Nº 6
Agosto de 2014
No fundo do poço A sociedade açoriana continua mergulhada numa grave crise que afeta quem vive vendendo a sua força de trabalho, que quando não tem os salários em atraso assiste à sua redução ou quem se encontra no desemprego. O Governo Regional dos Açores, fiel à sua função de agente do capitalismo, vai distribuindo algumas migalhas pelos mais desfavorecidos e vai fomentando festas alienadoras, sobretudo para os mais jovens. Nesta sua função caritativa e festivaleira, o governo é acolitado pela Igreja Católica que, através das comissões de festas, é uma grande organizadora de eventos musicais pimba e de touradas. Os partidos políticos, qualquer que seja o quadrante, estão conformados com a sua situação de partilha do poder e nada fazem para além de tentar obter mais ganhos nas próximas eleições. Os sindicatos, que sempre foram controlados por agentes partidários, estão paralisados e têm servido para alguns dirigentes fugirem ao seu local de trabalho e de trampolim para a ocupação de cargos no governo ou nos parlamentos. A título de exemplo menciona-se o caso de uma dirigente da CGTP que hoje é deputada socialista no parlamento açoriano ou de uma dirigente da UGT que virou deputada europeia pela coligação PSD/CDS. Esta situação só poderá ser alterada quando as pessoas se organizarem, autonomamente, para lutar, sem tréguas, por uma sociedade mais solidária.
José Libertário
Vida Nova nº 6 Agosto de 2014
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Diversos
António José d’Ávila
ANARQUIA, Queridas crianças, é a doutrina que não se
O anarquista António José d’Ávila nasceu
conformando com o modo como a
em Angra do Heroísmo, ilha Terceira, por
humanidade está organizada, desde que
volta de 1853, tendo falecido a 1 de Janeiro
começou a vida em sociedade, tenta dar
de 1923.
um sentido à vida baseado nos princípios sagrados
do
amor
universal
e
da
Pintor de profissão, António José d’Ávila viveu grande parte da sua vida em Angra do
solidariedade humana.
Heroísmo, no Alentejo e em Lisboa. A sua missão é acabar com a desigualdade prevalecente entre os seres, que os divide em
pobres
e
ricos,
explorados
e
exploradores, escravos e dominadores.
Esteve preso, em 1908, por suspeita de regicídio, tendo encontrado, na prisão, entre outros, José de Jesus Gabriel, José do Vale, José Bacelar, Miguel Córdoba, António Evaristo, João Caldeira, Sebastião Eugénio e
Que vida seja tal como deve ser: a livre manifestação
das
faculdades,
João Borges e em 1917 durante o sidonismo.
a
espontaneidade dos atos, a libertação
Sobre as duas prisões, António José d’Ávila
final, destruindo as causas que se opõem a
comentou: “No tempo da monarquia, fui
que a sociedade se baseie na mais
preso e conduzido de trem para o Governo
completa liberdade e na independência
Civil; no tempo da República, fui a pé e à
absoluta. Entre as causas que anarquia
coronhada”.
quer destruir por considera-las nocivas e prejudiciais para o livre desenvolvimento individual e coletivo, posso enumerar as seguintes para que eles não se esqueçam nunca que, ao combatê-las, trabalhamos
Nunca renegou os seus ideais, mantendo-se anarquista até morrer. Ao longo da sua vida foi membro dos grupos Anarquistas "O Norte" e "O Semeador" e colaborou nos jornais “A Greve” e “A Batalha”.
para o bem-estar de todos. António José d’Ávila manteve relações Militarismo,
o
clericalismo
e
o
próximas com Antero de Quental na altura
capitalismo.
em que este se correspondia com anarquistas
Texto de José António Emmanuel: Anarquia
como Jean Grave, Anselmo Lorenzo,
explicada às crianças
Elisée Reclus e Kropótkine.
