2010 - Ano 6, nº 28 - R$ 6,90
ISSN 1806-0145
www.vidaeducacao.com.br
NOVAS ESCOLAS PARA UM NOVO ENEM PEDRO DEMO DEBATE A SUPERAÇÃO DO VESTIBULAR P.32
SOCIOLOGIA
ENTREVISTA
AVALIAÇÃO
Após seis edições, voltamos ao tema: quais os atuais desafios da disciplina? P.14
Casemiro Campos, pesquisador em gestão escolar e avaliação, expõe as novas perspectivas da educação no país. P.23
Compreenda seus aspectos: função, objetivos e impactos na aprendizagem. P.17
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VIDA E EDUCAÇÃO | 1
EDITORIAL EDITORIAL
Compromisso de adulto e sabedoria de criança: um modelo de transformação
Neste editorial, falaremos de educação. Mas não da encerrada nos livros acadêmicos ou na literatura para jovens e adultos. Discorreremos sobre a que não se encontra nos livros ou que, na mais correta das hipóteses, está nos infantis. O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, O Menino do Dedo Verde, de Maurice Druon, Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol: todos estes ditos livros para crianças são, como alerta Antoine, “urgentíssimos para gente grande”, ignorantes da sabedoria dos pequenos, verdadeiros libertos da normose da correria, da burocracia obesa e das aparências. Em O Pequeno Príncipe e O Menino do Dedo Verde, os protagonistas sugerem a falência do ensino regular, que, na primeira obra, estimula a observância rígida das disciplinas em detrimento da arte, e, na segunda, revela-se completamente inapta a educar o pequeno jardineiro. Maurice Druon, com sua lógica infantil, critica ainda a decadência de outras tantas instituições como os sistemas de saúde e penitenciário, além da política. Saint-Exupéry, por sua vez, atenta para o perigo dos baobás: árvores tão altas, robustas e espaçosas que, com suas ambiciosas raízes, são capazes de destruir, de cor-rom-per o mundo. “Quando a gente acaba a toalete da manhã, começa a fazer com cuidado
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a toalete do planeta”, diz o sábio principezinho. Já Alice é pois uma viagem de conhecimento de si e dos outros. Na trama, ninguém é completamente bom ou ruim, nem mesmo Alice. Do livro, uma frase proferida por um reles gato louco cabe bem a este editorial: “para quem não sabe aonde quer ir, qualquer lugar serve”. O mergulho nestes textos nos é necessário para pensarmos sobre que mundo queremos. Em nosso país, é possível dizer que um novo horizonte educacional se estende diante de nossos olhos, embaçados do uso das mesmas foscas lentes para enxergar os paradigmas do ensino-aprendizagem. A derrocada dos vestibulares, cursinhos e “bizus”, sugerida pela implantação do novo Enem, pode instaurar uma nova educação que não necessariamente está nos livros e que, cada vez mais, se apresenta como realmente relevante para a construção de cidadãos do mundo. Nossas crianças estão indo à escola para ter o que comer; estão sendo abandonadas por pais letrados e abastados, mas ignorantes de caráter; muitas delas, estão, com sua má criação, extenuando professores, exauridos ainda pela carga horária cruel e mal paga. Estão sofrendo as conseqüências de um recuso que existe, mas não chega. Escolas vazias, prisões lotadas. Quem não conhece esta
expressão, este cenário? E quem trabalha efetivamente para a transformação dele? Este problema é nosso. Por este motivo, continuamos a fazer nossa parte, levando a você não apenas artigos sobre educação escritos por colaboradores, mas estudos e pensamentos de lutadores, que como nós esperam fazer o seu possível pela aprendizagem. Nesses tempos de Conae, de Enem, de mais 10 anos de metas em um novo PNE (que sequer cumpriu metade dos objetivos propostos para a última década), esperamos apenas a construção de uma política educacional que, diferentemente de Alice, saiba exatamente onde quer chegar – e chegue. Importante é salientar que, aprendendo com os ensinamentos infantis, ainda cremos em meninos do dedo verde implementando reformas nas instituições nacionais e em príncipes extratores de baobás, que lancem fora daninhas e corruptas raízes tão imbricadas nesta nação, e acreditamos pelo simples fato de que é preciso ter esperança, aquela de Freire, construtiva, proativa e infante. Vamos juntos,
Sandra Lima Röhl Editora Brasil Tropical
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NESTA EDIÇÃO
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ESPORTE E EDUCAÇÃO
Copa do Mundo em 2014, Olimpíadas em 2016. O País inteiro volta-se ao esporte e com isto emerge a possibilidade de inovar os planos de aula. Descubra como atrair a atenção dos estudantes, utilizando o esporte na exposição dos conteúdos de diversas disciplinas.
12 DISLEXIA
O distúrbio da linguagem e da escrita, conhecido por dislexia, é, muitas vezes, interpretado como falta de interesse ou ainda de capacidade. Neste artigo, as autoras desfazem mitos acerca do conceito e apresentam formas de auxílio à criança disléxica, que não deve, de forma alguma, ser estereotipada.
14 SOCIOLOGIA NAS
17 AVALIAÇÃO E
APRENDIZAGEM
Quais as estratégias para uma eficiente reforma nos métodos de avaliação? A principio, é preciso conhecê-la, para então questioná-la. Em uma abrangente apresentação do conceito e das funções da aplicação de provas, a autora discute antigas e novas metodologias, auxiliando professores e gestores a promover transformações em seus ambientes de aprendizagem.
38 UM CONTO SOBRE
INCLUSÃOUNIVERSIDADES
Paulo Freire aponta a existência de três níveis de consciência: a ingênua, a transitiva e a crítica. Com a ajuda da educação libertadora, segundo ele, conquistaríamos o senso crítico e a autonomia, diferentemente do que acontece no “modelo bancário de educação”, em que o estudante é incapaz de perceber a dominação à qual está submetido. É sobre ato de conscientizar dentro da escola, que trata o artigo do professor Dr. Marco Aurélio Ribeiro.
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N°28
ESCOLAS
Desde a regulamentação da obrigatoriedade do ensino de sociologia e de filosofia nas escolas, a revista Vida e Educação vem pautando a construção dessas disciplinas. Dois anos depois da lei 11.684, retomamos o debate, procurando identificar os principais desafios ainda enfrentados na consolidação de uma educação sociológica adequada ao Ensino Médio.
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AINDA NESTA EDIÇÃO 3 Editorial 8 Educação em Notícias 23 Entrevista 27 Publicações 32 Reportagem 44 Crônica
COLABORADORES Danyelle Nilin Gonçalves Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora do Departamento de Ciências Sociais, e pesquisadora do Laboratório de Estudos de Política e Cultura, ambos da UFC. <danynilin@yahoo. com.br> Diretora: Sandra Lima Röhl Diretor de redação: Peter Röhl (in memorian) Jornalista responsável: Mayara Carol Araújo Estagiária de Jornalismo: Bárbara Guerra Repórter: Jack de Carvalho Assistente de redação: Bárbara Guerra Projeto gráfico e edição de arte: Norton Falcão Email da redação: vidaeducacao@gmail.com CONSELHO EDITORIAL Ana Maria Iorio Dias (UFC), Betânia Leite Ramalho (UFRN), Casemiro de Medeiros Campos (UFC), Clermont Gauthier (Université Laval, Canadá), Josefa Jackeline Rabelo (UFC), Júlio César Araújo (UFC), Luís Távora Furtado Ribeiro (UFC), Marco Aurélio de Patrício Ribeiro (Iesc), Maria de Jesus Araújo Ribeiro (Mieib), Messias Dieib (UFC e Uern) e Sandra Leite (Undime-CE)
ASSINATURA E DISTRIBUIÇÃO Preço de assinatura anual no Brasil: R$ 39,90, para seis edições (bimestrais). Edições anteriores: R$ 6,90 Venda em banca no estado do Ceará, Piauí e Maranhão. Distribuição nacional para: assinantes, colaboradores, pesquisadores, gestores educacionais, Instituições do terceiro setor, ministérios da educação, cultura e meio ambiente. Tiragem: 5.000 exemplares PUBLICIDADE Elpidio Júnior Fone: +55 (85) 3214.6971 ATENDIMENTO AO ASSINANTE Email: brasiltropicalfor@terra.com.br Telefone: +55 (85) 3214.6971 Sugestões ou Críticas Email: redação@vidaeducacao.com.br brasiltropicalfor@terra.com.br Rua Xavier de Oliveira, 36 60.455-660 – Fortaleza – CE Telefone/fax : +55 (85) 3214.6971 Fotolito, impressão e acabamento Expressão gráfica
Rosemary de Oliveira Almeida Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professora do Curso de Ciências Sociais e do Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade (MAPPS), da Universidade Estadual do Ceará (UECE). <rosemary.almeida@uol.com.br>
Pedro Demo PhD em Sociologia pela Universidade de Saarbrücken, Alemanha, e pós-doutor pela University of California at Los Angeles (UCLA). Atualmente, é Professor Titular Aposentado e Professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB), Departamento de Sociologia. <pedrodemo@gmail.com> Terezinha Teixeira Joca Mestre em Psicologia pela Universidade de Fortaleza. Diretora do Núcleo de Atenção à Vida – NAVIDA, com atendimento em Psicologia Clínica e Psicopedagogia. Há 28 anos ministra palestras sobre Educação Inclusiva e Psicologia Educacional. <terezinhajoca@hotmail. com> Érika Bataglia Pesquisadora, Palestrante e Escritora, Mestranda em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), especialista em Psicopedagogia pela Faculdade Christus, licenciada em Filosofia com Habilitação em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). erikabataglia@hotmail.com Maria Rosemary Cardoso Herculano Pedagoga com Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional, pela Universidade Vale do Acaraú. Concludente do Curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza e bolsista administrativa do Programa de Apoio Psicopedagógico.<cardoso_herculano@yahoo. com.br>
A Revista Vida e Educação é uma publicação bimestral da Editora Brasil Tropical Ltda, que mantém todos os direitos reservados. As matérias divulgadas neste veículo não expressam necessariamente a opinião da revista. A publicação se reserva o direito de adequar os artigos. ISSN 1806-0145
Ciro Câmara Jornalista especializado em esportes e editor-adjunto do Núcleo de Cotidiano do jornal O POVO. < cirocamara@gmail.com>
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Paulo Afonso Ronca Doutor em Psicologia Educacional pela UNICAMP e escritor. Trabalha há 40 anos, em São Paulo, no Instituto Esplan, onde atende pessoas que necessitam de atendimento especial na dimensão cognitiva, psicológica e social. <pronca@esplan.combr>
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ovos n r e v l o senv . e d é s e r leito ossa cidade e d o ã rpo ç a n m a r d ada do co o u o n i f t ti o n r o a c u o r t maçã formaçã e de For es e nos e a fo u s l lu e a Garantai gens para o fu r a s l la u o e c s s r e lliiotecas E sttuudantes, professo m. tura entr l de Biib i it b e l le n a o d s o t i pa ita it le per iva o háb a Munici ntiv s no qua ue necess e nce de q istem a iin nfor maçõ iin r mações e Fortalleez so é o SIMBE, S iisstema de iin o d f a n r u t tu s i a e f , e is Pr um s lo dis nomia Exemplo acesso a de e auto a o d r e te t e i b i m l li docente. r e p om ores, que escola buscam, c tale eza. de Leitto a od iio de For l o a p r a u t i e e d f e s a Pr onai prossiio idadaniiaa d e cid d a l u a a Maiiss um
EDUCAÇÃO EM NOTÍCIAS
Os desafios antigos e novos do PNE As deliberações da Conae e a regulação do ensino privado A Conae, Conferência Nacional de Educação, encerrada neste mês de abril, mobilizou mais de 450 mil pessoas, consagrando-se como um dos mais vigorosos processos de proposição democrática de políticas públicas da história do Brasil. Os conferencistas determinaram como prioridade a necessidade do Brasil implementar urgentemente o Sistema Nacional Articulado de Educação (SNAE). Este, antes mesmo da Conae, já tinha sido alçado à matéria de interesse constitucional pela nova redação do Art. 214 da Constituição Federal/1988, determinada pela Emenda Constitucional 59/2009. Entre tantos pontos importantes, foi reiterada a urgência no estabelecimento de uma política de remuneração e de carreira digna e atrativa aos profissionais da educação, a implantação do Custo Aluno-Qualidade como estratégia equitativa e reparadora
ao financiamento educacional público, a efetivação dos gestores públicos da educação como gestores dos recursos do setor, a vinculação de 10% do PIB às políticas públicas educacionais até 2014, o aperfeiçoamento das ações de avaliação da qualidade educacional e a institucionalização do Fórum Nacional de Educação. Aprovou-se ainda a reserva de 50% das vagas nas universidades públicas para alunos egressos de escolas públicas, sendo respeitada a proporção de negros e indígenas em cada ente federado, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Também foi sugerida a destinação de 50% dos recursos obtidos a partir da extração do petróleo da camada pré-sal para a educação. Destes, 30% ficariam com a União para investimento em educação profissional e superior e 70%, com estados e municípios para aplicação na educação básica. O fortalecimento da regulação sobre a iniciativa privada na educação foi uma das propostas mais próximas da una-
nimidade na Conferência; especialmente, mas não exclusivamente, no âmbito do Ensino Superior. O acerto da medida está comprovado pelos recentes esforços empreendidos pelo Ministério da Educação na última quinzena, que acabou por advertir e até mesmo fechar cursos (principalmente de medicina), faculdades e universidades privadas que não atendem a critérios mínimos de qualidade. As propostas foram votadas em seis reuniões de eixos temáticos, na terça (30/03) e na quarta-feira (31/03), e na plenária geral, na quinta, dia 1 de abril. O texto aprovado nesta plenária servirá como base para a elaboração de políticas educacionais, especialmente do Plano Nacional de Educação (PNE). O documento começou a ser construído nos debates realizados em 27 conferências estaduais e 1,5 mil municipais, no ano passado. Na Conae, os 2,5 mil delegados de todo o país foram responsáveis por propor e aprovar modificações ao texto.
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O Plano Nacional de Educação – PNE é o documento referencial do sistema educacional brasileiro, é composto de diagnóstico da realidade educacional brasileira, diretrizes e metas a ser executadas pela União, estados e municípios, em especial nos níveis da educação infantil, ensino fundamental, ensino médio (regular e educação profissional técnica de nível médio), educação superior, educação de jovens e adultos (EJA), educação especial e educação indígena. O PNE que está hoje em vigência foi instituído em janeiro de 2001, pela Lei nº 10.172, e deve encerrar ao final deste ano. Para a construção do novo PNE, o Legislativo brasileiro espera uma ampla mobilização, convocando para debates nacionais e regionais os diferentes atores da sociedade civil organizada. “É preciso agir logo, e coordenadamente, num esforço conjunto da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. A responsabilidade é de todos os entes federados, segundo o regime de colaboração estabelecido pela própria
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Constituição Federal”, afirma a presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, deputada Maria do Rosário. Entre os desafios, estão extinguir o analfabetismo; ampliar o investimento em educação pública, atingindo 10% do PIB até 2014; valorizar os profissionais da educação; implantar a escola de tempo integral na educação básica; universalizar o atendimento público e gratuito da pré-escola, ensino fundamental de nove anos e ensino médio; democratizar a oferta de vagas no ensino superior; expandir a educação profissional; garantir oportunidades para estudantes com deficiência, indígenas, afrodescendentes e povos do campo; implantar o Sistema Nacional de Educação, em regime de colaboração entre União, estados e municípios; e estabelecer padrões de qualidade para cada modalidade de educação. A principal cobrança feita pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) foi para que o novo PNE traga instrumentos para punir os agentes públicos que não cumprirem os compromissos firmados. “A lei deve ser mais que um con-
junto de objetivos e metas. É preciso encontrar mecanismos que obriguem e deem prazos para que municípios, estados e a União cumpram as regras”, diz César Callegari, presidente da Câmara de Educação Básica do CNE. O pedido foi reforçado pelo secretário executivo adjunto do MEC, Francisco das Chagas, que assumiu que o atual plano, em vigor desde 2001, anda meio esquecido. O MEC pretende enviar o projeto de lei do plano ao Congresso ainda neste semestre, para que seja aprovado até o fim de 2010. Da Conae, devem ser incorporadas propostas como diretrizes para planos municipais e estaduais de educação, padrões de investimento por aluno e regulamentação de um sistema nacional articulado. O documento final com os resultados ainda não está disponível. Para monitorar os encaminhamentos e garantir que as propostas se transformem em políticas públicas, foi aprovada a criação do Fórum Nacional de Educação, que refletirá a composição da comissão organizadora da Conae.
