é com um ser: A fala de um amigo ao telefone transmite-nos o próprio, como se estivesse todo nesta maneira de anunciar-se e despedir-se, de principiar

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e terminar suas frases, de caminhar pelas coisas não ditas. O sentido é o movimento total da fala, eis porque o pensamento arrasta-se na linguagem. Por isso, também ele o atravessa como gesto, ultrapassa seus pontos de passagem (MERLEAU-PONTY, 1980, p.144).

Como você está vendo, há muito mais elementos no pensamento do que supunha. Veja o que diz PIAGET, importante epistemólogo: é a sociedade – mais do que o meio físico – que transforma o indivíduo, porque lhe fornece um sistema de signos já construído; em consequência, modifica seu pensamento, propõe-lhe valores, impõe-lhe uma cadeia indefinida de obrigações. Cabe aqui ressaltar que o signo linguístico é uma convenção aceita por uma comunidade lingüística. Todos os signos são arbitrários pois não há nenhuma relação de coerência e dependência entre o significante o significado, há um acordo entre os falantes. Os falantes condicionaram a intitular lápis de instrumento que serve para escrever etc. Não há uma relação de dependência entre a palavra lápis e o que ela designa, essa relação é arbitrária.

[...] a vida social transforma a inteligência mediatizada pela linguagem (signos), pelo conteúdo das permutas (valores intelectuais) e pelas regras impostas ao pensamento (normas coletivas, lógicas ou pré-lógica (PIAGET, ? apud REUTTIMANN 1974, p.20).

Na próxima aula, acrescento dois outros elementos fundamentais. Aguarde. Então, você terá muito mais subsidios para pensar com clareza, conhecer-se melhor, e ao mundo.

Síntese Nesta aula apresentamos alguns componentes do pensamento e suas implicações para a reflexão de natureza filosófica.

questões para Reflexão

-Como a Emoção interfere no pensamento?

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-Por que a linguagem nos constitui?

Leitura indicada LEGUIZAMÓN, Héctor. A linguagem In: LEGUIZAMÓN, Héctor. Atlas básico de filosofia. Tradução de Ciro Mioranza. São Paulo: Escala Educacional, 2007. p. 32, 33.

Site Indicado http://scielo.bvs-psi.org.br/scielo.php

Referências BRITTO, Vera Lúcia Nascimento. Propriedades essenciais das línguas naturais. In: ______. Linguística. Módulo de Licenciatura em Letras, aula 4, semestre 1. Salvador: UNIFACS EAD,2009.

HOMERO, Ales; BARCELOS, Valdo. Concepções de Humberto Maturana sobre ciência e filosofia - contribui-

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ções à formação de professores. Disponível em: <http://www.ufsm.br/gpforma/2senafe/pdf/016e4.pdf>. Acesso em: 07 dez. 2009.

LACAN, Jacques. Ecrits. Paris: SEUIL, 1996.

MERLEAU-PONTY, Maurice. A linguagem indireta e as vozes do silêncio. In: Textos escolhidos. Tradução de Marilena Chauí. et al. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1980.

REUTIMANN, Ana Cristina. Uma abordagem social na teoria da equilibração de Jean Piaget. Salvador: UFBA, 1974. (tese de concurso)

SAUSSURE, Ferdinand de. Cours de Linguistique géneralé. Paris: Payot, 1949.

VILLAS BOAS, Lúcia Pintor Santiso. Teoria das representações sociais e o conceito de emoção: diálogos possíveis entre Serge Moscovici e Humberto Maturana. Psicol. educ. [online]. dez. 2004, v.19 [citado 14 Dezembro 2009], p.143-166. Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1414-69752004000200008&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1414-6975>. Acesso em: 22 dez. 2009.


Autora: Vera Lúcia C. Aziz Lima

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AULA 03 - OS PARCEIROS DO PENSAMENTO - II

Após refletirmos sobre a Emoção e a Linguagem, vamos tratar agora de outro componente do pensamento, muito sutil e perigoso para o filosofar: a Ideologia. Conferindo significados, sentidos, além da interferência da emoção, a linguagem o pensamento trazem embutido um sistema de “verdades” produzido ideologicamente. O termo Ideologia é de origem francesa e foi posto em circulação pela primeira vez nos séculos XVIII e XIX por Destutt de Tracy e George Cabanis, discípulos de Condillac, o criador da escola Sensualista. Seu postulado principal é o de que as ideias devem ser consideradas em si mesmas, pois derivam das sensações e percepções. Embora o termo tenha nascido com a pretensão racionalista de uma “ciência da ideia”, para substituir a então “ciência da alma” (como era designada a Psicologia), só se tornou popular depois que Napoleão Bonaparte chamou de “ideólogos” os indivíduos que lhe dificultavam a ação política, certamente porque pensavam diferente dele. Mas ideologia não é um tipo particular de mensagem, nem um conjunto de representações, valores, doutrinas ou preconceitos apoiados na consciência dos sujeitos de uma formação social. Assim concebida, ideologia se confunde com “visão de ________________________ mundo”. Não é também, como se define eruditamente, “ilusão da consciência”. Pode-se entender Ideologia como um sistema de decisões sobre axiomas de realidade (premissa considerada evidente e verdadeira), articulado com a ordem produtiva dominante. Constitue um modo específico de pensar, de ver o mundo e de agir nele. Este conjunto de ideias, disseminado por muitos meios, é tão poderoso que você, muitas vezes, não se dá conta de que aquele posicionamento é ideológico. É sempre o ponto de vista de um grupo. Todos os grupos organizam um conjunto de ideias e as difundem para ganhar adeptos e manterem-se na posição em que desejam manter-se.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2d/Skinhead.gif

As diferentes ideologias servem a interesses sociais. Neste caso então, desde que o homem se organizou em sociedades, desde que nasceu o Estado, controlado e financiado, sempre, por grupos dominantes, difunde-se a ideologia destes grupos. Eles precisam manter-se no poder, daí, agem pela ideologia, num primeiro momento.

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Se não conseguirem impor-se, o Estado aciona a Lei. As sociedades nasceram porque os homens precisam uns dos outros para satisfazerem suas necessidades. Entretanto, a divisão do trabalho impõe-se entre os homens, fazendo com que a justiça, que aí se institui, configure-se como um instrumento coercitivo para regular a convivência social – como nem sempre as condições de trabalho são justas; como sempre houve os donos dos meios de produção e aqueles que produzem, um dos meios de evitar reações e fazer crer que as condições impostas são naturais e inevitáveis, é disseminar esta forma de pensar- ideológica. Com a fixação do homem num território e a produção de excedentes, teve início a acumulação de riquezas, o modo como a civilização se desenvolveu. Em consequência, foram necessários, inicialmente ou sempre, ainda que mais disfarçados, guardiões para assegurar o cumprimento da justiça e guerreiros para defender a ordem social. Se mesmo a Lei não conseguir dominar uma situação, O Estado age pela Violência – o que são as prisões, senão uma forma violenta de coibir?! As formas de controlar a sociedade e manter a ordem são muito inteligentes, poderosas. Os Meios de Comunicação e as Instituições são suas “agências de propaganda.” A ideologia só tem efeito pela falta de consciência crítica, pela falta de escla-

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recimento da maioria da população. Ao exprimir uma função prático-social, a ideologia produz como verdade a posição lógica, aparentemente coerente de uma classe: a classe hegemônica de uma sociedade. Mas, porque diz respeito à relação vivida dos homens com o mundo, a ideologia é essencial ao funcionamento da vida histórica das sociedades. É o que afirma Althusser (1972):

Em toda a sociedade, observa-se em conseqüência, sob formas às vezes muito paradoxais, a existência de uma atividade econômica de base, de uma organização política e de formas ideológicas. (religião, moral, filosofia etc.) (ALTHUSSER, 1972, p.192).

Todas as ações humanas comuns, situadas no espaço de representação da liberdade ou da consciência, são mediatizadas pela ideologia. O campo da intersubjetividade materializado pela linguagem é também ideológico; como é ideológica a linguagem cotidiana, comum de nós todos. Somos todos parte de um ou vários grupos, pensamos em conformidade com o nosso entorno, em geral. Atente, por exemplo, para o discurso público dos políticos profissionais. Veja como isso é antigo: Platão, falando por Sócrates, que não escreveu suas ideias porque considerava a palavra escrita muito perigosa, no livro VII da República, recorre a uma figura de linguagem, a “alegoria” que, etimologicamente, deriva de allos, outro, e agoreuein, falar na “ágora” (praça), usar uma linguagem pública. Falar alegoricamente, neste caso, significa, falar pelo uso de uma linguagem acessível a todos, remeter a outro


Ex: “Precisamos reduzir custos”, em geral, quer dizer vamos demitir muita gente.

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nível de significação: dizer uma coisa, para significar outra.

Só se pode pensar a ideologia no interior de um modo de produção. Ora, não existe lugar na sociedade onde se produza, o tempo todo, uma “consciência verdadeira” em oposição à falsa, ainda que ajude a constituir a consciência dos homens como agentes de produção. Diante de tantos elementos, o que posso? O que sei? O que sou? Eis o novo, digamos logo: o pensamento tem como raiz a problematização. Mais explicitamente, o pensamento vem sempre de fora, do impensado: trata-se sempre de uma experimentação, de um processo experimental sempre aberto: não conclui nada porque é radicalmente problemático. Depois deste curso, você nunca mais será o mesmo, pois estamos fazendo um aclaramento da consciência.

O Poder

O exame do pensamento só se realiza mediante práticas de Poder, mas não no sentido que você está imaginando. Foucault faz uma Arqueologia do poder: ela é uma reflexão sobre as ciências do homem enquanto saberes, em que não há nada que se pareça com uma história do progresso da razão. Ao contrário, é uma crítica da própria ideia de racionalidade. Embora não caiba a este estudo detalhar o trajeto1 da arqueologia tal como Foucault a concebeu e transformou no curso de suas pesquisas históricas, é pela genealogia do poder, que vai melhor se explicitar o que queremos transmitir. No início da Idade Moderna, medidas políticas, administrativas, econômicas, baseadas no modelo de exclusão da lepra, que desapareceu da Europa no fim da Idade Média, desenhou uma outra organização para as cidades. Quando o trabalho, no horizonte do pensamento clássico, deixou de ser força moral para se tornar força produtiva, no começo da modernidade, quer dizer, quando o trabalho deixou de ser visto como uma forma de dignificar o homem, mas, de produzir lucro, as populações passaram a ser reguladas e geridas por um conjunto de dispositivos. Desapareceu a análise das riquezas, apareceu a economia política. Na história do capitalismo e das ciências humanas, cuja base concreta é a disciplina (que mais adiante examinaremos), ocorre simultaneamente a constituição das ciências sociais (a economia política e seus domínios auxiliares: demografia, estatística, geografia) e outra forma de poder: a microfísica.

1 Termo francês que significa trajetória.

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Genealogia do poder:

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[...] não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder. [...] não é a atividade do sujeito de conhecimento que produziria um saber, útil ou arredio ao poder, mas o saber-poder, os processos que o atravessam e que o constituem, que determinam as formas e os campos possíveis do conhecimento (FOUCAULT, 1979, p.30).

Mas é preciso não confundir saber e ciência. É nítida, a diferença entre história arqueológica e história epistemológica. Esta se caracteriza sempre, e necessariamente, pela posição binária da verdade e do erro, do racional e do irracional, do obstáculo e da fecundidade, da pureza e da impureza, do científico e do não científico. O saber é definido como um nível específico de análise, um campo onde se aprende o que vai possibilitar a formação dos discursos2: valores do imaginário, experiência perceptiva, ideias da época, os mais distintos documentos (científicos, filosóficos, literários ou de qualquer outra natureza), dados da opinião corrente etc. Enquanto que para a Epistemologia, a verdade se reduz aos procedimentos in-

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ternos da ciência em sua atualidade, para a Arqueologia, o objetivo é descrever conceitualmente a formação dos saberes, sejam eles científicos ou não, a fim de estabelecer suas condições de existência, e não julgar se são válidos, já que a verdade se configura como uma produção histórica. Se a arqueologia não define os critérios do conhecimento verdadeiro, é porque aceitando o lugar histórico, e não específico da verdade, analisa seu modo de produção unicamente a partir das regras de aparecimento, organização e transformação dos saberes de determinada época. Na modernidade, o Trabalho, como atividade de produção, é “a fonte de todo valor”, deixando de ser signo, segundo a definição da idade clássica, para se tornar Produto. Eis, então, o capitalismo reelaborado. Até que, na segunda metade do século XIX, Marx pensou diferente e analisando o Capital, descobriu a expropriação do trabalho e elucidou a lógica interna da acumulação.

Mas em que quadro histórico vai se delinear o surgimento da disciplina como tecnologia política do corpo?

Europa, século XVIII: o capitalismo expande-se com a grande disponibilidade de mão-de-obra propiciada pela explosão demográfica. Multiplicam-se as manufaturas, aumenta a circulação de bens e serviços, é cada vez mais crescente a demanda experimentada por essa nova economia de mercado. 2 Discurso, para Foucault, não tem nenhuma analogia com peça oratória, arte retórica, nem mesmo com o que designa, em termos lógicos, operação do intelecto: deve ser entendido como prática social de um pensamento.


