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PREFEITO MUNICIPAL DE MANAUS

Amazonino Mendes VICE-PREFEITO MUNICIPAL DE MANAUS

Carlos Souza DIRETORA-PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA E ARTES

Lívia Mendes VICE-DIRETOR-PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA E ARTES

Renato Seyssel DIRETOR DE LOGÍSTICA E FINANÇAS DA FUNDAÇÃO MUNICIPAL DE CULTURA E ARTES

Carlos Augusto Pereira da Silva PRESIDENTE DO CONSELHO MUNICIPAL DE POLÍTICA CULTURAL

Thiago de Mello SECRETÁRIO-EXECUTIVO

Jaime Pereira

Av. André Araújo, n.º 2767 Aleixo CEP: 69060-000 – Manaus-AM Tel.: 92-3215-3473 E-mail: concultura@pmm.am.gov.br

Avenida André Araújo, 2767 – Aleixo CEP: 69060-000 – Manaus-AM Telefone: 92-3215-3474/3470 Site: www.manaus.am.gov.br E-mail: gabdiretoria.manauscult@pmm.am.gov.br


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Josテゥ Roberto Girテ」o de Alencar (Organizador)

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José Roberto Girão de Alencar (Org.), 2010

COORDENAÇÃO EDITORIAL

Jaime Pereira PROJETO GRÁFICO E REVISÃO

Marcos Sena (marcos_tito_sena@ig.com.br) CAPA

Thiago Barata (A1 Studio) FICHA CATALOGRÁFICA

Ycaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287

A368m Alencar, José Roberto Girão de (org.). Moacir Andrade – Uma lenda amazônica. Organização de José Roberto Girão de Alencar. / Manaus: Edições Muiraquitã, 2010. 140 p. ISBN 978-85-99122-10-5 1. Biografia 2. Artes Plásticas – Amazonas(Estado) I. Título CDD 927 22.ed.


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Homenagem Esta edição de luxo com minhas principais obras que a Prefeitura Municipal de Manaus está realizando, é uma justa homenagem que o autor faz ao prefeito Amazonino Mendes ao longo de sua trajetória, amigo e irmão, o meu muito obrigado. Manaus, 5 de outubro de 2010. Moacir Andrade


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SUMÁRIO

PREFÁCIO APRESENTAÇÃO

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MOACIR ANDRADE – UMA LENDA AMAZÔNICA A biografia do artista 13 Depoimentos 19 Pintor da Amazônia, pintor do Brasil 23 Moacir Andrade – Instinto Poderoso da Amazônia 25 Barcos amazônicos, nos desenhos de Moacir Andrade 27 Moacir Andrade e sua obra 29 A arte de Moacir Andrade 37 Apresentação de um livro 39 O que diz o autor de “A Selva”! 41

Moacir Andrade, pintor do trópico anfíbio 43 Depoimento do autor do “Estatuto do Homem” 45 Falam os imortais 49 Fala o autor do Auto da Compadecida 51 Meio século de arte amazônica 63 O poetinha e outros luminares 67 Mensagem do Peixe Vivo, o grande JK 69 A fala do fundador do Masp 71 Como Jefferson Péres vê seu amigo e companheiro do “Clube da Madrugada” 73 O poeta do azul, pinta o amigo das Madrugadas 75 A visão de um jornalista “Prêmio Esso”77

Moacir Andrade o caboclo das tintas 79 Para Moacir Andrade 81 Escritor amazônida fala do pintor 83 Moacir Andrade, um artista polivalente93 O mundo maravilhoso da pintura “ingênua” de Moacir Andrade 97 O que diz um jurista de Moacir 101 Opinião de um Prêmio Nobel de Litratura 103 A Imprensa e Moacir Andrade 107 Moacir Andrade condecorado na França 109 Prêmios e honrarias 111 Moacir divulga arte amazonense nos EUA 113 André Araújo – A profecia de um sucesso115

Moacir Andrade é nossa expressão cultural 119 Os 45 anos de exposição do Moacir Andrade 121 Medalha Cultural para Moacir Andrade 123 Moacir Andrade comemora 45 anos de arte 125 Moacir Andrade – Patrimônio vivo da cultura amazônica 127 Exposições Individuais 131 Museus e Pinacoteca com obras do autor135 Obras nos acervos dos seguintes museus e pinacotecas 137


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Prefácio à primeira edição

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enho a grata satisfação de lançar este Caderno de Artes e abrir uma exposição retrospectiva da vida e da obra do mais importante pintor e artista plástico amazonense. A alegria é maior por coincidir este evento com importantes datas de nossa história: a fundação do ICBEU, que completa este ano 53 anos de uma profícua existência dedicada à educação e a cultura, o nascimento do nosso fundador e querido amigo, prof. Ruy Alencar, que completaria 84 anos no dia 15 de maio deste ano, se vivo estivesse e, finalmente, os 75 anos de carreira do Moacir Andrade. Por não ser especialista em literatura, deixo para os luminares como Gabriel Garcia Marques, Ariano Suassuna, Jorge Amado, José Sarney, Cla-

rice Lispector, José Lins do Rego, Jorge Amado, Samuel Benchimol, Jefferson Péres, Jorge Tufic, Elson Farias e tantos outros, a incumbência de apresentar e comentar a obra e a personalidade do artista, suas muitas facetas, escolas, correntes e diferentes percepções da realidade amazônica, carro chefe ou “leit motiv”, de sua temática principal: as terras e as gentes da Amazônia, o que de pronto, o insere em nossa história, como um humanista, um sociólogo, um defensor da Amazônia, enfim, uma lenda viva. Eles, em seus depoimentos, enriquecem este catálogo, um verdadeiro “caderno de arte”, que editamos para registrar este momento histórico. Prefiro referir-me ao artista como “prata da casa”, frequentador desde os

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primórdios do “English Speaking Club”, descoberto e lançado internacionalmente por nosso “mecenas” prof. Ruy Alencar, que, nos idos de 1968, sob os auspícios da Embaixada Americana, o encaminhou da província, para realizar suas primeiras exposições internacionais, no Tennessee, em Washington e New York, nos Estados Unidos, de onde fez seu “take off” para o mundo. Como atual dirigente do ICBEU resgatei e trouxe de volta Moacir Andrade para nosso convívio cultural, convidando-o para ser um dos curadores de nossa “galeria de artes” e ajudando-nos na promoção e realização de nossos projetos artísticos e culturais, e na descoberta e lançamento de uma nova geração de artistas amazonenses.

Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Muitos outros artistas plásticos, poetas, escritores e pensadores passaram por aqui, ajudando-nos a mostrar esta faceta de nossa missão cultural pouco conhecida, já que muitos nos conhecem, apenas, pela excelência de nosso curso de língua inglesa. Muitos outros mais poderão voltar a este espaço que estará sempre aberto à cultura e à promoção de nossa gente. Manaus, 2 de julho de 2009. Aristóteles Lima Thury Presidente do ICBEU


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Chegando em casa, 1975.

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Apresentação

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capital da floresta há muito é o cenário onde vários autores buscam inspiração para expressar o cotidiano mítico e místico, evocativa da percepção singular do ambiente amazônico. São poemas, contos, crônicas, ficção e trabalhos científicos onde os temas nos trazem diversas nuanças de Manaus. Moacir Andrade – uma lenda amazônica, organizado por José Roberto Girão de Alencar, que reúne biografia, telas e depoimentos de várias personalidades ligadas à cultura sobre o escritor e

artista plástico Moacir Couto de Andrade, é uma dessas obras especiais que chega para juntar-se ao acervo literário de Manaus. As telas do virtuoso mestre da pintura brasileira, destacadas nesta obra, fascinam a sensibilidade dos admiradores e expressam seu amor vívido e incondicional à arte amazônica, fundada não numa visão altruísta de admirar o belo sem nada entender, mas na sensação de ser participante dos processos criativos, na busca intermitente da harmonia das cores, do equi-

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líbrio das formas, da melhor possibilidade de ser parte do milagre amazônico. Além disso, é um livro constituído de lembrança, ternura e saudade, onde as paisagens que encantam o mundo remontam a uma viagem também endógena, reveladora das belezas e fascínio de Manaus, entendida como a capital dos trópicos. Na comemoração do aniversário de Manaus, a cidade recebe este presente de um de seus mais ilustres filhos, que também completa oitenta e quatro anos de dedicação e amor a

Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Manaus. Portanto, tenho a grata satisfação de apresentar Moacir Andrade – Uma lenda amazônica e partilhá-lo como uma homenagem a Manaus e um gesto de reconhecimento por um de seus artistas mais insignes. Amazonino Mendes Prefeito de Manaus


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Primeiro desenho de Moacir Andrade aos sete anos.

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A biografia do artista BREVE

RELATO ESCRITO PELO INTELECTUAL EURICO ANDRADE ALVES, PUBLICADO NO “CORREIO DA FEIRA”, VILA DA FEIRA , PORTUGAL.

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oacir Andrade nasceu em Manaus, capital do Estado do Amazonas, no dia 17 de março de 1927, na Santa Casa de Misericórdia de Manaus, à rua de Dez de Julho, no quarto n.° 9. Com poucos dias de nascido, seus pais, Severino Galdino de Andrade e Jovina Couto de Andrade viajaram para o interior do Amazonas onde o menino viveu a sua primeira infância. Isso aconteceu no município de Manacapuru, no sítio denominado de “Nova Esperança”, de propriedade de sua tia Josefa Couto da Silva, mais conhecida como “Zefinha”, professora muito querida naquele pedaço de beiradão do rio Solimões. Em 1934, Severino viajou para Manaus em busca de melhor educação para seus dois filhos, Mozart e Moacir. As primeiras letras os meninos aprenderam com sua mãe Jovina, que também era professora naquele lugar. Depois de se esta-

belecerem em Manaus a rua Joaquim Nabuco, próximo a Barão de São Domingos, fizeram residência a rua dos Andradas, mudando-se depois para a rua Ramos Ferreira e finalmente para a Dr. Machado, no bairro do Alto de Nazaré onde o menino viveu até o ano de 1953, quando convolou núpcias com a senhora Graciema Britto de Andrade, professora normalista. O período elementar estudou no Grupo Escolar Ribeiro da Cunha, cujo prédio ainda existe à rua Silva Ramos. Terminando o curso primário, ingressou no Ginásio Amazonense Pedro II em 1939. Com a notícia da abertura do Liceu Industrial anunciando o ensino profissionalizante em Manaus, cuja inauguração oficial de suas novas instalações feriu-se no dia 10 de novembro de 1941, dia do Estado Novo, instituído pelo presidente Getúlio Vargas. Seus pais resolveram em comum acordo com seus padrinhos, Dr. Temístocles Pinheiro Gadelha e Clotildes Pinheiro, interná-lo nesse novo estabelecimento de ensino secundário profissional, já que o menino era exímio desenhista e suas pinturas despertavam

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admirações às autoridades da época. Para as solenidades de inauguração das novas instalações da escola, o diretor da Instituição Pública juntamente como diretor do Liceu, Dr. Luiz Paulo Sarmento, resolveram realizar uma amostra de seus desenhos e pinturas, cuja exposição foi carinhosamente arrumada pelo então professor de desenho Projucan Rafael de Souza, seu antigo mestre e amigo, cujo evento constou no programa oficial. No dia 2 de fevereiro de 1942, Moacir Andrade ingressava feliz como aluno interno no Liceu Industrial de Manaus, no Curso de Marcenaria, dirigido pelo professor José Barbosa e coadjuvado pelos mestres Horácio e Ataíde. Como o aluno interno, permaneceu até fins de 1945, quando finalizou o curso industrial que equivalia ao curso ginasial. Em 1946 trabalhou como auxiliar de escritório da firma comercial Ciex S/A, de propriedade de Isaac Benzecry, cuja amizade dura até hoje. Em 1948 ingressa como desenhista de construções civis da empresa Mário Novelli, que construiu o Sanatório Adriano Jorge, hoje

Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Hospital Geral de Manaus e inicia a vida profissional como desenhista do engenheiro José Florêncio da Cunha Batista. Foi professor da Escola Normal São Francisco de Assis ao tempo do saudoso mestre Fueth Paulo Mourão. Em 1953 no dia 9 de maio contraiu núpcias com a senhora Graciema Britto de Andrade, filha de João Fernandes de Britto, funcionário exemplar da Alfândega de Manaus e de dona Petronilla do Valle Britto. O enlace aconteceu na casa da noiva à rua Xavier de Mendonça, 230, bairro de N. S. Aparecida dos Tocos. Do casamento nascem cinco filhos: Gracimoema, casada com o Dr. Fernando Rebouças Sampaio; Lúcia Regina, casada com o engenheiro Jackson Dinajá Feijó; Graciema, casada com o aeronauta Antônio Carlos Branquinho; Moacir Andrade Júnior, Maria do Carmo Britto de Andrade e Raimunda Santos da Cruz, filha adotiva. Em 1954, juntamente com os poetas Jorge Alaúzo Tufic, Antísthenes de Oliveira Pinto, Alencar e Silva, Saul Benchimol, Carlos Farias de Carvalho, Francisco Vasconcelos, Oscar


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Ramos, Afrânio de Castro e Antonio Trindade, fundaram o Clube da Madrugada sob o pé de uma frondosa árvore em plena Praça da Polícia Militar que denominaram de “Mulateiro” ou “Banco dos Patos”. No dia 9 de abril de 1952, realizou a sua segunda mostra no peristilo da Escola Técnica Federal de Manaus. Em 1954, inaugurou sob os auspícios da recém-fundada sociedade cultural, uma exposição de seus quadros nos salões do Ideal Clube. Em 1955, ensina Desenho Geométrico nos colégios de Manaus, principalmente no curso gratuito da União dos Estudantes Secundaristas do Amazonas. No mesmo ano expõe seus trabalhos de pintura no Hall da Biblioteca Pública do Estado sob os auspícios do Clube da Madrugada. Em 1956, novamente expõe na Biblioteca Pública do Estado à rua Barroso, esquina com a avenida Sete de Setembro. Em 1956, realiza uma mostra de seus quadros que denomina de “Amazônia de corpo inteiro”. Em 1957, mostra seus quadros nos aristocráticos salões do Ideal Clube na avenida Eduardo Ribeiro. Em 1958 expõe na Biblioteca do Estado. No mesmo ano viaja para a nova capital brasileira – Brasília, onde expõe oficialmente, sob os auspícios do presidente Juscelino Kubitschek. De Brasília voa para São Paulo onde mostra suas obras no

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Museu de Arte de São Paulo. Nos fins de 59 e princípios de 1960, expõe na Galeria Montmart Jorge no Rio de Janeiro. Volta a Manaus e expõe no peristilo da Biblioteca Pública. No mesmo ano mostra seus quadros no primeiro Salão de Arte Moderna de Manaus. Ainda em 1960, viaja para São Paulo onde participa do Concurso Probel de Pinturas. Voltando a Manaus expõe na Biblioteca Pública. Em 1961, expõe no Salão de entrada da Escola Técnica Federal do Amazonas No mesmo ano participa com destaque no 1.° Salão Madrugada em Manaus. Em 1962, viaja para Porto Alegre onde expõe na Galeria da Casa das Molduras; voltando para Manaus mostra seus quadros na Galeria do Jornal do Comercio, na avenida Eduardo Ribeiro com os auspícios do Clube da Madrugada. Em 1963, viaja para Brasília e expõe na Galeria do Hotel Nacional. Retornando a Manaus expõe novamente na Galeria do Jornal do Comercio sob a égide do Clube da Madrugada. No mesmo ano viaja ao Estado do Pará participando do 1.° Salão de Artes da Universidade do Pará. Em dezembro de 1963, viaja para Brasília, onde fica até as vésperas da revolução de março de 64, quando seus quadros ficam presos na residência oficial da Granja do Torto. Depois de um processo que durou alguns meses, viaja para Brasília onde apanha seus qua-

