BRUNO MACHADO | grão ed.1

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TODOS OS DIREITOS RESERVADOS © VICTOR CORREA, 2015

PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL POR QUALQUER MEIO DE IMPRESSÃO, OU EM FORMATO DIGITAL EM FORMA IDENTICA, RESUMIDA OU MODIFICADA, EM LÍNGUA PORTUGUESA OU OUTRO IDIOMA.

CRÉDITO DAS IMAGENS TODAS AS FOTOGRAFIAS DESTA PUBLICAÇÃO PERTENCEM AO ACERVO PESSOAL DO FOTÓGRAFO BRUNO MACHADO. SUA REPRODUÇÃO OU CÓPIA É PROIBIDA SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO.

DESIGN, PROJETO GRÁFICO E EDIÇÃO VICTOR CORRÊA TEXTOS DE VICTOR CORRÊA, BRUNO MACHADO E MORONORIO.TUMBLR REVISÃO DE TEXTO BRUNO MACHADO FOTOGRAFIAS BRUNO MACHADO

ESSA PUBLICAÇÃO FOI DESENVOLVIDA DURANTE A DISCIPLINA DE PROJETO VII DO CURSO DE DESIGN NA PUC-RIO. COM ORIENTAÇÃO DAS PROFESSORAS SUZANA VALLADARES, PRISCILA ANDRADE, VERA BERNARDES E EVELYN GRUMACH.


UMA PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL , COMPOSTA POR TRÊS LIVRETOS. CADA UM CONTÉM UMA SELEÇÃO DE FOTOGRAFIAS DE TRÊS FOTÓGRAFOS DIFERENTES. OS LIVROS COMPOEM UM TRÍPITICO NA MESMA EMBALAGEM DEVIDO A RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE O TRABALHO DE CADA FOTÓGRAFO, MAS PODEM TAMBÉM, SER ADQUIRIDOS SEPARADAMENTE. E S S A P U B L I C AÇ ÃO A P R E S E N TA O O L H A R D E F OTÓ G R A F O S QUE FAZEM DOS SEUS REGISTROS ANALÓGICOS SUA FORMA DE EXPRESSÃO E APRESENTAM UM NOVO OLHAR, SOBRE UMA NOVA SOCIEDADE. CADA VEZ MAIS INTERCONECTADA, IMEDIATA, QUE NECESSITA CONSUMIR A MAIOR QUANTIDADE POSSÍVEL NO MENOR ESPAÇO DE TEMPO. A PUBLICAÇÃO PROPÕE ENTÃO, QUE SE TOME UM TEMPO PARA APRECIAR, CONTEMPLAR E IMERGIR NA FOTOGRAFIA, E SE DISTANCIAR, POR ALGUM TEMPO, DA CORRERIA DO DIA-A-DIA. ENTÃO SEPARE UM TEMPO PARA IMERGIR.


B RU NO É U M JOV EM F OTÓ G R A F O D O RI O DE JANEIRO. C O MEÇ O U NA F OTO G R A FI A A N A6

LÓG IC A Q UA ND O T INHA MA IS O U M E N O S 16 A NO S . D EPO IS Q U E D ES C O B R IU CO M O É DI FÍC IL AC HA R B O NS LO C A IS PA R A R E V E L A R S UA S F OTO S NO R IO, B R U NO M O N TO U SEU PRÓ PR IO LA B O R ATÓ R IO, E CO M E ÇO U A REV ELA R E ES C A NEA R S EU S FI L M E S . HOJE ELE C O NT RO LA TO D O O PRO CE S S O. [PO R MO RO NO R IO. T U MB LR ]


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“A F O T O G R A F I A E M F I L M E É O U T R A R E L A Ç Ã O . É D I F E R E N T E , É N O S TA L G I C O , É R O M Â N T I C O , É L I N D O , N Ã O T E M E X P L I C A Ç Ã O .” BRU N O

M AC H AD O


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EN TRE VI S TA C OM B RU N O MACHA D O

EXPONDO O PROCESSO

Q UA ND O E C O M O CO M E ÇO U S E U INT ER ES S E P E L A FOTO G RA FI A?

