Touradas na ilha Terceira: tradição e turismo

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José Ormonde

Touradas na Ilha Terceira (Açores): (Tradição e turismo)

Dezembro de 2012


Touradas na ilha Terceira (Açores): Tradição e Turismo José Ormonde

Introdução Embora haja alguma controvérsia acerca da origem das touradas nos Açores, hoje é quase consensual que as mesmas terão sido trazidas pelos portugueses que povoaram o arquipélago. O seu desaparecimento em várias ilhas onde terão existido nos primórdios do povoamento e a sua manutenção na ilha Terceira tem contudo uma explicação muito curiosa. Segundo alguns autores, as touradas eram uma festa da nobreza e a sua manutenção na ilha Terceira deve-se ao facto desta ilha ser uma “mini corte” do país, pelo menos até meados do século XIX. A explicação acima para a persistência de uma tradição anacrónica e bárbara talvez tenha o seu fundamento pois entre os mais acérrimos defensores da tauromaquia está uma elite de “sangue azul”, conservadora ou mesmo reacionária, ligada à extremadireita político-partidária e à direita dos interesses económicos, coadjuvada por um bairrismo doentio que faz com que os interesses de sobrevivência económica de uma indústria decadente, por viver à custa do injustificado sofrimento animal, se sobreponham ao progresso e à evolução dos costumes e espezinhem os direitos humanos e o dos animais. Com este texto, necessariamente incompleto e com imprecisões, sobretudo porque não nos é possível, conhecer com rigor os valores envolvidos no apoio à tauromaquia pois estes ou não são divulgados ou são camuflados em apoios a festas populares ou em apoios à criação de gado, não pretendemos esgotar o assunto. É nossa intensão, apenas, apresentar alguns dados que poderão servir para rebater algumas mentiras que são persistentemente feitas circular com vista a justificar o injustificável: a manutenção de uma atividade, a tauromaquia, que apenas devia existir em museu que perpetuasse uma época em que a compaixão para com os animais que connosco partilham a vida na Terra era inexistente.


Tradição ou negócio sujo?

Não vamos voltar aqui a rebater o sacrossanto argumento de que a tauromaquia é uma tradição e como tal a todo o custo deve ser mantida, sabendo-se que ao longo da presença humana nos Açores várias tradições foram sendo substituídas ou caíram no esquecimento. Se a tauromaquia não caiu em desuso, sobretudo na ilha Terceira, e se tem sido feito um esforço por parte dos seus promotores, com apoios governamentais e autárquicos, para a estender a outras ilhas, a razão não pode ser a da manutenção da cruel tradição, que para além de maltratar e levar à morte animais também é responsável anualmente por dezenas de feridos e mortes de humanos, como ocorreu este ano na Terceira e no Pico. Se fosse válido argumento da tradição por que razão, na ilha Terceira, o número de touradas não tradicionais é superior ao das tradicionais (fig.1)?

Nº de touradas à corda em 2012 126

125

124 122 120 118

Nº de touradas em 2012

116 116 114 112 110 Tradicional

Não tradicional

Fig.1- Número de touradas à corda na ilha Terceira (até 15 de Outubro de 2012) (Fonte Diário Insular).


Se fosse válido argumento da tradição por que razão, na ilha Terceira, o número de touradas tem vindo a crescer, apesar de algum decrescimento, nos últimos anos, associado à crise económica que atinge o arquipélago (fig.2)?

Número de touradas à corda 300 250 200 150

Número de touradas à corda

100

Linear (Número de touradas à corda)

50 0 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Fig.2- Número de touradas à corda na ilha Terceira, de 2001 a 2011 (Fonte: Diário Insular).

Se o grande argumento para a manutenção das touradas é a tradição por que razão continua a fina flor dos aficionados a pugnar pela legalização da sorte de varas, sempre sonhando com a introdução dos touros de morte, logo a seguir? Com certeza não é pelo simples regresso aos séculos XVIII ou XIX, onde a violência contra os touros era muito maior e na “festa” também participavam escravos. A verdadeira razão é que associado ao sadismo de alguns está o negócio sujo para uns poucos que tem sobrevivido à custa de dinheiros públicos e da hipocrisia da comunidade europeia que se tem, importado com o tamanho das peras ou dos pepinos, que se tem preocupado com as áreas das gaiolas das galinhas poedeiras, mas que diz que não está no seu âmbito intervir na questão do massacre de touros para divertimento de alguns.


Atração turística ou esbanjamento de dinheiros públicos?

