Janeiro de 2018 Nº 11
VIDA NOVA
Publicação Libertária Açoriana
A LUTA DOS PROFESSORES NÂO PODE PARAR na há hora onde decorreu a receConvocada pelo Sindicato De-
ção de ano novo do Presidente do
nomia e algum oportunis-
mocrático dos Professores,
mo de alguns docentes
nos passados dias 3, 4 e 5
resultantes de algum ego-
de janeiro, alguns professo-
ísmo, de uma burocratiza-
res dos Açores estiveram
ção sindical e da origem
em greve para exigir o des-
social de alguns professo-
congelamento da carreira
res e educadores.
docente e a contagem integral do tempo de serviço
Analisando o papel das
congelado.
forças partidárias, regista -se o seu silêncio. De al-
Durante os três dias de greve e,
Governo
diversos
gum modo indicativa da
talvez, para responder a uma
“representantes da sociedade aço-
posição do PCP, está um
provocação do Secretário Regi-
riana” que mais não eram os polí-
texto de um seu dirigente
onal de Educação que afirmou
ticos que vivem à custa do orça-
e antigo deputado que
que o que os professores pre-
mento e representantes da burgue-
considerou a greve extem-
tenderam com a marcação da
sia grande e pequena que vice da
porânea.
greve para os primeiros dias
exploração da força de trabalho da
do 2º período foi prolongar as
maioria do povo açoriano e de
A luta dos professores só
férias, os professores fizeram
apoios estatais.
poderá ser vitoriosa se
Regional
a
aqueles
questão de comparecer em
confiarem
nas
concentrações que se realiza-
Se o número de professores pre-
próprias forças e se se
ram em vários pontos de Ponta
sentes nas concentrações por vezes
unirem,
Delgada.
terá rondado as duas centenas, o
mente das suas ideologias,
que não é mau, e se a greve não
opções partidárias ou fili-
Já depois de terminada a gre-
teve a adesão da maioria dos do-
ações sindicais, na luta
ve, no passado dia 6 de janeiro,
centes, tal deveu-se à falta de uni-
pela defesa dos seus direi-
houve uma nova concentração
ão dos sindicatos e à pouca auto-
tos.
em frente ao Palácio de Santa-
independente-
J.S.
Página 2
VIDA NOVA
ANTÓNIO JOSÉ DE ÁVILA Nasceu em Angra do Heroísmo, Ilha Ter-
Em El1vas organizou um curso noturno
ceira, Açores, no bairro do Corpo Santo,
para adultos, em que o livro de leitura
habitado, principalmente, por operários e
usado era a "Anarquia" de Malatesta.
pescadores. Por causa desta escola veio ele a ser preso Com estes últimos, de que alguns eram
e transferido para Lisboa, tendo estado
seus parentes, aprendeu bem cedo como
algum tempo detido na cadeia do Limoei-
era dura a vida dos que lutam pelo pão de
ro.
Conhecendo a índole do povo terceirense, o seu espírito solidário, pensou ir para lá viver e pela persuasão conseguir transformar a ilha numa comuna anarquista. E depois diria ao mundo: "aqui está um exemplo vivo, do que nos pretendemos". Não tentou, porém, realizar este sonho
cada dia, somente contando com a força dos seus músculos.
Mas dizia que, quando a polícia o desco-
Desde criança mostrou grande gosto e
briu, já ele era quase um inofensivo.
habilidade pela pintura, e por isso quando jovem deslocou-se para o Continente, a
A sementeira das suas ideias libertárias já
fim de frequentar a Escola de Belas-Artes
estava
de Lisboa.
sindicalismo se expandia impetuosamente
feita,
e
quando
o
anarco-
pelas terras alentejanas, para isto também Mas teve de desistir desse prop6sito, por-
algo contribuiu essa sua sementeira.
que lhe faltou o auxílio, que lhe tinham
Antônio José de Ávila teve dois sonhos na
prometido.
sua vida, que não realizou.
Dedicou-se então à pintura decorativa,
O primeiro era a fundação dum diário
tendo trabalhado em Lisboa, em Beja, em
neutro, ocupando-se de todos os assuntos,
Elvas e já no fim da sua carreira profissio-
e fazendo-lhes os respetivos comentários,
nal, na Figueira da Foz, num palácio ali
segundo a ideia anarquista. E quando al-
construído pela família Sotomayor.
guém observasse, "mas isso é anarquismo" responder-se-ia: "se é anarquismo conde-
Tinha por hábito não manifestar, de entra-
narmos este ou aquele mal, então bendito
da, as suas ideias, nas terras onde era des-
anarquismo".
conhecido. Só o fazia, depois de se ter tornado respeitado e estimado pelo seu
E deste modo, seria feita a propaganda das
correto procedimento.
nossas doutrinas.