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dros e os mostra em Salvador da Bahia, na Galeria do Belvedere da Sé. Voltando a Manaus realiza uma exposição na 2.ª Feira de Artes Plásticas de Manaus, patrocinada pelo Clube da Madrugada. Em 1965, viaja para Recife, Pernambuco. Em 1966, expõe em Fortaleza no Ceará sob o patrocínio do maior cronista social do Nordeste, Lúcio Brasileiro, considerado o Ibrahim Sued de Fortaleza. Ainda em 66, vai a Belém do Pará expondo na Galeria do Teatro Municipal por ocasião dos festejos dos 350.° anos da cidade. Em 1967, expõe no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Em 1967, pinta uma gigantesca tela para a agência do Banco Estado do Amazonas em Manaus. Em 1968, viaja para os Estados Unidos expondo nas universidades de Knoxville, Union City, Jackson Memphis, e na sala dos representantes do Tennessee no Congresso Nacional de Washington. Ainda em 1968, viaja a Europa em Paris uma coleção de 35 telas sobre a Amazônia Brasileira. De Paris voa a Lisboa realizando mostra sob o patrocínio do Ministério das Relações Exteriores e da Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Amazonas. Em 1967, ingressa na Universidade do Amazonas no Curso de Administração de Empresas. Em 1968, realiza concurso público para a cadeira de Desenho Técnico, da Escola Técnica Federal conquistando o primeiro

José Roberto Girão de Alencar (Org.)

lugar entre mais de 20 candidatos. No mesmo ano é nomeado para cadeira de desenho técnico da referida escola onde ensina até hoje. Em 1969, volta a Londres onde expõe na Casa do Brasil sob o patrocínio do Ministério das Relações Exteriores e da Embaixada do Brasil em Londres. Em 1970, mostra seus quadros em Madri, sob a responsabilidade do Ministério das Relações Exteriores. No mesmo ano realiza um grande painel para o Banco do Brasil em Manaus. Em 1971, realiza uma grande exposição em Quito no Equador sob os auspícios do Ministério das Relações Exteriores. Voa para Europa e mostra suas obras em Bruxelas na Bélgica. Retornando ao Brasil pinta um mural para a revista “O CRUZEIRO”. Em 1972, expõe na Mini Galery em Ipanema, Rio. Volta a Europa e mostra seus quadros na Galeria do Palácio dos Restauradores. Retorna ao Brasil e mostra suas teias na Galeria Espade em São Paulo onde faz conferências para professores de Arte (1974). No mesmo ano viaja ao Japão, expondo em Tóquio, Nara, Osaka e Hiroshima sob auspícios da Fundação Cultural Japonesa. Retornando ao Brasil, mostra em Manaus os quadros que levou ao Japão. Ainda em 74, viaja para o México expondo na Galeria Orozco. Em 1975, viaja para os Estados Unidos expondo em Botanic Hall, Cheekwood Fine Artes Center, Nasville, Luzo Bra-


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silian Clube, Harpth Hall School, realizando conferências em várias universidades, entre as quais a de Vanderbilt Universit. Realiza ainda mostra em Learning Desabilite Center em Chattanooga no Tennessee, Latin American Center of Vanderbilt Universit; Five Artes Center, da University de Martin; Universidade Tecnológica de Cookville; em TTU Campos Elementary Shool. Realiza conferências para a Universidade de Knoxville; mostra seus quadros em Blytheville, Arkansas, Mississipi, Cotton, Osceola, Ark. Expõe seus quadros em Carriage Trade INN, Osceola, Ark USA. Realiza mostra e conferências nos salões do Holiday Inn, Memphis. Realiza mostra e conferências nos salões de Holiday Inn, Memphis. Realiza conferências no programa Point of View Channel 12 durante 30 minutos em Chattanooga. Realiza mostra em Jewish Community Center, em Chattanooga no Tennessee. Realiza conferências e mostras de seus quadros no Student Center na Universidade de Knoxville; nos salões da Fine Arts Center da Vanderbilt University. Viaja para Washington onde expõe na Galeria do Instituo Brasil Estados Unidos sob a atenção dos Companheiros das Américas e Embaixada Brasileira em Washington. Volta ao Brasil e realiza em Manaus uma exposição na Pinacoteca Pública do Estado. No mesmo ano mostra suas

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obras no Círculo Militar de Manaus e nos salões da Agência do Bradesco. Expõe ainda nos salões da sede da Superintendência da Zona Franca de Manaus. Ainda em 1975, expõe no Salão Aberto de Artes Plásticas da Fundação Cultural do Amazonas. Em 1976, expõe em Brasília sob os auspícios do Governo do Estado. Viaja a São Luís do Maranhão e lá, mostra seus trabalhos na Galeria Eney Santana. Volta a Manaus e mostra seus quadros no Teatro Amazonas sob os auspícios da Fundação Cultural do Amazonas. No mesmo ano expõe na Galeria da Agência do Bradesco em Manaus. Para se ter uma idéia do valor desse artista caboclo, basta ler o que A CRÍTICA publicou na edição 14 de outubro de 1985, assinado por um dos maiores críticos de arte americanos. Ei-lo: “A sua figura singular, alto, cabeça coberta por uma vasta cabeleira, testa larga, com rosto marcado por um fino bigode a moda mongol, com um permanente sorriso esboçado nos lábios, impressionou-me desde o exato momento em que lhe fui apresentado pelo então embaixador do Brasil em Washington, Araújo de Castro. Toda aquela maravilhosa obra sobre a Amazônia que ali estava exposta, tinha que ter nascido daquela cabeça iluminada. Rubens Ricupero, adido cultural da representação diplomática brasileira na capital dos Estados Unidos, não pa-

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rava um só instante, apresentando-lhe às personalidades presentes, entre as quais, os embaixadores da França, da Inglaterra, da Bélgica, da Itália, da Grécia, de Portugal, da Espanha, da Holanda e de outros países, além de escritores de nomeada e pintores famosos, cientistas, professores e colecionadores de obras de arte, convidados para o seu vernissage naquele belo começo de noite, no vetusto salão de exposições do Instituto Brasil Estados Unidos”. A tranquilidade, o aprumo e o charme com que Moacir Andrade recebia os cumprimentos de seus convidados, era de um nobre de alta estirpe européia. Bem vestido, sem perder de vista as pessoas que se aproximavam dele para os devidos cumprimentos, olhando nos olhos como fazem as pessoas de boa origem, conversava em francês, espanhol e português, línguas que domina muito bem. O reitor da Universidade de Washington, também professor de línguas latinas, encantado com a cultura e o cavalheirismo de Moacir Andrade, convidou-o para uma visita de cortesia ao seu gabinete de trabalho onde lhe ofereceu um coquetel, ocasião em que foi apresentado as pessoas presentes, especialmente convidadas para aquela homenagem. Mais uma vez tive a oportunidade de observar a mágica com que Moacir Andrade recebe e conquista de imediato as personalidades

Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

que o cercam. Durante a recepção, todos os quadros que estavam em exposição naquele recinto, foram vendidos quase que a moda leilão em razão do grande interesse dos presentes em adquiri-los. Logo no dia seguinte, domingo, os jornais da cidade noticiavam o fato. Poucas vezes tive oportunidade de ver brasileiros ilustres nas páginas “NEW YORK TIMES”, desta vez foi Moacir Andrade, do extremo norte daquele país continental, homem de um saber extraordinário e poliformo, manifestado não só nas suas pinturas maravilhosas, mas em livros, esculturas, entalhe em madeira, poesia, conto, enfim em várias manifestações do seu espírito privilegiado que domina com maestria, principalmente em humanismo, cuja ternura faz concentrar sobre si, a atenção de todos os presentes, nas conferências que profere nos ambientes universitários de todo o mundo para onde é convidado especial. Possuo vários livros de autoria de Moacir Andrade, todos eles de extrema importância documental para pesquisas. “O último me foi remetido do Brasil há algumas semanas, intitulado Nheengaré ou Poranduba dos Dabacuris – estórias dos beiradões amazônicos”. Livro excelente, cheio de sabor antropológico, de espírito folclórico local, das lendas, dos costumes do dia a dia daquela gente magnífica.


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Moacir Andrade, com sua argúcia, a par de sua imensa atividade de artista plástico, é também um apaixonado pesquisador da vida amazônica, seus costumes, suas crenças, seu folclore, suas lendas, seus mitos, etc. Servido de uma aguda sensibilidade de ensaísta, traz, nesta obra, ao conhecimento do leitor, em narrativas envolventes, o universo encantado da Cobra-Grande, do Boto, do Curupira, do Mapinguari, da Matinta Pereira e outras entidades que povoam e enriquecem o lendário da misteriosa região... Tive grande prazer de assistir uma de suas conferências na velha universidade de Washington e observei atentamente o desenrolar do tema abordado a Amazônia; fiquei deveras abismado em a facilidade a sutileza e a rapidez com que Moacir Andrade ilustra palestras desenhando no quadro negro. Suas perspectivas, seus desenhos criativos, geométricos são de uma beleza ímpar e parecem feitos com instrumentos, tal a perfeição dos traços, a segurança das formas e o instante necessário de sua presença como informação imediata. Mesmo sem falar inglês, Moacir Andrade foi insistentemente convidado para lecionar Desenho e Pintura naquela universidade tradicional americana, declinando, entretanto do honroso convite para voltar a terra – o Amazonas, que diz adorar profundamente.

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Situado entre os maiores pintores contemporâneos do mundo, Moacir Andrade prefere viver uma vida bucólica, simples, quase de um camponês no Brasil, precisamente no extremo norte, no Amazonas, onde vive rodeado de caboclos, ensinando pintura, desenho, escultura e entalhe em madeira aos meninos pobres de sua cidade, pintando os arrabaldes, os barcos ancorados na praia do rio Negro e bebericando nos bares da cidade. Apesar de ser relativamente jovem, forte, pois tem apenas 58 anos de idade, já alcançou a glória universal, tendo quadros em importantes coleções particulares e famosos museus da Europa e América, mesmo assim continua pobre, humilde, vivendo da venda de seus quadros, livros e escultura que vende para colecionadores e donos de galerias que o procuram em seu ateliê à rua Comendador Alexandre Amorim, 253, no Bairro de Aparecida em Manaus. Além de fazer pinturas e escrever livros que ele mesmo edita, Moacir Andrade leciona Educação Artística na Escola Técnica Federal do Amazonas e viaja para o interior do Estado aproveitando as grandes férias escolares, oportunidade em que faz campanhas em favor da defesa do meio ambiente. Intransigente defensor da natureza brutalmente agredida, Moacir Andrade já percorreu as grandes capitais do mundo exibindo

cartazes como homem sanduíche com dizeres em defesa da paz e dos bens naturais da humanidade. Muita coisa e muitos já falaram sobre a singular personalidade desse monumento vivo universal que é Moacir Andrade, a quem o Brasil deve muito pelo que tem realizado em prol de sua cultura e em defesa de sua verdadeira soberania que é a consciência cultural de seu povo. Eurico de Andrade Alves, seu amigo dileto, jornalista português de fina sensibilidade, presidente da Associação dos Amigos de Ferreira de Castro, homem de grande valor moral e intelectual, verdadeiro embaixador de sua terra, pelo muito que tem divulgado da cultura de seu país natal – Portugal, assim falou do artista mundial (laureado com prêmios no Brasil e estrangeiro, suas telas fazem parte do espólio de importantes museus do mundo), a sua carreira vem conhecendo sucessos dignos de apreço e registro. Pintor, antropólogo, poeta, museólogo, etnólogo, projetista, fundador de museus e sociedades culturais, Moacir Andrade é, sobretudo um sonhador – (índio) vem fixando nas telas matizados orgíacos de beleza e cor. Moacir Andrade é um espírito extrovertido, irrequieto, que o leva a percorrer mundo e paisagem e adentrar-se na misteriosa Amazônia com a teleob-

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jetiva da receptividade do seu nato sentido artístico onde mergulham também (e aí talvez o segredo do seu êxito) as suas raízes ancestrais, ou uma vez por outra em fôlego de gigante, deslocar-se a Londres, Paris, Lisboa, Roma, Madri ou Washington, para patentear, em mostras públicas, o fabuloso Amazonas que traz na alma (e no sangue) e nas telas. Em 1969 e 1973 visitou propositadamente Ferreira de Castro em Entreos-Rios, visitando a seguir Ossela (visita sentimental) a casa onde nasceu Ferreira de Castro e São João da Madeira, onde passou dois dias. Quadros seus figuram na CasaMuseu Ferreira de Castro, em Ossela, em São João da Madeira, estando o artista a ultimar uns quadros de temática paisagística amazônica, que tenciona oferecer a Casa Museu Ferreira de Castro em Sintra. Para se ter uma idéia do valor de suas telas hoje no mercado de arte internacional, basta dizer que em 1982 num dos poucos leilões que a Galeria Metropolitana de Nova York realizou, reunindo quase uma centena de artistas famosos de todo o mundo e de todos os tempos, figurava o nome de Moacir Andrade com quadros que somavam alguns milhões de dólares. Referidos quadros pertenciam ao acervo de um só proprietário que teve a sorte de vendê-los num dos primeiros lotes


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Essa notícia teve lugar destacado nos principais jornais de Nova York, Paris e Londres, colocando Moacir Andrade em maior evidência internacional. Seus amigos Jorge Amado, Vinicius de Moraes, Ferreira de Castro, Manoel Bandeira, José Lins do Rego, Margot Fontayn, Assis Chateaubriand e Antonio Olinto foram testemunhas das primeiras vitórias internacionais desse artista brasileiro cuja obra monumental é hoje um lastro de valor incomensurável do patrimônio universal. Poucos artistas tiveram a honra de receber em seu ateliê personalidades ilustres como Moacir Andrade já rece-

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beu em seu ninho de trabalho à rua Comendador Alexandre Amorim, 253, no bairro de N. S. Aparecida em Manaus, entre eles o príncipe Charles, da Inglaterra, o príncipe Akiito, do Japão, Jorge Amado, Gilberto Freire, bailarina Margot Fontayn, Guimarães Rosa, Josué Montello, Jean-Paul Sartre, Eurico de Andrade Alves ente outras altas personalidades Vips. Glória para o Brasil por ter como filho um artista do quilate de Moacir Andrade, patrimônio universal da cultura amazônica, justo orgulho de todos os brasileiros como disse o grande sociólogo Gilberto Freire “...a perma-

nência de Moacir Andrade na Amazônia, é um símbolo augusto para a formação cultural e universitária da mocidade, cuja liderança espiritual, intelectual e moral se fez através da construção de uma obra profundamente humana que dura toda uma vida”. Já tive a grata notícia de que virá expor seus quadros aqui em Nova York. Será uma festa para nós americanos; e uma oportunidade rara para aqueles que desejam possuir obras de real valor e conhecer um artista que sem sair da Amazônia longínqua, conseguiu atrair sobre o seu trabalho, a atenção, o respeito e a admiração do mundo.

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Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Moacir Andrade é um nome grande na pintura brasileira e mesmo mundial (Laureado com prêmios no Brasil e estrangeiro, suas telas fazem já, parte de espólio de importantes museus do mundo), a sua carreira vem conhecendo sucessos dignos de apreço e registro. Eurico Andrade Alves “Correio da Feira”, Vila da Feira, edição n.° 4.018, Portugal.


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Chegando em casa, 1975.

