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FANZINE DE DESPEJOS CULTURAIS – N.º 2 – MARÇO DE 2014
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NOTAS DE REDAÇÃO Chegou o N.º2 do fanzine PONTE DE FUGA. Podemos afirmar que o N.º1 foi um sucesso pela aceitação do público tanto na Internet como no rápido esgotamento da edição em papel. A este projeto junta-se o “LBL”, um pequeno jornal de 4 páginas de informação local cujo primeiro número está à venda desde o dia 18 de fevereiro. Recordo que a estas duas edições correspondem os respetivos blog’s: PONTE DE FUGA: pontedefuga.blogspot.com LBL: lbjornal.blogspot.com Tal como prometido fica aqui o primeiro relatório de contas com apuramento da primeira receita a entregar a uma instituição humanitária no final do ano. RECEITAS VENDAS ASSINANTES TOTAL
DESPESAS 58.85 € IMPRESSÃO 24.00 € DESPESAS DE ENVIO
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TOTAL LUCRO TOTAL: RESERVA PARA PRÓXIMA EDIÇÃO VALOR APURADO PARA DONATIVO A INST. HUMANITÁRIA Continue a apoiar este projeto. Leia, assine, divulgue
“PONTE DE FUGA” é um fanzine sem fins lucrativos financiado por donativos. Os lucros anuais revertem a favor de uma organização humanitária a eleger por leitores e assinantes. Colaboram neste número: Vítor Fernandes, Diana Beja, Ana Ribeiro, Monique Ferreira, Wesley Samp e Catarina Santos. Edição: Vítor Paulo Fernandes e-mail: pdfuga@sapo.pt Blog: pontedefuga.blogspot.com Facebook: https://www.facebook.com/pontedefuga
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DESENHOS VÍTOR FERNANDES
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HISTÓRIAS DE VIDA POR MÓNICA FERREIRA (www.amorsemasas.blogspot.com) A vida tem muitos obstáculos e o medo faz parte, mas por vezes temos de ser fortes não por nós, mas pelo amor que sentimos, pois o amor fica em terra, o amor não tem asas.
O diário de Isabela. 1 de Janeiro de 1943 “Querido Diário, a minha vida mudou drasticamente. Passei de um conto de fadas ao terror judeu. Não fiz mal a Deus ou a qualquer pessoa humana. Não sei o porquê de ser inferior. Está quase a fazer 10 anos que fui destituída do meu cargo no museu. E os meus pais? Capturados. Mesmo depois de lhes tirarem todos os seus bens, os trabalhos, tudo o que conseguiram com trabalho árduo foram capturados. Acho que foram mortos, vivo na constante incerteza e na esperança de os encontrar de novo. O meu noivo e protetor? Destacado para a guerra, já que é capitão no exército. Eu? Uma judia fugitiva que tenta lutar pela vida, mais uma rotulada sem qualquer importância. Impediram-me de contrair casamento com Bernhard, ele é puro, eu não sou ariana e tenho a estrela de Davi no braço – que por sinal é um impedimento mais que válido. Não sei o dia de hoje e muito menos o amanhã. A qualquer momento poderá ser a minha última palavra, o meu último suspiro. Agora que não tenho a proteção do meu Bern eu sou apenas mais uma escrava judia, sem ele será difícil sobreviver. Ouve-se pela rua falar em capturas de judeus que fazem uma viagem sem volta. Toda a gente se questiona que viagem será, para onde será e o que acontecerá. Eu acho que... acho que os matam. Ultimamente não tenho saído à rua com medo, oiço tiros a toda à hora, já passaram a ser a sinfonia diária. A última vez que saí vi uma rapariga que conhecia da igreja morta a sangue frio no passeio. Ultimamente os mortos pelo passeio são tão constantes como flores em canteiros. Não tenho comido, na verdade a razão é por não ter comida em casa, nem dinheiro para comprar algo. O meu último alimento foi um pão com bolor que encontrei num lixo de rua. Chego a questionar-me se Bernhard faz ideia das dificuldades que tenho passado, das vezes que já fui agredida na rua. Por vezes penso se ele quer voltar para mim, se me procura ou apenas se está vivo. Ele tinha-me prometido que viria buscar-me, que me viria salvar, que não deixaria que nada de mal me acontecesse. Olho para o nada e quase paro no tempo, não compreendo o mundo ou apenas não me compreenda a mim. Passam-me pela cabeça tantas perguntas sem nexo ou resposta. O