the digital issue
october 2012 vert-mag.com
- 40 Anos de Bodyboard - The Rawlins Beat - Pierre-Louis Costes - Puerto Sessions - Rostos do Bodyboard -
outubro 2012 facebook.com/ vertmagazine
teaser photo
Lao Tzu
The phrase is for itself alone tremendous motivational. However it carries a second sense that everybody are able to achieve more. André Vareta may tell you a few extra things about it, specially when he saw himself right in the middle of this bomb of the Portuguese winter.
When I let go of what I am, I become what I might be. A frase – “Quando liberto o que sou, torno-me no que poderei ser” – é por si só tremendamente motivacional. Todavia carrega um segundo sentido de que todos nós podemos ser bem mais do que que somos na realidade. André Vareta numa das sessões mais pesadas do inverno português.
Pic
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Wilson
Ribeiro
----Cover Fred Temorere @ Teahupoo Pic_Stork -----
----The navigators Ed > António Fonseca Associate Ed > Ricardo Vieira Design > David Rafachinho -----
----Photogs > Miguel Nunes, Tó Mané, João Melo, João Bracourt, Eric Schnitzler, Ricardo Nascimento, Pedro Mestre, Calum Macaulay, Stork, João Serpa, Alexis Diaz, Sacha Specker, Tony Mateo, Lee Kelly, Ricardo Amaral, Nick Bannehr, Trent Mitchell, Tim Jones, João ZMS, Ray Collins, Jem Cresswell, Henrique Pinguim, Edu Bartolome, Mickey Smith, Wilson Ribeiro e Bruno Aleixo -----
sCRAP BOOK
A hora digital
[TXT] António Fonseca
Nós sabemos que a última edição da Vert saiu para as bancas há menos de um mês, mas a verdade é que já tínhamos o desejo louco de expedir edições no iTunes – plataforma em que somos pioneiros – há muito tempo. Com a dificuldade cada vez mais presente em lançar para as bancas as habituais edições em papel, essencialmente devido à falta de anunciantes e aos elevados custos de produção, chegou a hora de fazer o teste e aproveitar todas as vantagens que o mundo digital coloca ao nosso dispor. ----Sam Bennet Itacoatiara Pic_ Specker/IBA -----
Assim, neste primeiro trabalho, o que optámos por fazer inicialmente foi compilar alguns assuntos de referência do último ano. No entanto, não foi apenas isso que fizemos. É que praticamente todos os artigos foram revistos e melhorados; em alguns casos até aumentámos o número de páginas graças à inclusão de novas fantásticas imagens a que seguramente nenhum de vós ficará indiferente. Por outro lado revelamos também alguns conteúdos e imagens exclusivas, nunca antes publicados, que se prendem a uma esfera internacional, para que os bodyboarders do globo se atualizem e se apercebam para onde o bodyboard efetivamente caminha. Esperamos que gostem!
We know that the last edition of Vert Magazine was published in less than a month, but the truth is we had the crazy desire of producing exclusive editions for iTunes a long time ago. With the more and more present difficulty in releasing paper editions, essentially due to the absence of announcers and highly production costs, it´s time to make a new test by taking advantage of all the advantages that the digital world puts in our hands. So, in this first work, we decide to compile some articles of reference of the last year. However, we did a little more than that. Practically all of those articles were reviewed and improved; in some cases the number of pages were incresead through fantastic action images – none of you will stay indifferent! On the other hand we also reveal some exclusive content and images, that are bound to an international sphere, so the bodyboarders can notice which way the sport actually is going. We hope you like it!
THe digital hour
{ Tim jones }
Hauoli Reeves a divertir-se em Sandy Beach é um retrato que nos transporta para os tempos de criança, mas também para as primeiras sensações do bodyboard.
O dia começou com um vendaval terrível e as ondas, desordenadas e sem força, não ultrapassavam os dois pés de altura. Em Kailua, cerca de 20 km a nordeste de Honolulu, capital do Havai, um homem trabalhava num pedaço de polietileno Dow, na esperança de criar um molde que lhe permitisse deslizar nas ondas. Uma manhã bastou e, à hora do almoço, já se encontrava pronto para estrear a sua obra-prima. As fracas ondas que davam à costa não o demoveram e, de pés-de-pato na mão e com um bloco debaixo do braço, o homem lança-se ao mar. Tom Morey era o seu nome e, através da sua criatividade, o bodyboard acabava de nascer, a 7 de julho de 1971. Passámos agora a barreira das quatro décadas de existência e, entre todos esses anos, contamos inúmeros altos e baixos, vitórias e derrotas, de um desporto que, digam o que disserem, ainda corre atrás da sua afirmação e independência. Certo é que, olhando para trás, para todas as incidências que decalcaram o bodyboard até ao que ele é no presente, constatamos, sem dúvidas, que nos encontramos no ponto mais alto da montanha da sua história: o circuito mundial está ao rubro, com etapas em ondas cem por cento bodyboard, com duas divisões em disputa e com uma transmissão online irrepreensível; surfamos e desafiamos ondas de consequência pela constante vontade em estender os próprios limites do bodyboard; e temos uma legião de praticantes que não para de crescer.
Porém, também nos encontramos numa encruzilhada, onde se avizinham muitos desafios para os tempos mais próximos: o balanço sobre o primeiro ano do novo modelo competitivo vai ditar o futuro da competição mundial, pois do seu sucesso (ou fracasso) dependem muitos dos apoios que agora nos assistem; a vertente ecológica do bodyboard tem de ser uma prioridade; a sobrevivência da própria indústria tem de ser ponderada, com o objetivo primário de atrair, no mínimo, os seus praticantes; e a nova geração tem de assimilar e continuar com a herança que lhes foi delegada. Portugal não está imune a todos estes desafios, mas, a bem da verdade, tem muitos mais obstáculos para ultrapassar do que qualquer outra nação bodyboarder. Somos um país à beira-mar plantado, o ponto europeu mais ocidental, com uma costa versátil e rica em ondas e temos uma tradição no bodyboard como poucos países se podem orgulhar. Afinal, em que é que estamos a falhar? Para onde nos dirigimos? Qual o nosso lugar ao fim de 40 anos de história? Sejamos realistas, à passagem destas quatro décadas, enfrentamos, primeiro que tudo, uma autêntica crise de identidade. E o combate tem de começar pela definição daquilo que pretendemos para o bodyboard em Portugal. Até podia mencionar aqui a mais que batida lengalenga sobre a indústria, como ela está estagnada, se não mesmo em declínio, e como nós, praticantes, somos os principais responsáveis pela sua lenta e angustiante morte. Podia, também, aferir sobre o estado da nossa nova geração, em como não vislumbramos um nome a quem se possa entregar o testemunho, em como ninguém se destaca como potencial sucessor de quem já nos representa nos campeonatos mundiais. Podia falar de muitas mais coisas, mas seria bater na mesma tecla e, além da tecla já estar desgastada, este discurso começa a esgotar.
Prefiro dar conta de como passámos e assinalámos o 7/7 no nosso país, de como prestámos tributo ao nascimento do desporto que mudou e moldou as nossas vidas. Pois bem, na realidade, não prestámos homenagem alguma. No passado dia 7 de julho, dia dos 40 anos do bodyboard, realizaram-se diversos campeonatos, tanto regionais como nacionais, ao longo da nossa costa. E até parece mentira, mas quantos deles pararam por uns momentos para relembrar tão importante dia? Alguém se lembrou do 7/7? Como é que conseguiremos transmitir o feeling do bodyboard aos mais novos se ignoramos a única data que temos para celebrar a existência do desporto? É um pouco como o futebol... Como é que um plantel pode espalhar a mística de um clube a um jogador recém-chegado se não tiver no seu grupo alguém que conheça bem os cantos à casa e que saiba o real peso da camisola que veste? Olhemos para o Brasil, onde a festa foi outra. O 7/7 foi relembrado com pompa e circunstância. Marcos Kung, lenda viva do bodyboard canarinho, reuniu vários internacionais brasileiros para um encontro de confraternização entre miúdos e graúdos. Uma verdadeira festa ao bodyboard, o reconhecimento da importância que o desporto tem nas suas vidas. Talvez seja o sinal de que, no fundo, eles são mais puros e únicos do que nós. Quem sabe... Em Portugal, a passagem destes 40 anos do bodyboard foi nula (salvo raros apontamentos na Web), quando deveria ter sido uma chamada de atenção para os terrenos que temos de enfrentar nos próximos tempos. Uma coisa é tão certa como a água ser transparente: o bodyboard português atravessa uma verdadeira crise de identidade e ainda não descobriu para onde se move.
Ricardo Miguel Vieira
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“eu era apenas uma hOmem que estava na praia, cOm um pedaçO de 'fOam' e uma navalha na mãO, e precisava de algO para surfar” – tOm mOrey
AS LENDAS SÃO ETERNAS Atingimos quase meio século de bodyboard e são muitas as figuras que reconhecemos como verdadeiros embaixadores do desporto. Marcaram a sua própria existência e transmitiram um legado que só pode ser reconhecido como a génese da “identidade bodyboarder”.
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Para lá de celebrarmos os campeões e as vedetas que tornaram tudo isto possível, é imperativo homenagear a atividade em si, compreender e interiorizar, na raiz daquilo que nós somos, o que é realmente o bodyboard. “Podemos descrever o bodyboard como uma chave. Ela permite-nos aceder e explorar os locais mais espetaculares que possam existir no planeta. Lugares que apenas são acessíveis através do bodyboard. E, nesse processo, não só aprendemos as experiências que o bodyboard nos transmite, mas também nos reconhecemos a nós próprios e o mundo que nos rodeia.” As palavras de Mike Stewart só asseguram que o bodyboard não tem de ser (ou ter) uma definição. Longe de um significado singular, é todo um aglomerado de experiências que se adquirem ao longo do tempo. Mike Stewart é a lenda, o mestre, a figura que transformou o desporto em muito daquilo que conhecemos. Não é apenas um simples inovador, ajudando a criar novas manobras e a marcar o ritmo nos campeonatos mundiais – venceu o cetro maior por nove vezes (1983, 1984, 1987 a 1992): é, igualmente, um empreendedor, alguém que criou uma marca – a atual Science – tirando partido do seu estatuto, e a transformou numa das mais importantes e impulsionadoras brands da indústria bodyboarder. Não se move exclusivamente atrás dos campeonatos, dos resultados, dos títulos e dos recordes. Mais do que esses objetivos, Stewart é um soul surfer, um verdadeiro homem do mar, que vê o bodyboard como um regresso do humano aos oceanos. “Eu acredito que a relativa longevidade do bodyboard não é apenas um testamento às virtudes deste desporto, mas sim o relato de como o bodyboard se relaciona num segmento da condição humana na nossa era. Se é verdade que somos originários do mar, então o Wave Riding é parte do nosso ADN desde o princípio da vida. Por isso, é natural que regressemos ao mar e aproveitemos a sua energia.”
