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3 Escola de Ensino Fundamental “Rio São João” (Rio São João
terra natal e cruzado o oceano para trabalhar como missionárias junto a este povo simples, humilde e trabalhador. Após o hino “Das ist der Tag des Herrn” (Este é o dia do Senhor), executado pelo coro da Igreja, e a declamação de uma poesia pela senhorita Regina Loch, as Irmãs foram conduzidas até a igreja para uma prece de ação de graças. Foi uma grande festa e as Irmãs eram saudadas como um presente de Deus.22
As Irmãs começaram as atividades no início de 1928. A orientação que deram à educação teve grande repercussão, pois eram não apenas professoras que ensinavam as primeiras letras, mas, acima de tudo, educadoras. A escola passou a ser frequentada também por crianças de outras localidades, sendo necessário abrir um pequeno internato. No decorrer do tempo, o número de alunos aumentou, o que fez com que professoras e professores leigos também começassem a fazer parte do corpo docente, pois a escola era, desde 1934, pública e as vagas de professor eram preenchidas mediante nomeação como nas demais escolas do Estado.
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A população de Vargem do Cedro era toda de origem germânica e, no dia-a-dia, só se praticava o idioma alemão. Quando as crianças eram matriculadas, não entendiam nada em português. Também as professoras, as Irmãs, eram estrangeiras e com difi culdade conseguiam se expressar em idioma nacional. Por outro lado, desde a Primeira Guerra Mundial quando foi proibido o uso de língua estrangeira nas escolas, as autoridades começaram a insistir na obrigatoriedade do idioma nacional nas escolas com o objetivo de despertar nos fi lhos dos imigrantes o aprendizado da língua nacional. Além disso, a população de Vargem do Cedro tinha cada vez mais necessidade do conhecimento da língua portuguesa, pois com muita frequência os pais de família ou os jovens solteiros dirigiam-se em caravana ao mercado de Laguna para venderem seus produtos e adquirirem mercadorias de uso doméstico. Em face dessa realidade, o escrivão João Eff ting enviou, em maio de 1930, correspondência ao Secretário do Interior e Justiça, Dr. Cid Campos, em nome do povo de Vargem do Cedro, nos seguintes termos:
Existindo nesta localidade [de Varzea do Cedro!] um colégio denominado Santos Anjos, competentemente dirigido pelas Irmãs Franciscanas e sendo
22 História da Congregação das Irmãs Franciscanas de São José. Fraternidade “Santo Anjo”.
Manuscrito.
de grande vantagem a nomeação de uma professora da língua portuguesa, para que os alunos – todos ou quase todos de origem alemã – conheçam e pratiquem o idioma nacional, o que está muito de acordo com os patrióticos intuitos desse governo: venho mui respeitosamente em meu nome e na da inteira população desta localidade, solicitar de V. Excia. a nomeação de professora nas condições acima expostas...23
Alguns anos mais tarde, em 1935, ao visitar a escola, o Inspetor Escolar deixou o seguinte registro:
A diretora, que é a Irmã Margarida, tem o curso normal do Colégio da Congregação na Alemanha, mas não conhecendo sufi cientemente a pronúncia da língua portuguesa, leciona juntamente com a Irmã Irene que é brasileira e fala corretamente a língua vernácula.
Os alunos estão divididos em duas classes: primeiro e segundo ano. Estão no primeiro ano 25 alunos dos quais 10 masculinos e 15 femininos. Estão no segundo ano 26 alunos dos quais 9 masculinos e 17 femininos. [...] São do primeiro ano os alunos que não sabem falar o português e são do segundo ano os alunos que promovidos do primeiro ano com alguns conhecimentos da língua vernácula iniciam o estudo de todas as matérias em português.
Observei que a professora tem bom método e é muito esforçada na grande obra da nacionalização do ensino. Os alunos são bem disciplinados, alegres e apresentam bom aproveitamento.
Os livros usados nas classes são todos em caracteres latinos tendo cada lição em alemão a tradução em português.24
A escola mudou inúmeras vezes de nome. No começo era apenas a Escola de Vargem do Cedro (sem nome específi co para a mesma). Nos documentos ofi ciais era a Gemeindeschule (escola da comunidade) e, mais tarde, a Escola Paroquial. Com a vinda das irmãs, a escola teve seu nome ofi cializado para Escola Santos Anjos. Na sequência passou por outras denominações. 1932 – Colégio Santos Anjos da Várzea do Cedro. 1937 – Colégio Santos Anjos e Escola Pública Mista Estadual. 1944 – Escola Estadual Desdobrada. 1952 – Escola Reunida Prof. Luiz Alves de Souza (personagem desconhecido). 1969 – Ginásio Normal Rodolfo Feuser. Diretora: Irmã Anete Sens. 1971 – Escola Básica Luiz Alves de Souza. Diretora: Irmã Zelita Maria Erhardt.
23 EFFTING, João. Ofício ao Secretário do Interior e Justiça. Datilografado. 24 Colégio “Santos Anjos”. Livro para Termos de visita – 1932. p. 2 e verso. Registro do
Inspetor Escolar Taciano Barreto do Nascimento.
