TROPECASSINO UM JOGO eM FANTASIA
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“Livros podem ser tão venenosos quanto as rádios top 40, e tão falsamente objetivos quanto os noticiários. A grande diferença é que qualquer um pode produzir um livro.” Hakim Bey
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ÍNDICE Apresentação...........................................................07 PREFÁCIO........................................................................09 SORTE PRA BURRO.........................................................15 ESQUECI DESLUMBRAR MISTErioSO FOLCLORE........27 ME PERDI NO CAMINHO.................................................47 ROLETA RUSSA................................................................51 LAPSOS, (DES)MEMÓRIA................................................79 ACHEI UMA NOTA DE CEM!............................................93 Créditos / AGRADECIMENTOS...................................109
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APRESENTAçÃO
trabalho que você tem em mãos pode ser explicado como uma tentativa de fazer um making of de um projeto biográfico imobilizado por excesso de informações. Porém, aqui a sobra tornou-se matéria-prima. Afinal, uma boa história que se preze possuir em suas entrelinhas outros momentos anestésicos não menos dignificantes do que a própria. É também a tentativa de um pseudo-escritor frustrado, aficionado no universo da cultura faça você mesmo e do copyleft em universalizar sua autobiografia. Somando ao olhar do autor, também existem imagens/ percepções captadas com outros olhos que se dispuseram a participar do processo.
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PREFÁCIO redestinados somos todos em nossas missões. Apolíticas, apocalípticas ou mesmo acríticas, cada um acha a sua. No meu caso, minha tarefa me encontrou ou me seguia antes mesmo de eu ser concebido. Depois de muito tempo debruçado numa pesquisa biográfica, cheguei à conclusão que os cassinos foram proibidos no Brasil em detrimento ao poder de um tio meu que se tornou perigoso demais para alguma arapuca de medalhões. São histórias que ninguém quer ouvir e não acho quem conte. Daí misturo a minha com a outra.
Não me esqueço da minha babá que dizia do vizinho dela, que o sujeito era um autêntico lobisomem e que em noites de lua cheia, o sujeito virava um bicho meio-lobo, meio-porco e um pouco homem. Ou de um tio que me contava que ia me levar pra Amazônia ver os bichos do mato de verdade.
Menino que mora no mato e não entende o mundo, vive com a cabeça cheia de minhoca. Fui uma criança pragmática com meus prazeres. Estávamos na era Reagan da Guerra Fria e quando alguém contava história de bomba nuclear, eu preferia nem pensar.
Prefiro comparar o mundo fantasioso aos medos de menino, pois aos dez anos, tive um tio muito querido assassinado cruelmente e nem consegui chorar, tamanho foi o trauma. Paranóia ou fim de inocência, eu pensava que o alvo mesmo era o meu pai político, irmão dele. Não dormia direito e acabei sendo uma criança chata, quando ouvia qualquer barulho no quintal, já corria pra debaixo da coberta dos pais pra dormir com o casal. Chego a pensar que fui um dos estopins da separação deles.
Preferia decorar música de Luís Gonzaga ou prestar atenção no que os adultos diziam. A cabeça se tornou um laboratório de idéia troncha. E porque não de fantasia? O bom contador de histórias é aquela pessoa que eu presto atenção desde sempre.
Pode-se dizer que estas fábulas foram uma ilusão escolhida durante minha infância, só que mesmo assim continuei procurando outros enigmas pra me colocar umas pulgas atrás da orelha com gosto de encanto.
Quando chegou a adolescência, li alguns livros que me fizeram gostar 09
ainda mais de causos de onde meu umbigo foi enterrado, São Domingos do Prata. Acabei deixando por lá algumas de minhas narrativas fantásticas, pois vim morar em Belo Horizonte e passei a levar a vida como amanuense*. Então me formei jornalista. Com o diploma em mãos, instantaneamente senti um grande desapontamento com a habilitação escolhida, por carecer de tarefas ingratas e estar sempre sujeita às constantes bajulações de poder. Quase tanto quanto advogado. Então, um desconhecido me encontrou pela internet através de uma foto de um tio-bisavô que estava num blog que eu havia criado. O sujeito, um empresário chamado Euler, era um aficionado pela história deste meu parente distante, Joaquim Rolla, que havia sido o maior empresário do jogo no Brasil durante o Estado Novo e obteve sucesso em projetos públicos em São Domingos do Prata, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Petrópolis. Eu disse ao Euler que facilmente chegaríamos às três mulheres que haviam vivido com o ex-magnata misterioso. Ele me propôs uma parceria/ sociedade para que fizéssemos uma extensa pesquisa e lançássemos uma biografia juntos. Aceitei o desafio sem imaginar o quanto seria complicado e intrigante.
Foi no ano de 2006 e meu pai ficou muito feliz com a situação. Explico. Meu progenitor era um sujeito que desde pequeno, escutava histórias do tio que havia sido tropeiro e em poucos anos se tornou um dos homens mais ricos do Brasil. Quem contava isso pra ele era Oscar ‘Preto’, um empregado da família que presenteou meu pai no dia do casamento dele com um fogão tropeiro do mito familiar. Não conheci Oscar, sei que ele tinha família e preferia morar na casa da minha bisavó, onde faleceu. Minha família pode até possuir algum ranço coronelista, só que os empregados são irmãos sem hipocrisia, almoçam na mesma mesa e simultaneamente com todos os outros. E isto notei que é diferente noutros clãs quanto em qualquer local. Porém, desde que cresci e vim trabalhar fora, nunca mais suportei quando ele começava a contar a tal história para todo mundo que ele acabava de conhecer. Achava enfadonho quando eu trazia um amigo em casa e ele disparava a dizer fatos de uma realidade distante, e eram sempre os mesmos causos. Por sorte, cheguei a entrevistá-lo e ouvi episódios inéditos dos idos de mil no-
* funcionário público de condição modesta, copista.
A morte do meu progenitor foi bem relevante, por isso conto ela aqui. Foi no dia do último jogo que o Brasil ganhou durante a Copa de 2006. Eu estava dormindo, tive um pesadelo.
um ex-político. Só que nem foi crime, pois ele tomava remédio pra baixar pressão e ocasionalmente, pra fazer coisa, tomava Viagra. Pois foi um ataque cardíaco fulminante. Naquela noite, depois da terceira, ele passou pra uma melhor e foi do affair de beira de estrada pra Igreja Matriz da minha cidade natal.