Depois de tantas conquistas e de uma imensa herança que desenhou ao longo dos anos, Mike Stewart compreende qual é o peso de ser a lenda do desporto. Na sua visão, nada iguala o sentimento gratificante de ver o seu trabalho reconhecido nos quatro cantos do globo. “Quando um estranho vem ter comigo e menciona qualquer coisa sobre bodyboard, eu sinto, no imediato, que nos conhecemos e é como se eu tivesse estendido a minha família de amigos em qualquer ponto onde exista bodyboard. Isto é, sem dúvida, a minha maior bênção.” Na época em que o Tio Mike, alcunha atribuída pelos seus seguidores, varria campeonatos atrás de campeonatos, outros valores davam cartas e promoviam a expansão das possibilidades do desporto. Veja-se os exemplos de Hauoli Reeves, que redefiniu os parâmetros das manobras aéreas através dos primeiros voos projetados; ou Michael “Eppo” Eppelstun, arquiteto do ARS e do Backflip; ou Pat Caldwell, que inventou o El Rollo (a meias com Stewart). A lista continua quase indefinidamente, tantos são os bodyboarders que figuram na história do desporto. Jay Reale é outro dos grandes atores do bodyboard mundial. Com um estilo bastante versátil – tanto dropava em prone como em dropknee –, Reale foi um dos primeiros bodyboarders provenientes da zona este dos Estados Unidos da América e é parte integrante destes históricos 40 anos. “Eu sei que o bodyboard se tornou em algo que o Tom Morey nunca imaginou. Ele apenas andava a “brincar” com um pedaço de espuma e acabou por criar um desporto e uma subcultura”, afirma. Atualmente, Jay Reale vive na Califórnia, juntamente com a mulher, Vicki Gleeson Reale, que também foi um dos nomes de destaque no feminino, e os seus dois filhos. Tem uma bodyboard shop online de sucesso, o que lhe permite acompanhar as incidências da boogieboard e manter uma posição crítica sobre o que se passa no nosso mundo: “Eu acho que o bodyboard está no ponto em que eu esperava. Eu sempre soube que, com um grupo de bodyboarders a puxarem pelos limites, o desporto haveria de passar a contemplar grandes manobras aéreas, ondas insanas e atletas mais evoluídos. A única desilusão é que a competição a nível profissional deu um passo atrás, comparando com os primeiros anos de 1990. Há muito menos dinheiro disponível para patrocínios e prémios. Mas ao menos os picos que perfazem
{ Stork }
o circuito melhoraram e isso é muito bom para divulgar o bodyboard.” Os primeiros campeonatos mundiais resumiram-se a um evento único na mítica esquerda de Banzai Pipeline. O International Morey Boogie Bodyboard Pro Championships teve lugar entre 1982 e 1994, excetuando o ano de 1985, onde não houve qualquer evento mundial. Nesse período de 12 anos, apenas cinco atletas conseguiram levar de vencida a competição: o havaiano Daniel Kaimi (1982), oficialmente o primeiro campeão do mundo, Ben Severson (1986), o primeiro atleta a derrotar Mike Stewart e um dos mais antigos empreendedores da indústria do desporto (através da BSD – Ben Severson Designs), Michael Eppelstun (1993), primeiro australiano a subir ao topo do pódio, e competidor que interrompeu de vez com a hegemonia de Mike Stewart, e, claro está, Mike Stewart. Depois surgiu Guilherme Tâmega e a história muda de personagens. Mike Stewart dominou as competições mundiais durante uma década, mas a segunda metade dos anos 90 do século passado só deram Guilherme Tâmega. GT é a máquina brasileira que rivalizou durante anos quase em exclusivo com Mike Stewart, vencendo o circuito mundial (na altura o mundial evoluiu para o GOB World Tour) por seis vezes (1994 a 1997; 2001 e 2002). O reinado do Tio Mike terminava, desta forma, perante o talento de Guilherme Tâmega, um atleta único, com uma raça inigualável, que acabou por criar, de certa forma, a “escola Tâmega”, símbolo do estilo inconfundível dos riders brasileiros. O bodyboard no Brasil sofreu um enorme impulso com as performances de GT e todos procuraram seguir o seu exemplo, copiando o seu estilo, algo que está bastante patente nos praticantes canarinhos (embora, aos poucos, tenha vindo a perder a força e influência que anteriormente detivera). A supremacia de Tâmega acabou por esbarrar na irreverência de um jovem sul-africano (mesmo assim, GT ainda viria a ganhar mais dois campeonatos). Andre Botha apareceu de rajada e aos 18 anos de idade já somava no seu currículo dois campeonatos do mundo (1998 e 1999), feitos que lhe garantem, até hoje, o estatuto de mais jovem campeão do mundo de sempre. Com tão tenra idade, Botha tinha tudo: o estilo, a pica e a determinação necessárias para tomar conta do desporto por muitos e longos anos.
Dre acabou por seguir um caminho diferente do que se lhe imaginava, perdendo-se nas agruras de um mundo repleto de vícios. Mas o bodyboard foi sempre o seu escape, o meio por onde pôde extravasar toda a adrenalina que lhe corre nas veias. “O oceano limpa a nossa alma. Descer as ondas é e será sempre o mais importante na minha vida. Por muito que tente negá-lo, é um facto que nunca mudará.” É hoje um dos mais insanos (inconscientes?) bodyboarders que alguma vez tivemos o prazer de assistir e, apesar de já não ser o vencedor do passado, o desporto não seria o mesmo sem a sua presença. E se o nível está hoje onde se encontra, Dre desempenha um papel fulcral nessa brutal escalada qualitativa. “É isto [surfar ondas de consequência] que realmente adoro fazer na vida. Eu aprecio todo o processo. O sentimento de apanhar aquela onda, a adrenalina, desafiar o medo e ter a coragem de ir até ao limite, independentemente do resultado. É um experiência única!”. Botha não se contém em contar as suas experiências dentro de água e há uma em particular que atesta a sua incessante procura de emoções para lá do razoável: “A minha experiência mais marcante enquanto bodyboarder foi há cerca de dois anos, no Frontón. Eu apanhei uma onda inacreditável, puxei pelo máximo de mim para a conseguir agarrar, mas acabei num drop aéreo e fui sugado... e aí entrei em modo sobrevivência. Conforme bati na água e me encontrei debaixo da onda, com um reef bem afiado à minha espera, só pensei que ia desaparecer num mundo obscuro. Felizmente consegui sair dali com vida. Mas foi uma experiência espiritual muito profunda, como se tivesse nascido de novo.” Andre Botha é reconhecido como o mais influente bodyboarder proveniente do continente africano. A nova geração saffa sonha em alcançar as proezas que Dre atingiu em tão pouco tempo, daí presenciarmos as espantosas prestações da juventude sulafricana no IBA World Tour. Mark McCarthy e Jared Houston são atletas muito fortes, que representam o espírito do melhor Andre Botha que já conhecemos.
Eventualmente, com as flutuações nos rankings mundiais e com cada vez mais atletas a apostar em redefinir os limites do desporto, o nível tornou-se elevadíssimo. Depois de longo anos com muito poucos campeões do mundo, chegámos a um ponto onde se tornou quase impossível ver alguém alcançar tantos campeonatos de uma só vez. O bodyboard está moderno, excitante, imprevisível.
ainda mais radicais, ao invés de ficarmos por uma única dimensão. Desta forma, espero que, no futuro, tenhamos um desporto cada vez maior e melhor profissionalmente, com um crescente reconhecimento em todo o planeta e com mais e mais praticantes que testemunhem o que é o bodyboard.” Um atleta imaginar que pode conquistar um largo número de campeonatos não é utópico, mas também não é uma possibilidade
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Damian King (2003 e 2004), Ben Player (2005 e 2007), Uri Valadão (2008) e Amaury Lavernhe (2010) são os campeões dos últimos quase 10 anos. Sem nunca esquecer o havaiano voador, Jeff Hubbard. Hubb é um caso especial, porque não só é bicampeão mundial (2006 e 2009), como também é
deuses. “Eu adoro voar, faz-me sentir livre e dá-me, por breves momentos, uma adrenalina impossível de explicar. Por outro lado, gosto de voar porque só assim as pessoas reparam no bodyboard. É simplesmente lindo de se ver, mandar aéreos é explosivo e excitante, porque desafiamos a gravidade e parece que atingimos o paraíso”, metaforiza Hubbard. O havaiano é um exemplo de rápida influência sobre os praticantes. Não precisou alcançar os lugares cimeiros nos mundiais para que se tornasse num ícone do desporto. A sua maneira de estar e as suas performances atraíram desde cedo multidões, o que lhe
Levitando na Polinésia Francesa, Hubb chama a atenção para o fator R e a via do futuro – as manobras aéreas. Segundo ele, só assim conseguiremos que reparem em nós!
um atleta que marcou fortemente a nova geração, através de um estilo muito próprio e com uma particularidade que ninguém executa como ele: voar mais alto. Seja qual for a manobra aérea, o homem levita nas horas, lança-se nos ares como uma pluma, sem precisar de qualquer auxílio ou impulso mecânico. Numa expressão, voa como os
permitiu tornar-se num dos mais apreciados bodyboarders do mundo. Por todos estes elementos, Hubb preconiza que os praticantes devem correr atrás do “fator R”, para que possamos chamar a atenção de quem teima em não nos ver. “Ser cada vez mais radical é muito importante e eu acho que estamos no caminho certo, a experimentar manobras
que se coloque às cegas em cima da mesa. Mike Stewart e Guilherme Tâmega são o campeoníssimos, mas já não se vislumbra tão facilmente tamanha invencibilidade nos futuros campeões. Agora, a luta é feroz e as apostas são mais que muitas, sem que haja uma certeza sobre o nome do próximo grande gladiador. Em 40 anos de bodyboard,
muito se percorreu, se errou e acertou, para se chegar ao que hoje temos à nossa volta. É difícil destacar e referenciar todos aqueles que contribuíram, positiva ou negativamente, para a emancipação do desporto. Mas uma coisa é garantida: as lendas serão sempre eternas e os seus nomes nunca desaparecerão quer da génese do desporto, quer das nossas mentes.
se comportam como a maioria da sociedade são considerados uma ameaça para a mesma, por serem únicos e diferentes.” Um prelúdio para os bodyboarders, para a diferença que podem e devem criar sobre os outros, o que potencia uma indústria exclusivamente bodyboarder
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Nas quatro décadas de existência do bodyboard, muito mudou na forma como andamos nas ondas, ora porque os materiais evoluíram, ora porque começámos a perceber que temos o poder de criar algo na ordem do artístico. Atualmente é o estilo aussie que está na berra e não só influenciou os amantes do desporto, como também conduziu a alterações nas próprias regras competitivas, que passaram a premiar quem tem em atenção a forma como executa as manobras, desde o bottom até à aterragem. Ryan Hardy, Mitch Rawlins e Ben Player representam bem esse estilo, que se globalizou e que se tornou numa espécie de cultura do bodyboard australiano. Mas nem só de “crossed-legs” se faz o estilo no bodyboard e, nesse sentido, basta ter em conta que há nações bodyboarders que se distinguem precisamente pelo modo como tiram partido das ondas.
{ Cat hy C a
A GLOBALIzAçÃO DE UM ESTILO
tem o que tem. Posso sempre tentar imitar a manobra de algum ídolo, mas eu procuro sempre superá-las de alguma forma, com mais velocidade e fluidez. Não vale a pena discutir isso, as pessoas são diferentes, com gostos diferentes. No Brasil as pessoas têm a mente muito fechada, ainda pensam em seguir os padrões. Mas no caso do bodyboard temos melhorado muito. Com os clipes na Internet os atletas podem ver o que é mais bonito e fluido de se ver. Agora temos atletas novos com uma linha totalmente diferente da old school brasileira”, diz o jovem de São Paulo. Pelas performances que os riders aplicam nas suas sessões, conseguem gerar uma influência sobre os praticantes. Se forem apelativos e ousados, mais praticantes os seguem. O facto mais peculiar quando nos referimos ao estilo é que este não se ficou somente pelas ondas: transpôs-se para lá dos limites aquáticos. Ou seja, o bodyboard tem finalmente um certo estilo associado a si
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O estilo proveniente do Brasil é muito particular e facilmente identificável, divergindo bastante dos aussies. É a tal “escola Tâmega”: jovens brasileiros que veem no seu representante máximo o exemplo a seguir. Porém, já não é tão seguro que a nova geração brasileira prossiga com essa espécie de movimento e muitos são os atletas “new school” que estão a deixar de lado o demarcado estilo canarinho. Renan Faccini é um jovem atleta de São Paulo, cidade cosmopolita onde o bodyboard não tem a mesma expressão que no Rio de Janeiro. Ele é um dos principais exemplos da nova geração que, aos poucos, renuncia ao estilo brasileiro, optando pelo lado aussie. “Desde bem jovem que vivi nos Estados Unidos e viajei para muitos países. Quando temos essa possibilidade, acabamos por ter uma mente mais aberta para as coisas. Não adianta tentarmos deixar de gostar do que está certo, do que nos faz bem e nos completa, para sermos patrióticos. Eu gosto de surfar limpo e rápido e quando forço uma manobra, eu não a conto como uma manobra completa. Gosto quando elas fluem sem forçar a onda.” A discussão sobre o estilo ainda cheira a tinta fresca, ainda é motivo de conversa. Como exemplo, no Sintra Portugal Pro 2010, várias foram as ocasiões em que atletas brasileiros contestaram as pontuações dos júris, porque estes descontavam sobre a fluidez da execução das suas manobras. Mas afinal, qual é “o” estilo? Pode-se afirmar que um estilo é melhor que outro? Quem determina qual o melhor caminho a seguir? “Para mim não há estilo aussie ou brasileiro, cada um
mesmo, que se torna visível dentro e fora de água. Veja-se o exemplo dos australianos: no país dos cangurus há um clara distinção no modo como aparentam, fora dos mares, os surfistas e os bodyboarders. É perfeitamente identificável, numa região com tradição nos desportos de ondas, quem é um boogie rider e quem faz surf. Faccini também adotou um estilo alternativo (dentro e fora de água) dissemelhante do que normalmente se observa no Brasil. O seu modo de estar na vida e a sua aparência divergem um pouco do que nos habituámos a ver nos bodyboarders brasileiros. Uma das características que o tornam único é sua paixão pelas tatuagens. Não há uma associação direta entre o bodyboard e a arte no corpo – ele próprio assevera que as suas tatuagens nada têm que ver com o desporto –, mas acaba por se tornar num símbolo do próprio Faccini, que já tem percursores no Brasil (há dias encontrei no Facebook um jovem bodyboarder brasileiro cujo estilo era a imitação perfeita de Faccini: cabelo comprido, oxigenado, e tatuagem no pescoço). “Não tenho tattoos muito ligadas com o bodyboard, mas sim com os meus pensamentos e com aquilo que sou. Tenho escrito no pescoço “Menace to Society” (Ameaça para a Sociedade), porque todas as pessoas que não pensam, não se vestem e não
O estilo é uma discussão que dá pano para mangas, mas Renan Faccini, de São Paulo, optou por divergir do habitual estilo brasileiro ao adotar uma linha apoiada na fluidez (aussie). { João zMS }
O exemplo de Faccini é apenas um de muitos que se poderiam dar. Em Portugal, a situação não é muito diferente: começamos a encontrar algumas distinções entre uns e outros. Falta, sim, continuar o caminho através do apoio à indústria. A afirmação de uma cultura especificamente bodyboarder cabe a cada praticante, sendo que a pode
aplicar dentro de água como também no seu exterior. A discussão sobre qual o verdadeiro estilo dá pano para mangas, mas parece que os aussies ganharam, com mérito, esta batalha. Na verdade, foram eles que tornaram o bodyboard bem mais atrativo, pensado, espetacular... artístico!