1978 – Escola Básica Rodolfo Feuser. Diretora: Irmã Célia Jönck. A esta diretora seguiram-se as Irmãs Maria Koch (1981), Nair Zanin (1984), Dilma Rohling (1989), Terezinha Bagio (1994). No fi nal deste ano as Irmãs se retiraram do colégio e a direção e o magistério foram assumidos integralmente por professoras e professores leigos.
A partir da década de 1970 começou a decair o número de alunos. Em 1971, quando foi criada a escola básica, encontravam-se matriculados neste estabelecimento de ensino 114 alunos. O número foi diminuindo progressivamente em virtude do êxodo rural, principalmente de famílias jovens que se mudaram para centros urbanos em busca de emprego e também por causa do número cada vez mais reduzido de fi lhos por família. Atualmente a escola conta com 50 alunos matriculados, curiosamente o mesmo número de 1932.
3 Escola de Ensino Fundamental “Rio São João” – Rio São João
A escola de Rio São João foi fundada em 1895 e o primeiro professor foi Emil Petsch25, um técnico, formado em mecânica, natural de Berlim. Os relatórios do consulado alemão de 1910 nos informam que Emil Petsch era um professor competente, dedicado e assíduo. Além de professor, trabalhava também como agricultor no lote que adquiriu da Companhia Colonizadora Grão-Pará, cujo terreno se estendia até o rio Capivari e confrontava com o lote de João Rocha e de Bernardo Schreiber. Morava atrás da igreja católica, perto da estrada geral.26 Era também conhecido como bom fotógrafo. Emil Petsch era evangélico. Como a maioria dos alunos era de religião católica, Padre Augusto Schwirling, vigário de Teresópolis, que atendia as comunidades do Vale do Capivari, resolveu transformar
25 Emil Petsch, fi lho de Julius Petsch e Emília Heinke, nasceu no dia 3.11.1869 em Berlim e faleceu no dia 31.10.1941 na localidade de Rio Batalha, município de Ituporanga-SC.
Morou primeiro em Rio Sete onde casou (no civil) no dia 25.8.1894 (no religioso dia 4.10.1894) com Elisabeth Wenz (*14.8.1863 – †11.8.1938), em Rio São João, fi lha de Jacob
Wenz e Caroline Weber. 26 A terra de Emil Petsch veio a pertencer à família de Roberto Weber (casado com
Selma Petsch) e seus descendentes. A casa onde Emil residia foi abandonada e demolida e durante muitos anos ninguém morou naquele lugar. Recentemente foi construída novamente uma casa no mesmo lugar, de propriedade da família do já falecido Vilmar.
a escola de Rio São João em escola católica. Para isto se fazia necessário afastar o professor evangélico. Padre Schwirling reconhecia que Emil Petsch era professor competente em termos de conhecimentos, mas era muito relaxado e desorganizado. Depois de muita pressão, Emil Petsch, aborrecido, abandonou fi nalmente a escola e deixou de lecionar. Em seu lugar Padre Schwirling indicou Pedro Francisco Pereira. Embora sua mãe fosse de origem germânica e ele soubesse falar alemão, não tinha, no entanto, conhecimento da gramática alemã. Começou a lecionar no dia 19 de julho de 1910, mas em virtude do pouco conhecimento do alemão, foi substituído por Paul Guse27, que lecionou até 1917.
Com a saída de Paul Guse, a Escola Rio São João esteve fechada por algum tempo durante a Primeira Guerra Mundial. Há informações de que nesse período, Arthur Alfred Drechsel deu aula, em caráter particular, para um grupo de 11 crianças em sua residência. Após a guerra, a escola foi reaberta e vários professores se sucederam entre os quais a tradição oral lembra: Anna Koep, Franz Lo e Adam Hahn, entre outros.
Nessa época o governo de Santa Catarina procedeu a uma reforma do ensino que trouxe, entre outras consequências, a transformação das escolas comunitárias em escolas públicas subvencionadas pelo Estado. A Escola Rio São João foi transformada em escola pública desonerando os pais da mensalidade escolar. Se até então o ensino era ministrado em alemão, de agora em diante devia ser ministrado em português. Foi uma primeira tentativa de nacionalização do ensino. Todavia, como as crianças não entendiam nada em português, pois em casa só falavam o alemão, o professor nem sempre acatava o que a lei determinava e, na prática do dia a dia, ministrava as aulas em alemão.
Professor de grande infl uência na comunidade de Rio São João foi Rodolfo Foss (Voss). Quando jovem, estudou dois anos (1924-1926) na escola de formação de professores (Lehrerseminar) no internato dos padres Franciscanos de Blumenau, onde também prestou o serviço militar no Tiro de Guerra. Trabalhou em duas épocas na escola, a primeira de 1929 até meados de 1935, quando deixou o cargo e se mudou para Rio Abaixo.28
27 Paul Guse nasceu em Gnesen, Alemanha (hoje, Gniezno-Polônia), no dia 12 de julho de 1889 e faleceu em Criciúma no dia 1 de agosto de 1966. Era fi lho de Hermann Guse e
Anna Kossack. Casou em Rio São João no dia 14 de setembro de 1913 com Anna Rech, fi lha de Bernardo Rech e Josefi na Thiesen. 28 Em meados de 1935, Rodolfo mudou-se para Rio Abaixo (região de Ituporanga). Voltou, um ano mais tarde, a Rio São João, reassumindo a escola após a Segunda Guerra, em 1946.