A produção em escala, jamais conhecida antes, não só atende às necessidades internas, como exporta o excedente para as colônias, espalhadas pelo resto do mundo, de onde – em abundância e com facilidade – chegam às matérias primas. Como o Brasil,

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As oficinas logo vão se transformar em grandes estabelecimentos industriais.

por exemplo. Para ser gerida, controlada, mais e melhor contabilizada, a implantação do capitalismo precisava se impor mediante uma estratégia sutil de dominação, porque se a exploração – a essência do capitalismo, como demonstrou Marx – fosse baseada na repressão, o capitalismo não mais existiria. O fundamento desta dominação é a Disciplina. Nesse diagrama de forças que vão se aplicar sobre os corpos, a valoração nunca poderia ser ética, mas é rigorosamente lógica, cientifica. Aplica-se tecnicamente por distribuições, recortes, equilíbrio: com esta concepção diagramática, entrará em cena a disciplina. É pelo controle do tempo e do espaço onde nos movemos que a disciplina vai, gradativamente, nos tornando dóceis e adequados, como se esclarece mais adiante - na escola, na família, na vida social. Por ser a realidade mais concreta dos indivíduos, o corpo, de onde vem a força de trabalho, passou a merecer uma atenção jamais imaginada. Até então, o saber sobre o corpo era encontrado nos exércitos, nos colégios militares e nos de orientação jesuítica, nos liceus, nas oficinas e nos hospitais. Modelo bem recuado que se transformou com o correr dos séculos: a cela dos monastérios criados na Idade Média, lugar de despojamento quase absoluto, recortando e encerrando a individualidade dos monges e noviços, favoreceria a purificação do corpo e do espírito, seu recolhimento, a prece, a ascese (exercício de controle das impressões do corpo no sentido de priorizar a atividade espiritual voltada para a reflexão teórica). Dos textos exaustivamente compulsados por Foucault sobre o exercício da disciplina, citem-se apenas dois. O primeiro, datado da segunda metade do século XVIII, mostra como o soldado tornou-se algo que se fabrica, habituando os recrutas a

[...] manter a cabeça ereta e alta; a se manter direito sem curvar as costas, a fazer avançar o ventre, a salientar o peito, e encolher o dorso; e a fim de que se habituem, essa posição lhes será dada apoiando-se contra um muro, de maneira que os calcanhares, a batata da perna, os ombros e a cintura encostem nele, assim como as costas das mãos, virando os braços para fora, sem afastá-los do corpo. [...] a marchar com passo firme, com o joelho e a perna esticados, a ponta baixa e para fora (FOUCAULT, 1983 p. 125).

O outro, que igualmente ilustra o que foi a pedagogia dos sinais, cuja resposta devia ser imediata, em vigor nas “Escolas Mútuas”, francesas, por volta de 1816, foi a seguinte orientação:

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Entrem em seus bancos. A palavra entrem, as crianças colocam com

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na para dentro do banco; às palavras em seus bancos, eles passam a

ruído a mão direita sobre a mesa e ao mesmo tempo passam a peroutra perna e se sentam diante das lousas [...] Pegar-lousas; à palavra pegar, levam a mão direita ao barbante que serve para suspender a lousa que está diante deles, e com a esquerda pegam a lousa pelo meio; à palavra lousa, eles a soltam e a colocam sobre a mesa (FOUCAULT, 1983, p. 150).

Vai agora o capitalismo utilizar o corpo ao máximo, torná-lo alvo de uma prática política, objeto de uma intervenção. Até que, depois do advento dos meios de massa e, sobretudo, com a revolução operada pelas tecnologias eletrônicas – uma delas é a televisão, essa fantástica máquina, o olho do nosso olho –, nasceu a indústria cultural. Neste modo de produção capitalista sem fronteiras, incrivelmente cínico, acumulativo e reificante, o ócio dos indivíduos é utilizado para melhor automatizá-los, de tal forma que a diversão e o lazer transformam-se em prolongamento do trabalho. Se, como força produtiva, o corpo é investido por relações de poder e de dominação, [...] sua constituição como força de trabalho, só é possível se ele está

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preso num sistema de sujeição (onde a necessidade é também um instrumento político cuidadosamente organizado, calculado e utilizado); o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso (FOUCAULT, 1983, p. 28)

Mas à custa de que vai ser obtida essa sujeição? Do poder, que, exercendo-se, microfisicamente, não é concebido como uma propriedade, mas como uma estratégia. É pela aplicação da disciplina, da vigilância e de outros mecanismos sutis, que, sem que nos demos conta, somos objeto do poder, cujo efeito é poderoso porque não é ostensivamente perceptível. Não nos parece normal e comum preenchermos fichas de matrícula? Sermos entrevistados pelo médico e contar-lhe nossa história de vida? Não são fichados também os prisioneiros? Nessa história que Foucault tirou da sombra, soa risível a afirmação de que fulano, leia-se autoridade, ou um grupo, tem a posse do poder, como se o poder fosse uma coisa. Ora, uma vez que seus efeitos de dominação obedecem a disposições, a manobras, a táticas, a técnicas e a funcionamentos, o que se estuda para desvendá-lo, é antes

[...] uma rede de relações sempre tensas, sempre em atividade, que um privilégio que se pudesse deter; que lhe seja dado como modelo antes a batalha perpétua que o contrato que se faz a uma cessão ou a conquista que se apodera de um domínio. Temos em suma que admitir que esse poder se exerce [...], que não é o “privilégio” adquirido ou conservado da classe dominante, mas o efeito de con-


reconduzido pela posição dos que são dominados. Esse poder [...] não se aplica pura e simplesmente, como uma obrigação ou uma proibição, aos que “não têm”; ele os investe, passa por eles e através

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junto de suas posições estratégicas – efeito manifestado e às vezes

deles; apóia-se neles do mesmo modo que eles, em sua luta contra esse poder, apóiam-se por sua vez nos pontos em que ele os alcança (FOUCAULT, 1983, p. 28).

Exercendo-se, o poder se configura como luta, enfrentamento, ou se ganha ou se perde, ao interpretar que o poder é um relacionamento de forças, ou antes, todo o relacionamento de forças é um relacionamento de poder.

Compreendemos em primeiro lugar, que o poder não é uma forma, por exemplo, a forma-Estado; e que o relacionamento de poder não é entre duas formas, como saber. Em segundo lugar, que a força nunca existe no singular, que lhe cabe essencialmente estar em relação com outras forças, tanto assim que toda força é já relacionamento, quer dizer, poder: a força não tem outro objeto nem outro sujeito que não seja a força (FOUCAULT, 1983, p. 99).

Para responder a pergunta “Onde se localiza o poder?”, induz-se a resposta de que o poder não é poder de Estado. Este surge, ele próprio, como um efeito de conjunto ou uma multiplicidade de engrenagens e de focos que se situam a um nível completamente diferente, e que constituem, em si mesmos, uma microfísica do poder. Não somente os sistemas privados, mas também as peças explícitas do aparelho do Estado possuem ao mesmo tempo origem, procedimentos e exercícios que o Estado sanciona, controla e até se limita a dar cobertura, embora não chegue a instituílos. Não sendo uma propriedade, não tendo uma localização, já que se difunde em todo o corpo social, e também não tendo essência, porque é operatório, o poder está longe de agir pela violência ou pela ideologia, reprimindo num momento para logo depois enganar ou fazer crer – ora polícia, ora propaganda. O que faz, então, o poder? Ele reparte, seria, compõe e normaliza pela via da disciplina, internalizada. Conjunto de procedimentos rígidos [...] esquema fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores movimentos são controlados, onde todos os acontecimentos são registrados, onde um trabalho ininterrupto de escrita liga o centro e a periferia, onde o poder é exercido sem divisão, segundo uma figura hierárquica contínua, onde cada indivíduo é constantemente localizado, examinado e distribuído entre os vivos, os doentes e os mortos [...] (FOUCAULT, 1981, p. 174).

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Em que consiste a disciplina? Primeiro, em organizar os corpos no espaço, distribuindo e arrumando os indivíduos de forma unitária, seriada, classificatória e combinatória, ou seja, a disciplina consiste no esquadrinhamento do espaço individualizado. Segundo, em controlar e administrar o tempo, através de planejamento, medição e indução da atenção concentrada e estimulação das aptidões individuais para obtenção de rapidez e eficiência. Terceiro, em instituir a vigilância, por meio da observação permanente dos indivíduos, a fim de torná-los transparentes. Veja o que diz Foucault sobre essa vigilância:

Rede de olhares e registros ao longo da hierarquia. Exames infinitos: médicos, psicológicos, escolares. Adestramento constante. Regularização e normalização. Finalmente, a transformação de todos os registros em conhecimento. Produção de saberes. Com estas quatro características articuladas, formando um sistema, um todo organizado, a disciplina faz anatomia política do corpo humano (FOUCAULT, 1983, p. 99).

Corredores, câmeras, bedéis, guaritas...Assim chegam aos dias atuais, em que a disciplina é a existência de um conjunto de técnicas e de instituições cuja tarefa é me-

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dir, controlar e corrigir e tem como objetivo produzir indivíduos politicamente dóceis e economicamente úteis.

Tem-se que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos: ele “exclui”, “reprime”, “recalca”, “censura”, “abstrai”, “mascara”, “esconde”. Na verdade o poder produz, ele produz realidade, produz campos de objetos e rituais da verdade. O indivíduo e o conhecimento. que dele se pode ter, se originam nessa produção (FOUCAULT, 1983, p. 172).

A luta contra o poder, luta para fazê-lo aparecer e feri-lo onde é mais invisível e mais insidioso, passa, portanto, pela consciência deste papel das instituições, pela destruição progressiva dos dispositivos disciplinares. Então é assim que se vive? O que fazer? Onde há brechas? Inúmeras são as perguntas, e é Foucault (1983, p. 179) quem faz mais uma: “Devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, e todos se pareçam com as prisões?”. Entretanto, como tantos locais das paisagens modernas, a escola, do curso maternal aos programas de pós-doutoramento em centros de excelência, vive a batalha surda que ela própria engendrou. Porque onde há poder, há resistência, oposição, guerrilhas, enfim, operações táticas de Contra-Poder – que, às vezes, assumem a forma da desobediência total, como o movimento de Maio de 60 em Paris.


68, quando diversas manifestações estouraram no mundo, culminando em revoluções, inclusive no Brasil. Leia mais sobre este movimento clicando aqui.

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Leia sobre o movimento estudantil, iniciado em maio de 1960 em Paris, estendendo-se até

As formas de luta variam: umas que são mais, outras menos eficazes, e há até aquelas são inócuas, mas não há receituário. Tematizar o conhecimento crítico só pode ser através da desvinculação da verdade, de suas formas de hegemonia (institucional, econômica, política etc.) no interior das quais ele funciona. Vontade de viver, ou melhor, vontade de potência: é o que Nietzsche (1982) nos propõe. “Os pensamentos são ações”, ao abrir uma perspectiva para além do bem e do mal, para além da verdade e do erro; uma perspectiva para além da moral. A isto chamou de “transvalorização de todos os valores”. Encontrando em Nietzsche uma das vertentes mais profundas da filosofia, pergunta-se: pensar sua própria história não é libertar o pensamento daquilo que “eles” pensam silenciosamente, para que você possa pensar diferentemente? Eis o nosso desafio. Aproprie-se do Pensamento para pensar diferente, para viver diferente.

________________________ ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Síntese ________________________ ________________________ Esta aula apresenta conceitos e reflexões sobre a presença permanente e insi- ________________________ diosa da ideologia e da microfísica de poder como forma de controlar e manipular o ________________________ homem desde a sua forma de pensar, para obter resultados na ação. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ QUESTÕES PARA REFLEXÃO ________________________ ________________________ - O que é ideologia? Como ela surge? ________________________ ________________________ - Qual a função da ideologia? ________________________ ________________________ ________________________ Leitura indicada ________________________ ________________________ LEGUIZAMÓN, Héctor. O poder. In: LEGUIZAMÓN, Héctor. Atlas básico de filosofia. ________________________ Tradução de Ciro Mioranza. São Paulo: Escala Educacional, 2007. ________________________ ________________________


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Site Indicado

filosofia

http://scielo.bvs-psi.org.br/scielo.php http://vsites.unb.br/cedoc/pq-invasao.htm http://www.rabisco.com.br/18paris1968.htm _

Referências ALTHUSSER, Louis. La revolution teórica de Marx. Trad. Augusto Pérez Vitóris. México: Sigla Veinteuno. 1972.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1979.

_________. As palavras e as coisas. Trad. Selma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes Editora, 1981.

_________. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Ligia M. Pode M. Vassalo. 2. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1983.

NIETZSCTHE, Friedrich. Vontade de potência. Trad. Márcio D. ferreira Santos. Porto Alegre: Editora Globo,

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1982.

REUTTIMANN, Ana Cristina. Uma abordagem social na teoria da equilibração de Jean Piaget. Salvador: UFBA, 1974. (tese de concurso)

SOUZA, Izolda Falcão de Azevedo. A construção crítica do conhecimento e a mediação do professor. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Educação. 1990.


Autora: Vera Lúcia C. Aziz Lima

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AULA 04 - ÉTICA E MORAL

Prezado aluno,

Porque somos seres grupais por natureza é relevante refletir sobre a forma como nos organizamos, tão peculiarmente, face aos outros animais. Desde que percebemos nossa fragilidade face à natureza, desenvolvemos mecanismos de proteção, formas de organização e regras de relacionamento. Sim, porque o outro que nos constitui, também nos ameaça.

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a7/Desincarceration_demibloc_avant.jpeg

Para estudarmos sobre Ética, tema dessa aula, temos que nos remeter aos gregos, como você verá mais adiante, mas convém precisar alguns conceitos, preliminarmente. A inteligência que nos faz “superiores” aos outros animais, também nos faz mais cruéis. O homem mata por razões mais fúteis que os outros animais e também comete violências de naturezas diferentes - psicológicas, por exemplo. Viver em sociedade de um modo, minimamente, harmonioso exigiu o estabelecimento de princípios e controles.

Sonia e Paulo são dois jovens irmãos que moram sozinhos no térreo de um prédio e gostam de receber amigos nos finais de semana, quando dão festas, bebem, falam alto, incomodando todos os vizinhos, que, cansados de reclamar, sem serem atendidos, levaram o caso a um Balcão de Mediação. Para chegar a um consenso, o condomínio foi orientado a convencionar regras, delimitando horário para o término de festas, com a aquiescência de todos, inclusive de Sônia e Paulo.

A Ética é este conjunto de princípios que organiza a sociedade para uma vida em comum, seja tão harmoniosa, quanto possível. Porque estabelece os princípios, ela também analisa o comportamento humano face a estas regras - a moral é ação, escolha nítida. A ética é abstrata - aquela que especifica o que é recomendável, aceito, considerado bom ou mau, num determinado contexto. O estatuto da ética é teórico,

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visto que regula as escolhas desejáveis que os homens fazem, em situações concretas - as escolhas morais. Para que você conheça a origem destes temas em nossa sociedade, baseamonos na publicação, “A Ética”, uma coletânea de textos e vídeo de pensadores como Marilena Chauí, José Américo Pessanha e Renato Janine Ribeiro, entre os melhores dos cursos de Filosofia no Brasil, apresentamos a origem ocidental da Ética, sua circunstancialidade e seu papel social. Como referido no DVD1 de título: “Ética”, a preocupação dos gregos com a questão humana os fez comparar o homem e suas paixões (ódio, amor, vingança) com um barco à deriva no meio de uma tempestade. Oscilando ao sabor dos ventos e das fúrias das águas, o barco perde o rumo, como ocorre quando se está dominado pelas paixões. E só há um caminho, como afirma Chaui: a educação do temperamento pela razão, para um povo que vivia do mar, é a metáfora mais compreensível e perfeita.