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Depoimentos AQUI O DEPOIMENTO PREMONITÓRIO DA MÃE DO ARTISTA, DE POETAS, POLÍTICOS, ESCRITORES, JORNALISTAS E FIGURAS REPRESENTATIVAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS DE NOMEADA, AO LONGO DE SUA TRAJETÓRIA DE SUCESSO. Palavras da mãe de Moacir Andrade, dona Jovina Couto de Andrade, quando o artista tinha apenas oito anos de idade, em 1936.

Meu filho, seus desenhos são lindos, um dia você será grande artista e eu terei grande orgulho de você.

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Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica


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Vendedor de mel de cana, 12 de abril de 1938.

Vendedor de vinho de açaí, 1937.

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O vendedor de tartaruga, 1939.

O Teque-teque, 1935.

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A Lenda da CobraGrande, 1987.

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Pintor da Amazônia, pintor do Brasil

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livro que vai ler e ver – pois se tratando de livro sobre um artista plástico há nele muito para ver, para o regalo dos olhos – tem por objetivo comemorar os setenta e cinco anos de Moacir Andrade. Setenta e cinco? Tão idoso assim, o mestre amazonense? De idade são apenas cinquenta, aí está forte como árvore virgem, competente para a luta e os bens da vida, mas e esses cinquenta somam-se os vinte e cinco de criação artística, de pintura, e então os setenta e cinco valem por cem, pois os da atividade pública contam dobrado. Homenagem mais justa não pode haver, nenhum filho do Amazonas merece tanto do Estado onde nasceu e da gente amazonense quanto esse caboclo que recriou para o mundo a saga infinita da floresta, do rio, dos animais, das árvores, dos mitos, dos barcos, das ilhas das curimãs, do homem – a vida exuberante, terrível, bela, única da Amazônia, Nascido do povo amazonense, ele é ao mesmo tempo pai não só do povo como da paisagem, flores e da fauna, das águas do Amazonas. Todas as manhãs ao tomar da palheta,

ele pare em parto de beleza, povo e terra, bichos e o destino do grande rio. Que obra monumental construída em vinte e cinco anos, de incansável labor! “Eu trabalho – declara Moacir Andrade como telurismo, com o regional, com as coisas autóctones, com todo o mistério que caracteriza a Amazônia”. A definição do próprio artista é esclarecedora, mas não marca os limites da projeção de sua pintura. Demonstra com clareza os materiais interiores e a visão exterior a impulsioná-la na criação a modéstia impediu, porém que ele dissesse que a projeção da vida recriada em seus fabulosos quadros é enorme, repercute muito além das fronteiras amazônicas, Brasil afora e além das fronteiras do Brasil, no mundo vasto mundo. Primeiro eu o encontrei na Bahia, vai disso uns doze anos ou mais, expondo para o aplauso dos artistas e do povo baiano. Ainda há pouco tempo revi uma foto feita por ocasião da mostra de Moacir – e já é tempo que ele volte a Salvador com quadros atuais, das últimas fases – bem mais jovens ele, eu, mestre Rescala e o escultor Mirabeau Sampaio, mas infe-

lizmente, já desaparecidos dois grandes da plástica baiana ali presentes para saudar o colega do Extremo Norte: Raimundo Oliveira, um anjo torto que um dia, cansado da feiúra se matou, e Henrique Oswald, cuja presença na Bahia foi tão gratificante e tão breve – a morte o levou quando o chegava ao amadurecimento completo. Depois desse primeiro encontro com a pintura de Moacir Andrade e com o ser humano magnífico – logo nos tornamos amigos – eu os tenho visto, ao pintor e a seus quadros, um pouco em toda parte do mundo: em São Paulo, no Rio na Galeria Bonino, sob o comando competente e terno de Giovanna, em Londres com tanto sucesso, nas ruas de Paris onde perambulam vagabundos, sem horário e sem compromissos. Soube dele em Lisboa por Ferreira de Castro e Assis Esperança – um e outro, os dois grandes romancistas lusitanos, só esperaram a queda do fascismo a aurora da liberdade para se despedirem dos amigos e partirem na viagem derradeira. Com que entusiasmo Ferreira de Castro, ele também cidadão da Amazô-

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Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Jorge Amado

nia, me falou dos quadros de Moacir Andrade: a pintura mágica do caboclo das ribanceiras do grande rio havia comovido profundamente o autor! “A SELVA”. Um dia irei ver Moacir Andrade, em seu chão, nas águas de seu rio. Usei o adjetivo fabuloso para falar dos quadros. Vale a pena usá-lo de referência ao artista que os pintou, ao homem Moacir Andrade. Fabuloso artista, fabulosa criatura humana, um ser único, aliás, o artista é o homem, entre o criador é a obra criada a identidade é total. Porque esse artista foi concebido no ventre da Cobra-Grande, fecundada pelo povo da Amazônia. É com grande alegria que saúdo Moacir Andrade por ocasião de seu cinquentenário de nascimento e dos vintes e cinco anos de pintura, associando-me a todas as homenagens que lhe sejam prestadas. Por maiores e mais numerosas, Moacir ainda merece mais. Não só do Amazonas e dos amazonenses – ele deve ser festejado pelo Brasil inteiro e por todos os brasileiros.


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A Lenda da Borboleta, 1979.

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Moacir Andrade – Instinto Poderoso da Amazônia

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stávamos de saída, no hall do Hotel Tropical, em Manaus, centenas de turistas, vindos de todas as partes do mundo entravam e saíam numa estonteante variedade de raças, cores, fisionomias. Tipos estranhos, roupas feitas mais para espantar do que vestir, pressa, muita pressa em todos. A pressa de sentir, ver, decifrar o Amazonas. O Mistério da Amazônia que continua. Sofríamos, naquele instante, a pressão incômoda de um compromisso: comparecer na hora marcada. Uma palestra com jovens na Faculdade de Direito. Os ponteiros do relógio pararam e o compromisso ficou na fila de espera. Havia alguém que nos queria falar. Alto. Cheio de corpo. Principalmente os bigodes, densos, bem nutridos, parecendo transmitir uma alegria singular, alegria capilar. Os bigodes

estão assentados no rosto largo do pintor Moacir Andrade com precisão psicológica precisavam estar como estavam. Sem eles, os olhos, vivos e estreitos, não seriam tão vivos e tão estreitos. Não debruçariam o sorriso bom, vagamente brejeiro, de crença que conseguiu o que queria e lhe haviam dito que seria impossível alcançar. Aproximou-se meio tímido pois, percebeu a nossa arrancada para o automóvel. Sou Moacir Andrade e temos um amigo comum que falava, com muito carinho, no senhor: Ferreira de Castro. O nome do autor de A Selva faz esquecer tudo. Caímos um no peito do outro, num abraço que corresponde, tente corresponder, ao manancial de ternura humana que foi e é Ferreira de Castro. Temos dito de público, vale repetir aqui esta verdade que torna a vida

mais bela e sua mensagem mais densa: os homens que plantam grandeza, que semeiam beleza, que inspiram a esperança, nunca morrem. Por isso, Ferreira de Castro, para os seus leitores, para os que tiveram a ventura de partilhar da sua amizade, é. Estamos abraçados, amazonicamente, com cipós afetivos, e vivemos de imediato, esse fenômeno que redime o homem de tanta coisa triste e negativa – instantaneidade, a certeza de uma sólida e autêntica amizade. Falar em Ferreira de Castro é falar no milagre. Afinal foi ele, até hoje, quem conseguiu fixar na palavra essa realidade inacreditável que é a natureza amazônica. A Amazônia que Ferreira de Castro considera, no mundo de hoje, em que assistimos diariamente à falência do espanto, o único ponto de terra em que o espanto permanece. O

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Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Carlos de Araújo Lima Friburgo, 5/9/1979.

homem cercado de tecnologia por todos os lados, subindo à lua e podendo, com os anticoncepcionais até fixar o número dos espectadores para esse espetáculo, o homem que tantos prodígios realiza, parece que assim procede para fugir à consciência de que só não consegue a conquista de convivência racional e humana. Moacir Andrade enfrentou, com o seu gênio de pintor, o mesmo desafio que sofreu Ferreira de Castro. Porque se a Amazônia não cabe no verbo também não cabia na tela dos artistas que antecederam Moacir. Escritores, críticos de arte, homens famosos pelo notório saber, gênio literário e científico, como Sartre, Oto Maria Carpeaux, Clarice Lispector, Jorge Amado, já disseram sobre a arte e os quadros de Moacir Andrade as verdades consagradoras que o tornaram, sem favor ou


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exagero, um dos mais afirmativos pintores do mundo. Há, Moacir Andrade, nos seus quadros e telas, duas forças contraditórias: a realidade do homem, no seu cotidiano, homem esmagado e nem por isso vencido, e a inspiração em superposição de mensagens coloridas, da natureza telúrica, em transparência de sonho. Na pintura de Moacir Andrade o homem existe, corta ouriço de castanha, pesca, enfrenta as feras, rema nos igapós e o faz sem esmorecimento, apesar de mergulhado na sombra de um pesadelo social e de um sonho estranho. Moacir Andrade para pintar deve sofrer muito, pois deixa-se estontear pelo atropelo de cores, matizes cambiantes, penumbras, claridades úmidas, e secas, é, no objetivo da fixação artística, apelar para a imaginação como forma. Única de buscar, através da sugestão, agarrar a realidade quase impossível. Quase, porque o escritor Ferreira de Castro conseguiu pintar a Amazônia em palavras e Moacir Andrade, com seu gênio excepcional, viveu o milagre de sugerir com a força do colorido próprio, seu, de mais ninguém. São eles, os que desafiaram, venceram e decifraram a Esfinge.

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O escritor, não contente em lograr o impossível deixou a mensagem humanizadora do romance social, do retrato de exploração do homem pelo homem que supera em violência a força das águas e da floresta. O pintor, esse fabuloso Moacir Andrade, por muito amar a sua gente e sofrer com ela, por certo nesse amor, diríamos melhor nessa paixão pela terra e pelo irmão homem e vibração indispensável à sugestão onírica. Em pintura e em termos de Amazônia a conclusão é que vale mais sugerir já que é impossível retratar. Advogado que, por viver intensamente a angústia e a desgraça alheia, para interpretá-la nos tribunais, preza cada vez mais a vida. O crime também é um manancial de grandeza e foi inesquecível juiz brasileiro, magnatas ilustres quem descobriu e afirmou que há crimes que só almas grandes são capazes. Ora, o advogado é, por tradição e obrigação, o homem hábil. Cabe-lhe, em primeiro lugar, seja qual for à dificuldade que enfrenta e viva, situar-se com clarividência e segurança. Porque não testar e demonstrar – somos os profissionais da prova – o

gênio de Moacir Andrade, de uma forma diferente? Quando abro a correspondência de Moacir Andrade, sua carta solicitando o prefácio e os álbuns, maravilhosos, tão ricos de colorido e de sonho, está a meu lado um estudante de Direito, que tem menos da metade de minha idade, pertencente a uma geração mais jovem. Peço a Carlos Eduardo, meu filho, que veja – não conhecia ainda Moacir Andrade – que sinta e que, de pronto, com a máquina de escrever ao lado, traduza a sua reação. Ficaram, ele e sua mulher, calados, vendo os álbuns, num silencio côncavo. Foram para um canto, levando Moacir. Sussurraram coisas que não pude ouvir. A máquina de escrever fez brotar, a jato, a impressão que se segue. Vencendo natural constrangimento, que não cabe quando se trata da verdade, e, notadamente, da verdade artística, transcrevemos, a seguir, a reação. O verdadeiro artista é aquele que não se deixa aprisionar pelo tempo. As épocas passam, as gerações se sucedem, há hecatombes, revoluções e guerras, transformações sociais, e eles continuam crescendo.

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José Roberto Girão de Alencar (Org.)

MOACIR ANDRADE TEMPO

ATRAVESSA O

Foi o instinto da Amazônia que nos deu Moacir Andrade. Quando a Amazônia se vê ameaçada pelos profissionais do lucro, do desmatamento, da destruição ecológica, do massacre do verde, era indispensável que um gênio, da força telúrica de Moacir Andrade mostrasse ao mundo aquilo que o Homem precisa e tem de preservar. Para sobreviver.


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Barcos amazônicos, nos desenhos de Moacir Andrade

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partir do surgimento deste precioso trabalho de Moacir Couto de Andrade, a cultura histórica a inteligência amazonense ficarão em débito com o autor, pela disseminação de um conhecimento que, sem o seu trabalho de pesquisador envolvido pelos lances da temática aqui retratada, talvez ficasse ainda por muito tempo omitido ao julgamento apreciativo daqueles que, por serem estudiosos, convivem e lidam com as variadas facetas do saber, nesta terra. Ao traçar a traçar a longa e historia trajetórias do Clube da Madrugada nestes primeiros 50 anos de sua existência os traços de sua atuação na vida cultural do Amazonas, o autor, ele também um dos partícipes no surgimento da entidade desde os seus primeiros desdobramentos, entrega aos cultores da inteligência amazonense uma documentação preciosíssima dos barcos e gentes, dos prédios e paisagem

(inclusive iconográfica) dos passos que deram origem aos múltiplos fazeres do Clube, e aponta os pioneiros que corajosamente o conceberam para ser o que foi e ainda é no cenário amazonense das letras e das artes plásticas. Comumente conhecido como um grupo de sonhadores que começou as suas festivas e preciosas reuniões à sombra do histórico mulateiro – Felizmente ainda vivo e trepidamente aos ventos – da Praça da Polícia, o Clube da Madrugada representou, em um determinado momento da vida cultural amazonense, a manifestação pura e sincera de uma mocidade oriunda de camadas da população de Manaus, mas que, nem por isso se deixou intimidar pelo existir então de figuras respeitáveis, tidas e havidas pelos manauaras como quase pairando em um Olimpo inatingível, irrompendo em meio a isso com as suas manifestações românticas de conhecimentos pró-

ximos do autodidatismo, mas nem por tal circunstância, deixando de encantar em prosa e verso, a toda uma geração que se extasiou ante a erupção franca e sinceramente honesta, do talento inato de tantos jovens. Puro, espontâneo e honesto em suas manifestações culturais, o Clube da Madrugada nunca se preocupou com a inexistência diante de si, de sedes pomposas onde se reunisse para saraus literários. Marcando seu existir humilde, perfazia-se com o conviver funcional dos ambientes modestos e prosaicos, como cafés e bares que nem mais existem, ali deixando, infelizmente sem a merecida eternalidade, as belas manifestações do talento puras e autênticas de tantos moços, muitos dos quais hoje nem tanto assim e de outros a quem o chamado inevitável das Parcas convocou para a travessia do Estige. E esse quadro maravilhoso de pureza que o escritor e exímio desenhista

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Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

Arlindo Porto Jornalista e Político

Moacir Andrade, também ele um pintor consagrado de coisas amazônicas, plasma neste livro em magníficos desenhos em preto e branco, às vezes marejadas pelas lágrimas da saudade, a origem, a vida e o significado polivalente do que é o Clube da Madrugada. A ele ficamos devendo e aí me incluo como velho integrante daquela plêiade de tantos talentos, por esta obra magnífica, um MUITO OBRIGADO que não tem tamanho, de tão grande que é. Neste barcos, nestas canoas, nestas lanchas vapores carregados de saudade, estão à vivência humilde dos nossos caboclos interioranos e a paciência milenar da etnia vigilante, e sentinela sacrossanta da vida e o dizer sempre presente da presença nacional. Esses desenhos de múltiplos instantes é a vibração da identidade Forte do caboclo amazonense, irmão da água e da floresta – bem haja Moacir.


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Procissão fluvial de São Pedro, 1977.