Cara, começou quando eu tinha 15 anos. Meu irmão tinha uma Nikon digital e ai eu começei a usar, ver como funcionava e tal... Fotografando eu comecei a me interessar por fotografia. Eu fiquei com uma menina que tinha uma FM2, que foi minha primeira câmera, e eu me lembro que ela postou umas fotos e eu fiquei “Caramba, que máximo! Fotografia analógica, que legal!” Tava já querendo descobrir como era fotografar, economizei um dinheiro e fui no centro comprar uma FM2 que na época custou 900 reais, toda quebrada, foi um roubo! De um Argentino chamado Dino. Filho da puta! Enfim, e ai começou. No início foi super dificil porque eu fazia um filme a cada três meses, não sabia onde revelar, o que era revelar, o que era scanear, o que era ampliar, não fazia ideia. Gastava bilhões de reais porque na época que você tem 15 anos, 100 reais é um absurdo, muito dinheiro. E ai eu ganhei uma D90 da Nikon que pedi de aniversário pra minha mãe e comecei a estudar na internet mesmo, eu sou bem autodidata nas paradas que eu faço, eu pesquiso muito. Ai eu percebi que talvez eu precisasse me aprofundar, pra poder realmente ter mais controle. Ai comecei com uns 16 anos a fotografar festas, fazia uns eventos, fazia umas fotos minhas, fazia muito skate no início, muito skate! Minha analógica era mais pra viagem. Eu comprei a analógica antes da D90, usava a D40 ou D60 do meu irmão de bobeira, usei por uns 5 meses, comprei a FM2 e logo em seguida ganhei a D90. Ai a FM2 eu casualmente usava ela, uma parada que hoje em dia é completamente irreal pra mim, eu usava ela uma vez a cada três meses, batia três fotos e revelava. Ai vinha a foto com a revelação fudida, foto horrível. Começou assim e ai eu fui me desenvolvendo. Eu optei por ser fotografo quando cheguei aos 18 anos, quando entrei na faculdade de publicidade e me perguntei “O que eu to fazendo aqui? Isso não tem nada a ver comigo” Tava naquela onda de fazer camiseta, achei que ia seguir por ai, e percebi que não. Peguei as aulas de cinema e fiquei apaixonado e falei “Cara, eu tenho que aliar um ao outro”. Eu sempre gostei de fotografar, mas nunca pensei em fotografia como profissão, sempre foi por gostar. E ai as coisas começaram a aparecer e eu optei por dar uma investida em fotografia, fiz alguns cursos no ateliê da imagem, conheci pessoas, comecei a experimentar e com 19 anos de fato eu vesti a camisa, eu sou fotógrafo e quero estudar isso. A partir dai começou.

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HÁ Q UA NTO T EMPO F OTO G R A FA?

Q UA L S UA RE L AÇÃO

Fotográfo há 6 (seis) anos, comecei com quinze anos, mas fotográfo diariamente há um ano. Raramente saio de casa sem uma câmera, o celular facilita um pouco também. Eu faço algumas fotos de celular, por incrível que pareça eu uso bastante, acho incrível. Acho a câmera do Iphone ótima, principalmente pra referência, pra ideia, tipo: passei em um lugar na rua, tive uma ideia, fotográfo aquele local pra depois fazer uma foto ali, uma coisa mais pensada. Uso como uma ferramenta pro meu próprio estudo, eu já tirei boas fotos de Iphone, gosto das fotos que eu faço de Iphone.

CO M A F OTO G RA F I A?

Minha relação com a fotografia é de amor total. Hoje em dia eu fico angustiado se eu saio de casa sem câmera. Eu fotográfo muita coisa ao meu redor, se eu tiver em momentos férteis eu fotográfo três rolos por dia, caso eu saia pra fotografar. Por exemplo, hoje quando eu vou pra faculdade, to com a minha câmera na mochila, sempre! Se eu não to com a analógica, to com a digital, mas em 90% das vezes eu to com a analógica. Pode ter dias que eu não tenha tempo ou que nada na rua me atraia, e tem dias que eu to andando, fotografando pelo próprio

EU CAMINHO CADA DIA MAIS PARA ME PROFISSIONALIZAR EM FILME... EU PRETENDO CRIAR ESSA MARCA, QUE AS PESSOAS ME PROCUREM POR ESSA IDENTIDADE (...) MINHA RELAÇÃO COM A FOTOGRAFIA É DE AMOR TOTAL, HOJE EM DIA EU FICO ANGUSTIADO SE EU SAIO DE CASA SEM CAMERA.