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Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e6/Henri_Rousseau_-_The_Boat_in_the_Storm.jpg www.sxc.hu/ID670958

A ética surge do trabalho da razão por uma estética da existência, para viver de modo belo. Todas as instituições, como a Família, a Educação, as Leis, disseminam a ética, por suas organizações e dos meios de comunicação. E, às vezes, a ética passa a ter caráter quase atemporal e universal, como a disseminada por Cristo, presente nas várias religiões. Antonio Cândido lembra a relatividade disto, pois cada sistema ético serve a uma determinada sociedade, num momento específico.

1 Constam nesta obra as inferências sobre ética feitas pelos autores: Marilena Chauí; Gerard Borheim; José Wisnik; Miguel Nelson Brissac; José Américo Pessanha; Antonio Cândido; Renato Janine Ribeiro e Alfredo Bosi.


primeiros efeitos, não será amplamente benfazeja, amanhã [...] Todas as ideias sobre as quais a sociedade repousa, foram subversivas, antes de serem tutelares (ANATOLE FRANCE, apud CÂNDIDO, s.d.).

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É impossível determinar se uma doutrina que hoje é funesta nos seus

Fonte: www.sxc.hu/ ID1154343/ ID1182879

Pessanha diz que as diferentes éticas são caminhos de um artesanato, um modo particular de fazer escolhas, em nome da beleza da existência. Em sua origem, o mundo grego tomava como referência a beleza do universo. Propõe então que o homem se transforme em cosmius, para refletir, em sua realidade pessoal, sobre a harmonia e a beleza do cosmos. Segundo os gregos, o universo parece revelar uma circularidade, uma serenidade, que o homem deveria tomar como referência para si mesmo. Essa é a busca da aretê, palavra grega que significa virtude, no plano pessoal e para a Polis, ou a cidade, de onde deriva a palavra política. Nesta época, o arístoi, ou os bons e belos, eram os bens nascidos. Era uma ética aristocrática. Estes não precisavam buscá-la, pois já a tinham, já que era inata, precisavam apenas manifestar. E o espaço de vida humana é a sua moira, ou a sua navegação. Só que essa navegação precisa ter um rumo. Esse rumo é fornecido pela Ética, é a técnica da navegação. Em Platão também se vê a metáfora da navegação. A polis é uma grande nau que precisa ser bem administrada. Aí cada um deve ter um condutor que evita que o leme se desloque. Transgredindo uma ética elitista, Hesíodo, em sua obra, “Os Trabalhos e os Dias” – dizia que a aretê vem de um esforço, do trabalho do homem sobre si mesmo. Essa obra de arte no campo da conduta humana pode ser feita no plano da política? A resposta magnífica e ainda atual vem com Epicuro - no Século III a.C. A grandeza, a virtude está em se autodeterminar, apesar do sofrimento, das vicissitudes. Nessa época não existiam mais as cidades autônomas, a Grécia tinha sido conquistada pela Macedônia e os gregos obedeciam a Felipe e depois a Alexandre. O homem pode

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viver e morrer sereno, através do autoexame de si mesmo, da independência interior, dos desvios das fatalidades políticas, externas. Ou vida política, ou serenidade e felicidade, pois há uma grande distância entre o campo da vida pessoal e o campo da vida política. O campo político é o campo do antagonismo. A procura da felicidade retira o homem da vida pública e o recolhe ao “jardim”, através da filia, da amizade, entre os amigos. Todos irmanados pelo amor à sabedoria (filosofia), dá-se a aproximação entre o homem e a felicidade. A filia é alimentada pelo “amor ao conhecimento”. Se na democracia Ateniense a cidadania era limitada a poucos, aos cidadãos, para Epicuro, já em outro momento político, qualquer homem pode ter acesso à serenidade, ao prazer, à felicidade. Daí a sua atualidade. A razão dá cobertura à compreensão do mundo e ao homem. É necessário que o homem seja capaz de recusar a ordem instituída neste mundo, para que ele escolha, seja autônomo. É preciso a possibilidade do desvio, do clinamem. A liberdade está ai apresentada como condição de felicidade. Os gregos tinham muito clara a sua dimensão temporal, por isso, o tempo todo, se denominavam “mortais”. A diferença entre os deuses e os homens estaria na imortalidade dos primeiros. Os deuses são deuses porque são imortais, escapam da vicissitude da morte.

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Os gregos e os romanos distinguiram com muita clareza a autoridade pública e a autoridade privada. Quando domina a ética Romana, a figura da autoridade privada passa a ser a do pater, senhor supremo entre a vida e a morte de todos os membros da família - e era chamado de déspota (despotes). Por isso sua autoridade na família era chamada despótica. Aí acaba a política, no sentido de grego de público. Na Idade Média, o cristianismo cria um problema para a política. Se para antigos era no espaço público que a ética melhor se realizava, no cristianismo, o espaço público é recusado em nome do “chefe” da família. Deus é pai, o senhor. Os cristãos são sua família. Os fieis são sua família. Cria-se figura do pastor e do rebanho. Como isso vai se constituir como um espaço público? Na Idade Média, vai se instalar o espaço teológico-político, na esfera do privado. Lembre-se de que, na Idade Moderna, cada homem havia se tornado a medida das coisas, árbitro de si mesmo, e que os princípios universalizantes não eram mais aceitos. A política moderna se define como um espaço leigo, sem Deus, pois toda religião é maniqueísta (separa o bem, do mal). Como estabelecer a democracia moderna, que se funda na igualdade de direitos, se todos os valores tornaram-se relativos, enquanto as igrejas estabeleciam condutas generalizadas para seus adeptos, incluindo restrições sobre as quais todos agora podiam posicionar-se particularmente? Descartes, um dos maiores filósofos do início da modernidade, elabora a ética cujo princípio central é o do livre arbítrio que domina a liberdade de escolha, que passa a ser subjetiva, individual. Nesta perspectiva como se organiza a sociedade se a


Essa escolha pessoal sobre os princípios éticos é a Moral. Sou moral, imoral ou

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minha liberdade termina onde começa a do outro?

amoral em relação a esses princípios éticos. Imoral quando os violo e Amoral quando os ignoro. Um importante pensador da questão da possibilidade humana quanto às escolhas morais é Schopenhauer (séc. XIX), cuja posição expressa em sua obra:

O Mundo como Vontade e Representação. Sua pergunta crucial é: E não é porventura uma contradição perfeitamente palpável, o dizer que a vontade é livre e ao mesmo tempo prescrever-lhe leis segundo as quais deve querer? (SCHOPENHAUER, 1941, p.17)

No pensamento de Schopenhauer, falar de livre escolha, ou livre arbítrio humano nas escolhas morais é tratar o homem como um ser originariamente pensante, quando, de fato, os elementos anteriores do pensamento são de natureza instintiva e perceptiva. Só somos pensantes, num segundo momento. Primeiro sentimos, depois tomamos consciência do que sentimos e então... pensamos. Neste caso, a vontade vem antes do pensamento, e, portanto, da possibilidade de escolhas que se baseiem na razão, na inteligência, no juízo fundado no conhecimento. Será que nossa vontade reconhece o que é considerado eticamente bom, num primeiro momento? Para Schopenhauer (1941), não. O caráter se constituiu depois, quando a vontade se une à inteligência. Se a vontade é nosso primeiro guia, primeiro vem o prazer, a conveniência. O caráter se constrói pelo conhecimento e pela educação. Schopenhauer (1941) argumenta que o conhecimento é modificável, não só ele muda ao longo da vida, como há os que tenham acesso a ele em maior ou menor dose. Sim, a virtude pode ser aprendida e este trabalho de educação da vontade pode alterar a ação, mas não elimina a força da vontade sobre nosso comportamento. Ainda segundo Schopenhauer, ao invés de dizermos que o homem quer o que conhece, seria mais acertado dizer que ele conhece, o que quer (ou pode, talvez). Isto significa dizer que é a vontade quem guia o homem, num primeiro plano. Uma conduta egoísta e outra solidária, não são determinadas apenas pela posse da riqueza e da livre escolha sobre a forma de fazer uso dela. A forma egoísta ou solidária depende das experiências e da reflexão que o homem fez de sua disponibilidade. Uma pessoa pode pensar apenas em si mesma, se não tiver a vontade aperfeiçoada; outra, que tem mais desenvolvido o olhar para o ‘outro’, certamente será mais generosa. Só podemos entender e compartir a dor, quando a conhecemos. Isto exemplifica que viver é tirar proveito da experiência, pensando também no outro, é fundamen-

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tal para a escolha, a escuta e a compreensão que teremos. Há quem só seja generoso porque espera receber a recompensa após a morte. Neste caso, ele não acolhe o outro genuinamente, mas porque acredita estar fazendo “um bom negócio”. Dependemos então do conhecimento, da inteligência, e da abstração que controla e educa a vontade, para chegarmos a sermos bons de fato. Nós podemos escolher entre o prazer passageiro e aquele duradouro. Podemos adiar o imediato em nome de coisa mais importante, maior, mais significativa. Isso é produto da reflexão. O animal não consegue fazer isso e nossa natureza, primitivamente, animal, também não nos permitiria isso, se não tivéssemos desenvolvido a razão. No entanto, sob efeitos de profundas dores físicas, morais e intelectuais, esse domínio é extremamente difícil. O homem pode delatar amigos sob tortura, matar sob forte mágoa, ofensa à sua vaidade ou amor próprio e pagar duramente por atos que resultem desta expressão. Nestes momentos nossa inteligência desaba e a vontade primária domina. Schopenhauer (1941) chama a atenção ainda, que a escolha moral só vale se for concreta, se expressar-se em ação. É fácil dizer o que é certo ou errado. Agir é outra coisa, requer muito mais decisão e coragem. Por que sabemos de sua dificuldade, é ato moral mais admirável.

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A ÉTICA NA DEMOCRACIA MODERNA

Nesta forma de organização política temos uma esfera pública, portanto política, e outra privada, em que a ética está presente. Se a política vai operar pela ética, preservando a liberdade, a justiça, etc., ela está na raiz da política. Reúnem-se então, na política e na ética, os mesmos fundamentos. No entanto, como o homem moderno vai viver coletivamente, se a moral coincide com a subjetividade? Se cada um está em sua casa, fechada por muros, que protege sua propriedade e seu mundo particular? Como o Estado se constitui como esfera pública, tendo como função regulamentar a sociedade (esfera do privado)? Nessa medida, como será o espaço do público, se os elementos da vida privada estão presentes nele? Ex: propriedade, competição, produção das mercadorias, acumulação do capital. Só na Democracia, a ética é compatível com a política, porque esta é o campo da criação dos direitos e a ética é o campo da afirmação dos direitos. No entanto, se assistimos a todo o momento, em plena Democracia, a violência, a corrupção, a desigualdade, o que estará acontecendo com as escolhas morais dos membros da sociedade? No jornal “O Estado de São Paulo” de 03 de janeiro de 2010 (caderno Cultura, p. D5) foi publicada uma matéria com título “A Humanidade que se perdeu” que dá o que


massacrados, melhor: são exterminados sem remorso, mais ou menos assimilados aos animais...seres humanos são mortos como porcos, mesmo pelos civilizados americanos. Mas aquilo que o jornalista vê como o retorno da barbárie ancestral é, na verdade,

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pensar. O tema é a guerra do Iraque: “ ...quanto mais longínquos e estrangeiros forem

sinal da mais pura modernidade, quando não há lei moral nem conexões sociais, quando “tudo é permitido”, no dizer de Ivan Karamázov.” E continua”...Voltara-se ao estado selvagem. Já não havia leis, já não havia tribunais, nada Absolutamente nada. Agora raptavam crianças, matavam-nas e jogavam os corpos nas ruas. As gangues de seqüestradores compravam e vendiam gente.”

Há três critérios pela qual a ética e a política se relacionam:

1- Na ética, não há violência, pois tratar o homem como tal é tratá-lo eticamente. Se a política deve respeitar isso, tem-se uma política ética. 2- Embora a ética se dê no campo privado, nenhuma autoridade é legítima, se for despótica. Neste caso, a política que vai ajudar a ética, afastando o despotismo, contra a forma arbitrária de autoridade. 3- Redefine-se a ideia de sociedade. A liberdade deve ser o poder de criar, de inven-

________________________ ________________________ ________________________ ________________________ É preciso refletir com cautela e fundamentação sobre tudo isto. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Síntese ________________________ Nesta aula apresentamos o conceito de ética, a história de seu surgimento; a ________________________ diferença entre ética e moral e as questões do público e do privado na Democracia ________________________ ________________________ Moderna. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ questão para Reflexão ________________________ ________________________ - Qual a dimensão e importância das escolhas morais? ________________________ ________________________ - Identifique no texto a relação entre Política e Ética, destacando os critérios dessa ________________________ relação. ________________________ - Como você analisa a ética na Democracia? ________________________ ________________________ ________________________ tar.


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Leituras indicadas

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JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: a formação do Homem grego. São Paulo: Martins Fontes/Editora da Universidade de Brasília, 1989. SCHLING, Bernhard. O leitor. Rio de Janeiro: Record, 2009.

Site Indicado http://scielo.bvs-psi.org.br/scielo.php

Referências CULTURAMARCAS. DVD- série: Ética - a arte do viver a culpa dos reis. Cultura Marcas. Realização 2 Filmes e Fundação Padre Anchieta.

GUTERMAN, Marcos. A humanidade que se perdeu. Disponível em: < http://m.estadao.com.br/noticias/ impresso,a-humanidade-que-se-perdeu,489816.htm>. Acesso em: 12 jan. 2010.