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Educação
FRANCISCO FERRER E A PEDAGOGIA LIBERTÁRIA¹ I Educação & liberdade
“Se não for libertária, toda pedagogia é autoritária”
A pedagogia é uma área de investigação humana na qual predomina, como é o caso da história e da sociologia, uma abordagem política. Este ponto de vista predominante é facilmente justificável não apenas por causa da reflexão sobre os resultados sociais da educação, ou seja, a questão de saber se o ensino envolve reprodução ou transformação da realidade social, mas também em função da natureza das relações de poder que permeiam o próprio contexto de ensino-aprendizado. Sendo mais direto e provocador: será que o saber é gerador de assimetrias? Será que só é possível aprender com base na obediência? Desde a perspectiva anarquista de conceber a política, temos duas formas básicas de relação interpessoal: a vertical e a horizontal. Na primeira forma, predomina um desequilíbrio da relação humana através da sobreposição ou imposição da vontade de um só ou de um grupo minoritário sobre os outros. Temos, portanto, na relação vertical diferentes tipos de dominação e hierarquia. Na segunda forma, temos uma relação baseada no entendimento mútuo, numa associação livre entre sujeitos históricos que se autogovernam, na qual todos os envolvidos participam diretamente da organização das atividades em pauta e na tomada de decisões. Há uma antiga palavra para descrever este tipo especial de convívio humano: “anarquia”, ou seja, ordem na ausência de dominação exterior. A realização desse tipo de sociabilidade, de convivência, pode ser constatada em todos os âmbitos da vida humana, incluindo a educação. A pedagogia libertária é fruto do esforço de diferentes anarquistas para criar instituições e estratégias de fomento e difusão de saberes que permitam a realização da educação para a liberdade, através da liberdade. Este campo de Vida Nova nº 6 Agosto de 2014
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processos educativos libertários ilustra de modo bastante claro a máxima libertária de que “os fins já estão inseridos nos meios”. Um obstáculo central para o projeto de uma educação livre consiste no fato de que vivemos todos numa sociedade amplamente organizada em termos verticais. A necessidade de educação livre surge diante da deformação autoritária que sofremos na vida social. Em todos os espaços sociais encontramos a presença de personagens ou funções impositivas, na família o pai, na escola o professor, na rua o policial, no trabalho o patrão, etc. Somos submetidos desde a infância a uma socialização que está sempre marcada pela ênfase na repetição das assimetrias e na falta de autonomia. Por isso, a pedagogia libertária nunca esteve restrita ao âmbito da escola ou das instituições de ensino. É necessário modificar a formação humana não apenas na escola formal, mas também na vida familiar e comunitária, na medida em que estamos continuamente aprendendo e ensinando uns aos outros. Ainda assim, a criação de escolas livres e/ou de espaços alternativos como lugar de aprendizagem e intercâmbio de ideias não deve ser subestimado, pois se trata de uma ação direta que abre a possibilidade concreta de aprendizado da liberdade. A pedagogia libertária é necessária não apenas para aprendermos na liberdade, mas para aprendermos a ser livres conjuntamente. No movimento anarquista, a clareza a respeito da necessidade de escolas e espaços é uma constante que atravessa os contextos históricos e sociais. A educação sempre foi vista como um elemento central para a transformação social, ainda que a contribuição da educação nunca tenha sido isoladamente, nem muito menos encarada como a panaceia universal. De qualquer modo, pressupondo que nenhuma ordem social e política é sustentada apenas na base do chicote e do dinheiro, ou seja, através do poder político e econômico, os anarquistas rapidamente reconheceram a importância da luta ideológica, defenderam o papel da transformação da consciência e da visão de mundo. Através da transmissão de um sistema de crenças e valores, a família e a escola contribuem de modo bastante essencial para a manutenção da realidade social. Há, por assim dizer, um tipo de escravidão psicológica que deve ser superado juntamente com o fim da exploração econômica e a opressão política. ¹Texto organizado por Difusão Libertária por ocasião da 1ª Jornada de Pedagogia Libertária – Ato I Fonte: http://difusaolibertaria.wordpress.com/2012/11/04/francisco-ferrer-e-a-pedagogialibertaria%C2%B9/
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