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Eu sou muito a favor do digital, eu uso muito também. Comercialmente eu não conseguiria viver no Rio se eu não fotografasse digital, se eu não tivesse feito um investimento de 8000 reais em uma câmera profissional pra poder fotografar. Mas eu caminho cada dia mais pra me profissionalizar em filme, eu fiz investimentos, comprei scaner, montei meu próprio laboratório e to num processo de poder um dia ser contratado por fotografar em filme. O que eu divulgo no meu portfólio, 90% do que eu produzo e divulgo online é em filme, então eu pretendo criar essa marca, essa identidade, que as pessoas me procurem por essa identidade.

rioetc e tem milhares de cenas, e de certa forma eu me desconecto completamente do trabalho e fico completamente focado pra mim, t i p o “Caramba, essa cena eu não posso perder!” vou lá e fotográfo. Quando vo c ê c ome ça a ter sua ferramenta na mão, conhece sua ferramenta e sabe usar sua ferramenta, funciona como uma extensão do seu corpo. Pra um roterista, ele tem que estar com um bloco e uma caneta na mão, ele sai na rua e nota alguma coisa interessante, ele anota logo em seguida a ideia. Acontece naturalmente, você não precisa buscar uma boa foto, ela aparece, é só você estar pronto ali.


A minha relação com a fotografia é essa: você tá na rua conversando, tomando um café com um amigo [estalo] você vê o quadro. Você vê alguma informação (pode ser que não seja nada), a pessoa que tá do seu lado pode olhar e falar “Que porra é essa que esse cara tá vendo?” ou então pode ser uma coisa incrível. Pra mim é um exercício diário fotografar, se eu tivesse que relacionar minha relação com a fotografia, acho que é viver. É estar na rua, estar conversando, trocar experiências, trocar com as pessoas, trocar com o ambiente, estar atendo. Minha relação é essa. A fotografia em filme é outra relação. Desde que eu comecei, eu s empre tive muito interess e p or película em geral e eu sempre achei que é diferente, você sente diferente, é nostalgico, é romantico, é lindo, não tem explicação. É uma questão de textura, de paleta de cor, de foco, de profundidade de campo. Simplesmente as coisas no digital não funcionam da mesma forma que funcionam na película. É justamente por preferir esteticamente, por ser mais próximo de mim o filme. Porque eu amo o grão. Eu abomino o ruído e eu adoro o grão. Eu fotográfo em digital e coloco o grão, tento fazer o mais próximo do look de filme sempre, meu tratamento sempre procura o analógico simplesmente porque funciona pra mim. É muito pessoal. É gosto. Sei lá, é tipo; você prefere Coca Cola ou água? Eu prefiro água, por isso, isso, isso é isso... E na fotografia também funciona dessa maneira... Eu prefiro filme.

C O MO F O I O Í N I CI O DA S UA EX PER IÊNC IA CO M O FI L M E ?

Esse início foi foda... Porque eu não sabia de nada, demorei muito, demorei uns 3 anos pra realmente mergulhar no filme. Porque era sempre assim, era por hobby. E eu comecei a namorar, e nessa época eu comecei a fotografar bastante em filme, porque eu aprendi a revelar em casa, montei meu próprio laboratório e aí começou. Quando rolou esse click meu fluxo aumentou muito, e até o início desse ano eu tinha um fluxo razoável bom, mas esse ano eu tive o fluxo ideal. Talvez nem seja o ideal ainda, eu quero um dia poder sair e fotografar um rolo de filme por dia. Todo dia, sem exceção. Não ter um dia que eu não faça nada. Realmente tirar nem que seja uma foto por dia, hoje tem dias que eu passo sem fazer isso. Esse ano foi tipo assim, eu gastei 1000 dolares em filme - em Nova York e eu já gastei tudo, não tem mais nada. Estou comprando no Rio porque eu usei muito. Eu lembro que eu comprei duas caixas de 30 metros, que dá 20 filmes cada uma. Tem 40 filmes, 40x36 já dá muita foto. Eu fotografei muito esse ano, muito. Eu tirei seis meses da faculdade e eu me direcionei para fotografia para fotografar de fato. Até porque minha relação com a rua não era como é hoje, eu sempre gostei de fotografar gente e eu tenho muita facilidade de fotografar gente que eu gosto, amigos. Tenho muita facilidade de estar com a camera, tirar um retrato, gosto desses momento ínitmos, sempre fotografei muito isso. Mas agora,