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NOVAES, Adauto (org.). Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

SCHOPENHAUER, Artur. O mundo como vontade e representação. São Paulo: Biblioteca de Autores Célebre - Edições e Publicações Brasil,1941.


o Mundo - contribuições da Filosofia Ocidental

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AULA 05 - As Diversas Formas de Olhar

Autora: Vera Lúcia C. Aziz Lima Olá,

Já tendo informado que a civilização ocidental tem como origem e berço o pensamento grego e falado sobre o que caracterizou o pensamento na Idade Média, faço um recorte no tempo e, nesta aula, apresento apenas algumas importantes correntes filosóficas do ocidente, a partir da Modernidade. Neste período histórico, como já afirmamos em aula anterior, retoma-se o pensamento grego, o antropocentrismo, com outra leitura, em outra circunstância histórica. Estamos no Renascimento, no qual prevalece o abandono do pensamento religioso, o avanço da ciência e as várias formas de Humanismo. Esses movimentos prepararam o surgimento do Iluminismo e do Idealismo, movimentos que têm relação com a ascensão da burguesia, como veremos a seguir. No primeiro momento da modernidade, século XVII, destaca-se a contribuição concomitante de duas linhas de pensamento: o Racionalismo e o Empirismo. O que ambas tinham em comum era o fenomenismo (o conhecimento só é pos- ________________________ sível pela imagem do objeto, pela forma como se apresentam ao sujeito que busca ________________________ conhecer) e o subjetivismo (o conhecimento sofre a interferência das impressões parti- ________________________ culares do sujeito que conhece). ________________________

O por do sol não é o mesmo para todos que o vêm. Não gosto de chegar à janela, neste horário. Ele me deixa triste, melancólica. Corro e acendo todas as luzes, para que a noite chegue depressa e acabe a minha agonia. Clara, no entanto, o adora e cansa de convidarme para assisti-lo no Porto da Barra.

Eis como funciona o Subjetivismo.

Eu e Clara estamos na sala de visitas da casa de Vera. Se pedir a Clara que descreva o sofá à sua frente, ela o fará apresentando seus três lugares e as almofadas coloridas sobre ele. Eu, no entanto, estou ao lado do sofá e o descreveria falando do que se apresenta deste sofá, para mim - seu braço anguloso e estofado de verde, e dois pés de madeira circulares.

Eis um modo bem simples de explicar o Fenomenismo.

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Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/fe/Escher_Cube.png

Deste modo, o homem não conhece mais as próprias coisas diretamente, mas obtém acesso às formas de conhecimento sobre elas, às impressões subjetivas que estas coisas exercem sobre ele. Se para o racionalismo era preciso então empregar o intelecto, para o empirismo era preciso considerar os sentidos. O Racionalismo valoriza o método físico-matemático, enquanto o Empirismo emprega o método indutivoexperimental. Entre os principais representantes do Racionalismo referimos: Descartes, Spino-

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za e Leibniz, e do Empirismo: Bacon, Hobbes, Locke, Berkeley e Hume. Para todos eles, era preciso obter meios de evitar o erro, produzir reflexões confiáveis e, para tanto, era necessário um método.

Quais seriam os caminhos para a obtenção de certezas?

O Racionalismo

Para o Racionalismo Cartesiano, o conhecimento nasce da intuição, entendida como consciência. Desta dependem a análise, a síntese e a enumeração, passos necessários para a obtenção da certeza. O racionalismo desqualifica o conhecimento meramente sensível aquele que pretende restringir-se ao simples uso da razão e aquele proveniente da tradição. Não seriam confiáveis ou rigorosos, o bastante. Descartes buscou incessantemente um caminho, até que, ao analisar a dúvida, percebeu sua primeira certeza - a de que tenho certeza do pensamento, pois sem ele não poderia duvidar, ou seja, só pelo exercício do pensamento, a consciência duvida. Surge, a partir daí, o seu método: a Dúvida Metódica. Em suas Meditações, Descartes constrói três argumentos básicos “sobre o que pode ser objeto de dúvida”:


mas certezas imediatas, por exemplo: a de que ele, naquele momento, está sentado, escrevendo junto à lareira.

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1) Os sentidos ou, faculdades cognitivas, são enganosos. Só podemos ter algu-

2) O segundo argumento é o de que o sonho se confunde com a realidade: estou sentado junto à lareira ou isto foi um sonho? Ou ilusão? Marcondes (1997), afirma que este é um problema crucial para a filosofia cartesiana. 3) Não há, no mundo, possibilidade de certezas imediatas. A única certeza é a de que penso - cogito (MARCONDES, 1997, p. 167)

Eis abaixo, as regras do método concebido por Descartes como o mais seguro:

Primeira regra ou regra da evidência: só devo acolher como verdadeiro o que se apresenta de forma tão clara, que eu não tenha como duvidar. A segunda regra ou regra da divisão: em presença de dificuldades no conhecimento, devo dividi-las em tantas partes quantas forem necessárias, para obter clareza e assim solucionar o problema. A terceira regra ou regra da ordem: devo conduzir meus pensamentos por ordem, começando pelos mais simples, até chegar aos mais complexos. A quarta regra ou a regra da enumeração: consiste em proceder tantas revisões quantas fossem necessárias, para ter certeza de que todos os elementos foram considerados.

Exemplo: Beber água de coco é saudável.

Repare como no exemplo, aplico o método: a afirmação anterior exige uma ressalva para a completa aceitação. Se o coco não estiver podre, parece aceitável que seja saudável. Por quê? Porque, em geral, as frutas fazem bem à saúde. No entanto, a algumas pessoas, pode causar reações químicas. Neste caso, só posso aplicar a primeira regra se souber que nunca se soube de qualquer pessoa que tivesse mostrado reação negativa à água de coco. Mas alguém pode dizer: “Até agora, não”. Mas, adiante, podese saber de alguém a quem a água de coco não faça bem. Novamente, para aceitar a premissa, seria necessário que conhecimentos químicos e médicos afirmassem a impossibilidade de reações negativas. Estão vendo que Descartes não estava brincando? Questionei a aceitação total, dividi a proposição em partes que me permitissem analisar a afirmação; conduzi meu raciocínio aos poucos, pelo mais simples e revisei para verificar que considerei todos os aspectos necessários à análise.

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Empirismo

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Os Empiristas diziam que, antes da razão, vem a experiência. “Não há nada em nosso intelecto que não tenha passado pelos órgãos dos sentidos”, já afirmou Aristóteles, no período clássico. A Psicologia confirmou isto depois. Afirma-se que as sensações como cores, sabores, sons, formas, provocam em nós a percepção da realidade. Esta experiência (a percepção) pode conduzir à razão, ao conhecimento verdadeiro. Vejamos como Marilena Chauí explica isto:

[...] antes da experiência, dizem eles, nossa razão é como uma “folha em branco”, onde nada foi escrito; uma tabula rasa onde nada foi gravado. Somos como uma cera sem forma e sem nada impresso nela, até que a experiência venha escrever na folha, gravar na tabula, dar forma à cera. A razão é uma maneira de conhecer e a adquirimos no decorrer de nossa vida (CHAUI, 1995, p. 71).

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Um de seus principais representantes, Bacon, desenvolve a teoria dos ídolos, criticando a superstição que domina o homem em sua religiosidade. Para este pensador, o homem está sujeito às perturbações do ambiente em que se situa, às questões de sua própria história e à mercê dos outros homens, o que pode desviá-lo. Só assumindo a postura da criança diante do mundo, poderia alcançar o verdadeiro saber. Para Bacon, saber é poder. Outro representante desta corrente filosófica, o inglês Locke, afirma que a mente é uma tabula rasa, “na qual a experiência deixa as suas marcas”. Deste modo, distingue duas fontes para as ideias: a sensação e a percepção; “a sensação é o resultado da modificação feita na mente através dos sentidos. A reflexão é a percepção que a alma tem daquilo que nela ocorre” (ARANHA, MARTINS, 1986, p.170 apud MARCONDES, 1997, p.180). O mais radical dos empiristas, Hume, acredita que nossas ideias se originam das experiências sensíveis e é por meio da percepção que validamos as ideias que fazemos dos objetos. Quanto mais próximas, mais válidas serão. No entanto, como as ideias são particulares, subjetivas, não podem, deste modo, fundar uma ciência. Além disso, para este filósofo, não há critérios para certezas, já que as impressões não são constantes e nossas ideias resultam apenas da regularidade com que observamos os fenômenos. Tudo é apenas “provável” (MARCONDES, 1997, p.184).


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Iluminismo

Este movimento surgiu na França do Séc. XVII e defendia o domínio da razão sobre a visão teocêntrica medieval. Marcou um momento decisivo para declínio da Igreja e o crescimento do secularismo posterior, servindo de inspiração para o liberalismo político e para a reforma humanística do mundo Ocidental no século XIX. Seus intelectuais acreditavam que o homem deveria ser a preocupação central e que deveriam buscar resposta para suas questões na razão, podendo, deste modo, alcançar a felicidade social e política. O auge do Iluminismo aconteceu no século XVIII, considerado o “Século das Luzes”. Os filósofos iluministas acreditavam que o homem era naturalmente bom, mas corrompia-se pela sociedade e que, por isso, se fizesse parte de uma sociedade justa, com direitos iguais para todos, alcançaria a felicidade. Que linda utopia! Como seria maravilhoso se pudesse realizar-se plenamente. Esta sociedade mais justa excluía as imposições religiosas, as práticas mercantilistas e os privilégios do clero e da nobreza.

Severino (1997) comenta que o iluminismo não tem uma identidade conceitual clara, enquanto Rouanet (1998, p. 32-33) afirma que o novo Iluminismo proclama sua crença no pluralismo e na tolerância, e combate todos os fanatismos. Revive a crença no progresso, mas o dissocia de toda a filosofia da história. E Rouanet (1998) diz, ainda, que o progresso não se dá de modo linear e automático, pois é contingente, probabilístico e dependente da ação consciente do homem. O único progresso realmente relevante é o que contribui de fato para o bem estar de todos e só pode ser intencional, pois os automatismos do crescimento econômico não bastam para assegurá-lo e não pode depender, nem de decisões empresariais isoladas, nem das decisões burocráticas de um Estado centralizador. O iluminismo mantém sua fé na ciência, mas sabe que ela precisa ser controlada socialmente e que a pesquisa precisa obedecer a fins e a valores estabelecidos por consenso, para que ela não se converta numa força cega a serviço da guerra e da dominação.

Idealismo

A razão subjetiva é o pressuposto básico do Idealismo. Seus princípios e modos de conhecer devem ser válidos para todos os homens, em qualquer tempo e lugar. Segundo Chaui (1995, p. 69), para esta corrente filosófica, a realidade “é apenas o que podemos conhecer por meio de nossas ideias, de nossa razão”.

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Para ajudá-lo a entender, leia o texto abaixo:

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Um amigo me diz: “Ontem, Vera foi almoçar comigo. Estava linda de vestido vermelho”. Se não conheço Vera, nunca a vi, o que ele me diz não tem nenhuma significação, pois não remete a nada no meu pensamento, na minha memória. Vera não existe para mim, e muito menos a afirmação de sua beleza no vestido vermelho. Se a conhecesse, sua imagem, seu modo de ser, sua beleza, estaria impressos no meu pensamento. Então poderia responder: “Deve ter sido um divertido almoço. Ela é muito alegre e deve ter ficado muito bem de vermelho”.

Meu pensamento se articula, faz associações, recorre à memória, quando as coisas estão armazenadas, assimiladas, na minha estrutura mental, caso contrário, não há operação cognitiva possível. O problema do idealismo, neste caso, é o radicalismo, pois posso experimentar sensações, antes de nomeá-las e pensar sobre elas. Tudo o que existe para o homem, dá-se no plano de sua consciência. No plano ético, supõe-se, o caráter fundamental dos ideais de conduta, como guias da ação humana. O idealismo marca um período de transição do pensamento filosófico, porque provoca a discussão do eu pensante.

________________________ Veja no texto a seguir, na análise de Morente (2006, s.d.), como se deu essa tran________________________ sição. ________________________ ________________________ ________________________ ________________________ Trânsito do eu, às coisas ________________________ ________________________ [...] De maneira que o problema, para a filosofia moderna, é tremen________________________ do, porque agora a filosofia não tem mais solução senão tirar as ________________________ coisas do “eu”. ________________________ ________________________ Vamos supor que consiga sair da prisão do eu e chegar à realidade ________________________ das coisas. No entanto esta será sempre, uma realidade derivada. ________________________ De modo que, eis uma série de condições que o idealismo nos im________________________ põe e que são extraordinariamente difíceis, porque agora a filosofia, ________________________ por necessidade histórica, volta as costas à propensão natural e nos ________________________ convida a realizar um exercício acrobático de extrema dificuldade, que consiste em pensar as coisas como derivadas do eu. ________________________ ________________________ ________________________ Eis onde chegamos com a nova tese do idealismo e como resolve________________________ ram seus princípios:como compreenderemos o mundo a partir apenas do pensamento? (MORENTE, 2006, s.d.) ________________________ ________________________ ________________________ A esse problema fundamental do idealismo moderno, as soluções ________________________ podem agrupar-se em dois grandes grupos:


alma humana, suas leis internas, por introspecção e ver como ela opera o pensamento, para deles extrair a crença no mundo exterior.

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- o grupo das soluções psicológicas, que consiste em investigar a

- o grupo de soluções lógicas. Este tenta fundar a objetividade do real e das coisas, por leis do pensar mesmo, do pensar racional, lógico. Esta solução logicista ou epistemologista — teoria do conhecimento — encontrá-la-emos desenvolvida especialmente na Alemanha.

Nesta perspectiva, a análise do comportamento humano pode recorrer às contrubuições da Psicologia sobre o fenômeno da introspecção, das formas como olhamos para nós mesmos; ou limita-se ao emprego radical da racionalidade, da lógica e da ciência.

Existencialismo

Pensamento contemporâneo, também é considerado uma espécie de antro- ________________________ pologia filosófica, pois, para esta linha de pensamento, as questões lógicas e episte- ________________________ mológicas da Filosofia são secundárias. Kierkegaard é quem primeiro lança este pen- ________________________ samento, depois é seguido de Heidegger, Sartre, Gabriel Marcel, Camus, Jaspers, entre ________________________ outros expoentes. A afirmação básica do existencialismo é que “a existência precede a essência” - isto é, a condição inicial do homem é o estar-no-mundo (dasein). A existência é a possibilidade que, determinando-se, adquire-se uma essência. Este pensamento considera o homem extremamente frágil diante de seus condicionantes naturais, sociais, culturais e históricos. Lendo “O fio da Navalha” de Somerset Maugham, encontrei nesta deliciosa obra literária, uma bela maneira de explicar-lhe isto:

[...] é difícil a gente compreender bem as criaturas e não creio que possamos conhecer ninguém a fundo, a não ser os nossos próprios compatriotas. Pois os homens não são somente eles; são também a região onde nasceram, a fazenda ou apartamento da cidade onde aprenderam a andar, os brinquedos que brincaram em criança, as lendas que ouviram dos mais velhos, a comida de que se alimentaram, as escolas que freqüentaram, os esportes em que se exercitaram, os poetas que leram e o Deus em que acreditaram. Todas estas coisas fizeram dele o que são, e essas coisas, ninguém pode conhecêlas por ouvir dizer, e sim se as tiver sentido (MAUGHAM,1965, p.3).