Sasaki reconhece que Lindholm, o mestre que expôs o dropknee ao mundo, foi a sua principal influência e o elemento maior que catapultou o DK para a ribalta. Porém, sem papas na língua, defende que foi muito do seu suor que possibilitou a expansão do desporto e do estilo pela América e Europa. “Devo dizer que estou-me nas tintas para o que as pessoas pensam de mim, mas eu afirmo que muito do que o bodyboard e o dropknee são hoje se deve às múltiplas iniciativas que tomei ao longo dos anos. Primeiro fui para a Califórnia para puxar pelo bodyboard e o dropknee. Graças a essa atitude, consegui chamar a atenção de organizadores de campeonatos, que passaram a concretizar eventos de forma regular. Isto ajudou às suas imagens [do bodyboard e do DK]. Depois, segui para a Europa, onde também dei um empurrão ao desporto, através de eventos promocionais, exposição em revistas e muito mais.” Alguns anos após o domínio de Lindholm e Sasaki nas linhas mediáticas do dropknee, surgiu aquele que se tornou no verdadeiro ícone do dropknee na era moderna: Paul Roach. Proveniente de Encinitas, Califórnia, Roach foi, possivelmente, o mais influente dos atletas para as mais jovens gerações. A sua versatilidade e o seu inconfundível traço técnico conduziu o dropknee, e o seus percursores, a performances mais arrojadas, garantindo que o estilo singrasse nas bases do bodyboard. A vertente DK foi sempre muito respeitada, tendo em conta que se procurou não deixar morrer um estilo que cedo nasceu no seio
Existe a esperança de que a nova geração leve avante o projeto DK. Dylan Lee é o mais recente diamante a ser delapidado pelo próprio Matt Lackey, que soube tirar partido da imagem que Lee transporta para o exterior – semelhante à dos mais jovens bodyboarders aussies e que conquista as massas – e aplicá-lo numa categoria do desporto que está sempre em risco de poder desaparecer dos circuitos mediáticos. “Dylan Lee é um dos melhores dkers que alguma vez vi. Ele tem um grande estilo, é rápido e manda-se a altas manobras.” Há sempre uma dúvida – que muitos garantem ser uma certeza – que paira no ar em relação ao DK, e que só pode ser ultrapassada com frontalidade. O dropknee está a morrer? Keith Sasaki responde: “Eu vejo agora mais atletas underground no dropknee, o que é ótimo. Depende sempre da imagem que uma pessoa queira projetar e quais o seus objetivos pessoais. Enquanto eu for vivo, bem como Will George da Toys Bodyboards e o Matt Lackey, o dropknee não morrerá. Mas já não está sobre os nossos ombros a sua sobrevivência. As pessoas têm de desejar ser melhor do que nós e aumentar cada vez mais o nível.” Há muito trabalho pela frente para manter o dropknee à tona, mas tal como Sasaki constata, e Lackey confirma, começa a ser uma tarefa que os mais novos têm de levar a bom porto. Mas será sempre pela perseverança dos mais experientes sobre as novas gerações que o dropknee se manterá firmemente vivo no mundo do bodyboard.
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Jack “The Ripper” Lindholm é o pioneiro, o criador do estilo que se tornou indissociável do bodyboard. Atrás dele, vários procuraram dinamizar esta forma de usufruir das ondas em cima de uma boogieboard. Keith Sasaki é uma dessas figuras proeminentes do dropknee que, apesar de se encontrar afastado das lides do desporto (“Depois de muitos anos a viajar, decidi-me por uma vida mais calma no Havai”), não deixa de acompanhar o que se passa, principalmente no estilo ao qual se dedicou e que, para ele, não atingiu o nível que esperava: “O DK está longe de ter atingido o nível que eu imaginei. Não me interpretem mal, existem muitos riders talentosos por aí e aprecio ver muitos deles em ação. Contudo, as pessoas precisam de aprender a “cavalgar” nas ondas e não apenas a mandar umas lecadas para espalhar água. Eu gostava de ver os atletas a usarem mais os seus rails e a manobrarem de forma mais aberta.”
O dropknee é uma forma de expressão, constitui mais uma alternativa em si, uma declaração de diferença, perante a forte preferência dos praticantes sobre o prone, do que propriamente algo que promova grandes assistências nos campeonatos. Não é por esse facto que se torna num parente pobre do desporto, mas apenas alguns gladiadores conseguem manter a chama do DK bem viva e presente. Matt Lackey é um desses combatentes que preferiu uma postura diferente da maioria dos seus compatriotas e manteve-se fiel ao dropknee. É um lutador em nome da brigada do DK, que apostou forte na sua expansão, arriscando mesmo o lançamento de um DVD e podcasts exclusivos à categoria. Por isso, e seguindo a sua declaração de fidelidade ao estilo, desafia os praticantes a saírem das suas tocas e a mostrarem-se ao mundo do bodyboard “Eu acho que os DK riders têm de ir lá para fora, fazer viagens para revistas, filmar tanto quanto possível e puxarem uns pelos outros, porque, na realidade, ninguém o fará por eles. Se queremos um futuro para o dropknee, então temos de o tornar possível”, afirma.
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Não há como falar do bodyboard, da sua génese e da sua evolução, sem relembrar o dropknee. Embora atualmente não seja o estilo mais visível, o DK teve uma enorme influência nas primeiras décadas do desporto, e muitos dos nomes a quem hoje atribuímos a menção de embaixadores do bodyboard são autênticas vedetas do dropknee.
“Quem diz que o DK está a morrer, só pode ser uma pessoa com uma mente muito fechada. Existem muitos dkers no planeta, o que acontece é que existem poucos patrocínios e apoios, daí que não oiçamos falar tanto. Eles não têm dinheiro para viajar, recolher material fotográfico, etc. Apesar de tudo, eu acredito num dropknee forte no futuro. Os atletas de DK surfam com muita paixão, por isso, se uns quantos conseguirem extrair algum dinheiro através das suas performances, com muitas imagens e vídeos, então acredito que o futuro será muito bom.”
{ Ray
DK IS NOT DEAD
do bodyboard. O IBA World Tour conta com um espaço competitivo dedicado aos amantes do dropknee e, apesar de não reunir a preferência dos praticantes, não deixa de ser um espetáculo digno de se ver. Dave Hubbard, Dave Winchester, Ardiel Jiménez, Kim Feast e César Bauer são os principais jogadores no xadrez do DK nos campeonatos mundiais modernos.
o desporto é agora de massas vai ser muito difícil despender de grandes orçamentos para este tipo de investigação. Para podermos utilizar outro tipo de materiais, muito possivelmente teríamos de alterar muitos processos de produção. Vontade não nos falta, mas é muito mais complexo do que parece”, explica Nuno “Barrela” Pereira, CEO da Refresh Bodyboards. Os produtos de bodyboard ainda não caminham propriamente em direção ao verde. Existem alternativas como polímeros à base de soja, mas estes são extremamente caros e a sua performance e durabilidade não são atualmente uma certeza. A indústria tenta, aqui e ali, aproveitar os desperdícios e poupar recursos, mas não é suficiente. Porém, Jarrod Gibson, shaper da Found Boards, destaca que já se está a tratar de alterar o estado de coisas, mas tal ainda não passa pelas pranchas, o grosso da indústria e do desporto – “Eu acho que já começamos a tornar-nos verdes. Na nossa fábrica em Taiwan, o nosso maior foco está em utilizar produtos ambientalmente mais amigáveis. Neste momento estamos a introduzir o “bio packaging films”, um material mais ecológico para selar as pranchas, o que, só de si, já é uma grande redução nos plásticos. O primeiro passo é produzir uma linha que minimize os efeitos no ambiente e nós temos implementado essas evoluções ao longo dos anos. É um processo que demora o seu tempo, mas eu acho que crescemos bastante nesse campo nos últimos cinco anos.”
MATERIAIS E ECOLOGIA Em 40 anos de bodyboard, nunca fomos tão sensíveis ao problema do ambiente como nos dias de hoje. A indústria vai tentando contornar o lado negro do bodyboard e insiste na busca por alternativas ecológicas para um desporto que só é possível graças à natureza. As pranchas são fabricadas a partir de polímeros, tais como o polipropileno e o polietileno. Por serem derivações do plástico, levanta muitas questões em seu redor quando se trata de falar de ecologia: primeiro, o plástico não é uma matéria-prima verde – requer uma enorme quantidade de CO2 para ser fabricado e a sua reciclagem não é certa; segundo, depende totalmente do petróleo para o seu fabrico, pelo que as variações nos preços do crude inflacionam o preço do material. Para além destas propriedades, o fator performance das pranchas conta muito na sua conceção. Não é fácil encontrar materiais que absorvam os impactos e sejam flexíveis ao mesmo tempo que são ecológicos. A dúvida impõe-se: estamos perto ou longe de nos tornarmos verdes? “Apesar dos novos materiais e processos de fabrico, ainda falta um pouco até o bodyboard se tornar num produto verde. Os materiais são derivados do petróleo, como são os fatos, leashes, pranchas de surf. Podemos evoluir para processos de fabrico mais ecológicos, podemos tentar ter menos desperdício de material, mas como
Gibson diverge um pouco de Barrela quando garante que estamos a caminhar firmemente para um bodyboard mais ecológico. Por outro lado, o headmaster da Refresh admite que todos querem um bodyboard mais verde, mas isso é uma conversa para daqui uns bons anos. “Os custos de investigação não nos permitem, nesta altura, evoluir muito a vertente ecológica dos materiais. Neste momento a evolução que as fábricas de pranchas de bodyboard apresentam é no processo de fabrico e no aproveitamento dos excedentes. Produzir novos materiais vai levar ainda algum tempo. A industria está mais ocupada em evoluir os materiais para terem melhor performance e conforto do que na vertente ecológica”, explica. A principal premissa dos ecologistas prende-se com o consumo: quanto menos consumimos, menos poluímos. Isto vai no sentido da população apenas comprar o que é realmente necessário e, sempre que possível, ter como base o impacto ambiental do produto que adquire. Por enquanto, a indústria do bodyboard corre no sentido oposto. Não que não queiramos ser ecológicos, mas porque a indústria tem de crescer, logo, tem de vender. O que levanta o problema da versatilidade das diferentes marcas de pranchas, a razão porque devemos adquirir pranchas novas a um ritmo anual quando estas pouco ou nada evoluem. Percorrendo estas quatro décadas, observamos uma enorme diferença nos processos de fabrico de pranchas.