meu coração palpita forte, será de saudade ou apenas medo? Oiço gritos altos perto da minha porta, mais judeus levados ou apenas mortos. Tenho medo que chegue a minha hora. Tenho medo do agora, medo de partir sem, por uma última vez, ver o brilho dos olhos do meu amor. Não sei o que se passa aqui, não sei o que corre na minha cabeça e muito menos no meu coração. Tudo deixou de fazer sentido para mim, a nadzieja perdeu-se e eu quase me perco também num mundo repleto de sangue e terror. É irónico ter estudado história quando, certamente, o meu momento enquanto mais uma judia sem valor ficará na história. No futuro, tantos jovens sonhadores estudarão isto na minha profunda ignorância de historiadora. Só agora me lembro, estamos no 1º dia do ano, devia ser um dia de promessas, um dia de felicidade. Hoje, dia 1 de Janeiro, 1º dia do ano, eu paro e vejo que este pode ser o meu último primeiro dia do ano. Não, não é um dia feliz, não recordo o que passei de bom no último ano, porque simplesmente essas coisas boas não existiram. Hoje é igual a ontem, a anteontem e a todos os dias. Hoje o terror é maior e cada vez o medo me domina mais. Querido diário, por favor... trás o meu amor de volta, deixa-o vir salvar-me. Isabela Nadzieja”
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Adolescente que é adolescente, já viu o seu mundo cair sem saber por onde pegar. Sem saber que mão segurar, ou nem se quer ter nenhuma mão para segurar. Adolescente já viveu terrores com amigas/os… Já se sentiu, inútil e com vontade de morrer, já chorou numa aula por ver o/a seu/sua príncipe/princesa escapar por entre os dedos sem saber o que fazer. Já amou quem nunca devia ter amado, já virou as costas a quem nunca quis fazer tal coisa, mas foi necessário.. Necessário não, era preciso, era o melhor. Já se arrependeu de mil e uma coisas mas agora pensa baixinho, "Se não tivesse sido assim, hoje, de certeza, não estaria aqui, onde estou, como estou, com quem estou". Faz algum sentido, não faz? Eu sei… Já pensaste que os erros foram necessários para o teu sucesso? Não? Então pensa. Seria totalmente diferente se não tivesses seguido um caminho, se tivesses preferido ir por uma rua mais estreita e não uma iluminada. Seria diferente se não aparecesses naquele momento numa festa, numa rua, num estacionamento, numa loja, talvez não tivesses visto quem desejavas ver há tempos… Seria diferente se fosses outra pessoa? Claro que seria, mas foi assim e o que tens de fazer é aceitar, viver! Estaria a ser diferente se não tivesses nascido? Estaria, mas nem tu sequer estarias a ver a diferença. Às vezes precisamos de ver as diferenças para construir as igualdades. De vez em quando é preciso subir ao céu, sonhar e ver que nem tudo são estrelas, nem em todos os dias há céu limpo, por vezes, ocorre chuva sem perceberes porquê, dizem que é o céu que está triste mas sinceramente isso era aquilo que a tua mãe te dizia mas nunca foi capaz de explicar. Não há porquê, simplesmente teve de ser assim, tinha de ser assim, estava planeado para acontecer assim, naquele dia, naquela hora, naquele sítio... Hoje lembra-te que há imensas estrelas no céu e tu escolhes sempre uma diferente, não é por mal, apenas porque procuras alguém especial para te iluminar no dia seguinte… As estrelas observam-te mas o sol guia-te. Ana Ribeiro www.anaribeiro98.blogspot.com ana
QUADRO DE LUIS ROYO
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WESLEY SAMP
Lendas
DO BRASIL COM TALENTO
Sinto um vazio dentro de mim, que percorre o meu corpo. É como o cair das folhas no Outono. A razão perdi a não lastimo. Caminho pelo deserto da vida com o sol encandeando-me, impedindo-me de ver obstáculos. A natureza abandonou-me onde cães vadios me acolhem desesperados por carinho e amor. A presença de um obstáculo está mesmo a minha frente, uma estante meio enterrada na areia quente, repleta de livros de lendas serão mitos ou será que possuem um mistério de verdade. Agarrei num livro de capa verde que dizia, “Um amor deixado para amanhã”. Sinto o peso do livro e pensei, o maior dos sofrimentos era ferir