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pela primeira vez, estou tendo dificuldade. Porque [fotografia de] moda e social, você tem controle total, você está entre amigos, entre pessoas que estão abertas a isso. Você na rua não tem, tem que se virar. Se você perde uma foto você fica se remoendo, porque você não teve coragem de falar com a pessoa ou não teve coragem de botar a camera e clicar, na cara da pessoa. Você vê acontecendo na sua frente e você tenta, mas você não... Caralho, eu tenho que fazer um experiência um dia que é ficar muito bebado e sair pra fotograr, porque eu acho que eu vou fotografar tudo, provavelmente eu vou perder 90% menos do que eu perco, porque eu perco muita foto, cara. Por vergonha social, por não querer interromper ou estragar o momento de ninguém. E é preciso ser muito egoísta pra ser fotógrafo de rua, tem que ser foda-se. Você viu, você pega, acabou. Cansei de ver documentário, entrevistas, da pessoa dizendo que já apanhou, que tem gente que vem e posa e começa a pedir para tirar várias fotos e adora... Então depende muito. Quando eu fui pra Nova York, foi o momento que eu me senti mais livre para fazer rua, porque as pessoas estão tão acostumadas com camera que qualquer lugar que você vai as pessoas já estão sendo fotografadas. Tem tantos fotografos de rua, tanto iPhone, tanta vigilancia, tem tudo... É a cidade que está sempre em visão. No Rio a relação é completamente diferente. É uma relação completamente diferente para classe média, mendigo, vendedor. Cada um reage

de uma forma, você não tem como esperar alguma coisa, então você não pode esperar nada. Então você vai lá e clica, você não pode pensar muito. Quando você fotografa moda, quando você fotografa retrato, você tem o tempo pra pensar, quando você tá na rua você não tem, você tem que fotografar com o saco mesmo, com teu estômago, sacou? Você simplesmente sentiu, vai e fotografa. Não pode se preocupar com foco, não pode se preocupar com fotometragem. Depois você vê o que saiu, acho que é muito mais esse processo de você não perder o momento. E H OJ E S E U TRA BA L H O É RUA?

Não, não. Meu trabalho, que me sustenta, é moda. Eu sou empregado, vivo com salário de estagiário e meus freelas, que é o que realmente me paga bem. Porque salário de estagiário é normal. Só que como eu estagio na rua, eu to sempre com a minha camera, o que facilita muito. Normalmente eu saio pelo Rio etc por Ipanema ou Gávea. Mas por exemplo, se eu quisesse fazer alguma coisa mais densa de rua, eu poderia ir pra Rocinha, Guaratiba... Algum lugar que não seja tão familiar pra mim. Por ser familiar é bom porque você tem um conforto, mas você se acostuma também, é comodismo. Eu acabo fazendo muita coisa no Rio por comodismo, então quando eu fico mais fértil é quando eu to viajando, quando você não conhece nada, não conhece ninguém, não tem nada a perder, tudo pra você é novidade, a língua é nova, o país é novo, as ruas são novas, as pessoas


são novas, então sua relação muda muito. Quando eu viajo eu fico muito fértil, eu fotografo muito mais quando eu viajo. Pode ser uma viagem pra Paraty, pode ser uma viagem pra Blangadesh, vai ser diferente.

muito a sua sorte, e simplesmente estar com a sua camera na mão e estar atento. As vezes você está com a camera na mochila, acontece alguma coisa e quando você vê, você já perdeu.

PRA MIM O FILME É ESSE EXERCÍCIO DE ME DESCONECTAR UM POUCO, DE ME FAZER PENSAR SOBRE ESSE IMEDIATISMO... VOCÊ FOTOGRAFAR, IMAGINAR E ROMANTIZAR O QUE VOCÊ FEZ É UMA RELAÇÃO COMPLETAMENTE DIFERENTE. Aqui no Rio normalmente eu procuro sair pra pegar uma luz melhor, quando eu to num momento mais comodo, não tem nada de tão extraordinário acontecendo na rua. Mas cara, todo dia acontece uma coisa extraordinária. Todo dia. Você pode estar em qualquer lugar, vai acontecer. É só você estar na rua, você vai perceber que é simplesmente estar atento, vai acontecer. Você pode andar no lugar mais sem graça do mundo ou você pode estar numa festa de alta sociedade e vai aparecer alguma cena incrível, que se você tira a foto, você vai ter um ótima foto. Acho que é você simplesmente estar com a sua camera e disposto a fotografar atento, que as coisas vão acontecer. Você pode criar. Claro, você criar seus momentos, se você está sempre com a camera você aumenta muito mais a sua sorte. Você busca sua sorte. Eu acredito muito em sorte...”Caraca, que sorte! Isso aconteceu na minha frente. Eu poderia estar um esquina atrás e poderia ter perdido isso, mas só aconteceu porque eu estava lá.” Então, você cria, cada vez mais você percebe que você pode aumentar

O Q U E T E MOTI VO U A CO N TI N UA R F OTO G R A FA N DO E M F I L M E ?