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ESPORTE
O mundo da bola: aprimorando as aulas através do esporte Jornalista Ciro Câmara
A Copa do Mundo em 2014 e as Olimpiadas em 2016 podem se tornar ferramentas criativas e eficazes para estimular a aprendizagem em todas as disciplinas. Veja como levar estes acontecimentos para a sala de aula e tornar o conhecimento cada vez mais atrativo aos estudantes. Caros professores, chegou a hora de tratar do assunto mais importante da humanidade: o esporte. Afastem as carteiras, formem as equipes e tracem as famosas quatro linhas no quadro branco. A invasão é iminente. Se o espetacular Jackson do Pandeiro vislumbrou a mistura do rock com o samba, do chiclete com a banana, já passou da hora da união entre a bola e o compasso, a pipeta e a raquete ou a interpretação de textos que levem em consideração mega e encantadores eventos como os Jogos Olímpicos e as Copas do Mundo. Eu mesmo, com meus parcos conhecimentos pedagógicos, vira e mexe me recordo do pernambucano Paulo Freire no meu trabalho jornalístico. Afinal, como ele pregava, temos que encontrar pontos em comum entre a mensagem que desejamos passar, no papel de emissores, e o interesse dos nossos receptores com um tema central. No meu caso, a luta é buscar a melhor maneira de chamar o leitor para o meu texto, através de análise de conjuntura e cultura geral, por exemplo. No dos professores, o de relacionar as respectivas disciplinas escolares com os temas em voga. E em tempos em que conceitos como interdisciplinaridade e atua-
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lidades estão mais do que nunca em evidência, quando o assunto é a secular luta por captar a atenção do aluno, nada melhor do que utilizar o esporte como ferramenta para auxiliar essa atração dentro de sala de aula. Até porque os acontecimentos pedem isso. Não só por conta da realização de uma Copa do Mundo (2014) e uma Olimpíada (2016) no País. O esporte desperta emoções, atração e, principalmente, tem muito a ensinar, sobre aspectos bons e ruins da sociedade. O esporte ganhou projeção inimaginável na sociedade globalizada atual. Se é certo que os heróis já eram festejados desde as primeiras competições em Olímpia, na Grécia, e ganharam brutal respaldo nos tempos das lutas em arenas romanas, essa adoração se intensificou neste início de novo milênio. Figuras como os futebolistas Ronaldo Nazário (exRonaldinho, o que valeria outro artigo), Kaká e David Beckham; o piloto Michael Schumacher; e o astro do basquete Michael Jordan ganharam tanta projeção – pelos feitos em suas respectivas áreas, como também pelo trato com o marketing pessoal – que, hoje, possuem mais espaço e importância global do que a maioria dos chefes de Estado. Uma publicação que pode ser
tida como bíblia dessa nova realidade é o livro Como o futebol explica o mundo – um olhar inesperado sobre a globalização, do jornalista e escritor norte-americano Franklin Foer. Coube a ele, um legítimo representante da cultura do beisebol, basquete e futebol de brutamontes, aquele jogado com as mãos, a primazia de atentar para as implicações, e, lógico, explicações, que o mundo da bola nos oferece, em especial em tempos de cultura globalizada. Nas pouco mais de 200 páginas do livro estão explicados temas como a disputa religiosa na Escócia (divididos entre os católicos do Celtic e os protestantes do Glasgow); as forças paramilitares do sérvio Estrela Vermelha, cúmplices na Guerra dos Balcãs; a formação das gangues/ torcidas organizadas; e o racismo contra africanos que atuam no Leste Europeu. Isso somente para citar alguns dos pontos analisados em um dos tantos livros que se propoem a estudar o futebol como ele deve ser visto, muito além das quatro linhas. Ou seja, antropologia e sociologia aplicada ao esporte. Mas todas as disciplinas podem também “beber dessa fonte”. Imaginemos que interessante não seria solucionar questões matemáticas, físicas e químicas tomando como
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base os jogadores das 32 seleções da Copa do Mundo de 2010? Ou mesmo as chances de classificação de determinada equipe para a próxima fase de um campeonato, levando-se em consideração os jogos restantes e a projeção de pontos? Analisar os crescimentos de orçamentos para a realização de competições, os altos salários dos atletas, tudo pode ser tema. E interpretar textos – jornalíticos ou literários – sobre a organização da próxima Copa do Mundo do Brasil? Quem sabe analisar músicas relacionadas com o futebol, sejam as de um Chico Buarque ou mesmo das torcidas organizadas? Que tal ainda relacionar a história da revolução industrial – e os ganhos trabalhistas dos operários, como mais tempo para o lazer -, com o fomento ao futebol na Inglaterra, em 1850? E a divisão geográfica dos quadros de medalhas de Jogos Olímpicos, como exemplo da falta de oportunidades para os países menos desenvolvidos, discriminados em tantos casos. Isso sem falar na discussão de assuntos como ética e visão crítica que a organização de eventos polpudos, polêmicos e dispendiosos trarão inevitavelmente ao Brasil. E ai daquele que ainda investe no discurso de que o futebol e outros jogos são o “ópio do povo” ou de outras linhas de dominação por meio de pão e circo. O esporte é interessante sim, possui mercado consumidor sim, e quem não atentar para isso vai virar retardatário da nova realidade. Que os feitos dos mestres dos campos, das quadras e pistas sirvam para sensibilizar os outros mestres, os das salas de aulas. Já passou da hora de o esporte deixar de ser atividade apenas da hora do recreio (ou da bola). Afinal, não dizem por aí que esporte é Vida. Então que ele sirva para, dia após dia, reavivar o interesse pela Educação.
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QUER SABER MAIS? LEIA O futebol é mais do que um esporte, ou mesmo um modo de vida; abrange questões complexas que ultrapassam a arte do jogo. Envolve interesses reais – capazes de arruinar regimes políticos e deflagrar movimentos de libertação. Os clubes de futebol espelham classes sociais e ideologias políticas, e freqüentemente inspiram uma devoção mais intensa que as religiões. Para realizar esse amplo e perspicaz trabalho de reportagem, Franklin Foer viajou o mundo – da Itália ao Irã, do Brasil à Bósnia, analisando o intercâmbio entre o futebol e a nova economia global. As histórias colecionadas – extravagantes, violentas, engraçadas, trágicas – ilustram
desde o choque de civilizações à economia internacional e revelam como o futebol e seus fiéis seguidores podem expor as mazelas de uma sociedade, sejam elas a pobreza, o anti-semitismo ou o fanatismo religioso. DETALHES: Como o futebol explica o mundo Franklin Foer Editora Zahar 224 páginas
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DISTÚRBIOS DA APRENDIZAGEM
Dislexia Que bicho é esse? Terezinha Teixeira Joca Maria Rosemary Cardoso Herculano
Mais de 120 anos depois dos primeiros diagnósticos, a dislexia, muitas vezes, ainda é compreendida como incapacidade mental, que leva à cruel estereotipação da criança. Saiba como reverter esse quadro.
As escolas, atualmente, procuram mudar seu enfoque metodológico, mas mesmo assim, as dificuldades de aprendizagem surgem de forma desenfreada, abarrotando os consultórios de fonoaudiologia, psicologia e psicopedagogia, com as queixas escolares. Isto quanto à rede particular de ensino. Por outro lado, enquanto as estatísticas apontam que as escolas públicas atingem alto índice de alunos que permanecem na escola e que galgam às séries mais avançadas, a realidade mostra apenas uma minoria desses estudantes com um nível de conhecimento e aptidão compatível com o conteúdo pedagógico da série cursada. Pensando nas dificuldades de aprendizagem tão presentes em nossas salas de aula, Victor Fonseca assinala: A criança com dificuldade de aprendizagem não é uma criança deficiente. Possui no plano educacional um conjunto de condutas desviantes, em relação à população escolar em geral. É uma criança normal em alguns aspectos, mas desviante e atípica em outros que, por si só, exigem
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processos de aprendizagem que não se encontram disponíveis no envolvimento da classe regular" (FONSECA, 1995, p. 92). Partindo desse panorama educacional, avaliamos as crianças que nos chegam com um diagnóstico prévio de dislexia, indicado por pessoas que não estariam habilitadas para tal prática, baseadas simploriamente em informações da mídia ou do senso comum: levando apenas em consideração as dificuldades da criança diante das atividades escolares e categorizando-a como uma pessoa diferente. Chamamos a atenção para o fato de que dislexia nem sempre é o que parece. Muitas vezes, assusta aos pais, pois colocam a criança em uma posição de doente ou de inabilitada. Parece um “bicho” tão assustador, que restringe a credibilidade do potencial dessa criança e o seu desenvolvimento em áreas diversas. É importante que desmitifiquemos esse alarde, esclarecendo que o termo dislexia é derivado de dis, que significa distúrbio, e lexia que, em grego, quer dizer linguagem e em latim leitura. Dessa forma, entendemos que
dislexia é um distúrbio específico da linguagem (leitura), que afeta parte da população estudantil. “É um problema neurológico relacionado à linguagem e à leitura; as habilidades de escrita de palavras e de textos, de audição, de fala e de memória também podem sofrer impactos” (FRANK, 2003, p.04). No processo de alfabetização, existem crianças que se saem melhor que o esperado, há outras que não correspondem ao que seria presumível a partir de seu nível de inteligência e, ainda, algumas delas revelam discrepância extrema entre sua capacidade intelectual e seu desempenho na aprendizagem de leitura e escrita. As crianças disléxicas inserem-se nesse último grupo, onde há grande discordância entre capacidade e desempenho. É uma dificuldade acentuada que ocorre no processo da leitura, escrita e ortografia. Não é uma doença, mas um distúrbio com uma série de características. Ele torna-se evidente na época da alfabetização, embora alguns sintomas já estejam presentes em fases anteriores. Apesar de instrução convencional, adequada
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inteligência e oportunidade sócio cultural e sem distúrbios cognitivos fundamentais, a criança falha no processo da aquisição da linguagem. Ele independe de causas intelectuais, emocionais ou culturais. Ele é hereditária e a incidência é maior em meninos, numa proporção de 3/1. A ocorrência é de cerca de 10% da população Mundial (Associação Brasileira de Dislexia, 2010). Antes de sete/oito anos de idade, não podemos falar em dislexia, entretanto, o fracasso escolar na alfabetização pode ser visto como um sinal de alarme. Com isso, não queremos dizer que já deveríamos por o rótulo de disléxico ou disléxica nesse indivíduo, mas que necessitamos analisar o caso, de forma minuciosa, e acompanhá-lo para uma possível intervenção no momento mais propício. Não se deve, contudo, esperar uma série de fracassos para que se possa examinar e buscar soluções. Um tratamento tardio causa um sentimento de incapacidade na criança disléxica, que, em geral, desenvolve problemas emocionais após dificuldades escolares. Os educadores e familiares devem atentar para as reações dos pequenos diante de suas atividades escolares: crianças que tendem à dislexia comumente rechaçam tudo o que se refere à escola, apresentam antipatia aos colegas que têm bom rendimento, revelam hostilidade para com o(a) professor(a) e denotam rebaixamento de sua autoestima. Além disso, negam-se a enfrentar as dificuldades e recusam situações que exijam rendimento sistemático, temendo uma nova experiência de fracasso. Para o diagnóstico de dislexia é eliminado qualquer outra causa que possa vir a impedir ou dificultar a capacidade de aprendizagem da leitura, sejam fatores
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sócio-econômicos, emocionais, déficit intelectual ou transtornos sensoriais. Lembramos que a dislexia não decorre de uma má alfabetização ou mesmo de desatenção. Há um conteúdo hereditário com alterações genéticas e no padrão neurológico. Leva-se em consideração que é característica das crianças disléxicas um nível intelectual na média ou acima da média. Portanto, a criança disléxica é inteligente e revela uma dificuldade específica de leitura, que gera uma consequente dificuldade de escrita. É necessário muita cautela diante desse diagnóstico. Há uma grande responsabilidade para não se rotular uma criança diante de seu fracasso escolar, pois existem diversos fatores a serem considerados. Weiss corrobora com essa idéia, afirmando que, Um importante aspecto a ser considerado é o da qualidade de ensino a que se submeteu o sujeito. Será necessário discriminar com clareza se o sujeito não conseguiu aprender algo que lhe foi bem ensinado na escola ou se, como muitas vezes ocorre, a falha é do ensino. Em nossa experiência acumulamos casos de falsas dislexias, falsas discalculias, falsas disgrafias, em que na verdade as crianças não tiveram oportunidade de uma boa alfabetização e de ensino posterior que consolidasse a leitura, escrita ou mesmo cálculo (WEISS, 1992, pp.77-78). A criança disléxica necessita de atendimentos específicos que contribuam com a superação de suas dificuldades, apoio familiar e adaptações curriculares e avaliativas de acordo com o grau da dislexia. “Todas as pessoas com dislexia apresentam certa dificuldade com a linguagem, mas o que isso significa de criança para criança pode variar muito”(FRANK, 2003, p. b04). Com o conhecimento genuíno do que é o distúrbio, podemos
pensar como conseguir debelar esse “monstro” desconhecido e que parece amedrontador, através do esclarecimento e da identificação de uma dificuldade específica que pode ser trabalhada e que, dependendo do nível, é sim possível ao indivíduo superar e conviver com suas dificuldades, fazendo uso de mecanismos de autocorreção, relendo sua escrita e utilizando-se do dicionário. Ressaltamos sobremaneira que o disléxico pode sim conseguir, em algumas áreas e em alguns momentos de sua atividade, uma performance superior à média de seu grupo etário. Referências ABD. http://www.dislexia.org. br/material/artigos/artigo003.html FONSECA, Vitor. Introdução às dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre – RS: Artemed, 1995. FRANK, Robert. A vida secreta da criança com dislexia. Tradução: Tatiana Kassner. São Paulo – SP: MBooks do Brasil, 2003. WEISS, Maria Lucia L. Psicopedagogia clinica: uma visão diagnóstica. Porto Alegre – RS: Artes Médicas, 1992.
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SOCIOLOGIA
SAÚDE
Os desafios da Sociologia no Ensino Médio Dra. Danyelle Nilin Gonçalves e Dra. Rosemary de Oliveira Almeida
Dada a regulamentação do ensino de sociologia e filosofia nas escolas em 2008, lançamos uma série de seis edições em que se discutiram propostas para estas disciplinas. Dois anos depois, voltamos ao tema e questionamos: quais os desafios que ainda se seguem para uma educação sociológica efetiva, que prime pela construção de cidadãos?