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Moacir Andrade e sua obra

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alvez por ser portador de hereditariedade, da Ibericidade do sangue português e do catolicismo rural do Sertanejo Nordestino, Moacir Andrade manifesta como quem sua, a instintiva materialização desse mundo onírico e policrômico da vida nortenordestina. Jamais vi e não conheço nenhum pintor que tenha feito de sua obra o espelho da síndrome antropológica dessa área tão vivida e tão descrita por cientistas de toda a orbe, alguns deles transformando-a num teatro de verdadeira ficção científica, tal a polimorfia de sua natureza exuberante. Moacir Andrade é um estudioso, um pesquisador, um analista dos costumes de sua terra, da nossa terra. Filósofo, folclorista, antropólogo, escultor, pintor,

historiador, entalhador de monumentais murais em madeira de lei espalhados por esse mundo afora; professor de história da arte, educação artística, desenho técnico, matemática; bacharel em administração de empresa pela Faculdade de Ciências Econômicas, da Universidade Federal do Amazonas, boêmio, frequentador de sórdidos bordeis da cidade onde convive com seus amigos intelectuais e artistas locais, Moacir Andrade é antes de tudo isso, uma pessoa humana extraordinária; sempre de bom humor, espargindo alegria e comunicabilidade; vive a vida que Deus lhe deu, desprendido, sem nem uma ambição material que não seja pintar seus quadros escrever seus poemas e livros que agora somam mais de 20.

Samuel Benchimol Sociólogo e economista da Amazônia

Conheço esse grande artista há mais de 50 anos, quando o vi pela primeira vez juntamente com grande etnólogo Manuel Nunes Pereira numa palestra que realizei no auditório da Escola Técnica Federal do Amazonas. Sua figura longilínea e forte, logo me impressionou – Ficamos amigos, uma amizade leal e depreendida sem outros interesses que não seja o puro conviver e discutir literatura e amazonismo. A sua grandeza artística ainda não foi devidamente reconhecida pelo governo e pela sociedade amazonense onde nasceu e vive até hoje com sua família, filhos, netos, parentes e amigos. Quando eu terminei de escrever o meu livro:

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Um Pouco Antes, Além Depois, convidei Moacir Andrade para ilustrar a referida obra, o que ele fez com maestria, elogiado por todas as pessoas que leram o livro. Primoroso ilustrador esse artista tem participado intensamente de todas as manifestações culturais acontecidos em Manaus sempre se destacando com originalidade de seus trabalhos. Já é hora do governo e empresas privadas se lembrarem em homenageá-lo dando-lhe um museu onde o artista certamente doará o seu riquíssimo acer vo cultural para gáudio dos que virão depois. Que Deus o abençoe Moacir Andrade.


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Batedores de juta, 1979.

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Gebes Medeiros Jurista e Teatrólogo

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oacir Andrade – um dos artistas mais festejados do Brasil e do mundo, sua trajetória no universo intelectual em todo o Território Nacional marca sua presença como uma estrela de primeira grandeza. O brilho de seus movimentos culturais em todas as faces do prisma espiritual chama a atenção das mais poderosas personalidades da literatura e das artes em nosso País. Jornalista, escritor, poeta, pintor, entalhador, professor de Matemática, Desenho Técnico, História da Arte; escultor, antropólogo e ambientalista, marcou o seu trabalho missionário e protético como uma personalidade singular na universidade global da ciência do saber humano. O seu valor incontestável levou-o a comungar com as mais notáveis inteligências planiciáveis no Templo Sagrado da Academia Amazonense de Letras. Incansável trabalhador do labor intelectual, criou várias entidades culturais, entre elas: A Academia de História do Amazonas, a Federação Cultural do Amazonas, o Instituto Brasileiro de Antropologia da Amazônia, a Academia de Poesia do

Amazonas, a União Brasileira de Escritores do Amazonas, a Associação Internacional dos Amigos de Ferreira de Castro, a Escolinha de Arte para crianças do Estado de Nashiville, no Tennessee, nos Estados Unidos; foi o fundador da Escola Gratuita de Artes Plástica do Clube da Madrugada e do Movimento Ecológico em favor da permanência de nossa floresta e contra a pesca predatória nos rios amazônicos. Esses são apenas marcos históricos em meio à multidão de suas façanhas pioneiras e às quais se juntam às suas campanhas em favor da redenção das crianças abandonadas, da redemocratização, da assistência mais efetiva do nosso caboclo interiorano, da mecanização da nossa lavoura do aprimoramento da pecuária, do incentivo às artes, além dos fóruns e simpósios para debate das mais palpitantes questões do País. Em 1940, com apenas 13 anos de idade saiu às ruas de Manaus como homem sanduíche, verberando contra a devastação incontrolável e criminosa da floresta amazônica que nesse tempo já preocupava as autoridades do Brasil e do mundo.

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Arquiteto, matemático e fabuloso artista plástico, Moacir Andrade foi autor de mais de 6.000 projetos de arquitetura, entre os quais vários projetos de templos Católicos ente os quais o da Igreja de Nossa Senhora Aparecida dos Tocos no bairro do mesmo nome; a belíssima Igreja de São José Operário no bairro da Praça 14 de Janeiro, a Igreja de Nossa Senhora de Fátima também no mesmo bairro; a Igreja do Convento do Preciosíssimo Sangue no bairro dos Bilhares, e da Igreja de São Francisco de Assis no bairro dos Educandos; a Igreja de Borba, a Igreja de Parintins, além de muitas outras em vários pontos do Território Nacional. Quando se escrever a história do século XX, no Brasil, principalmente no período da face difícil de sua consolidação como nação livre, independente e soberana, terá registro especial e destacado o nome deste fabuloso escritor e artista plástico – Moacir Andrade, conferencista primoroso, jornalista, professor respeitado e admirado pela juventude; artista vitorioso, intelectual, animador cultural, poeta de fina sen-

Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

sibilidade que mereceu do Grande Manuel Bandeira os mais primorosos elogios, diplomata, divulgador apaixonado das coisas e das causas da Amazônia Brasileira, líder de muitas campanhas em favor do meio ambiente, Moacir Andrade está aí, trabalhando intensamente em seus maravilhosos quadros, livros, poemas no verdadeiro sentido de humanismo que é a atenção permanente às crianças sem futuro. Olhos apertados como os de um mongol, profundos e humanos, brilhantes como pérolas virgens – vivíssimos. Testa alta, sobrancelhas cerradas, heranças de seus ancestrais portugueses, cabelos já fugindo de sua cabeça privilegiada, lisos e brancos como a neve, estatura alta, ereta, compleição forte. Fala cativante e fácil, gestos rápidos e harmônicos como de um maestro; andar firme. Memórias privilegiadas, prodigiosas, grande facilidade de expressão, de comunicação. Irrequieto e fecundo, personalidade muitas vezes contraditória. Gestos rápidos. Criador e devastador, renovador e demolidor. Organizador e boêmio, lírico e crítico. Pioneiro de muitas obras, tempera-


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mento de um monge, às vezes impetuosos, mas de um charme cativante e conquistador. Nos seus altos e baixos os momentos de rompânsia e os de ternura se fundem em gestos profundamente humanas. Ora agressivo, ora manso, humilde. De paixões ardentes, impetuosas e extremas, amou todas as mulheres, mas só a uma entregou seu coração do “Gengis Kan” a uma só mulher – dona Graciema Britto de Andrade, sua esposa amantíssima com quem teve seis filhos, todos bem encaminhados na vida profissional, social, científica e política. Moacir Andrade não tem métodos para as coisas temporárias, tudo para ele surge do instante como a inspiração que brota do seu cérebro privilegiado, fecundo e criativo. Semeador da cultura e de unidade nacional. Vida intensa e borbulhante, fabulosa e tumultuária. Homem orquestra, pintor e escritor antes de tudo. Pregador do civimismo. Líder e irmão e maninho de seus amigos. Inventivo e debatedor de idéias novas, homem de atividades múltiplas. Mesmo beirado os seus bem vividos 70 anos, mantém o vigor de um jovem, pintando, escrevendo, entalhando gigantes painéis entalhados em madeira de lei, esculpindo em pedra e madeira, realizando palestras e conferências nas universidades da Europa e América, frequentando,

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igreja, puteiros e botequins sórdidos, onde diz encontrar a verdadeira paz. Moacir Andrade faz do seu ateliê na rua Alexandre Amorim, n.° 253, no bairro de Nossa Senhora Aparecida dos Tocos, um Santuário-Museu, onde guarda carinhosamente desenhos dos rostos de seus amigos, muitos deles já habitantes da Grande Luz como dizia o imortal poeta Carlos Ouro Farias de Carvalho, seu grande irmão de imortais noites boêmias. Minha amizade com esse imortal artista plástico. Jornalista e homem de ciência, começou em fevereiro de 1942, quando fui encontrá-lo interno no Liceu de Manaus. Ali no Teatro Gustavo Capanema da escola, ensaiei com ele e outros alunos internos, a peça do grande autor brasileiro Julio Dantas – “A Ceia dos Cardeais”. Foi a sua primeira experiência como autor Teatral e a minha em território amazonense. Sua voz de barítono garantiu o sucesso da peça que teve a presença do governador Álvaro Maia, o prefeito Antônio Maia e de todas as autoridades de Manaus. Quando ele soube da intenção de que o prefeito iria derrubar todos os “fícus benjamins” da cidade, alegando a peste de um inseto, Moacir Andrade vestiu-se de homem sanduíche percorrendo a cidade com cartazes que diziam: “A ÁRVORE É AMIGA E BENFEITORA DO HOMEM, PRE-

SERVE-A”. Quase foi expulso do colégio, pois, o prefeito era irmão do governador e agente poderosos da ditadura de Getúlio Vargas. Outras peças emanamos naquele Teatro escolar, todas com pleno êxito. Quando fundei o Teatro Escola de Amadores Manaus, foi Moacir Andrade que me ajudou na constituição da entidade. Em agosto de 1945, ele estava comigo ajudando-me na construção da Feira de Amostras. Ainda garoto, Moacir Andrade quis ser muita coisa: palhaço de circo, bailarino, comandante de navios-gaiolas, pastor protestante, oficial do Exército e vendedor de feira, no entanto, sua convivência com artistas e escritores famosos amigos de seu pai Severino Galdino de Andrade enveredou para o campo da poesia. Seus primeiros poemas o arista dedicou para sua colega de infância Jaciara de Assis, sua companheira durante todo o curso elementar no Grupo Escolar Ribeiro da Cunha, na rua Silva Ramos, com quem convivia nesses anos coloridos da sua infância dourada, desde os oitos anos, Moacir Andrade iniciou a realizar seus desenhos, retratando todas as coisas que via e as que tinham em sua memória privilegiada: eram os vendedores ambulantes, as lavadeiras, os bondes, os carroceiros e os navios-gaiolas que via pela primeira vez em sua vida, quando vivia com sua família no

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beiradão do rio Solimões no município de Manacapuru. Esses desenhos em número de 481, foram colecionados e guardados pela sua querida madrinha professora Clotilde de Araújo Pinheiro que morava na avenida Joaquim Nabuco bem em frente onde é hoje o Hospital do Dr. Fajardo de propriedade do Estado. Desses 481 desenhos, muitos foram doados pelo autor a amigos diletos, inclusive para mim que possuo uns cinco ou seis. Um sem número de personalidades ilustres já falou da obra e do homem Moacir Andrade, entre os quais o seu grande amigo Vinicius de Moraes, com quem viveu em Paris por longo tempo. Assim falou Vinicius: “...Por ser um dos grandes pintores vivos e ter alcançado a glória que apenas alguns artistas só conseguiram após a sua morte, Moacir Andrade não toma conhecimento de sua importância no cenário artístico nacional. Frequentando os bares da cidade em companhia de intelectuais e artistas seus amigos, onde oferece à mesa posta toda a ternura de seu humanismo, escrevendo poemas e rascunhando estudos para futuros quadros, Moacir Andrade se confunde com a simplicidade da gente de Manaus onde nasceu e vive até hoje. Moacir Andrade é desses gênios perdidos e raros como o cometa de Halley – aparece de tempos em


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tempos, deslumbrando os olhos do mundo. Sua obra cheia de grandeza, hipnotismo estético e muita poesia, desperta, cria, sacode, revoluciona, enlouquece, prende e emociona até a extasiar. Seu ateliê na rua do Comendador Alexandre Amorim, n.° 253, no bairro de Nossa Senhora Aparecida dos Tocos, em Manaus, é ponto obrigatório das visitas de personalidades ilustres que lhe vão visitar e adquirir seus quadros geniais: O Príncipe Charles da Inglaterra, o Príncipe do Japão, hoje Imperador, o Príncipe da França, dos Estados Unidos, do Suriname, Vinicius de Moraes, Jean-Paul Sartre, o Presidente da África do Sul, Antonio Olinto, Zora Seljan, Roberto Bente Max, Paulina Kaz, Ubiratan de Menezes, a bailarina Margot Fontaire, Nunes Pereira, Jorge Amado, Eurico de Andrade Alves, Gilberto Freyre, Luiz Ernesto Kaval, e muitos outros que deixaram registrados em seu livro de visitas, depoimentos sobre a vida e a obra desse grande artista. Um dos mais belos depoimentos sobre a vida e a obra de Moacir Andrade foi feto pela sua amiga e admiradora, escritora Clarice Lispector durante sua mostra no Rio de Janeiro em 1972: “...Moacir Andrade é o profeta da Amazônia, nasceu com uma grande missão – ensinar ao mundo o seu inequívoco destino de ser o san-

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tuário na natureza, o último reduto de vida mais sadia, menos poluída. Seus quadros não têm similares, são documentados de muitas grandezas – uma incomensurável paixão materializada, onde habitam como mestres carinhosos, o seu intenso amor pela Amazônia e sua profunda sensibilidade, falando de toda a grandeza daquela continental área brasileira, se fazendo presente nos quatro quantos do mundo em corpo e espírito como um arauto policrômico. “Clarice Lispector, assim como a poetiza e pintora Paulina Katz foram de extrema importância em sua vida artística. Convivendo com ele no Rio de Janeiro e apresentando-o aos mais famosos artistas e escritores do Brasil. Esse imortal artista plástico e escritor, além de já ter pintado muitas centenas de quadros destes seus quase oitenta anos, também escreveu várias obras hoje consideradas de grande valor antropológico, adotadas pelas universidades brasileiras. É impossível registrar em algumas linhas a fabulosa trajetória da vida tumultuada desse gigante da cultua brasileira. Moacir Andrade nasceu em Manaus, capital do Amazonas, no dia 17 de março de 1927, Quinta-Feira, dia de Santa Gertrudes, às 10 horas da manhã de um dia chuvoso do inverno daquele ano. Foram seus pais o em-

preiteiro de obras, pedreiro e músico, Severino Galdino de Andrade e a professora Jovina Couto de Andrade, ele filho de portugueses da Povoa de Varzim, em Portugal e ela também filha de lusitanos Albergaia-a-Velho, em Portugal. Ambos vieram com seus familiares para o Amazonas nos meados do século dezenove, atraídos pela notícia do alto preço da borracha. Já instalados na capital da Hevea brasiliense, Severino passou a trabalhar na construção civil, numa época em que os magnatas da borracha construíram os seus palacetes, o governo do Estado aterrava os igarapés, abria as ruas, edificava obras monumentais como o Teatro Amazonas, o Palácio da Justiça, as pontes metálicas e eletrificava as ruas calçadas com paralelepípedos portugueses. Severino Galdino de Andrade especializou-se em esculpir os belos Frontões que encimavam as fachadas das belas residências dos seringalistas endinheirados, nas horas vagas, ocupavase no exercício da música, tocando flauta, cujo instrumento manejava com extrema naturalidade. Casou-se em 1923, em 1927, quando Manaus via-se mergulhada em extrema pobreza, em decorrência da queda inesperada da borracha a partir de 1911, Severino viu-se sem trabalho, pois os proprietários dos imóveis empobrecidos, deixaram Manaus aos montes. Foi uma época terrível; desempregado, as casas