Acordei e minha prima Gabriela, sem pudores, diz que meu paizinho acabou de morrer num motel com uma mulher aí. Morte estranhíssima para
Dizem que seis mil pessoas passaram por lá pra despedir dele. Creio que ao menos mil me abraçaram e quando fui carregar o caixão, me
vecentos e poucos, logo depois perdi meu pai. E me tornei um outro obcecado pela história do peixe grande.
senti na Sicília indo enterrar o Dom Corleone. Energia tremenda e eu só falava em Joaquim Rolla. Naquela época, os correligionários do meu pai tentaram me persuadir pra que eu fizesse a biografia dele primeiro pra depois fazer a do Joaquim Rolla. Expliquei que as histórias ainda estavam muito vivas e o melhor seria fazer o sonho do velho de ver a história do Rolla primeiro. No que, enfim, esse povo logo esqueceu, bem no feitio de tudo que acontece em São Domingos do Prata. A bola de neve que aumentou com caldo grosso o meu projeto de biografia, me veio de rumores. Dizem que fonte histórica não vem daí. A família predizia que eu devia conversar com fulano e que certos cicranos nem pensar. Pra evitar maledicência e foi aí que eu engrossei de querer mesmo. Foi ela, a cicrana trovão cachorreira que eu sempre gostei, que me contou o que ninguém contava. Primeiro a maldição, depois um coro. A maldição vem de longe no tempo, mas próxima no espaço e no nome, pois vem de um João. O meu tataravô, pai do Joaquim, que era dono da mesma casa que eu vivi a vida inteira, cem anos atrás.
Antes de se casar, João Monteiro Rodrigues Rolla estudou farmácia na então capital de Minas Gerais, Vila Rica (hoje Ouro Preto). Tava pra se formar lá e arrumou uma noiva na cidade grande. Mandou convite de formatura e de casamento pra família. Só que um dia antes do matrimônio, recebeu um recado dizendo que a mãe dele tava moribunda e queria vê-lo antes de falecer. João voltou pra Fazenda São Tomé a galope e deu de cara com a mãe boazinha de tudo. Ela impôs que seu rebento não se casasse com a moça que escolhera e sim com uma filha de um fazendeiro ali da região mesmo. Rapidinho contraiu núpcias com Francisca Martins da Costa e nem diploma pôde pegar. Aí a tal família da moça que ficou esperando no altar lá na antiga capital fez uma maldição à família onde todos descendentes do João de sexo masculino não seriam felizes. Além de não ter se casado na capital, João Monteiro nunca exerceu a profissão que se formou, foi comerciante e tabelião. Viveu a vida em São Domingos do Prata, onde criou todos seus filhos e fazia alguma politicagem.
Agora, o caso do coro é mais simples. Joaquim e Mário eram irmãos inseparáveis. A irmã mais velha deles vivia com o marido em Belo Horizonte. Certo dia, ao chegarem repentinamente à casa da irmã, notaram que ela estava com um roxo no rosto e chorando. Perguntaram o que ocorreu e ela não soube (ou não quis) explicar.
Foram direto ao cunhado que além de estar transtornado, estava visivelmente alcoolizado, sem saber dar maiores explicações sobre o estado da esposa. Os irmãos Joaquim e Mário imediatamente aplicaram nele uma surra, quebrando-lhe o braço. E deixaram o recado que caso o fato ocorresse novamente, quebrariam o outro também.
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SORTE PRA BURRO
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OgBap
tista
lança as economias, as jóias aposta até, mas e teus filhos? ah, vou jouer la vie nem PSD, muito menos UDN, ia pra Urca sem partido as fortunas, assunto direto voltou pra casa na Rua do Senado, tirou o vison que ia até os tornozelos, sentiu-se desafortunada e foi tomar banho de banheira pra concluir que ao menos estava limpa
Howell
Rolla
criado junto de minha sina certa, sempre houve a governanta, alemã a destemperança, de minha psicologia, meu filho tá no cartório, mesmo sem meu sangue, sua mãe não deixa mamar, se passa por macumbeira, pros mais próximos, a vida ficou no cigarro e cachaça de testamento, que meu meio-irmão escolheu, me encheu o bolso, assinei, nem quis saber do escritório, pois tinha jogo do mengão
Dorival Caymmi um dia levei o poeta lá, ele que não gostava de agito, jantou comigo e não deu, Bandeira só foi porque a arrecadação era coisa beneficente e ainda assim acho que ele gostou da bahiana que eu ajudei a criar agora continuo a ouvir o barulho das fichas, a gente mais bonita do Rio tava aqui, agora na hora da foto
Mário Schemberg gosto de arte, amo a ciência. vivi bem estudando física em 1940, sofri uma desgraça que me inspirou a algo transcendente, voltávamos de Paris, estava feliz, tinha conhecido Einstein e Picasso aí minha esposa jogou e perdeu as nossas economias no Cassino da Urca, êta local com arte pra fazer as pessoas perderem tudo, de um jeito até bonito, daí o nome efeito urca, quando a energia desaparece no núcleo de uma supernova tão rapidamente quanto o dinheiro desaparecia na mesa da roleta do Cassino da Urca
Aistdes
Cepadi
a profissão é trapaça era pra eu ter vergonha, porém nunca vi labuta mais digna do que levar um extra a mais de uns grã-finos bem arrogantes tudo bem que é pra outro arrogante, que ao menos possui certa competência no ramo, bom humor e ótima vontade em nos ensinar os pequenos truques e maldades que nunca esquecerei, sistemista? eu? nem combino, meus amigos pedem, só que prefiro acordar crupiê a ter a boca toda formigando.
Mia
PéuGera
pelos idos do daguerreótipo, afixei-me aqui pra eternizar, algo que se parece comigo, e eu nem cinza sou mais, passei tantos dotes que nem se lembram de meus feitos, só do piano de segunda mão, deixei meu cartão de visita, como carta sem baralho, aos meus, ah, não voltem, encontrem seus montes e cuidado no próximo blefe
Ismael
Braga
quando nasci em Ubá, a vida era calminha, passava o dia chupando manga, depois cresci e me tornei caixeiro viajante viajava pra todo lado, foi assim que conheci Maria José, enclausurada na fazenda do pai, vivia do mesmo jeito que eu de pequeno, só que ela chupava jaca, depois tive a sorte de ir pro Rio, o paraíso na terra, onde virei guarda-livro e esperantista, isso depois de ter me tornado espírita, na época sofríamos o mesmo tanto que comunista
Nhazv eu só queria puxar carro, pra isso não podia morar só na Urca, que só tem as duas entradas/saídas... ao menos era o único lugar no Rio que alguém podia aparecer num cadilac assim, a qualquer hora, o dono do cassino era desses, de tarde pra jogar peteca com os músicos que chegavam pro ensaio mais cedo e de noite eu que não era bento tinha era medo do Bejo, do Filinto e de toda a corja getulista que frequentava o ambiente da jogatina até virar o dia em Niterói
João Monteiro conquistei a independência quando fui morar longe da família que me controlava, foi só eu marcar um simples casório pra coleira voltar ao meu pescoço quase sem eu perceber, hei de saber quem vou esquecer, se minha mãe ou a noivinha que me rogou praga quando deixei-a esperando ad eternum no altar, ela deve entender que foi contra minha própria sorte e que mesmo assim eu não me jogo de amor.