Em 2006, após quase 10 anos de luta, que envolveu diversas entidades no País, o Conselho Nacional de Educação aprovou por unanimidade a obrigatoriedade das disciplinas de Filosofia e de Sociologia nas três séries do Ensino Médio. Em 2 de junho de 2008, foi sancionada a Lei Nº 11.684 Com isso, se completa um ciclo de idas e vindas que se iniciou ainda no século XIX quando Benjamin Constant propôs que a disciplina figurasse no currículo. Todavia, diferentemente de disciplinas como História e Geografia, já consolidadas na escola e no imaginário dos estudantes, a Sociologia ainda carece de uma identidade clara. Do que trata? O que faz? Para que estudar? Quais são os seus objetivos no Ensino Médio? São algumas perguntas feitas pelos estudantes e também por alguns professores. Como ser trabalhada? Quais as metodologias mais apropriadas e que conteúdos selecionar são também questões com as quais os professores se confrontam.
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Escrever sobre o ensino de Sociologia no Ensino Médio nos faz recordar imediatamente o célebre texto de Wright Mills (1982), “A Imaginação Sociológica”, para quem a sociologia se faz mediante o trabalho artesanal, de construção do raciocínio que não se dá sem uma profunda imersão nas experiências de vida articuladas com a experiência intelectual. Trata-se do cultivo da imaginação sociológica que ocorre por intermédio do trabalho artesanal associado, também, a “certo estado de espírito alegre” que combinam idéias e experiências do mundo comum nem sempre aceitas pela razão técnica, mas que busca sentido nas relações e interações sociais que são sempre conflitantes. É este sentido quase ausente aos olhos comuns que a Sociologia busca elucidar por meio da interpretação do mundo e das interações sociais entre humanos em suas diferentes expressões e manifestações. Mas, acostumamos a compreendê-la como ciência da academia, inserida nas universida-
des entre suas pesquisas analíticas e aulas ministradas por professores PhD, formadores de sociólogos pesquisadores e professores que continuarão seu legado nas universidades. Mas, e quanto ao ensino desta ciência aos jovens do Ensino Médio? É possível pensá-la como disciplina/ciência da interpretação do mundo e suas facetas? Em que contribui e como pode ser encaminhada para estes jovens? Primeiro aspecto fundamental corresponde ao objetivo da Sociologia no Ensino Médio. É necessário compreender que ela continua a ser essa experiência artesanal do raciocínio em busca do sentido e da compreensão do mundo, mas não para formar, necessariamente, novos sociólogos. Trata-se de contribuir para a formação de “juventudes plurais” que, diante de suas diferentes experiências cotidianas (familiares, amigáveis, estudantis, profissionais, políticas, religiosas, culturais e àquelas ainda estranhas a sua compreensão), não se esqueçam de olhar para o mundo a sua volta, de pensar seus objetos
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e cores, seus personagens interagindo profundamente com o meio ambiente e humano que o cerca. Permite assim uma compreensão da pluralidade, das diferenças e dos conflitos nas relações sociais para uma convivência num mundo em processo civilizatório constante e, especialmente, em processos de cidadania. Entretanto, o desconhecimento da disciplina faz com que ela seja considerada por muitos como uma “Educação Moral e Cívica” dos tempos atuais, sendo, em alguns casos, tratada como uma disciplina que tem como objetivo discutir a vida do aluno, numa espécie de terapia coletiva. Não é à toa que alguns professores utilizam livros de auto-ajuda, como comprovado nas pesquisas de Kelly Cristine Mota (2005), no interior do Rio Grande do Sul. A questão do material didático utilizado é algo a se considerar. Justamente, pela não-regularidade de oferta no ensino escolar: ainda não foi criada uma tradição de livros didáticos de Sociologia, apenas tem-se uns poucos circulando nas escolas. A dificuldade em estabelecer os conteúdos, suas conexões e o peso que cada um deles tem na constituição da disciplina são aspectos relevantes nessa discussão. Em pesquisa sobre os conteúdos estudados nas salas de aula no Estado do Ceará, a pesquisadora Eloísa Vidal (2005) constatou que, no que diz respeito à Sociologia, há um peso excessivo de determinados conteúdos, a saber: a contextualização da sociedade capitalista e estudos dos problemas da vida cotidiana que ocupam 2/3 da carga horária em detrimento de outros temas como cultura, diversidade, política, participação etc. A fragmentação dos conteúdos e temas, não permite muitas vezes estabelecer um programa coeso.
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Assim, a disciplina tem sido ministrada, na maioria das vezes, pelo viés mais fácil: o ensino de temas sociais e políticos soltos, sem maior aprofundamento, preferindo-se um “ensino rasteiro”, sem ultrapassar a barreira do senso comum, dadas as dificuldades didáticas e do turbilhão de modelos teóricos. Este ensino não contribui para o exercício da imaginação sociológica em busca dos sentidos do mundo. Há ainda uma idéia corrente de que a disciplina é umas das que mais se adéquam à função de formar para a cidadania. No entanto, a concepção de cidadania que é trabalhada por grande parte dos professores se apresenta de forma limitada e reducionista. Ademais, se destina à Sociologia um papel maior do que ela de fato pode cumprir, já que a “obtenção” de cidadania é um processo muito mais complexo do que a aquisição de determinados conteúdos. Busca-se utilizar o espaço da sociologia para “formar cidadãos”,
mas, cidadãos precisam se formar em todo lugar, nas instituições formadoras e na rua. A sociologia é mais um desses lugares. Permeando essa discussão, há uma questão que diz respeito à própria formação dos professores de Sociologia que atuam no Ensino Médio. Por até recentemente não ser obrigatória em caráter nacional, ficando a sua implantação a cargo dos estados, em muitos lugares, a Licenciatura em Ciências Sociais não era considerada atrativa para os estudantes, não formando, portanto, professores devidamente qualificados para o ensino da disciplina. Ademais, a dificuldade de perspectivas também acarretava problemas para a própria condução das licenciaturas, a saber: ausência ou dificuldade de lidar e criar metodologias próprias; limitadas pesquisas educacionais sob um enfoque sociológico e inclusive ausência de grupos de trabalho em encontros nacionais, são alguns desses problemas que, em
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AVALIAÇÃO
parte, já vem sendo dirimidos em alguns estados. No entanto, por causa do número reduzido de horas/aula destinadas à disciplina, sabe-se que, na prática, ela ainda vem sendo ocupada por profissionais de outras áreas, já que a baixa carga horária a torna “sedutora” para preencher horários ociosos de licenciados em Historia, Geografia, Português e Matemática, dentre outras, o que gera outros tantos problemas adicionais para a condução da disciplina. A proposta que vem sendo discutida por cientistas sociais de todo o Brasil é a de consolidar a Sociologia nos currículos do Ensino Médio, tal como ocorre com outras disciplinas, articulando as experiências e discussões do mundo vivido dos alunos ao conhecimento científico, como afirma a professora Ileizi: "[...] se quisermos consolidá-la nas escolas, legitimando seu saber entre os alunos, precisamos encontrar maneiras de ensinar os conceitos a partir do conhecimen-
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to acumulado que se encontra sobretudo nos clássicos, fundadores dessa ciência. Não podemos abandonar a ciência existente em nome de um ensino rasteiro que não desestabiliza o conhecimento do senso comum dos alunos. O léxico, as palavras, os conceitos, as teorias sociais devem ser ensinados assim como as outras áreas o fazem com suas terminologias [...]" Porque se disseminou esse “senso comum” nas escolas, ou seja, que a Sociologia qualquer um pode ensinar, pois, trata-se de formar o cidadão e para formá-lo temos que debater com os alunos os problemas políticos, da sociedade, da família, etc.? Sociologia como ciência articulada ao mundo vivido dos alunos é a meta. É desta forma que pensamos os cursos de formação de professores de Sociologia. Um dos requisitos básicos para a boa inclusão da disciplina no ensino médio brasileiro é pensar e exercitar a formação do professor
da Educação Básica no campo da sociologia, que passa pela construção artesanal do raciocínio sociológico, pela experiência nas práticas de ensino e pela luta política e simbólica de consolidação da sociologia nas propostas curriculares, de fato, baseada nos paradigmas e problemáticas da sociologia e das Ciências Sociais como um todo, desde que, articuladas às configurações históricas das experiências do mundo social. A idéia de formar cidadãos é mais presente ainda quando se constrói a capacidade de educar mediante o desenvolvimento de conhecimentos vinculados à construção da cidadania e que possibilite aos alunos instrumentos próprios de compreensão das problemáticas sociais, políticas e econômicas da sociedade. Referências MOTA, Kelly C. C. da S. Os lugares da sociologia na formação de estudantes do Ensino Médio: as perspectivas de professores. Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro, n. 29, Aug. 2005. Available from <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S141324782005000200008&lng=en& nrm=iso>. Access on 20 Mar. 2010. doi: 10.1590/S141324782005000200008. MILLS, C. Wright. A Imaginação Sociológica, Rio de Janeiro, Zahar, 1982. SILVA, Ileizi L. F. Sociologia: Conteúdos e Metodologias de Ensino. (Proposta Preliminar para Discussão na Semana Pedagógica do Núcleo de Educação de Londrina – 2003/2004). Londrina: Laboratório de ensino de Sociologia; Depto. Ciências Sociais da UEL, 2003, mimeo, 12pp. VIDAL, Eloísa et al. O currículo do ensino médio cearense. Fortaleza: SEDUC, 2005.
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Entender para questionar: Refletindo sobre a avaliação Érika Batáglia
Para uma eficiente reforma na avaliação é preciso antes conhecê-la em todos os seus aspectos. Neste artigo, a autora faz uma abrangente apresentação do processo avaliativo e destaca a importância de conversar com os estudantes sobre os resultados obtidos. “A avaliação é uma operação de leitura da realidade, do mundo” (Paulo FREIRE, 1981). INTRODUÇÃO A prática pedagógica trás consigo experiências importantes que nos fazem refletir, no dia-a-dia, sobre os seus principais aspectos. Um destes aspectos é a avaliação, importante instrumento no auxílio à aprendizagem, mas normalmente relegado a segundo plano. Para tratar do tema avaliação é necessário questionar quais os conhecimentos, valores, saberes e objetivos sustentam a prática avaliativa. Além destes conhecimentos, fica clara a necessidade da mudança na forma como avaliamos, mas por que, apesar desta certeza, ainda assim não conseguimos mudar? Vários são os problemas, como a presença de organizações rígidas e centralizadas nos cenários educativos das escolas que priorizam o ter ao invés do ser, do temor dos próprios pais e familiares que possuem expectativas que ainda priorizam a avaliação quantitativa ao invés da qualitativa (pois o acesso aos cursos superiores ainda é o maior objetivo dos envolvidos no processo educativo) além da resis-
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tência do professor que, acostumado a um tipo de avaliação sentenciativa e classificatória, não muda, pois mudar exige maior dedicação ao aprimoramento pessoal e no desenvolvimento das provas. A avaliação deve fazer parte do processo educativo, e não ser apenas um instrumento apartado da realidade educacional. Ter acesso às escolas e conseguir a nota definida não pode ser considerado como o ideal de educação de um país. A boa avaliação pode ser um instrumento fundamental neste belo processo que é a formação do homem. Mas a mudança não ocorrerá sem que cada envolvido compreenda seu papel e o desempenhe da melhor maneira possível. Novos paradigmas são criados, mas como implementá-los? Talvez a mudança deva começar pela pergunta fundamental na avaliação. Ao invés da pergunta “o que avaliar”, deve-se perguntar por que e como. Somente criando novos paradigmas podem-se transformar fundamentalmente os processos avaliatórios.
Mas quais seriam estes novos paradigmas? Algumas sugestões podem ser dadas: por um lado deve haver o resgate da subjetividade perdida nos exames quantitativos que mediam muito mais a capacidade do aluno perceber incoerências e excluir alguns itens antes de chutar uma resposta que parecia mais adequada, sem que ele necessariamente entendesse o motivo. Outro importante ponto a ser discutido é a mudança de uma pedagogia da cobrança para uma pedagogia produtora de conhecimento. Vários autores trataram do tema e um dos mais significativos foi Vygotsky. Para ele, o conhecimento acontece através da interação sócio-histórica-cultural, ou seja, o indivíduo aprende mais quando interage com o mundo e com os seus pares. Desta maneira, a educação deve acontecer através de relações cooperativas, tendo a figura do professor um caráter mediador e inclusivo. Muitos culpam a grande quantidade de alunos e de carga horária para justificar a sua própria ausência de
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percepção da realidade, mas basta uma boa auto-análise para perceber que muitas vezes eles estão sendo displicentes. FUNÇÕES DA AVALIAÇÃO E COMUNICAÇÃO DE RESULTADOS A avaliação pode ser considerada como um instrumento para diagnosticar quantitativamente e qualitativamente a rentabilidade e eficiência do processo de aprendizagem, e ela pode ser interna ou externa. A avaliação interna consiste em processos avaliativos de ações pedagógicas de ensinar e aprender. Tanto se podem avaliar discentes quanto docentes. Realizada por equipe interna de avaliadores e/ou professores. A externa, por sua vez, são processos avaliativos de ensino-aprendizagem, mais também da organização institucional. É realizada por órgãos normativos e reguladores dos sistemas de ensino. As condições das ações avaliativas podem ser definidas quanto a sua função (é necessário que haja clareza da função avaliativa. Devem-se fazer as perguntas: Para quê avaliar? O que se busca com a avaliação?); sua finalidade, já que a avaliação deve buscar o aperfeiçoamento e até a reconstrução do que foi aprendido, proporcionando a efetiva oportunidade de re-encantamento; sua transparência: os objetivos devem estar claramente expressos e sempre disponíveis para quem quiser ter acesso a eles, devendo ser reavaliados constantemente; seus critérios, que devem ser apresentados de forma clara e devem se constituir em elemento fundamental do processo, descrevendo todos os seus passos. Seus registros, que podem ser de dois tipos: informações quantitativas, geralmente por questionários e com perguntas fechadas, os resultados fazem uso de tabelas e grá-
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ficos, e informações qualitativas: coletadas por meio de questões abertas, agrupadas para análise. E, por fim, seu feedback, determinante para o sucesso do processo. O aluno deve reconhecer, em sua avaliação, onde ele atingiu ou não os objetivos acordados. É extremamente importante, mas normalmente ignorada, a ação após a avaliação. Não adianta apenas avaliar e deixar de lado aquela avaliação, como se o conceito obtido fosse o fim último da ação avaliativa. É fundamental transformar os resultados em prioridades para o aprimoramento da proposta pedagógica da escola, estabelecendo novos patamares de qualidade educacional. E, assim, acompanhar melhor a execução e avaliar resultados do plano de ação da escola. Mas de nada adianta uma avaliação com qualidade se a comunicação dos resultados for apenas uma letra ou um número expresso em caneta vermelha no alto da prova. Qual o significado real desse tipo de atitude para o aluno? Quais são as reações mais comuns? Será que esta é a melhor maneira de dar ao aluno o resultado de seus esforços? Cada aluno reage de uma maneira diferente, mas podemos agrupá-los em três grandes grupos. Há os que, ao receber a nota alta, mostram aos colegas, comparando para saber quem é o melhor. Há aqueles que recebem notas baixas e procuram esconder o seu resultado, envergonhados diante dos colegas. Existem também aqueles alunos que, já cansados de receber resultados negativos, simplesmente dão um risinho de desdém como se aquele conceito não os incomodasse. Unicamente notas não são a melhor maneira de comunicar um resultado. Mesmo aquele que parece não se importar, na realidade se defende mostrando uma atitu-
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de de desprezo diante da nota. O ideal é que cada aluno, ao receber sua avaliação, seja de que maneira ela tenha sido feita, possa compreender por qual motivo teve tal nota e ter com o professor um momento de debate. Nesta hora, cabe ao professor reforçar os aspectos positivos e fazer com que o aluno perceba onde e porque errou, buscando aprender o conteúdo não internalizado. Quando um aluno estuda para uma prova e em retorno para os seus esforços recebe apenas um conceito quantitativo, ele tende a abandonar a prova sem ao menos avaliá-la para saber onde não teve o aproveitamento ideal, e desta maneira ele não busca as respostas adequadas. O principal objetivo da devolutiva é propiciar ao aluno o reconhecimento de seus acertos e de seus limites para poder avançar no processo da aprendizagem e ao professor a possibilidade de reavaliar seus métodos para uma próxima avaliação. INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO Muitos são os instrumentos para avaliar o que os alunos apreenderam do conteúdo que foi trabalhado, sendo que os mais comuns são, entre outros: tarefas de casa, exercícios em grupo, elaboração de projetos, provas em duplas, provas individuais, seminários, apresentação de trabalhos, encenação, argüições, diário de observação e etc. Para que uma avaliação desempenhe as funções que dela exigimos faz-se necessário combinar instrumentos de natureza diferentes, ou seja, não limitar-se a um grupo de instrumentos que tenham a mesma função. Existem instrumentos cujo objetivo é avaliar objetivamente, outras subjetivamente; existem ainda instrumentos que avaliam a capacidade lógicoformal, enquanto outros priorizam a
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criatividade. Ao utilizar apenas um grupo de instrumento o avaliador perde a oportunidade de perceber se o aluno é capaz de dar respostas em diferentes situações. A composição da nota final não pode se basear em apenas uma ou duas modalidades de avaliação. É preciso utilizar bem todas as ferramentas disponíveis, pois ao diversificar, você permite que as capacidades e habilidades de cada aluno apareçam. Um dos instrumentos que é mais comumente usado em avaliações de grupo é o seminário. Mas como avaliar corretamente, já que não é possível saber quem de fato contribuiu ou não para o desenvolvimento do trabalho? Avaliar separadamente a parte escrita da parte oral pode ser uma boa maneira de avaliar da forma mais justa. O mais importante é que o seminário deve ser entendido como um instrumento de formação e de avaliação. Avaliar é fazer escolhas. Escolher quais os métodos, instrumentos, finalidades, conteúdos, entre outros. Normalmente essas escolhas não são feitas de maneira totalmente autônomas e independentes. Há uma grande relação entre os parâmetros escolhidos e a ideologia que perpassa essas escolhas. Muitos profissionais da educação sentem que devem mudar seus paradigmas, mas se vêem presos à política da instituição onde atuam. Esta constatação leva muitos profissionais da educação a se auto-eximir das suas ações. Muitos utilizam a dificuldade em mudar a ideologia política da instituição como defesa contra sua própria incapacidade ou falta de desejo de avaliar melhor. Apesar disto, cabe ao professor imprimir uma atitude de mudança, mesmo que gradativa, na própria instituição, ou até mesmo fora dela. É uma árdua tarefa, sem dúvida, mas quem acredita que ser educador é tarefa fácil?