Tendo sido apresentado por Antero de
Como já disse, nunca pôde realizar este
Quental ao pedagogo João de Deus, este
sonho, embora tivesse cooperado no diário
expôs-lhe o seu método de ensino ainda
sindicalista "A Greve”, mas com outra
em elaboração.
feição. Também o interessou o aparecimento do diário sindicalista "A Batalha”,
Ávila aprendeu-o imediatamente e entusi-
em que já não cooperou pela sua idade,
asta da instrução, começou logo a utilizá-
embora frequentasse a redação, dando as
lo em pessoas suas conhecidas.
suas opiniões, as suas sugestões.
ilusório, porque as vicissitudes da sua vida não lhe permitiram, nem de passeio, voltar à ilha Terceira. Quando foi do regicídio em 1908, a rainha afirmou que nenhum dos homens mortos pela polícia era o que tinha subido à carruagem e matara o rei e o príncipe. Desejando vingar-se, insistia por que a policia encontrasse esse homem, mas esta por falta de pista, ou por não querer procurá-la, lembrou-se dos anarquistas, para os utilizar como bodes expiatórios. Assim, foram presos António José de Ávila, o espanhol Miguel Córdoba e Augusto Machado. Foram encerrados num dos quartéis da Guarda Municipal. Supunha a polícia, que ninguém por eles acudiria, e que assim satisfariam a vontade da rainha. Nisto, porém, enganaram-se; a imprensa republicana ainda na oposição, fez grande campanha de protesto contra essas prisões ,e passado algum tempo foram os três libertados.
Página 3
Na invalidez, foi ajudado e mantido O Neno Vasco aconselhou-o a escrever
por vários camaradas, cujas casas
alguns episódios da sua vida, mas ele
frequentava regularmente.
nada fez. No
tinha
guardado
Assim, na primavera de 1923 en-
nenhuma
contrava-se na vila de Alenquer, de
documentação, mas ouvi-o lamentar não
visita ao anarquista Jorge Campelo,
ter ficado com uma correspondência
que ali possuía uma padaria. Ora,
trocada entre os anarquistas comunistas
foi na casa do forno desta padaria,
portugueses e os anarquistas coletivistas
que se realizou a Conferência onde
espanhóis, em que estes últimos acabaram
foi constituída a União Anarquista
por aceitar o comunismo, deixando a
Portuguesa.
designação de coletivistas.
Durante esta guerra, (não me lembro, se nos Possivelmente, embora no o dissesse,
tempos da ditadura afonsista ou da ditadura
teria sido ele um desses anarquistas
sidonista), passou um dos períodos mais
portugueses,
dolorosos da sua vida.
ou
o
grupo
a
que
pertencesse. Na Conferência Anarquista de Lisboa, de 1914,
colaborou
ele
ativamente,
orientando os trabalhos, de parceria com Emílio Costa, duma maneira
muito
compreensiva. Esta
Numa sessão - creio que contra a carestia excecionalmente, exaltou-se, intervindo a autoridade, que o entregou a dois soldados da guarda republicana. Duas feras, que o conduziram dos lados da Praça da Figueira para o Governo Civil à coronhada.
Conferência
foi
convocada,
sobretudo, para nomear um delegado ao Congresso anarquista internacional, que teria lugar nesse verão, em Londres, mas que a conflagração europeia impediu a sua realização.
Quando ia quase a cair para um lado com a violência duma pancada, era mantido de pé com uma pancada doutro lado. Já dentro do Governo Civil foi espancado mais brutalmente, na presença de outras
Tinha sido nomeado por Lisboa o então militante corticeiro Sebastião Eugénio.
pessoas, a quem ele pediu socorro, mas que se conservaram indiferentes. .Mais tarde foi conduzido para o Forte da Serra de Mon-
O Porto nomeara seu delegado Serafim
santo, onde permaneceu até ao fracasso da
Cardoso Lucena.
tentativa de restauração da monarquia em Portugal.
Foi, pois, certamente por interferência do Ávila que essa Conferência ali se efetuou. A seguir os anarquistas António Altavila, José Carlos de Sousa, Augusto Carlos Rodrigues, Lucena de Carvalho e Ávila constituíram um grupo, no qual, por alvitre do António José Ávila, eu também entrei. Foi, pois, graças a ele que entrei em contacto mais íntimo com o José Carlos de Sousa, estabelecendo-se entre nós uma sólida amizade, que só terminou com a sua morte, em 1935. No verão de 1923, o Ávila, que sempre tinha sofrido do aparelho digestivo desde a infância, começou a sentir-se mal e deu entrada no Hospital de S. José, onde faleceu nos fins desse ano.
António José de Ávila foi um dos a
Uma vez em liberdade continuou o seu
manifestarem a sua absoluta discordância
apostolado sem desânimos nem desfaleci-
com a atitude "guerrista" de Pedro
mentos.
primeiros
Kropotkine
anarquistas
e
portugueses
doutros
conhecidos
anarquistas.
