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Por Letícia Marques

Quando Alberta disse que o Natal na Academia St. Vladimir era diferente de tudo que eu já tinha visto, obviamente não levei a sério. Depois de anos acompanhando os Zeklos para as mais luxuosas festas, pouca coisa me surpreendia. Ainda mais um simples Natal para

os poucos alunos que ficariam na escola. Mas eu não fazia ideia do que me esperava. A decoração tinha sido espalhada pelas áreas comuns, com árvores de todos os tamanhos e luzes de Natal contornando as janelas e portas. Até mesmo o pátio estava enfeitado, com uma enorme árvore que tinha sido movida naquela manhã enquanto todos dormiam. O clima festivo rapidamente contagiou até mesmo os alunos que estavam ali por falta de opção, com os pais viajando a trabalho ou ocupados demais para dar atenção aos filhos.

Mas boa parte dos que estavam ali escolheram ficar. A Princesa Vasilisa era uma delas. Vasilisa era órfã e a última Dragomir, o que a tornava muito especial e fazia com que necessitasse de proteção extra. Eu era um dos seus guardiões, embora ali na escola pudesse perdê-la de vista por alguns instantes. Por ser da realeza, convites não tinham faltado para aquele Natal. Até mesmo a Rainha a convidou para o baile na Corte, mas Vasilisa se recusara a ir porque sua melhor amiga estava de castigo e não poderia deixar a escola.

Rose. Às vezes eu queria fechar os olhos e fingir que ela não existia. Fingir que não tinha vontade de pedir para Alberta ou Yuri passar a treiná-la. Mas sempre que pensava nisso, simulava uma conversa com a Diretora Kirova, onde ela me fazia lembrar que eu tinha me responsabilizado pela garota desde o início. Se não fosse por mim, a Srta. Hathaway já estaria bem longe da Academia St. Vladimir. Isso era o que ela me diria, é claro. Então eu não tinha alternativa a não ser continuar com os treinos diários. Eu precisava prosseguir com meu trabalho enquanto fingia que nada havia entre nós. Na verdade, não havia mesmo. Um beijo roubado não contava. Não depois que ela quase morreu ao ser atacada por um Strigoi dentro da escola. E tampouco contava o que quase


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aconteceu entre nós enquanto ela era controlada por um feitiço da luxúria. Feitiço esse que me contaminou no instante em que nos tocamos. Por sorte, o feitiço foi quebrado e conseguimos voltar à realidade antes que algo mais sério acontecesse. Mas, por mais que tentasse me fazer de indiferente, sabia que Rose percebia a forma como eu olhava para ela. Quando nossos olhares se encontravam nesses momentos, quando ela me pegava em flagrante observando-a, eu não conseguia desviar o olhar. Ela também não fazia qualquer esforço. E isso era o pior. Ela sabia o quanto me afetava e fazia questão de

provocar. Tinha certeza que quando ela passava por mim e ria, jogando os cabelos sobre o ombro num movimento sensual, era para me provocar. Ou quando ela estava treinando com a sua turma e começava a se insinuar para algum rapaz, fazia apenas para que eu sentisse ciúmes. Tentava dizer a mim mesmo que aquilo não me afetava, mas afetava. E muito. A hora do baile começou a se aproximar cada vez mais rápido e tudo que eu queria era ficar no meu quarto, lendo um bom livro. Mas eu era um guardião e minha protegida estaria lá fora, então me forcei a levantar da cama e me trocar. Estava muito frio fora do prédio dos guardiões e eu andei rápido, quase correndo até o prédio principal onde o baile aconteceria. Mesmo com o aquecimento reforçado ali dentro, ainda estava frio e piorava a cada vez que alguém entrava e trazia o vento gelado consigo. Alberta entrou acompanhada de Emil e Jean, mas se distanciou dos dois e veio, com um sorriso no rosto, até onde eu estava.