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ENEM
Novas escolas para um novo Enem Abrindo as discussões desta edição sobre o tema, o sociólogo Pedro Demo analisa de forma panorâmica o novo Enem, discute o cenário antes imposto pelo vestibular tradicional, e, a partir do PAS (Programa de Avaliação Sequencial), implantado na Universidade de Brasília, propõe formas de avaliação alternativas ou ainda complementares ao Exame do Ensino Médio. O Enem está sendo proposto para servir de teste seletivo para a universidade. Cabe lembrar que a UnB já havia inventado caminho similar, instituindo o PAS: os alunos do Ensino Médio submetem-se a três exames e, conforme suas notas, podem entrar para a universidade diretamente, sem “vestibular”. No início, esta ideia foi reservada para ensino médio público, mas logo a exclusividade foi afastada judicialmente. Ao fundo, aparece a expectativa de livrar-se do vestibular, por ter-se tornado indústria incômoda e duvidosa, abusivamente instrucionista. A preparação para o vestibular esconde, naturalmente, que o critério principal de seleção nem sempre é a capacidade do estudante, mas seu bolso. Para entrar na universidade federal, em geral de melhor nível, e para poder estudar de graça é fundamental frequentar colégios privados, usar pelo menos o 3º ano como “cursinho” e, ainda, meterse num “cursinho” famoso
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e caro. Assim, no pano de fundo está a disparidade socioeconômica e cultural dos estudantes, desafiada pela corrida em favor de vagas muito seletivas e que são, em geral “reservadas” para quem tem condições de estudar “bem”. O lado socioeconômico pesa decisivamente. O marketing principal dos cursinhos é precisamente a quantidade de vagas federais ocupadas por seus cursistas, sobretudo em cursos de medicina, odontologia, engenharias, direito. Este sistema, assim, consagra a sempre mesma elite. Daí surgiu, entre outras propostas, a “cota”, muito debatida e discutível. Sem pretender resolver esta querela, cabe lembrar que as boas universidades sempre foram “cota” dos mais ricos. As atuais cotas são apenas “contracotas” (Demo, 2003). Os critérios de seleção para as cotas continuam bi-
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sonhos, para dizer o mínimo, mas talvez se justificassem como oportunidade de abrir para estudantes tendencialmente excluídos uma chance de entrar na elite intelectual do país. Melhor seria que todos tivessem a mesma chance, argumento que sempre retorna à fragilidade da educação básica pública (Demo, 2007), mas isto não basta, não só porque vamos levar muitas décadas para resolver este assunto, mas igualmente porque a desigualdade socioeconômica e cultural continuaria a agir do mesmo modo (Demo, 2007a). O êxito do PAS foi importante para que o Enem chegasse à ideia de servir como exame para a universidade, alegando, entre outras vantagens, que as chances se tornariam um pouco mais igualitárias. A questão socioeconômica não é tocada, também porque estaria fora de alcance. Mas, haveria
três anos do ensino médio para cuidar que os alunos possam desempenhar-se minimamente. Algumas escolas públicas poderiam enfrentar o desafio de modo mais adequado. Sendo um exame nacional, o tratamento seria igualitário para todos e poderia merecer a confiança do público (algo que logo caiu por terra em 2009), em particular porque não contaminado por interesses privados. Havendo já experiência comprovada (sobretudo do Saeb e agora do Ideb) de avaliação, o sistema poderia funcionar bem. Em geral não se questiona a parte técnica (qualidade dos testes e respectivo tratamento estatístico), mas alguns contestam a tendência ao monopólio estatal, bem como persiste o reparo clássico de que isto colocaria pressão ainda maior sobre o ensino médio para servir apenas de “preparação” para a universidade. O ensino médio passaria a ser “cursinho”. Este reparo pode ser, apenas em parte, superado pelo estilo de exame. Em vez de somente perguntas fechadas, colocar, como é uso no Saeb, por exemplo, questões de “raciocínio” e sobretudo valorizar redação individual como critério fundamental de seleção. Ao lado de conhecimento específico, pode-se apreciar conhecimento geral (por exemplo, algo aproximado de desempenho cultural, inspirado em leitura, discussão crítica, etc.). Isto poderia influir em propostas curriculares mais abertas. No entanto, não cabe fantasiar que grande parte dos estudantes, se pudessem, iriam frequentar a universidade pública gratuita (em especial as “federais”). Acresce ainda que o MEC está insistindo – com justa razão – no aumento de acesso à universidade, tendo em vista que o Brasil está muito atrasado nesta parte. Quase todos os países sul-
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ENTREVISTA
americanos estão mais bem colocados, em termos estatísticos de acesso universitário. Enquanto a taxa de frequência bruta na população de 20 a 24 anos, em 2003, era de 22.7% no Brasil, chegava a 60.0% na Argentina, 46.2% no Chile, 42.0% na Venezuela, 38.6% na Bolívia (Corbucci, et alii, 2009:102). Haveria como outra vantagem não se submeter aos cursinhos de preparação para o vestibular, por mais que esta vantagem seja dúbia. Estudantes públicos dificilmente teriam chance de “optar” por cursinho famoso e “eficiente”. A dubiedade desta vantagem aparece na pressão sobre o ensino médio de cuidar mais do acesso à universidade do que da aprendizagem dos conteúdos curriculares voltados também para a formação do estudante. O exame como tal pode valorizar esta parte, principalmente na redação. A redação coloca outros tipos de questão, bem complicados, a começar pela dificuldade de avaliar. Em geral, a “solução” é achada submetendo cada texto a dois examinadores. Havendo acordo, está liquidada a questão. Ocorrendo desacordo, chama-se um terceiro examinador, que, então, desempata. Embora isto possa ser motivo de reparos, há acordo entre educadores que avaliar o estudante por aquilo que “elabora” individualmente é altamente preferível, seja porque evita a “decoreba”, valoriza o esforço próprio e a cultura do candidato, ou permite exercício crítico. Avaliar qualidades críticas e criativas dos textos será sempre algo controverso, mas não é menos controverso avaliar apenas através de perguntas estandardizadas e fechadas. Os ganhos neste tipo de avaliação de textos são, em geral, vistos como muito superiores, ainda que encareçam substancialmente o processo.
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Os percalços do Enem no ano passado contribuíram pesadamente para sua aceitação nas universidades, mas imagina-se que isto possa ser superado. Problema de fundo sempre alegado é a tendência crescente de submeter os estudantes a processos avaliativos de cima para baixo, de fora para dentro, o que poderia transformar a escola em plataforma de avaliação, não de aprendizagem. A pressão avaliativa – criticada no mundo todo – tende a criar uma indústria de livros texto, apostilas, macetes, sem falar em “métodos” de ensino fortemente calcados na memorização de conteúdos. “Transmitir conteúdos” torna-se obsessão ainda maior, “regurgitados” mecanicamente nos exames. O Enem pretende fazer rota contrária, ao acentuar a importância da aprendizagem como tal, mas esta boa intenção nem sempre será reconhecida na escola. Professor sem autoria ainda é a regra, não por “culpa”, mas porque assim foram (de)formados na universidade. Sendo uma das habilidades mais decantadas do século XXI a autoria (também digital), esta somente emerge com professores autores, capazes, por exemplo, de produzir material didático próprio, produzir/publicar textos com qualidade científica, elaborar fundamentos teóricos próprios e sempre abertos, cultivar o espírito científico, e assim por diante. Todos têm em mente o desafio de “saber pensar”, mas, em geral, ignoram-se condições fatais para este tipo de desempenho, em particular a necessidade de cuidar dos professores. O Enem representa, assim, oportunidade interessante e possivelmente confiável (deixando de lado o deslize operacional de 2009), além de oferecer um estilo de exame mais próximo dos de-
safios de aprendizagem. Oferecido publicamente, pode significar para todos (alunos e entidades) redução de custos, além de armar um palco mais igualitário, por mais que isto não elida a disparidade socioeconômica e cultural de fundo. Pode significar, ainda, golpe importante contra a indústria dos cursinhos, embora não venha a desarmá-la por completo, já que a disputa pelas melhores vagas públicas e gratuitas vai continuar. Perante a concorrência acirrada, as melhores vagas exigem preparação bem mais sofisticada que aquela que poderia ocorrer no ensino médio. Quando menos, o Enem sugere repensar exames e currículos para além do instrucionismo vigente (Demo, 2008), com o objetivo de aprimorar a oferta de aprendizagem, não de memorização.
Os novos paradigmas do ensino e da aprendizagem Vida e Educação: Qual a sua análise deste momento para a educação brasileira, em que o novo Enem passa a propor novos modelos de ensino-aprendizagem?
Referências CORBUCCI, P.R., CASSIOLATO, M.M., CODES, A.L., CHAVES, J.V. 2009. Situação Educacional dos Jovens Brasileiros. In: Castro, J.A., Aquino, L.M.C., Andrade, C.C. 2009. Juventude e Políticas Sociais no Brasil, Ipea, Brasília, 91-107. DEMO, P. 2003. “Focalização” de Políticas Sociais: Debate perdido, mais perdido que a “agenda perdida”. Brasília, UnB, mimeo. DEMO, P. 2007. Escola Pública e Escola Particular: Semelhanças de dois imbrogios educacionais. Ensaio (Cesgranrio), Vol. 55, No 15, p. 184-206. DEMO, P. 2007a. Educação: Coisa pobre para o pobre. Educação Profissional (Brasília), Vol. 1. P. 165-178. DEMO, P. 2008. Aprender Bem/Mal. Autores Associados, Campinas.
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Autor de livros sobre gestão escolar e formação docente, além de conceituado debatedor de temas como competências curriculares e avaliação, professor Casemiro de Medeiros Campos, doutorando em Educação pela Universidade Federal do Ceará, não poderia ser convidado em momento mais propício. Voltando suas atenções para o novo Enem, professor Casemiro tem visitado e contatado instituições de ensino a fim de melhor compreender o cenário em que este novo método avaliativo deve se inserir. A entrevista a seguir versa justamente sobre possibilidades e perspectivas acerca dos novos rumos que a educação brasileira deverá percorrer em função do novo Exame.