os sentimentos das personagens. O livro tinha um aspecto convidativo, então abri-o e o cheiro da saudade espalhou-se pelo ar, entrando pelas minhas narinas. Desfolhei página a página e reparo no amor em letras de tinta preta. Chego á conclusão de que este livro já foi muito amado. Não existe a presença de melancolia, só a saudade. Descubro uma carta deixada entre as páginas do livro que em letras azuis me confidencia que já não sabe amar, seu coração cometeu erros, erros de amantes. Confessa porém uma afeição que o vento e as areias guardaram para sempre num retrato. Hoje a noite é vazia, e o meu pesar é sincero pois desejava com pecado, viver uma história de mentira onde reencontro amigos que nunca conheci. Encostada á estante invento um amor sem pudor onde as carícias não se distorcem, e o amor será imortal. Diana Beja http://carrosseldesentimentos.blogspot.pt
Do país onde a Banda Desenhada (BD) se chama Histórias em Quadrinhos (HQ) chega Wesley Samp que é um profícuo criador de tirinhas de onde se destacam “Os Levados da Breca”. Ele se define da seguinte forma: Brasiliense, nascido em 1980 e fã de quadrinhos desde moleque. Este sou eu. Cresci cercado de gibis. Fui alfabetizado com eles. Desde muito novo fui capturado pelos fascinantes mundos de Calvin & Haroldo, Turma da Mônica, Homem-Aranha e tantos outros personagens. E, por eles, comecei a imaginar meu próprio mundo, a fazer minhas próprias criações. Na escola, passava boa parte das aulas desenhando. Em casa, o meu tempo livre era preenchido lendo e fazendo meus próprios gibis. Agora estou aqui, trazendo até vocês um pouco das minhas criações. Espero que se divirtam lendo tanto quanto eu me divirto fazendo. O melhor é visitarem o seu site: http://www.oslevadosdabreca.com O divertimento é garantido. Por aqui vão ficando algumas tiras com a gentil autorização do autor.
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http://www.oslevadosdabreca.com
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QUE MAL TE FIZ? Sempre fui um cão muito lindo. Desde pequeno que era amado pela minha don. Lembro-me de ter nascido e da minha dona ser uma criança encantadora. Eu sabia que essa criança me amava mesmo quando me apertava muito junto a ela como se eu fosse um peluche. Eu encarava isso como uma prova de amor. Ela nunca me deixava sozinho. Nos dias de semana, quando ela tinha que ir para a escola, era mais complicado, mas ainda assim, ela levantava-se mais cedo para se poder despedir com tempo. Ela cresceu e nunca me abandonou e a nossa relação sempre foi muito boa. Um dia lembro-me de entender uma conversa em que a mãe dela chorou muito e depois a minha dona pegou em mim e levou-me para o quarto. Agarrou-se a mim e começou a chorar também. Eu, como sempre fazia, lambia-lhe as lágrimas e tentava fazê-la rir, mas daquela vez nada resultou. Um dia ela fez as malas e saíu de casa. Mais tarde percebi que a minha dona tinha crescido e estava na altura de ter a sua própria casa, mas fiquei muito feliz. Sim… ela levou-me com ela. Passado um tempo ganhei um dono também e um pequeno com quem eu pensava repetir a história que passei na infância da minha dona. Mas sempre que eu chegava ao pé dele, ele espirrava. Ele era alérgico ao meu pêlo. A minha dona pegou em mim, meteu-me no carro e levou-me para casa. Ela foi todo o caminho a chorar e eu não percebia porquê. Só quando me deixou em casa dos pais dela compreendi que ela não me podia ter em sua casa. Não fiquei zangado porque ela não me abandonou como fazem certos donos crueis. Ainda assim passei a sentir a falta daquele carinho que só ela me sabe dar quando me visita. Em resumo: sou um cão feliz. Catarina Santos