— O que eu não daria por uma bebida bem quente agora? — Não acho que o seu tipo de bebida seria servido nesse baile. — Quem dera — ela murmurou esperançosa e então parou ao meu lado, em silêncio, assumindo sua posição de guardiã. Nada mais foi dito pelos minutos que se seguiram. Não era necessário quando estávamos trabalhando. Apenas uma voz ou outra era ouvida pelo comunicador, mas nenhuma direcionada a nós, então nos limitamos a observar a movimentação, mais atentos a uma possível confusão do que a um ataque de Strigoi. Minha mente dificilmente era desviada


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do dever de proteger os Moroi. Às vezes ficava tão focado que perdia a noção do tempo. Mas toda minha atenção esvaiu e desviou para a porta quando ela entrou. Sim, eu tinha dito à Alberta que nada poderia me surpreender naquele baile, mas isso foi antes de eu ver Rose naquele vestido preto. Mesmo com o salto muito alto, ela mantinha o equilíbrio e a delicadeza que nem imaginava possuir. Por sorte o vestido não era tão curto quanto o que ela tinha usado em outro baile. Ia até o joelho e não tinha decote. Ao menos quanto a isso eu estava salvo. Mas, mais uma vez, eu tinha me precipitado. No instante que Rose ficou de costas para falar com Vasilisa, eu prendi a respiração. Suas costas estavam completamente de fora por um decote ousado que ia muito mais além do que deveria. Muito mais do que eu estava preparado. Me sobressaltei ao ouvir a voz de Alberta ao meu lado, falando no comunicador, e me forcei a voltar a minha atenção para a festa. Apenas dei uma última olhada na direção dela, para guardar aquela imagem na minha memória (como se fosse mesmo capaz de esquecer). Só que eu fiz a besteira de demorar mais que alguns segundos e Rose me pegou observando-a, como tantas vezes acontecia. Seu olhar encontrou o meu e ela sorriu de leve, antes de jogar os cabelos sobre o ombro. Lá estava ela me provocando novamente. Respirei fundo e desviei o olhar. Eu estava ali a trabalho. E, mesmo que não estivesse, Rose era uma aluna daquela Academia e tinha apenas dezessete anos. Por mais que sentisse algo muito bom quando estava perto dela, sabia que nada seria possível entre nós. O melhor a fazer era tirá-la logo da minha mente. Tudo aconteceu muito rápido a seguir e os guardiões pouco puderam fazer. Ou precisaram fazer, na verdade. Rose estava dançando com um Moroi que eu não sabia o nome, enquanto eu fingia não olhar, quando o rapaz resolveu ser mais ousado do que deveria. Ao ver a mão dele descendo pelo vestido dela, dei um passo à frente, mas parei quando Rose o empurrou. Mas ele deve ter pensado que a reação dela era brincadeira, porque tentou tocá-la de novo. Antes que eu conseguisse dar outro passo, ele já caía no chão depois de levar um soco no estômago.


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Logo descobrimos que ele era usuário da água quando Rose ficou coberta pelo ponche que estava sendo servido logo ao lado. Claro que isso resultou em mais um soco, dessa vez no olho do Moroi, que caiu inconsciente no chão. Normalmente minha preocupação estaria direcionada a pessoa caída no chão, mas não quando Rose estava encharcada dos pés à cabeça. E ainda mais quando vi Kirova lançando um olhar fuzilante na direção dela. Rose estava de castigo justamente por causa de um comportamento agressivo em uma aula. Se a diretora chegasse até ela agora, não

duvidava que a consequência fosse pior. Sem parar para pensar ou sequer pedir permissão, arrastei Rose para fora do salão. Ela logo protestava por causa do frio que tinha aumentado agora que a neve caía. Assim que entramos no prédio dos guardiões, fechei a porta atrás de mim e a levei para a pequena cafeteria que havia ali dentro. — Você tem que parar de se comportar dessa forma, Rose — falei enquanto pegava alguns ingredientes no armário e ligava o fogo. — Não sei até que ponto vai a tolerância