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Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

comerciais fechando suas portas, os armazéns abarrotados de borracha sem compradores; os navios-gaiolas que antes vasculhavam os muitos rios do Amazonas levando mantimentos e trazendo borracha estavam agora sendo vendidos para o Sul do País ou para o Exterior; a fome rondava os lares dos menos favorecidos, a cidade sendo invadia por milhares de ex-seringueiros que procuravam à capital fugindo dos seringais abandonados e enchendo as ruas do comércio pedindo esmolas. Foi nesse ano que Severino deixou Manaus com sua mulher dona Jovina Couto de Andrade, seu filho Mozart e Moacir Andrade, recém-nascido. Foram fixar residência no beiradão do rio Solimões, município de Manacapuru onde passaram a viver da pesca, da caça, da agricultura de sobrevivência. Ali ficaram até o mês de fevereiro de 1933, quando retornaram a Manaus em busca de educação dos seus dois filhos: Mozart Couto de Andrade com sete anos e Moacir Couto de Andrade com seis anos. Com essa idade seis anos, Moacir já sabia ler, escrever e contar, pois sua mãe era professora e os tempos dos garotos era somente para estudar. O ano de 1936, 1937, 1938, Moacir Andrade estudou no Grupo Escolar Ribeiro da Cunha, onde fez todo o curso elementar. Em Fevereiro de 1942, foi estudar como aluno interno


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no Liceu Industrial de Manaus, onde concluiu o curso industrial em dezembro de 1945. Fez o curso do 2.° Grau do Ginásio Amazonense Dom Pedro II, posteriormente ingressou no Colégio Brasileiro do professor Pedro Silvestre onde fez o curso de contabilidade. Ingressou no curso Superior de Administração de Empresas, na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Amazonas. Ainda muito jovem foi convidado pelo professor Fueth Paulo Mourão para lecionar na Escola Normal São Francisco de Assis as matérias: Matemática e Desenho Geométrico Plano. Lecionou ainda no Colégio Estadual do Amazonas, Escola Técnica Federal do Amazonas, onde construiu um magnífico mural em madeira entalhada e plantou uma mangueira hoje com quase 40 anos. Lecionou ainda no Colégio Militar de Manaus, onde construiu um monumental painel em madeira de lei totalmente em talha. Foi professor na Universidade Federal do Amazonas, onde lecionou Matemática, Desenho Técnico e Educação Artística. E permanentemente convidado pelos colégios e universidades locais para proferir conferências sobre cultura brasileira e problemas ambientais, temas de sua preferência. Recentemente a Universidade Federal do Amazonas outorgou-lhe uma Medalha de

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Honra ao Mérito por serviços prestados à cultura nacional. Moacir Andrade, apesar de ser um dos homens mais importante do Amazonas e do Brasil, comporta-se como um homem simples, despido da rompânsia que veste quase todas as pessoas que chegam à celebridade. Ele bem que poderia residir num dos bairros nobres que enchem a capital Amazonense, mas prefere morar no bairro pobre e humilde onde casou-se e construiu sua família maravilhosa e seus filhos. Certa vez ele estava recebendo em sua casa a visita de certa personalidade, quando uma prostituta bateu à sua porta dizendo que queria falar com ele. Logo o artista pediu que ela entrasse, acomodou-a num sofá à sala de sua casa e ouviu o que ela tinha a dizer. Quando a mulher ausentou-se, o cidadão que o visitava, verberou que ele não poderia receber uma meretriz na sala de sua casa, ao que o mestre respondeu: “Toda mulher merece o meu respeito igualmente à minha esposa e filhos”. Esse foi um atestado eloquente do alto espírito de humanismo dessa monumental figura do nosso mundo espiritual, para quem não existe pessoa melhor que outra. Quando sua família mudou-se para o beiradão do rio Solimões no município de Manacapuru, Moacir se extasiava vendo os cardumes de peixes subirem o rio para desovar e os gran-

des navios-gaiolas deslizarem silenciosos no meião do rio e os pássaros construírem seus ninhos nas paredes dos grandes barrancos à frente de sua casa. Aquela solidão fazia nascer no cérebro menino de Moacir Andrade, um turbilhão de coisas que ele mesmo não compreendia mas que transformaramno no gênio que é hoje, essa glória da nossa cultura, maior orgulho do nosso povo não somente como grande artista que é, mas como pessoa humana, respeitada, admirada e amada pela sua gente que ele retrata com a alma de um grande esteta todas as matizes do viver amazônico. As exposições que Moacir Andrade realizou pelo Brasil significações artísticas etnográficas, folclóricas e antropológicas que se incorporam no livro monumental da identidade, da sensibilidade e da empatia que afloram dessa luz incandescente do sentimento universal do saber humano. As mais importantes personalidades do mundo artístico. Literário e científico já registraram nos livros de presenças de suas mostras por esse Brasil afora, pintando muito bem com as cores vivas da sua personalidade o que realmente é e o que esse homem significa para a grandeza cultural do Amazonas e do Brasil. Quando Moacir Andrade em 1962 realizou uma mostra de seus quadros em Recife, Pernambuco, sob os auspí-

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cios do governador Miguel Arraes, tendo como secretário o escritor Ariano Suassuna, este, escreveu em seu livro de presenças: “Moacir Andrade, trouxe para Recife, toda a Amazônia gigantesca, sumarida nas cores de seus quadros maravilhosos. Esse binômio extraordinário de paisagem homem e paisagem botânica se confunde nesse balé de gestos mágicos e inconfundíveis hábitos, costumes, tradições e luzes de extrema beleza que brotam de suas mãos criadoras como o suor sacrossanto de um Deus. Descendente de pais nordestinos, carregado hereditariamente de toda essa carga cultural de suas origens, Moacir Andrade constrói inconscientemente um monumento à identidade de seu povo que sem dúvida como nós pernambucanos, dedicamos-lhe profunda admiração e respeito pela sua singular personalidade de um grande artista. “Parabéns ao Amazonas, parabéns ao Brasil pelo filho prodigioso que tens”. Quando o artista esteve em visita a Portugal em julho de 1969, recebeu do grande escritor José Maria Ferreira de Castro o seguinte registro: “Suas obras são peças valiosíssimas da iconografia brasileira. E construídas com o material fornecido pela sua privilegiada sensibilidade, são hoje adquiridas pelos grandes museus do mundo e exigentes colecionadores particulares que disputam avidamente a sua aquisição. Situado entre


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os melhores pintores contemporâneos, Moacir Andrade transformou o seu trabalho num veículo afetivo para divulgar a continental área amazônica, com toda a plenitude de sua beleza singular, sobre tudo o universo de sua inesgotável mitologia”. As glórias que se acenderiam no futuro, iniciaram o seu brilho em dezembro de 1938 quando o menino Moacir Andrade era ainda aluno daquela instituição de ensino do curso elementar do Estado. Por ser uma criança inteiramente dedicada aos estudos fundamentais; disciplinado assíduo, estudioso, recebeu num evento solene do diretor Geral da Instrução Pública Professor Temístocles Pinheiro Gadelha, através do inspetor de alunos, professor João Crisóstomo de Oliveira, um livro didático de Gramática da Língua Portuguesa, de autoria do professor Gaspar de Freitas, edição de 1933. Hoje, considerado o Ícone da cultura brasileira, conquistador de inúmeros galardões, Moacir Andrade continua como sempre foi: humilde, honesto, fiel as suas tradições de estudioso da Amazônia defensor intimorato dos direitos humanos e da nossa floresta, sobre tudo instrumento vigoroso e permanente na defesa da soberania brasileira.

Lenda amazônica, 1975.

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Manaus, Chácara Lili, 15 de fevereiro de 2008.

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A arte de Moacir Andrade

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odos estão cansados de saber que o Movimento Madrugada resultou da inquietação de jovens intelectuais que ensaiavam um novo olhar sobre a criação estética, poetas, ficcionistas, músicos e artistas plásticos, entre os que também agitaram o ambiente dos estudos sociais e da vida política na Amazônia. Todos sabem também que Moacir Andrade foi um desses jovens antigos, artífice de um labor incansável, pintor com uma vasta obra distribuída em vários lugares, galerias e coleções particulares de apreciadores da Arte. Poucos sabem, no entanto, que Moacir jamais se acomodou às formas conquistadas nas primeiras concepções de sua pintura, mas, ao contrário, sempre esteve atrás de novas descobertas, novas formas, em busca de elementos não usuais nos meios acadêmicos. Experimentou por vezes materiais heterodoxos na realização de seus quadros, na conquista permanente de algo que em verdade revelasse o produto da agitação de seu espírito. Impressionam os seus vastos painéis e as suas grandiosas telas, mas é nas miniaturas, na composição de uma canoa

Elson Farias Poeta e ex-presidente da Academia Amazonense de Letras

de japá e um remador na proa manobrando o remo numa dobra de rio tranquilo, que a sua pintura se realiza, tocando-nos mais intensamente a sensibilidade. Nos tempos heróicos das conquistas da nova linguagem, preconizada pelos madrugadores do Café do Pina e Praça do Colégio Estadual, o pintor dos papagaios de papel e dos galos de briga, da floresta e dos rios amazônicos, da vida do povo e das crianças, principalmente das crianças dos bairros de Manaus, foi Moacir Andrade o artista mais solicitado a realizar capas e ilustrar livros dos escritores e poetas do grupo, no seu modo de ser descontraído e cordial. Movido pelo dom da arte e do seu magnetismo pessoal, o pintor de Aparecida, antigo bairro dos Tocos na capital amazonenses, não se acomodou também compor a vida modorrenta da província, a cidade de Manaus tranquila dos anos cinquenta e sessenta, e saiu virando mundo por Europa, França e Bahia, a levar a mensagem do amazônida legítimo e fazendo amigos. Houve épocas em que passou largas

temporadas por aí, ligado a universidades e galerias de arte, onde usufruiu o convívio de intelectuais e artistas e do povo que tem sido a fonte mais genuína de suas visões criadoras. Mas nunca se esqueceu da terra que lhe serviu de berço e onde fixou residência e plantou família, ao lado da mulher, dos filhos e hoje igualmente dos netos. Foi um dos mais expressivos coadjuvantes do espetáculo de transformação da linguagem da cor no seio da sociedade amazonense. Não satisfeito em aprender, dedicou-se à tarefa de ensinar em vários cursos abertos ao público infanto-juvenil e de onde surgiram os artistas plásticos posteriores ao Movimento. Quatro foram os mais representativos cultores da Arte no Clube da Madrugada: Oscar Ramos, o primeiro e o mais jovem, precoce em sua vocação, coerente no rigor com que realiza a geometrização das formas desde o início da construção de sua obra; Afrânio Castro, boêmio e rebelde, vida pessoal tumultuada e arrebatada tão cedo do convívio dos seus companheiros, sem ter tido tempo de realizar aquilo que

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todos esperavam do seu grande talento; Álvaro Páscoa, um verdadeiro clássico da Arte Moderna, importante na gravura, no desenho, na escultura e na pintura, incorporado já maduro ao Movimento, originário das esplanadas portuenses ante o mar de Espinho, Portugal, mas ao chegar ao Brasil tocado pelos ares do Grande Rio, na magia da sua paisagem e da sua gente, trabalhando a sua obra como um autêntico amazônida; e Moacir Andrade, o autor deste livro, repositório de informações interessantes sobre a vida no Grande Vale, mas em primeiro plano a explosão dos desenhos em preto e branco, esse que é um instrumento de transmissão de conhecimentos desde os primórdios da história do homem. Abramos, portanto o livro e apreciemos Histórias, Costumes e Tragédias dos Barcos do Amazonas – Desenhos, o que em verdade vamos ver desenhos. Sem embargo do texto profuso, com informação biográfica do autor e a descrição dos temas abordados no volume, são nos desenhos que a atenção se vai concentrar, as sínteses propicia-


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das pelas imagens, numa leitura mas, sugestivas que a leitura das palavras, e, por isso, mais comunicativa com o espírito do leitor. Surgem logo às primeiras páginas, o Teatro Amazonas em contraste com uma carroça atrelada a um cavalo, uma canoa cheia de laranjas, a catraia de um garimpeiro flutuando na entrada dos igarapés de Manaus, canoas e casas penduradas nas ribanceiras inteiras ocupadas com os desenhos expostos em vivo movimento, de figuras que registram as relações do homem com o rio, a floresta e a cidade. No meio de Manaus são os aspectos da arquitetura, dos transportes urbanos, os velhos bondes elétricos, o capeamento em paralelepípedos das ruas da cidade antiga, os coretos das praças, os chafarizes, os palacetes residenciais hereditários dos tempos áureos da borracha, os prédios públicos e as casas plantadas às margens dos igarapés, na desorganização decorrente a própria forma de como aqueles habitantes da cidade foram localizando e construindo as suas moradias.

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Dos elementos da cidade extinta vão-se encontrar os catraieiros que com os seus barcos transportavam as pessoas do centro para os bairros dos Educandos ou de São Raimundo, as lavadeiras dos igarapés, os garapeiros fluviais, os bondes, as carroças de tradição animal, e a cidade flutuante que se estendia entre a praia do mercado Adolfo Lisboa e o igarapé dos Educandos, tudo isso que pulsa dos desenhos deste livro, oferecendo ao leitor a oportunidade de fazer um passeio por esse burgo agora retido apenas em nossa memória. Na cidade flutuante existia de tudo. Casas de comida e lojas de quinquilharias, salões de beleza e barbearias, serviços de som e quiosque de merenda distribuídos em avenidas, ruas e becos repousados sobre toras de madeira de bubuía sobre o rio Negro, com instalações sanitárias e lançadoras de dejetos indicativas de risco à saúde dos seus moradores. Moacir mostra uma loja de variedades onde ele chama de supermercado, mostra uma casa de diversão noturna, tasca ou motel, e só não mos-

tra nem escola nem igreja, porque naquele espaço de vivência tão aflita e de tanta contradição humana, existia de tudo, menos escolas ou igrejas... Aquele pedaço de Manaus um dia se acabou. Deu-se fim ao exotismo daquele bairro que já se tornara atração turística e cenário de cinema, locação de filmes realizados sobre a região. A cidade flutuante foi desmontada. As casas foram derrubadas do dia para a noite. Os moradores tirados de lá numa ação de governo boa ou má, não cabe aqui julgar, nos primeiros atos da ordem implantada após 1964. O povo da cidade flutuante subiu a terra firme e formou o bairro de São Francisco e deu início às invasões da Compensa. O que restou está nos traços do pintor apanhada neste livro. Depois vêm os navios a vapor, os gaiolas e transatlânticos. Os barcos de reboques e os recreios, as alvarengas de carga e descarga, as ubás, os barcos de pescadores de rede, as jangadas do rio Solimões transportando famílias inteiras, a bela Procissão de São Pedro que acontece todos os anos em frente à ci-

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dade, festeiros e foliões do interior, enfim a vida do povo, do povão e suas alegrias. Os bicos de pena de Moacir Andrade neste livro mostram figuras isoladas na maioria das imagens, canoas, motores e navios, meios de transportes mais usados nos rios da Amazônia. Nas lâminas lançadas, registram-se conjuntos de casas plantadas às margens dos igarapés da cidade, em São Raimundo e Educandos. Aí o expressionismo do pintor se manifesta com a força de um talento em estado elementar. Mas nelas já se podem observar o ordenamento conquistado graças à adoção de regras de composição, a harmonia matemática e a simetria dos triângulos. Na intensidade de aplicação do nanquim nas páginas em branco, elementos colhidos nas técnicas da água-forte o pintor firma o contraste do claro-escuro que mais acentua os reflexos da luz faiscando sobre as águas.