Quem é você?
bombadão enig mático pau pra toda obra
profissão de fé frasqueira de vedete
está em todas atrás do Rolla
ESQUECI DESLUMBRAR MISTErioSO FOLCLORE
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Geografia do Passado Aqui vemos o mapa de locais e sentimentos mais relevantes nos locais, tão ou mais importantes que as próprias cidades: 1 - Esquecimento - S. D. do Prata 2 - Folclore - Belo Horizonte 3 - Deslumbre - Rio de Janeiro 4 - Mistério - Petrópolis
Será que o exercício destas palavras se confunde por aí?
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Prefiro nem alembrar
A história que insiste em acontecer duas vezes; a “Santa Igreja” destruiu uma antiga capela em detrimento a um templo modernista com a “maior torre em homenagem à São Domingos do mundo”. Nessa demolição nos 1960, pegaram as talas das pinturas de Ataíde que haviam no teto da capela e fizeram um curral para leilão de bezerros para arrecadar. Outros restos da capela sumiram a preço de banana. No século XXI, aconteceu um fato semelhante: a “Santa Igreja” fez num local inóspito, um mosteiro para população sem escola técnica ou faculdade.
Lapso duma decadence fazenda cafeeira em St. Dominique D’Argent
num dado momento, inospitamente escondido, caiu a bomba: cachaça sem rótulo, agora nem alambique, e a rapadura tá soterrada pela braúna que vai decidir, se é pra naturar ou urbanear-se, o pântano transborda na enchente de dez em dez anos, enfim a decisão é abraçar os morros que afogam o maneirismo em copo d’água
Azar Em Pó Eram cinco litros de ouro que o escravo alforriado precocemente deixou à Sinhazinha. Ela passou carta e mapa explicando tudo aos descendentes. Até hoje ninguém encontrou. Ainda naqueles tempos, Sá Tunica apareceu pras bandas da fazenda e se engraçou com o coronel. Logo pediu que ele se ensolteirasse de Sinhazinha. Ele foi obediente e fez a esposa ter banzo até desfalecer completamente. E quando enlutou, já era pai novamente.
Sá Tunica morava numa casa entre a fazenda e o Bairro dos Pretos. O Bairro foi um presente do coronel aos ex-escravos após a abolição. Sá-Tunica atuava como professora nessa vila que hoje chamamos Barro Preto (foto abaixo). Certa noite, o coronel teve uma crise de ciúmes, atirou cinco vezes no rosto dela, que não morreu. Depois cada um vendeu seu canto e foram viver juntos pra esquecer de lá. Ninguém quis sorte de tesouro.
CondomĂnio de Luxo ou Favela Vertical?
Edifício Buxixo Ao lado, um projeto de 1999, o Maharish Tower Center, que seria construído em São Paulo. Almejava ser o maior edifício do mundo, incorporação esdrúxula entre o guru dos Beatles que dá nome ao prédio e um grupo de empresários brasileiros. Felizmente não foi pra frente. Mesma sorte teve o Edifício Mauá (abaixo), que em 1951 seria o maior do Brasil, com 5.700 apartamentos. Incorporado por Joaquim Rolla em Petrópolis, tinha projeto de Oscar Niemeyer. Muito parecido com a Sede Administrativa do Governo de Minas Gerais, feito em 2006. Também em 1951, Belo Horizonte viu surgir o Condomínio Governador Juscelino Kubitschek, projetado pela mesma dupla Rolla-Niemeyer. Porém, foi terminado 18 anos depois por outros arquitetos e duas construtoras. Hoje, conta com uma população de cinco mil habitantes e ainda está inacabado. (página anterior)
Prédio Popular Perceber a importância do CGJK (Condomínio Governador Juscelino Kubitschek) vai além de podermos ver seu relógio marcando as horas de qualquer ponto da cidade. Sim, mesmo tendo sido concebido há mais de 60 anos, ainda é o prédio mais alto da capital mineira, com trinta e seis andares - e é o quarto maior do Brasil. Durante um trabalho de subjetividade no espaço urbano sobre o CGJK, junto de Ulisses Moisés e Isadora, Fonseca, pudemos conhecer algus moradores do local, que não são nem favelados nem milionários. Inspirados pelo filme “Edifício Master”, de Eduardo Coutinho, fizemos um raio-x do local: http://umporextenso.com.br/cgjk/
Outro trabalho, que é uma pequena vídeo-vinheta contando a incompletude na história do prédio, foi feito pelos designers Ana Abreu, Mateus Barreto e Paulo Barcelos e pode ser visto em http://vimeo.com/4849338. O prédio do CGJK foi projetado em tempos de pujança imobiliária, poucos anos antes da construção de Brasília. E só terminou sua construção para ser habitado durante o crescente galope da inflação gerada para pagar os gastos do governo brasileiro na construção da Capital Federal – e por muita sorte, não restam apenas ruínas deste exagero de época. Abaixo, rascunho inédito de Cândido Portinari para projeto de mural do Edifício Mauá em Petrópolis.
A Pampulha E O Folclore
Houve tempo que era um grande prazer ir à Pampulha saborear o jantar com o melhor custo-benefício de toda a cidade. A refeição era subsidiada pela jogatina e mesmo quem não jogava nem se incomodava em ficar de barriga cheia. O fato da obra da Lagoa da Pampulha ter ficado pronta tão rapidamente deu um ti-ti-ti danado. Acho que é folclore. Uns falam que o Juscelino fez aquilo porque queria fazer a cidade crescer pra outras bandas. Ou talvez queria mesmo era marcar época. Já o Rolla ,nem entrou na licitação pra ficar com a concessão do cassino. O Juscelino teve medo que o prédio do cassino não ficasse pronto à tempo da inauguração e até xingou o mestre de obras pra depois pedir sinceras desculpas ao braçal. 36
A sorte de Oscar Niemeyer ser um profissional respeitado em todo mundo começou com esta obra na Pampulha. Apesar de já ter trabalhado como assistente do famigerado Le Corbusier na elaboração do Edifício Capanema no Rio de Janeiro, faltava uma grande obra urbanística para coroar sua carreira. Através da amizade com Rodrigo Mello Franco, Niemeyer foi indicado para dar uma nova cara à região da Pampulha. O conjunto arquitetônico da Lagoa da Pampulha foi inaugurado em 1943. A região distante do Centro tinha apenas uma grande represa artificial com pequenas obras pontuais no projeto: foram construídos o Cassino, a Casa do Baile, a Igreja e pouco tempo depois o Iate Clube.