de Kirova. — Ah, qual é? O cara pediu para levar aquele soco. Você viu o que ele fez. — Sim, eu vi, mas ele receberia a devida punição por usar o poder contra você. Agora tudo que acontecerá é ele ser levado à enfermaria e então exigirá que você seja punida. — Eu já estou de castigo — ela murmurou e deu de ombros. — Pior que isso não pode ficar. Só então lembrei que ela continuava encharcada e provavelmente sentia muito mais frio do que eu. Enquanto a água fervia, tirei meu casaco e coloquei sobre seus ombros, na tentativa de deixá-la aquecida. Nossos dedos se tocaram quando ela tentou firmar o casaco ao seu redor e, mais uma vez, nossos olhares se encontraram. — Obrigada. Pigarreei e me afastei em silêncio, voltando ao fogão para terminar de preparar o chocolate quente. Apenas voltei para perto dela quando estava com as duas xícaras cheias com o líquido marrom fumegante. Mais uma vez ela agradeceu num murmúrio.


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Por um instante, pensei em deixá-la sozinha e voltar para o baile, para o meu trabalho. Mas tudo que fiz foi sentar ao seu lado, passando a bebericar o chocolate quente sem pressa. — Acha que Kirova me expulsaria? — Rose perguntou depois de um tempo. — Ela está apenas buscando um motivo forte o bastante para isso. — Seu corpo ficou tenso e eu me chutei mentalmente por ser tão estupidamente honesto às vezes. — Mas você tem alguém aqui que tem poder suficiente para não deixar que te expulsem. — Tenho? — Claro — confirmei, encarando-a ao perceber seu tom duvidoso. Ao ver a esperança em seus olhos, me dei conta de que talvez ela estivesse interpretando aquilo erroneamente. E isso ficou claro quando continuei. — Vasilisa. Ela é da realeza e tem contato direto com a Rainha. Uma palavra e você jamais sairá daqui. Seu olhar caiu para a xícara em suas mãos e sua expressão mudou de esperançosa para

decepcionada. — Ah, claro. Lissa. Ela é mesmo uma grande amiga. A melhor. A única que sentiria minha falta se eu saísse daqui. — Não é verdade. Você tem ótimos amigos aqui. — Ela riu sem nenhuma emoção e eu senti um peso no peito. Sabia que não deveria ter levado a conversa naquela direção. Desde seu retorno há alguns meses, as coisas não tinham sido fáceis para ela. Era difícil retomar as antigas amizades enquanto tentava manter Vasilisa protegida do que quer que estivesse atormentando-a. — Você e Ashford são amigos, não são? E Castile também. Já vi vocês conversando e se divertindo. Eu não precisava dizer que era justamente com Mason Ashford que Rose mais me provocava. Ela sabia disso. — Mase e Eddie são legais. Nós éramos muito amigos antes, mas agora eles tem outra turma. Não é mais como antes. — Tenho certeza que você conseguirá fazer as coisas voltarem ao que era. — Ainda

assim, ela não parecia inteiramente convencida.


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Não sei o que dava em mim quando ela estava por perto, mas eu sempre queria animá-la quando percebia que algo estava errado. Quando Rose estava desmotivada nos treinos, me sentia compelido a ressaltar o quanto ela já tinha evoluído. Não era mentira. Rose realmente era excelente. Se continuasse se dedicando, tenho certeza que seria uma das melhores guardiãs. Mas eu normalmente não era assim com outros alunos. Se eles estavam num dia ruim, eu apenas ignorava e continuava a treiná-los. Mas com Rose era diferente. Tudo era diferente.

— Você tem a mim também. Ela ergueu o olhar novamente e eu não consegui desviar. — Tenho? — Assenti em silêncio, levando um pequeno sorriso ao seu rosto incrivelmente belo. Algo passou pelos seus olhos escuros, como uma memória. Algo que levou embora o sorriso alegre, deixando um triste no lugar. — Eu só queria que não fosse o Dimitri instrutor que estivesse me dizendo isso. Senti seu corpo inclinando para o lado, em direção ao meu, até que nossos ombros estivessem colados. Uma onda de calor inundou meu corpo, chegando ao ponto em que o aquecimento elétrico não era mais necessário. Quando ela repousou a cabeça no meu ombro, eu não me afastei. Não havia lugar algum onde eu gostaria mais de estar do que ali. Com ela. — Eu também, Roza.


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