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Apresentação de um livro

Gaitano Antonaccio Presidente da Academia de Letras Ciências e Artes do Amazonas – Alcear

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ncumbiu-me o consagrado amigo, pintor, poeta, historiador, folclorista, e acadêmico de muitas academias, o simplório intelectual Moacir Couto de Andrade, da prazerosa tarefa de fazer a apresentação desta obra, a qual denominou de Histórias, Costumes e Tragédias dos Barcos do Amazonas – Desenhos, o seu mais recente trabalho artístico-literário. Mas o esplendor da obra de Moacir Andrade já foi apresentado em diversas partes do globo terrestre incluindo – se o Brasil e o Mundo. Nada que esse emérito artista plástico produzir, seja na arte, na ciência ou nas letras, necessitará de apresentação. Suas telas, livros, e desenhos já se encontram expostos e em evidências na Europa, Estados Unidos, e nos mais distantes países do Oriente e do Ocidente. O mundo conhece Moacir, porque sua obra invadiu o mundo. O seu talento multifacetado no âmbito cul-

tural, multiforme no cenário das artes, e polivalente quando navega no ar, no solo e no subsolo da Amazônia, faz desse caboclo contador de estórias um pintor das mais incríveis paisagens que Deus inventou para construir a sua própria natureza. Esse livro de História, Costumes e Tragédias dos Barcos do Amazonas – Desenhos é uma epopéia das gloriosas lutas dos amazonenses desde o início de suas raízes. Há nele, uma riqueza tão expressiva cultivada pelos desenhos do autor; uma beleza incapaz de ser mensurada pela expressão completa de tudo aquilo que ocorre numa região onde a pátria mergulha nas águas, o patriotismo se agasalha no verde das florestas e o amor telúrico é tão imenso quanto à dimensão que reina no azul de nossos céus. É o livro, um veículo simbólico a nos permitir navegar nas correntezas do rio Amazonas, percorrendo seus es-

tuários, conhecendo as vicissitudes de um mundo encantado e misterioso. Nas suas narrativas, o autor concede – nos a graça de conhecer a vida feliz e simples dos nossos ribeirinhos, como vive o nosso pescador, e nos leva as grandes reflexões, quando denuncia as lamentáveis tragédias com náufragos e outros acidentes entristecedores, de nossos rios. Não é uma viagem de rotina, dessas em que o viajante toma o barco no ponto de partida e percorre uma rota até o seu destino final. Nessa viagem, o Moacir pára em muitas enseadas, interrompe o trajeto nos diversos beiradões, muda o percurso e contempla o naufrágio do navio-gaiola Purus, detém a sua viagem, a fim de lembrar o abalroamento do navio Humaitá, percorre o trecho do rio, onde afundaram o Jaguaribe e o Andirá. Aproveita o frescor da brisa da mata e senta no espaço do tempo, para con-

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tar estórias de mitos e lendas, enriquecendo com sua sabedoria amazônica, o folclore da região. No remanso de uma saudade líquida o pintor rema com seu pincel de nanquim e vai deixando cromos da História do Amazonas, em traços fotográficos que nos levam ao esplendor da goma elástica, aos recantos aprazíveis, como a praia do Mercado Municipal, as Festas dos Santos nos diversos municípios amazonenses e mostra o Porto de Manaus, na sua grandeza incomum. Ao desenhar os navios dos tempos áureos da borracha, o artista faz um verdadeiro retrato falado dos mesmos, colocando-lhes os nomes, datas e outras características, como o nome de proprietários e tripulantes.


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Árvores sobre barranco, 2007.

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O que diz o autor de “A Selva”!

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uas obras são peças valiosíssimas da iconografia brasileira. Elaboradas com o material fornecido pela sua privilegiada sensibilidade, são hoje adquiridas pelos grandes museus do mundo e exigentes colecionadores particulares que disputam avidamente a sua aquisição. Situado entre os melhores pintores contemporâneos, Moacir Andrade transformou o seu trabalho num veículo afetivo para divulgar a continental área amazônica, com toda a plenitude de sua beleza singular, sobretudo o universo de sua inesgotável mitologia.

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Ferreira de Castro Entre-os-Rios, Portugal, julho de 1969


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A Lenda das Amazonas, 1960.

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Moacir Andrade, pintor do trópico anfíbio

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ão há escritor que não se ufane de ter alguma vez, ou mais de uma vez, criado novas expressões para a caracterização de velha realidade. “Confesso esta minha vaidade para dizer que uma dessas criações é ‘trópico anfíbio’”. Com a expressão “trópico anfíbio”, procuro caracterizar principalmente a Amazônia Brasileira: sem dúvida, a mais grandiosa expressão dessa espécie de trópico. Espécie de trópico que teve em Euclides da Cunha o seu apologista máximo em língua literária. São

páginas, as suas, sobre a Amazônia, que rivalizam com as que o imortalizaram como intérprete de paisagem e gentes dos sertões. Pois, esse o trópico o que venho chamando anfíbio e do qual a Amazônia Brasileira é tão vigorosa expressão – que encontrou em Moacir Andrade quem, como pintor, lhe interpretasse alguns dos significativos encantos de forma e de cor. Interpretação que continua a processar-se. Pois a identificação de Moacir Andrade com a sua e nossa Amazônia é das que vão além de tem-

pos cronológicos: necessita de ir a todos os extremos daquilo que os especialistas em classificar tempos chamam “duração”. Não representa uma fase na sua arte, mas a realização continua de uma vocação quase religiosa. E como se Moacir tivesse nascido brasileiro e se tornado pintor para cumprir um voto: o de interpretar a Amazônia Brasileira como expressão de trópico anfíbio. Como terra, como mata, como verde, como céu, com o azul e também com água. Água amazônica. Água que vive a confundir-se com a terra.

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Gilberto Freyre Autor de Casa-Grande & Senzala

Um pintor assim de sua região é um pintor como que monogâmico. Fiel a um imenso e exclusivo amor amazônico. Teluricamente amazônico. Brasileiramente amazônico. De modo que à proporção que a Amazônia se torna, como está se tornando, mais brasileira, Moacir é parte desse processo para o qual vem concorrendo. Pois não é só através da ciência, da engenharia, da economia, da política, que se nacionaliza em profundidade uma região ou uma área: também através da arte.


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O pintor Moacir Andrade em seu ateliê, 2004.

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Depoimento do autor do “Estatuto do Homem”

Thiago de Mello poeta; escritor, jornalista e estudioso da Amazonologia. Manaus, dezembro de 1985

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ntes do mais, quero distinguir, comovido, neste momento em que celebramos, de mãos dadas a ele, os quarenta e cinco anos de permanente atividade criadora de Moacir Andrade, a inquebrantável coerência com a sua vocação artística, nele permanentemente vinculada ao compromisso com a vida do homem do nosso Amazonas. O primeiro e principal compromisso de um artista é com a própria arte. Mas Moacir tratou sempre de colocar o seu talento a serviço da descoberta, interpretação transfigurada e cântico colorido da mágica realidade da nossa floresta e do homem seu habitante.

No trabalho criador de Moacir não há contradição entre o artista e o homem. Afinal é o próprio ato de existir que permite e ampara a criação artística. Para Moacir, que reúne em sua alma generosa as melhores virtudes do caboclo, a uma constante inquietação, o seu fascínio, seu deslumbramento, é o Amazonas: raiz, seiva e sortilégio de uma vida e de suas artes. Tão poderoso é esse fascínio, que a sua realização criadora não se limita à pintura, arte que o fez famoso e respeitado dentro e fora de sua pátria. Além da cor, da forma, da linha e da luz, Moacir Andrade se vale também da palavra, como matéria-prima de expressão artística (ele autor de vá-

rios livros de matéria antropológica, hoje indispensáveis ao conhecimento da vida e da alma que habita e convive com a floresta e a água) – para a divulgação e valorização da riqueza da cultura amazônica. Por onde Moacir anda, pelos tantos países onde se promovem exposições de sua pintura, o Amazonas vai com ele: na figura da criança grandona, na sua sabedoria, no encantamento de seus quadros. O coração de Moacir Andrade não é vermelho. No seu sangue lateja a força torrencial das nossas águas barrentas e a das antemanhãs de esmeraldas dos grandes lagos, ardem às cores do entardecer rubro do rio Negro, palpita o silêncio esplendor das nuvens alvíssi-

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mas e imóveis, esculturas barrocas soltas na vastidão do azul. Pelas suas veias percorrem os brilhos de cobre e safira das águas do cauteloso rio e as vibrações ardentes dos barracos e dos telhados de palha ao sol do meio-dia. O coração de Moacir é, sobretudo verde. Porque é banhado por todos os verdes, os verdes de todas as cores, que os seus olhos de grande artista sabem ver floresta que ele ama, porque é ela quem lhe guia a mão abençoada de pintor.


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A Lenda do Ticuna.

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Jean-Paul Sartre Filósofo francês, Manaus, 1962.

“Moacir Andrade registra nas belezas de suas telas toda a grandeza do fabuloso Amazonas. O Folclore, as tradições mais caras, o calor humano representados na movimentação de seus folguedos populares, as lendas, antigas memórias dos velhos casarões de azulejos portugueses, tudo isso impregnado de muita paz, amor e emoldurados pela sensibilidade de imaginação de um artista que muito cedo soube se impor no cenário intelectual de sua Pátria”.

A Lenda de como surgiu os Ticuna, 1977.

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Natividade, 1979.

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Falam os imortais

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estes barcos, nestes caboclos olhos de xerimbabos abissais e desmesofridos, nestas mulheres ren- sura e selva, a cósmica, calada essência deiras, nestes remos, rios e ribanceiras, da Amazônia. em toda esta policromia de belezas incomparáveis, estão o Amazonas com a João Guimarães Rosa grande alma, de Moacir Andrade. Manaus, 17 de janeiro de 1967. Manoel Bandeira Rio, 2 de Novembro de 1960

Moacir Andrade materializou nas cores de suas obras monumentais, o canto do uirapuru, as aparições da É uma pintura maravilhosa, que boiúna veleira que singra tranquila a sempre me trará felicidade, pois levo-a transparência das lendas orais dos rios comigo. Foi providencial a minha amazônicos. vinda por Manaus. Câmara Cascudo Margot Fonteyn Natal – R.G.N. Manaus, 26 de junho de 1962. Somente um filho do Amazonas Moacir Andrade submete, em dis- seria capaz de captar com sensibilidade ciplinados espaços de arte – galos de os costumes da grande planície amazôtapeçaria, cintilação de mosaicos e nica com toda a vibração e originalimagia de presépios – os paroxismos de dade que caracteriza o povo do Norte. seu diluviano zoorama, feéricos épicos de fauna: peixes, leviatãs, dragões, arRachel de Queiroz pias, perlados de fria espuma e ocelaRio, dezembro de 1959. dos de recordações oníricas, à luz de um amarelo há um tempo telúrico e Foi com indizível prazer que tive o transcendente, apanha assim em tensa primeiro contacto com a Amazônia ronda a vida do grande rio e grava nos brasileira, através da pintura desse

grande artista que é Moacir Andrade, cuja presença aqui neste salão em são Paulo somente nos honra e nos dignifica. Seus quadros trazem para nós um retrato em corpo inteiro, cheio de múltiplas belezas, sobretudo o que aquela região tão distante têm de mais sagrado que é a identidade de seu povo, de sua gente tão brasileira como nós todos. Moacir como pintor é também um antropólogo que com a sua sensibilidade de um exímio pesquisador, sabe penetrar profundamente no espírito do povo, registrando os seus mais íntimos gestos que constroem a sua individualidade. A Amazônia, como todas as outras regiões do Brasil, é sem duvida a mais rica e mais exuberante região cultural, cuja rede portentosa de belezas incomparáveis encantam a cada pessoa que tem o privilégio de desfrutá-la e Moacir é um pesquisador. Cada quadro aqui exposto é um retrato daquele grande manancial poliozônico tão festejado e tão cobiçado por outras etnias. Além de um artista excepcional, Moacir Andrade é também um grande conferencista e um conhecedor profundo daquela extraor-

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dinária parte do Brasil. Assisti a sua palestra na Universidade Federal de São Paulo e a maneira profissional como desenvolveu a sua fala. Homem de múltiplos conhecimentos, principalmente do que concerne a sua região, prende os seus ouvintes com a sua inteligência privilegiada, conquistando o auditório que o aplaudiu de pé. Parabenizo a fulgurante e privilegiada inteligência desse mestre que ainda muito tem a oferecera cultura nacional. Ligia Fagundes Teles São Paulo – 1974

DEPOIMENTO DO AUTOR DE MENINO DO ENGENHO Moacir Andrade, com sua extraordinária sensibilidade de um grande artista, captou um grande segredo escondido nas franjas abissais das origens daquele povo extraordinariamente simples. Manipulou com mestria o ritmo da influencia do estranho sabor que lhe enriquece a inteligência o acervo privi-


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legiado de um grande artista, o patrimônio que foi se incorporando em sua bagagem de inventividade, as cenas vividas durante a sua infância no interior do Amazonas – baixo Solimões no município de Manacapuru, onde viveu intensamente até os seis anos de idade. Moacir Andrade criou um estilo singularíssimo que é somente dele, jamais copiou algo de outros artistas seus contemporâneos; completamente afastado dos modismos que infestam todo o cenário das artes do Brasil; manifesta em sua obra, somente as cores, as formas e todo o universo que forja a identidade de sua gente, gente humilde, simples, tranquila e impregnada da paz que é o privilégio de quem desfruta daquela continentalidade que é a Amazônia. Moacir Andrade, figura humana fabulosa, é sem dúvida um dos maiores pintores que já tive a ventura de conhecer, nascido logo após a decadência do surto econômico da borracha, internou-se com sua família no interior daquela portentosa região, onde recebeu as bênçãos de seus ancestrais, e índios que lhe injetam a energia e o vigor

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que se manifestam na grandiosidade de seus quadros. Assisti e ouvi a sua palavra por ocasião da inauguração de seus quadros na Galeria Bonino em Copacabana e pude aquilatar com segurança o seu poder de conquista através da palavra. Moacir Andrade é alem de um excelente artista plástico, um comunicador vibrante, haja vista a sua postura de um jovem agigantado, uma bela voz de barítono que lhe enfeitam a sua comunicabilidade. O meu amigo Assis Chateaubriand que me convidou para essa mostra, já tinha me falado desse simpático mestre das cores e amante apaixonado pelo Amazonas, sua terra natal, fato que se pode verificar nas telas que ora mostra ao povo do Rio de Janeiro. Mitos, lendas, festas populares, hábitos, religiosidade, superstições, enfim tudo que representa a identidade daquela área verde de muitas cores inundadas com muitas águas. José Lins do Rego Rio de Janeiro, 29 de agosto de 1955.

Vaso de Flores, 1989.

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Fala o autor do Auto da Compadecida

...Moacir Andrade trouxe para Recife, toda a Amazônia gigantesca, sumariada nas cores de seus quadros maravilhosos. Esse binômio extraordinário de paisagem – homem e paisagem – botânica se confunde nesse balet de gestos mágicos e inconfundíveis hábitos, costumes tradições e luzes de extrema beleza que brotam de suas mãos criadoras como o suor sacrossanto de um deus. Descendente de pais nordestinos, carregado hereditariamente de toda essa carga cultural de suas origens, Moacir Andrade constrói, inconscientemente um monumento à identidade de seu povo que sem dúvida, como nós pernambucanos dedicamos-lhe profunda admiração e respeito pela sua obra monumental. Parabéns ao Amazonas, parabéns Brasil pelo filho prodigioso que tem. Ariano Suassuna Recife, 26 de julho de 1962.