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O homem é aquilo que ele faz ou consegue fazer de sua própria vida. Só depois é que se define. Não há essência anterior que lhe assegure nada. Primeiro é preciso cuidar de existir. A liberdade, neste caso, é uma categoria central. É a vontade livre, o único recurso para o desamparo na escolha dos valores que nos conduzirão. Limitados e lançados no mundo, o existir humano é então um grande esforço contra os obstáculos - condenado a ser livre, ou a ser responsável por suas próprias escolhas. Se existir é escolher, existir é sofrer angústia. Nesta condição, é imensa a responsabilidade humana na condução de seu destino. No plano ético, Sartre, citado por Nogare, assim se posiciona:

[...] não há um de nossos atos sequer que, ao criar o homem que desejamos ser, não crie ao mesmo tempo, uma imagem do homem como julgamos que deve ser. Escolher ser isto ou aquilo é afirmar ao mesmo tempo o valor do que escolhemos, porque nunca podemos escolher o mal; o que escolhemos é sempre o bem, e nada pode ser bom para nós, sem que o seja para todos (SARTE ?, apud NOGARE, 1972, p. 156).

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E você, ao fazer escolhas, costuma refletir sobre as consequências destas para o seu entorno?

Síntese Esta aula apresenta as principais correntes da filosofia ocidental a partr da modernidade - SEC. XVII, detacando o racionalismo cartesiano, o empirismo como movimentos preparatórios ao iluminismo, idealismo e existencialismo.

questões para Reflexão 1- Você utiliza a palavra razão no seu cotidiano, em que sentido?

2 - Aplique o método cartesiano, a esta afirmação: “tomar sorvete, estando gripado, faz mal para a garganta”

Leitura indicada MAUGHAM, Somerset. O Fio da navalha,Porto Alegre. Rio de Janeiro: Globo, 1986.


BRÉHIER, Émile. História de la filosofia. Tomo 2º. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1962.

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Referências

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995.

MARCONDES, Danilo. Introdução à história da filosofia. São Paulo. Zahar.2005.

MARDJAROF, Rosana. A filosofia de Descartes. Disponível em: http://www.mundodosfilosofos.com.br/ descartes.htm. Acesso em: 22 dez. 2009.

MAUGHAM, Somerset. O fio da navalha. Rio de Janeiro: Globo, 1986.

MORENTE, Manuel Garcia. Trânsito do eu às coisas. In: MORENTE, Manuel Garcia. Lições de Filosofia. 2006. Disponível em: < http://www.consciencia.org/paradigmasmanoelito.shtml>. Acesso em: 6 jan. 2010.

NOGARE, Dalle. Humanismos e anti-humanismos em conflito. São Paulo: Herder, 1972.

PADOVANE, Humberto; CASTAGNOLA, Luis. História da filosofia. 7. ed. São Paulo: Melhoramentos,1967.

ROUNANET, Sérgio Paulo. As razões do iluminismo. São Paulo: Cia das Letras, 1998.

SEVERINO, Antonio Joaquim. A filosofia contemporânea no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1997.

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o Mundo: contribuições do Pensamento Africano

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AULA 06 - As Diversas Formas de Olhar

Autora: Vera Lúcia C. Aziz Lima Prezado(a) aluno,

A compreensão do mundo, que hoje se comunica em todas as suas pluralidades geográficas e culturais exige o acesso à informação e, mais do que nunca a análise do contexto que configura a realidade tal como se apresenta. Nessa nossa sexta aula estudaremos sobre as contribuições do pensamento africano. A África apareceu aos olhos do mundo, como fornecedora de ouro, quando a Europa estava na Idade Média. A descoberta de qualquer sinal civilizatório era visto como prova da passagem dos brancos nas regiões. Só recentemente, por causa das lutas político-econômicas e civilizatórias do povo africano, tocamos a compreensão de sua cultura. O que mantivemos até então era a visão ocidental do que restou da tentativa de sua destruição. Tudo que se segue é produto disto. Em 1890, a Rodésia foi dominada pelos ingleses, depois batizada de Zimbábue, que é o maior império antigo conhecido. Zimbábue quer dizer “grande casa de pedras”, ________________________ que constituía uma corte cercada por uma colossal muralha de 7m de altura. Os africa- ________________________ nos de Zimbábue possuíam gado e negociavam com marfim e ouro. Seu primeiro elo ________________________ com o continente europeu deu-se pelo comércio com os Suarribi, na costa oriental. ________________________ Nesta região, os ingleses fizeram a pilhagem de toda a fortuna encontrada ________________________

(ouro e artefatos), um vandalismo histórico que quase destruiu a possibilidade dos es- ________________________ tudos antropológicos. No séc. XIV, o reino de Zimbábue era uma próspera metrópole, ________________________ tão grande como a Londres da época, com 18.000 habitantes. É a cultura urbana mais ________________________ antiga da África. Os Suarribis viviam do mar, e por isso tinham o controle sobre o comércio da região. Eram 3.000 quilômetros de costa que lotaram de riqueza a Europa. Este amplo contato com outras civilizações produziu uma sociedade cosmopolita, influenciada tanto pelas tradições árabes como pelas indianas. Os Suarribis adotaram o Islamismo há mais de mil anos atrás, o que facilitou o comércio com os árabes e evitava que fossem vendidos como escravos. Hoje esta região da África tem a economia destruída, sobrevivendo basicamente do turismo, sendo extremamente rica em parques temáticos. A África é um continente que, até o sucesso do movimento de libertação, liderado por Nelson Mandela, foi inteiramente dominado pelo imperialismo internacional - Inglaterra, França, Alemanha, Espanha, Holanda, Itália, Portugal. E cada um desses países, dominou uma região. Os ingleses dominaram a colônia do Cabo, após a dominação do Egito em 1914; os Holandeses o Transvaal e o estado livre de Orange; A França, mais ou menos em 1885, dominou a Tunísia, o interior do Saara, Bacias do Niger e do Congo, Somália a Madagascar; a Alemanha teve 2 milhões de Km² na África Sudoeste, África Oriental,

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Togo e Camarões. A Costa Oriental foi inteiramente repartida entre 1880 e 1890: ao longo do Mar Vermelho, espalharam-se os franceses, ingleses e italianos; mais ao Sul, na Tanganica e Quênia, os alemães e ingleses; em Moçambique e Angola, os portugueses.

O movimento de Independência Sul Africano foi concomitante ao da independência dos Estados Unidos antigas colônias européias da América Latina. Culminou com a deposição dos funcionários da Cia. Holandesa das Índias Orientais, em 1795. Poucos meses depois, a África foi dominada pela Inglaterra. Este país encorajou a imigração e, decorrente dela, entraram milhares de ingleses na África. Os Boers, sul africanos, apesar de serem descendentes de holandeses, desde 1833, não mais se misturaram a eles. Com o rápido crescimento da população, expansão territorial para o norte, descoberta de ouro e diamantes perto do rio Orange, em 1867, houve poderoso ímpeto à expansão econômica na região. Em 1902, os Boers foram vencidos e o desenvolvimento cultural da África do Sul acompanhou os padrões estabelecidos para os filhos dos ingleses, no entanto, mantêm genuínas sua música e literatura. Liberto do jugo do Colonialismo europeu, o continente Africano é perpassado por questões socioeconômicas de extrema gravidade. Sua população, composta de grupos étnicos diferenciados, ainda luta por condições mínimas de sobrevivência, espaço político e reco-

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nhecimento. Deste modo, seus intelectuais ocupam-se predominante com essas lutas, dominando, portanto, a reflexão ideológica e étnica. Suas lutas têm como base as seguintes posições: panafricanismo e negritude.

PANAFRICANISMO Propõe a união de todos os povos como forma de potencializar a voz do Continente Africano no contexto internacional. É um movimento político, filosófico e social em defesa dos direitos do povo africano, tanto na África como em diáspora (situações de dispersão e fuga consequência de preconceitos e perseguições políticas). Atribui-se ao mesmo, o surgimento da Organização da Unidade Africana, movimento que, antes da libertação, propunha a unidade política de toda a África, reagrupamento de etnias, valorização de cultos aos ancestrais, ampliação do uso das línguas e dialetos africanos, antes, proibidos pelos europeus. O termo ‘”panafricanismo” é de origem grega - pan (toda) e de africanismo, referente a elementos africanos. É inserido na corrente filosófico-política historicista do século XIX sobre o destino dos povos.

Em meados do século XX o Pan-africanismo foi apresentado como a doutrina política defendida pela irmandade africana, libertação do continente africano de seus colonizadores e o estabelecimen-


sob um governo africano. Alguns teóricos, como George Padmore, acrescentaram que, a partir da Segunda Guerra Mundial, o governo panafricano deveria ser gerido segundo as premissas do socialismo

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to de um Estado que buscasse a unificação de todo o continente

científico. Outros teóricos postularam o caminho do rastafarianismo político, que defende um governo imperial. wikipedia.org/wik/ pan-africanismo

Entre os movimentos que originaram o Pan-africanismo, destaca-se o “Movimento de volta para a África”, sentimento de fraternidade racial liderado por Paul Cuffe, que promoveu uma experiência de repatriamento, malograda pelo alto custo do envio de tantas pessoas à África. Após esta experiência, surgiram os movimentos abolicionistas que se dividiam em duas tendências:

uma que defendia o repatriamento dos africanos; outra, que defendia a permanência dos africanos nas Américas determinando que eles fossem capazes de uma subsistência independente.

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A segunda tendência foi a que prevaleceu, apesar de acreditarem na impossibi- ________________________ lidade de convivência entre povos brancos e negros, e de suporem que seriam explo- ________________________ rados pelo “sistema do homem branco” enquanto não tivessem sua própria pátria.

NEGRITUDE

Trata-se de um posicionamento de valorização da cultura negra em países africanos ou com populações afro-descendentes que foram vítimas da opressão colonialista. Originalmente, está entre seus objetivos reivindicar a identidade negra, perante a cultura francesa dominante e opressora e exaltar os valores culturais do povo negro. O autor dessa designação foi Aimé Cèsare quando publicou um periódico, editado em 1935 com título: O Estudante Negro. Em sua origem, este conceito correspondia à necessidade de se reafirmarem, diante da possibilidade de sofrerem qualquer despersonalização, por supressão de suas características. A base ideológica desse movimento impulsionou o movimento independentista na África e coincidiu com o lançamento da revista Présence Africaine (1947) lançada em Dakar e Paris, o que reuniu diversos jovens intelectuais africanos de diversas partes do mundo. A estes, juntaram-se intelectuais franceses como Jean Paul Sartre, que analisou com ênfase a terminologia Negritude, definindo-a como a negação da negação

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do homem negro. Ou seja, um racismo antirracista, cuja tarefa seria tomar consciência de sua raça. Observa-se que esta expressão - raça - não é mais empregada na atualidade. Todos os homens, seja qual for a etnia ou a cor da pele, são da raça humana e diferem na cultura e seus componentes. Contrapondo-se à posição de Sartre, o líder político e intelectual do Senegal, Léopold Sedar Senghor, propôs aos africanos, apropriarem-se do universo, não pela razão, como os europeus, mas pelas emoções; encontramos em Mance, texto que se refere a sua proposta: “Senghor foi um dos maiores divulgadores da negritude, que se consolidava como um movimento cultural de resgate/construção da identidade negra, buscando desvelar a alma negra cuja característica essencial seria a emoção: “A emoção é negra, assim como a razão é helênica” (MANCE, 1995, p. 3). A expressão Helênica, aí empregada por Senghor, quer dizer, grega, ocidental. Neste ensejo, ressalto a distorção que a ideologia produz no pensamento do autor, como forma de fixação da aprendizagem da aula - Os Parceiros do Pensamento II. Acaso o homem branco não se emociona? O homem negro não usa a razão? Ambos os atributos não compõem a natureza humana? Na direção acima mencionada, encontramos em artigo de Euclides André Mance publicado em “As Filosofias Africanas e a Temática da Libertação” o seguinte:

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A emotividade é o elemento constitutivo do negro. A partir dela, Senghor constrói uma metafísica, trata de religião e demais elementos da cultura negro–africana que têm por características peculiares a imagem e o ritmo (MANCE, 2001, p. 3).

. Ainda no texto de Mance, outra referência sobre a atitude do negro frente ao mundo e frente ao outro: Em si, o negro é um campo de impressão, que através da sensibilidade descobre o outro. ‘Eu penso logo existo’ dizia Descartes. O negro africano poderia dizer: ‘Eu sinto o outro, Eu danço, logo sou’ (MANCE, 2001, p. 4).

Posteriormente, outros escritores negros e mestiços: Aimé Césaire,Wole Soyink, ,Stanislas Adotev, Frantz Fanon, Amilcar Cabral, destacaram-se como principais pensadores africanos, na defesa de questões como alienação, consciência do colonizado, identidade histórica, autenticidade e libertação do povo negro. Três eventos provocaram profundas transformações que ainda não foram superadas totalmente pelo povo africano: o Colonialismo, a Escravidão o e o Apartheid. Tais circunstâncias, segundo Mbembe (2001, p. 4-5), “impediram o desenvolvimento do povo africano e a consolidação de sua identidade político social”.


a perda da familiaridade consigo mesmo; o eu africano, torna-se alienado de si;

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Segundo o autor, as consequências foram:

a ausência de bens, expropriação material; a isso se deve a sujeição ao outro; a degradação histórica; que aprisionou o homem africano na humilhação, no desenraizamento, no sofrimento.

Concluímos que o que restou ao povo africano foi legitimar-se pela ênfase no imaginário cultural e no pertencimento à raça negra, coisas que ninguém lhes poderia tirar. Dado este posicionamento, o exercício do pensamento, então, passou a ocupar-se de dois aspectos:

1 – O exame das condições necessárias para a emergência de uma verdadeira filosofia africana.