A questão do filme é exatamente essa que a gente está falando. Hoje em dia eu fotografo com filme constantemente. É muito difícil pra mim, a gente nasceu numa geração imediatísta pra caralho. Eu sou muito imediatista, com o próprio filme, eu sou muito inquieto. Fico com uma ansiedade do caralho, mas é uma ansiedade muito boa. Eu estou querendo começar a fazer uns experimentos de deixar meus filmes marinarem um pouco. Quando eu comprar um estoque grande de filme, eu vou comprar colorido e preto e branco. Vamos supor que o preto e branco eu deixe ele marinar por um mês, dois meses, três meses. Porque eu acredito, que quanto maior a distância que você tem do seu resultado, maIs frio você pode ser pra análise das suas fotos. Se você fotografa agora, você seleciona 15 fotos e você fala “caramba, eu tenho 15 fotões”, mas você vai olhar daqui a seis meses e vai falar “que merda, porque eu selecionei essas fotos?” e se você olhar

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mais uma vez seu arquivo, você vai perceber que essas 15 tenham sido as piores, com uma outra ótica no futuro, você vai olhar e vai falar “eu selecionei mal”. E uma das coisas mais importantes pra um fotógrafo, é saber selecionar, editar, o que você tem. Mostrar o mínimo possível e o melhor.

CERTAS FOTOS QUE VOCÊ NÃO DÁ NADA, FOTOGRAFOU DESPRETENCIOSAMENTE, ESQUECEU COMPLETMENTE QUE ELA EXISTIA, E QUANDO VOCÊ OLHA VOCÊ PERCEBE QUE TEM UMA COISA ESQUISITA, MISTERIOSA, INTERESSANTE ALÍ, É UMA COISA MUITO DIFERENTE.

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Então se eu estou apaixonado p or uma menina, p or exemplo, faço uma foto dessa menina e eu estou completamente ligado emocionalmente com essa foto. Sendo que se você parar para analisar friamente você provavelmente vai perceber que ela não é uma grande foto, ou é, que seja. Mas a tendência é você ficar muito “Caramba, que fotão, que incrível.” Eu estava muito feliz nesse momento e é uma ligação muito emocional e se você percebe friamente talvez não seja uma foto tão incrível. Então pra mim o filme é esse exercício de me desconectar um pouco, de me fazer pensar sobre essa imediatismo. Porque a gente é a geração digital, da internet, do agora... Então você fotografar e imaginar e romantizar o que você fez é uma relação completamente diferente. Você cria uma ligação emocional com a fotografia que você fez.

O Q UE T E E N CA N TO U N E S SA E X P E RI Ê N CI A?

Fotografar em filme pra mim funciona como uma forma de terapia, de me acalmar um pouco, de me fazer ter menos expectativas, ou me fazer lidar com as expectativas. Porque mesmo que eu revele no mesmo dia, ainda tem o tempo de secar o negativo, pra você escanear, pra então no computador você ver. Ou então pra você ampliar pra então você poder ver o que você realmente criou. Porque pelo negativo você consegue ter uma breve noção. Você consegue ver o que é uma boa foto, um contraste, o foco. Mas você nunca entende a foto por inteiro. Você só vai perceber a real sensação que a foto te dá quando você digitaliza ou amplia, que você vê ela realmente em positivo. Enfim, funciona pra mim como uma forma de relaxamento,de ficar sozinho no escuro, no processo, ouvindo música, isolado, pensando no que você fotografou. Olhar e ver o que você errou. E não ser uma coisa, selecionei isso, isso e isso e nunca mais vou ver esses arquivos. Uma coisa que você tem que lidar, você tem que escanear tudo pra poder ver o resultado, então é diferente. Q UA I S A S DI F E RE N ÇA S P RA VO CÊ DA F OTO G RA F I A DI G I TA L E A N A LÓ G I CA?

As vezes, certas fotos que você não dá nada, fotografou despretenciosamente, esqueceu completmente que ela existia, e quando você olha você percebe que tem uma coisa esquisita, misteriosa, interessante alí, é uma