Belo Horizonte, que aos olhos do mundo se anunciava como a capital modernista das Américas, comportava-se coronelista, ressonância dos arraiais atrasados que a rodeiam e dos quais ela surgiu. Prova disto é que um grupo de sapateado americano que se apresentou no Cassino, os Kangaroo Boys, passaram a noite presos só para não serem linchados. O público da casa, racista e conservador, ficou ofendido com o movimento erotizado dos dançarinos. Além, claro, da Igreja da Pampulha, que demorou mais de uma década para ser abençoada como local sagrado aos olhos do clero mineiro.
Das Oficinas Ao Mundo, Da Ruína Ao Nordeste O São Cristóvão é conhecido no Rio de Janeiro tradicionalmente como o bairro das oficinas mecânicas. E pelo secular mercado que sempre houve na praça onde havia um grande parque, hoje mutilado. Hoje em dia há a Feira de Tradições Nordestinas. Construída no fim da década de 1950, chamava-se Pavilhão Internacional do São Cristóvão. Desde o início da construção, houveram vários problemas, o maior deles o desabamento do teto de fibra plástica, que era considerado o maior sem vigas no mundo.
Quem já passou pela Linha Ver- melha na saída do Rio de Janeiro, nota quando passa pelo Pavilhão, um enorme prédio no formato de uma borboleta. O projeto é do renomado arquiteto Sérgio Bernardes e o prédio chegou a ser abandonado. Hoje ativo, leva o nome de Luís Gonzaga, o Rei do Baião. Lá você encontra de carrancas a coentro, de tapióca a cordel.
O menino do Rio não sabe se corre ou se limpa a praia suja Definitivamente excluído do muro na antiga ruína do cassino. Outros tempos. Houve uma limpeza estética e ele, que havia se acostumado a fazer a surpresa cotidiana ao transeunte desavisado, diferente do mar, foi limpo. Primeiro lhe pintaram a cara. Agora no local há uma beleza nostálgica perdida.
Ali, perto da casa do rei mesmo, acostumou-se contar que só a Urca tira o demônio das pessoas. Chegaram a colocar mensagens assim pelos postes e muros nas duas saídas do bairro, tudo em vão. Já que todo lugar tem ao menos um demônio e um menino pra expurgar ou deixar de lado.
A, E, I, O, Urca Por aqui pulsa uma porção de nostalgia dos anos dourados. O Cassino da Urca ocupou um local onde originalmente funcionou um hotel balneário. Um marco na noite carioca do entre-guerras . O glamour e requinte dos shows que aconteceram aqui ainda persiste em histórias fragmentadas nos descendentes de quem frequentava o local.
Um ano antes de morrer, o grande cantor de tango Carlos Gardel chegou a se apresentar improvisadamente num fim de noite do Cassino da Urca. Herivelto Martins, Dalva de Oliveira, Russo do Pandeiro e toda uma geração do samba eram frequentes atrações por lá.
Foi a primeira empresa brasileira a possuir uma agência de publicidade própria. Denominada ADA (Agência Difusora de Anúncios, elaboravam peças para mídia sonora e impressa. A Copa do Mundo de 1938, a primeira transmitida ao vivo para o Brasil, teve patrocínio exclusivo do Cassino da Urca.
O fluxo de estrelas brasileiras ganhando prestígio no showbusiness nacional perpassou os contratos que ocorreram no Cassino da Urca. Durante a II Guerra Mundial, muitos artistas internacionais escassearam suas viajens pelo mundo. Com isto, a publicidade do Cassino passou a investir em estrelas como Carmen Miranda para atrair o público.
Acima, planta tridimensional do Cassino da Urca
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O Mistério da Letra Q Uma boa maneira de comparar o Quitandinha com uma obra mais notória, seria a construção de Las Vegas, que foi plantada no meio do deserto norte-americano pelo gangster de origem russa Ben ‘Bugsy’ Siegel. Só que Petrópolis não era local ermo. Foi concebida pelo imperador Dom Pedro II como cidade de descanso, escolhida naquela região pelo ar mais ameno. E no período republicano, até a construção de Brasília, a cidade passou a ser residência de veraneio presidencial. O Quitandinha foi uma obra num bairro distante do centro e foi executada com o mundo em crise, durante a II Guerra Mundial.
Até 1939, a Cidade de Pedro era um aglomerado de casas históricas, com uns tímidos cassinos funcionando no período do Estado Novo. No início da incorporação do Cassino Quitandinha em 1939, veio também o bairro homônimo. O construtor se comprometeu a urbanizar um bairro do que é quase metade da parte urbana do município. Dezenas de caminhões subiam e desciam a serra petropolitana com materiais de construção o dia inteiro. Foram dez milhões de dólares, em valores de 1944.
Existem diversas histórias fantásticas à respeito do breve funcionamento do Cassino Quitandinha. Uma delas, de um funcionário que roubava dinheiro da caixa de depósitos que ia para o cofre, através de besouros amarrados numa corda.
Enquanto o cassino funcionou, de 1944 a 1946, houve uma peregrinação de celebridades comprando imóveis na cidade. E durante dois anos, Petrópolis viveu o ápice da especulação imobiliária. No período da construção do cassino, um famoso refugiado que veio morar na cidade foi o escritor judeu Stefan Zweig. Ele foi encontrado morto junto da esposa em sua casa. Oficialmente suicidaram, outros dizem que não.
Com a extinção dos jogos de azar no Brasil em 31 de abril de 1946, Petrópolis começou a sentir o início do fim dos anos dourados. Nos anos 1950, ainda havia um suspiro, pois os concursos de Miss Brasil realizados no Quitandinha também tentavam trazer a graça dos tempos de grandes shows e jogo correndo.
No concurso de 1954, aquela que se tornou a mais notória Miss Brasil - Marta Rocha.
Ainda no fim da década de 1940, houve a Exposição Internacional de Quitandinha, que apesar de ter tido apoio do Governo Federal (vide selo acima), foi um fracasso. 43
O edifício que marcou o pico da explosão imobiliária em Mistério já foi marca de aguardente na terra do Esquecimento.
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ME PERDI NO CAMINHO
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ra quê tanto mito? Como relativizar a idéia de uma herança familiar explicativa do ser biografado sem fugir de mim? Considerar qualquer personagem real visto como predestinado vencedor é coisa mais fictícia do que solidariedade cristã. Como criticar os preconceitos decorrentes da crença numa genialidade inata? Nem precisa desmistificar a biografia como a verdade, somente a verdade, nada mais que a verdade sobre qualquer pessoa. Já que os biógrafos também se revelam ao longo de seus textos, intrometo com minha vida e com qualquer fato que notar prudente. A desconstrução do tempo como norte, aqui mostrada junto de imagens, forma uma narração biográfica linear não cronológica e foge de uma limitação tanto filosófica quanto narrativa.