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Casemiro Campos: Do ponto de vista do currículo, a escola atual está passando por um processo de mudança tendo em vista, como você disse, a própria implantação do novo Enem. Mas a reforma da educação começou a partir da nova LDB [Lei de Diretrizes e Bases] em 1996. Em toda a Educação Básica ela vinha preconizando a necessidade da mudança no conteúdo da educação e isso implica na reestruturação dos currículos – seja no Ensino Fundamental seja no Ensino Médio – da escola como organização e da própria formação do professor, só que aí nós temos um problema porque a escola estava, digamos assim, pontuada pela tradição imposta pelo vestibular, ou seja, o vestibular embargava qualquer mudança. VE – Então o senhor acredita que a cultura, o método, do vestibular gerava um impacto até mesmo no Ensino Fundamental? CC – Isso, desde o Ensino Fundamental as escolas começavam a pautar a formação dos alunos tendo em vista o conteúdo final que era prepará-lo para um único
dia na vida deles, que era a prova do vestibular. Então tinha um lado, assim, vamos dizer, bastante negativo no conteúdo dessa caminhada porque todo o investimento feito tanto pelo Estado quanto pelas famílias levava a uma situação de um término de escolaridade que só tende ao ingresso na Universidade. Fora as situações absurdas que o vestibular permite como poucas questões para se avaliar um aluno, uma prova muito limitada, uma comissão que gerencia a prova de acordo com a sua formação, então o exame tende mais para uma área ou outra e o publico não sabe para onde se orientar... Isso tudo levava a uma situação de opressão do aluno. E, no Ensino Médio, o professor se via obrigado a trabalhar todo o conteúdo no primeiro e no segundo ano para, no terceiro, ter que fazer uma grande revisão, aí o professor dava uma aula show e ela era permeada com dicas, fórmulas, modos de como decorar... Esse modelo de educação está caindo por terra, está com seus dias contados. Nesse sentido eu entendo que, através do Enem, passa a se ter uma nova perspectiva de reestruturação dos conteúdos tendo em vista os princípios da reforma. Interdisciplinaridade, flexibilidade, contextualização. VE – Pensando, então, nesse novo modelo de ensino que pre-
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ENTREVISTA
cisa ser elaborado, a proposta de que a educação tenda a um ensino de competências é valida? CC – O ensino de competências nos permite duas possibilidades: de um lado, é a busca por passar um conteúdo que tenha uma aplicabilidade na vida real, na vida prática do aluno; de outro lado, há um risco porque o modelo da competência e da habilidade se aplica de acordo com um saber fazer do mercado de trabalho, ou seja, o conteúdo de ensino passa a ser mapeado por uma lógica capitalista de acordo com o que os setores exigem. Esse é um lado que limita o conteúdo da competência. Ela vira um produto da lógica capitalista. VE – Nesse caso, o risco seria que, da mesma forma que a criança passava a vida toda sendo preparada para o vestibular, agora ela seja preparada de forma restrita para o mercado de trabalho? CC – Exato, um mercado de trabalho na lógica capitalista. Por isso eu digo pra você que o modelo da competência pode permitir algo mais, agora há esse risco, já que a competência traz esse sentido próprio do capitalismo, da educação voltada para o que o mercado requer, o problema é: quais são essas exigências e até quando a escola vai poder fazer aquilo que se entende por formação. Mas é possível, sim, usar o modelo da competência, mas para romper com o que estava posto. Quer dizer, toda essa pedagogia tradicional pautada por esse modelo de vestibular, se a gente puder usar o modelo de competências para romper com isso, está ótimo. O processo curricular das escolas que se baseia na lógica de memorização agora vai precisar se pautar na resolução de problemas, na elaboração de pro-
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“Esse modelo de educação está caindo por terra, está com seus dias contados. Nesse sentido eu entendo que, através do Enem, passa a se ter uma nova perspectiva de reestruturação dos conteúdos tendo em vista os princípios da reforma.” postas, de argumentações, no raciocínio lógico, na boa leitura, isso passa a ser uma nova exigência e talvez o ensino de competências auxilie nisso. VE – Qual o papel dos outros partícipes da escola – professores, alunos, pais – na construção desse novo paradigma do ensino? CC – Se a escola pode renovar seu conteúdo e ter essa autonomia só o processo vai nos dizer, agora, seria muito interessante que as escolas tivessem a participação dos professores, que essa condução não fosse apenas dirigida pelos gestores, mas envolvesse os professores, os alunos, os pais, num grande diálogo, num confronto de idéias. Então aí nós teríamos um momento muito interessante... VE – Até por que não há parâmetros, ou essa mudança estrutural deve tomar por referência modelos de outros países, por exemplo? Existe alguma pretensão nesse sentido? CC – Não, eu acho que nós estamos tentando desenvolver um modelo nosso, apesar de ter, sim, influências dos Estados Unidos, de países de língua francófona, na Europa, na França, Bélgica, mas foi
uma tendência de modelo de educação que vem se desenvolvendo nesses países há alguns anos e que isso veio como uma perspectiva depois para o Brasil. O que a reforma vem tentando construir ao longo desses últimos 10 anos, de 1996 pra cá, traz uma possibilidade de a gente repensar o que nós fazemos, seja do ponto de vista do trabalho docente, seja do ponto de vista da formação humana na escola, então essa perspectiva que se abre hoje com a necessidade de refletir, de uma dimensão maior do pensar, de contextualizar amparando as reflexões à luz da realidade, ao mesmo tempo ampliando isso com os conteúdos da Filosofia e da Sociologia, que passaram a ser obrigatórios no Ensino Médio, isso tudo é muito nosso, foi sendo construído pelo nosso povo. VE – Quanto às disciplinas, às práticas pedagógicas, o que deve mudar e quais os principais desafios nessa reforma? CC – No ponto de vista dos conteúdos e da organização deles na escola, eles passam a ser estruturados em conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais. As disciplinas deveriam ser reestruturadas nessa lógica, ou seja, nessa tríade da argumentação, da dimensão cognitiva. Agora, o professor precisa ser amparado, formado, para que ele possa exercer esses princípios dentro da sala de aula: como ele pode organizar a disciplina, trabalhar coletivamente entre os colegas professores da mesma área, entre os de áreas distintas do mesmo ano, quer dizer, como isso pode se organizar na escola e de que forma a gestão pode organizá-la enquanto instituição aprendente. VE – Na sua opinião, como os professores vão receber essa
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mudança? Quer dizer, nem todo profissional tem essa flexibilidade para discutir sua metodologia com outro, ainda que atuem na mesma área de conhecimento... CC – Na experiência que tenho visitando escolas públicas ou privadas, eu percebo um duplo sentimento: em alguns, um sentimento de ansiedade, não se conhece o novo, vai ter que se reaprender e isso gera algumas resistências; por outro lado, em outros colegas há um sentimento de descoberta, [eles dizem] “puxa, há possibilidade nova, há algo novo que a gente pode usar para mudar o que estávamos fazendo”, e isso é muito bom. Então, veja, diante dessas duas possibilidades, de um lado aqueles mais resistentes à mudança e de outro aqueles que são mais flexíveis, eu acho que, independentemente, nós saímos ganhando porque, querendo ou não, vamos ter que dialogar sobre o que fazemos, vamos nos perguntar qual a validade da nossa profissão, do conteúdo de trabalho (do ponto de vista da organização, da metodologia), tudo isso passa a ser requerido. Antes a gente poderia até usar o exemplo da Alice [protagonista de Alice no País das Maravilhas], o gato a questiona para onde ela quer ir e ela diz que não sabe e ele responde: “bom, se você não sabe para onde quer ir, qualquer lugar serve”. A escola do passado era essa em que a gestão caminhava por qualquer caminho, agora não, a escola precisa ter um foco muito bem direcionado, ter as suas ações muito bem pautadas visando essa mudança. VE – Considerando o perfil das escolas públicas nacionais – a precariedade, o déficit de aprendizagem – você acredita que essas transformações beneficiam ou não o ensino público?
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CC – Sim, inclusive eu acho que o que nós temos é uma escolha mais democrática de ingresso na Universidade. Outros elementos passam a ser requeridos e eles são produtos da caminhada da própria vida. Raciocínio lógico e análise crítica não são algo que o aluno vai conquistar no último ano, o hábito da leitura é algo que ele precisa desenvolver por vários anos, então, tudo isso são elementos constituintes da própria vida que serão cobrados agora. Ou seja, não se limita mais o conteúdo, a possibilidade do êxito ou do fracasso do aluno no processo seletivo ao último ano da escolaridade dele, seja ele da escola pública ou da privada. O único problema que eu vejo da escola pública é que ela se organiza para esse momento muito lentamente, ela poderia ter um desenvolvimento mais ágil, mas eu não sei se, com todos esses entraves burocráticos no interior do sistema, de fato, essa lentidão se constitui como uma acomodação do professor ou um problema de gestão ou dos alunos, enfim, mas eu entendo que a escola pública precisa despertar e entender que é um novo tempo da gente gerar algo plural. VE – A partir da exigência de um conteúdo mais subjetivo, que valoriza as capacidades de liderança, de tomada de decisões, de criticidade do aluno, os contextos social e familiar em que ele esteja inserido vão ser mais importantes para o êxito nos exames? CC – Isso sempre contou, os jovens que tem um ambiente mais intelectualizado em casa, em que os pais valorizam mais a educação, acompanham o conteúdo da vida escolar dos filhos ou as famílias que estão mais presentes na escola eu acredito que eles terão uma diferença substancial no en-
caminhamento ao longo da vida estudantil. O vínculo família-escola é fundamental e, sobre isso, é importante pensar nas relações familiares. A família mudou, a família de hoje não é mais a de 20 anos atrás, hoje os meninos, muitas vezes, não são acompanhados pelos pais, mas pelos avós, pelos tios... Os casamentos hoje são mais instáveis: uma vez eles estão com as mães, noutras com os pais, e outra vezes não são nenhum dos dois, então tudo isso gera uma situação muito complicada no interior dos alunos e da escola. Nesse sentido, eu compreendo que só um aluno bem amparado vai ser capaz de desenvolver suas potencialidades. É muito importante que as famílias possam saber das limitações dos seus filhos, das dificuldades dessa criança, saber que elas podem melhorar, entende, não é só o resultado que interessa, e o aprendizado não vai estar mais depositado ape-
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REPORTAGEM
nas no último ano de estudo então, de fato, esse processo vai requerer muito mais do emocional dessa criança, desse jovem. VE – E as avaliações? Como deverão ser aplicadas e aproveitadas tendo em vista essa nova metodologia? CC – Esse é um problema que agora está se redesenhando porque antes, como eu disse, os professores sabiam dar aula no modelo tradicional e o faziam muito bem naquele formato exigido para o vestibular, com apostilas, TDs, “bizus”... O professor planejava uma aula cuja essência era a memorização, era decorar fórmulas, decorar conteúdos, nesse sentido, tudo mudou e a avaliação tem que mudar. Ou seja, se a nova perspectiva que se coloca é a vida, que passa a ser uma referência muito mais valorizada – até na própria escolarização –, eu entendo que a avaliação vai ter que acompanhar esse processo e a tendência é a busca para que esse instrumento se torne mais justo e o Enem permite isso. É importante que esse sistema seja contextualizado, que traga questões da vida real (e nesse sentido o modelo da teoria da resposta ao item permite que essas questões sejam contempladas), e que, ao mesmo tempo, a problematização gere a possibilidade de novas respostas às questões. Não é mais como antes, quando o professor chegava na sala de aula e dava gratuitamente o conteúdo, agora é importante que ele faça uma provocação antes de começar a aula, que ele, ao elaborar suas questões, traga um problema que tem sentido, que está inserido na vida real dos alunos, que faça parte da relação que esse jovem, essa criança mantêm com o meio, com os outros homens, com a sociedade, então isso deixa o conteúdo da
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Formando novos olhares para um novo mundo “aos docentes: é necessário flexibilidade com o que está posto, é necessário abertura para o novo, mas é preciso crítica. O professor precisa se atualizar nesse novo tempo. Retorne ao planejamento, sua prática tem que ser renovada.” escola mais rico. Isso possibilita a resposta para algo que a gente sempre se perguntava: como inserir a vida real na sala de aula? E como fazer com que a escola não perca a sintonia com essa vida. VE – Ou seja, a avaliação passa a ser a palavra-chave desse momento, já que as escolas e as pessoas que a constroem precisarão se autoavaliar... CC – Sim, esse é certamente o grande momento de avaliação, inclusive porque, quando eu penso a escola nessa mudança que está acontecendo, eu já faço um diagnóstico. Quando eu penso em construir essas mudanças no âmbito do plano de aulas, eu visualizo essa função formativa da avaliação, então a avaliação não acontece só no ponto de vista da que o professor passa para o aluno, mas da avaliação institucional, porque ela vai fazer uma avaliação interna, esse exame deve migrar para o meio docente, os professores devem se autoavaliar, os alunos avaliarem os professores, a gestão avalia o professor e depois a avaliação da própria gestão com os pais, os alunos e os professores. Acho que ganhamos todos nesse processo.
VE – Que sugestões você daria a professores e gestores nesse momento tão incerto, de tantas redescobertas, como dissemos aqui? CC – Primeiro aos professores: é necessário flexibilidade com o que está posto, é necessário abertura para o novo, mas é preciso crítica, análise. É importante olhar com muito cuidado todas as renovações propostas, é preciso que a gente avalie a caminhada, aquilo que não foi bom e que precisa melhorar, aquilo que foi bom e que deve ser adotado... Acho que os professores precisam caminhar nesse sentido, agora, isso requer investimento na sua formação, seja investimento feito pela escola ou pelo próprio docente. O professor precisa se atualizar nesse novo tempo, não só os conteúdos em si, os saberes pedagógicos, mas vai ser preciso uma renovação de currículo então ele precisa saber o que é o currículo, rever esses conceitos, rever a natureza do que está sendo proposto, inclusive nessa dimensão metodológica. Retorne ao planejamento, sua prática tem que ser renovada. Aos gestores, é preciso uma perspectiva mais clara para a organização da escola, tem que se atualizar, tem que fazer uma leitura do cenário de forma muito coerente. Examinar o que a escola vem ou não acertando, os percursos a se fazer. Da mesma forma, é importante a formação do gestor, que ele acompanhe as tendências, leia e estude, não só no âmbito da administração, mas também no âmbito pedagógico, até pra que ele possa auxiliar os professores. As velhas práticas da gestão, que não põem as escolas adiante, essas tem de ser postas de lado. Agora, mais do que nunca é requerido do gestor uma postura proativa diante dessas mudanças que vem sendo colocadas.
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A Editora IMEPH oferece livros e projetos capazes de formar e cativar leitores, a exemplo do Nas Ondas da Leitura. Realiza assessoria pedagógica e formação de professores, desenvolve programas de aprimoramento de grupos produtivos, colabora com municípios e instituições que necessitam mensurar seus resultados de aprendizagem.
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Brasil Afro-brasileiro e indígena - Atende a uma exigência legal (Lei 11.645 de 10 de março de 2008), e contempla a obrigatoriedade na rede de ensino, a temática da cultura e da memória dos povos indígenass e afro-descendentes, nas áreas de Literatura e História Brasileira.
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Educação em Camocim é assim!
Desde 2008, a Secretaria Municipal da Educação de Camocim – SME vem pautando seu trabalho na necessidade de construir educação com qualidade social, nesse sentido tem assumido como prioridade a formação continuada dos profissionais da educação, a inclusão de alunos com necessidades especiais e a educação integral de crianças de 6 a 8 anos de idade. Algumas ações merecem destaque especial.
romances e de filosofia, entre outros atraentes temas do mercado editorial para que esses profissionais possam, com segurança e com as experiências pró-
prias de bons leitores, conduzir os alunos à paixão pelos livros. Esta ação (Clube de Leitura) faz parte do Projeto de Formação “Sou Professor, Sou leitor”, criado há oito meses. O projeto formou entre os participantes clubes de leitura em que são distribuídos títulos para serem lidos e comentados em encontros mensais. A troca de experiências dos leitores e a visão de cada pessoa sobre os livros aumentam os conhecimentos culturais do grupo, além de promover a proximidade entre os participantes e fazer o ato de ler ainda mais atraente. O projeto foi idealizado pelo Prof. Fábio Sipaúba, que identificou essa demanda através de pesquisa desenvolvida nas escolas municipais, onde a maioria
delas apontou que faltavam projetos de leitura para alunos. Foi a partir dessa necessidade que surgiu o “Sou Professor, Sou Leitor”. Em maio deste ano, os grupos de leitores formados pela Equipe Técnica da SME e coordenadores pedagógicos das escolas municipais se encontraram na Pracinha da Rodoviária para relatar experiências após a leitura de cinco títulos: A vingança, Assassinato na biblioteca, Os miseráveis, O caçador de pipas e A cabana. As obras foram escolhidas pelos grupos, levando
“SOU PROFESSOR, SOU LEITOR!” Através da Coordenadoria de Desenvolvimento Técnico-Pedagógico, a SME está estimulando coordenadores pedagógicos e professores municipais a reacenderem o gosto pela leitura de bons livros. O objetivo é fazer dos profissionais leitores assíduos de diversificados temas apresentados em livros de história,
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em consideração o tema e a afinidade que os componentes tinham com a história. Os coordenadores já começaram a trabalhar com os professores das escolas municipais, utilizando a mesma metodologia. Estes terão a tarefa de tornar os alunos verdadeiros leitores, o que deverá impulsionar a aprendizagem e o pensamento crítico do ambiente escolar. O trabalho de despertar o gosto pela leitura nas escolas municipais espera obter os melhores resultados, principalmente quando se trata dos alunos que são
o alvo principal dessa iniciativa. Por isso conta com parcerias importantes como o auxílio da professora Bia Gouveia (Avaliadora de projetos de leitura concorrentes do Prêmio Professor Nota 10 na Fundação Victor Civita), além de outros parceiros. UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UAB/ PÓLO CAMOCIM Outra iniciativa que está fazendo a diferença é a ampliação e o fortalecimento do Ensino Superior gratuito em Camocim atra-
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vés do Pólo UAB, que atualmente conta com mais de 200 alunos matriculados nos cursos de licenciatura em Química, Física, Letras e Administração em Gestão Pública. Vale destacar que o referido Pólo atende também a alunos de outros municípios e está se preparando para ampliar essa demanda ainda em 2010. Para isso, conta com o apoio incondicional da SME e da Prefeitura Municipal que atualmente cobre as despesas com locação do espaço onde funciona a instituição e com os profissionais de apoio que nela trabalham. EDUCAÇÃO INCLUSIVA QUE FAZ A DIFERENÇA Com o propósito de garantir a todos o direito à educação, desde agosto do ano passado o Município vem efetivando a educação inclusiva no município através da formação continuada
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dos profissionais atuantes no trato de alunos com necessidades educativas especiais. Além do compromisso com a formação e o acesso à sala de aula regular, os alunos com necessidades especiais contam ainda com o CEAS – Centro Especializado de Apoio as Escolas, o qual oferece atendimento psicológico, fonoaudiológico e de terapia ocupacional. Para fortalecer ainda mais o compromisso com esses cidadãos, o município em Parceria com o Ministério da Educação está implantando em 09 (nove) escolas municipais Salas de Re-
cursos Multifuncionais, para garantir Atendimento Educacional Especializado – AEE. PROJETO INTEGRAR Um compromisso que também vem fazendo a diferença é o Projeto Integrar. O referido projeto se constitui uma iniciativa de educação integral para crianças do ciclo da infância (6, 7 anos). Atualmente, o Projeto é desenvolvido na Escola de Educação Integral – Profª Izaura Freire Ferreira, para 162 alunos que estudam em tempo integral, o que representa um projeto educativo que alterna e integra atividades
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de natureza cognitiva, lúdica, sócio-cultural, esportiva e artística, voltadas para a construção da autonomia, do trabalho cooperativo e do prazer de estudar. Segundo o Secretário da Educação, Prof. Augusto Júnior, é proposta da Administração Camocim é do Povo, ampliar até 2012 esse atendimento em mais três unidades escolares.