{ Trent Mitchell }
Se antes encontrávamos oposições qualitativas visíveis em cada uma das diferentes brands, hoje tudo é igual. “As pranchas são todas iguais porque as que mais vendem são quase todas feitas nas mesmas fábricas. Nos anos 90 cada marca tinha a sua própria fábrica, cada fábrica desenvolvia os seus processos de fabrico e procurava os melhores materiais. Neste momento quase todas as marcas de pranchas deixaram de ter fábrica própria. Passaram a ser algumas fábricas na Ásia a produzir para quase todas as marcas. Deste modo, os materiais e o processo de fabrico é igual para todas as marcas, só difere nos trabalhadores, que, como em todo o lado, não têm a mesma habilidade. Daí que as marcas apresentem um produto muito parecido”, assevera Barrela. Tendo em conta esta estandardização das pranchas, qual é a razão para que os praticantes comprem pranchas a cada ano que passa, visto que, no essencial, estas só divergem no shape? Para Jarrod Gibson tal questão nem se coloca, visto que existem sempre novidades: “Cada marca irá, com o tempo, melhorar as suas coleções, é assim que se dá a evolução e o progresso. O que desenvolvemos numa temporada irá melhorar na próxima à medida que também se dão alterações no desporto. Uma prancha pode funcionar num certo local, mas no outro lado do mundo pode não dar, então temos de procurar adaptar-nos a cada região, para que os atletas consigam boas performances.” Pensar nos materiais e no mercado é levantar uma poeira de temas que se interligam. Para lá da ecologia e da padronização
das marcas, agora é preciso pensar no elevado número de marcas de pranchas existentes. Ainda há dois meses vimos o nascimento de mais uma marca portuguesa, o que deixa no ar uma pergunta global: não existem marcas a mais, tendo em conta que o mercado ainda não é elástico o suficiente para que possa albergar tanta oferta? Barrela é peremptório: “Neste momento existem marcas a mais no mercado. Agora é muito fácil ter uma marca de pranchas de bodyboard, já não é necessário ter o "know-how" e uma fábrica, basta ter dinheiro para investir e propor o projeto a outra fábrica que já existe. Nos últimos anos apareceram muitas marcas novas, o problema é que muitas delas não investem no mercado, ou vendem muito pouco e não têm capacidade para investir. Todas estas marcas dificultam a criação de algumas outras muito fortes, que tenham capacidade de suportar o mercado." As opiniões expressas por Gibson e Barrela são ligeiramente opostas, talvez porque ambos estão inseridos em realidades disformes e com objetivos diferentes e onde os mercados não são, nem tão pouco mais ou menos, iguais. Concordam no facto de as pranchas não apresentarem grandes diferenças entre si, mas acreditam que isso não é suficiente para uma estagnação do mercado, através da diminuição abrupta no consumo de pranchas. No reverso da medalha, o bodyboard como produto verde é um projeto adiado, que depende muito da (inexistente) investigação do mercado...
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A formação ganha uma crescente importância à medida que o nível competitivo aumenta. A aprendizagem por via das escolas deixou de ser uma brincadeira e passou a ser a doer. As exigências do futuro assim obrigam. A coisa profissionalizou-se. Existe um claro hiato entre o que hoje se faz nas escolas e o que se fez no passado, o que não é necessariamente sinal de que tudo é positivo. “Antigamente era tudo mais numa de brincadeira e carolice, uns puxavam os outros. Hoje já é mais planeado e profissional, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Os valores transmitidos há 10 anos eram melhores do que os de agora, mas é o reflexo da nossa sociedade”, lamenta Nuno Trovão, professor na Associação de Bodyboard Foz do Mondego.
No nosso país, falar de formação em bodyboard é questionar se formamos apenas campeões ou se temos em atenção o estilo. Agora, mais do que nunca, é evidente que já não chega mandar uns aéreos: eles têm de ser pensados e executados de forma exímia. Nesse sentido, Trovão acredita
Apesar de todos os pontos mais negativos que Nuno Trovão possa sublinhar, acredita que há esperança numa formação cada vez mais forte em Portugal. Acima de tudo, é preciso transmitir o verdadeiro feeling do bodyboard e, a partir daí, limar as arestas dos miúdos que têm a vontade de ganhar no sangue. “Penso que o futuro [da formação] será mais profissional. Alguns dos novos miúdos vão ter uma oportunidade no mundial, desde que olhem mais além. O caminho será o que se faz na Austrália: viajar, trabalhar a linha de onda, free-surf e competição em ondas boas.”
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Noutras nações, a formação é feita de um modo um pouco diferente, com um acompanhamento mais regular sobre os jovens atletas, mesmos no aspetos exteriores às atuações dentro de água. Existe sempre a tentação em comparar o trabalho que se faz por cá com o que se efetua lá fora. Principalmente no éden das grandes ondas: a Austrália. “Sem dúvida que [os aussies] são muito evoluídos, mas também não são nada do outro mundo. Penso que, se os tugas tivessem o mesmo pensar deles, seriam tão bons como eles, porque nós também temos altas ondas. Sei que os portugueses são mais evoluídos na competição do que eles, mas tecnicamente eles estão a anos de distância. Mas com trabalho chegaremos lá”, refuta o treinador.
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FORMAR PARA GANHAR?
O principal problema que Nuno Trovão aponta é a própria mentalidade dos portugueses. A ideia de que “o que é internacional é bom” mina os próprios jovens e retira-lhes confiança. Destaca que existem muitas escolas de grande qualidade no país, mas saber ensinar as técnicas e manobras não chega: uma mente ganhadora é tão ou mais importante que todos os aspetos práticos. Só assim se pode garantir que um jovem rider consegue boas performances em palcos de grande exigência. “Falta aos miúdos a mentalidade do Centeno, do Pinheiro, um pouco de Porkito e uma pitada de PLC. Depois têm de pensar mais além, acreditar que tudo é possível, trabalhar muito em todos os sentidos e saberem abdicar de muita coisa da vida. Eu hoje vejo o bodyboard com super-atletas, talhados para vencerem o título mundial, porque as ondas onde são disputadas as provas são perigosas e potentes. Por isso precisamos de super-homens, porque é para onde o desporto está a caminhar”, alerta.
que se atingiu um maior equilíbrio entre estilo e explosão competitiva: “Este é um assunto muito delicado. Eu sou um grande fã de competições. Contudo, na maioria dos treinos que faço, 5% são específicos de competição, os outros são todos para o free-surf. Obviamente que há miúdos que são autênticas máquinas competitivas, mas penso que a coisa está bem equilibrada.”
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Em Portugal, a formação ganha particular relevância pelo facto de o futuro nacional nas competições internacionais não ser, de todo, muito seguro. Bons atletas pululam pela nossa costa, mas será suficiente para termos uma representação fixa ao mais alto nível? “Temos que ver que, em termos de gerações, nem todas podem ser campeãs como a geração do Hugo Pinheiro. Tudo demora o seu tempo. Às gerações atuais falta o espírito de sacrifício e o querer mais do que ser campeão do bairro ou do país. Às vezes são muitos autocolantes nas pranchas e alguns é só pinta para as miúdas, mas o esforço, suor e lágrimas não estão lá”, diz o figueirense.
UMA NOvA GERAçÃO Volvidos 40 anos de história, é tempo de olhar para o futuro e o que dele podemos esperar. O momento é chegado para acompanharmos a evolução das novas gerações e para ver até que ponto conseguem manter viva a chama de um passado brilhante, escrito pela “old school” que agora relembramos. Nos últimos tempos, avançámos com um conjunto de nomes de potenciais vedetas na próxima década (ver edições 104 e 105), mas os riders do presente estão na “pole position” para se tornarem nos campeões de amanhã. Interessa perceber o que pretendem atingir, para onde se dirigem... No fundo, o que realmente querem do futuro. Gastão Entrudo é o futuro mais atual de Portugal no
World Tour e se temos esperança num nome lusitano para os próximos anos, então temos de estar atentos ao percurso do jovem de Sesimbra. Ele também quer entrar na história do desporto: “Quando comecei penso que o bodyboard tinha mais impacto, ou dizendo de outra forma, os patrocinadores acreditavam mais no desporto. Acho que foi por altura do antigo Super Tour que o bodyboard teve grande visibilidade. Depois teve uma grande quebra, mas agora está a voltar em força.” Como todos os portugueses que tentaram vingar lá fora, os patrocínios foram sempre o obstáculo maior a voos mais altos. Por isso, as expetativas ficam-se por viver o presente, um dia de cada vez. “Só o tempo
dirá o que espero [do futuro]. O que eu quero é viver do desporto, viver do bodyboard é o que realmente pretendia. Mas gostava simplesmente ser reconhecido pelo que dou, ou não, ao desporto. Claro que ser campeão mundial é o sonho de qualquer um, mas penso que, vivendo em Portugal, não está ao meu alcance.” A concorrência que Gastão Entrudo tem pela frente é fortíssima. Os atletas mais novos estão a alcançar grandes resultados desde cedo e, com o passar do tempo, o nível de exigência tende a aumentar. Pierre-Louis Costes é da sua geração, apesar de estar uns furos acima do português. Mundialmente, já é uma referência e todos apostam que será
o futuro Às-de-Espadas do baralho do tour mundial. Tarda em obter resultados que confirmem esse favoritismo, mas vontade para lá chegar não lhe falta – “Eu quero evoluir com o desporto. Tenho muitos projetos em mente que quero concretizar antes de retirar-me. Quero melhorar ainda mais no free-surf, completar manobras novas, como o double backflip; Enfim, quero fazer parte da história que já muito deu à minha vida. E, claro, ser campeão do mundo, porque é o reconhecimento máximo das nossas capacidades. Sinto-me preparado e estou super motivado.” Olhando para os ranking do IBA World Tour observamos que a maioria da juventude que
perfaz o top 24 é australiana. Thomas Rigby, Jake Stone e Michael Novy são atletas muito apreciados pelos seguidores do desporto, o que não espanta pela suas capacidades técnicas e por deterem um elemento preponderante: o estilo aussie. Mas há outros jogadores que têm uma palavra a dizer, como Diego Cabrera, uma das grandes esperanças europeias, e Jared Houston, a estrela sulafricana que não para de surpreender. A geração que atualmente domina o tour, bem como a “old school”, tem uma enorme crença de que estes “young guns” vão dar muitas cartas no futuro e elevar o bodyboard a um estatuto nunca alcançado. A confiança emitida pelos mais velhos é de elevada importância
para que esta nova geração sinta que pode fazer muito mais do que já foi feito. “Eu acho que o futuro do desporto está em muito boas mãos, principalmente nesta era. Existe uma transparência tal nas ações de todos que as qualidades de cada um vão acabar por aparecer naturalmente, à medida que os seus caminhos vão no sentido da evolução. O nível competitivo nos nossos dias é de elite, mesmo comparando com atletas de qualquer outro desporto. E é de esperar que esse nível continue a subir”, explica Mike Stewart. Para lá das qualidades da nova geração em continuar a puxar pelo desporto, é hora de todos, new e old school, praticantes e competidores, tomarem atenção sobre o
rumo que o bodyboard está a tomar. Como Andre Botha conclui, continuamos na sombra de outros desportos e só nós temos o poder e a força para alterar essa situação: “Eu acho que a natural evolução do desporto se fará num sentido positivo. No entanto, acho que vai levar algum tempo a ser reconhecido. Para mim, a imagem do bodyboard é um grande problema. É como se os bodyboarders fossem, muitas vezes, marcados como “geeks” ou malta menos bacana. A mesma comparação pode ser feita entre skate e patins-em-linha. Por isso, acho que o desporto atrai mais gente considerada “nerd”, digamos assim. Eu não tenho qualquer problema com isso, mas acho que esta imagem não irá beneficiar o desporto no sentido de se tornar popular. Por isso é
que, para muita gente, o bodyboard ainda é visto como uma pedra no sapato do surf. Espero que com o tempo isto mude e que as pessoas passem a ver o que é realmente o bodyboard.” 40 anos já lá vão e mais 40 estão para vir. O futuro do bodyboard ainda tem muitas linhas à espera de serem preenchidas. Por agora, o essencial é aproveitar sempre ao máximo cada segundo de cada sessão e manter vivo este estilo de vida, relembrando quem o trouxe até nós.
m itch ell Luke rawlin s, 28, tem influenciado uma legião de bodyboarders e dominado como poucos a dianteira do desporto. Dono e senhor de uma linha fluida, apoiada em curvas perfeitas e consistentes, é também na velocidade e no poder de explosão que tem conseguido fazer a diferença. Para iniciar a edição, em mais um exclusivo com o selo da Vert, eis o que o aussie tem para nos contar sobre o lançamento do seu mais recente filme (Hiding From Comfort) e ainda o que visa conseguir com a entrada da Found no mercado europeu.
entrevista_António Fonseca fotografia_Trent Mitchell
Criar algo de raiz é um processo extremamente duro. Quais os planos para os próximos tempos? Espero que o futuro nos dê coisas muito positivas, sempre com o bodyboard em mente. Eu nunca alimentei uma imagem do desporto que não fosse positiva. Sempre quis ser um miúdo toda a minha vida, portanto, parece-me que a Found irá ser sempre uma marca jovial à qual poderei estar associado. No dia a dia isso motivame bastante...
Deixar a vs para iniciar a Found foi um processo longo ou apenas algo que estava altura de fazer? Bem, há cerca de um ano, não muito antes do meu contrato terminar com a VS, eu já andava com a ideia na cabeça. Mas a verdade é que sempre tive esta ideia de que, eventualmente, um dia iniciaria a minha própria marca...
