Poeminhas tamanho p - Marcelino Freire

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Poeminhas tamanho p Marcelino Freire

Vida

Secreta PUBLICAÇÕES


© EUGENIA LOLI


Poeminhas tamanho p Marcelino Freire

Vida

Secreta PUBLICAÇÕES


© Marcelino Freire, 2016 Edição e projeto gráfico João Gomes Imagem da capa © Antonio Rodrigues Jr. Dados do e-book Poeminhas tamanho p / Marcelino Freire; 48 páginas. ISBN — Pendente. I. Poesia brasileira.

Contatos e mais edições vidasecreta.weebly.com vidasecretacontato@gmail.com Os textos podem ser reproduzidos, desde que mencionada sua autoria. Créditos das imagens Pág. 2: Eugenia Loli; Págs. 7 e 8: Erik Olson; Pág. 45:Deger Bakir; Pág. 47: Divulgação; Pág. 48: Erik Olson. Edição sem impressão e sem fins lucrativos. Vida Secreta agradece a cortesia de Antonio Rodrigues Jr. pela imagem de capa.


Sumário 9 Poeminha para você 10 Poeminha feito para funcionar 11 Poeminha para sempre 12 Poeminha do amor maior 15 Poeminha para quem quer namorar 17 Poeminha para quando o amor acaba 18 Poeminha para o homem jovem 20 Poeminha para a Avenida Paulista 22 Poeminha de proteção 23 Poeminha para quem escreve 25 Poeminha sobre 8 de março 26 Poeminha para São Paulo 27 Poeminha para o melhor amigo 28 Poeminha bêbado 30 Poeminha órfão 31 Poeminha matemático 32 Poeminha astronauta 34 Poeminha companheiro 36 Poeminha miserável


37 Poeminha para Ciça 38 Poeminha para o Recife 39 Poeminha único 40 Poeminha tamanho p 44 Poeminha final 46 Sobre o autor e notas


© ERIK OLSON


© ERIK OLSON


0[1] Poeminha para você é para você este poema não é para o mundo para o coração da família nenhuma poesia nada para a esquina sem a cidade no meio do meu verso no peito é para você este poema não é para a literatura não estará em livro escrito e muito menos lido é para você este poema vem de longe de antigamente vai depois de mim além não é meu nem de ninguém é para você este poema

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0[2] Poeminha feito para funcionar só funciona contigo meu carro minha estrada meu compromisso o relógio a casa o pulmão meu fígado só funciona contigo o governo as leis os mandatos o veredito minha dieta a matéria e o espírito só funciona contigo o movimento o silêncio o infinito o que quer que seja este poema quando lido só funciona contigo

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0[3] Poeminha para sempre em algum dia no futuro alguma hora nรฃo agora de repente lรก longe em qualquer minuto presente entenderรกs que foi eterno o que hoje a gente sente

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0[4] Poeminha do amor maior abro o livro e você salta pula do parágrafo e fala e foge para a próxima página no capítulo de guerra lá você está na morte da poesia 12


vem e decreta o fim do dia a cada frase invade o meu passado e o meu futuro na linha da minha mĂŁo seu nome viaja por todas as palavras 13


dono de todos os sentidos fique sabendo disto perdão meu amor desde já que eu te aviso você só não é maior do que um livro

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0[5] Poeminha para quem quer namorar namorar é inaugurar um olhar um jeito de estar no mundo é quando o coração vem morar noutro planeta namorar é o mesmo que nascer e respirar é deixar a sorte acontecer no fundo do peito dar de comer e de beber ao sentimento namorar é muito melhor do que amar amar cansa e amar é sofrer namorar não tem 15


nada a ver com isto desde criança você sabe e me ensina tão bom quanto beijar menino e beijar menina

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0[6] Poeminha para quando o amor acaba tire o meu retrato da parede a parede da sala a sala da casa fique a casa nua e crua jogue fora a nossa rua a lua lá em cima caia venha abaixo sobre nossas cabeças nosso bairro fora do mapa a cidade tomada pelas águas suma na enxurrada desapareça nosso estado de espírito nosso país de porco tudo morto ao redor explosão de fim de mundo a vida só um pó de estrelas vamos viver juntos quem sabe meu amor longe daqui no começo de um outro planeta

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0[7] Poeminha para o homem jovem o homem jovem demora-se o homem jovem anda curvado o homem jovem é lento por dentro o homem jovem arrasta uma sombra o homem jovem não enxerga a luz o homem jovem vive na velocidade contrária o homem jovem só quer dormir o homem jovem não quer acordar o homem jovem gosta de morrer cedo o homem jovem ninguém quer matar o homem jovem é esquecido 18


o homem jovem sempre dรก seu lugar aos mais velhos como ele

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0[8] Poeminha para a Avenida Paulista a Avenida Paulista não está cansada dos estudantes dos professores não está cansada dos metalúrgicos dos gays das lésbicas dos simpatizantes a Avenida Paulista não está cansada dos médicos dos aposentados dos servidores públicos não está cansada de nenhum dos trabalhadores dos desempregados dos atores dos artistas a Avenida Paulista está cansada de ser a Avenida Paulista