2 MINUTOS EM TORNO DE UM PINTOR

Todas as vezes que procuro um ângulo para situar e tentar a análise intuitiva do pintor Moacir Couto de Andrade, baseando-me nas últimas conquistas pessoais no campo da arte a que vem dando sua milagrosa vitalidade de homem múltiplo, de homem que vive sujeito as obrigatoriedade tirânicas do horário normal de trabalho, donde extrai seu pão quotidiano, eis que, a súbito convite do artista, encontro-me cara-a-cara com uma nova colheita de motivos e técnicas até ontem alheias ao estreito alcance de nossas vistas. A tela hoje defronta, de par com essa evidência colorida que ditos trabalhos provocam na sensibilidade afogueada, tolhem repentinamente qualquer julgamento crítico, deixando prevalecer à curiosidade surpreendida que assalta a inteligência do espectador regional das nossas coisas simples, do

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nosso folclore, afinal aproveitado por um talento que, ao invés de por a discutir escolas, recolhe-se ao seu mundo pitoresco, e trabalha. Pelas inúmeras exposições do pintor Moacir Couto de Andrade (foi o primeiro artista a expor em Brasília), onde a equilibrada evolução timbra-se de modo personalíssimo através da captação direta, vivencial, autentica mesmo, de tipos, aspectos e paisagens que seu pincel irrequieto anima à proporção que revaloriza, nota-se uma permanente busca de cada vez melhor exprimir-se, embora esse revestimento, como não é comum verificar-se nos pintores “de metrópole”, mantenha inalterado o conteúdo poético ou a temática elegida. Exemplos deste espírito de finalidade a si mesmo repontam em pinturas como “Bumba-meu-Boi”, “Casas Pernaltas”, “A Dança do Tipiti”, “Fazedor de Remos”, “Menino das Grinaldas”, seguindo-se- lhes outros pendentes ainda de título, e que ofe-

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recem ao contemplador sugestões renovadas de unidade estética, unidade essa a que não se subordinam nunca solicitações virtualísticas já de princípio recusadas pelo pintor. Ademais, seu atelier varia quase sempre de lugar, segundo a posição em que pode ser encontrado o objeto de sua livre escolha, face ao qual se instala com seu cavalete, apoderando-se logo da reação que aquele lhe provoca no íntimo para, desse choque umbilical, dar nascimento à obra. Para ele a criação artística inexiste se lhe falta qualquer indicação, a menor que seja como ponto de referência concreto, ponte entre a realidade e o mito, de cuja manifestação se vale para salientar as abstrações do artista, assim demonstradas pelo toque mágico que estiliza e transfigura. Entretanto, não iremos aqui repetir fórmulas, ou incursionar pela exegese. Propósito outro motivou estas linhas, que não à de apresentar Moacir Couto de Andrade no público. Muitos foram


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já os críticos de arte que escreveram sobre ele, notadamente o paulista JOSÉ GERALDO VIEIRA – uma pena e uma vida a serviço das letras e das artes brasileiras. E que agora o pintor se prepara tendo em vista encetar viagem por todo o norte e sul do país, quiçá ao Exterior, oportunidade em que exporá os seus quadros à visitação pública, mostrando por onde passe que o Amazonas se universaliza através de sua paleta. (Muito infelizmente – e em particular no Amazonas – as iniciativas dessa monta raro encontram a repercussão merecida. O povo acostuma-se ao aplauso fácil, e os governos em geral se nivelam a essa demonstração de mau gosto, que vai gradativamente criando nos verdadeiros talentos um complexo de isolamento e cujos tentáculos se agarram implacáveis, para secarem como “árvores estéreis”). Não pertencendo à classe dos que aplaudem levianamente nem a dos que se utilizam de momentos efêmeros para aparecerem e me atreva a dizer que Moacir Andrade é um vencedor, carregando em suas manifestações, aquilo retraem aos áridos recantos da parábola, Moacir Couto de Andrade escolhe sempre o terceiro caminho das viagens, a procura de ambiente, cultura, experiência vital. E disto que lhe tem resultado a presença de elementos novos dentro de sua esfera artesanal – que, diga-se de passagem, mantém li-

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gações indissolúveis com o que ele conserva de mais sadio de sua herança clássica; não aludo ao plano das criações plásticas, pois Moacir Couto de Andrade começou moderno – falo no de sua formação psicológica ao tempo em que a palavra modernismo (aqui na província) era sinônimo de heresia, ou coisa pior. Lançando-se em mais este empreendimento individual, o pintor amazonense orgulha-se de, por sua própria conta, sem nenhuma ajuda superior, levantar ferro com suas telas, maleta e o infalível dossiê aonde vão recortadas e coladas, indiscriminadamente, referências (elogiosas ou não soube quanto até hoje produziu. De tudo que lemos, porém, na oportunidade de uma devassa amigável nesse livro de recortes, pouquíssimas frases atestaram, em meio à indecisão ora mais ora menos pretensiosa de pseudocríticos locais, um discernimento firmado em análise correta do artista e sua obra. Abundam os ditirambos facciosos. Recortam-se os juízes cujas entrelinhas navalham sarcasmo e proposital cegueira face às possibilidades futuras desse moço de pouco mais de trinta anos. Mas os grandes salões de arte de todo Norte e Sul do Brasil, estarão abertos ao pintor Moacir Couto de Andrade. A incerteza de ontem, quando para expor em São Paulo e

no México ou nos Estados Unidos ou no Canadá ou, é claro, no Brasil e suas províncias mais chistosas, e se rasteará pelo menos um traço de tinta ou um pedaço de madeira talhada desse artista em que seu nomadismo global foi mai tocado e definitivamente marcado pela vizinhança de Manaus com os barrancos e barracos dos rios amazônicos. Mas ele tem 81 nos de idade!, Se contestará entre as jovens gerações, que não precisam sair de Manaus para ser globalizadas, com a inveja própria daqueles cuja única aventura na vida foi plantar uma árvore, publicar um livro medíocre e parir um filho parecido com o vizinho, antes de se aposentar e frequentar o Clube do Ressentimento instalado num barziJorge Tufic nho de um bairro sórdido da cidade. Manaus, 23 de agosto de 1959. Jornalista, escritor, poeta, historiador. Foi muito jovem que Moacir Andrade ousou esses vôos internacionais, bem “A GAZETA” 23/08/1959 antes dos 50. Para alimentar ainda DE VISAGENS E MILAGRES mais inveja paroquiana, ele é o artista plástico do Amazonas, incluindo escriMoacir Couto de Andrade é o ar- tores ou artesãos fora do Amazonas. tista plástico mais viajado entre tantos, De Jorge Amado e Rachel de Queiincluindo escritores e turistas, nascido roz e Dinah Silveira de Queiroz; de Vino Amazonas. Pense-se em uma galeria nicius de Moraes e Guimarães Rosas; de artes na Finlândia ou na Noruega de Ferreira de Castro e Gabriel Garcia ou na Dinamarca ou no Japão ou na Marques. De Manabu Mabe e Flavio Inglaterra ou na Suíça ou na Austrália de Carvalho e Sergio Bernardes a ou na Áustria ou na Suíça ou na Bél- Burle Max; de Câmara Cascudo e Gilgica ou na Irlanda ou na Grécia ou na berto Freyre a Jean-Paul Sartre, entre França ou na Alemanha ou em Portu- outros tantos juízos, com o acréscimo gal ou na Califórnia ou no Equador ou da receptividade sempre simpática a Brasília teve que pedir a opinião de consideráveis números de amigos, é agora esta certeza inabalável, firme, espacial, que leva dentro de si. Porque suas telas recriam nosso folclore, mostram nossas ruas, costumes, tristezas, necessidades – mas tristezas e necessidades repassadas de uma alegria sem intenção dolorosa, que é a própria alma do caboclo amazônico, sua estóica filosofia sem Grécia nem quejandos. Augurando-lhe os melhores êxitos, é em nome de todos os componentes do Clube da Madrugada (ora em fase de ressurgimento) que saúdo o artista Moacir Couto de Andrade.

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sua obra dos principais jornais brasileiros e alguns estrangeiros. Sabe-se que não é a malaria que mata o caboclo, mas a pavulagem, um distúrbio mental que o acomete sempre que troca a canoa por um automóvel, um barraco sobre um barranco por um barraco sobre o asfalto malcuidado de Manaus. O brilho dos salões nacionais e internacionais e os discursos ilustrados tocaram muito pouco esse professor de desenho geométrico que se dedicou a colorir a assimetria cada vez mais confusa do espaço amazonense e sua gente. Tocou nos momentos em que o circo boêmio do Clube da Madrugada, a partir da metade dos anos 50, decidiu mudar a sintaxe e a dedicação da expressão amazonense, num reflexo tardio das tendências do modernismo brasileiro dos anos 20 e 30 do século passado, Moacir Andrade surfou nesse banzeiro – uma onda tímida. Investiu no abstracionismo, sem a virulência do expressionismo que caracterizaria um Afrânio de Castro, por exemplo, e no surrealismo, com que pintou, esculpiu, desenhou, xilogravou, muitas das lendas amazônicas que os amazonenses não conhecem mais. Foram muitas as “idéias fora de lugar” – como o crítico Roberto Schewarz confronta a escritora de Machado de Assis com as de seus antecessores e contemporâneos – que compuseram o

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repertório do Clube da Madrugada e foi dessas experiências que resultaram na obra de dois grandes poetas de língua portuguesa do Amazonas, Max Carpentier e Elson Farias, estes sim, bem situados no seu lugar e nas suas idéias. A experimentação refinou o melhor de Moacir Andrade e essa é a sua melhor tradição, aos 81 anos de idade, ainda em efervescência em seu ateliê: o telurismo, o ludismo e o lirismo que ele descobre nas gentes dos barrancos, amontoados nos barcos dos rios, nas calçadas que já não existem mais em Manaus; um documento que a pressa de uma nova gente sem descanso atropela intoxicada de televisão e informática e ações de Bolsa de Valores. Essas novas lendas de um povo sem descanso, de um dia sem noite, em que os homens desaprenderam a falar, não frequentam o mormaço do ateliê do caboclo que continua pintando as visagens e milagres do que um dia foi real. Longa vida ao homem que trabalha e vive em paz com os seus fantasmas.

A babá da Gracieminha, 1958.

Aldisio Filgueiras Jornalista, escritor, poeta e biógrafo.

A VISÃO DO AUTOR MORTE SEVERINA”

DE

“VIDA

E

Gostei de ter conhecido, conversado e ter convolado amizade com esse

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sertanejo nortista da Amazônia; de ter observado com atenção, respeito e admiração, seus quadros construídos com o material mais caro e mais raro nos nossos tempos atribulados de hoje em dia (07.07.1955). Moacir Andrade não é igual à maioria de seus colegas pintores que tenho conhecido através desse mundo de Deus, nas minhas viagens como diplomata; ele é autóctones, singular, único, solitário no seu mundo artístico das selvas selvática; ele não imita, não rouba as idéias alheias, ele arranca das regiões abissais das suas entranhas, toda uma população de fantasmas que habitam o seu mundo interior; agasalhados como tesouros indevassáveis em sua alma de artista genial, sim porque Moacir é um gênio – assim ele materializa em cores, formas e conteúdo toda uma multidão de seres mitológicos que habita aquela região alagada por muitas águas de que ele é feito. Descendente de nordestino – seu pai Severino, filho de portugueses, trocou o sertão seco, esturricado, faminto do Nordeste, pelo sertão úmido e afogado daquela incomensurável pátria das águas. Por isso, ele se manifesta um Telúrico, um amazônida impregnado de todas essas cicatrizes ancestrais de portugueses e índios. Moacir não pode escapar de sua ancestralidade que manifesta não só em seus quadros monumentais, mas na poesia, maneira de

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falar, de se comunicar com as pessoas. Homem de cultura superior e jornalista, poeta, conferencista, contador de histórias (o seu humor é imaginavelmente empático), tem o poder de logo conquistar as pessoas. Basta dos convidados que afluíram à sua mostra na Galeria Bonino em Copacabana patrocinada pelo enviado da Comunicação que o jornalista Assis Chateaubriand, conde compareceram artistas como: Manoel Bandeira, Ubiratan de Lemos, Acyoli, David Nasser, Pascoal Carlos Magno, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Áureo Melo, Rodrigo de Melo Franco de Andrade, Paulina Kaz, além de dezenas de convidados todos seus amigos e admiradores. Seus quadros, depois dessa mostra deverão viajar para a Europa onde certamente receberão a consagração que bem merece.

mitos, personagens populares, como vendedores de rede, piruliteiros, vendedores de puxa-puxa, vendedores de tartaruga daquele mesmo palco étnico da Amazônia brasileira. O sucesso foi total, Moacir Andrade vendeu todos o os quadros. Eu fiquei com um que hoje faz parte da minha Pinacoteca aqui no Rio. Desta vez, o que o pintor nos mostra, são paisagens de mil verdes, de uma beleza mágica, impressionante, cheios de algo que nos aguça a sensibilidade. Elas possuem além de uma simples obra de arte, de um gosto, um mistério que nem o autor sabe explicar. Moacir se transforma no ato de pintar, de utilizar as tintas. As paisagens que Moacir Andrade expõe nesse instante, são jóias que transcende além da nossa imaginação, de simples mortal, ele penetra no mais fundo das suas regiões João Cabral de Melo Neto psíquicas de onde retira filigranas que Rio de Janeiro, julho de 1955. com suas mãos de feiticeiro sagrado, aplica nos detalhes de cada trabalho e *** o resultado se vê nessas milhões de tonalidades de verde, amarelo, azul, vioEu era Adido Cultural da Embai- leta, marrom, que se transformam xada do Brasil em Londres, ocasião em nesse resultado maravilhoso que são as que o pintor. Moacir Andrade realizou suas obras monumentais. As paisagens uma exposição de seus quadros no de Moacir Andrade são os resultados Salão Nobre da Embaixada, sob a res- das suas manifestações de estado de ponsabilidade do Ministério das Rela- transe, elas não representam apenas ções Exteriores do Brasil. um mundo botânico, amazônico: a sua Foram 36 obras, todas elas ver- obra é composta de elementos puragando sobre Festas do povo, lendas, mente espirituais, onde se pode sentir

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esse estado abstrato de imagens impalpáveis arrancadas desse trinômio fundamental da Água, Terra e Floresta, onde habitam gnomos, ninfas e iaras que lhe dão vida e energia nas suas pinturas geniais, porque Moacir Andrade é um gênio criador. Não foi necessário que ele se deslocasse da longínqua Amazônia, para aprender a construir essa obra singular. Ele trouxe consigo das suas origens os genes de algum mago ancestral que agora se manifesta como uma luz incandescente no seu trabalho de artista extraordinário. Não foi gracioso o título que o artista recebeu por ocasião de sua mostra em Paris em 1989, quando uma comissão de críticos de artes o considerou “o maior pintor de paisagem tropical do mundo” Moacir Andrade conquistou a ORBE com sua inteligência privilegiada e sua obra amazônica, teluricamente amazônica, que agora lhe rendeu a glória de ser um artista reconhecidamente único. Antonio Olinto Diplomata, africanólogo, escritor e crítico de artes. Rio de Janeiro, julho de 1992.


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A Lenda da Maniva, 1978.

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A Lenda do Homem que não dormia, 1982.

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A Lenda da Índia Maué, 1968.