Poder contar com a experiência de Jarrod Gibson foi uma boa forma de começar. Que podes dizer-nos sobre esta parceria? O Jarrod é excelente, trabalha em shape há muitos anos, e, por isso, estou muito contente por tê-lo na Found. Através do seu talento, posso ver as minhas ideias a serem desenvolvidas e materializadas em pranchas. É simplesmente fabuloso!
O teu novo filme, Hiding From Comfort, apresenta uma qualidade de imagem simplesmente brutal. apesar de não ser muito comum no bodyboard, o recurso aos “slow motions” captam bem a intensidade e os detalhes do momento. Foi algo em que pensaste?
Penso que esta coleção serve toda a gente - riders de 11 anos que estão a começar a riders mais experientes na casa dos 30. Eu não reinventei a roda com esta coleção, mas a fábrica onde produzimos (AGIT) possui todos os recursos para, no futuro, vir a fazer os melhores bodyboards. N o m í n i m o , i s s o d e i x a - m e m u i to entusiasmado. Mas, por agora, as pranchas desta primeira coleção são tão boas quanto qualquer uma outra que se encontre no mercado.
uma vez que tens o teu próprio modelo assinado – mr series – seria de esperar que andasses sempre com ele. no entanto, isso nem sempre acontece... (risos) Talvez isso suceda porque agora te nho mais lib e rda de para o f aze r. A empresa é minha, o que me dá acesso a usar qualquer modelo sem estar sujeito à minha “Signature Series”... que era a situ a ç ã o e m q u e m e e n co ntrava anteriormente. De qualquer forma, para que conste, ultimamente tenho andado praticamente só com a MR Series. (risos).
Que significa ter as tuas pranchas no mercado europeu? A Europa significa muito para mim , pois já estive várias vezes por aí e adoro as vossas ondas. O nível dos europeus é simplesmente fantástico, nos próximos anos vão certamente aparecer mais e mais talentos. Tal como na Austrália, vou procurar que a Found seja uma marca respeitada no vosso mercado que tem claramente muitas pessoas apaixonadas pelo bodyboard.
na tua opinião, qual a melhor sessão do filme? Muito provavelmente, a sessão em Western Austrália. Estava um dia absolutamente p e r feito, com tub os estupidam e nte longos e apenas alguns amigos na água. Sabes, é difícil conseguir melhor que isto...
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Que tipo de coleção quiseste pôr no mercado pela primeira vez?
Bem... sim, a câmara lenta pode ser incrível. O oceano e a água movem-se a alta velocidade, então quando abrandamos o ritmo temos a possibilidade de criar imagens incríveis que podem ser apreciadas por um público mais alargado que não só os bodyboarders.
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Como resumirias este teu segundo filme? Penso que o DVD é uma espécie de ponta do icebergue, pois mostra o que bodyboard pode realmente ser. Este projeto teve um orçamento muito limitado, mas sei que se tivéssemos mais dinheiro poderíamos ter feito muito mais. Estou confiante que um dia o mundo conhecerá a espetacularidade do desporto e aí, junto do público em geral, seremos tão reconhecidos como os surfistas.
seja em tow-out, a voar alto ou a dropar grandes ondas, é óbvio que estás comprometido com a evolução do desporto. Qual destes cenários preferes? Gosto de todos eles! Acima de tudo o que gosto realmente é de estar no oceano e surfar todos os dias. Raramente me importo como está o mar, para mim está sempre bom...
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Que tipo de energia absorves do oceano? Dirias que é o local onde estás mais vivo e livre? Diria antes que sempre que estou na água sinto-me como um miúdo que não tem qualquer responsabilidade e pela frente tem apenas possibilidades ilimitadas... Curiosamente, ultimamente tens estado mais envolvido na competição. O título mundial continua a ser um dos teus objetivos? Claro que sim! A conquista do título seria algo fantástico! A sensação deve ser incrível e é por isso que tenho andado a competir com mais regularidade.
Última questão. imagino que seja difícil ser bodyboarder profissional e patrão ao mesmo tempo? mudarias algo se tivesses oportunidade? Este tem sido um desafio que tem exigido muito de mim, mas penso que não mudaria nada. Só espero um dia poder viver do bodyboard e proporcionar a outros tantos as mesmas condições. É esse o comprometimento que tenho para com o desporto.
Pic_Trent Mitchell
REMEMBER PUERTO
Jake Stone a voar muito alto nas rampas de Zicatela Aussie Jake Stone flying high in the Zicatela ramps
Uma das promessas portuguesas, Francisco Bessone, a soltar muita รกgua num reverse Francisco Bessone, a Portuguese young gun, shreding on a reverse spin
JOE
“Deixei de julgar os outros pelo estilo, valorizo apenas a forma como surfam e atacam as ondas”
— O australiano, de 25 anos, aproveitou a época baixa nas ondas da Gold Coast para passar uma temporada em Portugal, onde molhou o bico em diversos spots de qualidade, uns conhecidos por todos, outros mais resguardados de olhares indiscretos. A conversa que se segue teve lugar nas vésperas do Special Edition, evento para o qual foi convidado a poucos dias da prova. —
C l A r K e
Como tem sido a aventura europeia?
De que ondas mais tem gostado?
Cheguei uns dias após o GQS dos açores (no fim de novembro) e na semana seguinte fui ao campeonato do Frontón. Voltei a 16 de dezembro e tenho surfado quase todos os dias! na austrália andava escasso de ondas, mas estou a curtir o ambiente tranquilo daqui. ainda ontem (4 de janeiro) apanhei altas nos Supertubos. estou a adorar! após o Special edition, arranco para as Canárias e depois vou à procura de ondas em Inglaterra... Estás a ficar perto de São Julião. O que tens achado da Ericeira, até em comparação com a Gold Coast?
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Tinha vindo pela primeira vez à ericeira durante o mundial da Praia Grande, em agosto do ano passado. acho que existe aqui uma boa energia e as pessoas são simpáticas. Já houve muita gente a oferecer-se para me levar a surfar. na austrália isso acontece, mas não tanto. acaba por ser parecido por haver também um feeling descontraído. Os bodyboarders são uma grande família e há sempre um espírito de entreajuda. adoro a comida (em especial, o peixe e o marisco) e, embora ainda não tenha apanhado um dia de mar grande, as ondas são brutais.
Supertubos tem sido a minha onda favorita até agora: esquerdas e direitas, com tubos largos, longos e pesados. Quando vi as imagens do WCT pensei que seria o sítio ideal para se organizar um GSS. as ondas são perfeitas e pesadas, seguramente que os melhores bodyboarders do mundo fariam grandes tubos, mas também manobras aéreas incríveis. ali assiste-se a bodyboard a sério. Também me mostraram dois secret spots (uma esquerda e uma direita) com bom aspeto. Surfei uma delas, mas o tamanho e a direção do swell não eram as melhores. Mas a onda que tenho mais vontade de surfar é a Cova do Vapor. Parece-me ideal para bodyboard. aliás, o meu objetivo quando vim para cá foi surfar essa onda! Que expetativas tens para o Special Edition?
nunca surfei na Praia do norte, mas do que vi faz-me lembrar algumas ondas australianas, como Straddie, ou Puerto escondido, no México. Provavelmente, será mais poderosa, terá mais força por causa do “Canhão”. Penso que será um bom sítio para o
meu surf porque gosto de ondas semelhantes. Claro que adorava ganhar, mas não estou a querer colocar qualquer tipo de pressão sobre mim. Quero, acima de tudo, apanhar ondas boas e surfar bem. Que pensas do nível que tens visto? De uma forma geral é bastante bom. Muito dos miúdos preocupam-se com a questão do estilo (pernas cruzadas, etc) e há muita gente a manobrar bem: backflips, grandes tubos e aéreos. Tenho ficado bem impressionado. Donde venho existe um enfoque muito grande no estilo e, se começares a fazê-lo em ondas pequenas, podes aplicá-lo depois em ondas maiores. Penso que é importante aliar agressividade ao estilo. a maior parte do pessoal que tenho visto por cá mostra potencial
Bate papo 19
para isso. Há muitos tipos a atirarem-se bem, com agressividade, e a utilizarem o estilo deles, que acaba por ser funcional e apelativo à vista. Individualmente o Tó Cardoso e o nuno Pardal impressionaram-me bastante. Se continuarem a empenhar-se daqui a um tempo vão estar certamente no World Tour. O Diogo liberal (“Malveirão”) é bastante atirado, arranca sempre muito atrás e puxa por mim... O que pensam os aussies das ondas e do nível português? a maior parte não conhece as ondas daqui. Sabem que há alguns bons spots, como Supertubos, que têm bastante exposição mediática, mas se conhecessem as ondas que tenho surfado desde que cá estou haveria mais australianos a viajarem para cá. Principalmente durante o nosso verão, em que não há quase ondas de jeito. no que toca ao nível, cresci
a ouvir que os portugueses (tal como os brasileiros) tinham um estilo feio – porque andava tudo obcecado em cruzar as pernas e ter um estilo imaculado, seguindo o exemplo do pessoal mais velho –, mas ao surfar com o pessoal daqui percebo que o estilo que apresentam é completamente funcional. Por exemplo, fazem aéreos brutais que muitos de nós não fazemos. Deixei de julgar os outros pelo estilo, apenas avalio e valorizo a forma como surfam e atacam as ondas. Seria horrível se todos tivessem o mesmo estilo. Precisas de variedade para ser interessante, sem isso o bodyboard torna-se enfadonho. Como correu o Grand Slam no Frontón? O campeonato foi incrível! O Frontón é uma onda que dá para mostrar o que é o bodyboard. e foi isso que aconteceu. Houve manobrões em
quase todos os heats. nunca houve momentos chatos, havia sempre alguém a fazer algo impressionante. Houve muitos australianos tristes, incluindo eu, quando Hardy foi eliminado, mas, ao mesmo tempo, fiquei contente pelo Pierre que trabalhou muito, está a surfar duma forma incrível e merece o título. És conhecido por conjugar uma linha fluida com agressividade nas manobras aéreas... Wow! Fico contente por haver quem diga isso! (risos) Tento aliar o “power” ao estilo. Gosto, por exemplo, de fazer um grande bottom-turn, rodar no “pocket” da onda e depois passar para uma manobra aérea. Talvez até me dê mais gozo um bottom bem puxado do que um grande aéreo. Sentir a energia da onda é simplesmente incrível...
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Ph > AD/Wrrider.com
Ph > Tony Mateo
Textos por ricardo miguel vieira
É um dos históricos do circuito mundial e um nome há muito conhecido em Portugal. Regular na Vert é, muito provavelmente, o bodyboarder canário mais reconhecido do globo, uma distinção que lhe vale o apoio do turismo das ilhas. A prioridade de Ardiel é o dropknee, estilo a que se mantém fiel e que lhe garante mais hipóteses de arrecadar um título: “Acho que ainda tenho muito para dar ao bodyboard. Motiva-me imenso estar entre os melhores do mundo e é no dropknee que reúno mais hipóteses de conquistar um título. Acredito que tenho possibilidade de um dia ser campeão, se continuar a trabalhar e a treinar no duro, dentro e fora de água.” As Canárias estão nas bocas do lineup há meses, senão mesmo anos. Os atletas evoluíram depressa – muito à conta das sessões épicas proporcionadas pelo Frontón – e o top 24 mundial concentra três nomes em representação das ilhas. A nova geração já se mostrou ao mundo e revela muita qualidade, não só no prone como no dropknee. “O nível do
dropknee nas Canárias é muito elevado. Temos um grupo que promove o estilo e organiza campeonatos específicos para os amantes do dropknee. Há jovens que já se destacam, como é o caso do Elliot Morales, um atleta muito versátil e que surfa muito bem. Mesmo assim, gostava de ver mais riders a surfar em dropknee nas Canárias, principalmente quando o mar está maior e mais difícil. É uma forma de aumentar o nível do estilo e de o projetar nos amantes do desporto”, atesta. Ardiel Jiménez passou por muitas das transformações do tour mundial. Com o novo modelo competitivo, o futuro do bodyboard parece assegurado, faltando apenas o garante do apoio aos atletas de topo. “Gostava de ver mais gente a viver do bodyboard de maneira digna e totalmente profissional, sem terem de passar por penúrias e tanto trabalho para chegar onde estamos, como tem acontecido até agora. Demorámos muito tempo a chegar aqui, agora tem de ser a valer.” Para bem de todos, oxalá isso se concretize...