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REPORTAGEM
e t a b e e d m a m x e E m o e v n o E n o a d n e t n E l a n o i Nac k Por Jac
alho
de Carv
nsino so ao E neis e c a ma ssem dos tive gratuito. Mas a eram a r te io n r e da s qu Supe os estu não mais abe-se ubstie s u q l, a m r sil ra co Em ge Enem em s nal no Bra jo de fazer io o liados ic d a se d v e a o a d tr ã ç o r eira va ado bula la ti p a s d l m e e a v o brasil aO te p n ã n à o ç io o s a Ç a c ic c ia U o d c u D ã a n d n o tr tuiç igê eae INTRO s inter vas ex tuição d ional não se com qu ndência te A substi lo Exame Nac mo trará no no entanto, s e a s seguis a como lar pe icas, m) co a coisa vestibu io (Ene para o góg gue dizer aind ásica púd é M ionais. era um mpe c o r e B in o s la s o ã n u n ç ã o b E ç c ti o sele do uca nte “O ves el de c tituo nunciairão dia ento de s de Ed s em nív In a instrum uperior foi a ado e rede privada se sa da uma s o o d r dolo S e eitor Ca ss R a a o . c eap s li o in a b s o ç n iz n n E me ”, d uda 50 do a o do C io o a ã m ic d e il ç r g d r ti s b ló a a ta is o s p a n des de m Claúd da em l Tec se ada enário na Federa ), professor adesão cnico e c s tenta ves e o ganhou s de ensino té esmo dela rma ao novo d , C (IF ele o zen o fa á d r e s m n õ fo o , u iç r s g m o seu a tu e lh ría S M insti derais. xperiência, icardo. erdendo sua ão. Esta rtas e na hora p ç fe R a r c a io u v r d e ta e e es sup s ce eira nunciou em tibular udança res, esda prim IFCe a O m . depois es de professo cerca as m o d ti vo Ene sen a ? iõ ao No logo após a as opin e especialistas siste- certa o A ã N s E e ad e s CeAI DE C te ano, tudante fícios que ess iosas ULAR S anos, o vesrço des de Federal do em a IB T m n e S o n E e m V r O rsida põe dos b ra ha se cem abria a Unive ). “O Enem á são o Em qua rocesso que rsinho C s ma trar entes. e F c p d rá (U m na tibular foi o ia do u que rsida a g a tr e r r s e iv a ú lt n iv d u d fa in s a os ora s que, as não rova. tas da cheque trava os alun rmaProblem licação da p va- as por para estudante ação, fo s e in d a a ic so ap que .O cas is aces uma prova ita ded bizus, a u m primeira s mesmo dela ainda públi m m e a tinh is d es, nte s ualizar Aliás, a das questõe ó mu- depo os, simuladõ ssa etapara re bular”, diz Clá o ã ç h e s in ti to r s o s n r e cu o ve venc zame ou nã mo que era o. e, mas ca caus eguiam da e ao mes . d avaliar o a na gráfi a data do exam efici- cons a r ã espe ucaç io Ric r em 1998 para nhed d a o n e d tã s a a a d a ç c p dan acer mida saCriado el de co o tão te de pas fianças gurança va o nív ntes egresta r s descon sistema de se is vie- temp que um rito e to o r com o o tibula o estuda o Enem ência d a prova. Dep antes Com assar no ves dade de nto dos e im d li c p d Médio, a , s tu n o á s ter m fi in e tr l e s a g r s n o o ip s E p em cará z do as d r do do princ o ix s la e a d e o o it s a u c e s c q s s li o e s p u sn ia no da a ve ram a aminha ue isso fosse mpre fo Realizado um roblema ão durante c e p s a a a to d to rio. quan ão Não q ducaç voluntá ma de A intenç rio da E dantes. Ministé ações do Siste erros estu elo contrário. i que tofo liz u, ,p as atua nificada - Sis s can- ruim erno sempre U v n o o u g ã lg ç o a d le e Se od Justiça. sificaçã na clas ram parar na fo didatos 32 | ABRIL / MAIO 2010
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a cada ano, pretendia oferecer uma referência na auto-avaliação dos estudantes com vistas as suas futuras escolhas. Em 2009, ao sugerir a adoção do Enem como processo seletivo para universidades e institutos federais de educação superior, o MEC criou o Sistema de Seleção Unificada (SISU). Em todo o País, 51 instituições federais aderiram ao processo, tendo o Novo Enem como único processo seletivo ou parte dele. O estudante podia escolher até cinco cursos em qualquer instituição participante do SISU. O Sistema selecionou os candidatos com melhor desempenho nas notas do Novo Enem de acordo com as vagas oferecidas por cada instituição. A seleção, feita em três etapas, deu mais de uma oportunidade para o estudante. Com o argumento de democratizar o Ensino Superior, o Ministério apontava o fato dos candidatos não precisarem deixar suas cidades de origem para tentar vestibulares em outras cidades ou Estados. A prova foi realizada no mesmo dia e tinha conteúdo para todas as regiões do País. Mas críticas não faltam ao novo processo seletivo. Rodrigo Santaella, do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Ceará (UFC), diz que o SISU é excludente. “É o momento de se repensar o vestibular, que é excludente, mas o Enem é mais excludente ainda”. Ele aponta que é positivo que o vestibular seja substituído por uma prova interpretativa e interdisciplinar, mas o mesmo exame sendo aplicado para todo o País deixa de lado peculiaridades regionais. Outra crítica do DCE da UFC diz respeito a como se dá as etapas do SISU. “Nos quatro
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Senadora Marisa Serrano: a função do Enem de avaliar o Ensino Médio não é cumprida.
dias de seleção é preciso atualizar sempre o cadastro, a todo tempo há seleção por nota de corte. Quem tem computador todo dia? Quantos estudantes pobres têm acesso a qualquer hora a um computador?”, questiona. Para a Senadora Marisa Serrano (PSDB/MS), vice-presidente da Comissão de Edu-
cação do Senado, o governo deveria ter feito essa mudança a mais tempo.“Lula teve sete anos para fazer essa mudança. Teria efetivamente menos problemas”. A Senadora diz que é preciso rever a aplicação do Novo Enem: “Não é possível que o Enem seja da forma como foi, pela logística, pela forma da preparação e de correções.” Em sua opinião, o Enem passa a ser uma ferramenta de seleção para o Ensino Superior, mas não é usado como avaliação do Ensino Médio, não cumprindo assim sua função principal. Apesar de achar que a mudança não foi uma decisão democrática, Marisa Serrano diz que, se adequado às necessidades das universidades e dos estudantes, o Enem é uma boa ferramenta e que, bem utilizada, será importante para a melhoria na educação. Há quem não veja grandes mudanças na substituição do vestibular. “Eu acho que o Enem é a mesma coisa do vestibular, só que ao invés de ser aplicado pela universidade
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REPORTAGEM
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é aplicado pelo governo federal, em escala nacional”, diz o Senador Cristovam Buarque (PDT/DF). Professor na Universidade de Brasília (Unb), Cristovam Buarque acha que a mudança não altera nada no Ensino Médio. Para ele, hoje o estudante só se dedica no último ano do Ensino Médio para fazer o vestibular e vai continuar assim. Ex-ministro da Educação no governo de Lula, Cristovam Buarque defende que a melhor solução seria adotar o sistema que já é utilizado há 16 anos na Universidade de Brasília: o Programa de Avaliação Seriada (PAS).“ Já tem gente formada que entrou na UNB pelo PAS. Melhorou a qualidade de ensino no Distrito Federal”, argumenta o Senador. No PAS, os estudantes são avaliados ao final de cada um dos três anos do Ensino Médio, mas apenas a melhor das três notas é considerada na seleção da universidade. Cristovam Buarque aponta três caminhos que, segundo ele, mudariam de verdade a educação básica no País: federalizar o Ensino Fundamental, fazer do professor um concursado federal e equipar as escolas. “O professor de hoje tem que dispor de televisão, de computadores. Ele tem que ter hora para se preparar, tem que ter hora para orientar aluno. Ele não pode trabalhar 40 horas, isso é um crime contra o País, contra o professor.” Outra solução apontada pelo parlamentar é o sistema de escola em tempo integral. “Uma escola hoje que tenha quatro horas de aula não é completa. O nível de exigência hoje faz com que escola tenha que ter muito mais de quatro horas.” CADA UM A SEU TEMPO Tão logo algumas universidades aderiram ao exame, escolas particulares saíram à frente ten-
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Senador Cristovam Buarque acredita no PAS como alternativa eficiente.
tando se adaptar às questões aplicadas. “Nós reescrevemos todas as apostilas. A parte teórica sofreu algumas alterações mas as grandes mudanças estão nas questões. Elas seguem o modelo Enem, em todas as apostilas. Uma adaptação da instituição”, diz o professor Sílvio Mota, supervisor-geral do Colégio 7 de Setembro, de Fortaleza. Para ele, algumas mudanças são bem fáceis de serem percebidas. Uma delas, na postura dos professores. “Antes o professor usava a
matéria dele como fim ‘Ah, meu aluno vai ser matemático, físico...’ Agora a matéria dele é um meio para se trabalhar as cinco competências.” As competências citadas são: domínio de linguagem, compreensão de fenômenos, enfrentamento de situações-problema, construção de argumentação e elaboração de propostas de intervenção na realidade. Para o professor Silvio Mota, as escolas que já vinham trabalhando de acordo com o que exige os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) não terão grandes problemas de adaptação. Cláudio Ribeiro, reitor do IFCe, acredita que o Enem “vai mudar um pouco na forma de se ensinar, especialmente no Ensino Médio.Ter que adotar outras estratégias pedagógicas que não aquela de passar informação pro aluno decorar”. Os dois concor-
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dam que a aplicação prática do conhecimento, como exige a prova, deverá se tornar uma realidade dentro da sala de aula. Para o Diretor de Concepções e Orientações Curriculares para a Educação Básica do MEC, professor Carlos Artexes Simões, o Novo Enem possibilita duas coisas fundamentais para a melhoria do sistema brasileiro de ensino. A primeira delas seria a aproximação dos sistemas estaduais de educação com as universidades. A outra, avaliar o Ensino Médio. “O Enem favorece e tem um grande potencial de configurar aquilo que é essencial a ser aprendido e ser adquirido de capacidade no Ensino Médio”, diz. Carlos Artexes vê a mudança como uma ousadia positiva. Ele reconhece que o ensino público tem dificuldades que precisam ser superadas, mas vê na escola pública, pelo seu aspecto quantitativo, o grande espaço para democratização do conhecimento. “A iniciativa privada no Brasil não cresce, corresponde a 12% das matrículas, a maioria da população está estudando nas escolas públicas, sobretudo nas estaduais”. Segundo o secretário-adjunto da Educação do Estado do Ceará, Maurício Holanda, uma articulação entre a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), a Universidade Federal do Ceará (UFC) e o Instituto Federal Tecnológico do Ceará (IFCe) traça ações para que os estudantes das escolas públicas do Estado não fiquem obsoletos nessa disputa. Para ele, o Novo Enem pode despertar nos estudantes uma motivação que antes não existia. Um dos principais motivos enumerados por Maurício Holanda é que não existe uma barreira econômica entre o estudante e a prova. “Nossos alunos estavam
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sendo barrados de fazer o vestibular. A simples dificuldade de pagar inscrição ou se deslocar para fazer a prova. Eu conheço muitos alunos de escola pública que não passaram porque não tiveram nem o direito de se inscrever”. O curioso é que mesmo consciente da limitação financeira dos estudantes da escola pública, Maurício Holanda pensa que a mobilidade, ou seja, a mudança dos estudantes para outros estados, não é algo que deva ser motivo de preocupação. A longo prazo, diz ele, essa mobilidade é “extremamente benéfica porque gera uma integração maior no país”. “Uma experiência muito enriquecedora e amadurecedora”, completa. DESAFIOS Rodrigo Santaella, do DCE da UFC, acredita que o êxodo dos aprovados pode gerar evasão. Isso porque estudar longe de casa gera custos que nem sempre os estudantes podem arcar. Outro motivo é que tendo outros cursos a sua disposição nas segunda e terceira etapas do SISU que não sejam o seu principal objetivo, os estudantes até podem escolher e fazer matrícula nas instituições, mas aos poucos podem desistir já que não é aquilo desejavam inicialmente cursar. Um caso que reforçou ainda mais essa discussão sobre mobilidade foi o do curso de medicina da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Todas as vagas oferecidas pelo SISU, que representava 50% do total de vagas do curso, foram preenchidas por estudantes de fora do estado. Para a Senadora Marisa Serrano (PSDB), o MEC deveria rever o assunto.“ Isso é ruim por que eles não conhecem a região,
não são de lá e provavelmente não vão criar raízes. A medicina, principalmente na região Norte, é fundamental. E se as pessoas não ficarem na região, só fazerem a faculdade e voltarem para seus estados de origem, vai prejudicar enormemente essa equidade que nós queremos”, argumenta a parlamentar. No Ceará, a Secretaria da Educação diz que as escolas vão oferecer o máximo de informação sobre o Enem e o SISU para os estudantes. O objetivo é fazer com que eles se familiarizem com as questões e o processo seletivo. Maurício Holanda, secretárioadjunto da Seduc, acredita que isso vai fazer com que os alunos vejam que têm chances reais na disputa, uma vez que o raciocínio é a palavra da vez. “Uma coisa é você competir numa prova de memorização, dicas e pegadinhas com quem tem os melhores professores dando bizus e fórmulas. Outra coisa é nós dois irmos pra uma prova de raciocínio. Aí eu acho que a inteligência está mais democraticamente distribuída do que o poder econômico para pagar a preparação do vestibular”. Essa nova perspectiva, segundo Maurício, pode fazer com que os estudantes pressionem para uma melhoria na educação pública, de uma vez por todas, o que, em sua opinião, seria algo muito bem-vindo. O secretário adjunto da Seduc acredita ainda que não são os livros que precisam mudar, mas sim o olhar. E essa mudança de percepção é um desafio lançado principalmente a um profissional fundamental nesse processo de mudança: o professor, que poderá agora fazer um trabalho interdisciplinar mais focado no desenvolvimento crítico. Segundo ele, as exigências do vestibular tradicional limitavam os professores a
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REPORTAGEM
REPORTAGEM
cos fizessem a prova em uma das línguas predominantes nas aldeias, o Tucano.“Nós temos comunidades em que a gente tem que perceber a lógica desse conhecimento, desse saber”, alerta Airton de Almeida.