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Roges Bastide São Paulo – Museu de Arte de São Paulo – 1958

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quíssima de conhecimentos de Amazonologia. Moacir Andrade é além de pintor, professor de Desenho Técnico, MateFase extraordinário artista plástico mática, Física, Português e, o que é que ora nos visita, trouxe para São mais importante um verdadeiro misPaulo o que pode uma pessoa realizar sionário do humanismo, coisa muito com os infinitos recursos de sua criati- rara nos nossos dias. Possuir o poder vidade. Moacir Andrade utiliza toda a inigualável da empatia que só os dotasua potente inventividade para mate- dos dessa razão da magia possuem. Asrializar em suas obras monumentais as sisti à conferência que proferiu para os manifestações da identidade étnica de professores da Universidade Federal de seu povo. Percebe-se que o seu trabalho São Paulo e pude constatar o seu faé construído com o polimento mate- buloso poder da comunicação com os rial fornecido pelo resultado da obser- mestres. vação de um etnólogo, um Tive a honra de conhecer não soantropólogo interessado em registrar o mente um artista plástico, mas um que demais autêntico se manifesta nos sábio, um gênio dos abissais recursos gestos simbólicos do seu dia-a-dia. São do gênero humano. brincadeira de Boi-bumbá, rezadeiras, catraieiras, festas de santos, macumbas, Max Carpentier Festa do Espírito Santo, festejos de São Poeta, autor de Sermão da selva, Sebastião de Manacapuru, Matinta-Pe- Tiara do verde amor, Celebração da vida reira, lendas e uma enorme multidão – missa planetária. de personagens da infindável mitoloMembro da Academia Amazonense gia da Amazônia. Talvez, pelo fato de de Letras. viver praticamente isolado do resto do mundo numa região ainda virgem aos Desde que Rimbaud (quem sabe olhos dos pesquisadores, Moacir An- tendo analisado Aristóteles) revelou a drade criou a sua própria escola, sua cor dos vegetais, a dimensão pictórica própria técnica, que não se iguala a ne- do verso tornou-se elemento técnico de nhum artista seu contemporâneo. O respeito na elaboração do poema. Podeque mais me impressionou nessa per- se até intuir que a coragem dos surreasonalidade singular, e o fato de ser, listas, de desprezar completamente a além de um pintor fabuloso, um con- racionalidade, o anexo superficial entre ferencista dono de uma bagagem ri- os objetos, decorre da certeza de que o

simples cuidado com a iluminação do verso já assegura a possibilidade do fenômeno estético. A luz, falando pelas cores, é tão profunda quanto à idéia, na sensibilização do espírito. Estas considerações me ocorrem enquanto constato, no livro dos poemas de Moacir Andrade, que o mestre da pintura utilizou como pátina, no cinzelamento de seus poemas-portais, sua imortal experiência da cor Movimentos da luz, imagens recortadas, anos e anos apreendido a indizível, a febre de arco-íris da policromia, tudo irrompe agora, calafrio caboclo, na elaboração desses portais de vivencia amazônica antiga e redimida, pedra e madeira em verso, O artista encontrou, no poema, outra maneira de vivenciar o mistério das cores, trabalhando a vertigem da informação teórica e a busca que se origina na fascinação cristã do belo. Alma voluptuosa que sempre se entregou sem reservas às marcas gerais da vida, o maior paisagista do mundo abre-nos agora as portas do seu mundo interior, suas paisagens de sonho e de memória, num inventário heroicamente sentimental de tudo quanto amou e sofreu em seus dias de beleza. São portais, quer dizer, iluminuras fortes que nos franqueiam os muros da sua cidade interior, o pátio de seus passos e vozes mais secretos. Os primeiros, Os Portais da Infância, levam-nos ao território passarinheiro

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dos quintais perdidos, ao encontro de personagens, objetos e espantos que compõem o inabandonável universo dos anos verdes. São poemas mágicos e sinceros como uma história de menino, feitos com a paina dos ninhos, as crinas do cavalo de vassoura, o barro colorido das ruas vagabundas. São poemas leais, como leal deve ser o homem para com a súmula de sua meninez. Não se traí o canto do primeiro pássaro, o significado da mão do sorveteiro, o relâmpago eternamente companheiro que nasceu dos olhos da primeira amada. Saint-Exupéry, que conhecia os recantos mais indevassáveis da natureza humana, pôde um dia dizer, com tom de vitória de quem afinal se decifrara: “sou da minha infância”. Moacir Andrade vem no seu livro também mostrar que pertence indelevelmente à sua infância, e isso explica a vitalidade de sua compleição artística, a ternura de seu relacionamento com a vida, a sábia inocência de seus versos livres. Depois, abrem-se Os Portais da Terra, em que o poeta revela as caudalosas feições da sua terra, seus vínculos placentários com toda uma estética verde, de que se tornou embaixador e paladino, sacerdote e ídolo, construção esplêndida e comovente que ora se fecha numa cúpula de versos. A matéria desses portais é a inumerável argila, a pernalta humilde das palafitas, a misericórdia peregrina


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A Lenda da Borboleta, 1979.

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dos cardumes, os vestígios do primeiro instante de Deus quando criou o continente da promissão aquática. E vemos, adentrando esses portais, os barcos dos estirões abandonados; peixe que salta para a luz como um homem que se redime; o rosto dos beiradões que resistem; a lágrima submersa da vida ribeirinha; os ramos, asas da água; as águas asas do sonhar da terra. São poemas de raiz, de caule e pássaro. A cadência dessas estrofes, que esbanjam o mistério dos talvegues, é aquela do ritual esfuziante da piracema em flor. Os últimos portais do livro de Moacir, Os Portais das Horas, abrem-se para o cenário da contingência humano, limitado pela agonia da busca a pontualidade da dor. É o livro das cicatrizes jamais caladas, da saudade da mulher que não veio do fardo de conviver com essências somente reveladas à alma dos artistas. Então uma rua se ilumina de infortúnio se o seio ausente ateia luar às trevas. Então milhares de folhas, indefiníveis folhas, caem como chuva de espinhos sobre o sonho, compõem o súbito

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outono que anuncia a estação da eternidade. É o poeta diante da totalidade do sofrimento que lhe coube absorver do mundo para comungar e repartir a vida. Somente a dor pode conferir ao poema a qualidade da transcendência. A poesia tem uma espécie de compromisso religioso com o sofrimento; sobrevive com ele, busco-o, interpreta-o, com a missão de transfigurá-lo e bani-lo da existência visível. Nesse sentido, cada dor de poeta aperfeiçoa mais a humanidade. A contribuição de Moacir é bem o compartilhar estético e sereno de fundos sofrimentos, a sua parte no esforço supragenético de eliminação das dores do mundo. Em Moacir Andrade, o pintor ofereceu ao poeta as cores e o talento para a edificação desses Portais de excelente qualidade humana e intensa e colorida força de alma, que devemos prezar como o sumário de uma existência inteiramente dedicada às fontes superiores da beleza.

Lago do Tarumã à noite, 1994.

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A Lenda da Mucura, 1967.

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Cipós, 2000.

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Meio século de arte amazônica

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om cinquenta anos dedicados à pintura e milhares de quadros espalhados pelo mundo, o artista plástico amazonense Moacir Andrade é considerado não só um dos melhores artistas contemporâneos, mas também o maior intérprete da cultura amazônica e pintor de paisagem Tropical do Mundo. Evandro Lobo Professor e Ex-vice Reitor da UFAM Ao se entrar no ateliê do artista Moacir Andrade é que se percebe que tudo que se tenta falar dos seus cinquenta anos de atividade artística é pouco. Abarrotado de livros, quadros, esculturas (algumas dos presentes recebidos do artista), documentos, centenas de fotografias antigas, tintas e pincéis, o ateliê mostra que a dimensão e importância de Moacir Andrade para arte, no contexto regional e mundial, vão além deste meio século completado este ano. Numa tentativa de demonstrar esse reconhecimento foi promovido pela Superintendência Cultural do Amazo-

nas, dos dias 14 e 18 de janeiro, a exposição “O Tempo e a Arte de Moacir Andrade”, na Pinacoteca do Estado, onde foi mostrado boa parte das fotografias, documentos, prêmios, reportagens feitas sobre ele, livros e quadros do pintor desde o início de sua carreira, em 1941, quando fez sua primeira exposição, até suas obras mais recentes. Entretanto, se formos levar em conta os rabiscos feitos aos nove anos de idade pelo garoto Moacir Andrade, verificaremos que na verdade já tem mais de meio século que ele resolveu adotar a Amazônia como tema básico de seus trabalhos e se tornar um dos mais importantes interpretes, tradutor, ou mesmo recriador. “Nunca consegui me libertar da Amazônia, desde quando nasci”, admite. E essa paixão natural, não se estabelece apenas de dentro para fora, com o pintor atento à paisagem, à mitologia, o folclore e às pessoas da região. Essa relação também foi demonstrada de fora para dentro, quando ele conta que nos primeiros anos de sua carreira, em decorrência das dificuldades financeiras, ele tinha

que produzir suas próprias tintas a partir de substâncias naturais, como o sumo das folhas das árvores ou a partir do barro lavado sem areia, misturando à “goma” (farinha de tapioca diluída em água). Moacir Andrade hoje tem 64 anos e desde a infância passada em maior parte no município de Manacapuru, no interior do Estado do Amazonas, já era comum vê-lo desenhar carroças, vendedores de cata-ventos, lavadeiras casas de palha, barcos de todos os tipos, o rio, a mata, enfim, tudo que fazia parte do seu pequeno universo, que se tornaria maior parte da expansão de seu deslumbramento e fascínio pela região. “Eu trabalho com o telurismo, com o regional, com as coisas autóctones”, com todo o mistério que caracteriza a Amazônia”, resume o artista. A dimensão desse fascínio, dessa paixão permanente pela Amazônia, pode ser observado hoje nos mais de seis mil quadros de Moacir Andrade espalhados pelo mundo todo e um reconhecimento quase que unânime de artistas e intelectuais brasileiros e estrangeiros.

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Moacir Andrade – Uma Lenda Amazônica

“ARAUTO POLICRÔMICO” – Toda a obra de Moacir Andrade é fruto de suas inúmeras viagens pela região. É uma espécie de síntese de sua observação da vida amazônica. Mas, quanto à forma, Moacir não costuma definir suar arte a define como uma simples manifestação do seu espírito criador. “Jamais me ative à corrente ou escolas tradicionais de pintura, sejam elas, clássica, moderna, abstrata, concreta surrealismo, impressionismo etc.” “A arte tem de ter como resultado formas e cores agradáveis”, diz ele, simplificando. Essa simplicidade em definir seu trabalho toma, no entanto, contornos maiores, mais entusiasmados, na voz de amigos e admiradores famosos, como a escritora Clarice Lispector, que 1972 considerou profética a obra de Moacir Andrade, considerado-o também uma espécie de “arauto policrômico da Amazônia”. “Também outro escritor, Gabriel Garcia Marquez, deu sua definição de Moacir em um artigo publicado em 1968, quando o artista expunha nos Estados Unidos: A obra de Moacir Andrade é um gesto largo e


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13/10/2010

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eterno de formas e cores, uma poderosa energia injetada nas veias da história universal – presença permanente da Amazônia brasileira”. Cerca de 80 museus, pinacotecas públicas e particulares no Brasil e no Exterior dispõem, hoje, obras de Moacir Andrade e seus quadros estão avaliados em torno de quatro milhões de cruzeiros (aproximadamente 20 mil dólares). Mas toda essa “valorização” não parece entusiasmar muito o pintor. Ele diz que a arte tem que ser usada como veículo social, por isso que boa parte do que ganha com a venda dos quadros, ele reinveste ou “socializa”, através de projetos culturais ou ajudando amigos e parentes. No entanto, ele alimenta a esperança de chegar a ter o valor de Picasso, por exemplo. Não esquece também de todos aqueles que o ajudaram achegará notoriedade dentro e fora do país. A lista é enorme, vai desde sua mãe, Dona Jovina, até figuras famosas, como o filósofo Jean-Paul Sartre. São pessoas que, de uma forma ou de outra, contribuíram para torná-lo conhecido. Moacir Andrade também ostenta uma relação enorme de homenagens e prêmios recebidos ao longo desses anos de vida artística. Entre essas homenagens, está a que ele recebeu do Centro Internacional de Artes Visuais da Universidade de Berna, na Suíça e a Medalha de Ouro recebida em Portugal, como Mérito Cultural.

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Para jovens artistas que pretendem ver nele um exemplo, Moacir ensina que não basta apenas o artista procurar ajuda, ele mesmo tem que se ajudar, “basta ter um lápis e papel para desenhar, que pode ser emprestado ou até achado no lixo”. Além desse esforço natural, Moacir Andrade recomenda a busca constante pelo novo, pelo original, inusitado, tanto no traço, quanto na cor. ALEM DA IMAGEM – Se alguém se envolve com a Amazônia como Moacir Andrade se envolveu, não basta apenas mostrá-la através das telas, das gravuras e desenhos que produziu durante todo esse tempo. E foi isso ele fez, não só nas palestras, conferências que deu em várias instituições, órgãos em escolas de arte do mundo todo, mas também nos diversos artigos e livros publicados por ele a respeito da cultura amazônica. Ao todo, foram 23 livros. Na sua maior parte, são verdadeiros tratados antropológicos, extraídos da simples pesquisa; sem o embasamento sociológico típico que conhecemos, mas fiéis à abordagem que se pretendem, ou seja, dar a dimensão real da cultura dos povos amazônicos. Ele foi buscar no caboclo, nas lendas, nos costumes, todo o conteúdo de sua arte e de sua preocupação sociológica. Em decorrência disso, ele não acredita muito no “interesse” estran-

geiro pela floresta amazônica, mesmo porque, segundo ele, não vê o dinheiro eles (as fundações e outros organismos estrangeiros) estão investindo na região. “Se quiserem dar dinheiro, que dêem, mas não pensem defender ou ocupar a região”. “Sou visceralmente contra isso” diz Moacir, acrescentando que a defesa e ocupação da região são uma preocupação secular dos próprios amazônidas. Aliás, ele tem uma tese de que a Amazônia só não foi totalmente ocupada devido a três defesas naturais: o solo pobre, as doenças tropicais e o clima. Para Moacir, quando se fala de defesa do meio ambiente, não se deve pensar só em floresta, rios, plantas e animais. “Meio ambiente é tudo, principalmente a sua rua, sua casa. Se você joga lixo na rua, cospe nos rios, polui os igarapés, está também contribuindo para poluir o meio ambiente”, ensina o pintor. Moacir foi fundador de muitas sociedades culturais em todo o mundo. Fundou a associação para educação de crianças nos Estados Unidos e em Portugal a Associação Internacional dos Amigos de Ferreira de Castro. Depois, vem a Itália, Espanha, Alemanha e muitos outros países. A disposição para escrever também é grande. Já se encontra em fase de edição um livro sobre “Histórias, Artes, e costumes Desaparecidos ou a Desaparecer”, além de um projeto sobre “Len-

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José Roberto Girão de Alencar (Org.)

das Amazônicas” e um livro sobre teatro com título “Sala de Audiências”. PRÓXIMOS PASSOS: Chegar aos cinquenta anos de carreira artística não parece ter cansado Moacir Andrade. Ele já se prepara para mais uma série de exposições pelo Exterior, começando por Portugal, numa promoção da Unesco e da Associação Internacional dos Amigos de Ferreira de Castro. Depois, vem a Itália, Espanha, Alemanha e muitos outros países onde pretende deixar a sua marca. Moacir Andrade encara o futuro como “agora”, a cada passo que dá, a cada obra que cria. Mas não se pode deixar para trás facilmente toda a contribuição dele para o enriquecimento das artes na região amazônica. Quem sabe não lhe caberia um museu, ainda em vida, só para guardar aquilo que o ateliê dele já não comporta mais?


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