Vejamos o que diz sobre isso, Achille Mbembe,

Para os primeiros pensadores africanos modernos, a libertação da situação de servidão era equivalente, acima de tudo, à conquista do poder formal. A questão filosófica e moral fundamental – ou seja, como renegociar um laço social corrompido por relações comerciais (a venda de seres humanos), pela violência das guerras sem fim e pelas catastróficas consequências do modo pelo qual o poder era exercido – era considerada secundária (MBEMBE, 2001, p. 12).

Em outro momento da análise:

Não há como negar o fato de que uma distinta filosofia africana emergiu a partir da interseção das práticas religiosas africanas com a interrogação sobre a tragédia humana. Em sua maioria, este questionamento foi governado por narrativas sobre a perda. A mediação africana entre a soberania divina e as histórias do povo africano não resultou em uma reflexão filosófico-teológica suficientemente sistematizada para situar o infortúnio humano e o erro em uma perspectiva teórica singular (MBEMBE, 2001, p. 35).

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2 – A insistência sobre as transformações culturais e no sentido mais amplo, sobre as questões políticas.

Os temas tratados neste período versavam sobre:

o caráter e a finalidade da Filosofia como elemento de libertação (Filosofia da Libertação); a questão do mimetismo (imitação) da cultura colonizada; a relação entre o EU e o OUTRO, fora dos parâmetros da racionalidade européia; a dialética da identidade; a diversidade cultural e humanismo; a filosofia e subdesenvolvimento; a religião; a responsabilidade do filósofo em meio a seu contexto histórico.

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Tais questões são discutidas pela Filosofia da Libertação, surgida na América Latina, entre 1960 e 1970, em defesa dos direitos dos povos que ainda não alcançaram a condição de sujeitos libertos e autônomos (entre estes o povo africano). Esta “luta” salienta que é responsabilidade dos filósofos recuperar o sentido humano soterrado sob a negação da liberdade, sob a vivência inautêntica dos códigos de uma cultura dominante, sob a tragédia cotidiana da pobreza e da miséria dos excluídos. Na atualidade, como produto da difusão do pensamento de estudiosos da história e da cultura africana, verificam-se outras posições. Sobre estas, o doutor em Filosofia, Severino Ngoenha, esteve em Salvador/BA e, em 04/09/2008, concedeu ao Jornalista André Luis Santana, diretor do Instituto Mídia Louca, a seguinte entrevista intitulada: ‘A metamorfose das cidadanias africanas- diálogo entre a AFRICA construída e idealizada pelos afrodescendentes e a AFRICA dos africanos.

Severino Elias Ngoenha nasceu em 1962, em Maputo. É bacharel em Teologia, Doutor em Filosofia e dá aulas na Universidade Lousanne, na Suíça. Como um africano, professor de filosofia, Ngoenha foge à regra difundida pelo colonialismo e reforçada pelo líder político e intelectual do Senegal, Leopold Sedar Senghor, para quem “a razão é helênica e a emoção é africana”. Contrariando a tese, Ngoenha diz que não sabe tocar instrumento, nem dançar, mas pensa e faz pensar, com o poder das palavras que emite e das reflexões que provoca. Com uma visão analítica da trajetória de luta dos países africanos, o professor denuncia o colonialismo e o neocolonialismo, cujas consequências são sentidas ainda hoje, através da pobreza e da fragilidade de alguns governos e relativiza as contribuições dos afrodescendentes espalhados na Diáspora, destacando nomes como Booker T.


Frantz Fanon. Contudo não deixa de apontar as responsabilidades do próprio continente negro diante do seu destino:

61 filosofia

Washington, Marcus Garvey, William E. B. Du Bois, Aimé Césaire e

“Precisamos efetivar o Pan-africanismo através do comércio deidéias” i”

O professor moçambicano Severino Ngoenha esteve em Salvador, na última semana, como convidado do Programa Fábrica de Idéias CEAO / UFBA, e proporcionou um importante encontro entre estudiosos da história e cultura africana com os elementos que provocaram as “Metamorfoses da(s) Cidadania(s) Africana(s)”. Foi o diálogo entre a África construída e idealizada pelos afrodescendentes e a África dos africanos, como ele faz questão de distinguir.

A África precisa rever dois importantes contratos. O contrato político que permitirá o Reino da Palavra, o diálogo de portas fechadas entre seus países. Afinal enquanto abrirmos para o mundo nossos problemas, estaremos permitindo a intromissão internacional em nossas questões. O outro contrato é o cultural, para exigirmos que a cultura e a tradição africana não sejam elementos folclóricos, sejam respeitados e interfiram em áreas de poder da razão como a Escola e o Direito.

André Luís Santana - Uma das principais bandeiras do movimento negro brasileiro tem sido a valorização da contribuição africana para o mundo e, principalmente, para a civilização brasileira. Na opinião do Senhor, quais os motivos que os brasileiros têm para se orgulhar de serem descendentes da África?

Severino Ngoenha - É um grande paradoxo. Como se orgulhar de ser descendente de um povo com problemas enormes como os enfrentados pelos países africanos? Há décadas atrás tínhamos um forte sentimento de união e orgulho na luta pela independência. Hoje, com todos os países independentes, ainda estamos numa fase de estruturação, com sérias dificuldades na democracia de algumas nações, um forte fluxo de migração para Europa, doenças, fome e pobreza, todas sérias consequências do colonialismo e do neocolonialismo. Independência exige responsabilidade. Contudo, quando nos perguntam sobre as qualidades de nossa mãe, teremos tanto a dizer, da forma como ela nos trata, da comida que prepara, do carinho e de como batalhou para nos criar, que chegaremos à conclusão de que temos a melhor mãe do mundo. Pois é esse orgulho de filho que os brasileiros precisam ter pela África. Orgulho por uma mãe que ama seus filhos do amor mais profundo ... da mãe que gerou seu filho e faz tudo para ver seu filho bem. Como mãe, a África deu tudo que podia aos seus filhos. Os brasileiros devem ter orgulho dessa mãe e negar tudo que se diz de negativo sobre o continente...

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falar das contribuições africanas ao mundo. Pois a situação atual é

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de todos os filhos. Dos que estão lá e de toda a Diáspora. Cada evo-

uma passagem difícil. Uma construção que precisa da contribuição lução da África deve servir de orgulho para o Brasil e vice-versa.

André Luís Santana – Nesta construção coletiva, de que forma a Academia pode contribuir na redução dos problemas no continente africano?

Ngoenha – Destaco a iniciativa do CEAO de oferecer um curso que tem a África como perspectiva. [O Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia possui uma Pós-Graduação, com mestrado e doutorado em duas linhas de pesquisa: Estudos Étnicos e Estudos Africanos]. Um curso que recebe estudantes africanos e traz professores africanos para um intercâmbio, para aproximar nosso povos, nossos problemas. Houve uma época em que o Panafricanismo proporcionou o encontro de africanos em diversas partes. Independente do lugar, eles se conectavam, se ajudavam. O líder Marcus Garvey chegou a comprar dois grandes navios para possibilitar o encontro entre africanos e afrodescendentes. É preciso reatar esses laços. Juntos, seremos mais fortes. Precisamos observar que nesta globalização, há microglobalizações. Os judeus mantêm laços de solidariedade pelo mundo, há também os francófanos e ou-

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tros povos. Hoje precisamos efetivar o Pan-africanismo através do comércio de idéias, do fluxo de pensamento.

André Luís Santana – Nesses dias em Salvador, o que o Senhor observou de traços mais fortes entre os baianos e os africanos?

Ngoenha – Eu vi isso muito forte na fisionomia das pessoas, nos pratos da cozinha baiana, nas danças. É surpreendente como estamos perto. Andando pela Ilha de Itaparica, eu tive a impressão de está muito perto, pisando as areias africanas. Isso leva a duas constatações: primeiro que a colonização lusófona foi a mais longa. Assim como o Brasil nas Américas, Angola, Moçambique e outras ex-colônias portuguesas na África foram as últimas a conquistarem a independência. As ex-colônias portuguesas foram as únicas que precisaram fazer uma luta armada para conquistar a independência. Isso dificulta a saída da pobreza. Aqui há a racialização da pobreza. A pobreza tem cor, é negra. O trabalho de valorização aqui deve ser ainda mais forte. Acredito que aqui na Bahia seja o único lugar no mundo que não precisamos ter vergonha de sermos africanos. Porque aqui os negros não fogem da negritude. Os negros aqui no Brasil querem respeito, querem autonomia, querem ser valorizados... sem perder a condição de serem negros. Daí a importância das ações afirmativas. A minha esperança é de que se foi no Halley, no início do século XX, que começou a luta dos descendentes da África, será daqui que encontraremos a saída. org.br/onl/new.php?sec=news&id=3607

Fonte http://www.irohin.


corro, mais uma vez, ao artigo sobre a Identidade Africana de Achilles Mbembe, que esclarece:

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Como fecho deste conjunto de informações sobre o pensamento africano, re-

Nas narrativas africanas dominantes sobre o self, é a raça que torna possível fundamentar não apenas a diferença em geral, mas também a própria idéia de nação, já que se consideram os determinantes raciais como a base moral para a solidariedade política. Na história do ser africano, a raça é o sujeito moral e ao mesmo tempo um fato imanente da consciência. Os alicerces fundamentais da antropologia novecentista, ou seja, o preconceito evolucionista e a crença na idéia de progresso, permanecem intactos; a racialização da nação (negra) e a nacionalização da raça (negra) caminham lado a lado. Seja na negritude ou nas diferentes versões do pan-africanismo, a revolta não é contra o pertencimento africano a uma outra raça, mas contra o preconceito que designa a esta raça um status inferior (MBEMBE, 2001).

Dessa forma encerramos esta aula, que nos trouxe ricas informações sobre o pensamento africano: elementos que possibilitam um novo olhar sobre sua história, e que despertam o desejo de mudar de atitude. Pense nisso.

Síntese Esta aula apresentou alguns dados sobre o contexto africano, os movimentos africanos e ou afrodescendentes que buscam construir ou recuperar uma identidade própria e mostrou as posições dos pensadores mais importantes sobre tais questões.

questões para Reflexão 1- Em que posição você se coloca diante da afirmação: “A razão é helênica e a emoção é africana”, considerando o pensamento de Senghor e o que diz o Dr. Severino Ngoenha? 2- Que conceito se deve dar, atualmente, ao termo “raça”?

Leituras indicadas MANCE, Euclides André. As filosofias africanas e a temática da libertação. Curitiba: Instituto de Filosofia da Libertação, 1995. Disponível em: < http://www.scribd.com/ doc/8739088/As-Filosofias-Africanas-e-a-Tematica-de-Libertacao>. Acesso em: 5 jan. 2010.

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MBEMBE, Achille. Formas africanas de autoinscrição. Estudos Afroasiáticos, v. 23, n. 1, Rio de Janeiro, p. 171-209, 2001. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/eaa/ v23n1/a07v23n1.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2010. http://www.irohin.org.br/onl/new.php?sec=news&id=3607

Sites indicados http://www.irohin.org.br/onl/new.php?sec=news&id=3607 http://www.scribd.com http://www.scielo.br

REFERÊNCIAS MANCE, Euclides André. As filosofias africanas e a temática da libertação. Curitiba: Instituto de Filosofia da Libertação, 1995. Disponível em: < http://www.scribd.com/doc/8739088/As-Filosofias-Africanas-e-aTematica-de-Libertacao>. Acesso em: 5 jan. 2010.

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MBEMBE, Achille. Formas africanas de autoinscrição. Estudos Afroasiáticos, v. 23, n. 1, Rio de Janeiro, p. 171-209, 2001. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/eaa/v23n1/a07v23n1.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2010.

http://www.irohin.org.br/onl/new.php?sec=news&id=3607


PORâNEAS

Autora: Vera Lúcia C. Aziz Lima

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AULA 07 - QUESTÕES FILOSÓFICAS CONTEM-

Se filosofar é problematizar a realidade, buscar respostas, a pergunta mais freqüente da contemporaneidade é: “O que queremos e o que podemos fazer para viver mais e melhor?”. Neste caso, é a propalada “qualidade de vida” que mobiliza e vem provocando a atividade do Pensamento. Ainda que muitas das antigas questões permaneçam sem resposta, e as buscas não dispensem todo o saber produzido até hoje, o homem contemporâneo quer respostas aplicáveis imediatamente e de modo urgente. São muitas as questões que permeiam nosso tempo, provocando o espanto necessário para não cessar a busca de respostas. Entre estas, elegemos quatro temas muito veiculados e que devem ser revistos à luz de reflexão mais aprofundada nesta nossa última aula: crise moral; moda e gênero; consumismo; e banalização do corpo.

A Crise Moral

Entre os pensadores da atualidade, André Comte Sponville vem retomando antigos temas, sob reflexão contextualizada nos nossos dias. Entre os conceitos de Bem e Mal, Sponville (2006, p. 27) ressalta que se a Ética prescreve como se deve viver, a Moral pergunta: “o que devo escolher?” Você deve estar se perguntando: “Por que voltar a um tema já discutido anteriormente?”. E é este espanto que queremos provocar. Neste mundo em que vivemos, com tanta tecnologia “de ponta” para as coisas mais simples, Sponville (2006), traz, de fato, um apelo cotidiano que, mais do que nunca, nos acompanha em todos os espaços de convivência: O que devo escolher: moral ou ética?

Para nos engajar, ou nos defender, esta é a pergunta cotidiana de todos nós. O dado assustador é que parece crescer, ao mesmo tempo, o número de pessoas que não se faz esta pergunta. Os escândalos, locais ou não, vêm nos acompanhando com frequência cada vez maior e, de tão frequentes, parecem não ter mais importância. Neste sentido, Sponville (2006) ressalta que, embora a Ética e a Moral sejam coisas diferentes, não existem separadamente.

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É preciso uma ética para viver com os seus desejos e se aproximar se

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veres e se aproximar se possível da virtude (SPONVILLE, 2006, p. 46).

possível, da felicidade; é preciso uma moral para viver com seus de-

Sempre houve corrupção, crueldade, vontade obsessiva de poder e de conquistar posições de relevo. Isso já provocou, além de mágoas eternas, assassinatos, prejuízos coletivos, entre outras consequências. Se não podemos tratar isso como um assunto novo, digamos que, na contemporaneidade, há mais transparência, uma vez que ficamos sabendo, ou, verificamos em nós mesmos. Somos humanos, portanto, temos muitas falhas. E, constatar que os representantes que escolhemos ao invés de lutar por nossos direitos estão tirando proveito pessoal ou de grupos, acaba com a Democracia. Se constatarmos que nosso melhor amigo está prestes a usar qualquer estratégia para ocupar o lugar a que temos direito, acabamos com qualquer possibilidade de confiança pessoal. Será que estamos vivendo a exacerbação do individualismo? Um período que “devemos nos dar bem, a qualquer preço”?