uma didática incapaz de romper com a velha prática de ensino, muitas vezes inaplicáveis no dia a dia dos alunos. Formar os professores sobre as teorias científicas que embasam a prova do Enem, a ponto de saberem formular questões como as do exame é uma das intenções da Secretaria de Educação do Ceará. “Sabendo formular questões saberão ensinar os alunos a como resolvê-las. Sabendo resolvê-las os alunos treinarão as capacidades principais para se saírem bem nas provas”, diz Maurício Holanda. Mas isso pode levar algum tempo. “Cada vez mais existe uma consciência de que os professores precisam aprender a lidar com outros saberes, articular isso na prática pedagógica e isso não acontece de um dia pro outro”, ressalta Carlos
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Artexes, do MEC. Segundo ele, o MEC não pretende lançar nenhum material específico para esse novo desafio, mas os editais do livro didático, com o tempo, absorverão essa demanda. “O governo federal não vai lançar nenhuma cartilha, mas tem se esforçado, seja na licenciatura seja no material didático, para mostrar a importância dessa articulação de saberes”, diz. Para o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino no Ceará (Sinepe), professor Airton de Almeida Oliveira, a disputa por vagas no Ensino Superior continuará desigual, pois reflete a própria condição social do País. “Nós temos alunos aqui que concorrem ao vestibular e que nunca viram uma sala de cinema, nunca foram ao teatro,
quem dirá ter acesso às novas tecnologias”. Para ele, a exclusão a esse tipo de equipamentos culturais, por exemplo, pesa na disputa por uma cadeira na universidade. E outros dados revelam a dimensão desse desequilíbrio entre alunos do ensino público e privado no Ensino Superior. No Brasil, apenas 13% dos alunos da Educação Básica estão nas escolas particulares. Mas 75% dos bancos das faculdades do Brasil estão ocupados por esses estudantes. Gestão de resultados é o que garante essa qualidade superior do ensino privado sobre o público no país, aponta o presidente do Sinepe. A nova proposta do exame possui desafios a supercar também quando se pensa na pluralidade étnica e cultural do Brasil. Segundo o professor Airton de Almeida, no Amazonas, um grupo de 23 comunidades indígenas que juntas possuem 19 línguas diferentes foram confrontadas com um dado nada agradável: o de que a escola indígena foi a de pior desempenho em todo o país. Não há segredo: a prova era em português e os saberes não faziam parte da realidade da comunidade indígena. O cacique comunicou ao Conselho Estadual de Educação do Amazonas que não mais participariam do Enem. E ainda lançou um desafio: o de que os bran-
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NA EDUCAÇÃO FALTA COMUNICAÇÃO Um dos principais objetivos do Exame Nacional do Ensino Médio fica comprometido pela falta de estatísticas oficiais que deveriam ser repassadas pelo Ministério da Educação às secretarias estaduais da Educação. Isso impede que o Ceará, por exemplo, avalie o desempenho de seus estudantes, dificultando a criação
de estratégias para melhorar a educação. O secretário-adjunto da Educação do Ceará, Maurício Holanda, admite não saber como está o desempenho dos estudantes cearenses no exame, por falta de números. Não se sabe quantos estudantes fizeram o Enem, quais foram suas notas médias ou mesmo quantos conseguiram vagas no SISU. “O que a gente sabe é que os nove estados do Nordeste são os campeões de mau desempenho no Enem, mas que no Nordeste o Ceará, Pernambuco e a Bahia tendem a ficar entre os melhores”, diz Holanda. Talvez esse seja um problema mais fácil de se resolver do
que o da grande desigualdade na qualidade da Educação no Brasil. Mas não há dúvidas de que a adoção do Novo Enem inquietou a todos que estão ligados à educação, pautou jornais, trouxe novos questionamentos, expôs mais uma vez os desafios para fazer do conhecimento o capital mais valioso que o país possa produzir. Se as mudanças de agora possibilitarão isso, parece que caberá ao tempo responder. Aos agentes da mudança, cabe a fiscalização e o compromisso com o desenvolvimento do país.
COMO SE CORRIGE O NOVO ENEM A Teoria de Resposta ao Item (TRI) é um modelo de avaliação estatística aplicada, dentre outras áreas, na educação. Formulada há mais de 50 anos e utilizada em vários outros países como Estados Unidos e Holanda, a partir de 1995, passou a ser adotada no Brasil no Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb) e agora também no Novo Enem. A correção é através de um sistema computacional que a partir dos parâmetros das questões calcula a nota de cada um dos candidatos. O grande mérito desse sistema é que a pontuação dos estudantes varia pelo tipo de questão que ele mais acerta:
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fácil, média ou difícil. Isso permite que se mapeie melhor as habilidades e competências de cada um dos candidatos. O que a princípio pode gerar estranhamento quando, por exemplo, dois estudantes acertam o mesmo número de questões e têm notas diferentes. Mas é justamente o valor agregado a cada questão variando pelo grau de dificuldade dela que seleciona os estudantes mais capacitados. Assim, podemos ter algumas situações: 1)Um candidato que acertou somente dez questões mais difíceis terá uma nota maior do que o candidato que acertar somente as dez mais fáceis.
2) Quem acertar as dez mais fáceis e as dez mais difíceis terá maior nota do que quem acertar apenas as dez mais difíceis. 3) A maioria das respostas que um candidato acerta vira o parâmetro individual dele. O que faz com que poucos acertos fora desse parâmetro tenham um impacto menor sobre a pontuação. Essa última situação sugere que um candidato que acerta as questões mais difíceis, por coerência deve acertar também as consideradas médias e fáceis.
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INCLUSÃO
Uma rosa com espinhos: um conto sobre inclusão Paulo Afonso Caruso Ronca
Para refletirmos sobre respeito às diferenças e inclusão social, professor Paulo Afonso Ronca nos brinda com sua escrita em forma de conto. Através da ficção, o autor aborda o preconceito a pessoas com deficiências e destaca a força daqueles – ainda poucos – que realmente lutam pela dignidade da pessoa humana.
O pôr do sol me enviava sinais do cansaço do dia, alertando-me sobre a hora de fechar a minha floricultura. Porém, como vendera pouco naquela rabugenta segunda-feira, resolvi dar um tempinho, pois uma inspiração vinda do além me dava a impressão de que poderia salvar a féria. Ocorreu justamente o contrário. Conto-lhe. - Ô dona, quanto a dúzia de rosas? - Perguntou-me um homenzarrão que acabara de adentrar. Bem vestido, embora de barba a fazer; de terno e gravata, todavia sem nada a ver esta, com aquele; de boas maneiras, contudo, parecendose mais com um artista fuleiro. E não demorou muito para vir à tona a sua verdade, até então escondida. Ao ouvir a resposta sobre o preço, ele, rápido e seguro, sacou uma arma reluzente, oculta entre o cós das calças e as costas e, apontando-me, afirmou ser um assalto. - Não atire - implorei tomada pelo medo e pela covardia. Estou sozinha com a Marielena e lhe daremos tudo o que temos; sossega, criatura, pelo amor de Deus!
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- Deus existe para poucos, dona. - E, olhando para a moça servente, sentada longe do caixa, mandou, com voz de um tenor, que lá fosse, abrisse-o e lhe passasse todo dinheiro. Parecia ter a alma possuída pelos demônios dos demônios. Ela saiu de onde estava e, vagarosamente, sem entender a gravidade do perigo pelo qual passávamos, foi atender a ordem. - Quem é essa moça? Por que anda assim? Parece uma lesma; depressa vagabunda, se não eu mato você. - Mais uma vez, por piedade, não ligue para ela! Ela tem dificuldades e não entende as coisas. Eu a ajudo desde há muito. Ao ver a moça, irritou-se e o seu semblante mudou. Enrugou a testa, baixou as sobrancelhas e alongou o pescoço como sinal de altivez. Mostrando intenso desprezo às minhas súplicas, apontou a arma ao meu coração e disparou: - ... *** A vida são as suas circunstân-
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cias, já disse um poeta. E foram exatamente as circunstâncias que dirigiram a minha maneira de viver, às vezes patética, às vezes pelos caminhos da alegria. Drama e felicidade são estradas que se cruzam e se juntam inapelavelmente. E, parece, serem sempre incompreensíveis ou misteriosas. Quem sabe? Meu marido era professor e morreu cedo, deixando-me mirrada herança e ainda menor aposentadoria; com aquela, consegui abrir uma casa de flores, com a qual sustento mal-e-mal meus filhos. São quatro moços, estudam quase período integral e não me podem ajudar em nada. Sinto, até, admirarem-me pelo que lhes fiz, aplaudirem-me como mulher decidida e trabalhadora; no entanto, não me dão a atenção e o carinho de que preciso. Não sei se os seus são assim, leitor ou leitora, mas os meus filhos me tratam bem diferente do que eu tratei meus pais; bem para menos, é bom salientar... Não preciso descrever a situação desse País e o quanto se necessita trabalhar no ramo do comércio. Não só neste, como em qualquer outro negócio, o mar não está para peixe. Quem me ajuda aqui é Marielena, uma mulher de quase trinta anos. Trinta anos? Digamos, de idade cronológica, mas de mental bem menos, não sabendo com precisão. Por isso mesmo não sei bem se é ela que me ajuda ou se sou eu que a ajudo... *** Marielena apareceu em minha vida por um desses acasos inexplicáveis. Aconteceu de o menino que comigo trabalhava evadir-se um dia, levando consigo as entregas prometidas a dois fregueses. Foi um pequeno furto, por assim di-
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zer, bem doméstico, todavia lhe custou o emprego. Soube depois ter presenteado a namorada com as benditas flores. Inconsequências da juventude, imagino. Entrementes, visitou-me uma grande amiga, perguntando-me se não necessitava de alguém para trabalhar, pois sua filha estava precisando. Aceitei vê-la em uma entrevista; ao fim desta, disse-lhes um delicado, mas não menos sonoro “não”, dado ser visível a inaptidão da jovem. Por uma semana não consegui dormir direito, porque a tal moça não saía de minha cabeça e o remorso me pesava na consciência como uma âncora. Afinal, por que não aceitá-la, se procurava com urgência alguém para me auxiliar? Não sei por qual feitiçaria “comprei” o problema, sem perceber que entrara em um beco sem saída. Terça-feira seguinte, Marielena estava registrada e trabalhava comigo. Disto, já se passaram quinze duros e longos anos. *** O seu semblante e modos eram diferenciados do comum dos mortais e sempre me enganavam, pois ora aparentava a própria idade, ora se parecia mais velha. Não sei. Os cabelos já brancos davam sinais de uma velhice precoce; o seu andar, rígido e compassado, mais se assemelhava ao de um soldadinho em dia de festa Nacional; os seios avantajados, duas profundas covas em cada bochecha; um tique nervoso de sempre mexer a mandíbula para frente e um olhar meio solto no ar e aturdido. Enfim, tudo dava a crer se tratar de pessoa estranha e incomum. Os fregueses já a haviam notado como tal e, vira-e-mexe, perguntavam-me quem era, o que ti-
nha e o que ali fazia. Não me dava por vencida e explicava, explicava, explicava o que sabia e o que lhes pudesse acalmar. Com pouco sucesso, garanto, pois não me lembro bem qual deles me confessou até sentir medo dela. Marielena possuía pouquíssima atenção, diminuta percepção e ainda menor memória. Desconfiava que o seu cérebro funcionasse à meia-luz, principalmente quando, no meio do caminho, esquecia-se de cumprir minhas ordens. Lembro-me de quantas vezes fora ao Banco, depositar um dinheiro e, de lá, telefonava-me para saber “o que é mesmo que devo fazer?” Aritmética? Só as duas operações iniciais e básicas. Escrita? Letra feia e um Português assim assim. Comunicação? Ah! essa era a pior, posto só responder o que se lhe fosse perguntado e, não tendo a menor expressividade, dava conta somente de assuntos os demais corriqueiros, em respostas sim, talvez, não. Para ela o mundo não girava, sugerindo que a realidade estivesse parada e estática em sua mente. Esta, assemelhava-se a uma lâmpada trêmula, fraca e inerte, sobre a qual, em noites quentes, saçaricam mariposas. O pensamento mais se parecia com eslaides fragmentados, do que com um filme a correr concatenado. Não demonstrava sentimentos, emoções ou sensações, as menores e quaisquer. De quando em vez, sumia em seu mundinho interior, mergulhava lá dentro, desligando-se do seu entorno. Por vezes, peguei-a batendo os dedos em suas têmporas, como se desejasse que a mente funcionasse ou para ficar mais alerta. Sei lá. Em outras ocasiões, andava de lá para cá, de cá para lá, semelhante a um zumbi, sem eira nem beira. Por que estava lá há tanto tem-
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INCLUSÃO
po trabalhando na floricultura? Por quê? Não me pergunte, estimado leitor. Não tenho razões, a não ser as do coração. E o coração é um músculo oco e músculo não pensa, só sente! *** Em um domingo enfarruscado, encontrei-a a perambular pelas ruas da região, segurando, em uma das mãos, um guarda-chuva e, na outra, as amáveis mãos de um homem. Espanto geral. Como era possível alguém gostar dela? Como deveria ser o namoro daqueles dois? Sobre o que conversariam? Faziam o quê? A minha cabeça girava em parafuso. Só, aí, pude entender: os estranhos e diferentes também podem se envolver afetivamente. Confesso não ter sido uma grande novidade; mais, muito mais, fora uma estrepitosa lição de vida.
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Preocupei-me sobremaneira, a ponto de ir ter com ela. Cheguei tarde, pois estava grávida. O que lhes narro sobre esse episódio é tão pouco e curto, quanto durou a sua gravidez, pois, em um rasgo de aflição e de vida mental atuante, pediu-me que a ajudasse a interromper. Interromper? Uma gravidez? Já pensou? Foi, quem sabe, um dos momentos cruciais de minha vida, no qual o meu coração batia de frente com a razão, fazendo com que meus pensamentos parecessem uma fileira de dominós caindo, caindo. Ali, em uma esquecida floricultura, jogada no meio do mundo, eu convivia, a meu ver, com um dos maiores temas polêmicos e insólitos da história da humanidade. Fazer o quê? Afinal, não era sua mãe e a minha responsabilidade se tornava escassa a ponto
de influenciá-la em uma decisão tão íntima. Como poderia aquela Marielena cuidar de uma criança? Correria o seu bebê riscos de uma hereditariedade mal-arranjada? Quem iria sustentá-lo? Eu? Em muitos anos de convivência, aconteceu o primeiro e único contato físico entre mim e ela: desajeitada e trêmula, agarrouse em meu pescoço, chorando à exaustão, a ponto de marcar densamente a minha blusa com suas lágrimas e com sua coriza. ― Interromper? Quando, como, com quem e onde, meu Jesuzinho Santo? E você sabe quanto custaria? Eu não. Quando se desprendeu de meu colo e caminhou para se sentar no lugar de atendimento ao público, meus olhos molhados a acompanharam, quase saindo das órbitas. ― Só mulheres entendem outras mulheres nessa situação, pensei.