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ROLETA RUSSA
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Procedimentos De Intervenção Urbana, Desdobramentos Biográficos Expostos
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projeto de intervenções urbanas Tropecassino foi a primeira forma encontrada para transformar a pesquisa biográfica de Joaquim Rolla numa criação poética. Os cartazes estão envoltos num clima nostálgico com o cenário políticocultural brasileiro das décadas de 1930/40/50. Sem muita explicação de quem são os personagens, a maior parte deles ainda nem tem um texto ou explicação no blog criado para este intuito. Serão todos colocados sistematicamente.
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Há uma denúncia implícita de que planos, golpes e leis que foram alteradas em torno do que as pessoas relatadas nestes cartazes viveram. Não importa se é verdade ou se o transeunte realmente vai ser aprofundar no tema. Mesmo assim, quando lê os posters leva consigo uma inquietação de que estes fatos aconteceram com pessoas que já passaram por estas ruas ou ao menos foram comentadas nas calçadas locais.
Os cartazes foram colados nas mesmas cidades por onde passei nos últimos três anos. E também onde Joaquim Rolla viveu. Atiçar a curiosidade de quem passa nas ruas por uma história distante do que está acontecendo foi um exercício nonsense de memória afetiva.
Quebrar a rotina, plantar um dúvida. O intento dos cartazes é atiçar a memória, principalmente de quem não gosta de história. Se a maioria das pessoas lê, acha interessante e não procura o site, ainda sim o trabalho valeu a pena. Azar de quem entende, azar incompreender. Sorte de quem se interessa, azar não se ligar ao passado. Em cidades onde o jogo corria como Pétropolis e Rio de Janeiro, houve um diálogo com os cassinos Quitandinha (nesta página) e Cassino da Urca (página seguinte).
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Posters colados em São Domingos do Prata, terra do esquecimento.
“É possível viver quase sem memória, mas é impossível viver sem o esquecimento.” Friedrich Nietzsche
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À Frente De Seu Tempo Excentricamente bela e talentosa, Josephine Baker cativou o mundo a partir do meio da década de 1920 e, ao morrer em 1975, havia sido escolhida como símbolo da beleza negra do século XX. No dia 2 de outubro de 1925, vestindo no corpo escultural apenas com uma tanga de bananas, dançou um charleston - ritmo desconhecido na Europa - no quadro intitulado La Danse Sauvage. Josephine tornou-se a musa cubista, além de outros pintores e escritores (foi grande amiga de Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald e Pablo Picasso) e despertou o entusiasmo dos parisienses pelo jazz e pelos ritmos sulistas americanos. Viveu um romance tórrido com George Simenon, escritor belga radicado na França e criador do personagem Detetive Maigret. O que aumentou em doses iguais a veneração e o assombro na França colonial e racista de então. Pelo seu vasto conhecimento interpessoal, foi recrutada como agente secreta dos aliados na II Guerra Mundial. Quando dançava vestida com seu saiote de bananas estilizado, extasiava as platéias. 62
Esteve no Brasil em 1929, 1939, 1952 e 1963. Quando veio cantar aqui em 1939, foi por obra do acaso. Joaquim Rolla, proprietário do lendário Cassino da Urca subiu num navio que retornava da Argentina para contratar Bing Crosby, o que acabou não se concretizando. Rolla voltou à terra com outra cartada, que acabou dando muito certo, a Pérola Negra. As apresentações dela no Cassino da Urca foram um estrondoso sucesso no país. O contrato na Urca acabou se estendendo por mais alguns meses, até 1940. No bairro retirado da Cidade Maravilhosa sucederam-se causos notórios que não estão na biografia de Baker. Elisa Coelho, que era a cantora predileta de Ary Barroso, ensinou a Vênus Negra a cantar em português o samba O Que É Que A Bahiana Tem, de Dorival Caimmi. Um instrumentista brasileiro que acompanhou-a no Cassino da Urca e virou seu amigo foi Russo do Pandeiro. Logo após uma série de shows acompanhando-a, Russo foi convidado por Josephine e viajou com ela para Paris, onde se apresentaram nos maiores cassinos da cidade, quando foram interrompidos pela invasão de Paris pelos nazistas.
Orson Welles e o Brasil Na década de 1940, a política da boa vizinhança foi instituída pelos Estados Unidos para poder consolidar seu poderio econômico e hegemonia cultural em países da América Latina.
E isto aconteceu mesmo com Welles tendo afagado o ego de Getúlio Vargas durante seu aniversário no Cassino da Urca, quando transmitiu um programa de rádio ao vivo para os Estados Unidos.
Aqui no Brasil, no dia 13 de fevereiro de 1942, Orson Welles aportou para filmar dois episódios de It’s All True (É Tudo Verdade). O primeiro era sobre o carnaval e suas influências como samba e candomblé; o segundo é uma história feita em homenagem a quatro jangadeiros cearenses que realizaram uma façanha homérica. No ano anterior, Welles havia lido na revistaTime uma reportagem sobre a travessia por mar de 1000 milhas feita pelos jangadeiros de Fortaleza Manuel Olímpio (o Jacaré), Jerônimo de Sousa, Raimundo Lima e Pereira da Silva para a então capital federal Rio de Janeiro. Foram pedir providências a Getúlio Vargas sobre os seus direitos previdenciários – que o ditador prometeu dar e não cumpriu.
E nos seis meses que Welles passou aqui, quem foram suas companhias? Vinícius de Morais, recém-admitido embaixador no Itamaraty era um que não saía de perto dele. Herivelto Martins e Grande Otelo, além de companheiros de filmagem eram seus guias nas noitadas em favelas cariocas. Herivelto e Otelo estranhavam a atitude do gringo que enchia a cara de cachaça até às cinco da manhã e às oito exigia a presença de todos no set de filmagem. Os brasileiros levavam rotina de Cassino da Urca e acordavam tarde, deixando o diretor revoltado.
O problema do filme nunca ter sido sequer editado foi que Orson Welles, então com 26 anos, comprou briga com o politicamente correto dos estúdios americanos e do governo brasileiro.
Em 1993 um amigo de Welles, Richard Wilson, veio ao Brasil saber como andavam os jangadeiros e Grande Otelo. O resultado é o documentário homônimo It’s All True, onde o segmento Quatro Homens Numa Jangada foi remontado. O catálogo da Cinemateca Brasileira acusa uma cópia do filme. Será verdade? Certo mesmo é que ninguém ainda viu o It’s All True de 1942... 67
Um Otelo de Ouro Registrado como Sebastião Bernardes de Souza Prata, escolheu a própria alcunha. Não foi por acaso que este precoce talento começou a subir aos palcos ainda criança, encenando Shakespeare. Primeiro era chamado Pequeno e finalmente Grande Otelo.