coisa muito diferente. É muito diferente do digital que você fotografou e já tem na mão, você já sabe o que tem, entendeu? Você não saber, é como se fosse flertar com alguém. Como se fosse aquele frio na barriga que você tem de beijar alguém. Você não tem certeza se a pessoa quer, se não quer... Tem um mistério no ar, você não sabe o que vai acontecer e quando acontece é melhor do que você esperava. É exatamente isso. E ai você fica apaixonado, a relação [com a fotografia em filme] é muito mais emocional. Você entra muito mais, é isso que me motiva a fotografar em filme. Além, óbvio, de esteticamente me agradar mais. Você é mais purista [na fotografia analógica], não tem manipulação, não tem treta. Claro, tem Photoshop sim, você pode corrigir alguma coisa, mas eu não uso, eu fotografo e é o que eu fotografei, no máximo eu dou um crop. Então é outra relação, não é uma parada que você tem um resultado, e você modifica de acordo com o que você quer. Você tem esse resultado e você precisa lidar com isso, gostando ou não é isso que você tem. Você não tem como fazer milagre “Caramba, essa foto aqui está uma merda... Mas se você puxar a exposição aqui, o contraste e a saturação, tirar esses erros aqui na pele da pessoa... Uau!”, não é isso. É ISSO, essa é a foto. É muito diferente, posso ficar horas falando sobre isso, das minhas impressões sobre fotografar em filme, sobre a espera, sobre a resposta que o filme te dá. Você aprende mais com seus erros, porque você não tem essa gama pra errar... Errou, errou.

Não tem como botar nitidez, colocar um objeto fora de foco em foco, ou desfocar o fundo, muito mais direto. Gosto pra caramba. Q UA IS SÃO SUA S F OTO S O U S ÉR IES PR EF E RI DA S ?

Das minhas próprias fotos? Difícil, eu não tenho muitas séries prontas. U M MO MENTO Q UE VO CÊ F OTO G R A F O U Q UE FO I B O M , Q UE VO C Ê T EM U M A B OA L E M B RA N ÇA . . .

Milhares, milhares. Desde foto da minha família em almoço, jantar, reuniões, em momentos que você fica emocionado. Vou contar algumas histórias emocionais de fotografia então. Por exemplo, esse ano eu comecei a trabalhar no Rio etc, e a história não envolve diretamente fotos minhas.. Trabalho lá um ano e além dos fotógrafos que trabalham lá, tem os jornalistas. E as jornalistas que trabalham lá, lidam diariamente com imagem diariamente, porque o site é formado por fotógrafos, então nosso chefe e todos os outros são fotógrafos. Todo mundo fala de fotografia, todo mundo consome fotografia, vai a exposição, vê filme. A relação que elas tem com fotografia é muito próxima, só que elas nunca fotografam. Então o que a gente fez... Eu e a Juliana compramos uma camera analógica na praça XV e deu pra uma menina que trabalha com a gente. Quando a gente entregou a camera pra ela, ela começou a chorar. Ficou emocionada, achou o máximo, e ela começou a ter esse processo de fotografar pra ela - e é o melhor processo possível,

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fotografar pra si mesmo, sem pressão nenhum, ser um diário. Uma coisa que ela leva na bolsa, que ela leva pra viagem, pra encontros de família. - E a menina a fotografar e está apaixonada por fotografia, e por fotografia analógica, o que é mais legal. Porque todo o processo dela é de aprender sozinha, com os erros dela, dela estudar por ela mesma. O pessoal do escritório compra filme e da filme pra todo mundo. Ai levo as meninas comigo no velhinho que conserta [cameras] em Copacabana e conversa com ele. É uma coisa muito mais pessoal. Não é impessoal, que você vê na internet e acaba alí. Sei lá, é uma coisa muito mais emocional, tem muito mais por trás disso. Enfim, a menina chorou, cara! Foi emocionante pra caramba, eu fiquei emocionado, comecei a chorar, fiquei com o olho cheio de lágrima, porque eu nunca esperei que ela fosse gostar tanto desse presente e ela está usando sem parar... Já revelou seis filme, tá fotografando direto pra ela, postando no instagram [as fotos analógicas], amarradona! Me manda as fotos que ela tira, é uma troca muito legal. E eu penso assim “Caramba, eu iniciei uma pessoa numa parada”, e é muito foda você poder ajudar e trocar e é isso que eu vejo, que é muito maneiro na comunidade analógica. As pessoas estão muito mais abertar a ajudar e a trocar do que no digital, que tem muito mais concorrência de trabalho. Como o processo não é mais o corriqueiro, as pessoas tendem a se ajudar, porque elas querem manter