Ph > Sacha Specker
mm Mark McCarthy Mark é o mano de todos os atletas do circuito mundial. É o que se pode interpretar pela alcunha “Boetie”, substantivo sul-africano que significa irmão. “Eu gosto de ser conhecido entre os meus amigos como um irmão, mas tudo começou no meu primeiro voo para o Havai. Estava sentado ao lado de um amigo quando uma hospedeira perguntou se éramos irmãos. Ele respondeu que sim, que eu era o ´Boetie´ dele. Desde esse dia, passaram a tratar-me por Boetie...”
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Pode ser considerado um irmão para muitos dos atletas do tour, mas, na verdade, não mistura amizades com competição. Na água, não há irmão que valha: McCarthy corre para vencer! “Acho que tudo tem que ver como a minha natureza de querer sempre ganhar. É uma caraterística dos sul-africanos e de todos os atletas do circuito. Acho que simplesmente quero muito conquistar títulos”, justifica. Juntamente com Jared Houston, Boetie é o líder da nova geração sul-africana. A tal geração pós-Botha, que evoluiu silenciosamente e que, agora, marca pontos nos campeonatos mundiais. Além disso, as competições na África do Sul também ganharam outra projeção e imagem, o que possibilitou aos Saffa mostrarem que estão num bom período. Foi o caso do singular Tand Invitational. “Nós queremos construir
Ph > Mtn-photo.com
um evento [o Tand Invitational] forte, para que, um dia, esteja ao nível de competições como a Nazaré. Tand tem muito potencial, o que permite aos saffa demonstrarem aquilo de que são capazes. Eu espero que um dia o evento seja transmitido via webcast, porque este campeonato é especial e a onda é simplesmente fantástica. Nós queremos partilhar isso com o mundo.” Mark McCarthy percorreu um longo caminho até conseguir a oportunidade de correr o circuito mundial. “Eu já atravessei muitos desafios e tive de me debater com muitas quedas pelo meio. É complicado mantermonos no tour quando não temos apoios. Houve muitas alturas em que pensei desistir, porque estava dependente do meu trabalho e do meu salário para poder ir para o próximo evento. Mas eu tenho um verdadeiro amor ao desporto, mesmo quando me parte o coração e deixa desmotivado.” Boetie conhece as dificuldades para se chegar a profissional, tanto em Portugal como na África do Sul. “Sei que os bodyboarders profissionais portugueses estão no mesmo barco, por isso é que acredito que os sul-africanos e portugueses não têm os mercados mais fortes, mas o amor ao desporto é o que nos une e desistir está fora de questão.”
Ph > Lee Kelly 65
ms Mike Stewart Argumentar que é a lenda viva do desporto, que representa a grande fatia da nossa história e que, sem ele, o bodyboard provavelmente não chegava ao patamar em que se encontra já soa a cacofonia literária. Porém, há nele um sentido que muitos de nós nunca encontraremos nas inúmeras sessões que ainda possamos vir a desfrutar. “Não podemos controlar o Universo, mas podemos estar em completa harmonia com ele. E é nesses momentos em que estamos em total harmonia – como quando estamos a surfar – que parece que entramos numa dimensão diferente da realidade. Por isso é que se pode dizer que se estão a usar seis sentidos e não cinco enquanto apanhamos ondas...” Cada vez que conversamos com Mike há sempre algo novo e diferente. Qualquer coisa que não tínhamos ouvido antes e que, deste modo, surge como uma novidade, uma alternativa à visão estática das coisas. São décadas de experiências junto da natureza, vividas de uma forma que apenas os mais puros podem compreender. Um legado único que começa, aos poucos, a ser transferido para os herdeiros. “É fantástico poderes partilhar com a tua família as emoções de apanhar
ondas. Surfar é uma atividade bastante egoísta, embora nos custe admitir isso: não gostamos de dividir e apanhamos as ondas só para nós. Por isso, quando podes partilhar esta experiência tão pessoal com alguém… é uma sensação muito boa”, confessa. Mike Stewart conta quase cinco décadas de existência. Uma vida passada dentro de água, com os amigos, ou em viagens, em busca da onda perfeita. Compete ao mais alto nível e continua a ser um exemplo de longevidade desportiva inigualável. O segredo está no trabalho físico e numa mente sã em corpo são. “Trabalho para manter-me em forma, porque não é algo que aconteça só por si. Se estás a envelhecer e pretendes continuar a desfrutar das ondas a um bom nível, seja a competir ou não, tens que fazer por isso. A tendência natural é para o corpo decair, mas com trabalho é possível manter uma boa forma. O estilo de vida atual da maioria das pessoas não é muito saudável, mas se as pessoas o alterarem para algo mais saudável, isso irá refletir-se na forma física.” * Entrevista de Hugo Rocha Pereira
Ph > João Serpa
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rr Rodrigo Rijo
Ph > Ricardo Amaral x2
Nos últimos meses, os Açores têm recebido ondulações consistentes que têm proporcionado sessões quase intermináveis aos riders da ilhas. A prova disso mesmo é a quantidade de imagens e vídeos partilhados pelos próprios atletas quase todos os dias. Rodrigo Rijo é um dos jovens prodígios locais e um dos mais comprometidos bodyboarders portugueses. Alguém muito ativo no desporto e que exemplifica o crescimento dos atletas micaelenses. “A evolução tem sido cada vez maior. Nós puxamos uns pelos outros, vemos quem manda as manobras mais radicais, quem dropa as maiores e mais ocas ondas da sessão... Por vezes é difícil e stressante para mim, pois quero sempre os puxar os limites em todos os aspetos, quero estar sempre a mandar as manobras mais arriscadas e explosivas nas secções mais pesadas e tentar ser o melhor na água, pois adoro esse tipo de ´competição saudável´.” O seu apelido não engana: o rapaz passa horas a fio dentro de água, sempre com o objetivo de transcender as próprias capacidades. Nem que para isso tenha de passar 6 horas consecutivas de molho. “No dia 6 de Abril, tinha saído das aulas às 13h30 e quando estava a ir para casa passei pela minha praia (Pópulo), vi que o mar estava bonito e com alta formação. Fui a casa
comer, preparar as coisas e bazei logo de seguida para a praia. Entrei na água pelas 14h30 e só saí quase às 20h, sem intervalos. Foi difícil chegar a casa e ainda levei um raspanete da minha mãe, pois ficou muito preocupada pelo estado em que estava. Nem tinha forças para aguentar os talheres e quando fechava os olhos parecia que estava a andar às cambalhotas.” Quando falámos com Rodrigo numa visita a São Miguel, em Agosto de 2010, este almejava correr o circuito nacional. A autarquia apoiou-o e ele viajou para o Continente. Um ano passou e as ambições mudaram. Ganhar uns campeonatos não é suficiente: o profissionalismo é o passo seguinte. “Eu sei que é difícil, que não é qualquer um que o consegue, mas não me imagino no futuro a fazer alguma outra coisa sem ser o bodyboard. Estou verdadeiramente apaixonado pelo desporto e, para mim, não faz sentido nenhum acordar todos os dias às 9h da manhã para ir trabalhar e voltar às 19h para casa. Não é a vida que eu quero. Ainda estudo, mas não consigo escolher uma profissão como alternativa ao bodyboard. Mas nada é impossível e eu vou dar o tudo por tudo para tornar realidade esse meu objetivo.”
mr Mason Rose
Este foi o primeiro ano em que viajou até Portugal. Acompanhou a caravana do mundial de Sintra e aproveitou para surfar alguns dos melhores picos portugueses (“surfei com uns amigos numa direita fantástica que fica a 45 minutos da Praia Grande”). O australiano, natural de Sidney, é uma das figuras mais emblemáticas do dropknee. Versátil e energético, Rose distingue-se pelas diversas atividades que pratica diariamente. “Todos estes anos tenho melhorado em tudo o que faço. Temos sempre que nos empenhar no que fazemos para nos expressarmos melhor. Tenho fases em que surfo duas semanas seguidas e não faço mais nada; quando sinto que tenho de descansar, então dedico-me ao meu trabalho criativo em design, vídeo ou fotografia; se sinto que preciso de alguma adrenalina, então saio e vou a festas, vou dançar e fazer às vezes de DJ. No fundo, é o ciclo em que gira a minha vida.” Mason Rose é conhecido pela sua capacidade e dedicação ao breakdance, que chega a demonstrar em competições internacionais como a Shadow Wars. Uma paixão competitiva que conjuga com as ondas. “O bodyboard e o breakdance andam de mãos dadas e a minha vida precisa de equilíbrio. Ter demasiado de uma das coisas não me faz bem. Adoro música porque me faz mexer e dançar, mas também adoro estar no Oceano e apanhar umas de boogie board. Eu respeito ambas as atividades, são parte da minha vida”, explica. Construiu nome no bodyboard através do dropknee, onde se destaca pela versatilidade na abordagem ao estilo. Apesar de não ouvirmos falar tanto dele, garante que está muito ativo e atento à evolução que o dropknee tem sofrido nos últimos anos: “O dropknee vai ser sempre uma parte importante do bodyboard. O estilo está muito enraízado no desporto e, quem o segue, fá-lo com muito orgulho. O dropknee é extremamente radical quando é bem executado.” Neste momento está a trabalhar num vídeo que sairá brevemente. Para já, não levanta muito o véu, mas garante que será uma película que vai “mostrar ao mundo o meu mundo”. Ph > Lee Kelly x2
FT Fred Temorere
É um perfeito desconhecido do bodyboard português, mas Fred Temorere começa a gerar algum burburinho pela comunidade internacional. Com 19 anos de idade, o taitiano já é considerado um dos sucessores de Jeff Hubbard. A razão é simples: quem o viu diz que voa tanto, ou mais, que o havaiano. “Não sei se voo mais alto que o Jeff, mas voar como ele é o meu principal objetivo. Jeff é o atleta mais disciplinado nos ares e, para mim, chegar mais alto pode significar conhecer o mundo. Sempre tentei voar mais além, para ver o impossível, mas nem sempre o meu corpo aguenta. Felizmente nunca parti um osso, mas acho que já faltou mais!” O bodyboard cruzou-se com Temorere
quando tinha 14 anos, época em que abandonou o skate devido às lesões. A alternativa para expulsar a adrenalina foi o bodyboard. “O que realmente me motiva a puxar os limites é o facto de, até hoje, não existir nenhum bodyboarder [taitiano] reconhecido internacionalmente. Por isso, eu quero ser o primeiro a ser privilegiado com o reconhecimento exterior.” Há pouco tempo atrás entrevistámos Tahurai Henry, talvez o expoente máximo da nova geração taitiana. Tahurai falou da evolução da comunidade bodyboarder da Polinésia Francesa e da sede dos atletas por exposição mediática. Ambição que Temorere partilha:
“O nível dos taitianos é muito elevado, mas as pessoas só reparam nisso se os media nos derem atenção. Há muito pouca cobertura mediática na Polinésia Francesa. Só podemos contar com o Eric Schnitzler, que é um excelente realizador de filmes de bodyboard.” Fred trabalha para participar no circuito mundial do próximo ano. A etapa de Pipeline está praticamente assegurada e as paragens mais importantes do tour também deverão contar com a presença do jovem taitiano. Sem dúvida, uma boa novidade.
sa Sérgio Alonzo
“Sou o Sérgio Alonzo, tenho 20 anos e nasci na ilha de Margarita, na Venezuela. Iniciei-me no bodyboard quando tinha 8 anos e comecei a competir aos 14, quando a IBA realizou o primeiro campeonato na ilha. Participei graças à Natasha Sagardia, que me emprestou uns pés-de-pato, porque, na altura, eu não tinha dinheiro para comprar um par. O gosto pela competição surgiu em 2008, quando o Amaury me emprestou a sua prancha para participar noutro evento da IBA. A partir daí, ganhei a motivação para estar onde estou hoje.” Caso não saibam... o Sérgio é uma das surpresas do circuito mundial deste ano. Apareceu de rompante em Puerto Escondido, quando venceu as triagens e deu luta até ao final da ronda 3, incomodando muitos dos atletas considerados favoritos. A saga continuou com a chegada aos 1/8 de final
Ph > Stork
Ph > Sacha Specker
do Sintra Portugal Pro, onde foi eliminado pelo atual campeão do mundo. A Venezuela sempre teve tradição nos campeonatos mundiais de seleções, mas nunca se destacou pelas individualidades. Alonzo é a exceção que quer provar que os venezuelanos também têm qualidade para correr o tour. “Há muito talento na Venezuela, mas há muito tempo que os atletas talentosos não tinham recursos suficientes para participar no circuito. Felizmente o Estado venezuelano tem-nos ajudado. O apoio do Instituto Nacional de Desporto, do Ministério dos Desportos e de outras entidades governamentais tem ajudado muito os atletas”, explica. Sérgio vai correr o mundial até ao fim e tem uma ambição a curto prazo: entrar no top 16. Um objetivo minoritário para quem promete o ataque aos lugares cimeiros nos próximos anos.
dK Damian King
O australiano aparentava uma tranquilidade inabalável. Estava sentado num puff vermelho, a apreciar a azáfama da pequena festa, regada a minis e acompanhada de salgados e flashes das máquinas fotográficas. Era a apresentação do Sintra Portugal Pro e a nata do bodyboard reencontrou-se na Senhora do Rio depois de várias horas de viagem, desde Zicatela até à capital do romantismo. Damian King estava a sorrir, aquele ambiente fazia-lhe sentido. Era o espírito bodyboarder em convívio, a trocar experiências de sessões e aventuras por esse mundo fora, com uma prancha e uns pés-de-pato debaixo dos braços. Uma vida que Kingy quase deixou para trás no dia em que esteve para morrer.