Quis virar artista porque ainda criança, via os atores mambembes de passagem por Uberaba comerem o melhor prato dos restaurantes dali, o filé à cavalo. Aos nove anos foi convocado a viajar numa companhia de teatro. Em idas e vindas, não parou mais.
Esta figura tinha vocação pra tocar quem estava ao seu redor desde sempre. Desta maneira, viveu na casa de algumas famílias que o criaram como se fosse filho. Passou a adolescência em São Paulo, de onde fugiu pra morar nas ruas do Rio de Janeiro.
Quando começou a trabalhar no Cassino da Urca, virou a sensação como o comediante das mil faces que chamava público. Contam que foi contratado após ter sido visto pelo dono da casa quando o imitava.
O Corvo Essa era uma das inúmeras alcunhas para denominar o ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda. Político e orador eminente, arqui-inimigo de Getúlio Vargas e um dos pivôs da crise que levou ao sucídio do estadista gaúcho. Como toda figura política polêmica, era amado e odiado, nunca sendo uma unanimidade. Também era ferrenho opositor de Juscelino Kubitschek, a quem tentou de todas as formas derrubar. Chorou feito menino ao saber da morte deste outro estadista, em trágico acidente na Via Dutra. Um típico exemplo de sua acidez, que pode-se considerar como reflexo de seu temperamento, foi durante uma sessão na câmara nacional. Ele, deputado, proferia um discurso e um colega pediu um aparte interrompendo-o: - Sr Carlos Lacerda, o senhor é um purgante! E ele imediatamente retrucou: - E o senhor é o efeito dele!
Um projeto de Joaquim Rolla que lhe deu um tremendo prejuízo num momento de instabilidade econômica foi o Pavilhão do São Cristóvão, na capital do estado do Rio de Janeiro. Hoje utilizado como feira de produtos nordestinos, o Pavilhão originalmente foi planejado para ser uma grande feira de produtos internacionais. Cada época teria um país ou região diferente Um imprevisto que até hoje permanece sem muita explicação ocorreu em maio de 1962, durante uma grande feira da União Soviética. O então governador do estado da Guanabara Carlos Lacerda incumbiu o futuro mago do regime militar, Golbery do Couto e Silva de implantar uma bomba no Pavilhão durante a feira da potência comunista. Logo após este obscuro episódio, desapropriou de Joaquim o recém-inaugurado Pavilhão. Lacerda, ex-funcionário de Joaquim Rolla na ADA, privou de seu ex-patrão sua última obra vultosa, o Pavilhão de São Cristóvão.
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Fleumático de Pulso Firme O viçosense Artur da Silva Bernardes possuía a elegância de um lorde inglês. Nunca cruzava suas pernas ao se assentar. O eterno cacique do PRM (Partido Republicano Mineiro) era uma figura sisuda, culta e muito poderosa. Advogado e promotor, quando ainda estudava direito em São Paulo, foi professor do escritor Monteiro Lobato. Deputado federal por dois mandatos, logo depois foi eleito governador de Minas Gerais e na sequência executou um dos mais conturbados períodos de um presidente da República do Brasil (de novembro de 1922 a novembro de 1926). Durante seu comando no mais alto cargo político do país ocorreram diversas conspirações, todas frustradas no intuito de desestabilizar a república. As mais notórias, o Tenentismo e a Coluna Prestes. Para dar medo aos anarquistas e subversivos em geral, criou a colônia penal de Clevelândia, o chamado Inferno Verde. Para lá foram enviados diversos malquistos pelo governo, dentre eles Domingos Passos, Biófilo Panclasta,
Antônio Alves da Costa, Antônio Salgado da Cunha, Nicolal Parado, Domingos Brás, Nino Martins e Maurício Lacerda (pai do futuro político direitista, Carlos Lacerda). Quando senador, durante a chamada Revolução de 1930, apoiou a Aliança Liberal que derrubou seu sucessor na presidência da república, Washington Luís. Dois anos depois de liderar os mineiros no apoio aos gaúchos e paraibanos , foi contra Getúlio Vargas na malfadada Revolução Constitucionalista de 1932. Bernardes foi preso em situação muito precária numa fazenda na pequena cidade de Araponga - Minas Gerais. Alguns de seus companheiros de conspiração foram presos na sequência. Dentre eles, Assis Chateaubriand e Joaquim Rolla, que depois dividiram a cela com Arthur Bernardes Filho numa prisão da capital federal (à época, Rio de Janeiro). Bernardes passou dois anos no exílio em Portugal e depois que voltou, passou a exercer algum cargo eletivo até falecer como deputado estadual em 1955. 77
LAPSOS, (DES)MEMÓRIA
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Um Peixe Bitelo aminhos que coincidemse nem sempre são notados como tais. O percurso descrito neste livro é uma junção atemporal de percursos paralelos. Tirando sorte ou azar, tanto eu ou o personagem que inventei me comparar vivemos na mesma casa, tínhamos um pai chamado João e vivemos fatos políticos por onde passamos. Cada um à sua maneira. Sei pouquíssimo sobre a infância de Joaquim Rolla, daí ousei expor a minha própria como fragmento prático de infâncias que se cruzaram no espaço, mas não no tempo. Longe querer notar tais fatos como algo espiritual, me aproximo a um destino lido nas mãos por uma cigana, reeditado. Começo relembrando algo que já citei. O fato que meu pai insistia contar a todas as pessoas que ia conhecendo esta mesma história do tio que era dono de cassinos.
Aquilo era tão monotóno. E agora estou eu contando a mesma história por linhas tortas. Que à despeito do filme Peixe Grande, de Tim Burton, pesquei alguma conexão imagética.
Nunca entendia que o principal enfeite da fazenda era um tal fogão de tropeiro - um simples pedaço de metal com duas hastes cravadas na madeira.
Aos cinco anos, os chapéus do meu pai já não cabiam na minha cabeça. Um pouco mais pra frente, depois de sucessivas fotos em que eu só saía com os olhos arregalados, fiquei avesso às lentes dos fotógrafos.
Havia entre os colegas um consenso subliminar de que um amigo poderia lunfar o playmobil do outro, desde que fosse bem escondido. Quando terminava a brincadeira na sua casa, havia o costume de você revistar seu amigo para conferir se alguém estava levando algo. Um gato me unhou no rosto sem motivo aparente quando eu tinha cerca de quatro anos. Havia um clima de paranóia no ar quando algum adulto ia me explicar à respeito da bomba atômica, bomba nuclear e essas bombas que terminam o mundo com um aperto de botão. Tinha medo que o Hulk do seriado fugisse da TV. Também aos 4 anos, quis quebrar a tela da mesma TV com uma chave de fenda, porém só consegui marcar o centro da tela. Toda vez que vinha de São Domingos do Prata a Belo Horizonte, cismava que era obrigado a ganhar um presente qualquer.