Às vezes comentava: "no tempo da monarquia, f'ui preso e conduzido de trem para o
Afirmou, assim, a sua fidelidade às suas
governo civil, no tempo da república fui a
anteriores ideias internacionalistas.
pé e à coronhada".
O seu enterro foi imponente. Nele se incorporaram com os seus estandartes muitos dos componentes dos sindicatos de Lisboa, onde era bastante conhecido.
AÇORES INDEPENDENTES? “O sistema federativo é o oposto da hierarquia ou centralização administrativa e governamental.” (Proudhon)
António José de Ávila O cortejo interrompeu o transito na Avenida Almirante Reis, e os transeuntes perguntavam de quem se tratava. No cemitério falaram, entre outros, o velho anarquista Vagueiro. Alguns comunistas, ex-anarquistas, também acompanharam o funeral, e observado, certamente, o prestígio que o anarquista Ávila tinha entre o
Ao longo da história dos Açores surgiram pessoas ou movimentos que defenderam uma maior autonomia para quem cá vivia ou mesmo a separação do arquipélago de Portugal, tornando-se totalmente independente ou ligado a outro país. Depois do 25 de abril de 1974, surgiu um movimento, a FLA, que embora clandestino sempre foi tolerado pelo regime ou mesmo usado por alguns partidos, nomeadamente pelo PSD, como força de pressão junto do governo central. As injustiças a que o povo açoriano foi (e continua) sujeito poderiam ter levado a uma tomada de consciência e, aproveitando os novos ventos que fizeram surgir os denominados movimentos de libertação africanos, a uma revolta contra o poder central e os seus agentes açorianos, na sua maioria, no arquipélago. Contudo, uma análise à origem social dos líderes da FLA e do movimento que a antecedeu, o MAPA, verifica-se que, para além de serem “os donos disto tudo”, eram pessoas ligadas à ditadura então derrubada e que mais do que combater o chamado gonçalvismo, que surgiu depois, o que sempre pretenderam foi a manutenção dos privilégios que sempre tiveram e a perpetuação a exploração do homem pelo homem, o que foi conseguido.
proletariado de Lisboa, trataram de o desacreditar, espalhando que se tratava dum sátiro, dum sádico, desrespeitando as mulheres dos camaradas e que de uma delas f6ra expulso como indesejável. Isto era absolutamente falso, porque nas
Passados 44 anos da chamada Revolução dos Cravos, apesar da autonomia política e administrativa, que foi posta pelos partidos do arco do poder, PSD e PS, ao serviço das suas máquinas partidárias, a região não se desenvolveu como seria desejável, as desigualdades sociais persistiram e a pobreza apenas foi modernizada. A democracia representativa não levou a uma maior participação dos cidadãos na gestão do que é de todos e o desinteresse pelos atos eleitorais, onde são eleitos apenas os do costume, não tem diminuído.
casas de todos os camaradas, que frequentava regularmente, era muito estimado e as crianças adoravam-no. A sua morte foi bastante sentida por algumas dessas pessoas.
A moribunda e residual FLA, aproveitando os ventos vindos da Catalunha, volta a falar em independência e a agitar, agora, a bandeira da criação de partidos regionais. Será que o nacionalismo, a independência, com a criação de um novo aparelho de estado interessam aos açorianos?
Algum tempo depois da sua morte, os anarquistas António Altavila e António Pinto Quartim decidiram publicar um "In Memoriam" de Ávila, tendo-me convidado, ao José Carlos de Sousa e outros para algu-
Embora alguns libertários achem que não é incompatível a libertação nacional com o internacionalismo, defendendo que os anarquistas devem lutar pelas independências e depois de conseguidas estas continuar a luta por uma sociedade verdadeiramente livre contra os novos estados então criados, achamos que este não é o caminho a seguir.
ma coisa escreverem sobre a personalidade desse indefetível anarquista. Reuniu-se esse material, mas no sei por que razão, demorou-se a sua
Desde a Iª Internacional Operária, cujos princípios foram divulgados em Portugal por Antero de Quental, os libertários defendem que a divisão da humanidade em Estados é uma preocupação da burguesia e não dos trabalhadores que deviam concentrar a sua atenção nas questões sociais, isto é, na luta contra as classes exploradoras.
publicação, e por causa da ditadura, já nada se pode fazer. Adriano Botelho (A Ideia, nº 12, inverno de 1979)
Face ao exposto, a luta de quem quer a verdadeira libertação dos Açores tem de passar pela conquista de autonomia por parte de cada açoriano de modo que cada um adquira a capacidade de “governar” sem intermediários partidários ou outros, pela defesa de uma efetiva autodeterminação de modo a que possa escolher o sistema politico e social mais conveniente e, por último, lutar por uma adesão a uma Federação de Povos, onde a identidade açoriana seja verdadeiramente respeitada. José Libertário