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ela quer ser uma rua sem saĂ­da sĂł isso e mais nada um beco sujo e escondido onde o povo unido segue para mijar depois das passeatas

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0[9] Poeminha de proteção As duas lâminas de Xangô eu quero. Dentes afiados de um dinossauro. Por que não? A mandíbula de um tubarão. O punhal de um cangaceiro. O focinho de um cão. O olhar de um guará. Certeiro. O veneno de uma cascavel. No peito. A armadura de arcabuzeiro. O pontapé de Garrincha ao gol. A fuga de um beija-flor. Eu quero. Os hormônios de Hércules. Os neurônios de Einstein. O ódio de Cristo. O que for preciso. A paciência de Jó. O laço do passarinheiro. Sim. Todos os tipos de nó. O fogo. E o carvão. O poder da água. As armadilhas do coração. Eu quero. São Jorge e seu dragão. Todas as forças comigo. Meu amor. Para quando você me deixar na mão.

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[10] Poeminha para quem escreve Quando escrevo sou um índio. E tenho uma tribo. Uma toca. Um rio à minha volta. Um canto único. De guerra. Acredito que defendo. Com unha e flecha. O que resta da floresta. Quando escrevo sou um velho. Que carrego comigo as dores do tempo. Um coração baleado. Um amor do passado. Em meus poros. Cavo na própria pele uma cova. Para habitar os mortos. Quando escrevo creio que sou um doido. Varrido do mapa. Que não tenho casa. E vivo à solta. Sou um bicho. Não uma pessoa. Mordo quem venha se meter. No meu mundo. Vou sem medo ao poço sem fundo. Quando escrevo sou um soldado. Desses que se armam com o próprio corpo. Tocam fogo nas vestes. Correm em chamas. À praça. Um guerreiro em prece. Em brasa. Não sou covarde. Nem viro fumaça. Quando escrevo estou cantando. Para uma multidão. Uma canção antiga. Algo que sai do peito. Minha palavra ganha força. E peso. Mesmo sozinho no meu canto. Sinto que sou a voz de um povo inteiro.

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Quando escrevo eu sou sempre o outro. Em que me vejo.

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[11] Poeminha sobre 8 de março a mulher a letra que batiza a terra a cidade a selva a pedra a lua a rua a sorte a morte a vida toda a palavra menos esta o dia de hoje este dia é macho é masculino termina depressa logo é findo não pode ser o dono da verdade toda mulher sendo ela a própria eternidade 25


[12] Poeminha para São Paulo aqui morreu o meu pai quando eu recebi a notícia eu já morava na Vila Madalena e dormi de luzes acesas esperando o primeiro avião para o Recife aqui morreu o meu irmão quando eu recebi a notícia eu estava em uma universidade dando uma palestra sobre contos sem saber como terminar a história aqui morreu a minha mãe quando eu recebi a notícia eu voltava de uma apresentação uma peça de teatro no centro meu coração caído sob o viaduto a cidade em que eu vivo é a que me mata aos poucos onde eu peço socorro o relógio marcando todo dia a hora da morte dos outros depois de tudo vem o nascimento porque São Paulo não para não está nem aí para o abandono o funeral do esquecimento é aqui onde mora o próprio tempo 26


[13] Poeminha para o melhor amigo eu não sou teu amigo do Face não te curto todo dia nem compartilho nunca discuto contigo não te dou razão não te mando foto legal nenhum coração desculpas perdão se sou deste jeito sempre do teu lado não me leva a mal teu único amigo do peito da vida assim real

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[14] Poeminha bêbado ele chega e me aperta peito dentro do peito ao meu pobre coração fala mais de um segredo engole a minha saliva me sequestra um beijo aí depois vem com desculpas me diz no outro dia “é que eu estava bêbado” ele pula em meu pescoço me lambe cheiro por cheiro molha de nicotina todos os meus pelos na cama me ama e grita que é homem e não tem medo aí depois vem com desculpas me diz no outro dia “é que eu estava bêbado” ele chega em meu ouvido contorcido de desejo come o meu rabo o bandido me humilha de joelhos clama assim que eu chupe cada um de seus dedos aí depois vem com desculpas

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me diz no outro dia “é que eu estava bêbado” seu merda filho da puta desculpas deste tipo de novo já disse que não aceito porque mais bêbado do que eu neste mundo não existe nenhum outro sujeito