Aos 11 anos, elegi certo gato cego de um olho pra ser meu inimigo de quintal. Acabou que o acertei, primeiro com minha espingarda de chumbinho que estava com pouca pressão e terminei o serviço cruel com uma zarabatana.
Em 1988, tive 6 bernes simultaneamente na cabeรงa.
Era obrigado a almoçar até engolir o bife. Na mesma sentada, era forçado a tomar copos de leite compassados, de poucas em poucas horas.
Com minha irmã, aprendi não gostar de cebola, verdura, legumes e coisas verdes em geral. Mesmo assim, apesar do porte raquítico, ainda inventava me considerar um garoto forte.
Uma turma subiu no telhado da Igreja Matriz e, quando estรกvamos retornando escondidos, quase levamos uma bicuda do Padre Gustavo.
O lavador de cafĂŠ da fazenda de minha famĂlia tinha mais utilidade como piscina.
Num concurso de charretes, pintei minha p么nei Asa Branca de verde.
Joaquim tinha o apelido de Prontinho e eu era o Câmera Lenta que gostava de cinema. Ele vendia gasosa aos alemães. Eu engraxava os sapatos do dono do Hotel Semião. Joaquim tinha uma tropa de burros brancos e eu, uma pônei branca
ACHEI UMA NOTA DE CEM!
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ive uma grande dificuldade em aprender a ler e escrever, nunca fui aluno exemplar. Depois comecei a ler histórias em quadrinhos e, através das imagens, comecei a gostar de leitura.
Fiquei deslumbrado quando vi pela primeira vez nesta revista, uma foto e uma reportagem com Joaquim Rolla em foco. Ou seja, as histórias que o meu pai contava não eram mentira.
Tinha um primo meu que editava uma revista muito bonita em Belo Horizonte. Chamava Finalmente e tinha um monte de matéria sobre cultura, arte e comportamento. Revista de bom gosto e de grande formato como não se faz mais em Belo Horizonte.
Depois, escutei também o irmão mais velho do meu pai contar coisas do Joaquim. Era o tio Marcelo, um contador de histórias por excelência. Advogado tardio, ganhou uma lua de mel no Quitandinha e contava causos fantabulosos de uma São Domingos do Prata distante.
O tio Marcelo com aquelas narrativas que tinham a pitada certa de aventura, glamour e poder, acabou de me convencer que o tal tio era uma figura incrível realmente. Pouco antes de morrer, tio Marcelo me deu uma coleção de selos que era da avó dele. Olho de Boi, Olho de Cabra e aquela coisa toda. Eu já era um garoto mais do que interessado em velharia. A coleção me fez gostar de organizar não só selos, mas todo tipo de informação minunciosa para poder ter à mão no momento preciso. Nessa mesma época, achei um livro velho que reformei. Nem é nada demais, mas devo ter pegado mania de arrumar o passado com livro e com imagens também.
E logo que estava começando a pesquisa do Joaquim, em 2006, no momento preciso, veio à minha mão uma foto que me tirou do prumo. Tirada em 1929, estava intacta. Em cena, diversas pessoas numa obra da estrada de ferro que o Joaquim encampava. Ele ao centro posando de big boss. Ao lado dele, de terno branco, meu avô Paulo que faleceu num mórbido acidente atropelado pelo próprio carro, em 1947. Num carro de modelo idêntico ao da foto. Tudo esteve tão difícil de conseguir até então e, de repente, aparece uma foto tão pulsante que reforça a idéia de querer representar fatos que aconteceram há tanto tempo como se fosse ontem.
Outra imagem que teve um grande impacto no processo foi obtida clandestinamente na Biblioteca Nacional. A maior biblioteca do Brasil tem um procedimento muito burocrático para o cidadão obter qualquer imagem legalmente. Isto foi durante uma rápida viagem ao Rio de Janeiro para fazer uma en-
trevista. Encontrei uma matéria na revista O Cruzeiro de 1950 com o título A Volta do Capitão Rolla. Mostrava um plano mirabolante de Joaquim para a criação de marmitas a preços populares em todo canto do Brasil Uma idéia que mesmo não tendo dado certo, parece ter sido o esboço da comida cotidiana barata que vingou algumas décadas depois, o self-service. 97
O fato que me chama mais atenção na vida de Joaquim com a história do Brasil foi quando proibiram a jogatina no país. Rolla, que era o maior empresário do ramo passou a ser o maior contraventor. E teve suas garantias de contratos trabalhistas canceladas pelo governo Federal. Apesar de nunca ter sido comunista, por ser espírita e ter amigos comu-
nistas, perdeu seus últimos investimentos devido à sua presistência em não boicotar ideais socialistas. Como o já citado CGJK em Belo Horizonte ou a Feira da União Soviética que havia emplacado no Pavilhão São Cristóvão, pura inocência onde a extrema direita queria crescer em cima de qualquer bode expiatório que se envolvesse com quem era contra seu ideal.
Joaquim Rolla conviveu com diversas celebridades nacionais e internacionais. Na foto ao lado, ladeado por Walt Disney e o ministro da Justiça da era Vargas, Oswaldo Aranha.
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Os Dez Maiores Sambas Tanto no percurso deste apanhado de imagens e memórias quanto da pesquisa em si, um livro que se tornou referência de informações e até mesmo de imagens foi Café Society, do jornalista mieniro José Mauro. Ricamente ilustrado pelo artista plástico Santa Rosa, o livro traz uma leitura escancarada da sociedade. Teve uma segunda parte anunciada que nunca saiu. Aparentemente, a obra poderia ser mais uma referência para bajulação social, e é exatamente o contrário disto. Pois felizmente, Mauro ousou ao relatar numa espécie de apanhado antropológico, a grã-finagem brasileira da década de 1950, dividindo-a em sub-classes. Como uma ambientação de época, foi colocada aqui em formato musical (CD anexo) a votação de Os Dez Maiores Sambas contida no livro. As canções foram eleitas numa lista feita por gente como Joaquim Rolla, Jorge Guinle e Tancredo Neves em 1955. Foram coletados e completados por mim numa coletânea com as mesmas canções em tempos pós bossa nova, quebrando a temporalidade dos fatos entre canções originais e releituras.