Leia a reportagem veiculada pelo jornal “O Estado de S. Paulo”:

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O excitante amor ao diferente

A filha, ao mesmo tempo que se despede da mãe que está indo para a missa, pedindo que lhe trouxesse um doce quando voltar, fala ao telefone com o namorado, passando as coordenadas dos movimentos da mãe, para que o assalto planejado pelo bando desse namorado seja feito com a melhor precisão. De uma só vez essa menina, de cara angelical e voz infantilizada, consegue romper dois dos principais tabus sociais: mãe e religião. Com mãe e Deus não se brinca, ditava a cartilha de qualquer meliante. Quando os “intocáveis” do laço social começam a desmoronar, com justa razão há um alerta geral, e essa pequena notícia veiculada nessa semana fica incomodando tal qual uma espinha, ao lado de tragédias bem mais retumbantes. A menina é loira, estudante de direito, filha de professora universitária e de procurador de Justiça. O menino é moreno, office-boy, procurado pela Justiça. Silêncio: cuidado com pensamentos politicamente incorretos sobre essa união. Que ninguém venha falar que o menino é o lobo mau dessa doce chapeuzinho. Nem a mãe nem o pai da menina nada devem ter dito, dada a convivência íntima por dois anos, em sua casa. Tem muito pai e mãe que não falam mais nada para seus filhos, hoje em dia, amordaçados pela patrulha do politicamente correto. Se disserem alguma coisa, estarão discriminando. Mas não haveria uma forma de se falar, sem ser condenado por sua opinião? Vejamos.


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Quando pessoas convivem por muito tempo, de duas, uma: ou elas têm muita coisa a repartir - interesses, valores culturais e éticos -, ou elas, sendo muito diferentes, tentam anular a diferença que as afasta, hipertrofiando os prazeres básicos sexuais e anulando qualquer outro sistema de laço social que as distancie. Logo, o desastre não é decorrente do fato de um ser supostamente melhor que o outro, mas de que, quanto mais distantes forem, mais primária, no sentido de menos elaborada, será a relação, necessariamente. O duro, a se acrescentar, é que o amor entre os diferentes é muitas vezes mais excitante do que a modorrice dos semelhantes. Será que os pais poderiam explicar isso a seus filhos e, especialmente, a si próprios? E mais, nem sempre o que é explicado tem que ser entendido. Pais não devem temer o mal-entendido; não há um bom pai, ou boa mãe - seja o que for que entendamos por isso - que já não tenha ouvido “eu não gosto de você” de um filho. Logo, pais, não recuem quando não concordarem, quando não aceitarem. Nessa sociedade que perdeu os parâmetros há que se tomar cuidado em se pensar que finalmente somos todos iguais. Não, ao contrário, o que fica evidente é que somos todos diferentes, o que exige muito mais responsabilidade em qualquer relação. Se não for assim, estão abertas as portas à esculhambação generalizada: ao estupro de menores, ao furto de velhinhas, ao roubo de mães. Não houve quem não associasse esse incidente carioca com o assassinato de um casal em São Paulo, com a participação da filha igualmente estudante de direito. (Nada de conclusões precipitadas sobre as estudantes de direito...) Será que a família vai desaparecer, como pensam alguns? Será que a família é uma relação como outra qualquer? Contrariando o bom-senso, que sempre pensa mal, a tendência da globalização é de sublinhar um novo valor da família, que não é desmentido pelo grande aumento dos divórcios, se entendermos a lógica. A família será o centro da responsabilidade ética - disse ética, e não moral - da sociedade. Família, grosso modo, é do que nos queixamos com mais veemência e paixão. É o grupo do qual mais se espera o reconhecimento que nunca chega e a compreensão impossível de sua dor. É na insatisfação da família que cada um lapida o que lhe falta, a saber, o seu desejo, pois não há desejo sem falta. Luc Ferry, em livro recente, Famílias, Amo Vocês - Política e Vida Privada na Era da Globalização, defende a ideia de que depois da era na qual os humanos se guiavam pela transcendência divina, substituída pela transcendência da razão no Iluminismo, alcança-se, na globalização, a “transcendência da imanência”. Vale uma explicação: ao contrário do que se pode imaginar, os tempos atuais de forte individualismo não caminham para o isolacionismo, mas para a rede social. E é na rede social, no confronto com o parceiro, que cada pessoa tem a ocasião de perceber o que Freud chamou de “o estranho”, “Das Unheimlich”. Quando nos encontramos com alguém, mais claro fica que alguma coisa de mim falta ao encontro, exatamente essa coisa estranha, essa transcendência da imanência, essa falha na minha intimidade, esse “êxtimo”, como o nomeou Lacan. Pois bem, depois do divino e da razão, é essa intimidade estranha que servirá de guia ético para o novo tempo. Sua estranheza exigirá de cada um duas coisas: invenção e responsabilidade. Inventar um sentido para o que não tem, para o estranho, e se responsabilizar pela sua publicação no mundo. Se ontem as famílias estavam a serviço da República, mandando seus filhos para a guerra, por exemplo, hoje, a República deverá servir às famílias. É o remédio contra o que nos repugna: uma filha ficar de campana para a mãe ser assaltada.

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Jorge Forbes Psicanalista, preside o Instituto da Psicanálise Lacaniana - Ipla e dirige a Clínica de Psicanálise do Centro do Genoma Humano - USP

Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,o-excitante-amor-ao-diferente,497030,0.htm

Este tema trata de uma questão pungente, de escolha moral, que compromete nossa vida, individual e coletivamente. Onde estão as referências éticas? Claro que elas permanecem, por isso nos escandalizamos, mas onde está a escolha moral? Verifique em sua própria postura ou nas informações que obtém sobre o universo que o cerca e, certamente, encontrará algo que talvez exija uma atitude refletida ou um posicionamento moral, cuja referência está na ética. Certamente encontrará.

Moda e Gênero

O papel da Filosofia é refletir sobre a realidade e contribuir para o aperfeiçoamento dos movimentos histórico-sociais que determinam mudanças culturais.

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Ainda que a indústria da moda venha sendo um relevante segmento econômico, no caso brasileiro evidenciando talentos e ocupando lugar exponencial no cenário internacional, devemos considerar o papel dominante, algumas vezes obsessivo, que “estar na moda” vem assumindo para as sociedades contemporâneas, variando apenas em intensidade, a depender da camada social e seu poder aquisitivo. Este fenômeno passou a ser mecanismo de representação individual, tornando-se, assim, indispensável para muitas pessoas e mais importante ainda para significações grupais. Historicamente, as décadas de 1960 e 1970, por questões políticas e de avanço das tecnologias da comunicação, passaram a nos dar acesso a informações sobre todo o mundo. Isto trouxe transformações nos costumes e na sociedade, culminando em muitas manifestações sociais. Só para mencionar alguns dos mais importantes, citamos o movimento feminista e o movimento hippie. Como estamos falando de moda e gênero, a figura da mulher se evidencia, porque foi nesse período que a luta pela igualdade de direitos se intensificou e as mulheres destacaram-se por atuações em diversas áreas, tais como, a liberação sexual, a emancipação econômica, etc. A partir do momento que a mulher busca a igualdade de direitos, tendo o homem como parâmetro para suas reivindicações, instaura-se a discussão sobre gênero, também presente no universo da moda. Na medida em que se ampliaram as exigências de liberdade e de igualdade, a divisão dos sexos se apresentou sob novos traços. Os homens e as mulheres passaram a ser, gradativamente, reconhecidos como donos de seus estilos. Isso não coloca em pauta o risco da permutas de papéis. Os elementos que compõem determinados pa-


modo de falar, e muitos outros fatores que não se limitam pelo gênero ou sexo. São inúmeros os aspectos que podem ser abordados neste tema, e entre eles

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péis exercidos na sociedade, consagrados pela cultura, incluem vestimentas, gestos,

os que estão marcando especialmente nossa geração. Sabemos que eventos como a globalização e o crescente avanço das Tecnologias virtuais, alteram, a todo momento, o cenário contemporâneo. Surgem novas imagens e novos conceitos que influenciam diretamente o modo de pensar e de agir. Quando me refiro a diretamente, digo em tempo real. Após o advento da liberdade sexual, a moda trouxe para as vitrines o que antes ficava nos bastidores, e até para dentro de nossas casas, através desse espetacular veículo de modismos, que é a TV. Estou me referindo, aos fetiches – objetos animados ou inanimados aos quais se atribui poder e se presta culto. No caso da moda, mudam de função, em nome da sensualidade. É assim, que a bota, que foi criada para uma finalidade – a montaria - vira objeto de sedução e poder. Hoje é usada por mulheres de mini-saia, extremamente “sensualizadas”. Os espartilhos - usados na moda antiga como artifício para modelagem do corpo - hoje está fetichizado. Você sabia que os “Punks”, com as suas pulseiras pontiagudas e suas roupas negras, influenciaram a moda com a ideia de que ser agressivo é ser sensual? Recentemente vi na TV um desfile de moda de uma famosa grife. Os vestidos eram lindos! Eram modelos deslumbrantes que deixam de queixo caído qualquer um. E os sapatos?! Eles especialmente são a minha mania, e isto provoca o desejo, quase incontrolável, de ir correndo comprar um igual. Pois bem, eis uma situação que me motiva a desejar comprar, se não puder da mesma marca, algo bem parecido. Este exemplo traz a problemática daqueles que se tornaram Vítimas da Moda. A relação das pessoas com os estereótipos da moda reflete seus aspectos psicológicos, pois produz a possibilidade de diferentes interpretações das novas tendências, que podem ser de rebeldia, adequação ou reflexão. Muitas vezes, por imprudência completa, quantos já não fizeram dívidas que não podiam pagar? Outro problema para os “escravos da moda” é que ela é fugaz. Nem bem se lança uma tendência, já outra se delineia, não dando tempo ao esgotamento do produto anterior adquirido. E, novamente, vamos comprar logo antes que “caia de moda”. Naturalmente desejamos usar acessórios, maquiagem, entre outros itens, concernentes ao nosso tempo, tão bonito quanto possível (segundo nosso padrão), mas nossa escolha precisa considerar o estilo pessoal, a configuração de nosso corpo, a ocasião adequada, a necessidade real e o “nosso bolso”. Algumas pessoas dotadas de muita personalidade às vezes até lançam moda, trazendo algo inusitado, que passa a ser considerado interessante. Eis o tema da liberdade pessoal em pauta e da escolha serena, prudente, sensata, que é fruto da reflexão crítica. Nesta natureza de pensamento reside a possibilidade de direcionamento existencial, atitude consequente, para que não sejamos manipulados.

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Claro que queremos ser aprovados socialmente e usar coisas lindas, mas, a que “preço”? Basta aparecer na novela ou no Fashion Week para que todas as lojas vendam sem parar. A indústria da moda lucrou, o comerciante lucrou, e você? Conseguiu equilíbrio para “fazer o jogo” e ficar contente? Espero que sim. Se não, pense, analise, antes de agir. Um fenômeno interessante da contemporaneidade, paralelo às conquistas sociais de direitos, quebra de tabus e preconceitos, profundamente vinculado à moda, é a mútua influência dos gêneros. Houve épocas em que a moda masculina influenciou a feminina no seu conceito de funcionalidade, como por exemplo, a de Coco Chanel estilista francesa que libertou a mulher dos trajes rígidos do Séc.19. Na década de 20 revolucionou a moda, criando vestimentas femininas que reproduziram sua imagem de mulher independente, com personalidade e estilo. Em outras, o feminino influenciou o masculino, e aí surgiram os metrossexuais, e os homens, não mais só as mulheres, passam a depilar as sobrancelhas, a usar camisetas baby-look, mudando um pouco a tendência da moda masculina.

O Consumismo

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O consumo é um fenômeno natural que ocorre em todas as sociedades, porque determina as relações de mercado. Todos nós exercemos o consumo, para adquirir o que precisamos para suprir as nossas necessidades. Portanto, o consumo está no cotidiano de nossas vidas. O consumismo, entretanto, é uma marca cultural da sociedade contemporânea, e se caracteriza pelos gastos em produtos nem sempre necessários, e na maioria das vezes, supérfluos. Você deve estar cansado de ouvir e ver os anúncios na TV:

Compre, porque é só até hoje!!! Por esse preço, amanhã não tem mais.

Os anúncios referem-se a todo tipo de produto. As pessoas que os escutam são de todas as classes sociais, de todas as idades. Os consumistas existiram sempre. Veja esta passagem literária:

Cinco horas soaram. De todas as senhoras, apenas a senhora Marty permanecera com sua filha no frenesi final da venda. Ela não conseguia se retirar; sentia-se exaurida, mas ao mesmo tempo parecia presa por amarras tão fortes que acabava sempre voltando sobre seus passos sem necessidade, batendo as seções com sua curiosidade insaciável. Era a hora em que a multidão, fustigada de reclames por todos os lados, se encontrava mais desnorteada; os sessenta mil


zes colados nos muros, os duzentos mil francos lançados em circulação, depois de terem esbulhado as bolsas, acabavam de abalar os nervos femininos, sacudidos de embriaguez; e elas permaneciam

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francos de anúncios pagos nos jornais, os dez mil francos de carta-

boquiabertas com todas as invenções de Mouret, os baixos preços, as devoluções, sempre novas galanterias para seu deleite. A senhora Marty se delongava diante das mesas de promoção, entre os gritos loucos dos vendedores, ao som do ouro chegando aos caixas e do rolamento dos pacotes caindo no subsolo [...] (ZOLA, 2008, p.31)

O consumismo infantil é o maior atrativo mercadológico. Segundo especialistas, a criança está apta a comprar, a partir dos seis anos. Nesta idade, as escolhas já acontecem e os pais compram porque, segundo informações, 80% das crianças brasileiras, são responsáveis por influenciar os pais, para comprar o que elas querem.