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[15] Poeminha órfão de onde você está vem este sol de Tocantins os jardins banhados verdes pássaros os caminhos as palavras todas os instrumentos de meus livros de onde você está a fé que eu tenho nas pedras a teimosia dos pequenos bichos os espinhos o amor que eu espero um dia acontecer tudo vindo de você de onde você está já preparando a mesa para quando eu chegar 30


[16] Poeminha matemático 100% quase do teu peito já está tomado você me mostrou todos os cálculos metade à família ao pai à mãe mais 20% para o cachorro os amigos do face do bar nem vale contar 15% aos cigarros às putas qualquer valor literatura cinema música jogo o time do coração passando sufoco ao país também à cidade todo sentimento é pouco nadinha de nada foi o que sobrou desta mísera parte é feito o nosso amor 31


[17] Poeminha astronauta no chão do coração pisar ir ao fundo do mundo levitar em todas as lembranças chegar no passado por um tempo aterrissar em qualquer lugar onde está a 32


tua falta toda saudade ĂŠ astronauta

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[18] Poeminha companheiro não é favor o que eu te faço não é pedido o que eu te peço é amor o nosso pacto laço, afeto não é mistério o que eu te dou não é impossível o que eu te entrego é real o nosso fruto maduro, eterno não é tudo o que nós temos mas é muito o que colhemos é concreto o sentimento único, sincero não é poesia o que eu te escrevo nada além 34


o que eu confesso ĂŠ sĂł o peito que se tem inteiro, aberto

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[19] Poeminha miserável gastei tudo contigo meus sapatos meus minutos meu sangue esses versos rimados meu pulso gastei tudo contigo a sorte no bingo meu descanso sábados e domingos minha semana comida grana saúde tesão gastei tudo contigo minha única ilusão minha paz de espírito a coragem que preciso para te pedir de volta o meu coração

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[20] Poeminha para Ciça perder uma amiga querida é saber da solidão do mundo é olhar o movimento em volta com o coração parado é a lua indo embora antes da hora um dia a menos um ano à toa é saber que já não sou a mesma pessoa parte de mim partiu em sua companhia o que ela me deu de vida agora ela levou é encontrar no peito o que sobrou viver para sempre com o que resta desta amizade sem fim este amor 37


[21] Poeminha para o Recife o ponteiro do relógio quando segue atrás da hora está correndo para lá quando entro em uma rua na esquina onde ela dobra segue rumo para lá as voltas que o mundo dá para todos os caminhos estou voltando para lá quando fecho bem os olhos ou quando acabo de acordar já fui embora para lá lá sempre foi o meu destino desde eu menino eu sinto aqui nunca foi o meu lugar

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[22] Poeminha único para tomar no cu quebrar a cara foder-se à toa cair na miséria ir à merda perder no jogo um poeminha só é pouco

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[23] Poeminha tamanho p será sempre menor este poema diante do que se tem na memória glória nenhuma uma falsa testemunha do passado não trará recompensa será sempre menor este poema uma titica de galinha um desarranjo floral 40


nadinha cocô de camelo urina de morcego não custará uma moeda um dedo de merda será sempre menor este poema em comparação ao amor uma pétala de miséria um vaso vazio raso sem flor covarde o verso e quem o criou não valerá a pena o que 41


morreu já era será sempre menor este poema sem sol e sombra sobra de solidão quando bater assim a inspiração o coração do poeta terá ido embora sem demora porque a vida é pequena do tamanho que nos cabe 42


serรก sempre menor este poema

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[24] Poeminha final não tem você nem verão hoje não tem poeminha no quarto à tarde à cabeceira sem luz a vela acesa hoje não tem poeminha faltará futuro ao mundo no chão a pedra sem fruto hoje não tem poeminha no céu a asa partida às coisas mais pobres da vida hoje não tem poeminha nesta página mesmo virando a página minha alma estará sozinha hoje não tem poeminha

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© DEGER BAKIR


Sobre o autor e notas Marcelino Freire nasceu em 1967 em Sertânia, PE. Viveu no Recife e, desde 1991, reside em São Paulo. É autor, entre outros, de Angu de Sangue (Ateliê Editorial) e Contos Negreiros (Editora Record – Prêmio Jabuti 2006). Em 2004, idealizou e organizou a antologia Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século (Ateliê). Criou e é curador da Balada Literária, evento que, desde 2006, acontece em SP. No final de 2013, publicou seu primeiro romance, intitulado Nossos Ossos (Record), publicado também na Argentina, pela editora Adriana Hidalgo, e na França, pela editora Anacaona, e com o qual ganhou o prêmio Machado de Assis 2014 de Melhor Romance. Os poeminhas são publicados no seu blog, Ossos do Ofídio: marcelinofreire.wordpress.com

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Poeminha para sempre em algum dia no futuro alguma hora não agora de repente lá longe em qualquer minuto presente entenderás que foi eterno o que hoje a gente sente

Vida

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