Ph > Nick Bannehr x2
“Sabia que Cloudbreak ia estar grande e toda a gente dizia que ia estar melhor do que nunca, com ondas de 15 pés ou mais. Estava cheio de medo.” A hesitação não travou a ambição do Joker, que embarcou para as ilhas Fiji assim que a notícia se espalhou. Cloudbreak estava prestes a receber a maior ondulação dos últimos 20 anos e ele não queria faltar. Arrumou a tralha do costume e partiu para o Pacífico, com os amigos Alex León e Chase O'Leary. Uma sessão bastou para ilustrar esta história: “Apanhei uma onda bastante grande, mas não consegui entubar. Acabei por sair por fora e a onda fechou toda em cima de
mim. Tinha uns 15 pés à vontade. Lá debaixo não me lembro de muita coisa. Sei que me saltaram os pés-de-pato e fiquei submerso bastante tempo. Até que chegou uma altura em que perdi mesmo a consciência...” Kingy estava apreensivo, como se estivesse a reviver tudo, de trás para a frente. Após a primeira onda, o bicampeão ainda foi sacudido por uma segunda vaga e só conseguiu sair do turbilhão com a ajuda de uma mota de água. “As pessoas não compreendem o quão perto estive de morrer. Quando estava debaixo de água, houve um momento em que pensei mesmo que me ia afogar. Foi a primeira vez na minha vida que pensei tal coisa. Foi muito assustador, eu tinha a certeza absoluta que não me ia safar. Ainda para mais a minha família estava nas ilhas Fiji e só pensava que nunca mais ia ver a minha filha”, recorda. A jornada de Cloudbreak não abalou o mundo de Kingy. Tudo estava bem e a confiança no auge. Era hora de se juntar à festa, com os aussies e os tugas que a compunham. Abandonou a conversa com um simples “estou tranquilo”. Entrevista exclusiva sobre este episódio aqui: www.vert-mag.com/noticia/entrevistas/2044/ o-dia-em-que-kingy-esteve-para-morrer.html
mv Manny Vargas
Manny V é um freak acompanhado de milhares de outros freaks espalhados pelo globo. O norte-americano lidera o Euro Freak Fest, uma festa global que mistura a música com concursos surreais. Como exemplo, temos a competição de leite na Praia Grande, há quatro anos atrás. Um concurso simplesmente memorável. “O Euro Freak Fest oferece às pessoas uma oportunidade de saírem da concha em que a sociedade as enclausurou. É ali que as pessoas fazem o que querem, são o que querem e vivem uma vida em que fazem o que desejam. Não se trata de um escape para a minha vida: eu quero é ver-te livre da tua!”
Ph > Mtn-photo.com
Seja em Portugal, na Austrália ou no Japão, Manny é uma figura do bodyboard. Já o era nos tempos áureos em que se destacava na cena do dropknee, mas, agora, há outras atividades que lhe dão a visibilidade que nem sempre teve. Vargas é o animador dos live webcasts da IBA e já é uma referência para quem assiste aos diretos das competições. Além da irreverência e paixão que evidencia nos comentários, há o “punch”, símbolo dos segundos finais dos vídeos diários do circuito mundial e que já é uma tradição. “Eu, o Seamus Makim e o Ben [representante da Red Bull] saímos para fazer o primeiro podcast para a IBA. Estávamos num campo de bananas perto de El Frontón quando tivemos a ideia de terminar os vídeos com qualquer coisa diferente. Então, concordámos os três que, no final, teríamos um punch sonorizado com BOOM.” O soco final dos podcasts não é só um adorno para entreter a malta. Tem um significado adequado à época de mudanças que o bodyboard atravessa: é o soco no estômago daqueles que duvidaram da evolução do desporto. “Todos os dias rezo para que os bodyboarders que são realmente talentosos e dedicados à competição tenham a oportunidade de ser apoiados por uma grande marca”, refere.
Vargas tem a oportunidade de viajar e conhecer os picos mais espetaculares do mundo durante todo o ano. O único senão é passar grande parte do ano longe da família. O único pormenor num trabalho que tem tudo para ser o dream job. “Com a exceção de não poder estar com a minha mulher, tenho um trabalho perto de ser o dream job. Mas acho que o trabalho de sonho é mesmo aquele que o GT, Jeff, Lavernhe e o resto da malta tem: viajar e surfar ondas perfeitas. É brutal!”
Ph > Grommet
jg Josh Garner Já era um dos mais promissores jovens australianos antes mesmo do protagonismo criado pelo impressionante wipeout em The Right (N.E.: ver págs. 96-97 da Vert97). Uma experiência no fio da navalha que mudou o seu destino enquanto bodyboarder. “Tinha apenas 18 anos quando consegui aquela capa de revista [na Riptide]. Isso abriu-me as portas para o bodyboard profissional, embora não tenha sido tão fácil quanto
se pense. De facto, ajudou a arrancar com a minha carreira, no sentido em que me deu reconhecimento global, mas isto nada significa se não formos capazes de honrar esse compromisso. Aquela imagem deu-me a liberdade de mostrar ao mundo o que sou capaz de fazer neste desporto. Eu trabalhei muito desde essa altura e agora, que tenho 21 anos, sinto que já mereço algum reconhecimento.” Josh esteve recentemente no México, naquela que afirma ser a melhor viagem em que embarcou nos últimos anos. “Foi fantástico! Ondulações épicas quase todos os dias, locais fantásticos, cultura interessante, cozinha super saudável, Coronas baratas. O que é que se pode desejar mais numa viagem. O local é
simplesmente de malucos. Aparte os assaltos e esfaqueamentos, correu tudo como uma grande festa!” O Zicatela Pro decorria na mesma altura, mas o campeonato não suscitou grande interesse no australiano. Foi no último dia de competição que se juntou a Ben Player na melhor sessão da viagem pelo litoral mexicano. “O mar estava facilmente com uns 12 pés. Eu e o Benny fomos os únicos a entrar, pelo menos durante a primeira hora de bodyboard. Apanhei algumas ondas até que houve um set bem grande que rebentou mesmo em cima de mim. A prancha e os pés-de-pato desapareceram e perdi totalmente o controlo da situação. Quando vim ao de cima, apaguei-me por momentos, até que outra onda me caiu
em cima e me despertou de imediato. Foi realmente assustador. Depois disso corri até casa, peguei noutro material e segui de novo para o pico! Só saí ao escurecer. Definitivamente a sessão mais memorável da viagem.” Garner assume-se um big wave rider (“eu sempre tive de puxar para lá dos meus limites para fazer o que quer que fosse”). A sessão em The Right foi das mais impressionantes que já apanhou e, ao mesmo tempo, aquela que lhe possibilitou viajar mais vezes e procurar pelas melhores ondas do globo. O impacto das imagens foi decisivo para conseguir o apoio e para se tornar num bodyboarder mais completo e ambicioso.
Front贸n A for莽a da natureza The power of nature Photo: Alexis Diaz
Gast達o Entrudo A voar bem alto na Cova do Vapor Portuguese charger flying high at home Photo: Miguel Nunes
Rute Penedo O olhar de gata da cara-metade de PLC The cat look of PLC´s fiancÊe Photo: Pedro de Castro
Filipe Raposo IncrĂvel movimento aĂŠreo no Reef Incredible air rotation at Reef, Ericeira Photo: Pedro Mestre
Nuno Cardoso A atirar muita รกgua para os ares de Uluwatu Throwing buckets of water to the airs of Uluwatu Photo: DR
Leo Leite Confortรกvel numa toca de Copacabana, Rio de Janeiro Feeling comfortable on a Copacabana cave, in Rio de Janeiro Photo: Henrique Pinguim
David Rafachinho A soltar muita água no verão português Throwing buckets in the Portuguese Summer Photo: Ruizinho
Luis PĂŠrez Quebrando limites pelo norte de Espanha Breaking the limits in the North of Spain Photo: Edu BartolomĂŠ
Yeray Martinéz Lidando com a força do Frontón, Ilhas Canárias Dealing with the force of Frontón, Canary Islands Photo: Alexis Diaz
António Cardoso Vivendo a vida ao máximo no Bunker português Living the life to the maximum on Portuguese Bunker Photo: Wilson Ribeiro
Filipe Ferreira 360 aĂŠreo massivo na margem sul Massive forward air spin under the Lisbon bridge Photo: Bruno Aleixo
Ernesto Evana A vida ĂŠ bela nas Ilhas CanĂĄrias Life is sweet on the Canary Archipelago Photo: Wilson Ribeiro
Nuno Silva À sombra em Bingin, Bali In the shade in Bingin, Bali Photo: HCasinhas Photography
Gast達o Entrudo A nu no deserto australiano Completely nude in the Australian desert Photo: Nuno Cardoso/Wave Solutions
Pedro Matos Explos達o total em mais um final de tarde quente do ver達o lisboeta Total blast in the end of another hot Summer afternoon around Lisbon Photo: Miguel Nunes
Unknown Soldier Uma perspetiva interessante das praias de Aveiro An interesting outlook of the Aveiro beaches Photo: Zeca Photography
Ricardo Faustino Velocidade e rotação aérea a norte Speed and full air rotation in North Photo: Tomanephotos.com
Matt Lackey O 'grind' diรกrio The daily grind Photo: Paul Castle
Guilherme Guerra Metendo a cabeรงa para baixo na paisagem de Sumatra Fliping head down in the Sumatra landscape Photo: Ricardo Nascimento
Manapany As linhas perfeitas de uma das baĂas mais bonitas da Ilha ReuniĂŁo The perfect lines of a beautiful bay in Reunion Island Photo: Outre-Mer Sports
Hugo Pinheiro A Margem sul dourada The golden south side Photo: MTN-Photo
APÓS A CORRERIA DE ONTEM, SOUBETE BEM RELAXAR? Estava muito cansado do Special Edition, por isso soube bem relaxar em condições mais acessíveis. Normalmente, nos outros campeonatos surfas heats de meia hora, ou seja, num dia nunca surfas mais de uma hora e meia. Ontem surfei cerca de três horas, em condições bastante exigentes...
AGORA QUE ÉS O CAMPEÃO DO MUNDO P A S S A S A S E R O A LV O A A B AT E R . E S TÁ S P R E P A R A D O P A R A E S S A P R E S S Ã O E X T R A? O T E U O B J E T I V O PASSA POR DEFENDER O TÍTULO? Claro que pretendo voltar a ser campeão do mundo este ano. Quando és o número um não podes subir mais, mas podes procurar manter essa posição. Julgo estar preparado para essa pressão de que falas. Ter ganho o título mundial é mais um motivo de contentamento do que de pressão, porque significa que atingi um objetivo que sempre tive na vida e para o qual vinha a trabalhar há muitos anos. Por isso, penso que a pressão que vou sentir não será tão grande como a de anos anteriores, embora muitas pessoas estejam com grandes expetativas em relação ao meu desempenho e muita gente me queira vencer, como é natural.
Q U E O P I N I Ã O T E N S D O T O U R D E 2 0 12 ?
E R A S A P O N TA D O C O M O A “NE XT BIG THING” DESDE MUITO NOVO, E SÓ AGORA CHEGASTE AO TÍTULO. SENTIAS ESSE PESO NOS OMBROS? Já há muito tempo que me tinham pregado uma tabuleta a dizer “futuro campeão mundial”. Havia essa pressão todos os anos. É difícil não a sentir quando lês em todo o lado que vais ser o futuro campeão. Acabas por perguntar-te se isso vai mesmo acontecer, até porque existem bodyboarders incríveis que ainda não ganharam o título, como Ryan Hardy, o Dave Winchester ou o Mitch Rawlins. Mas essa pressão também pode ser utilizada de uma forma positiva, se funcionar como um fator de motivação: “se há tantas pessoas que acreditam em mim, isto vai concretizar-se.”