vivo esse movimento. É uma coisa muito além do seu próprio trabalho, é um processo de manter o processo o máximo que você puder, porque, enfim, [tem] crise, falência da kodak e por ai vai. E aí os jovens estão revolucionando o mercado, acabaram de comprar a Ilford, que a maior produtora de filme preto e branco, porque está crescendo o mercado [fotográfico] de jovens. Porque as pessoas estão entediadas da fotografia digital, das possibilidades da fotografia digital, e estão voltando ao passado pra poder recriar, sacou? Então a comunidade analógica se organiza e troca e tá disposta a disposta a aprender e a ensinar muito mais aberta do que a comunidade digital. Muito mais! Muito mais. Comunidades na internet, - a internet ajudou a propagar e a divulgar isso - videos sem parar, tutoriais, tudo. Ensinam tudo. Os caras ensinam a fazer laboratório em casa, o que comprar, onde comprar. Grupos com 50mil, 100mil fotógrafos analógicos no Brasil, uma parada que é surreal, você entra e tem gente vendendo, comprando, trocando informação, que químico usar, quanto tempo, qual a temperatura, porque, qual resultado, que scanner, papel... “Ah to dando workshop”, enfim. É muito foda, é uma rede de troca muito incrível, e a troca no analógico é muito mais duradoura, muito mais profunda. Você entra muito mais no processo da outra pessoa, no trabalho da outra pessoa. Você entende muito mais... Você olha um contato e você vê o caminho que a pessoa teve pra


chegar nas fotos, o caminho que a pessoa percorreu, o que ela fez, porque ela pensou assim. Na verdade é que no analógico, cada foto tem uma história por trás, tem uma coisa mais especial, não é uma coisa do tipo; sair clicando igual uma metraladora, é tipo sniper. Cara e é muito legal, esse foi um processo muito legal [do presente a jornalista]. E aconteceu esse ano, e tem vários. Por exemplo, a Juliana... A Juliana fotografa em digital, trabalhava pra caramba, fazia só o suficiente pra sobreviver e estava há

vez a foto e a reação da pessoa que está vendo a foto da pessoa pela primeira vez. Você não fica “cadê, cadê, quero ver!” Você fica “Caraca, olha essa foto! Essa aqui funcionou... Po, essa aqui tá uma merda”. É muito mais ínitimo, intimista. Me deixa muito feliz falar sobre isso, e viver isso. Eu vivi muito parada foda, muitas pessoas que me ajudaram muito, muitas pessoas que eu ajudei. Minha relação com fotografia é, sei lá... Eu me aproximo das pessoas, as pessoas me emocionam mais, eu estou mais aberto pra isso, sabe?

COMO O PROCESSO NÃO É MAIS O CORRIQUEIRO, AS PESSOAS TENDEM A SE AJUDAR, PORQUE ELAS QUEREM MANTER VIVO ESSE MOVIMENTO (...) ISSO QUE É BACANA, PORQUE [O FILME] EXIGE UMA PROXIMIDADE FÍSICA, DE VOCÊ SENTAR... É MUITO MAIS INTIMO, INTIMISTA. ME DEIXA MUITO FELIZ FALAR SOBRE ISSO, E VIVER ISSO. muito tempo se fazer coisa autoral. Fez um trabalho autoral incrível de iPhone e aí parou. Ficou 6 meses sem fazer nada, e aí eu entrei no escritório e ensinei ela a revelar, e a menian fez uma exposição com as fotos que a gente fotografou juntos e revelou aqui [em casa]. Mais um processo foda, de sentimento de comunidade eé muito bom, você poder ajudar, e você poder aprender também, porque ela me ensinou muito. Então tem uma troca muito maior do que no digital. Isso que é bacana, porque [o filme] exige uma proximidade física, de você sentar... Ir lá, preparar os químicos, os dois juntos no escuro e revelar. E conversar sobre isso, e falar “Caramba”, e ver pela primeira

Eu tenho muitas fotos especiais. Eu faço muita foto de mulher... E normalmente eu me conecto muito com as mulheres. Eu despertei um lado feminino meu que eu não conhecia... através fotografia. De uma compreensão maior do feminino, e de me conectar com as pessoas sem dizer um “oi”. Muito doido isso... As vezes você fotografa uma pessoa na rua, ai você olha no olho dela e você percebe. Tem um click, acontece alguma coisa. Acontece uma conexão maior do que você pode entender... A gente se comunicou de alguma forma. Ela percebe sua intenção, você percebe a intensão dela... Vocês viram que você conseguiu captar aquilo e ela conseguiu

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transmitir. Troca de olhares. E acabou. Vida que segue.

É REALMENTE UMA FERRAMENTA DE CONEXÃO. ISSO É O MAIS INCRÍVEL, PORQUE VOCÊ SE CONECTA COM MUITA GENTE ...