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BAILE NO BOSQUE - UM CONTO DE ENCANTAR Jéssica Albertina era uma jovem adolescente a cair para a idade adulta. Como todas as jovens sonhava com príncipes encantados, diamantes, bacalhau assado com batatas a murro, sapatos e vestidos. Ela desejava mesmo era que lhe aparecesse um príncipe encantado montado num cavalo branco, num burro, numa avestruz ou mesmo num Ferrari vermelho. Mas nada disso. Tinha uma dúzia de matarruanos atras dela, mas nenhum se parecia com o príncipe dos seus sonhos. Eram mais príncipes dos seus pesadelos, embora que o Zé moleiro nem era mau de todo. Um dia beijou um sapo e ficou à espera da transformação, mas o pobre animal fugiu aterrorizado e ainda teve que dar explicações à esposa, uma respeitável batráquia mãe de cinco mil girinos. Um dia chegou a hora em que aquilo aconteceu. Jéssica Albertina estava a ler “Alice no país das maravilhas” e embalada pela história atirou-se contra o espelho do guarda-fatos. Em vez de espatifar o móvel comprado há muitos anos, mas ainda por pagar, atravessou o espelho e caiu num estranho mundo. Jéssica Albertina aterrou num bosque constituído por tomateiros gigantes. Só assim se compreende que os frutos lhes caíssem aos pés. Ouviu música. Foi ver e depressa descobriu uma clareira onde havia festa. Num palco improvisado tocava a banda filarmónica. Dois pares tinham já aberto o baile. Tudo caras conhecidas. Indiana Jones dançava com a Margarida, para desespero do Pato Donald e Lucky luke com a Mulher maravilha. O Tintim quis dançar com a Mulher Invisível e só não a convidou porque não a viu. Também o Incrível Hulk queria um pé de dança com a Smurfina, mas ela não aceitou argumentando que azul não conjuga bem com verde. Quem não dançava tinha a mesa do banquete para se entreter, mas era só a mesa. A comida tinha desaparecido toda minutos depois de Obelix se ter sentado. Foi então que apareceu o príncipe encantado. Jéssica ficou cheia de esperança, mas ele foi logo rodeado pela Bela Adormecida, a Gata Borralheira e a Branca de Neve. Uns coirões – pensou Jéssica. A Capuchinho Vermelha também já lá ia, mas a Alice do país das maravilhas não deixou. - Que queres do príncipe? O lobo mau não te chega? Sim, eu sei bem que ele te anda a comer a ti e à tua avó. - Isso era antigamente no tempo em que os lobos eram maus. Agora é espécie protegida e já não têm andamento para mim. Jéssica aproximou-se timidamente do príncipe. Ele largou as três donzelas e avançou para ela. - Olá. Eu sou a Jéssica Albertina. - Encantado. Respondeu o príncipe encantado.
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As donzelas disfarçaram como puderam. A gata borralheira, Cinderela para os amigos, perdeu um sapato. A Branca de Neve foi à procura de sete marmanjos com quem vivia em alegres aventuras. A Bela Adormecida adormeceu. Maldito Xanax. O príncipe encantado estava encantado com Jéssica. - Quer vir conhecer o meu palácio? - Claro que sim. - Então venha. Vai ter uma surpresa do caraças. Montaram no cavalo e partiram a todo o galope. Ao atravessarem uma encruzilhada, a bruxa da floresta, teve que parar no semáforo para os deixar passar. Foi uma arrelia porque depois a vassoura não pegava. Devia ser bateria, viola, piano ou mesmo saxofone. Ela amaldiçoou o príncipe e companhia. Logo ali vaticinou que não seriam felizes. Jéssica cavalgava mais o príncipe encantado pelo bosque quando ele apontou para um ponto. - Olha. É ali que eu vivo. Jéssica Albertina viu uma cabana miserável. - Aquilo é que é o teu castelo? - Pois… Já tive dias melhores. É a crise. O príncipe encantado era afinal o príncipe pobre e trabalhava numa oficina de bate chapas. Os seus luxuosos trajes tinham sido emprestados pelo padrinho que, por ser larilas, parecia mais a madrinha. O palácio tinha sido penhorado pela Segurança Social e o cavalo branco, sem maquiagem, era uma somenos pileca de nome Rocinante. Jéssica Albertina caiu então na realidade e enfrentou o príncipe. - Olha meu menino. Teso por teso antes quero o Zé moleiro que é um rapaz asseado, honesto e trabalhador. Jéssica Albertina casou com o Zé moleiro e emigraram para os Estados Unidos onde têm um moinho movido pela corrente do rio Mississípi. O resto são águas passadas. Vítor Paulo Fernandes (vpf-escrita.blogspot.com)
RANTANPLAN - O CÃO MAIS ESTÚPIDO QUE A PRÓPRIA SOMBRA
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RUA DA AMARGURA - LAGOS DA BEIRA - OLIVEIRA DO HOSPITAL (DESENHO DE VÍTOR FERNANDES)