Originais 01) Noel Rosa - Feitiço da Vila 02) Raul de Barros - Implorar 03) Ary Barroso - Baixa do Sapateiro 04) Dori Caymmi - Não Tem Solução 05) Noel Rosa - Feitio de Oração 06) Mário Reis - Jura 07) Ataulfo Alves - Amélia 08) Ary Barroso - Aquarela do Brasil 09) Dori Caymmi - Risque 10) Ataulfo Alves - Pois É Releituras 01) Ney Matogrosso - Feitiço da Vila 02) Salinas - Implorar 03) Caetano Veloso - Baixa do Sapateiro 04) Tim Maia - Não Tem Solução 05) Clara Nunes - Feitio de Oração 06) Negra Li - Jura 07) Fundo de Quintal - Amélia 08) Gal Costa - Aquarela do Brasil 09) Jamelão - Risque 10) Itamar Assumpção - Pois É
Mais que qualquer documento, um bom jeito de saber bons casos e intimidades de biografados é conhecer as pessoas por quem se apaixonaram. Pelo que eu soube, Joaquim viveu com três mulheres. A primeira delas, Odete Drummond, com quem casou-se em 1927, atendendo um arranjo político do Coronel Chico Rolla com um correligionário.
Coisa incomum naqueles tempos, o matrimônio não durou muito. Odete e Joaquim viveram juntos justamente no período que ele incorporava um trecho da Estrada de Ferro Vitória-Minas. Ele trazia pra casa engenheiros, mestres de obra e capatazes que não andavam muito limpos. E Odete, excessivamente preocupada com limpeza, escondia os talheres para não ter que dar rancho aos poeirentos agregados do marido. Ficaram juntos por cerca de três anos. Joaquim largou-a por uma tempestade no Rio de Janeiro. Odete descobriu o fato por uma foto 3 X 4 no casaco dele. Foi um dos primeiros desquites de Minas Gerais.
São praticamente 80 anos de solidão. Logo após o desquite, Odete transferiu-se de São Domingos do Prata para Belo Horizonte. Criou o filho Rubens com um rigor que seria desnecessário a um filho de magnata. Aparentemente, quis ensinar a ele que a realidade é dura. Fazia quitandas e recrutava o filho para que fosse vendê-los pelas ruas da cidade. Somente à beira de completar 10 anos, Rubens conheceu o pai e se deu conta ser filho de um homem muito poderoso. Formouse destas pessoas que o sucesso sobe repentinamente à cabeça. Apesar de ser mineiro, adotou sotaque carioca. No fim da vida, gastou o pequeno patrimônio da mãe, depois de já ter torrado a fortuna do pai. Odete nunca enxergou assim. Apesar de ter amado catolicamente Joaquim a vida inteira, seu objeto de adoração era o filho de temperamento difícil.
Odete viu Belo Horizonte aflorar a modernidade a passos curtos. Certa vez , me contou que se lembra de quando foi inaugurado o edifício da Sapataria Americana na Avenida Afonso Pena. Que era uma festa só e as pessoas falando que tinha elevador e tudo. Como seu filho Rubens foi viver no Rio de Janeiro para estudar e depois desfrutar as riquezas do pai, ela viveu realmente sozinha grande parte da vida. De tempos em tempos, vou visitá-la. Inicialmente, era apenas pra conseguir fatos para a pesquisa. Contrariando os preceitos do jornalismo, minha relação com ela hoje tornou-se uma amizade. E quando fico sumo por uns tempos ela me liga xingando; “Você sumiu, seu salafrário!”. Hoje à beira de completar 101 anos, ela vive sozinha, num apartamento emprestado pela irmã. Sem empregada, enfermeira ou qualquer cuidado especial, ela mesma limpa a casa e prepara todas as refeições diárias. Aos domingos, recebe alguns sobrinhos que levam um café especial e limpam a cozinha. E reclama uma dor de coluna em curva, onde sustenta aquilo que chama um bico de tucano.
Zoraida Azevedo, amor rocambolesco no começo, botamos ela e o doutor pra correr, já tava em quase vinte e senti que findaria, espionagem atrás, descobri e não contei, ao menos pra ela, que perdi minha vontade o armário continou com centenas de vestidos, que colocava pra alguém que ninguém espera, e eu que nunca desconfiei das amizades, afinal, sei de tudo e prefiro esquecer se ainda jogas amor dissimulado pra alguém.
Diva Cavalcante - juntos afinal escolhi pois sabia que até a última partida, estaríamos lá, você estudando, eu na praia, o Brigagão disse que não podia, nem te contei, sem querer, resolvi fritar os miolos no saque, larguei os duzentos anos e parti feliz, cansei dos sonhos de castelos acordado, desse escuro, esbanjado pelos milicos, parti sereno e outro dia retorno n’outra lenda
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Eram mil corpos Fora de casa, Eram bêbados, Eram operários, Que sendo governados Pelas mesmas leis, Cochilavam sob As árvores da rua É um garçom, é um poeta, É um jaburu, Enquanto uns discutiam, Outros iam tratar da vida, Isto é, iam jogar peteca Manoel de Barros
Créditos / AGRADECIMENTOS
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Este trabalho foi fruto de um processo colaborativo e, além de outras justificativas irrelevantes, o autor não faz questão de se identificar.
Colaboração e agradecimentos a: Brígida Campbell (orientação), Marcelo Lustosa (assessoria no design), Desali (ilustração – pg. 11), Estandelau (ilustração - pg. 13), Santa Rosa (ilustrações – pgs.15, 47, 99, 100, 101), Renato Negrão (poema – pg. 26), Melissa Rocha (ilustração - pg. 27), Patrícia Yegros (ilustrações - pg. 35), Rubens Paiva (ilustração - pgs.48 e 49), Ana Carolina Jácome (fotografias - pgs. 44-45 e 104), Serge Onnen (escultura da foto - pg. 51), Kael Kasabian (ilustração superior - pg. 81), Mosh (ilustração - pg. 85), Luiza Schiavo (ilustração - pg. 86), Luiz Navarro (ilustração - pg. 89), Señor Botijo (ilustração - pg. 93), Ulisses Moisés e Isadora Moreira (trabalho sobre o CGJK).
Colaboração involuntária no processo: Bia Braz, Paulo Barcelos, Pedro Morais, Patrícia Yegros, Rui César dos Santos, Gton, Lipe2, Icerulez, Lucas Torres, Dereco, Francisco Martins, Alexandre Perocco, Carlos Teixeira, Marco Paulo Rolla, Deborah Gusmão, Flávia Crespo, Bernardo Brant, Bruno Vilela, Gabriel Caram, Daniel Lima, Xerel e Guilherme Horta.
Grato por dialogarem: João Braz Martins Perdigão, Efigênia Moraes, Nilza Rolla, Maria do Carmo Perdigão, Rosa Perdigão, Euler Corradi, Odete Drummond, Diva Rolla, Zoraida Azevedo, Mário Gustavo Rolla, Everardo e Elvira Rolla, Maria Paula Horta, Nenem Rolla, Gilson Cony dos Santos, José Mauro Gonçalves...