Professor Rodolfo Foss e seus 55 alunos (23.6.1931)
Primeira fi la, em pé: 1) Arnoldo Fuchs, 2) Ernesto Manger, 3) Gregório dos Santos, 4) Francisco Floriano Cipriano, 5) Leopoldo Beumer, 6) Rafael Cipriano Floriano, 7) Raphael Schmidt, 8) Helmuth Mohr, 9), Frederico Schmidt. Segunda fi la, em pé: 10) Reinhold Scheidt, 11) Walter Manger, 12) Aloísio Dirksen, 13) Paulo Baumann, 14) Gabriel Heerdt, 15) Helmuth Ern, 16) Rodolfo Heinzen, 17) Maria Heerdt, 18) Emma Baumann, 19) Lúcia Heerdt, 20) Cecília Dirksen. Terceira fi la, em pé: 21) Roberto Weber, 22) Bruno Eyng, 23) Augusto Rech, 24) Bernardo Schmidt, 25) Erich Israel, 26) Erich Ern, 27) Gabriel Baumann, 28) Simão Israel, 29) Rosalina Schmidt, 30) Paulina Schreiber, 31) Herta Mohr, 32) Rosalina Beumer. Quarta fi la, sentados: 33) Helmuth Israel, 34) Crisantus Dirksen, 35) Alfredo Lemonje, 36) Willi Israel, 37) Leonardo Back, 38) Guilherme Schmidt, 39) Joaquim Heinzen, 40) Maria Rech, 41) Agatha Heerdt, 42) Hedwig Ern, 43), Constância M. da Silva, 44) Fernanda M. Joana. Quinta fi la, sentados: 45) Raimundo Steiner, 46) Elói Honorato Alves, 47) Max Hedel, 48) Fridolino Baumann, 49) Oscar Heinzen, 50) Wendelino Kuppas, 51) Ricardo Weber, 52) Paulina M. da Silva, 53)Johanna Schmidt, 54) Apolônia Heerdt, 55) Cecília Heerdt.
Em meados de 1935, Guilherme Koep assumiu a escola e nela trabalhou até dezembro de 1941. Quando jovem, estudara durante dois anos no internato do Colégio Santo Antônio dos Padres Franciscanos em Blumenau. Era homem moralmente íntegro, competente e muito respeitado.29
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial e a perseguição aos alemães e seus descendentes, Guilherme Koep esclareceu os alunos sobre os acontecimentos, pedindo que tivessem cuidado no falar, pois havia sido proibido o uso da língua alemã e que levassem para casa todo material e que o mantivessem bem escondido. Embora sendo apenas descendente de alemães, Guilherme foi substituído pela luso-brasileira Maria de Lourdes Carvalho, de Imaruí, que atuou nesta escola de fevereiro de 1942 a julho de 1943. Desta professora os alunos guardaram tristes recordações pela severidade e crueldade com que os tratava pelo fato de serem de origem alemã. A maioria das crianças não sabia falar o português ou, quando muito, sabiam apenas algumas palavras.
Os anos de guerra foram de terror e medo para as crianças e para toda a população, principalmente após a entrada do Brasil na guerra ao lado dos Aliados contra a Alemanha. Alunos entrevistados, que naquela época frequentaram a escola, narraram, entre outros, os seguintes fatos:
Certo dia, na hora do recreio, as crianças brincavam em volta da escola. Algumas caçavam borboletas entre a macega, perto da escola. A professora ouviu um aluno gritar: Hier ist noch ein, “aqui há mais uma”. O menino, Laudevino Ern, havia esquecido a proibição de falar em alemão. A professora suspendeu imediatamente o recreio, chamou todos para dentro da sala de aula e pôs o “infrator” Laudevino de castigo. Como era manhã de sol, o menino recebeu como castigo fi car de pé, sem chapéu, contra a parede branca onde batia em cheio o sol. A professora continuou tranquilamente sua aula. Passado algum tempo, o “infrator”, que estava de castigo fora da sala de aula, começou a chorar. Chorava e soluçava. E não parava de chorar e de gemer. Por fi m a professora foi tirar satisfação do choro. Diante de seus pés havia signifi cativa mancha de sangue decorrente de um sangramento do nariz por causa do calor do sol contra a pare-
29 Guilherme Koep (*8.12.1901 – †12.10.1964) era fi lho de Francisco Koep e Cristina
Boeing. De 1928 a 1929 estudou no Internato do Colégio Santo Antônio, dos Padres
Franciscanos, em Blumenau. Morava em Rio Café, no município de Rio Fortuna, mas durante a semana fi cava hospedado em casa de seu irmão Antônio, em Rio São João.
Terminada a guerra, ele voltou a lecionar, porém não em Rio São João, mas em Rio
Café, até se aposentar.