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Leitor amigo, desculpe-me a soberba, mas homens não entendem nem de gravidez, tampouco da possibilidade ou não de interrompê-la. Acabou-se a brincadeira. Eu, que sempre pensara sobre interrupção de gravidez de maneira muito arrojada, com idéias modernas, atrevidas, permissivas e abertas, estava, agora, acuada e indecisa. Aquele abraço fez vibrar em mim o mais ingênuo e indecifrável instinto materno. Quando ideias avançadas e pessoais exigem posicionamentos concretos e imediatos, as dimensões do problema mudam de figura. Quando é para realmente colocar em prática o que se pensa, o ciclo das decisões se fecha e nos paralisa. Humanos somos, não? Uma sensação de impotência e de fraqueza visitava minha alma já inflamada por densas contradições. É impossível ser mais explícita!
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*** Confesso, sentia-me cansada de suas confusões e minha paciência chegara aos limites. ― Já fiz muito por ela e, daqui para frente, que procure outras pessoas para ajudá-la. Tenho de ser a salvadora do mundo? Eu, por quê? Se cá estou me confessando, que vá tudo até o final das contas. Tenham-me com paciência e me entendam como puderem: é difícil trabalhar com pessoas com dificuldades, quiçá com deficiências. Há que se ter a infindável e perene paciência de Jó - aquele que, segundo relatos bíblicos, fora tão castigado e provado por Deus, que sua mulher lhe teria dito: amaldiçoa Deus e morre, infeliz! (Jó 2:9). Todavia, o pobre homem tudo aguentou e suportou com resignação.
Aí em cima, disse-lhe ser difícil trabalhar com pessoas assim como Marielena. Mentira minha, mentira. É dificílimo. Quase insuportável. Intolerável. Marielena era um peso diário. Não me dava respostas e não compartilhava coisa alguma comi-
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go, nem uma palavra, tampouco afeto. Para ser franca, abro o meu coração sincero à leitora que, sem dúvidas, poderá me compreender: ela era uma verdadeira sogamonga, sonsa, sem sal. O relacionamento não era propriamente um “relacionamento”, era uma provocação cotidiana; vivíamos em absoluta solidão; uma solidão a dois. Demais, não pedia nada de mim, mas também nada me ofertava. Além do mais e de tudo, colocava em risco a reputação do meu estabelecimento comercial. Sentia com clareza que as pessoas a maltratavam, olhavam-na com olhares esguios, quem sabe alarmados. Às vezes, eu própria sentia repugnância por ela, para não dizer certo asco. Como posso me defender de meus sentimentos? Entende? Em contrapartida, trabalhar com Marielena, portadora daquelas carências, era para mim um exercício de humildade constante. Aprendera muito com a pobre mulher, posto que a nossa convivência exigisse fôlego, determinação e, sobretudo,
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respeito incondicional; um dramático aprendizado de subserviência e de submissão à vida. Estar tranquila era o desafio de todas as horas; saber ouvi-la sem pressa, um exercício de perseverança; olhar para ela sem desconfianças se tornava uma procura milenar, quase inatingível. Lidar com preconceitos não era nada fácil; não me faço obrigada jurar pelo Céu e pela Terra! Os senhores e as senhoras já bem o sabem, não? Qualidades, elas as tinha, naturalmente. Era sossegada, serena, pontual, de boa índole e honestíssima. Quieta, nunca reclamava de nada e, a bem da verdade, não me trazia problemas de comportamento. Sorria, quando questionada severamente; olhava-me com ternura quando não sabia fazer contas e era exímia nos arranjos de flores. Porém, qualidades como estas não são consideradas em uma sociedade em busca só e só de resultados e de dinheiro. Vendo Marielena faltar ao trabalho há três dias e com esses pensamentos e sentimentos sempre contraditórios, estava disposta a cortar o mal pela raiz. Iria despedi-la. Fui procurar sua mãe. *** Era uma mulher encantadora. Já meio acabada fisicamente, mas de força interior e de entusiasmo fascinantes. Gostava de falar e de narrar seus planos para o futuro. Dizia-se de ‘esquerda’ e recriminava severamente esta sociedade consumista e, no dizer dela, idiotizada e idiotizante. Pessoa culta, criativa, preparada e crítica. A sua mente sabia pensar claro e depressa. Em tudo, o contrário da filha; escárnio do destino, diria o outro. Eu, como viúva, acostumei-me mais a ouvir do que a falar. E foi o
que fiz durante as horas nas quais estivemos juntas em um pequeno restaurante. Horas, sim, pois ela era detalhista e prolixa. - Afinal, o que tem sua filha? Eu vim falar com você, pois estava pensando em des... - Noto ser ela diferente, mas nunca soube o que Marielena tem. Nenhum diagnóstico preciso. Na hora do parto, estava sozinha e tive um desmaio provocado pelas fortíssimas dores. Nunca me descreveram bem o acontecido naquele instante fatal - disse-me isto, fechando ambos os punhos, em sinal de desespero -. Porém os problemas logo apareceram: andou tarde, falou mais ainda; foi sempre muito sozinha, de poucos amigos e iguais conversas. - Eu vim falar com você, pois estava pensando em desp... - Levei a minha Marielena aos melhores especialistas. Foi diagnosticada por uns como limítrofe, chamada por outros de autista, até de psicótica. Tratamentos foram feitos todos, a ponto de nos endividarmos e vender o carro que tínhamos na época. Nada! Pouco foi o conseguido. Contudo, a força de uma mãe com uma filha assim é estupenda: cada dia não é um dia, mas uma centelha de esperança; cada visita a um consultório é expectativa incontrolada; em uma nova pílula de remédio, um sonho que se renova. - Foi muito sofrimento? - Indescritível. Inenarrável. Se pudesse lhe contar o tanto de lágrimas vertidas, deveras, daria um meio-oceano. Via no rosto das pessoas os preconceitos, sentiaos em seus olhares. As pessoas só aceitam o comum, o normal e quem não lhes traga problemas; o incomum vai para a fogueira da Santa Inquisição. Escuta, não queremos e não sabemos lidar com a diversidade. A propósito, - agora
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falava bem baixinho, tipo cochicho - a propósito, a diversidade vai ser a marca registrada desse século. Quem viver, verá! Os preconceitos fazem um terrível e perigoso jogo de esconde-esconde entre os nossos demônios particulares e as ilusões universais. Os preconceitos nos tornam pequenos deuses; servem para massagear o Ego, pois, com eles, nos sentimos vaidosos por não sermos iguais àqueles a quem conceituamos ou criticamos. A vaidade, querida amiga, a vaidade... - Enfim, eu vim falar com você, pois estava pensando em desped... - Os problemas se agravaram na fase de alfabetização. Foi na escola o meu maior tormento, uma verdadeira via-crúcis. Ou melhor, nas escolas; foram sete. Dei minha cara a tapas. Os amigos a rejeitavam, - neste momento, a mulher passou a língua no lábio superior direito para engolir uma lágrima - os pais das amigas a evitavam e os diretores todos diziam não ser o perfil de aluna desejada. Marielena era o pomo de discórdia! Escola deveria ser um local de paz, não acha? Para Marielena nunca o foi, pelo contrário, uma guerra instalada. Se eu fosse presidenta da República baixaria um decreto pelo qual obrigaria, em cada sala de aula, ter uma Marielena; aposto que os normais aprenderiam desde cedo a lidar com as diferenças. Sabe com quem ela se dava melhor? Invariavelmente, com a dona da cantina, com as faxineiras e porteiros. Eles ficavam nossos amigos. Noves fora: parou de estudar. Ter tido uma filha assim não foi um sofrimento tão grave, quanto não a ter visto conseguir aprender ou, ao menos, podido desfrutar do mínimo e do que pudesse no convívio escolar.
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- Eu vim falar com você, pois estava pensando em desped... - Aí, surgiu você em nossas vidas. Talvez abuse um pouco de reminiscências, todavia Marielena sempre esperou por uma oportunidade! Ela mudou da água para o vinho no instante em que colocou os pés em sua floricultura. Precisava de alguém, desse acolhimento, da fé que tem nela, da aceitação oferecida e do carinho com que a trata. Ela me conta de sua amizade e das inúmeras conversas; diz-me ajudá-la naquilo de que você precisa e não ter medo de nada. Enfatiza muito que você não a rejeita, estou segura dela não ser um peso diário em sua vida e nem de colocar em risco a reputação de seu comércio. Vejo que os seus fregueses, igualmente, não a rejeitam, aceitam-na e que ela nunca lhe traz problemas de espécie alguma. Até a memória e a atenção já melhoraram muito, estando quase, quase boa, não acha? Sabe, há três dias não vai ao trabalho - agora, a mãe chorava copiosamente -, pois teve um probleminha de saúde o qual, graças a um médico conhecido, já foi resolvido; peço-lhe desculpas por ter faltado devido a sua recuperação. Foi um assunto complexo, mas Deus é Pai, não? Perdão, você me dizia ter vindo falar alguma coisa? Então, fale! Era desped... o quê? - Não é nada, nada! Mocinha, a conta, por favor. Vamos, já se faz tarde e eu preciso ir. Silenciei. O silêncio é a arma dos
fortes ou a dos fracos? Deixo à leitora a tarefa de responder tal questão! *** Ao ver a moça, irritou-se e o seu semblante mudou. Enrugou a testa, baixou as sobrancelhas e alongou o pescoço como sinal de altivez. Mostrando intenso desprezo às minhas súplicas, apontou a arma ao meu coração e disparou: - Ô dona, já estou entendendo tudo. Se a senhora cuida dessa moça, o seu fardo já é o bastante. Deve ser um traste em sua vida, uma cruz pesada demais para ser levada. Pessoas assim não valem a pena nem mortas. Ferrem-se vocês duas. Me dê isso e basta. Enfiando a arma por entre o cós das calças e as costas, foi-se, levando uma rama com diversas flores. Descuidado, deixou cair no chão um pequenino maço, que continha tãosó uma rosa com espinhos.
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PAULO FREIRE
CRÔNICA
Copa do Mundo e Eleição Dois temperos para mundos tão desiguais
Raymundo Netto
Copa e Eleição. Eleição e Copa. Dois mil e dez, sem dúvida, dará o que falar. Nas rodas de bares da cidade, além das opiniões supérfluas sobre os “herois” daquele supérfluo e mexeriqueiro programa de tevê, líder homofóbico de audiência, e as reclamações sobre as rotineiras rotinas de velhidades e da esperança que não virá com um novo amor, surge sempre um comentariozinho, chulo que seja, sobre esses dois temas: Copa e Eleições, ou vice-versa. De Copa, pouco se entende. Sempre ouvimos a sentença básica de que o técnico não presta, nem vai prestar, que o jogador tal, mesmo em chuteiras, só joga de salto alto, ou que amarela — não só na canarinha camisa —, enquanto o outro só joga mesmo lá fora, mas aqui no Brasil, que é bom, vira um perna de pau, um fantástico bola murcha. Torcer por um time desses
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é quase como se perder um voto na urna... ou na trave! De eleições, pouco se entende e se sabe. Tirando os correligionários, comprometidos e desinteressados até as raízes dos poucos cabelos que restam, todos chegam sempre à mesma e provável conclusão: que importa se tudo é igual, nada muda nem vai mudar?... Defender com entusiasmo um candidato é quase como marcar um gol contra. Nos tempos modernos, a política cearense, mesmo a brasileira, chegou a um nível de harmonia que enfadonha. Quase um empate, se não W.O... Todos parecem estar do mesmo lado, ou seja, do seu próprio. A competição megasênica pela vaga no poder, movida pelo se “colar colou”, pelo emprego de assessores de imprensa que “enfeitam o bolo” — também de olho no futuro promissor —,
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o programa gratuito de tevê que chega a arrancar mais gargalhadas do que a decadente Zorra global, tudo isso desanima esses bombardeados eleitores-torcedores, sempre na zaga, cansados de ver tantas bolas arremessadas sem propósito em jogos pré-combinados, forjados na estupidez de cartolas que diante da santa omissão popular inexigibilizam o poder. Ora cabe dizer que o eleitor consciente é sempre um torcedor. Já o eleitor inconsciente, o que vota em qualquer um, ou naquele único nome — ou número — que conhece, apenas porque está, obrigatoriamente, frente a frente com a urna, este não existe, pois mesmo quando faz o gol, não leva. O momento do voto tem até jeitão de pênalti, percebeu? Você, a cédula de voto e a urna. Momento dramáááático... O torcedor, pelo seu lado, é um
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bom eleitor. Elege seu time, dentre tantos, e passa a sofrer com ele. Torcedor que não sofre, não é bom torcedor. É como aquele eleitor que usa a camisa do candidato porque a recebeu de presente, mas quando recebe uma mais nova transforma logo a antiga em pára-choque de rodo em sua casa. Então, chega a Copa do Mundo, não se fala em outra coisa: cerveja, praia, churrasco e batata fritas. Será que hoje nós teremos que ir trabalhar? É o Brasiiiiiiiiil! E se perder? A gente bebe! E se ganhar? A gente comemora! Como? Bebendo, é claro. Daí, chegam as Eleições, não se fala em outra coisa: cerveja, praia, churrasco e batata fritas. Hoje é certo: não teremos que trabalhar! É, e se o nosso candidato perder? A gente bebe, mas se ele ganhar, já sabe, bota aquela camisa velha e a gente comemora.
Como? Bebendo, é claro. Pois é, Copa e as Eleições, duas coisas tão diferentes que são parecidas. E nós aqui, só espiando... Vai que é tua, tabaréu!
(*) Julio Cortázar (1914-1984) - escritor argentino, autor de O Jogo da Amarelinha entre outros. Raymundo Netto é autor do romance Um Conto no Passado: cadeiras na calçada. Embora nem tenha tantos livros assim na estante, continua recebendo gentis doações. Contato: raimundo.netto@uol.com.br e AlmanaCULTURA: http://raymundo-netto.blogspot.com
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PUBLICAÇÕES
LEITURA E INFÂNCIA
DOCÊNCIA E GESTÃO
Saber ler e escrever faz com que um mundo totalmente novo e promissor se abra à nossa frente e ganhe significado. Neste livro-poema de Fabiano Piuba dos Santos, ilustrado por Rafael Limaverde, a criança, junto à sua família, viaja através das palavras e dos desenhos nas muitas possibilidades do direito de ler e aprender.
A vulnerabilidade do sistema de educação atualmente é uma realidade, haja vista os indicadores recentemente divulgados que apontam a necessidade de intervenção na condução das políticas públicas educacionais. A temática principal de Gestão escolar e docência, do professor Casemiro de Medeiros Campos, é justamente a relação dialética entre gestão escolar e a docência, que influencia diretamente na ação gestora.
Toda criança tem direito a ler o mundo Fabiano Piuba dos Santos Ilustrações de Rafael Limaverde Expressão Gráfica Editora 20 páginas
Gestão escolar e docência Casemiro de Medeiros Campos Edições Paulinas 158 páginas
NATUREZA No Patanal a vida animal ainda desfruta de certa harmonia com a natureza. Certamente uma arara ou jacaré não trocariam aquela moradia por nada neste mundo. Bem, não é o caso da Marli, uma cobra sucuri que estava cansada de tanto verde e não suportava mais a floresta... Monstro do Tietê Almir Mota Rafael Limaverde Casa do Conto 28 páginas
INFANTIL Analuz chegou ao maravilhoso sítio da sua querida vovó para mais umas férias muito esperadas. Porém, logo que chegou, sua mãe percebeu que ela estava resfriada e febril e por isso avisou que a menina somente sairia da cama quando estivesse completamente curada. E assim o tempo parecia não passar. Analuz passava as horas a assitir as brincadeiras dos primos e primas atraves da janela do quarto. Até que sua vovó teve uma idéia maravilhosa que mudou e coloriu toda essa linda história. As férias de Analuz Sáskia Brígido Ilustrações de Elane Oliveira Editora Littere