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A fotografia pra mim sempre foi muito emocional. Gosto muito de trocar com as pessoas que eu fotografo, de saber quem são, conhecer é muito bom. Por exemplo, a serie que eu fiz - a única que eu fiz - e gosto bastante é a “Salgado”, eu fiz em digital por conta do fluxo mas eu fiz em analógico também pra mim. Mas o que eu expus foi digital, porque eu precisava entregar foto diariamente. 15 fotos por dia, então eu tive que fotografar em digital. Mas foi um processo assim; eu tinha acabado de ficar com a Rafaela [a modelo], eu mal conhecia ela, e a gente mergulhou num relacionamento, quase namorou, conheço ela que nem a palma da minha mão. Ela me ajudou muito, foi uma troca incrível, ela se sentiu de uma forma que nunca tinha se sentido. Eu me senti de uma forma que eu nunca tinha me sentido. É outra relação... Fotografar permite isso a você. É uma imersão. A única série que eu tenho é a Salgado. Tem fotos que se comunicam de alguma forma, que poderia até fazer alguma série, mas eu ainda não fiz. Eu quero fazer, ir pra Amazônia, ir pra França, ou ir pra algum país incrível que eu tenha curiosidade, ou pra algum estado do Brasil e documentar uma tribo, fazer fotografia antropológica... O que quer que seja.

Começar uma serie não necessariamente sobre gente... O que for. Eu vou fazer isso ainda! É um processo dificil pra caralho fotografar série. Porque no fluxo que eu vivo não dá... Eu ainda não me formei, eu não recebo pra fazer isso ainda. Então eu tenho que ter um nome, por que né? Quem vai me bancar uma série? Ou então eu vou ter que me jogar com meus próprios custos e ir. Mas eu trabalho, eu estudo, então não dá. Num momento que eu estiver livre talvez dê para fazer isso. Claro dá pra fazer algumas série aqui no Rio, eu vou fazer com certeza. É o que mais te desafia mesmo... Você ter que fotografar coisas que comuniquem o que você está pensando e criar em cima de um tema ou de uma coisa específica... Sobre fotos que eu gosto... Tem fotos de relacionamentos que eu tive, fotos da minha família que me emocionam, que foram momentos especiais da minha vida, momentos que me fizeram muito feliz fotografando, momentos que a fotografia fez meu dia feliz. É realmente uma ferramenta de conexão. Isso é o mais incrível, porque você realmente se conecta com muita gente, muita gente. Conheci muita gente por causa da fotografia, sou muito grato a isso. Tenho muitos amigos hoje por conta da fotografia... Pessoas que me ensinaram muito, pessoas que eu ensinei. Relações que foram duradouras pra mim, que vem sendo e espero que seja pra sempre. Isso também me proporcionou momentos incríveis. --


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P. 4 - S E M T Í T U L O , 2015

P. 8 - S U E Ñ O S , 2015

P. 1 0 - S I L Ê N C I O , 2014

P. 1 2 - S E M T Í T U L O , 2015

P. 1 4 - S E M T Í T U L O , 2015

P. 1 5 - S E M T Í T U L O , 2015

P. 1 6 - F R O M T H E A R C H I V E S NYC, 2015

P. 1 7 - F R O M T H E A R C H I V E S NYC, 2015

P. 1 8 - N O V A I O R Q U E NYC, 2015

P. 1 9 - S E M T Í T U L O NYC, 2015

P. 2 0 - F R O M T H E A R C H I V E S NYC, 2015

P. 2 2 - S E M T Í T U L O , 2015

C O N TA X G 2 , K O D A K T M A X 4 0 0 @ 1 6 0 0

C O N TA X G 2 , K O D A K T R I -X 4 0 0 @ 3 2 0 0


P. 2 4 - S E M T Í T U L O , 2015

P. 2 6 - R A S T R O S , 2015

P. 2 8 - S E M T Í T U L O , 2015

P E N TA X 6 7 , K O D A K T R I -X

P. 3 1 - L A P A , 2015

P. 3 2 - S E M T Í T U L O , 2015

P. 3 3 - S E M T Í T U L O , 2015

P. 3 4 - S E M T Í T U L O , 2015

P. 3 5 - S E M T Í T U L O , 2015

P. 3 6 - S E M T Í T U L O , 2015

P. 3 7 - S E M T Í T U L O , 2015

P. 3 8 - P R A Ç A X V , 2015

P. 3 9 - S E M T Í T U L O , 2015




MIOLO: OFFSET 120g/m 2 CAPA: COUCHE FOSCO 300g/m 2 GRテ:ICA: AP EDITORA EM 2015 TIPOGRAFIAS: DIN NEXT LT PRO E ALEO



GRÃO - ED. 1 :

BRUNO MACHADO GABRIEL KLEIN R E N AT O G A LVÃ O


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