“ Inês Silvia Sampaio, Coordenadora de Pesquisa e Mestre em Sociologia. E essa conversa funciona. Não é a toa que 80% da influência de compra dentro de uma casa vem das crianças (Fonte: TNS/ Intersciente, 2003). No documentário, uma das mães entrevistadas explica bem quem é que define o que entra até na despensa da cozinha. “Meu filho me fala o que ele quer comer. Eu compro coisas para o que ele quer e ele me pede. Ele sabe qual é o chiclete que faz a bolha azul e é aquele que ele quer. Não foi eu que descobri, foi ele. E a partir disso eu fiquei sabendo”, conta a mãe. Fonte: EMRICH, Glycia. Consumismo infantil: como lidar. Disponível em: < http://www.escolafreeworld.com.br/arquivos/consumismo_infantil%5B1% 5D.doc>. Acesso em: 13 jan. 2010.

A publicidade utiliza-se de muitos artifícios para seduzir o público infantil como consumidores, entre eles: A linguagem infantil - As propagandas infantis são sempre feitas por crianças, em linguagem interativa e coloquial, para prender a atenção do outro pequeno consumidor. “Escolhi meu presente de Natal por causa de uma propaganda. Acho que pediria bem menos brinquedos se não tivesse tanta propaganda.” (Entrevista de uma criança de 10 anos, concedida A Tardinha, 19/12/2009) Personagens infantis – “Em cada R$50,00 nas suas compras neste supermercado, leve uma ‘mônica’”. “Gosto muito de bonecas, fico ansiosa quando vejo novos comerciais” (Entrevista de uma menina de 10 anos, concedida Á Tardinha. 19/12/2009).

A publicidade dirigida ao púbico infantil pode produzir efeitos danosos: Obesidade - como resultado da cultura do “fast food”, as crianças estão cada

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vez mais obesas.

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Fonte: www.sxc.hu/ID278049

Vaidade Precoce – Os apelos da mídia, especialmente da TV, através das propagandas de cosméticos, fazem com que crianças passem a se preocupar cada vez mais cedo com a aparência: usam maquiagem, pintam as unhas, hidratam os cabelos. (V.reportagem Jornal A TARDE, 3/1 /2010)

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Estresse Familiar – Uma mãe relata: “Não comprei nada para mim, fiquei dura; o pai dela brigou comigo... Mas ela queria, porque queria um celular de R$499,90... e eu, não tive outro jeito. Comprei!”

Banalização da agressividade e da violência. São 9h da manhã, meu sobrinho de 10 anos, assiste à TV, e se interessa por uma propaganda de uma espécie de metralhadora de três canos, cujo apelo é: “Ação de disparos rápidos”.

A lei nº 5. 921 quer proibir que a publicidade de produtos infantis seja voltada para as crianças. O alvo deve ser os pais. O que você acha dessa ideia?

Crianças, que criam o hábito de consumir desenfreadamente, crescem com valores distorcidos da realidade. Talvez por não terem tido limites na infância, quando adolescentes, passam a ser consumistas compulsivos e até inconsequentes. Atente para o diálogo de duas adolescentes no MSN:


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Fonte:www.sxc.hu/ ID 206572/ ID795040/ ID1008505/ ID1145113 / ID123522

Segundo pesquisa intitulada “O futuro é seu?”, os jovens brasileiros estão em primeiríssimo lugar entre os que mais consomem numa lista de oito países. Este é um prenúncio de que, quando adultos, consumirão mais ainda. Mas será que podemos ir contra o poder capitalista? Será que podemos ir de encontro à força da mídia e aos interesses do mercado que oferece a todo momento a felicidade em troca de algo? PENSE NISSO.

Banalização do corpo

O que é o nosso corpo?

Visível-vidente, táctil-tocante, sonoro-ouvinte, meu corpo se vê vendo, se toca tocando, se escuta escutando e falando. Meu corpo não é coisa, não é máquina, não é feixe de ossos, músculos e sangue, não é uma rede de causas e efeitos, não é um receptáculo para uma alma ou para uma consciência: é meu modo fundamental de ser e estar no mundo, de me relacionar com ele e de ele se relacionar comigo (CHAUÍ, 2006, p. 207).

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Refletir sobre a estética do corpo é uma prática das mais frequentes, porque o caráter materialista da nossa civilização nos mobiliza a ter comportamentos em busca de um corpo adequado a um determinado padrão de beleza, em detrimento de outros valores. Cada vez mais, vemos os jovens modelando seus corpos em academias de ginástica, pedalando nas ciclovias, andando ou correndo nos parques. Uma coisa é a busca da saúde, outra é atender ao padrão. E na TV, há uma infinidade de programas cuja temática é o apelo ao atual modelo de estética corporal, a ser obtido via lipoesculturas, drenagem linfática, entre outros procedimentos, como se o corpo fosse uma roupa que se troca todos os dias. As dietas milagrosas prometem perdas de X quilos em tantos dias. Às vezes, os resultados são mesmo corpos esculturais, perfeitos, porém em outras, é a saúde ou a vida comprometidas. O que se deseja com tudo isso, sob a capa de uma “geração saúde e beleza”, é transformar o corpo num passaporte para manter-se em evidência, para ser aceito no grupo social, na praia, no clube, no bloco carnavalesco, ou onde mais possa esse corpo ser exibido. E como se exibe! Em muitos casos, assistimos nos noticiários ou lemos nos jornais, os resultados catastróficos das histórias que alguns jovens escreveram ou escrevem para as suas vi-

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das em busca pelo corpo magro, esbelto e belo. Leia este depoimento:

[...]Tinha 30 anos quando fui internada. Quando comecei a fazer regime pesava 46. Me achava gorda, me olhava no espelho e me achava horrível. Achava que tinha que perder uns 10 quilos. Fiz tudo para emagrecer, regime de frutas, regime de tudo. Tomei injeções para perder coxa e bunda. É horrível, superdoloroso [...]

Minha vida inteira foi de regime. Com 15 anos já fazia. Sempre pensando que iria ficar bonita se fosse magra, que iria arranjar namorado, essas coisas [...] Meu corpo é inteiro de ossos. Queria casar, ter filhos. Hoje eu não posso nem pensar em ter filhos com esse peso. Nunca mais viajei. Tenho vergonha de colocar biquíni. Nunca mais comprei roupa. Não tenho mais prazer (GALO, 2003, p. 61)

A banalização do corpo envolve, de modo especial, a sexualidade, porque no corpo da nossa época, a sensualidade é a finalidade. O sexo ou a sexualidade virou assunto constante na mídia. A TV mostra isso em programas veiculados em qualquer horário, sem critérios, servindo de estímulo para que crianças e adolescentes cheguem ao sexo precocemente. Com isso, queimam etapas naturais do amadurecimento pessoal, as meninas ficam grávidas precocemente, os meninos adquirem doenças sexualmente transmissíveis. Ou vice-versa, paternidade precoce, ou doenças nas adolescentes.


adolescentes e os adolescentes, motivados pelo desejo de inclusão no mundo dos adultos, são criadores e vítimas de códigos que expõem a sexualidade, estimulando a antecipação de intimidades, exemplo:

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Além dos apelos provocados pela moda, que desnuda, sobretudo a mulher, as

Vitória tem 12 anos, gosta muito da escola, mas chegou aborrecida um dia desses, chorando e triste. Ao ser questionada por sua mãe, confessou que o motivo do choro foi a descoberta por suas colegas que ela era BV. A mãe, sem saber o que significava esta sigla, surpreendeu-se ao saber que o significado era BOCA VIRGEM, que significava que filha nunca havia beijado na boca.

São códigos de inclusão, naturalmente típicos dos adolescentes de todo o tempo. Quem de nós, não desejou pertencer ao mundo dos adultos, e ao que eles fazem?

Veja a seguir, as reportagens:

Virou moda entre muitas meninas britânicas o uso de pulseiras de plástico coloridas, apelidadas de “shag bands” (”pulseiras do sexo”, em tradução-livre).

Cada cor representa um ato afetivo ou sexual que, em teoria, a meninas precisariam fazer caso um menino consiga arrebentar a pulseira. Esses atos vão desde um inocente abraço até sexo oral e relações sexuais completas.

A moda está causando enorme polêmica entre pais e professores e chegou até a secretaria da Criança do país.

Com meninas a partir de oito anos de idade aparecendo com as pulseiras, algumas escolas já proibiram o uso.

Muita gente acha que trata-se apenas de brincadeira de criança, que as pulseiras não significam que as meninas irão realmente fazer o que as cores determinam e que jogos com fundo sexual não são novidade no parquinho. Quem nunca brincou de pega-pega em que o menino dá um beijinho na menina, perguntam eles.

Por outro lado, há quem acredite que a prática expõe crianças pequenas a termos sexuais que elas não conheceriam de outra forma e promove a erotização infantil.

Há também o temor de que proibir as pulseiras só vai torná-las mais desejáveis (BB BRASIL, 2009).

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A famosa brincadeira do “pêra, uva, maçã ou salada mista” ganhou

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ra, a moda entre os meninos e meninas de dez a 15 anos são pulsei-

uma versão diferente e mais erotizada nos colégios brasileiros. Agoras coloridas que possuem significados eróticos.

Criada na Inglaterra, a brincadeira chegou às escolas do país recentemente e tem como objetivo arrebentar a pulseira dos outros para que a pessoa faça o ato representado pela sua cor.

No entanto, as prendas estão longe de ser simples como a da antiga brincadeira. Algumas cores significam que a pessoa deve fazer sexo com a outra, que é o caso da preta. Já a azul remete ao sexo oral.

Fonte: http://jarinu-em-destaque.blogspot.com/2009/12/pulserasdo-sexo.html

Esta reportagem vem confirmar a banalização do corpo, que já alcança seu objetivo bem mais cedo. Não é preciso esperar a adolescência para que naturalmente as descobertas da sexualidade ocorram. Pulam-se etapas do desenvolvimento, atendendo aos apelos da modernidade. Mas, fica a questão: em nome de quê, vale a pena

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antecipar a maturidade, ou permitir que isso ocorra? A Mídia manipula, junto aos interesses econômicos, os comerciais que trazem o corpo como motivação e atrativo para vendas de objetos, que não exigiriam, necessariamente, um corpo desnudo ou erotizado para vender.

Ver imagem no link abaixo: http://www.youtube.com/watch?v=uWcx__uEy-k&feature=PlayList&p=8EC2B0C369250D93&playnext=1&playnext_ from=PL&index=29

Dessa forma, somos constantemente assediados pela banalização do corpo em todas as instâncias de nossas vidas: nas nossas casas, nas escolas, nas áreas de lazer. Assim ficamos reféns de um mundo que valoriza o Ter, que transforma as aparências em verdades, como se estivéssemos assistindo a um espetáculo, no qual somos os próprios protagonistas. Veja no link abaixo como se apresenta a Sociedade do Espetáculo, numa síntese do que trata o livro de Guy Debord, pensador francês que influenciou , entre outros, as manifestações de maio 68, assunto já referido em aula anterior, lembra?

Ver imagem no link abaixo: http://www.google.com.br/url?sa=t&source=web&ct=res&cd=2&ved=0CAsQFjAB&url=http%3A%2F%2Fwww.cesnors.ufsm.br% 2Fprofessores%2Fcarolcasali%2Fsociologia-da-comunicacao%2FAula%252021%2520-%2520A%2520sociedade%2520do%2520es petaculo.ppt&rct=j&q=sociedade+do+espet%C3%A1culo+aula+21&ei=EdldS8m7HciJuAeQufjgAw&usg=AFQjCNFkZ2QhS0r6zm9 9JAIRcIbVg3bqTA


zo à nossa inteligência, aos nossos sentimentos e aos nossos valores?

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Que tal começarmos a reagir, usando nosso bom senso, contra esse menospre-

Chegamos ao término da disciplina. Espero que nosso objetivo explicitado na aula 1, tenha sido alcançado: que você tenha encontrado outra forma de ver as coisas, o mundo e a si próprio; tenha vislumbrado outras possibilidades de conhecimento e esteja apto(a) para buscar as respostas para as perguntas , que sei, ainda tem a fazer.

SíNTESE Buscando despertá-lo e aprofundar alguns temas que comprometem a saúde existencial e social na atualidade, elegemos alguns temas, dentre muitos outros, que exigem escolhas responsáveis. Nesta aula, salientamos o distanciamento ético que se observa nas condutas morais generalizadas, as quais, se não são novas, pelo menos temos delas informação massificada e por isso nos escandalizamos mais. Abordamos o consumo como prazer e como patologia, no acirramento do apelo capitalista; a aparência como mecanismo de identificação e ressignificação pessoal e o nascimento de uma era que instrumentaliza o corpo, morada da vida.

Questão para reflexão 1 - Que fragilidades humanas comprometem uma escolha moral? 2- Que riscos levaram a atualidade a disseminar a expressão ‘qualidade de vida’?

Leituras indicadas GALLO, Silvio (coord). Ética e cidadania: caminhos da filosofia. São Paulo: Papirus, 1999. DEBORD,Guy. A sociedade do espetáculo. Disponível em: < http://netart.incubadora. fapesp.br/portal/midias/debord/>. Acesso em: 13 jan. 2010. SCHLINK, Bernhard. O outro. Tradução de Kristina Michaelles. Rio de Janeiro: Record. São Paulo, 2009. VERARDI, Francisco. A ascensão do prazer. Revista Psicanálise e Filosofia. Coleção Ciência &Vida. Filosofia Especial. Editora Escala. Ano I, n. 6, p. 36-47, ?.

Sites Indicados http://veja.abril.com.br/especiais/jovens_2003/p-080.htm­­ http://holococos.sjdr.com.br/opinião /consumo infanti/

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http://www.escolafreeworld.com.br/arquivos/consumismo_infantil%5B1% 5D.doc

Referências BB BRASIL. Moda britânica onde cor de pulseiras determina tipo de relação sexual entre jovens. Disponível em: http://www.overbo.com.br/portal/2009/11/13/moda-britanica-onde-cor-de-pulseiras-determina-tipode-relacao-sexual-entre-jovens/. Acesso em: 5 jan. 2010.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2006.

CHARLES, Sebastien. É possível viver o que eles pensam? Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: 2006.

EMRICH, Glycia. Consumismo infantil: como lidar. Disponível em: <

http://www.escolafreeworld.com.br/arquivos/consumismo_infantil%5B1% 5D.doc>. Acesso em: 13 jan. 2010.

GALLO, Silvio (coord). Ética e cidadania: caminhos da filosofia. São Paulo: Papirus, 1999.

SPONVILLE, André Conte. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

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ZOLA, Émile. O paraíso das damas. São Paulo: Estação Liberdade, 2008.

http://jarinu-em-destaque.blogspot.com/2009/12/pulseras-do-sexo.html



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