No geral, penso que os locais escolhidos para as etapas são bons e o calendário também parece-me bem feito. Não se vai realizar o campeonato na Ilha Reunião, por causa do problema com os tubarões, mas vai haver uma etapa no Brasil, o que me parece bem, desde que tenhamos sorte com as ondas. Também espero que voltemos a ter boas condições em Porto Rico, como no ano passado. Existem três sítios onde podemos apanhar ondas pequenas, o que não será tão bom para o tour. E, claro, adorava que houvesse um campeonato em França.
E O QUE PENSAS DA PRAIA GRANDE, QUE ACABA POR SER UM DESSES C A M P E O N AT O S D E O N D A S P E Q U E N A S ? Penso que devemos continuar a ter o Sintra Pro. O campeão do mundo deve saber surfar em todo o tipo de ondas. Ao mesmo tempo, muita gente partilha da opinião de que em Portugal existem muitas ondas de qualidade superior e que, por isso, é uma pena que o campeonato seja nesta praia e, ainda por cima, no verão. Existem aspetos positivos e negativos nisto. Na minha opinião deve-se manter por causa da componente histórica que a prova já tem e também porque deve haver pelo menos uma prova de ondas pequenas no tour. E o facto de a prova se realizar no verão faz com que haja sempre muita gente na praia, o que é bom. Seria perfeito manter Sintra e fazer outra prova noutro local – durante o inverno, na Nazaré ou em Peniche –, mas não é fácil realizar dois campeonatos no mesmo país.
A M O U R POUR LE CHAMPION DU MONDE
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O ANO PASSADO NÃO COMEÇOU BEM. SERÁ QUE HOUVE UM MOMENTO DE VIRAGEM, EM QUE TENHAS SENTIDO QUE PODIAS SER CAMPEÃO? Sem dúvida! Aconteceu na etapa de Porto Rico. Não comecei bem, mas essa vitória recolocou-me na corrida pelo título. Penso que passei da sétima posição para o segundo lugar, e nessa altura passei a acreditar que tinha hipótese de ganhar. Essa vitória deu-me a confiança de que precisava. Mas o campeonato até começou mal, com um primeiro heat péssimo, em que fiquei em 4º. Sou sincero, aí fiquei em baixo. Este era o último cartucho que podia relançar-me na corrida ao título, e as expetativas estavam a ir por água abaixo. Entretanto, a Rute chegou, o que me ajudou bastante. Nessas alturas precisamos de alguém que nos faça sentir bem, relaxado, e que nos motive com as palavras certas. E desde que ela chegou as coisas começaram a correr-me bem, de tal forma que até ganhei… não só a etapa como fez-me ver que até era melhor apanhá-lo naquela fase do que na final, porque assim podia evitar que o meu principal adversário ganhasse mais pontos. Ela deu-me a motivação de que precisava e, após derrotá-lo, sabia que não estava autorizado a perder mais.
SERÁ A RUTE A PRINCIPAL RAZÃO PARA VIVERES EM P O R T U G A L? É bom ter um lar, um sítio onde sinto-me bem e onde sabe bem regressar após as viagens e campeonatos para recarregar as baterias. Obviamente que isso contribuiu para o meu desempenho e para o resultado final. E, ainda por cima, temos boas ondas por cá. Espero que este título mundial seja inspirador para mais atletas europeus (portugueses, espanhóis, franceses…) irem atrás dos seus sonhos.
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O QUE TE AGRADA MAIS NAS ONDAS PORTUGUESAS? O que mais aprecio é a enorme variedade. Se quiseres surfar fundo de pedra, podes ir para a Ericeira; se quiseres apanhar “cabeços”, tens a Cova do Vapor; existem ótimos fundos de areia, como nos Supertubos; há ondas grandes na Nazaré… a variedade em Portugal é impressionante. Se quiseres ser um bodyboarder completo, este é o sítio certo para estares.
E QUAIS SÃO AS TUAS ONDAS F AV O R I TA S ?
Adoro surfar na Cova do Vapor, é uma onda perfeita para bodyboard. Ter treinado bastante naquelas ondas tem ajudado imenso o meu surf. E gosto de surfar noutros sítios – já tive sessões incríveis na Nazaré, Ericeira, Peniche, no sul…
E S TA N D O E M P O R T U G A L , M A S T E NDO UM OL H A R DE C E R TA FORMA EXTERIOR, COMO A C H A S Q U E E S TÁ O N Í V E L D O S PORTUGUESES? Ainda no Special Edition deu para ver que há muito talento em Portugal. A nível europeu penso que é o país com os melhores bodyboarders. E tenho a certeza que existem vários atletas com nível para figurarem no World Tour. Para mim, neste momento, o melhor bodyboarder português será o Tó Cardoso, que tem muito potencial e ainda é bastante novo. Penso que poderá estar no WT se apostarem nele. Claro que existem outros atletas mais conhecidos internacionalmente, como o Manuel Centeno, o Gastão Entrudo ou o Hugo Pinheiro, mas o Tó tem a vantagem de ainda ser bastante novo. 135
Na entrevista concedida à Vert, PLC não hesitou em apontar a vitória no Encanto Pro como o momento em que passou a acreditar que poderia alcançar o cetro. Foi esse, sem margem para dúvidas, o “turning point” rumo a um título que seria confirmado na reta final do World Tour. E com a mesma certeza referiu-se à importância que teve o contributo da sua cara-metade para conseguir recuperar o ânimo numa etapa que não tinha começado nada bem. A namorada, Rute Penedo, partilha esta opinião, começando por dizer que “houve uma estrela a acompanhar o Pierre desde Porto Rico”. Pelo contrário, “até aí, ele dizia-me que iria fazer tudo para conseguir ficar no Top 10. Nessa altura estava no sétimo lugar do Mas Porto Rico alterou tudo!”. E essa reviravolta teve um dedinho da modelo portuguesa. “Quando cheguei a Porto Rico ele tinha ficado em 4º lugar no primeiro
Porém, o papel de Rute não se resumiu à prova de Porto Rico. Tal como PLC refere, “Estás muitas vezes sozinho no tour, por isso, ter a companhia de alguém como a Rute é muito bom”. E a gata lusa, com quem o francês namora há mais de dois anos, acompanhou-o em várias etapas, como Havai, Austrália, Reunião ou Canárias. “Se eu não estou presente, a última coisa que ele faz antes de entrar para a água é telefonar-me a dizer que vai entrar; e eu respondo que estou com ele no pensamento e dou-lhe força. Quando viajamos juntos, antes dos heats tenho que lhe dar um beijinho e dizer “boa sorte, meu amor, vai tudo correr bem”, a olhá-lo nos olhos”, revela a manequim, que durante os 1/4 de final com Jared Houston, no Frontón (cuja vitória valeu o título mundial!), passou por momentos inesquecíveis. “Eu nunca vivi nada assim. S ) Foi uma coisa inexplicável”, confessa, afirmando que “não queria transmitir ao Pierre o nervosismo que tinha, não só por estar em causa a disputa do título mundial como pelo facto de as condições estarem muito perigosas. Ele estava disposto a tudo, se tivesse que se mandar para cima das rochas, mandava-se. Isso fez-me ficar com medo. E enquanto ele não entrou para a água não quis transmitir-lhe nervosismo”. E além de temer pela integridade física do namorado, Rute sabia bem como PLC iria sofrer com um eventual insucesso. “Se não ganhasse, ia entrar em depressão. Como sou eu que celebra com ele quando ganha, também é comigo que ele chora quando perde. E não queria que ele passasse por isso, que nós passássemos por isso!” Como se tal não bastasse, o facto de Terry McKenna se ter aproximado
PROFECIA CUMPRIDA (
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heat, e estava de rastos, sem esperança. Dizia que as pranchas não prestavam, que já não sabia surfar… e numa semana tudo mudou!”. Mas como é que isso aconteceu, perguntamos nós: “Eu tive que fazer a minha terapia. O Pierre é uma pessoa muito emotiva e sensível. O facto de ter ouvido comentários e lido coisas sobre ele na internet mandou-o abaixo numa altura decisiva. Eu fiz por lhe mostrar como é bom naquilo que faz. Sei que o facto de lhe dar segurança, amor, carinho e conselhos é importante para ele.”
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PLC não ultrapassar Jared, só contribuiu para aumentar a tensão: “O Pierre estava tão perto de se sagrar campeão que tudo isso me deixou ainda mais nervosa. Imagina quantas vezes ele já tinha ouvido pessoas dizerem-lhe “tu vais ganhar, tu vais ser campeão do mundo!”; Toda
a gente lhe dizia isso a toda a hora, e ele sentia essa responsabilidade. E ele nunca tinha estado tão perto como naquela altura”. No relógio de Rute “aquele heat durou horas”, e ela apenas podia fazer figas, rezar ou roer as unhas - “Só queria que o heat acabasse. Apetecia-me ir ter com o Jared e pedir-lhe, por favor, para não apanhar ondas.” Já o campeão confessou que nem consegue “imaginar o que a Rute deve ter sofrido durante aquele heat”, reconhecendo que a namorada, “estando do lado de fora, até acaba por sofrer mais porque não pode fazer nada além de torcer para que as coisas me corram bem”. Como sabemos, este conto de fadas teve um final feliz. O cavaleiro andante do bodyboard festejou a conquista do título mundial, primeiro dentro de água e depois em terra firme, com a princesa a seu lado. “Ganhar este título foi uma grande recompensa para ambos. Tem muito significado comemorar esta conquista junto da Rute. Ela foi a pessoa que viveu comigo todos os momentos, das derrotas às vitórias. Sofreu comigo e ajudou-me quando perdi (como na Austrália e no Chile) e celebrámos juntos quando venci”. E, como se continuassem a celebrar a lua-de-mel, vão trocando olhares e gestos cúmplices ao longo da conversa. Costuma dizer-se que por trás de um grande homem está sempre uma grande mulher. Pois, o coração deste campeão bate por uma portuguesa que lhe dá toda a força de que precisa para triunfar. Contudo, a Rute não se limita a apoiar Pierre durante o tour, a torcer e a sofrer por fora. Também assume um papel ativo nos treinos diários, juntando assim o útil ao agradável. “Sou apaixonada pelo mar, faço bodyboard há muitos anos e gosto de entrar com ele para dentro d´água quando o mar está melhor
para mim e não faz tanto frio”, começa por dizer. “Quando fico cá fora costumo filmar o Pierre, que quer fazer um vídeo com imagens de Portugal”. É no nosso país que o atual campeão do mundo vive há mais de um ano. “O porto seguro dele agora é aqui”, lembra ela, antes de abrir o coração e deixar entrar alguma luz sobre a intimidade do casal. “Eu, se casar, é com o Pierre. Ele é a pessoa da minha vida. E o Pierre quer muito ser pai. Se calhar, não para já, porque ainda é muito novo, mas uma vez disse-me: “Eu só vou ser pai depois de ser campeão do mundo”. Ele foi campeão este ano, por isso…” Entre alguns “ses”, encontram-se certezas absolutas. Rute assume ter muito orgulho em PLC (como atesta a tatuagem que traz gravada no pulso) e esse sentimento é mútuo. “Acho importante termos orgulho um no outro. Quero que tudo na vida dele seja para cima e vou
"É DIFÍCIL NÃO SENTIR PRES SÃO QUANDO LÊS EM TODO O L ADO QUE VAIS SER O F U T URO C AMPE ÃO. E AC ABAS POR PERGUNTAR A TI MESMO SE IS SO VAI MESMO AC ONTECER, ATÉ PORQUE E XISTEM BODYBOARDERS INCRÍVEIS QUE AINDA NÃO GANHARAM O TÍTULO"
fazer tudo para que ele seja um Homem feliz”. Como nisto das relações amorosas a sintonia é fundamental, importa destacar que Pierre se vê como “um sortudo, porque não é fácil encontrar alguém assim. Desde o início que a Rute tem-me apoiado bastante. Ela faz parte do que eu sou hoje”. Será por isso mesmo que costuma referir-se à companheira nos discursos de vitória – “quando ele recebeu o troféu de campeão mundial, na cerimónia oficial fez um discurso em que dedicou o título a mim e à família. Claro que isso faz-me sentir uma mulher especial”. Se Rute considera que “Já é raro encontrar Homens como o Pierre”, afirmando
que “ele tem um coração puro e é muito humilde”, o atual rei do bodyboard mundial confirma esse traço de personalidade e mostra ter aprendido boas lições com o mestre dos mestres: “Como Mike (Stewart) disse uma vez, “o bodyboard ajudanos a manter a humildade”, até por não haver tanto dinheiro envolvido como noutros desportos.” ______________________________
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