Um dos grandes argumentos em defesa da tauromaquia, pelos seus promotores, é o facto da mesma constituir um importante polo de atracão turística para a ilha Terceira. Igual opinião tinha o anterior Governo Regional dos Açores que apoiou diversos eventos ligados à tauromaquia com o argumento de estar a atrair visitantes sobretudo em período de época baixa. Mas, como mais importante do que conversa fiada, é necessário salientar as dificuldades por que passam as unidades hoteleiras da ilha Terceira, com ameaça de fecho por parte de algumas e com taxas de ocupação anuais que não chegam aos quarenta por cento, no caso de outras. Igualmente importante é demonstrar a falsidade das afirmações, dos aficionados de touradas e de todos os que com eles são coniventes, através da apresentação de alguns números. Assim, a seguir iremos apresentar o que se passa com a evolução do turismo na ilha Terceira, em comparação com a evolução na ilha de São Miguel, onde não houve, segundo cremos, subsídios da região ou das autarquias à indústria tauromáquica. Para tal, ao acaso, escolhemos como indicador o número de hóspedes por ilha. Depois, apresentaremos alguns dados, com certeza incompletos, sobre o apoio à tauromaquia terceirense. Enquanto nos Açores tem havido um aumento do número de hóspedes, entre 2001 e 2011 (fig.3), na ilha Terceira, apesar dos investimentos na tauromaquia (fig. 3 e fig. 4), o crescimento é muito reduzido. Analisando com mais pormenor, podemos verificar que enquanto na ilha Terceira o número de hóspedes, tendo em conta os números de 2001 e de 2011, subiu apenas 25,5%, em São Miguel, a subida foi de 59,6% e, nos Açores, foi de 42,4%.


Número de hóspedes

400000 350000 300000 250000 200000 150000 100000 50000 0 2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2009

Terceira

São Miguel

Açores

Linear (Terceira)

Linear (São Miguel)

Linear (Açores)

2010

2011

Fig.3- Evolução do número de hóspedes, em São Miguel, na Terceira e nos Açores (Fonte: SRE).

Para ficarmos com a ideia, muito incompleta e por baixo, dos valores esbanjados em nome de uma cruel tradição ou de um pretenso investimento no turismo, a seguir apresentam-se os montantes de apoios à tauromaquia. No que diz respeito às touradas à corda, apenas se incluíram apoios à Associação Regional de Criadores de Touros de Touradas à Corda e Delegação dos Açores da Casa de Pessoal da RTP, sendo o montante total, para os anos 2004, 2005, 2008, 2009, 2011 e 2012, no valor de 446 638 euros (anexo1). Nos outros apoios à tauromaquia incluíram-se apoios aos eventos tauromáquicos das Sanjoaninas (não todos os anos), à Feira Taurina das Festas da Praia (apenas 2022), subsídios e outros apoios à (TTT) Tertúlia Tauromáquica Terceirense e ao Grupo Forcados Amadores da TTT e os apoios ao Monumento ao Touro, o que perfaz um total de 1 638 062 euros (anexo 1). Globalmente, o valor que encontramos, que perca por defeito, foi de 2 084 700 euros.


2500000

2000000

Corda Praça e Outros apoios

1500000

Global

1000000

500000

0 2004

2005

2008

2009

2010

2011

2012

20042012

Fig.4- Apoios concedidos à tauromaquia (Fonte: Jornal Oficial e comunicação social).

Considerações finais

Perfeitamente rebatíveis os dois principais argumentos dos defensores da tauromaquia, tradição e fomento do turismo, bem como todos os outros que tradicionalmente são usados, como o da defesa da espécie (touro) ou o do contributo da tauromaquia para a criação de habitats favoráveis à presença de espécies endémicas dos Açores ou do seu pretenso contributo para as economias locais, cabe a todos os defensores de uns Açores mais justos e solidários não baixar os braços, mesmo sabendo estarmos perante um inimigo que tem a seu lado o poder económico e tem tido o político. Neste momento, em que a esmagadora maioria da população está a passar por dificuldades, o argumento que mais peso poderá ter junto dos açorianos, a par do do sofrimento desnecessário dos animais, é o do desperdício de parte do dinheiro dos nossos impostos para sustentar uma atividade repudiada em quase todo o mundo, pelo menos pelas pessoas mais cultas e civilizadas. Não nos cansemos de denunciar aos sete ventos a incúria com que é gerido o património quê é de todos. Para o bem de todos, para uns Açores Melhores.


ANEXO 1

Apoios regionais e autárquicos à tauromaquia Corda 2004 2005 2008 2009 2010 2011 2012 2004-2012

Praça e Outros apoios 120 250 66 000 175 688 49 000 5 000 30 700 446 638

88 750 296 464 293 348 587 500 372 000 1 638 062

Global 120 250 66 000 264 438 345 464 293 348 592 500 402 700 2 084 700


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